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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
AVM FACULDADE INTEGRADA
ADOÇÃO TARDIA
Uma história cercada de Mitos e Preconceitos
Por: Marcia Averbach Macedo
Orientador
Prof. Eduardo Brandão
Rio de Janeiro
2014
DOCUMENTO PROTEGID
O PELA
LEI D
E DIR
EITO AUTORAL
UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSO”
AVM FACULDADE INTEGRADA
ADOÇÃO TARDIA
Uma história cercada de Mitos e Preconceitos
Apresentação de monografia à AVM
Faculdade Integrada como requisito
parcial para obtenção do grau de
especialista em Psicologia Jurídica
Por: Marcia Averbach Macedo
AGRADECIMENTOS
Agradeço a vida que Deus me deu e a oportunidade de
estar concluindo esta formação em minha caminhada
profissional.
Às pessoas maravilhosas que convivi durante o curso e
que ficarão para a vida toda e aos professores que
sempre disponíveis, transmitiram suas vivências com
competência e dedicação.
A minha psicóloga, agradeço por hoje eu ser melhor do
que antes e por já não chorar mais as minhas perdas e
sim aprender com as experiências advindas delas.
A todos que direta ou indiretamente fizeram parte da
minha formação e que lidaram com a minha “ausência
temporária” de suas vidas. Obrigada pela compreensão.
Agradeço pela orientação recebida, pelo suporte, pelas
correções e incentivos.
E em especial, agradeço a Ademir, pessoa com quem
amo partilhar a vida. Com você me sinto mais viva de
verdade. Obrigada sempre pelo carinho, paciência e por
me trazer PAZ na correria de cada etapa desta
monografia.
DEDICATÓRIA
Dedico aos meus pais (in memoriam) pelo
“amor possível” que coube a cada um me dar.
RESUMO
A presente pesquisa buscou conhecer os fatores associados ao perfil dos
requerentes e os problemas que envolvem as adoções, especificamente a adoção
tardia, objeto desse estudo. Buscou mostrar que o perfil de crianças desejado pelos
requerentes à adoção é muito diferente da realidade encontrada nas instituições
brasileiras, pautado nos valores e padrões estéticos que fazem parte do imaginário
social influenciando diretamente na definição de critérios seletivos e rigorosos para a
escolha da criança a ser adotada, possibilitando a reprodução de mitos e
preconceitos. Foram abordadas as expectativas, motivações, preparação dos
adotantes e outros aspectos importantes que visam incentivar os requerentes a
iniciar o processo de adoção.
Palavras-chave: Adoção. Adoção tardia. Criança. Família. Institucionalização.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 9
CAPÍTULO I
ADOÇÃO TADIA E SUA EVOLUÇÃO HISTÓRICA 11 1.1. A evolução Legislativa da Adoção 13 1.2. A adoção e as novas leis 17 1.3. Adoção Tardia e suas questões 19
CAPÍTULO II
O CONTEXTO CULTURAL DA REALIDADE SOCIAL E A ADOÇÃO TARDIA 23
2.0. Do abandono à Adoção 23
2.1. A Institucionalização e os Filhos da Solidão 25
2.2. Os Mitos e Preconceitos sobre a Adoção 30
CAPÍTULO III
O PERFIL E A MOTIVAÇÃO DOS PRETENDENTES À ADOÇÃO 36
3.1. A Preparação para Adoção e o Perfil do Adotado 39
3.1.1.Quem deve fazer esta preparação 42
3.1.2. Forma de preparação dos adotantes 43
3.1.3.Critérios de Escolha da Criança 43
3.1.4.Educação da Criança Adotiva 44
3.1.5. A Procura das Origens 44
3.1.6. A Família Biológica 44
3.1.7. A revelação da Adoção para Amigos e Familiares 44
3.1.8. Um Ambiente Favorável à Adoção 45
3.2. A Adoção na Mídia 47
3.3. O Judiciário e a Psicologia 49
CONSIDERAÇÕES FINAIS 57
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 60
INDICE 62
ANEXOS 64
FOLHA DE AVALIAÇÃO 73
“Uma criança é como o cristal e a cera.
Qualquer choque, por mais brando, a abala
e comove, e a faz vibrar de molécula em
molécula, de átomo em átomo; e qualquer
impressão, boa ou má, nela se grava de
modo profundo e indelével”.
Olavo Bilac
9
INTRODUÇÃO
A escolha deste tema tem como objetivo compreender quais os motivos de
existir de um lado um número de crianças que aguardam para serem adotadas e de
outro, o grande número de famílias que tem seus cadastros colocados na lista de
adoção, realidade esta posta como um desejo.
Tem como objeto de estudo a adoção tardia e o preconceito que a envolve,
gerado por mitos que dificultam a inserção de crianças em famílias substitutas. Os
mitos criados em torno da cultura são fortes obstáculos para a realização da adoção
tardia por parte dos pretendentes à adoção na atualidade brasileira, fazendo com
que a escolha seja por um padrão idealizado, como o de crianças recém-nascidas,
brancas e outras características que fazem parte do imaginário social.
Esta pesquisa visa uma compreensão da situação tal como acontece, de
maneira a ampliar o entendimento e não necessariamente a explicação de
determinado fato. Apresentar os entraves originados pelo preconceito, tendo como
conseqüência que crianças e adolescentes disponíveis para adoção, fiquem nos
acolhimentos institucionais por um longo período à espera de uma família substituta
e vivam a triste realidade de não terem chance de serem adotadas por causa da
idade.
A técnica de coleta de dados será por meio de pesquisa bibliográfica, com
leitura de diversos autores sobre o assunto, internet e legislação vigente.
A pesquisa teve a intenção de conhecer os atores da adoção e os caminhos
trilhados por eles, a realização de um levantamento do perfil dos adotantes e
adotados, os problemas enfrentados por esses sujeitos nos processos de habilitação
para adoção, a motivação e o significado da adoção, a priorização dos interesses da
criança e do adolescente.
O trabalho consta de três capítulos.
O primeiro capítulo versará sobre a Adoção Tardia e sua evolução histórica
por considerar importante contextualizar o tema “adoção” aprofundando a temática a
partir de seu histórico. Assim, apresento neste capítulo um panorama geral sobre a
evolução legislativa da adoção, a adoção e as novas leis e a adoção tardia e suas
questões elucidando os avanços e retrocessos observáveis nos comportamentos da
10
população como um todo e das famílias em particular, frente ao contexto atual da
criança e do adolescente em situação de abandono ou institucionalização.
No segundo capítulo o contexto cultural da realidade social quanto à adoção
tardia será mostrado através das obras de diversos autores como embasamento
teórico para a análise das estruturas que compõem as questões sociais. Serão
descritas questões sociais, conceitos e teorias que clareiam minha busca por
compreendê-las, além de apresentar e discutir sobre os textos dirigidos à temática
da adoção.
Buscaremos traçar neste terceiro capítulo o perfil das crianças e adolescentes
a serem adotados e suas percepções acerca da inserção em uma nova família.
Pesquisaremos ainda, o perfil dos futuros pais adotivos, bem como, os mitos e
preconceitos que dificultam o processo da adoção tardia a partir de informações
obtidas por pesquisa nas áreas do Direito e da Psicologia.
As considerações finais encerrarão este trabalho que significou para mim uma
oportunidade de encontrar no universo da “adoção”, histórias de encontros,
desencontros e re-encontros.
11
CAPÍTULO I
ADOÇÃO TARDIA E SUA EVOLUÇÃO HISTÓRICA
“O tempo é da criança e do adolescente, e não do adulto, eles
tem que esperar. O adulto não tem que correr. A infância e a
adolescência podem acabar amanhã”.
Herbert de Souza (escritor e sociólogo).
O vocábulo “adoção” vem do latim “ad-optare”, isto é, aceitar, escolher.
Possibilita criar uma família, atribuindo a condição de filho às crianças
biologicamente geradas por outros. Pensar a prática da adoção é contar a sua
história que tem raízes muito profundas.
A adoção foi reconhecida nos chamados códigos orientais dos povos
asiáticos. Esses códigos eram denominados código de Urnamu (2050 a.C.), código
de Eshnunna (séc. XIX a.C.) e o código de Hamurabi (1728-1686 a.C.).
Essa história se inicia com o Código de Hamurabi através do qual a adoção
foi disciplinada e tornou-se conhecida no Egito, na Caldéia e na Palestina e é o mais
antigo conjunto de leis sobre adoção.
Passagens bíblicas relatam casos de adoção de crianças como o de Moisés
que foi deixado em um cesto às margens de um rio pela mãe na esperança de que
sobrevivesse. A criança que recebeu o nome de Moisés foi encontrada pela filha do
faraó, que o adotou como filho e este mais tarde veio a se tornar o herói do povo
hebreu.
Durante a Idade Média, que teve seu início no séc. V e estendeu-se até o séc.
XV a adoção declinou, pois, nessa época, não existia um cuidado com a proteção da
criança em razão do descaso com a infância e a ausência de um sentimento de
família.
A adoção exercia o simples papel de continuidade familiar, passando uma
imagem de ser um processo que visava exclusivamente os interesses dos adotantes
pois atendia mais, os princípios da política e da religião.
12
No final do séc. XVIII a adoção ressurge com o advento da Revolução
Francesa graças a Napoleão Bonaparte, cuja esposa se tornou estéril, passando a
fazer parte do Código Civil através de uma regulamentação muito rígida. Uma das
exigências impostas era apenas para pessoas que não possuíssem filhos e tivessem
mais de 50 anos de idade, garantindo assim, a sucessão para pessoas mais velhas
e sem herdeiros.
No campo da psicologia, especificamente na abordagem psicanalítica citamos
o mito de Édipo que abandonado pelos pais e condenado à morte, foi encontrado
por pastores do rei de Corinto e dado de presente à rainha que era estéril e que o
adotou como filho.
O complexo de Édipo, termo utilizado por Sigmund Freud baseado na história
de Édipo rei, caracteriza-se por sentimentos contraditórios de amor e hostilidade. É
um dos conceitos fundamentais da teoria e da clínica psicanalítica e é visto como
amor à mãe e ódio ao pai.
A adoção é um tema onde a psicologia encontra fértil terreno para as suas
atividades. Debruça-se a psicologia sobre os aspectos emocionais inerentes ao
processo adotivo, tais como: o dimensionamento do abandono, as aptidões para
adotar, os primeiros encontros e a formação dos primeiros vínculos.
Nesse mesmo contexto, as alterações que aconteceram e vem acontecendo
em diversos momentos históricos e que aqui estão sendo descritas são de extrema
importância por evidenciarem as mudanças das leis e as conquistas obtidas pelas
novas formas de pensar mais a criança do que o adulto no cenário atual.
13
1. A Evolução Legislativa da Adoção. A mente que se abre a uma nova idéia jamais
volta ao tamanho original.
Albert Einstein
A legislação sobre a “Adoção” teve seu início com o povo grego e romano. O
que se destaca nesses povos era a forma de privilegiar os interesses do adotante e
não do adotado.
No entanto, ao se colocar a adoção em moldes jurídicos, essa surge como
uma exceção, qual seja, o princípio da herança, até então, uma enorme barreira
para a introdução da lei a favor do adotante. No Direito Romano, a adoção foi
concebida inicialmente como um instrumento de poder familiar.
A História dá um salto. A feitura sobre adoção/adotado vem a se propagar
com o advento da primeira guerra mundial. A adoção começa a adquirir um viés
social e a se voltar para o interesse da criança. Com o grande número de crianças
órfãs e abandonadas (pós guerra ) um novo recorte se dá. Na segunda guerra, o
interesse passa a ser apenas para os recém nascidos.
No Brasil a história da adoção começa a partir do século XX, inspirada no
Direito Romano, sendo tratada pela primeira vez pelo Código Civil Brasileiro de
1916, até que em 1957 estabelece-se o Código Brasileiro de Menores. Os
legisladores brasileiros buscam nesse momento, novas relações nos modelos de
família existentes na época, visando à formulação e legislação do Código Civil de
1916 que como instrumento jurídico, evidenciava o matrimônio civil como a base do
Direito de Família e da sociedade.
Nessa época, o quadro sócio-econômico e político brasileiro começava a
passar por transformações, onde a desestruturação familiar, o desemprego e a
pobreza apontavam para um problema nacional. É de fundamental importância
destacar que antes de qualquer referência a outros aspectos do Código Civil de
1916, é preciso analisar o contexto do abandono no Brasil.
O abandono atingiu muitas sociedades e em conseqüência dos inúmeros
casos de abandonos, criou-se um mecanismo social que solucionasse esse
escândalo, a Roda dos Expostos ou Roda dos Enjeitados:
14
O nome da roda provém do dispositivo onde se colocavam bebês que se
queriam abandonar. Sua forma cilíndrica, dividida ao meio por uma divisória,
era fixada no muro ou na janela da instituição. No tabuleiro inferior e em sua
abertura externa, o expositor depositava a criancinha que enjeitava. A seguir,
ele girava a roda e a criança já estava do outro lado do muro. Puxava uma
cordinha com uma sineta, para avisar à vigilante ou rodeira, que um bebê
acabava de ser abandonado e o expositor furtivamente retirava–se do local,
sem ser identificado (WEBER, 2011, p. 30).
A Roda dos Expostos tinha por finalidade que o expositor levasse o bebê
evitando assim, que fosse abandonado nas ruas, em porta de igrejas ou casas de
outras famílias. Atualmente não existem mais as “Rodas”, mas ainda temos muitas
instituições de internamento com um grande número de crianças abandonadas,
contrariando o que diz o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que toda
criança tem o direito à convivência familiar e comunitária.
Em 1927, foi criado o primeiro Código de Menores, o primeiro da América
Latina. A partir de então, podemos identificar definições a respeito de abandono e
suspensão do poder familiar, a diferença entre menor abandonado e delinqüente e
uma dupla definição de abandono, físico e moral. (WEBER, 2010). Este código foi
instituído pelo Decreto 17.943 de 1927 como “Código de Mello Mattos” e foi escrito
através da contribuição e empenho de José Cândido de Albuquerque Mello Mattos.
No ano de 1957 pela Lei 3133 a idade para adotar é reduzida pelo Código de
Menores para 30 anos e a diferença de idade entre adotado e adotante passa a ser
de 16 anos, podendo o nome do adotante, fazer parte do nome do adotado. Além
dessas conquistas essa Lei permitia a adoção mesmo se o adotante tivesse filhos
legítimos, legitimados ou reconhecidos, mas neste caso, não seriam concedidos os
direitos hereditários aos adotados. Se o adotante fosse casado, a adoção só seria
possível depois de transcorridos cinco anos de casamento.
Uma outra questão trata da controvertida questão da adoção do nascituro que
com essa Lei, passou por importantes alterações quanto às regras do Código Civil
de 1916, tendo a sua redação modificada no artigo 372 que determina não ser
possível adotar sem o consentimento do adotado ou de seu representante legal se
for incapaz ou nascituro. (WEBER, 2010).
Em 20 de novembro de 1959 a Declaração Universal dos Direitos da Criança
é aprovada por unanimidade pela Assembléia Geral das Nações Unidas constando
15
de dez princípios elaborados cuidadosamente e que apontam para as condições de
liberdade e dignidade a que a criança tem direito.
No que se refere à Legitimação Adotiva, a Lei 4.655 de 1965 mantinha com
relação aos direitos a bens e sucessões, a diferença entre filhos biológicos e
adotivos, facultando ao adotado quase os mesmos direitos dos filhos legítimos.
Com a Lei 6.697 de 1979, passa a vigorar o segundo Código de Menores com
autorização dada pelo juiz, aplicável aos menores em situação irregular
caracterizando a adoção simples e a substituição da legitimação adotiva pela
adoção plena. No Brasil, foi somente com a instituição do Código de Menores, que
houve maior progresso na questão da adoção.
Sendo assim, a partir da Constituição da República de 1988, fica destacada a
importância do reconhecimento, por parte do ordenamento jurídico da questão da
subjetividade da criança e do adolescente como seres humanos possuidores de um
significado próprio. Ao Direito cabe respeitar e proteger a partir dessas premissas
essa condição que passa a ser garantida constitucionalmente.
De acordo com Weber et al, a Convenção das Nações Unidas sobre os
Direitos da Criança do ano de 1989, que determinou que “os direitos humanos da
criança fossem observados”, culminou em um movimento significativo em relação à
proteção da infância.
Partindo deste cenário e de um movimento social voltado para a assistência à
infância, no Brasil, contando com vários segmentos da sociedade civil, resultou o
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) através da Lei 8.069, de 13.07.90,
considerada uma das leis mais avançadas do mundo e que derivou do art. 227 da
Constituição Federal citada por (WEBER, 2010), como a nossa “Constituição
Cidadã”.
Art.227 - É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança
e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão. (Estatuto da Criança e do
Adolescente, p.5).
16
Desde 1990 é o Estatuto da Criança e do Adolescente a legislação que
direciona e ampara, no contexto brasileiro, a instituição do processo de adoção.
Esse estatuto expressa as mudanças da sociedade brasileira frente à política de
atendimento à população infanto-juvenil, redirecionando dentre outras medidas, a
normatização da adoção. Entre outras coisas, afirma que a pobreza, a carência
familiar, não se traduz em condição para a retirada do poder familiar, pelo Poder
Judiciário na figura do Juiz da Infância e Juventude.
Com a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente em substituição
ao Código de Menores, o Juiz de Menores passou a ser chamado de Juiz da
Infância e Juventude.
O Estatuto da Criança e do Adolescente introduz princípios, abolindo a
concepção de crianças abandonadas, pobres e delinqüentes trazendo o conceito de
criança cidadã de pleno direito.
De todo o exposto, percebe-se que a evolução legislativa da adoção foi um
processo que veio acontecendo gradativamente, mas refletindo as mudanças
efetuadas na sociedade buscando atender o melhor interesse da criança e do
adolescente.
17
1.2. A adoção e as Novas Leis Grandes realizações são possíveis
quando se dá atenção aos pequenos
começos.
Lao Tse
Atualmente, no Direito brasileiro, existem duas formas de adoção. A adoção
regida pelo Código Civil para o maior de 18 anos e a adoção que obedece as regras
estabelecidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente para o menor de 18 anos.
Segundo Ayres (2008), percebemos ainda hoje na prática cotidiana dos
Juizados da Infância e Juventude as marcas da exclusão moral das famílias pobres
e um incentivo à adoção. Tal afirmação pode ser visualizada na Lei 10.447, de 09 e
maio de 2000 que criou e instituiu o dia 25 de maio como o Dia Nacional da Adoção.
O ano de 2008 foi de grande importância para a história da adoção, pois foi
marcado pela implantação no Brasil, desde 29 de abril de 2008, o Cadastro Nacional
de Adoção (CNA), regulamentado por meio da Resolução 54 do Conselho Nacional
de Justiça (CNJ) e Supremo Tribunal Federal (STF).
O Cadastro Nacional da Adoção tem por objetivo agilizar os processos de
adoção por meio do mapeamento de informações unificadas usando a Internet como
forma de acesso às informações e de intercomunicação entre as três mil Varas da
Infância e Juventude instaladas por todo o território nacional (CAMARGO, 2012).
Mudanças legais foram acontecendo desde então, e o Estatuto da Criança e
do Adolescente que regulamentou a prática da adoção no Brasil, sofreu alterações a
partir de novembro de 2009 com a Lei 12.010/09, chamada de Nova Lei Nacional da
Adoção.
Esta lei representou um grande avanço ao limitar o tempo de permanência de
crianças e adolescentes há dois anos nas instituições, prevendo a reavaliação da
situação a cada seis meses, além de oficializar os cadastros nacional e estadual, de
pretendentes à adoção.
A longa espera para a definição jurídica quanto à situação da criança, implica
muitas vezes na perda da reintegração em um novo lar onde será cuidada e
protegida, sendo marcada por novos e sofridos abandonos. O tempo em que se
prolonga a institucionalização da criança contribui para que alcance uma idade difícil
para a adoção e continue esquecida em instituições sonhando com uma família.
18
Pode-se perceber que a Legislação, e aqui se ressalta o ECA, tem uma
grande preocupação em assegurar os direitos das crianças e dos adolescentes e
que a adoção é entendida juridicamente como um ato pelo qual se estabelece
independentemente da biologia ou da genética, o vínculo de filiação.
Percebe-se que a adoção, nas diferentes fases da história, recebeu vários
significados, desde religiosos até políticos, sendo valorizada ou não, conforme a
cultura e o modo de pensar de determinada época.
19
1.3. Adoção Tardia e suas questões
Adotar é ter um filho pelo desejo de ser pai e mãe e
que se realiza pela fertilidade emocional, afetiva e
espiritual.
Hália Pauliv de Souza
A adoção é um termo muito discutido, sendo a adoção tardia ou adoção de
crianças maiores um tema muito complexo, assim como, apontadas em algumas
pesquisas por (Weber & Cornélio, 1995); (Weber e Gagno, 1995 apud
Ebrahim,2001.)
Não podemos deixar de reconhecer que no Brasil uma enorme quantidade de
crianças maiores de três anos, disponíveis para adoção e que não se enquadram
nas expectativas dos pretendentes, uma vez que a demanda maior é para crianças
abaixo desta faixa etária, nos mostra entre outras situações, a realidade e a
complexidade do processo da adoção tardia, como também, as questões
relacionadas a perdas e sofrimentos.
Atualmente, pensar em adoção implica em duas finalidades fundamentais:
“dar pais” a quem não os tem, ou seja, às crianças e adolescentes desamparados e
dar filhos àqueles que biologicamente não podem tê-los
A psicologia tece a construção dessas funções. Funções de dupla ponta:
adotantes/adotados. O Ser cultural como “pais” e o Ser cultural como “filho”. Porque
ser “cultural”? Porque o ser “natural” não se fez presente. Édipo teve pais naturais e
pais “culturais” ao ser adotado por pastores os quais conheceu primeiro. Esse
“amor”!... Como se construiu em Édipo o conceito de pais, a partir desse casal que o
adotou?
A adoção pode ser um instrumento para proporcionar uma família substituta
para crianças e adolescentes institucionalizados, mas não é de forma alguma, a
solução para esse problema, como também, prioridade para a efetivação de outras
medidas necessárias como educação, melhor renda e saúde. (WEBER, 2011). Nas
palavras da autora, estamos diante de uma realidade em que crianças e
adolescentes encontram-se abandonados de fato e esquecidos pela comunidade
nas instituições. Essa realidade nos mostra o quanto se faz necessário transpor
20
alguns obstáculos para alcançarmos o objetivo de devolver, a esses internos, o
direito à convivência familiar e comunitária.
É importante ressaltar que antes de qualquer processo de colocação em
família substituta é preciso haver a destituição do poder familiar. O poder familiar se
dá quando existe comprovação de uma situação de abandono, violência ou
negligência. Isso acontece quando os direitos da criança e do adolescente são
violados por seus pais ou responsáveis, como também, por meio de denúncias de
pessoas próximas à família.
As questões referentes à adoção tardia são inúmeras. Destacamos entre elas,
o preconceito que envolve o mito de que a criança é problemática, a idéia de que a
criança não se adaptará aos novos pais e a educação que irá receber trazendo
consigo maus hábitos adquiridos na família biológica ou nas instituições.
Para Weber (2010), faz-se importante refletir que a criança não pode ser
separada abruptamente do seu passado, pois sua identidade está soterrada neste
passado, seja ele, na família anterior, ou na instituição onde mora.
No aspecto jurídico a preocupação hoje com relação à adoção não é
encontrar filhos para uma família, mas sim, dar uma família à criança ou adolescente
privilegiando o princípio do melhor interesse da criança.
Uma outra questão importante com relação à adoção diz respeito à
implicação do Estado em oferecer uma família para as crianças, sejam elas maiores
ou adolescentes. O importante é sempre tentar reintegrá-las à família de origem e se
esta não tem condições de criá-las e protegê-las, cabe ao Estado intervir com as
providências que se fizerem necessárias.
Nas palavras de Paulo (2011, p 138), “Devemos ter sempre em mente que a
criança/adolescente é sujeito de direitos, e um sujeito, segundo nosso ordenamento,
cujo melhor interesse merece prioridade absoluta e deve ser integralmente
protegido, sempre”.
A adoção está passando por grandes transformações, privilegiando o melhor
interesse da criança e do adolescente através do vínculo afetivo com o adotante.
Não podemos esperar que um processo de adoção seja idêntico a um processo de
gestação biológica e que os laços afetivos se dêem por meio dela iguais aos
possivelmente constituídos pela consangüinidade.
21
Tal relação não está no sangue, mas complementa-se com o amor e a
aceitação do adotante para com o adotado, sustentados pelo convívio e pelo
verdadeiro sentimento que motivou esta relação filial, o afeto.
A partir da Constituição Federal de 1988 que foi um marco para as conquistas
quanto à adoção, destacamos, dentre elas, a igualdade entre filhos biológicos e
adotivos, a discriminação referente à filiação, pois a partir da Constituição filho é filho
sem distinções assim, sendo respeitado o melhor interesse da criança. Essa é a
realidade da família brasileira que no dia-a-dia ainda convive com a discriminação,
inclusive do poder judiciário pela burocracia existente no reconhecimento da
paternidade afetiva.
A adoção tardia surge como uma estratégia para evitar o abandono e suas
possíveis conseqüências sócio-jurídicas e emocionais. O que se tem de mais atual
é que as adoções são guiadas pelo princípio “Uma família para uma criança”.
Como consta do Estatuto da Criança e do Adolescente (art.19 p.20), “Toda
criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio de sua família e,
excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e
comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de
substâncias ou entorpecentes”.
É interessante considerarmos que, na nossa sociedade, essa solução seria a
mais adequada, por oferecer-lhes o apoio e a segurança emocional necessários ao
seu desenvolvimento. “O que toda criança e adolescente precisa é sentir-se amado,
seguro e importante para o outro, sejam eles pais biológicos ou substitutos. (PAULO,
2012, p.92).
Em princípio, a adoção surgiu para prover a necessidade do casal infértil
sendo denominada de “adoção clássica” e a outra modalidade denominada de
“adoção moderna” aquela que prioriza o direito da criança de crescer e ser educada
no seio de uma família. A adoção moderna pode vir a ser uma solução para a crise
da criança abandonada, em contraponto às adoções clássicas, que prevalecem
historicamente e priorizam o interesse do adotante. A primeira evidencia a busca de
uma família para uma criança e a segunda a busca de uma criança para uma
família. Dentro da nova visão, segundo Weber (2010), “quem tem direito a ter uma
família é a criança”.
22
Tudo isso descrito, nos remeterá à inserção da adoção como um fator
histórico-cultural de nuances sócio-evolutivas. Dos gregos aos dias de hoje,
caminhamos em direção à atualização da adoção num contexto sócio-cultural, mas
também num viés psíquico.
23
CAPÍTULO II
O CONTEXTO CULTURAL DA REALIDADE SOCIAL E A ADOÇÃO
TARDlA Nem tudo que se enfrenta pode ser modificado.
Porém, nada pode ser modificado até que se
enfrente.
James Baldwin (no túmulo de M. Luther King)
2. Do Abandono à Adoção
A adoção implica a existência de uma história de abandono anterior a ser
considerada e este pode ser definido como a perda do direito da criança de viver no
seio de uma família que lhe garanta uma assistência afetiva e amorosa importante
durante o seu desenvolvimento e formação junto aos pais.
Conforme determina a Constituição de 1988: “A família base da sociedade,
tem especial proteção do Estado (artigo 26), devendo ser entendida como local de
convivência de indivíduos, por laços consangüíneos, afetivos ou de confiança”. As
condições nas quais as crianças consideradas abandonadas estão inseridas, são
reflexo da desestruturação social, econômica e política do país, causadoras da
diminuição das conquistas almejadas pelas classes trabalhadoras e longe de serem
alcançadas.
O abandono caracteriza-se por diversos motivos e estes não se situam
somente na pobreza. Temos um sistema de produção capitalista responsável pela
instituição de um processo excludente gerador e reprodutor da pobreza. Esse
sistema situa o pobre como diferente e o qualifica, portador de uma cultura inferior
delimitando a negação dos direitos sociais à famílias inseridas em uma política
portadora de programas sociais ineficientes e assistencialistas. Ayres (2008) define
como práticas assistencialistas as práticas sociais que se desviam da idéia de
direitos sociais e construção de cidadania, incentivando programas massivos de
controle da miséria e do abandono.
24
No Brasil, o processo de pauperização que atinge as classes trabalhadoras e
que vinha sendo submetido pela lógica desigual da sociedade capitalista
aprofundou-se, em conseqüência de um desenvolvimento concentrador de riqueza
produzida socialmente e que tem raízes na formação sócio-histórica e econômica da
sociedade brasileira baseada em uma reprodução social da sociedade burguesa.
. Mediante a realidade da pobreza das famílias e outros agravantes como a
falta de trabalho, de renda, de moradia, de educação e de saúde, assistimos a casos
de abandono por que passam as crianças que já tem uma relativa compreensão da
realidade, ou seja, da situação de abandono e rejeição pela qual passam. Elas
podem ter sofrido agressão, negligência e violência e, provavelmente, terem vivido
uma ruptura emocional muito severa e nem sempre estarão prontas para refazerem
laços desfeitos.
25
2.1. A Institucionalização e os filhos da solidão
Ficar num orfanato é horrível. As crianças tem inveja
daquelas que vão ser adotadas. No Natal, as visitas vem e
escolhem as crianças e eu ficava muito triste quando não era
escolhida. Uma vez fui escolhida e achei muito bom! Mas, eu
tive que voltar ao orfanato.
(Menina,12 anos, morou em instituições e foi adotada
com 8 anos).
O abandono de crianças sempre esteve presente na história da humanidade e
as primeiras instituições que começaram a protegê-las sofriam a influência da Igreja
e exerciam a prática da caridade. A partir do século XIX o Estado começava a se
responsabilizar por essa área de atendimento às crianças e adolescentes por meio
da implantação de políticas que contribuíam para distanciar o predomínio da Igreja e
a exercer mais ativamente o seu papel de protetor.
Para tanto, as ações humanitárias tinham o objetivo de proporcionar o
acolhimento dessas crianças e as diferentes culturas tentaram encontrar códigos
sociais que refletissem outros tipos de agrupamentos familiares que não aqueles
ligados estruturalmente aos laços de sangue.
No Brasil, assim como em grande parte do mundo ocidental, o destino das
crianças e adolescentes abandonados e rejeitados por seus pais biológicos é o de
serem acolhidos pelas instituições. Essas, em sua grande maioria são dirigidas e
mantidas pelo Estado ou por associações não governamentais ou religiosas o que
nos coloca frente a uma realidade cruel de certa forma ao constatarmos, que essas
crianças crescem e se “educam” nos limites das instituições.
Mas esse não é o único aspecto da institucionalização de crianças que tinha
como primeiro objetivo protegê-las. Soma-se a esse, a exclusão dos mesmos do
convívio social. De certa forma, a sociedade sente-se aliviada com os
“abandonados” institucionalizados, pois, pelo menos, estão em um local e não nas
ruas aos nossos olhos (WEBER, 2011). Ou seja, o que tinha de ser medida de
proteção, transformou-se em abandono.
Diante desse contexto, a situação de abandono dadas as circunstâncias de
miséria; da necessidade de abrigo; do desamparo (crianças deixadas nas ruas pelos
26
pais ou responsáveis que nunca voltaram para buscá-las); de maus tratos; de
medicância e de abuso sexual, tem na institucionalização a única alternativa viável
para garantir a sobrevivência dos filhos de muitas famílias de camadas populares.
Paulo (2012, p. 86) aponta que os motivos de internação em instituições são
diversos conforme citados acima e segundo dados do IPEA (Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada) em 2003. Os motivos subjacentes ao ingresso de crianças e
adolescentes em instituições são: carência de recursos materiais da família (24,2%),
abandono (18,9%), violência doméstica (11,7%), pais dependentes
químicos/alcoolistas (11,4%), vivência de rua (7,0%), orfandade (5,2%) e outros
(21,6%).
. Por meio dessa pesquisa, o autor chama a atenção para a existência de
uma aplicação indiscriminada quanto à medida de institucionalização por parte
dessas autoridades e algumas equipes técnicas que não priorizam medidas
protetivas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente. Assim, assistimos
mais uma vez a violação do direito primordial dessas crianças e adolescentes à
convivência familiar e comunitária. Um descaso flagrante! Mesmo diante de toda
essa problemática, muitas mudanças ocorreram principalmente a partir do Estatuto
da Criança e do Adolescente.
“Proteger a infância”. A institucionalização de crianças tinha esse objetivo
quando foi criada como um dispositivo jurídico-técnico-policial. O Estatuto da
Criança e do Adolescente baseado na doutrina da proteção integral e ações
especiais para crianças e adolescentes em situação de risco pessoal e social,
considera-os cidadãos com direitos a serem garantidos pelo Estado, pela sociedade
e pela família. Direitos esses à educação, à saúde, ao lazer como também de serem
amados e ainda, entre outros, o direito ao acolhimento quando a eles faltarem
condições fundamentais de sobrevivência.
Segundo Weber (2011):
“No Brasil existem milhares de crianças que vivem em instituições e
recém-nascidos são abandonados em lugares públicos. Como um
país suporta isso?”
Bittencourt (1966) faz uma análise sobre o acolhimento indiscriminado de
crianças e adolescentes no Brasil. Conforme o autor, o sistema de
institucionalização contribui para o que ele classifica de crime hediondo que vem
sendo cometido contra a infância e juventude sob os narizes da sociedade e
27
autoridades públicas e que nos mostra o caos no sistema de institucionalização de
crianças alimentado por vários fatores históricos e sociais.
Um outro dado relevante refere-se que, dentre essas mudanças, uma
proposta extremamente importante relaciona-se ao direito dado às crianças e aos
adolescentes de viverem junto às suas famílias e que a condição de pobreza não é
fator excludente quanto aos vínculos familiares por ser um problema de ordem social
que para a esfera jurídica implica em perda ou suspensão.
Consideramos ainda importante pontuar que o acolhimento institucional adota
um regime em que a permanência é continuada e a internação se dá em tempo
integral, quando deveria se dar em curto período de tempo. Em algumas instituições,
o tempo de permanência muitas vezes, passa de quatro anos e esse tempo é quase
a metade de uma infância ou adolescência perdido dentro de uma instituição, visto
que, as condições para a manutenção dos filhos junto às famílias ainda são
insuficientes, contribuindo para que seja a prática da institucionalização um incentivo
ao abandono. Segundo Darcy Ribeiro, O Brasil carrega uma perversidade intrínseca
na sua herança, que torna nossa classe dominante enferma de descaso e de
desigualdade.
A criança institucionalizada vive o “luto” do abandono. Ao perder totalmente
seus vínculos familiares transformam-se em prisioneiros sociais, ou seja, sujeitos
privados de sua liberdade por serem pobres numa sociedade como a nossa. Por
outro lado, precisamos pensar ser a adoção uma maneira de se construir uma
família, em que diversos aspectos jurídicos, psicológicos e sociais estão implicados,
sendo um espaço de criação de vínculos afetivos e que correspondem as
necessidades da sociedade conforme sua época. No Brasil, existe um número
elevado de crianças carentes, bem como, de crianças abandonadas por suas
famílias de origem.
Mediante tais fatos, destacamos o Código de Menores que elaborado sob as
bases de um Estado centralizador, legislava apenas para a população infanto-juvenil
que era à época considerada como “de/em risco”, ou seja, crianças e jovens pobres
de cidadania que, em função de sua precariedade socioeconômica, passavam a ser
tuteladas pelo Estado.
O período da ditadura militar protegido por um Estado Intervencionista teve
suas ações com políticas de assistência à população infanto-juvenil voltadas para a
idéia da situação irregular.
28
O Código define como situação irregular:
A privação de condições essenciais à subsistência, saúde e
instrução, por omissão, ação ou irresponsabilidade dos pais ou
responsáveis; por ser vítima de maus-tratos; por perigo moral, em
razão de exploração ou encontrar-se em atividades contrárias aos
bons costumes, por privação de representação legal, por desvio de
conduta ou autoria de infração penal (Faleiros, 1995, p.81).
Com base na Política Nacional do Bem-Estar do Menor (PNBEM), cabia à
Funabem, Fundação de Bem Estar do Menor, substituta do Serviço de Assistência
ao Menor criada por lei no primeiro governo militar, tendo como um de seus
objetivos a formulação e implantação da Política Nacional do Bem Estar do Menor, o
direcionamento, em nível nacional, da vida dessa população.
Dessa forma, a situação do menor passou a ser vista como um problema
nacional de ordem estratégica passando a ser competência do Poder Executivo e
não mais do Poder Judiciário. A partir da aliança formada por esses poderes, entre
os Juizados de Menores e a Funabem, dava-se início ao processo de internação,
onde muitas crianças e adolescentes tiveram suas vidas modificadas vindo a sofrer
as conseqüências do afastamento da família pobre e dos perigos e influências que
essa família viesse trazer a criança e a sociedade, determinando de certa forma a
impossibilidade da construção ou fortalecimento de seus vínculos familiares.
Segundo Paulo (2012), a pesquisa do IPEA (2003) constatou que apenas
metade (54,6%) das crianças e dos adolescentes internados em instituições tinha
processo nas Varas de Infância e da Juventude, revelando que as instituições
responsáveis por sua tutela não tem sequer consciência de sua existência.
Importante frisar que o descompasso existente entre o Estatuto da Criança e do
Adolescente e a realidade institucional mostra como essas crianças estão sendo
esquecidas e tendo seu direito constitucional de viver em família violado, fator
prejudicial para o seu desenvolvimento.
Vale ressaltar que do lado do Poder judiciário o discurso que se ouve é o de
que as informações a respeito da situação das crianças não são repassadas pelas
instituições e em contrapartida, as instituições relatam que a burocracia existente no
Judiciário é que dificulta o andamento das questões. E diante desse impasse, o
abandono e a rejeição presentes no dia a dia das crianças e adolescentes
institucionalizados tende a se efetivar por negligência, descaso por parte das
29
autoridades e principalmente pelas demandas que são pouco ou nada valorizadas e
atendidas. Até quando nossas crianças e adolescentes continuarão esquecidas?
Nesse momento é importante considerarmos que muitas dessas crianças e
adolescentes esquecidas estão à espera de serem adotadas e não podem ser
encaminhadas para famílias substitutas, pois tal condição só é possível com as
famílias que tem destituído o poder familiar. A destituição do poder familiar costuma
ser um processo longo. Em algumas situações torna-se difícil localizar os pais,
assim, muitas crianças continuam nas instituições de acolhimento privadas da
realidade dos seus conteúdos individuais e vínculos afetivos com as figuras
parentais.
Do ponto de vista jurídico, conforme nos aponta Camargo (2012), a criança ou
adolescente é considerada apta à adoção quando o processo de destituição do
poder familiar de seus genitores estiver concluído, e, portanto, nada mais possa
impedir que a criança ou o adolescente em questão seja adotado. A adoção é uma
medida excepcional, mas irrevogável, que atribui a condição de filho ao adotado,
impondo-lhe os direitos e deveres inerentes à filiação natural.
Ao longo de sua história, a Funabem e as Febens, Fundações Estaduais do
Bem Estar do Menor, evoluíram de diferentes maneiras. Algumas inovaram na área
da pedagogia, enquanto outras mantiveram a conduta autoritária e repressiva,
configurando um espaço de tortura e desumanização autorizado pelo Estado.
Importante enfatizar que a colocação em família substituta não deve ser
encarada como medida principal para o desamparo da criança. Sua
excepcionalidade, como recurso jurídico diante das várias situações que conduzem
ao abandono de crianças e adolescentes, conduz à priorização da família de origem.
Somente quando não existir quem cumpra com as funções de assistência dentro da
família de origem para com a criança e possa mantê-la junto dela, é que se recorre
aos meios existentes de proteção.
30
2.2.Os Mitos e Preconceitos sobre a Adoção
... só no conjunto do que se diz se percebe o que
cada um verdadeiramente quer dizer.
(Fernando Pessoa)
A adoção é um tema de relevância social e os mitos que constituem a atual
cultura da adoção no Brasil apresentam-se como grandes obstáculos à realização
de adoções de crianças. Um dos mais importantes e que chama a nossa atenção é
o mito que cerca as crianças e adolescentes que vivem em instituições com idade
superior a dois anos, por serem essas potencializadoras das crenças e expectativas
negativas ligadas à prática desse tipo de adoção denominado de adoção tardia.
Esse conjunto de crenças evidencia a relação da adoção tardia e a questão
social. Percebemos que a criança mais crescida compreende sua situação e, em
muitos casos, conhece a sua origem. Os mitos e lendas que também fazem parte
dessas crenças trazem à tona, a preocupação por parte dos postulantes quanto à
história pregressa dessas crianças, levando-os a temer que a adoção possa não
corresponder às suas expectativas quanto à realização plena dos seus sonhos.
A partir dessa descrição, consideramos importante pontuar que a idéia da
criança não se adaptar aos novos pais e a educação que irá receber, colabora para
que as crianças com mais de dois anos de idade sejam consideradas “velhas” para
serem adotadas. Este é um preconceito baseado em mitos que fazem parte da
nossa cultura e que podemos dizer, contribui para que permaneçam nas instituições,
em muitos casos, até completar dezoito anos.
Por outro lado, existe o temor acerca das possíveis deficiências que venham
a se apresentar nas “crianças mais velhas” levadas para as famílias substitutas
como hábitos e costumes herdados de suas famílias biológicas ou ainda, trazidas
das instituições para crianças e adolescentes.
Assim, mediante tal pensamento, muitos postulantes à adoção acreditam
serem incapazes de modificar a personalidade já definida dessas crianças e
adolescentes e optam por crianças recém-nascidas por considerarem que adotar um
bebê trará maior facilidade de adaptação para os integrantes dessa família e é uma
forma de tentar moldá-las às suas tradições.
31
Se por um lado essas crenças presentes no imaginário dos postulantes à
adoção encontram no recém-nascido a possibilidade de realização tornando-as alvo
de interesse e as mais procuradas para adoção, tais crenças são também os
motivos que colocam as chamadas “crianças mais velhas” e os adolescentes no fim
da fila de espera por uma família. Os motivos que tem levado casais e famílias
considerados aptos para as adoções tardias, somam-se a questões de toda ordem
como o medo da procura pela família de origem, dificuldade de construção e
manutenção de vínculos afetivos e outros.
Entretanto, nesse sentido não existem garantias já que é uma situação que
pode vir a acontecer no seio de uma família com filhos biológicos ou em uma adoção
de bebê. As dificuldades encontradas referem-se aos processos de socialização, da
dinâmica familiar e das práticas educativas que serão ministradas em fazer com que
a criança se sinta segura e amada e possa confiar novamente em um adulto.
Vivenciamos nos tempos modernos a era da evolução científica em vários
segmentos e faz-se importante destacar que a adoção embora sendo uma prática
recorrente na sociedade ocidental, ainda é um assunto pouco estudado, tratado
preconceituosamente, cercado por medos, mitos e silêncios.
Um outro aspecto importante a assinalar é que a adoção tardia em suas
especificidades é pensada no que tange à frustração e o desejo não realizado dos
adotantes nos primeiros dias de vida da criança adotada, principalmente, nos casais
que se propõem a entrar com o processo de adoção em que essas expectativas já
estão personificadas na imagem de um bebê recém-nascido, sendo um mito muito
forte na sociedade em geral de que uma família só pode ser plenamente feliz e bem
sucedida se a criança adotada tiver idade inferior a dois anos. Assim, muitas vezes a
adoção tardia é descartada por não suprir a realização do desejo materno e paterno,
principalmente dos casais estéreis, que anseiam pelo papel de mãe e pai de um
bebê.
De acordo com Weber:
Os mitos e preconceitos cultivados pelo senso comum geralmente
tem pouco fundamento e vem de todo um processo histórico, onde a
adoção, ou estava cercada de preconceitos ou de lendas, heróis e
salvadores do mundo, tanto pais quanto filhos. (2011, p. 102).
32
A adoção tardia é talvez a modalidade de adoção mais prejudicada pela força
da nossa cultura brasileira, sobretudo, se considerarmos a idade como uma de suas
características constituintes. Além dessa modalidade de adoção, na nossa cultura
existem alguns tipos de adoção a serem considerados:
• Adoção precoce – adoção de bebês recém-nascidos e de crianças até
dois anos de idade;
• Adoção pronta – adoção de criança que já convive por um longo
período com os pais adotivos;
• Adoção à brasileira – forma ilegal de adoção sendo passível de
sanções penais, pois consiste no registro, em cartório, de filho de
outrem como se fosse o seu próprio;
• Adoção tardia – adoção de crianças de dois ou três anos de idade;
• Adoção inter-racial – adoção de crianças de etnia diferentes dos pais;
• Adoção de crianças com necessidades especiais – crianças com
problemas de saúde ou deficiências físicas ou neurológicas de vários
níveis de comprometimento;
• Adoção de grupos de irmãos – adoção de mais de uma criança de
mesma origem familiar.
A adoção é um tema de importância social que envolve questões acerca de
família, do abandono, da institucionalização, dos mitos e preconceitos, dentre outros.
O preconceito deriva-se da falta de informação, portanto necessário se faz
ações afirmativas, por meio de mecanismos jurídicos e psicossociais, com o fito de
amparar e proteger as crianças que se encontram acolhidas no Brasil.
De acordo com Souza (2012, p.154) trata-se de crenças socialmente
aprendidas, tomadas como verdades, e que podem surgir fora de casa, na
comunidade, ou dos próprios pais e familiares. Envolvem questões religiosas,
raciais, de deficiência ou condição física, e são verbalizadas de diversas formas.
A adoção é revestida de mitos e preconceitos e há uma expectativa ansiosa
quanto ao reconhecimento familiar e social do lugar de pai e mãe, mas atualmente,
adotar adquiriu uma característica maior do que somente o sonho da
maternidade/paternidade.
33
De acordo com Camargo (2012):
Diferentes autores como Vargas (1998), Weber (1998) e Levinzon
(2004) consideram tardias as adoções de crianças com idade igual ou
superior a dois anos. A prática da adoção tardia contempla, portanto,
um grupo muito grande de crianças e adolescentes – de até dezoito
anos ou mais (lembrando que adoção após essa idade também é
possível e prevista por Lei) e que são, por isso, alvo de muitos
preconceitos e mitos.”
É interessante ressaltar conforme aponta Weber (2011, p. 70) o preconceito
em relação à adoção pode ser visto claramente nas leis. Tais leis tentavam proteger
os “filhos de sangue”, deixando os filhos adotivos como coadjuvantes na família. O
culto aos “laços de sangue” sempre era extremamente valorizado, assim como, o
polêmico “instinto do amor materno”. A análise da autora se pauta na questão da
crença de que a valorização da consangüinidade é muito forte, e as famílias ainda
desejam dar continuidade ao seu sangue, não somente ao seu nome, à sua
linhagem e ao seu patrimônio.
O mito dos laços sanguíneos tido como os únicos “verdadeiros” em nossa
sociedade, reforça a discriminação entre paternidade/maternidade biológica e
adotiva, uma vez que atribui maior relevância à primeira conforme Paulo (2012,
p.144). Assim, os pais adotivos buscam bebês recém-nascidos, que se pareçam
fisicamente com eles para terem a sensação de que estão promovendo a
continuidade sanguínea, procurando esquecer que este filho tem outra origem que
não o seu próprio sangue. Desta forma, adotam um comportamento de imitação da
família biológica não assumindo a relação adotiva dificultando o vínculo a ser
construído, conforme descrito pelo autor.
Para amenizar o medo e o sofrimento que o mito e o preconceito desse filho
não ter o seu sangue, e por isso, estar sujeito a desviar-se das condutas familiares
preconizadas, procuram acreditar que quanto menor a criança, mais chances tem os
pais adotivos de imprimir nesse bebê sua própria marca, seus desejos, seus sonhos,
neutralizando os efeitos da suposta carga genética.
Para dar conta desse medo e sofrimento que permeiam a atual cultura da
adoção no Brasil, em especial, a adoção tardia, faz-se necessário que os
pretendentes à adoção superem o preconceito quanto a “escolha” do filho desejado
e a insegurança sobre “o que os outros vão pensar”. Este processo faz parte da
34
“norma universal”, onde a adoção é vista como uma filiação de segunda categoria,
enquanto excepcional.
O preconceito ainda é apontado como a principal barreira para a adoção
tardia por remetê-la à idéia de adoção fora do tempo e consequentemente, dificultar
o interesse dos candidatos a este tipo de adoção. Essa é uma questão de extrema
importância e nos leva a pensar nas crianças abandonadas ou rejeitadas que quanto
mais crescem mais tem reduzidas as suas chances de serem retiradas dessa vida
de espera, incertezas e solidão.
As pessoas ainda desejam uma criança idealizada e que não está disponível.
A adoção ainda hoje, se mostra como tabu, evidenciando preconceitos de uma
sociedade que concebe o problema da criança abandonada fragmentadamente, não
avaliando as causas do abandono. Desta forma, verificamos que este se faz a cada
dia com mais freqüência, demonstrando que seu determinante não é a mãe
biológica que abandona, mas sim um conjunto de fatores políticos, econômicos e
sociais que não dão sustentação para a família biológica permanecer com a criança.
A busca pelo reconhecimento da adoção tardia no país já vem de longa data,
uma luta por uma adoção sem preconceitos e distinções quanto ao fato de ser filho
biológico ou adotivo. Desta forma vemos que esses mitos e medos se relacionam e
passam de geração a geração e para que uma nova cultura aconteça é necessária a
desmistificação desses mitos
Apesar dos avanços, as dificuldades são bastante conhecidas por todos nós
com relação ao abandono e a adoção. Ainda presenciamos neste país, um grande
número de famílias em situação de miséria e pobreza e que não dispõem de
condições mínimas necessárias para a realização de suas funções legalmente e
socialmente atribuídas.
Nos últimos anos, uma revolução cultural, de certa forma silenciosa, mudou a
maneira de como a adoção é vista no Brasil. Como o assunto passou a ser tratado
mais abertamente por educadores, pais e meios de comunicação, muitos mistérios e
reconceitos em torno do assunto foram diminuindo.
A questão do preconceito é levantada por vários autores de diversas formas,
desde a pouca disponibilidade das pessoas para a adoção até a carência de
publicações no nosso meio. Todas essas questões sociais devem ser consideradas
35
Para Paulo (2012) preconceitos não podem ser eliminados por decreto!
. A adoção tem que ser um encontro entre o adotante e o adotado e os interesses
não podem ser voltados apenas para os pretendentes à adoção, mas, para quem vai
ser adotado.
O estudo realizado até o momento nos trouxe informações gerais acerca da
adoção. A partir do próximo capítulo, vamos adentrar no estudo dos perfis dos
adotantes/adotados dando destaque especial ao que envolvem essa relação e o
papel da psicologia e suas contribuições.
36
CAPÍTULO III
3. O Perfil e a Motivação dos Pretendentes a Adoção
“Só é possível ensinar uma criança a amar,
amando-a”.
Johann Goetheter
O desejo de ter filhos em geral surge cedo nas pessoas por fazer parte da
natureza humana buscar a continuidade da família. Faz parte da constituição de
uma família e de ter filhos, fantasias idealizadas que vão se desenvolvendo à
medida que se cresce e amadurece. O caminho seguido pelos pretendentes à
adoção não é fácil, nele não há um período de gestação, o que há é um caminho a
ser percorrido que envolve os processos judiciais de habilitação para a adoção e de
adoção.
O estatuto da Criança e do Adolescente determina que o casal pretendente à
adoção seja previamente cadastrado conforme o artigo 50:
A autoridade judiciária manterá, em cada comarca ou foro
regional, um registro de crianças e adolescentes em condições
de serem adotados e outro de pessoas interessadas na adoção
(2008, p.35).
Portanto, o cadastro é um meio pelo qual é possível verificar se as pessoas
interessadas em adotar são possuidoras de aptidões para tal, o que é feito através
de pesquisas.
Segundo Souza (2011), o Cadastro Nacional de Justiça (CNJ) discorre ser o
perfil exigido pelos postulantes, o grande problema para a adoção de crianças e
adolescentes. Segundo o Cadastro 10.173 pretendentes afirmaram aceitar apenas
crianças brancas; 1537 aceitaram receber apenas crianças negras; 9.137
pretendentes se manifestaram indiferentes à raça da criança. Os pretendentes
também deixaram claro o desinteresse em adotar crianças que sejam irmãos sendo
que, 22.702 manifestaram o desejo por apenas uma criança e apenas 4.461 se
interessaram em adotar até duas crianças.
37
O levantamento mais recente realizado pelo Cadastro Nacional de Justiça
(CNJ) em maio de 2012 e publicado por Souza (2012), mostra que existem 28.041
pretendentes à adoção em todo o país. Segundo o levantamento, 5.240 crianças
estão aptas para adoção no Brasil, sendo que 45,92% são pardas, 33,8% brancas e
19,06% negras. Destas, 77,16% possuem irmãos, sendo que 35,99% deles também
estão inscritos no Cadastro Nacional de Adoção, mas apenas 18,08% dos
pretendentes estão dispostos a adotar irmãos. Com relação à raça, 90,91% se
interessam em adotar crianças brancas, 61,87% em adotar crianças pardas e
34,99% crianças negras. O levantamento ainda mostra que 33,04% dos
pretendentes querem adotar meninas, sendo que 76,01% dos interessados esperam
por crianças com até três anos. Observamos a partir dessa realidade, que os
resultados levantados através da pesquisa do Cadastro Nacional de justiça (CNJ),
nos incentivam a ouvir os candidatos a pais adotivos e o que os motiva a realizar o
ato da adoção. Motivação para adoção é o que desperta o interesse e o desejo de uma
pessoa tornar-se pai ou mãe. Muitas vezes, as expectativas e motivações residem
no desejo de satisfação de interesses próprios. Para a maioria dos adotantes, a
adoção resolve um problema, preenche uma lacuna e contribui para a solução de
um luto, o desejo de aumentar o número de filhos, de solucionar problemas
conjugais, de encontrar companhia, o ideal de “ser mãe”, substituir um filho que se
perdeu.
Conforme aponta Souza (2008, p.104, 105), “a maioria dos pretendentes
apresenta perfis diferenciados” conforme descritos a seguir:
� - casais que apresentam problemas de infertilidade por parte de
um dos cônjuges após tentativas frustradas de gravidez mas que
sofreram aborto espontâneo ou insucesso nas inseminações
artificiais:
� casais que possuem filhos consangüíneos e que desejam
aumentar a família por meio da adoção por não conseguirem
nova gravidez ou porque tem mesmo o desejo de adotar uma
criança;
� casais em segunda união que tem história de ligadura de
trompas ou vasectomia;
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� casais que perderam um filho e vêem na adoção uma forma de
reconstruir a família, mesmo sabendo que não estarão
substituindo um filho por outro; nesse caso, cabe ressaltar que
esta situação não impede que a adoção aconteça, mas é preciso
uma avaliação do psicólogo e da assistente social para uma
maior reflexão da situação;
� pessoas que escolhem não passar por uma gravidez;
� pessoas solteiras (homem ou mulher) que não optam por uma
produção independente, mas que movidas pelo instinto paternal/
maternal querem compartilhar afeto com um filho;
� viúvos ou separados que, independente de um novo
relacionamento, desejam se dedicar a um filho;
� casais homoafetivos que desejam cuidar de uma criança;
� pessoas que incluíram a adoção como um projeto de vida por
diversos motivos como espírito altruísta e solidário em relação à
criança ou porque querem seguir o exemplo de outros que
adotaram.
Mediante tantos perfis norteados por variados desejos e motivos é
fundamental que os pretendentes à adoção passem por um processo de
cadastramento junto à Vara da Infância e Juventude, onde uma equipe técnica
através de entrevistas e visitas domiciliares avaliará a real motivação para a adoção.
Importante destacar que esse processo pode vir a contribuir para o sucesso de uma
decisão que implica uma mudança em que desafios e surpresas advindas de uma
vida em família serão constantes. Ainda importante destacar segundo Souza (2008,
p.106) que “existem motivações inadequadas, como os casos em que os parceiros
acham que uma criança poderá “salvar” o relacionamento que não vai bem”. Não
são raros esses casos em que os parceiros não avaliam o sofrimento que podem
causar à criança.
39
3.1. A Preparação para Adoção e o Perfil do Adotando
É triste falhar na vida,
porém mais triste ainda
é não tentar vencer.
Roosevelt
Camargo (2012) nos leva a considerar que a cultura da adoção como
fenômeno histórico e social, pauta-se sobre mitos e preconceitos, em particular a
adoção tardia gerando na maioria dos postulantes, a crença em possíveis
dificuldades em nossa sociedade de resistência à adoção.
A adoção de crianças existe desde os primórdios dos tempos, mas com
exceção de algumas culturas, sempre sofreu com a discriminação. As crianças “mais
velhas” e os adolescentes se configuram, nesse contexto, como faixa de menor alvo
de interesse. Este é um dos efeitos da atual cultura da adoção no Brasil.
Weber (2011) relata que ao conversar com pessoas com planos para a
adoção, perguntou se imaginavam adotar e elas respondiam, “não, não é preciso
que seja um recém-nascido; a criança pode ter até seis meses”. Nas palavras da
autora, as pessoas que não podem gerar filhos biológicos, pensam em adotar um
bebê para “poder cuidar desde pequenininho”; dar mamadeira e trocar fraldas!
Completa dizendo que essas pessoas imaginam que uma criança “mais velha” seja
um bebê de até três meses de idade... Como visto, parece-nos que só a questão do
preconceito presente em nossa cultura já justifica a necessidade de os postulantes
serem preparados para a adoção.
Interessante é observar que a importância da informação e do
esclarecimento sobre as diferentes modalidades de adoção, tem como objetivo
conscientizar os postulantes de que o perfil de crianças mais encontradas nas
instituições, são crianças e adolescentes, normalmente afro-descendentes, maiores
de cinco anos, aguardando ansiosamente por uma oportunidade de uma colocação
familiar. A situação de abandono em que crianças e adolescentes não inseridos no
perfil estabelecido e desejado se encontram, é uma realidade lamentável e que ao
longo do tempo colabora para permanência destas (crianças e adolescentes) nas
40
instituições. É preciso desmistificar a suposta relação entre dificuldades nos mais
diversos aspectos e a adoção daqueles que já passaram da primeira infância.
Após várias visitas a instituições de acolhimento institucional para crianças e
adolescentes, Weber (2011) conversou com algumas delas sobre as suas
expectativas de vida e os seus sentimentos. São crianças que vivem há anos sem
receber visitas da família. Para ilustrar tal situação, a autora traz depoimentos de
duas meninas, sendo uma com idade de 9 anos e outra com idade de 12 anos.
O primeiro depoimento é de uma menina de 9 anos que mora na instituição
desde os 7 anos levada por um juiz.
Menina de 9 anos. “Foi o Juiz que me trouxe. Eu era pobre, ficava na rua com
meu irmão maior, daí o Juiz me pegou e me levou. Eu fui “estuprada” há anos atrás.
Eu morava com minha irmã que tava grávida. Meu irmão pegou uma faca e disse
para eu tirar a roupa e enfiou a faca em mim. Ele tinha onze anos. Penso que minha
mãe não gosta mais de mim, mas no fundo ela gosta. Minha mãe não vem me visitar
porque o juiz não deixa. É difícil ficar sem a minha mãe. Meus maiores desejos é ver
a Xuxa, ter um quarto cor-de-rosa e ter uma nova família”. Quero ter um filho,
porque todo mundo fica abraçando nenê... Meu sonho é ser adotada”.
O segundo depoimento é de uma menina de 12 anos de idade que está na
instituição desde os 11 anos levada pelo avô e pela mãe adotiva.
Menina de 12 anos. “Meu avô e minha mãe adotiva me trouxeram para cá. Eu
não queria vir para cá. Não conheço ninguém da minha família de sangue. Eu
estava desde um ano e meio com mãe e pai adotivos que tinham mais cinco filhos
biológicos. Não deu certo eu ficar lá. A mãe tratava eu legal, mas o pai não gostava
de mim. Eu queria ser adotada para ter uma vida melhor, para poder ter pai e
mãe...”.
Percebemos através desses depoimentos, a incerteza presente nessas
crianças mediante a sensação de abandono, insegurança, medo, tristeza e total falta
de confiança em relação à presença e proteção familiar sentindo-se frequentemente
rejeitadas em relação ao meio familiar e social.
Atualmente, o discurso das pessoas envolvidas com adoção tem sido enfático
ao priorizar o interesse da criança e em procurar uma família para uma criança e
não o oposto. Mediante tais fatos, capacitar emocionalmente os que pretendem
habilitar-se à adoção de uma criança, faz-se necessário. Por se tratar de um
processo por que passa o pretendente à adoção para se habilitar, deve ser realizado
41
por profissionais da área da psicologia e do serviço social capazes de analisar a
condição do pretendente de se responsabilizar pelo pleno desenvolvimento da
criança ou do adolescente.
Consideramos importante mostrar que raras são as pessoas que se preparam
psicologicamente para ter um filho, seja este biológico ou adotivo. Preparar-se é um
processo dinâmico que requer continuidade e está sujeito a mudanças. Falamos
muito pouco sobre preparação para adoção e menos ainda sobre preparação para
se ter um filho biológico. Ouve-se dizer que a família biológica é a única responsável
pelo seu filho, enquanto no caso da adoção a escolha pelos “pais ideais” e pelo
“acerto” do processo de adoção é atribuída aos técnicos que trabalham nos Juizados
da Infância e Juventude. O fato é que este tipo de trabalho não é somente técnico,
pois envolve inúmeros aspectos arbitrários, pessoais, políticos, subjetivos, teóricos
em relação à escolha da “família adequada” para adotar uma criança.
Tendo por base esses dados, é interessante considerarmos a importância,
entre outros aspectos, na possibilidade de se aumentar os conhecimentos dos
pretendentes à adoção acerca da dinâmica que envolve principalmente a adoção
tardia com a finalidade de incentivar as adoções tardias e interraciais, visando
minimizar o descompasso entre o “filho idealizado” e o “filho do abandono”. O
descompasso aqui citado faz referência ao perfil da criança que normalmente é o
desejado (bebê branco do sexo feminino) e a criança que está disponível (negra,
institucionalizada, do sexo masculino com mais de cinco anos de idade).
Percebemos que, o maior problema existente nesse tipo de adoção é a falta
de esclarecimentos, uma vez que a sociedade não está preparada para superar
preconceito e a desinformação. Embora seja (e esse fato não se pode negar), mais
difícil e trabalhoso o processo de adoção tardia, muitas vezes pelo medo e pelas
várias etapas de adaptação, é necessário que se tenha conhecimento, incentivo, e,
sobretudo, paciência e vontade de adotar.
Do momento em que os adotantes passam por uma preparação e se dispõem
a adotar uma criança maior, precisarão lidar com as características da criança a ser
adotada e os conflitos pessoais que possam surgir, como também, a criança poderá
apresentar dificuldades com o processo de adaptação. A criança adotada
tardiamente só irá efetivar psiquicamente a adoção se conseguir retomar seu
desenvolvimento através de um processo de regressão, que varia de uma criança
para outra e pode incluir fantasias de voltar à barriga da mãe e de ser parecida
42
fisicamente com os pais adotivos, o que sinaliza sua busca para estabelecer o
processo de filiação com os novos pais. A literatura e os depoimentos apontam que
geralmente acontece da criança solicitar “colo”, ou querer dormir no quarto com os
pais, entre outros. Ela precisa sentir segurança de que será inteiramente aceita. É
importante compreender o sistema de crenças, valores e hábitos diferenciados.
Não podemos esperar que um processo de adoção seja idêntico a um
processo de gestação biológica e que os laços afetivos por meio dela constituídos se
igualem àqueles potencializados pela consangüinidade. A relação consangüínea é
biológica e a adoção é um outro modelo. Se como já vimos, a cultura da adoção
torna temeroso o imaginário das famílias, casais e adultos considerados aptos à
adoção em relação, principalmente, à criança institucionalizada e à criança “mais
velha”, dirigindo esses postulantes, à busca de crianças recém-nascidas, com
características semelhantes às suas, essa mesma cultura contribui para que o
número de crianças maiores se mantenha elevado nas estatísticas populacionais
das instituições brasileiras.
Isto posto, podemos citar Weber (2011) em sua explanação sobre a
preparação e o acompanhamento no processo de adoção. A autora discorre sobre a
preparação dos futuros pais adotivos e as etapas que envolvem esse processo,
descrevendo quatro situações bem diferenciadas em caso de adoção, como, a de
pessoas que não tem filhos biológicos por infertilidade ou esterilidade; pessoas que
adotam crianças de cor diferente da sua ou crianças com necessidades especiais;
pessoas que já tenham filhos biológicos e desejam adotar e com especial destaque
no nosso contexto, pessoas que adotam crianças com mais idade. Segundo a
autora, essas pessoas devem ser orientadas sobre as possíveis dificuldades, bem
como as facilidades no acolhimento de crianças que já possuem um repertório
comportamental desenvolvido. Passaremos agora a expor as etapas que
consideramos mais importantes para esse tópico.
3.1.1. Quem deve fazer esta preparação
As questões psicológicas devem ser preparadas por psicólogos, as
pedagógicas por pedagogos, as questões sociais por assistentes sociais e as
legislativas por advogados, ou seja, por técnicos especializados em cada uma das
áreas. Importante ressaltar, que esse conhecimento deve ser sempre dinâmico e
43
interdisciplinar e nunca estático. A contratação dos profissionais para essa
finalidade, pode ser feita através do serviço de adoção dos Juizados da Infância e da
Juventude ou pertencerem ao corpo técnico das Varas de Adoção. Outro ponto
importante, é o depoimento dos pais adotivos como fonte de estímulo para debates,
assim, é recomendável que cada Vara de Adoção trabalhe em parceria com um
Grupo de Pais Adotivos ou Associação de Apoio à Adoção, entidades em franco
desenvolvimento atualmente no país.
3.1.2. Forma de Preparação dos Adotantes
Inicialmente, por meio de entrevistas individuais dos futuros pais com os
técnicos de cada área citada anteriormente. O grupo operativo é uma outra forma de
atuação para trabalhar as expectativas, desejos e sentimentos. Nesse grupo,
atividades como leituras, informações, filmes, debates, dinâmicas, vivências podem
ser instrumentos de discussão de temas como preconceitos, onipotência, rótulos
sociais, herança genética, tipos de personalidade que fazem parte do universo da
adoção, como também, a participação dos pais adotivos voluntários seria bem vinda,
pois contariam e debateriam suas próprias experiências pessoais.
3.1.3. Critérios de escolha da Criança
As nossas escolhas mesmo sendo um critério subjetivo, estão sempre
permeadas por ideais imaginários. O ideal da pessoa que pensa em um projeto de
parentalidade está sempre presente na forma de um bebê lindo, robusto e saudável.
A preparação dos adotantes deve iniciar-se exatamente nesse foco dos desejos
ideais e expectativas românticas para que cada pessoa seja capaz de refletir acerca
de si própria e da sua história, descobrindo os seus limites e possibilidades em
relação ao outro. Esse não é um trabalho fácil e cabe aos psicólogos capacitados
para lidar com questões subjetivas do comportamento humano, avaliar precisamente
as condições dos pretendentes a adoção para receber um determinado tipo de
criança. É possível que uma pessoa verbalize o seu desejo de adotar uma criança
de cor diferente da sua e o profissional perceba que as atitudes subjetivas mostrem
que a adaptação a essa situação será muito difícil.
Importante ressaltar, que de acordo com a autora, o trabalho de preparação com os
futuros pais adotivos é fundamental, pois cada ser humano possui em sua história
44
de vida limitações que precisam ser entendidas. Assim, é possível encontrar pais
para todas as crianças, mas não pessoas que possam adotar todo tipo de criança.
3.1.4. Educação da criança adotiva
O primeiro aspecto com que se ocupar é a preparação da criança para a
adoção, no caso de adoções tardias e adoções precoces. Nesses tipos de adoção
podem ou não aparecer sentimentos de rejeição e abandono, abalando a auto-
estima infantil. Diante disso, faz-se importante promover a valorização da criança
frente a uma nova família que lhe trará possibilidades de mesmo não existindo laços
consangüíneos, viver uma relação de amor.
3.1.5. A procura das origens
Saber sua origem é de máxima importância e um direito inalienável da
criança. Os futuros pais devem ser conscientizados de que esta necessidade de
saber a origem pode ser exacerbada na adolescência, fase de transição em que a
própria identidade mistura-se com as expectativas e modelos- padrão da sociedade
atual. A adolescência é uma fase difícil entre o comportamento infantil e o adulto,
então não conhecer suas origens pode incitar comportamentos que prejudiquem o
seu desenvolvimento social e afetivo.
3.1.6. A família biológica
Falar sobre a família biológica, ou, sobre a mãe biológica não é fácil. Do
mesmo modo que a família de origem não deve ser menosprezada, os pais adotivos
poderiam lidar com a questão do abandono junto à criança, esclarecendo que tem
um momento em que na vida as pessoas são obrigadas a fazer coisas dolorosas e
que não é preciso culpá-las por esse ato. Minorar essa situação de maneira racional
e emocional, enfatizando para a criança que apesar de ter sido abandonada, ela é
uma vencedora, pois foi encontrada e adotada, constitui-se uma forma de apaziguar
a sua dor.
3.1.7. A revelação da adoção para amigos e familiares
A revelação de algum segredo gera sempre atitudes pessoais e subjetivas.
Revelar a adoção a parentes e amigos não é tarefa fácil, mas de forma natural e
45
verdadeira, os pais devem contar para que não se perpetue uma mentira que pode
vir à tona causando prejuízos às partes envolvidas. Todo cuidado é necessário, pois
sabemos que as reações das pessoas são as mais variadas possíveis e por essa
razão, é preciso que os pais estejam preparados para lidar com os preconceitos
ainda existentes em nossa sociedade atual. Ao optar pelo segredo em relação à
origem da criança, o que os pais adotivos buscam esconder nem sempre equivale
ao que a criança teme, mas o que provavelmente os próprios pais temem em
relação às suas fantasias e questões emocionais mal ou não resolvidas. Assim,
dizer a verdade à criança, comunicando aos poucos sobre os aspectos significantes
da sua história de vida, trará para a criança adotada e os pais adotivos, a construção
e manutenção do vínculo afetivo que os une.
Entendemos que negar à criança adotada conhecer sua origem e história de
vida pode ser representativo de uma negação real por parte dos pais, como por
exemplo, uma negação da infertilidade. Essa negação ou segredo pode vir a ser
interpretada pelo filho adotado, no ato da revelação uma aceitação relativa e não
total em relação a ela. Assim, revelar a verdade faz com que a criança se sinta
segura de que sempre foi desejada e aceita.
3.1.8. Um ambiente favorável à Adoção
Diante de todo o exposto, cabe assinalar que a adoção no Brasil, era pouco
divulgada até há pouco tempo, enquanto em outros países é uma realidade presente
há mais de 30 anos. A autora coloca que a possibilidade da adoção da criança pela
criança e não pela impossibilidade de ter filhos deveria ser veiculada em todos os
meios através de uma ponderação de cunho filosófico, psicológico e espiritual. Diz
ainda, que a vida das crianças abandonadas em instituições, como meio
determinante de futuras vidas marginalizadas, deveria ser mostrada mais
freqüentemente. Falar de vinculação afetiva, da necessidade e do direito da criança
viver em uma família. Mostrar para a comunidade que o laço sanguíneo não é
absolutamente necessário para o envolvimento afetivo. Mostrar que existe uma
grande probabilidade de crianças abandonadas, e sem vínculos afetivos,
encontrarem dificuldades futuras em sua própria formação de identidade e da
capacidade de amar o próximo.
46
“Ter um filho é uma responsabilidade muito grande e um passo muito sério”
diz a sabedoria popular. “As relações estabelecidas entre os filhos e seus pais são
fortes determinantes para a personalidade dos filhos”, dizem os psicólogos.
Importante uma reflexão sobre o que é ser pai e mãe, ou seja, o significado desses
papéis ao se desejar ter um filho. O casal ou a família que almeja por uma adoção,
deve preparar-se para tal realização por meio da ajuda de profissionais capacitados,
de modo que possam entender que a construção familiar mediante adoção ou não, é
uma prática humana e como tal está sujeita a todo tipo de fragilidades e limitações
inerentes a quem a executa.
47
3.2. A adoção na Mídia
As crianças, que pensamos nossas, são do mundo;
suas experiências só a elas pertencem.
Simão de Miranda
Com a evolução tecnológica, as informações se multiplicaram de forma
ininterrupta e globalizada, mostrando, a todo instante, situações embasadas em
crenças e valores existentes em diversos países e continentes geradoras de
possíveis conflitos e em outros casos, servindo de auxílio e proteção.
Nas palavras de (Ayres, 2008, p.90)
“No Brasil, nos meios de comunicação de massa, dentre eles, filmes e
telenovelas, a adoção vem sendo tema e cenário de discussão. Na
atualidade, parece-nos ganhar lugar de destaque”.
Nessa perspectiva, a mídia é um dos mais significativos veículos que
contribuem para a transmissão da idéia de que a adoção de crianças maiores e
adolescentes envolve sujeitos com uma história de vida comprometida com mais
sofrimentos e que por isso, apresentará maior dificuldade no aprendizado e no
relacionamento social.
Importante destacar que vários são os tipos de diferenças trazidos através da
mídia. São diferenças que apontam ações, ideais, diferenças étnicas, raciais,
religiosas, de sentimentos, políticas, sociais ou trabalhistas, para nossas reflexões.
Crianças e adolescentes, institucionalizados ou abandonados, ocupam espaço na
mídia, evidenciando um problema que atinge as camadas sociais mais pobres e que
toma proporções elevadas junto às camadas sociais mais abastadas. Pontuamos
ser esta uma questão muito séria por envolver situações de abandono material,
moral e afetivo deflagrando nesses sujeitos de direitos, um mundo de exclusão
social cercado de violência que os priva de oportunidades. Mesmo com a evolução
tecnológica existente nos dias de hoje, os mitos e preconceitos ainda existem.
Continuamos convivendo com o grande mito que parece ser a adoção uma forma de
filiação diferente e excepcional.
Conforme aponta Camargo (2012, p. 28), “Esses mitos vão sendo
cristalizados à medida que comunicações inadequadas vão sendo feitas e
informações desencontradas vão sendo veiculadas por meio delas. Nesse aspecto,
é lamentável ver que alguns canais de comunicação (mídia impressa e televisiva,
48
por exemplo) acabam potencializando os mitos ao invés de colaborar para sua
desconstrução”. Se por um lado, a mídia divulga situações de insucesso torna-se
importante considerar entre outros aspectos, a mídia como veículo de grande
alcance junto à população, promovendo campanhas informativas, divulgando
histórias de sucesso sobre adoção que são muitas, para uma cultura que evolui
lentamente nesse sentido.
Ayres (2008 e Osakabe, 1999) deixam claro que ambos buscaram através da
mídia não ser sua intenção fazer um memorial catalográfico-documental sobre esse
tema e sim problematizar algumas poucas produções midiáticas objetivando dar
visibilidade às produções de subjetividades que essas pretendem disseminar. Dentre
elas a autora destaca: a campanha de incentivo à adoção no Município do Rio de
Janeiro veiculada em outubro/novembro de 2004, as telenovelas Terra Nostra (1992;
2004), Por Amor (1997), Sabor da Paixão (2002/2003), Senhora do Destino (2004) e
Como uma Onda (2005) e o seriado O Super Homem. Ainda segundo a autora, a
campanha, uma parceria da Rede Globo e do Juizado da Infância e da Juventude,
veiculou personalidades públicas tais como o ator Marcelo Anthony e a cantora Elba
Ramalho com seus respectivos filhos adotivos, crianças pardas na faixa etária de
quatro a seis anos. A campanha, tendo ao fundo a música Chega de Saudade de
Tom Jobim e Vinícius de Moraes, veicula: “Melhor do que carinho de pai e mãe só
mesmo o carinho de filho. Adote uma criança”.
A intenção à época através dessa campanha direcionada especialmente para
pessoas interessadas em adotar e impossibilitadas de fazê-lo pelos meios
biológicos, foi sensibilizá-las a ter um novo olhar para a adoção tardia e exercerem a
maternidade/paternidade tão almejada por eles.
A autora (2008) informa a título de esclarecimento, que essa campanha foi
veiculada pela Rede Globo em 2004, capa da Revista 25, encarte do jornal O Globo
de 16/01/2005.
Com base nesses dados torna-se pertinente trabalhar os mitos e preconceitos
acerca dos candidatos a pais, para que possam considerar a adoção de uma
criança “mais velha” possível sem as fantasias sobre as histórias que envolvem o
seu mundo tão restrito e carente de vivências satisfatórias.
Salienta-se a importância de se conhecer o discurso dos meios de
comunicação de massa a respeito da adoção na medida em que este tem ocupado
um lugar central na cultura contemporânea.
49
3.3. O Judiciário e a Psicologia
“(...) a história é uma contínua luta de indivíduos
e de grupos para mudar aquilo que existe em cada
momento dado; mas, para ser eficaz, estes indivíduos e
grupos deverão se sentir superiores ao existente.”
Gramsci
A atuação conjunta entre o Direito e a Psicologia ainda tem gerado alguns
questionamentos. Certamente, um dos motivos é que a observação do sujeito pelas
duas áreas se dá de forma diversificada. “O Direito precisa trabalhar sempre com
proposições universais exatamente por ter uma vocação universal. Ele não pode ser
casuístico, mas também não pode negar as diferenças, pois onde há regra, há
exceção. A única diferença é que a exceção precisa ser justificada” (DUARTE, 2007,
p.35-36).
A adoção tardia possui uma natureza jurídica capaz de assegurar ao adotado,
a chance de receber os cuidados e atenções, além de boa formação por uma família
que vai suprir as lacunas deixadas pela família biológica seja, por morte dos
progenitores, por abandono, maus tratos ou mesmo em virtude de impossibilidades
de criação, uma vez que não basta colocar uma criança no mundo, é preciso
acompanhar seus passos até atingir as condições ideais para se tornar
independente, tornando-se suficientemente capaz para responder por seus atos e
ainda garantir sua sobrevivência.
Uma questão bastante polêmica na jurisprudência diz respeito ao direito do
adotado em ajuizar ação de investigação de paternidade e/ou maternidade a fim de
conhecer seus pais biológicos. Discorre o artigo 27 do Estatuto da Criança e do
Adolescente que o reconhecimento do estado de filiação é indisponível,
personalíssimo e imprescritível, desse modo seria possível ao filho adotivo ingressar
com uma ação de investigação de paternidade, visto que a mesma não afetaria o
disposto no artigo 48 desse Estatuto que dispõe a adoção ser irrevogável e que este
tipo de ação instaurada pelo adotado em nada alteraria sua condição de filho, já que
a mesma seria válida para que tivesse conhecimento de sua origem de vida e de
seus pais biológicos. Todas as pessoas possuem o direito à identidade pessoal, de
conhecer sua história, sua origem, suas raízes.
50
O entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal de Justiça é no sentido
de que o filho adotivo pode, sim, exercer o direito disposto no artigo 27 do Estatuto
da Criança e do Adolescente, ou seja, de reconhecer o seu estado de filiação. Para
haver uma possível ação de investigação de paternidade e/ou maternidade, o filho
adotivo deverá saber a sua condição de adotado, pois quanto antes a criança
compreender o significado das palavras “adoção”, “adotado”, “adotivo”, melhor será.
Em outras palavras, os pais adotivos devem utilizar as palavras “filho adotivo” desde
cedo, associando tais palavras a sentimentos positivos, referindo-se ao filho como
adotivo, mas, de maneira carinhosa, atribuindo a esse filho o fato de que é amado
da mesma forma que um filho biológico.
Esse processo acima descrito implica em um aspecto fundamental no
desenvolvimento da criança, que a princípio pode parecer óbvio. Seria
extremamente difícil para a criança abandonada ou retirada da família tardiamente,
reconstruir vínculos primários, identificar-se com novas figuras parentais. A criança
adotada tardiamente estaria, numa certa medida, refratária aos novos vínculos,
estabelecendo, porém, com facilidade, relações superficiais. Podemos considerar
que todo esse processo envolve rupturas dolorosas e que se caracteriza por um
período de intensa instabilidade, chamado de estágio de convivência, que requer um
trabalho de acompanhamento técnico específico à família. Segundo algumas
famílias, este não deveria se limitar ao período do estágio probatório como uma
avaliação requerida pelo judiciário, mas ser um suporte técnico que atenda à
necessidade da família.
Teixeira, citado por Paulo (2012), escreve que o campo da Psicologia é amplo
e disperso e é acessado de forma arbitrária, de acordo com os desejos e
possibilidades daquele que o busca. Em razão disso, o conhecimento acumulado
por cada profissional é diferente do outro, coerente com a sua trajetória de vida,
sendo essa diversidade uma das grandes contribuições que a Psicologia tem a
oferecer.
A atuação do psicólogo no âmbito jurídico faz-se importante por se capaz de
fornecer subsídios que são necessários para a produção de critérios racionais
conforme as necessidades do seu campo de atuação. Fornecendo ao Judiciário,
elementos de análise a respeito da condição de cada sujeito envolvido na demanda
jurídica, o psicólogo cria uma possibilidade de resgatar esse sujeito mediante a
51
despersonalização que poderá ser produzida pelo processo judicial. Assim, o
conhecimento produzido pela Psicologia, tem fornecido inúmeras ferramentas.
A Psicologia entende que os pais adotivos devem dizer ao filho que sua mãe
biológica era uma pessoa muito boa, mas que não pode criá-lo e o colocou para
adoção para que tivesse melhores condições de vida. É preciso que os pais
adotivos, ao abordarem tal assunto, certifiquem ao filho que ele não foi rejeitado e
que com uma nova família que cuidasse dele seria amado como filho natural, do
próprio sangue. Embora não pareça, para o adotado a identidade pessoal será de
grande relevância, pois esta revelará os aspectos biológicos, culturais e sociais da
origem da pessoa humana.
Um aspecto a se valorizar e de extrema importância para os pais adotivos
ainda é a busca por uma criança com perfil semelhante às características físicas e
raciais do seu núcleo familiar. Diante desse fato, observa-se que o casal que chega
a uma instituição, se depara com uma realidade totalmente à parte da idealizada, ou
seja, se depara com crianças crescidas, portadoras de vários problemas por força
das circunstâncias e são essas crianças “mais velhas” que vão ficando, enquanto as
mais novas vão embora. Enfim, crianças consideradas “inadotáveis”, por
apresentarem algum tipo de “defeito” que faz com que muitos não as queiram.
Por esse motivo, essas crianças passam a ser condenadas a permanecerem
nas instituições, a continuarem excluídas da sociedade e do direito de terem uma
família e uma vida digna. Assim, muito se fala na demora da adoção, nas enormes
filas e na imensa quantidade de crianças nas instituições. Se existem tantas crianças
acolhidas, porque é tão difícil adotar?
Parece-nos que são várias as situações, mas o que, no entanto, não se fala, é
que muitas pessoas ficam aguardando a criança “perfeita” e acabam desistindo de
adotar a criança que está lá, esperando ansiosa por amor, carinho e proteção com
uma família, conforme garante a constituição.
Segundo Souza (2008, p. 24),
Ninguém é obrigado a adotar, mas para haver adoção é necessário que haja
o desejo de exercitar a paternidade/maternidade e que ela esteja impregnada
de amor, carinho, afeto, compromisso, doação e responsabilidade. Adotar
pressupõe acolher o outro com plena disponibilidade emocional e psicológica.
52
A adoção compreende funções de dupla ponta, uma do adotado (criança ou
adolescente) e outra do adotante (pessoa solteira ou casal). Em uma ponta a
motivação de adotar e o desejo de ser pai/mãe e em outra a motivação de ser
adotado e o desejo de ser filho. Isso indica que a possibilidade da adoção tem
chance de ser positiva tanto para a família que adota como para a criança que é
adotada. Mas por outro lado, não podemos referenciar somente os aspectos
positivos, como por exemplo, a motivação para adotar sem considerar as
dificuldades existentes. Isso implica pontuarmos mais uma vez a importância do
preparo da criança a ser adotada e da família postulante à adoção, como forma de
evitar os riscos do fracasso com a adoção e a devolução à instituição por não se
adaptar à nova família ou a nova família não se adaptar a ela.
Entendemos que por outro lado, o processo por que passa o pretendente à
adoção para se habilitar ainda é demorado e ao mesmo tempo necessário. O que
podemos esperar da habilitação para a adoção? O que se pode esperar é que cada
pessoa possa falar algo sobre a sua escolha assumindo a responsabilidade por sua
fala configurando a necessidade quanto a análise da capacidade do pretendente a
adoção de garantir o pleno desenvolvimento da criança ou do adolescente. O Grupo
de Habilitação tem o intuito de apresentar aos requerentes que, na conformidade de
seus desejos, novas possibilidades de filiação podem ser instauradas. A idealização
que cerca o filho que está por vir pode encontrar vários desdobramentos e são
nesses desdobramentos que as adoções tardias, por exemplo, podem acontecer.
Assim, os acompanhamentos psicológico e social durante esse processo são
importantes para que se tenha clareza da realidade da situação de vida dos
pretendentes e a compreensão do que os motiva a adotar, pois somente após a
certeza da impossibilidade da criança retornar à sua família de origem é que fará
parte do cadastro de adoção aguardando por uma nova família. Deve estar claro
para o profissional o motivo real da adoção e se os adotantes são potencialmente
capazes de exercer a paternidade/maternidade da criança ou adolescente,
permitindo que ela possa viver em um ambiente saudável que permita o seu
desenvolvimento físico e mental.
Todavia, uma situação que se configura implicando na devolução pode
acontecer quando o processo de adoção ainda está no período de guarda
estabelecido pela Justiça, anterior à sentença de adoção. Nesse caso, a criança ou
53
adolescente é entregue pelos adotantes ao Juizado da Infância e da Juventude que
a encaminha para uma instituição de acolhimento.
É importante abrir um parêntese para a situação acima exposta. Nenhuma
legislação estabelece punição ao adotante que preceda uma devolução, salvo em
casos em que a criança ou o adolescente teve seus direitos violados ou sofreu
algum tipo de violência. Toda família pode ter diante de si dificuldades para lidar com
conflitos. Qualquer criança ou adolescente, seja ela de origem biológica ou adotiva,
traz alegrias, tristezas, desobedece e frustra. Muitas vezes os adotantes atribuem os
conflitos à família de origem ou por serem filhos adotivos, minimizando a importância
de fatores sócio-culturais ou a própria incapacidade de exercer a
paternidade/maternidade ou por não terem o filho idealizado. Por isso, a preparação
dos pretendentes para receber um filho adotivo, merece atenção, como forma de
amenizar os transtornos irreversíveis provocados em caso de devolução.
Por outro lado, as medidas de cunho preventivo são incapazes de preparar os
adotantes para enfrentar todos os conflitos e situações de vida possíveis com o
adotado, principalmente com o adotado com idade superior a dois anos, caso de
adoção tardia, mas são competentes ao prepará-lo para enfrentar as situações mais
previsíveis e contribui para a maturação dos motivos da adoção. Visando essa
preparação foram criados os Grupos de Apoio por ser de fundamental importância o
esclarecimento e a informação por parte desses. São diversos os Grupos de Apoio à
Adoção que auxiliam casais após a adoção, mas dependendo da situação e da
história de vida que cada criança traz, um acompanhamento psicológico para as
crianças e os pais é bem vindo. Portanto, a adoção tardia deve ser pensada e
preparada, pois exige bastante dos novos pais. Tal relação não está impregnada no
sangue, mas complementa-se com o amor e com a aceitação do pai e do filho,
amparados pelo convívio em verdadeiro sentimento que motiva a relação paternal
filial, o afeto.
Como vem sendo construída a prática da Psicologia com a Justiça? No
processo de adoção estão envolvidos diversos personagens, entre eles: o adotante,
o adotado, os pais biológicos, o juiz, a equipe interprofissional, o promotor de justiça,
o advogado e/ou defensor público. É a partir da interação desses personagens com
os profissionais que a prática da Psicologia com a Justiça vem sendo construída.
Para tanto, consideramos de fundamental importância que os profissionais que
atuam na área da adoção, repensem constantemente a sua prática por meio de um
54
olhar mais crítico e que não sejam meros instrumentos a serviço de percepções que
predominam no imaginário social.
Na perspectiva psicológica, a adoção, “é uma relação de criação de
sentimentos de amor, na qual as pessoas envolvidas caminham juntas para
adotarem-se umas às outras. A adoção é uma maneira de formar e/ou aumentar
uma família e realizar trocas afetivas entre os seus componentes. Para que isso
aconteça de forma saudável, a criança precisa ter a sua formação bem estruturada,
e esse alicerce será obtido mediante a convivência no seio de uma família ainda que
não seja a sua, biologicamente falando, que seja mediante elos formados através da
segurança, do amor, do respeito e da compreensão através de pais substitutos, para
que possam crescer de forma educada, desenvolvendo o que há de melhor através
da aprendizagem que adquire mediante vínculos de uma adoção saudável na família
onde foi inserida. Estes deveriam ser acompanhados por profissionais que dêem
suporte ao grupo familiar (criança-família), que os orientem não só quanto ao
processo, mas que, principalmente, abrindo espaço para falar dos tabus que
envolvem a prática.
Dizendo de outro modo, os adotantes, devem ter a possibilidade de se
sentirem felizes nesse novo papel, sentirem que a relação vivida com aquele filho
adotado, lhes trouxe uma realização e um enriquecimento a que não queiram
renunciar, apesar dos momentos difíceis que passaram.
A relação entre pais e filhos adotivos tardios é uma relação possível e que
pode trazer bons frutos. Deve ser encarada como uma missão, como um desafio. A
adoção deve ser repensada de forma construtiva, sendo necessário analisar as
categorias, os paradigmas e as práticas do direito de família.
Por outro lado, de uma ótica sentimental, dizemos que a adoção é um
ato de amor extremo, de um amor incondicional, pois é capaz de superar todas as
frustrações e preconceitos, lembranças e deformações, todas as barreiras
burocráticas, materiais, sociais e familiares, através da doação e da multiplicação
deste amor, em um processo de reconstrução de cada personagem, tanto consigo
próprio como de si em relação ao outro, re-configurando as relações familiares e
formando a nova família, que nasce a partir da adoção.
Para ilustrar tal situação, trazemos o depoimento de um filho por
adoção tirado do livro de Souza (2008, p. 121):
55
Ser filho adotivo é ter esperança, é aproveitar e vencer a vida, é ter felicidade
no coração, é ter amor e é ter alegria de viver. Ser um filho adotivo é ser uma
Acho que Deus gosta muito de mim porque me deus dois pais biológicos que
me deram a vida e dois pais adotivos que me ensinam a viver a vida.
B.G., 9 anos, adotado aos 5.
Com referência especificamente ao contexto da adoção, gostaríamos de
trazer o conceito de “Figura e Fundo” desenvolvido pela Gestalt como uma forma de
entendermos como o sujeito se percebe e interage com o mundo exterior e com sua
própria subjetividade. Figura e Fundo são parte de um mesmo todo. A figura
depende do fundo para existir, pertencer ao todo, e só pode ser entendida diante de
um fundo que lhe dê contorno e destaque. Por exemplo, consideremos a instituição
de acolhimento como figura e crianças e adolescentes como fundo. Ao serem
ouvidas por profissionais, o que elas têm a dizer, o conteúdo, se torna fundo e cada
palavra passa a ser figura. Se nos detivermos a um detalhe, este passará a ser
figura e o resto fundo. Na verdade, não existe uma figura e um fundo constantes; em
um dado momento é o contexto que irá determinar o que são um e outro. Assim,
podemos dizer que a figura é que se destaca de um fundo. Ela tem forma e
contorno. Um está em ligação com o outro e de certa forma, não existe sem o outro.
Ao nos referirmos que a figura depende do fundo para existir e vice-versa, é
importante destacar que é preciso haver interação entre as partes, ou seja, que as
experiências vivenciadas tragam a consciência do mundo à sua volta em relação à
realidade sentida no mundo subjetivo de cada um que compõe esse cenário. Assim
sendo, é possível que experiências enriquecedoras e produtivas se reconfigurem
para uma mudança de atitude das pessoas envolvidas com o processo de adoção.
O desafio que devemos enfrentar atualmente é não deixar as crianças
envelhecerem nas instituições e conscientizar os brasileiros sobre as adoções
necessárias: crianças “mais velhas”.
O abandono ou o afastamento do convívio social possuem efeito
interpessoal aversivo, ou seja, geram, nos outros, condutas evitativas. O abandono
restringe a mobilidade da pessoa, o que reduz a oportunidade dos contatos sociais e
o isola; além disso, tende a debilitar a criança e o adolescente e, em conseqüência,
estes também reduzem sua iniciativa de ativação da própria rede. A criança e o
adolescente em situação de abandono passam a ter dificuldades em gerar
comportamentos de reciprocidade no jogo interpessoal da interação social, ou seja,
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passam a ter menos possibilidades de apresentar comportamentos equivalentes aos
de seus cuidadores, como os profissionais das instituições de acolhimento.
Ser pai e mãe não implica em uma filiação biológica, mas uma filiação
sócioafetiva. Compreende a verdade do coração mais do que a do sangue. Implica
cidadania, pertencimento e identidade. Ser pai e mãe é sê-lo por adoção, ou seja, é
se comprometer, se responsabilizar, sustentar, cuidar, amar o filho, independente de
formalidades legais. Para que haja a materialização do vínculo filial, portanto, é
preciso que os pais reconheçam seus filhos e que os filhos se sintam reconhecidos e
seguros nesta relação.
Enquanto a vida segue seu rumo, continuamos acreditando que adotar é
possível do momento que a alma seja entregue ao querer.
57
CONSIDERAÇÕES FINAIS
.
No presente trabalho foram estudados o perfil, as motivações e expectativas
que levam os requerentes a adoção a iniciar o processo de adoção. Falamos sobre
os sentimentos e desejos das crianças e ainda, sobre o desafio de uma nova família.
Como vimos ao longo do trabalho, muito se foi feito, ao menos em relação às
leis que regem as questões da adoção para a promoção de um movimento positivo
de setores da sociedade, que visam estabelecer uma nova cultura, uma nova forma
de viver o processo adotivo.
Destacamos aspectos de suma importância ao citarmos o trabalho das
Associações e Grupos de Apoio à Adoção procurando promover discussões,
elaborar estudos, permitir a troca de experiências entre pessoas que pretendem
adotar e as que o fizeram.
Isto posto, é fundamental que a sociedade como um todo e em particular os
interessados em adotar uma criança, valorizem o trabalho desempenhado por esses
grupos. Uma mudança de mentalidade com relação à adoção faz-se importante para
que os adotantes brasileiros possam vir a compreender as possibilidades de êxito
nas adoções tardias.
No nosso entendimento consideramos adoção tardia como sendo aquela em
que as crianças com mais de dois anos de idade são escolhidas por pessoas
interessadas em adotá-las, justamente por terem esta idade, ou ainda, aquela
criança que ninguém quer. Importante destacar que a idade acima de dois anos não
é o único definidor desta modalidade. As crianças consideradas “velhas” para
adoção ou foram abandonadas tardiamente pelas mães, que por circunstâncias
pessoais ou socioeconômicas, não puderam continuar se encarregando delas, ou
foram retiradas dos pais pelo poder judiciário, que os julgou incapazes de mantê-las
em seu poder familiar, ou ainda, foram “esquecidas” pelo Estado desde muito
pequenas nas instituições.
Precisamos compreender a adoção tardia como uma medida alternativa
mediante o abandono de tantas crianças em instituições ou nas ruas e não como
uma solução para esta realidade por serem muitas as questões que norteiam a
adoção. Precisamos ainda, estarmos atentos à lógica dos fatos, compreendendo sua
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essência e não nos deixarmos satisfazer diante das aparências do que parece ser e
não é.
Analisar a adoção em suas variadas modalidades pressupõe, na ótica deste
trabalho, tornar claro, os vários artigos, discursos e textos acerca dos mitos e
preconceitos que evidenciam a urgência de se ter um olhar diferenciado para o
abandono, a institucionalização e o desafeto.
A adoção não estava localizada no instituto da adoção enquanto instrumento
jurídico, mas tratava sobre a adoção da criança pelo Outro, aquele que ocupa o
lugar parental. Isso fica claro, visto que a adoção enquanto processo que brota do
encontro com o Outro, adquire uma importância vital, pois é a partir desse encontro
que a criança irá se constituir sujeito até se tornar adulto.
Assim, buscando identificar os percalços que atravessam os caminhos rumo à
adoção, dos olhares não trocados, das palavras não ditas, passei a me interrogar, a
partir do desejo do adotante e da criança a ser adotada, qual a implicação na
constituição subjetiva dessa criança em face do real e factual no seu universo.
Se a criança é abandonada, quem a abandona? É a família? É o Estado? É a
sociedade? É o Estado de Direito?
Com base nessas indagações colocando o fenômeno do abandono no
contexto estrutural da realidade social mesmo diante das contradições a serem
consideradas, além de tudo, constitui um avanço para repensarmos essas questões
em um contexto mais amplo, chamando a atenção para as crianças “mais velhas”,
ou seja, como essas crianças serão em sua singularidade e em sua plenitude, como
existiram e existirão além de nós e em cada um de nós. A intenção é trazer
instrumentos e informações que fomentem essa reflexão.
Buscou-se ainda, compreender as vivências psicológicas que envolvem a
experiência da adoção tardia. É nessa lógica, que se inscrevem e escrevem as
histórias da adoção, isto é, esse é o cenário de nossas análises.
Ao mostrar que as adoções tardias são possíveis, abre-se um caminho para a
solução das questões que envolvem crianças abandonadas de fato, denuncia-se o
descaso das autoridades competentes e pressiona-se por definições dos poderes
constituídos, Judiciário e Ministério Público. Este é um momento extremamente
significativo por serem muitos os componentes que envolvem o tema, tanto no
sentido psicológico, quanto no social e jurídico.
59
Com essa apresentação, a intenção é provocar e produzir o estranhamento, a
desnaturalização de verdades estáticas, o questionamento das falas, dos textos, das
histórias, das práticas, que, hegemonicamente, acolhem os discursos da adoção.
60
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
- AYRES, Lydia S. M. De Menor a Criança, de Criança a Filho. Curitiba: Juruá,
2009.
- BITTENCOURT, Sávio. Manual do Pai Adotivo. Nota Bene Editora e
Comunicação, 2008.
- CAMARGO, Mário Lázaro. Adoção: Vivências de Parentalidade e Filiação de
Adultos Adotados. Curitiba: Juruá, 2012.
- Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei nº8069, de 13 de julho de 1990.
Dispositivos da Constituição e do Código Civil. Editora Auriverde, 2008.
- PAULO, Beatrice Marinho. Psicologia na Prática Jurídica: a criança em foco.
Editora Saraiva: 2ª edição, 2012.
- SOUZA, Hália Pauliv. Adoção: exercício da fertilidade afetiva. Editora Paulinas,
2012.,
- WEBER, Lídia N.D. Aspectos Psicológicos da Adoção. Curitiba: Juruá, 2ª
edição, 2011.
- WEBER, Lídia N.D. Laços de Ternura: pesquisas e histórias de adoção.
Curitiba: Juruá, 7ª reimpressão, 2011.
- WEBER, Lídia N.D. O Psicólogo e as Práticas da Adoção. Apostila do curso
Estudo Dirigido Psi. Texto 4, 2012.
- WEBER, Lídia N.D. Pais e Filhos por Adoção no Brasil: características,
expectativas e sentimentos. Curitiba: Juruá, 2010.
61
- A Constituição Subjetiva na Adoção Tardia. Disponível na Internet via
http://www.ppi.uem/eventos/artigos/36.pdf. Arquivo consultado em 2014.
- Adoção: Quando o preconceito fecha os olhos do coração. Disponível na Internet
via http://filhosdocoraçãodobrasil.com/.../adoção/79-adoção. Arquivo consultado em
2014.
- BRASIL. Lei Federal nº 12.010/09 de 03 de agosto de 2009. Nova Lei Nacional da
Adoção. Brasília, 2009. Disponível na Internet via
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Ato2007-2010/2009/Lei/12010,htm. Arquivo
consultado em 2014.
- Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília, 1990. Disponível na Internet via
http://www.planalto.gov.br/cc/Leis/L8069.htm. Arquivo consultado em 2014.
- Filhos Adotivos. Pais Verdadeiros. Disponível na Internet via
http://www.unicap.br/sofia/arquivos/filhosadot.filhosverd.doc. Arquivo consultado em
2014.
- Grupos de Apoio. Disponível na Internet via
http://www,aconchegodf.org.br/biblioteca/artigos/pdf. Arquivo consultado em 2014.
62
INDICE
FOLHA DE ROSTO 2
AGRADECIMENTOS 3
DEDICATÓRIA 4
RESUMO 5
SUMÁRIO 6
INTRODUÇÃO 9
CAPÍTULO I
ADOÇÃO TARDIA E SUA EVOLUÇÃO HISTÓRICA 11
1.1. A evolução legislativa da Adoção 13
1.2. A adoção e as novas leis 17
1.3.Adoção tardia e suas questões 19
CAPÍTULO II
O CONTEXTO CULTURAL DA REALIDADE SOCIAL E A ADOÇÃO TARDIA 23
2.0.Do abandono à adoção 23
2.1. A instituição e os filhos da solidão 25
2.2. Os mitos e preconceitos sobre a adoção 30
CAPÍTULO III
O PERFIL E A MOTIVAÇÃO DOS PRETENDENTES A ADOÇÃO 36
3.1 A preparação para a adoção e o perfil do Adotando 39
3.1.1.Quem deve fazer esta preparação 42
3.1.2.Forma de preparação dos adotantes 43
3.1.3.Critérios de escolha da criança 43
3.1.4.Educação da criança adotiva 44
3.1.5.A procura das origens 44
3.1.6.A família biológica 44
3.1.7.A revelação da adoção para amigos e familiares 44
3.1.8.Um ambiente favorável à adoção 45
3.2. A Adoção na Mídia 47
63
3.3 O Judiciário e a Psicologia 49
CONSIDERAÇÕES FINAIS 57
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 60
INDICE 62
ANEXOS 64
FOLHA DE AVALIAÇÃO 73
64
ANEXOS
Crescem em número e em qualidade, as adoções tardias, o que fica
claramente demonstrado o quanto é indispensável o trabalho de preparação dos
pais para a adoção e filhos candidatos à adoção. As reportagens a seguir, mostram
a crescente evolução quanto ao tema da adoção.
- Comemoração do Dia Nacional da Adoção.
- Apadrinhamento Afetivo: primeiro passo para a adoção.
- Artigo do jornal Folha de S. Paulo sobre adoção de menina negra, mais velha e
com dois irmãos.
- Reportagens do jornal Folha de S. Paulo com dados estatísticos sobre a queda
quanto à resistência a adoção de criança negra e mais velha e sobre a queda no
nível de exigência de cor e idade para adoção de crianças.
65
ANEXO I
66
ANEXO II
67
ANEXO III
68
ANEXO IV
69
ANEXO V
70
ANEXO VI
71
ANEXO VII
FOTOS
72
ANEXO VIII
FOTOS
73
FOLHA DE AVALIAÇÃO
Nome da Instituição: Universidade Cândido Mendes
Título da Monografia: Adoção Tardia: uma história cercada de
mitos e preconceitos.
Autor: Marcia Averbach Macedo
Data de entrega:
Avaliado por: Conceito:
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