View
24
Download
1
Category
Preview:
Citation preview
DADOSDEODINRIGHTSobreaobra:
ApresenteobraédisponibilizadapelaequipeeLivroseseusdiversosparceiros,comoobjetivodeoferecerconteúdoparausoparcialempesquisaseestudosacadêmicos,bemcomoosimplestestedaqualidadedaobra,comofimexclusivodecomprafutura.
Éexpressamenteproibidaetotalmenterepudíavelavenda,aluguel,ouquaisquerusocomercialdopresenteconteúdo.
Sobrenós:
OeLivroseseusparceirosdisponibilizamconteúdodedominiopublicoepropriedadeintelectualdeformatotalmentegratuita,poracreditarqueoconhecimentoeaeducaçãodevemseracessíveiselivresatodaequalquerpessoa.Vocêpodeencontrarmaisobrasemnossosite:eLivros.
Comopossocontribuir?
Vocêpodeajudarcontribuindodeváriasmaneiras,enviandolivrosparagentepostarEnvieumlivro;)
Ouaindapodendoajudarfinanceiramenteapagarcustodeservidoreseobrasquecompramosparapostar,façaumadoaçãoaqui:)
"Quandoomundoestiverunidonabuscadoconhecimento,enãomaislutandopordinheiroepoder,entãonossasociedadepoderá
enfimevoluiraumnovonível."
eLivroseLivros.love.love
RAFAELCARDOSODESIGNPARAUMMUNDOCOMPLEXO
ParaAndersMichelseneVictorMargolin.Thankyoubothforprovingthatdesignissomethingworththinkingabout.
Ourmostrefinedtheories,ourmostelaboratedescriptionsarebutcrudeandbarbaroussimplificationsofarealitythatis,ineverysmallestsample,infinitelycomplex.[AldousHuxley,1930]
AGRADECIMENTOSEstelivronasceudeumcursoministradosucessivamentenoRiodeJaneiro
(PolodePensamentoContemporâneo),emSãoPaulo(CentroUniversitárioMariaAntonia/USP),naCidadedoMéxico(UniversidadAutonomaMetropolitana-Xochimilco),noRecife(CentrodeDesigndoRecife)eemSãoLuís(UniversidadeFederaldoMaranhão)entre2007e2009.Emcadaumadessasocasiões,seuconteúdosofreutransformações,recebeuacréscimos,perdeuexcessose,demodogeral,foiganhandoemqualidadeefluidez.
Emborasejaimpossívelcitartodospornome,éprecisoagradeceremprimeirolugaraosparticipantesealunos,quecontribuíramdemodoessencialparaoamadurecimentodasreflexõesaquiapresentadas.Emespecial,devomuitoàspessoasdequempartiramosconvites,asquaisnãomediramesforçosparaviabilizaressescursos,muitasvezessuperandoobstáculosconsideráveis.AgradeçoaEucanaãFerraz,TâniaRivitti,AlejandroTapia,RenataGameloeRaquelGomesNoronha,assimcomoàssuasrespectivasequipesdetrabalho.Graçasaoseuincentivoeempenho,asideiasqueconstituemopresentevolumepuderamserpensadasediscutidas.
PartesdestelivrocontaramcomaleituraperspicazdeAndréStolarskieMauroPinheiro.Ambosajudaramnacorreçãodeerrosenoapurodosconceitos.Semsuacolaboração,generosaedesinteressada,essaspáginasconteriammaisdeficiênciasdoqueasqueaindaconseguiramresistiraosseusbonsconselhos.Agradeçotambémasideiastrocadasinformalmentecomamigos,muitasvezessemquesoubessemqueestavamsendoexploradosparatalfinalidade,bemcomoascontribuiçõespontuaisdedadosoureferênciasprecisas.Entreoutros,cabecitarAlfredoJeffersondeOliveira,AmadorPerez,BarãodiSarno,BeatrizRusso,FernandoBetimPaesLeme,HelenoBernardi,JoãodeSouzaLeite,JoaquimMarçalFerreiradeAndrade,JulietaSobral,LauroCavalcanti,MarinaBoechat,OtoniMesquita,RicoLins,RobertoConduru,SérgioBrunoMartins,VanessaEspínola,VeraDamázio.
Nenhumlivrosefazsozinho.DesejoagradeceratodaaequipedaCosacNaify–emespecial,ElaineRamos–poracreditarnoprojetoeporajudaratransformá-loemrealidadeeditorial.Estendoessereconhecimentoaosmeuscolegasdeconselhoeditorialdaáreadedesign,agradecendoaconfiançadepositadaemmim.
UmagradecimentodetodoocoraçãoaPatriciaBreves,minhamulher,porconversaseconfidências,apoioeamor,portudoemaisumpouco.
UMAPELOÀLEITURA(ÀGUISADEPREFÁCIO)
Estelivronãotemprefácio.Nãoqueoassuntonãomereça.Émesmoporopção.Vivemosemtemposapressados.Aspessoascorremfreneticamentedeumladoparaooutro,realizamaomesmotempomúltiplastarefas,mantêmvirtualmentecentenasdeamizadesquenãodãocontadecultivarnodiaadia,acabamporsecomunicarporcontraçõesmenoresdoquemonossílabos:blz,rsrs,abs.Nessecontexto,quemtemtempoparalerprefácios?Skipintroéumdoscomandosmaisúteisdomundodehoje,vistoquedeviaserdesnecessáriodizerquenãohátempoaperdercomfirulas.Portanto,vamoslogoaoassunto,semmaisdemora.Antes,porém,peçoalicençadoestimadoleitorparamassagearumpoucoseuego.
Sódeterestelivroemmãos,caroleitor,vocêjádemonstrouserumapessoaforadocomum.Nãoescrevoistoapenasporoportunismo,parainduzi-loalermaisumpoucoe,quemsabe,comprarolivro(porissotambém,claro),masantesparaconstatarumaverdadepreocupante.
Ofatoéquehojerelativamentepoucaspessoassedispõemalerumlivro.Emplenaeradainformação,orealconhecimentocomeçaacairemdesuso.Poressesimplesmotivo,omundocaminhacélereparaaignorânciae,daí,paraomedo,ofanatismoeadestruiçãodosvaloresculturaismaisimportantesdosúltimosséculos.Novos“temposdegrossura”(nodizerdeLinaBoBardi)parecemnosaguardar,logoadiante,elutarcontraissoéodeverdetodapessoaquepensa.
Oconflitoentreinformaçãodemaiseconhecimentodemenoséumadascondiçõesparadoxaisdostemposemquevivemos.Estálongedeseroúnico.Àmedidaqueomundovaificandomaiscomplexo,parecequeaspessoassedispõemcadavezmenosatentarfazersentidodascoisas.Resignar-secomamediocridadereinanteéoprimeiropassoparaamortedaculturaquetemosemcomum.Ficaaquiumapelo,portanto,àleitura:ilustre-se,caroleitor,evocêfarádomundoumlugarmelhor.
INTRODUÇÃOOSPROPÓSITOSDODESIGN
NOCENÁRIOATUAL
Podealgoserbeloparaqualqueroutropropósitoanãoseraqueleparao
qualébeloquesejausado?[Sócrates,cercade400anosantesdaeracristã.]{1}
DO“MUNDOREAL”AOMUNDOCOMPLEXOOdesignnasceucomofirmepropósitodepôrordemnabagunçadomundo
industrial.EntremeadosdoséculoXVIIIefinsdoséculoXIX–operíodoquecorresponde,grossomodo,aosurgimentodosistemadefábricasemboapartedaEuropaedosEstadosUnidos–houveumaumentoestonteantedaofertadebensdeconsumo,combinadocomquedaconcomitantedoseucusto,ambosprovocadospormudançasdeorganizaçãoetecnologiaprodutivas,sistemasdetransporteedistribuição.Nuncaantesnahistóriadahumanidade,tantaspessoashaviamtidoaoportunidadedecomprartantascoisas.Eraainfânciadasociedadedeconsumo.Paramuitosobservadores,àépoca,oprocessoteriageradoumdeclíniopreocupantedaqualidadeedabelezadosprodutos.Certaouerrada(oqueébemmaisprovável),essapercepçãoserviudeestímuloparaaação.Entraramemcampoartistasearquitetos,reformadoreseburocratas,governos,industriais,associaçõescomerciaiseprofissionais,museuseinstituiçõesdeensino,comointuitodemelhorarogostodapopulaçãoeaconfiguraçãodasmercadoriasquelheseramoferecidas.Asatividadesdeprojetarefabricarartefatos,exercidashámuitoemrelativosilêncio,migraramparaocentrodosdebatespolíticos,econômicosesociais.
Entre1850e1930,aproximadamente,trêsgeraçõesdenovosprofissionais–algunsjáapelidadosde“designers”–dedicaramseusesforçosàimensatarefadeconformaraestruturaeaaparênciadosartefatosdemodoqueficassemmaisatraenteseeficientes.Suametaeranadamenosdoquereconfiguraromundo,comconfortoebem-estarparatodos.Seulemaeraadequaçãodosobjetosaoseupropósito:fitnessforpurpose,eminglês,ouZweckmässigkeit,emalemão(asprimeirasgrandesdiscussõessobreotemaforamconduzidasemalemãoeinglês).Maisoumenosaofinaldesseperíodo,porvoltadadécadade1930,popularizou-seomotemaisconhecidoentrenós:“aformasegueafunção”,frasecondensadadeumenunciadodistantedoarquitetoamericanoLouisSullivan.{2}Avisãodeque“forma”e“função”seriamocernedaspreocupaçõesdodesignerpersistiuporbastantetempo.Emâmbitointernacional,elacomeçouaserquestionadanadécadade1960,paralelamenteaosurgimentodacontracultura.NoBrasil,elapermaneceudominanteatéadécadade1980,apesardosesforçosdealgunsrebeldes.Atéhoje,perduraovícioentredesignersearquitetosbrasileirosdefalarem“funcionalidade”–termoequivocadoemsuaspremissas,comoveremosadiante,nosegundocapítulodestelivro.
Pararealizaroidealdeadequaçãoaopropósito,éprecisoterdeantemãoumanoçãomaisoumenoscoerentedequalpropósitosequercumprir.Omundomudoubastantedesdeadécadade1960,epodemosafirmarseguramentequegrandepartedospropósitosdehojejánãosãoosdeentão.Nosanos1960,oparadigmadefabricaçãoindustrialaindaeraaproduçãoemmassa:tudoigualemgrandesquantidadesparatodos.Hoje,aindústriacaminhaaolhosvistosemdireçãoàproduçãoflexível,comcadavezmaissetoresbuscandosegmentareadaptarseusprodutosparaatenderàdemandapordiferenciação.Nosanos1960,omundoestavadivididoentredireitaeesquerda,comademocracialiberalacuadapelocomunismosoviético.Hoje,oliberalismoeconômicodominaummundoglobalizado,aopontoparadoxaldepoderimporademocraciapelaforça,quandodoseuinteresse.Nosanos1960,quasenãoexistiamcomputadores,muitomenosinternetetodaaculturadigitalsustentadaporela.Precisadizermais?Talvezfalteumúltimoexemploincontornável:nosanos1960,poucaspessoaspensavamemresponsabilidadeambiental.Atualmente…
QuandoodesigneramericanoVictorPapanekpublicou,em1971,DesignfortheRealWorld[Designparaomundoreal],oparadigmajáhaviamudado.Esselivrotinhaporintençãoconclamarosdesignersasairdoarcondicionadodeseusescritóriosenvidraçadoseolharàsuavolta,projetandosoluçõesparaomundoreal,quesedesintegravaemfomeemiséria,conflitosraciaiseprotestospolíticos,guerrasciviselutasdeindependência,guerrasquenteseGuerraFria,umacorridaarmamentistanuclearqueameaçavadestruiratodos,eumacriseambientalqueseanunciavapelaprimeiravezpordadosoficiaisdaONU.Ocapítuloinicialdolivro,intitulado“Oqueédesign?”,atacadefrenteolema“aformasegueafunção”:
Emtermossemânticos,todasessasafirmaçõesdesdeHoratioGreenough[escultoramericanodoséculoXIX,queescreveutextosprecursoressobreasrelaçõesentreformaefunçãodosedifícios]atéaBauhausalemãsãodesprovidasdesentido.Aconcepçãodequeaquiloquefuncionabemteránecessariamenteumaboaaparênciaserviudedesculpadébilparatodoomobiliárioeosutensíliosestéreis,comcarahospitalar,dosanos1920e1930.Opolemistaprossegue,apontandoumconflitoentreachamadaestéticada
máquinaeasnecessidadeshumanas:Lestyleinternational[estilointernacional]edieneueSachlichkeit[novaobjetividade]deixaram-
noscompletamentenamãoemmatériadevaloreshumanos.Acasacomolamachineàhabiter[máquinademorar],deLeCorbusier,eascasascaixotedesenvolvidaspelomovimentoholandêsDeStijlrefletemumaperversãodaestéticaedautilidade.{3}
Aoacusaraausênciadevaloreshumanosnodogmamodernista,oproféticoPapaneksubstituía“funçãosocial”por“funcionalidade”comocentrodoseupensamentosobredesign.Comoresultado,olivrotornou-sebest-sellermundial,eencontraecoatéhojeemqualquerdiscussãosobredesignesustentabilidade.
OsprojetosdeprodutocitadosporPapanek(porexemplo,umaparelhoderádioconstruídoapartirdelatavelhaecera)sãofacilmenteridicularizados,porcontadaevoluçãotecnológicadesdeosanos1970.Ofatodehaverquemataqueaobraporesseângulo,inteiramentetangencialàdiscussãoproposta,demonstraoquantoelaaindaincomoda.
OpresentelivrotemaintençãoderetomaradiscussãodopontoemqueelafoideixadaporPapanek.OtítuloDesignparaummundocomplexoéhomenagemerevisãocrítica,aumsótempo.O“mundoreal”dePapanekjánãoéomesmo:sobretudo,porqueaexplosãodomeiodigitalnosúltimos25anostemtransformadodemodoprofundoapaisagemeconômica,política,socialecultural.A“eradainformação”chegouparatodos–pormeiodemudançasessenciaisemsistemasdefabricação,distribuiçãoefinanças–enãosomenteparaquemtemcomputadorpessoalemcasa.Àmedidaqueomundovirtualaumentaemabrangência,arealidadeparecedesmanchar-senoar.Emumapalavra,o“imaterial”passouaserofatordecisivoemquasetodososdomínios,mormentenumaáreacomoodesign.Nãoqueo“mundoreal”tenhadeixadodeexistir!OsproblemasapontadosporPapanek,demisériaeexploração,violênciaedegradação,sãomaisreaisdoquenunca.Aliás,seexaminarmososdadosestatísticos,muitosdelesestãopioresdoquequatrodécadasatrás.Apenasfoiacrescentadaàrealidadematerialumacamadaamais,quetudoenvolveetudopermeia.
Amedicinaforneceumaboaanalogiaparacompreenderessasituação:conheciam-seasdoençasdocâncer,desdemuito,eerapossíveltratá-lasatécertoponto.Porém,comosavançosempesquisasgenéticasdasúltimasdécadas,surgiramferramentasdediagnósticoetratamentoquemudaramcompletamenteopanoramadocampoeacompreensãodadoença.Omesmoocorreemoutrasáreas,demodomenosperceptível,masnãomenosimpactante.Atualmente,pormeiodaimensadisseminaçãodainformação,vemsendoacrescidaumaconsciênciadosmecanismosinvisíveisqueregemovelhoemau“mundoreal”.Osantigosproblemaspassamaserdimensionadosdemodomaiscomplexo;e,muitasvezes,descobrimosqueosadversáriosmaistemidosdopassadoeramapenasmáscarasoufigurasdepapelão–falsosmarcadoresdeumapaisagemcujaartificialidadesereveladerepente,comonumfilmeemqueoenquadramentodacâmeraéabertoparamostrarquetudonãopassavadecenárioetrucagem.
Hoje,começaaserpossívelconsideraremsuatotalidadeproblemasantesinconcebíveisparaamentehumana.Outraanalogiaedificantevemtambémdocampomédicoou,melhordizendo,dasaúdepública:aincrívelviradanaspolíticasantitabagistasaolongodosúltimostrintaanos.Enquantoosgovernos
acreditavamqueaindústriadetabacolhesrendiadividendos,pormeiodosaltosimpostospagos,oantitabagismoficourestritoagruposminoritáriosdasociedadecivil.Apartirdomomentoqueoscálculosoficiaisdemonstraramquesegastavamaiscomotratamentodefumantesemhospitaispúblicosdoquesearrecadavacomimpostossobrecigarros,amarépolíticaviroucompletamente;hoje,oantitabagismoéumacausaabraçadapelosetorpúblicoemmuitospaíses.Comadisponibilidadedeinformaçõescadavezmaiscompletaseapossibilidadedeprocessá-laseficientemente,descobrimosquequestõesaparentementesimplessãomaiscomplexasdoqueseimaginava.
Domesmomodo,cálculosdeimpactoambientaloudelogísticaintegradalevamemcontaquantidadeevariedadeestarrecedoradedados.Emtermosdeimpactoambiental,oqueémelhor:garrafasretornáveisdecervejaerefrigerantes(cascos)ouasdescartáveis(one-way)?Àprimeiravista,arespostapareceóbvia.Comooscascossãoreutilizados,elessofremmenosdescarteegerammenoslixo.Seriam,portanto,muitomenospoluentes.Porém,aoabordaramesmaquestão,umengenheiroambientalperguntaráquantocombustívelégastonotransporte.Enquantoasgarrafasone-waysãotransportadasemumaúnicadireção,dafábricaparaodepósitoedeláparaopontodevenda,oscascosprecisamfazerocaminhodevolta,oqueimplicaodobrodegastodecombustível.Seráqueaeconomiadevidrocompensaodispêndiodecombustível?Dependedeváriosfatores,inclusivedadistânciatransportadaedotipodecombustívelusado.Oengenheiroperguntará,emseguida,sobreosmétodosempregadosparalavarasgarrafasretornáveis.Dependendodaquantidadedeáguagastaededetergentevertidonomeioambiente,éconcebívelqueoretornávelacabeimprimindouma“pegadaambiental”maisprofundadoqueodescartável.Ounão!Quemquiserarespostaexata,quepergunteaumengenheiroambiental.
Oprimeiroresultadodetantainformaçãoéaansiedade.Poderiaseromotedosnossostemposaexpressãoinglesa,toomuchinformation!,empregadacoloquialmenteparaprotestarquandoalguémnosrevelaalgoquenãoqueremossaber.Diantedotamanhodoesforçonecessárioparadimensionarumproblemaemtodasuacomplexidade,qualquerumpodesesentirpequeno.Ébomquesejaassim,poisosdesignersprecisamselibertardolegadoprofissionalqueosestimulaatrabalharemisoladamente,demodoautoral,comoseumbomdesignerfossecapazderesolvertudosozinho.Nomundocomplexoemquevivemos,asmelhoressoluçõescostumamvirdotrabalhoemequipeeemredes.Comoveremosadiante,noterceirocapítulo,omundoatualéumsistemaderedesinterligadas;eamaiorrededetodaséainformação.Ignoraressefato,ouposicionar-secontraeledemodoreativo,serveapenasparaminarqualquer
possibilidadedemudarosistema.Hojeemdia,nãohácomoser“contraosistema”,poisconstruímosummundoemquequasenadaexisteforadodomíniodoartificial(nosentidodaquiloqueéopostoaonatural).Poucosanosatrás,umcomercialdebancocolocavamuitobemodilemadacontemporaneidadeaoafirmar:“Nosanos1960,queriamderrubarosistema.Hoje,osistemacaiumminutinho,eagenteficarevoltado”.{4}
Umaquestãoqueoexcessodeinformaçãotornainescapávelatendepelonomede“globalização”.Atodahora,ouve-sefalaremglobalização,muitasvezesparaexigiralgumposicionamentoafavoroucontra.Dopontodevistahistórico,sercontraaglobalizaçãoécomosercontraamodernidade,ouocapitalismo,ouo“sistema”.Ofatodealguémseoporaessascoisasnãoquerdizerqueelasvãodeixardeexistir.Globalizaçãonãoéalgoqueaconteceudevinteoutrintaanosparacá;éumatransformaçãoquevemseprocessandodemodogradativoháséculos,masquesóficouaparenteemtemposrecentes,quandoosdadoscomeçaramasercruzados.
Nofundo,tudodependedoqueéentendidopelotermo.Costumamossubsumirnaúnicapalavra“globalização”umimensoeemaranhadoprocessodeunificaçãoeconsolidaçãodesistemas–comercial,financeiro,jurídico;denormastécnicas,transportes,comunicações;decostumes,aparênciaseideias–,queéofenômenomaisimpactantedomundomoderno.Oresultadoéqueapalavraquerdizertudoenada,aomesmotempo.Quandosefalaemglobalizaçãonestelivro,areferênciaéaesselongoprocessohistórico,quevemocorrendocomprogressivaaceleraçãodesdeaépocadoschamados“descobrimentos”pornavegadoreseuropeusemfinsdoséculoXV,enãoaqualquerumdosagentesoupartidosenvolvidosnaslutaspolíticasatuais.Opanodefundoquereúneaspartesmuitodiversasdopresentelivroéessatãofaladaglobalização,naquiloqueelatangeodesign,principalmentenoqueserefereàunificaçãodesistemadefabricação,distribuiçãoeconsumo,desdemeadosdoséculoXIX.Contudo,nãodáparareduziraquestãoaumadefiniçãosimples.Globalizaçãoéumassuntocomplexo,ecomplexidadeéofiodameadaqueconduziránossadiscussão.
Acomplexidadevemsetornandotemacadavezmaisestudado,principalmentenasáreasdeinformáticaecomputação,teoriadainformaçãoedossistemas.Asdefiniçõessãomuitas,masamaioriaconcordaqueacomplexidadedeumsistemaestáligadaaograudedificuldadedepreverasinter-relaçõespotenciaisentresuaspartes.Opresentelivronãotemporpropósitocontribuirparaadiscussãodacomplexidadeemnívelavançado,poisessatarefaficamuitoalémdacapacidadedoautor.{5}Por“complexidade”,entende-seaquiumsistemacompostodemuitoselementos,camadase
estruturas,cujasinter-relaçõescondicionameredefinemcontinuamenteofuncionamentodotodo.Algocomoumametrópole,queéconstituídapordiversossistemasinterligadoseincontáveiselementos,numarelaçãointrincadadevaivém,sobeedesce,criaçãoedestruiçãocontínuas,semquesesaibaondeelacomeçaoutermina,esemqueelavenhaaseextinguirnunca.Emboratodacidadetenhaumcaráter,nenhumaésujeitopensante;e,emboracadaumatenhaumavida,nãonecessariamenteterádeenfrentaramorte.Acidadeéentidade,microcosmodomundocomplexoquesequeranalisaraqui.Overbo“analisar”pressupõequeseabordeoassuntoporpartes.Voltemos,então,aocomeçodaconversa:opropósitodepôrordemnabagunçadomundoindustrialeaadequaçãododesigncomoinstrumentoparatanto.
ADEQUAÇÃOEFORMAConformesedisse,opensamentosobredesignquesurgiudaprimeirafase
daindustrializaçãotinhaa“adequaçãoaopropósito”comoregranorteadoraparaaconfiguraçãodosobjetos.Éumbeloideal,pelomenostãoantigoquantooditodeSócrates,citadoemepígrafeaestaintrodução.Aperguntadograndefilósofoémaismanhosadoquepodepareceràprimeiravista.Lendo-acomcuidado,começamosadimensionaraprofundidadedoproblema.Sócratesnãodizquealgumacoisaébelaporqueéadequadaaoseupropósito,oqueequivaleriaadizerqueaboaformaéaquelasugeridapelafunçãodoobjeto.(Essaideiaguiouochamadopensamentofuncionalista,pormuitasdécadas.)Antes,eledizquenadapodeserbeloanãoserparaopropósitoparaoqualébeloquesejausado–ouseja,aquelepropósitoparaoqualébemadaptado.Casosejaaplicadaaoutropropósitoquenãooseu,acoisadeixadeserbela.Portanto,aênfasedafraserecaisobreouso,enãosobreaforma.Issoémuitosignificativo,poisdeslocaadiscussãodosobjetosparaaspessoas.Aliás,aperguntasocráticanemversanecessariamentesobreartefatosmateriais.Bastanteambíguo,o“algo”dafrasepodemuitobemsereferiraumafala,aumcostume,aumcomportamentoou,atémesmo,aumacondição.
Comooautordopresentelivronãopossuiconhecimentosuficientedefilosofia,emuitomenosdegregoantigo,paraaprofundaraleituradeSócrates,vamospartirparaaevoluçãomaisrecentedaideiadeadequaçãoaopropósito.Emalemãodehoje,Zweckmässigkeitquerdizer“adequação”,“conveniência”,“funcionalidade”.OtermotemsuaorigemnolivroCríticadafaculdadedojuízo(1790),dofilósofoImmanuelKant.Zweck,emalemão,significa“propósito”,“fim”,“finalidade”;eoadjetivomässig,“moderado”,“módico”,“namedida”.Literalmente,portanto,Zweckmässigkeitquerdizer“acondiçãodeestarnamedidadopropósito”.Tirandoproveitodaincrívelcapacidadedalínguaalemãdecriarnovossentidosapartirdajunçãodepalavras,Kantintroduziucomo
partedesuadiscussãodoconceitodabelezaaideiade“conformidadeafins”–ou,traduzidodemodomaispreciso,“adequaçãoaopropósito”.{6}Otermofoiretomadoporoutrosautorescontemporâneosquediscutiamestética,comoFriedrichWilhelmSchellingeAugustSchlegel;esuaaplicaçãomaisespecíficaàarquiteturafoidesenvolvidaporKarlFriedrichSchinkel,umdosmaioresarquitetoseuropeusdoiníciodoséculoXIX.ParaSchinkel,adequaçãoaopropósitoeraoprincípiobásicodetodaconstruçãoeograudesuaexpressãomaterialdefiniaovalorartísticodeumedifício.{7}
Vamospensarmelhorsobreessaúltimaideia.Comoassim,“graudeexpressãomaterial”?“Adequaçãoaopropósito”éumconceitoabstrato,algocompreendidopelamente.Épossívelqueosconceitosencontremexpressãomaterial:ouseja,quepossamserpercebidospelossentidosfísicos,comovisão,audição,tato?Examinemosalgunsexemplos.Temosocostumededizerqueumaroupaéelegante,queumcarroéluxuoso,queumprédioéimponente.Nessesexemplos,estamosclaramenteatribuindovaloresconceituaisaoobjetoapartirdaassociaçãocomseususoseusuáriosouapartirdacomparaçãocomoutrosartefatosdamesmacategoria.Atribuímosumaqualidadeaoobjetoque,nofundo,nãoderivadele,masdenossorepertórioculturalepressupostos.Aprovadosnoveestánofatodeque,comapassagemdotempo,amesmaroupaelegantepodepassaraserpercebidacomocafona;ocarroluxuoso,comopobre;oprédioimponente,comodecadente.Demodobastantediverso,podemosdizerqueocabodeummarteloencaixabemnamão,queumambienteéaconchegante,queamanchadetextodeumapáginaéagradávelàvista.Taisatribuiçõesdevalorremetemaexperiênciascorporaisetendem,porconseguinte,apermanecerestáveisnotempo.Elasderivamnãodeprocessosdeassociaçãoecomparação,masdasensaçãofísicadeconfortoebem-estar,queadvémdousoenãopassanecessariamenteporqualquertipodereflexão.Valoresdessetipopodemsermedidoseavaliados,demodomaisoumenosacertado,numlaboratóriodeergonomia.{8}
Osconceitossãopassíveisdeexpressãomaterial,masemgrausvariáveis.Quantomaissimplesediretooconceito–ouseja,quantomaisenraizadoestivernumaexperiênciaemocionalclara–maiorseráafacilidadedecompreendê-lo.Diferentementede“bom”,“gostoso”ou“aconchegante”,todavia,“adequaçãoaopropósito”éumconceitobemcomplexo.Dequemaneiraépossívelolharparaumartefatoeafirmarqueeleéadequadoaopropósito?Issonãoseriaumjuízoquedepende,necessariamente,deusaroobjeto,detestá-loemdiversassituaçõesaolongodotempo?Noentanto,quasetodaadiscussãosobreafuncionalidadenoséculoXXpartiudapremissaocultadequesepodejulgaraadequaçãodoobjetoapenasaoexaminá-locomoolhar.Paraosdesignersligadosao
movimentofuncionalista,bastavaumrápidoolhar(muitorápidomesmo,nocasodosseguidoresdateoriadaGestalt)paradeterminarseumobjetoeraounãofuncional.TalqualamulherdeJúlioCésarnacélebremáxima,aoobjetofuncionalistanãobastavaserfuncional,deviaparecerfuncional.MuitosartefatosdoséculoXIXquefuncionavambemeramrejeitadospelosfuncionalistasporseremornamentados.Aolongodoperíodomodernista,prevaleceuaideia,inteiramentedesprovidadefundamento,dequeornamentosecontrapõeafuncionalidade.{9}
Aideiadequeaaparência,ouaconfiguraçãovisual,deumartefatosejacapazdeexpressarconceitoscomplexoscomo,porexemplo,suaadequaçãoaumdeterminadopropósitoéumadasgrandesquestõespermanentesdodesign,daarquiteturaedaarte.Olhamosparaumamesaeasseveramosqueelaésólidaou,comintençãoquaseidêntica,queelatemsolidez.Queelaésólida,enãolíquidaougasosa,éevidente.Nãoédissoqueestamosfalando.Emumnível,trata-sedeumasuposiçãodequeelasejabemconstruída:sólida,nosentidodenãoserfrágil.Emoutronível,contudo,quandonosreferimosàsolidezdamesa,expomostambémumjuízodevalor.Étambémaumasolidezmoralquefazemosreferência,domesmomodometafóricoquefalamosdasolidezdeumaempresaoudocaráterdeumapessoa.Aperguntaé:comoseoperaesseprocessodetransporqualidadesperceptíveisvisualmenteparajuízosconceituaisdevalor?Formuladademaneiramaissimples,porémmaispassíveldegerarinterpretaçõesconfusas:dequemodoasformasexpressamsignificados?Nãoéporserquestãodedifícilrespostaquedevemosdescartá-la,poisseudimensionamentoémuitoimportanteparacompreendermosopapeldodesignnomundo.Insistamos,mesmoquearespostasejaparcial,mesmoquenãoexistaresposta,mesmoquesejaapenasparaformularmosmelhorasperguntas.{10}
Anãoserquesetenhaumadefiniçãomuitoprecisadaquiloqueseentendeporforma,umenunciadocomo“aformasegueafunção”nãoquerdizernada.NasdiscussõesdessetemaemLínguaPortuguesa,égrandeoperigodetropeçarnamultiplicidadedesignificadoscontidosnapalavra“forma”.Éumtermoescorregadioemmuitosidiomas,ecomboarazão;porém,naslínguaslatinas,elepossuiumafaltadeespecificidadeespecialmenteproblemática.Entrenós,nãoháocostumededistinguiroaspectoda“forma”–referenteàaparênciaeàsuperfície–daquelequeserefereàvolumetriaeaocontorno(oqual,eminglês,corresponderiaàpalavrashape).Osequivalentesmaispróximosemportuguêsseriam“configuração”,palavratambémambígua,e“vulto”,raramenteempregadacomessesentido.Paraavançarnadiscussãodaforma,éprecisodesmembrarotermoeconsiderarseussignificadosumaum.Claramente,“forma”abrangepelomenostrêsaspectosinterligados,quepossuemdiferenças
importantesentresi:1)aparência:oaspectoperceptívelporumavisadaouolhar;2)configuração:nosentidocomposicional,dearranjodaspartes;3)estrutura:referenteàdimensãoconstrutivaouconstitutiva.Ostrêsaspectosseentrelaçameformamumconjuntoinseparável,masquenãopodeserapreciadoplenamentedeumúnicopontodevista.Paracompreenderaforma,precisamosdaralgumasvoltas.
Façamosoexercíciodeimaginarumartefatoqualquer.Agora,comosefazparatransmitiracompreensãoperfeitadesuaformaapenaspelavisão?Emsetratandodeumobjetocomoqualoespectadorjátenhafamiliaridade–digamos,porexemplo,umacaneca–bastaumafotografia.Oresto,elecompletaapartirdaexperiênciapréviacomoutrosobjetosdamesmacategoria.Mas,eseoobjetoédesconhecidoepeculiar?Ese,paraaumentarodesafio,éumobjetograndeoucomplexodemaisparacabernumaúnicafotografia?Digamos,porexemplo,queumarquitetoestejadiantedoTajMahal,naÍndia,equeiraexplicaraformadoedifícioparaseusócionoBrasil.Pelosistemamaisconsagradoderepresentaçãotécnicapelodesenho–aprojeçãoortográfica–serãonecessáriaspelomenostrêsimagensparatraduzirplenamenteaquiloqueresumimosnapalavra“forma”.Aelevação(vistadefrente)ésuficienteparadaraoobservadorumaideiadaaparênciadoobjetoemquestão.Comoacréscimodaplanta(vistadecima),elepassaadimensionaroarranjointernodoobjetoarquitetônico.Juntandoaessasduasocorte(vistalateral),oobservadorteráumanoçãototaldoobjeto.Naverdade,maisoumenoscompleta,porqueexistemaindaoutrosaspectosdaforma,taisquaiscoretextura,escalaetamanho,posiçãoecontexto,sentidoespacialedemovimento,quesópodemsercompreendidosporexperiênciadireta,ouentãopeloadendodeoutrosmeiosderepresentação.
Essacompreensãocomplexade“forma”,comoalgodedimensõesmúltiplaseinterdependentes,tornapossívelumadiscussãomaisprecisadecomoumaformapoderiatraduziroconceitode“adequaçãoaopropósito”.VoltemosaoarquitetoSchinkel,eseuentendimentodeZweckmässigkeit.Paraalguéminteressadoeminvestigarosprincípiosdaarquiteturagregaantiga,comoele,faziatotalsentidopensarnaexpressãomaterialdaadequaçãoaopropósito.Ageraçãodearquitetosdequeelefezparte,oschamadosneoclássicos,buscavainspiraçãonaAntiguidadegreco-romanaeenxergavanasformasdesuasconstruçõesqualidadesdeforça,harmoniaebeleza.Atribuíamessasqualidadesaosprincípiosconstrutivosquepodiamserdepreendidosdaaparênciaedaestruturadosedifícios,taisquais:proporçõesregulares,repetiçãodevolumesgeométricos,simetria,subordinaçãododetalheaotodo,eassimpordiante.Paraeles,eraevidentequeaquestãogiravaemtornodarelaçãodaaparênciaexternacomaestruturainterna.“Forma”seriaoresultadodeumatensãoentreinternoe
externo,construçãoeexpressão.Aboaformaseriaaquelaqueconseguisseexternar,demodofelizeharmônico,osignificadointerior,oqualderivavadepremissasquepodiamserconcebidas,masnãovistas.Schinkelcaracterizoucomo“tectônica”adinâmicadessainter-relação.{11}
Otermo“tectônica”foimaiselaborado,emseguida,porKarlBötticher,umdiscípulodeSchinkel,quedesenvolveuoconceitocomoteoria.Segundosuaconcepção,expressainicialmenteem1844,anoçãodetectônicaseriaútilparaexplicararelaçãoentreaformaessencialdoedifício(Kernform,ouliteralmente,“forma-grão”)esuaformaartística(Kunstform).Oprimeirotermo,“Kernform”,referia-seaalgoinvisível,àformainterioreocultadoobjeto.Osegundotermo,“Kunstform”,remetiaàsuaaparênciaexterna.Apalavra“tectônica”exprimiriaatensãodialéticaentreessesdoisaspectosdaforma,referindo-seaomodocomoaaparênciatraduzaessência.{12}ParaBötticher,asformasdeviamobedeceraomaterialeàestruturae,aomesmotempo,demonstrarseusistemaesuaoperação.Poucosanosdepois,outroarquitetoalemão,GottfriedSemper,refinouaindamaisanoçãodetectônica,empurrando-aparaocentrodosdebatessobrearquiteturaemseulivroDerStilindentechnischenundtektonischenKunsten[Oestilonasartestécnicasetectônicas],de1860.ParaSemper,cadatipodematerialdemandavatécnicasespecíficas(porexemplo,modelagemparaacerâmica,carpintariaparaamadeira,tecelagemparaasfibras);easformasfinaisseriamaexpressãodecomoatécnicaincidesobreomaterial.EmboraSempertenhapartidodetermosligeiramentediferentesdosdeBötticher–Werkform(formaoperacional)eKunstform(formaartística)–,apalavra“tectônica”continuavaaserempregadaparaexplicaradinâmicadialéticadoprocessodesignificaçãoformal.{13}
Aimportânciadoconceitodetectônicaresideexatamentenaquiloemqueeledeslocaadiscussãodaformaemsi,estática,parasuacapacidadedeexpressarqualidadesdinâmicas,enraizadasemprocessos.Formanãoéumquantumestável,eternoeinalteráveldesdesempre,masofrutodeumatransformação.Quandosecompreendealógicasegundoaqualasformassãoconstituídas,compreende-setambémqueelassãopassíveisdemudançaedeadquiriremnovossignificados.Nocasodosedifícios,porexemplo,atensãoentreestruturaeaparênciaéconstante.Quandosepreservaafachadadeumprédioantigo,masaltera-secompletamentesuaplantaesuadisposiçãointerior,aformacontinuaamesma?Pormeiodousoedoenvelhecimento,osobjetosarquitetônicossofremfrequentementetransformaçõesimportantes.Oqueontemerabanco,hojeviroucentrocultural;ocinemaviraigreja,eassimpordiante.Éclaroqueamudançadeusonãoalteraaforma,forçosamente.Mas,seráqueaformadoedifíciocontinuaaexpressarosmesmossignificados,
independentementedeseuuso?Emalgunscasos,oedifícioquesimbolizavamodernidade,meioséculoatrás,hojeéumavelhariaemruínas;enquantoumamodestacasadefamíliadecemanosatráshojeévalorizadacomopatrimôniohistórico.Deixemosparaaprofundaressaquestãomaisadiante,noprimeirocapítulo.
Asformasdosartefatosnãopossuemumsignificadofixo,masantessãoexpressivasdeumprocessodesignificação–ouseja,atrocaentreaquiloqueestáembutidoemsuamaterialidadeeaquiloquepodeserdepreendidodelaspornossaexperiência.Porumlado,asformasconcretizamosconceitosportrásdesuacriação.Paraempregarumtermocorrentehoje,osartefatosobedecemauma“lógicaconstrutiva”,aqualéasomadasideiascontidasemseuprojetocomseusmateriaisecondiçõesdefabricação.Poroutrolado,formaseartefatossãopassíveisdeadaptaçãopelousoesujeitosamudançasdepercepçãopelojuízo.Quandoumgarfoantigodeprataéentortadoesoldadonaspontasparafazerumapulseira,algoimportanteocorreemtermosdesignificação.Emboraelenãodeixedeserreconhecívelcomogarfo,elejánãoserveparaseuusooriginalenuncamaisserávistocomoapenasumtalher.Seoprocessoenvolvealgumadistorçãomaiordesuaconfiguração(porexemplo,alisamentodasuperfície),enãoapenasdesuaestrutura(aaçãodeentortá-lo,nocaso),adescaracterizaçãoformalpoderáseraindamaisdrástica.Taistransformaçõeseusoshíbridossãoextremamentereveladoresdanaturezaprofundadarelaçãoentreformaesignificado.Consideraremosissomaisdetidamentenosegundocapítulo.
Oquemuitasvezesnosescapa,porcontadarelativabrevidadedenossaexistênciahumana,éoquantoosartefatossetransformamnotempoe,oqueéaindamaisdifícildedimensionar,oquantoostemposmudam.QuandoapinturamuraldaSantaCeia,deLeonardodaVinci,terminoudeserrestauradaem1999,após21anosdetrabalho,surgiuumacontrovérsiainternacionalcomrelaçãoàintervençãorealizada.Segundoalgunsespecialistas,ascoreseasformasteriamsidogravementealteradaspelosrestauradores,prejudicandoaapreensãocorretadaobra.Osrestauradores,porsuavez,contestaramisso,alegandoteremdevolvidoapinturaaalgopróximoaoseuestadooriginal.Considerandoqueoartistaconcluiuotrabalhoem1498eque,nosquinhentosepoucosanosdesdeentão,olocalsofreuinfiltrações,invasõeseatébombardeio,equeapinturaforasujeitadaapelomenostrêsrestauraçõesanteriores,ficamuitodifícildeterminarqualteriasidosuaaparênciaprimitiva.Mesmoqueaconhecêssemos,pormeiodealgumregistroparalelo(nocaso,existemcópiascontemporâneas),seráqueteríamosacapacidadedecompreenderexatamenteoqueoartistaquisdizerquandoapintou?Seráqueteríamosolhosparaveroqueosespectadoresviramàépoca?Amelhorrespostaquetemos,emtermoshistóricos,énão.Oolharé
tambémsujeitoatransformaçõesnotempo,eaquiloquedepreendemosdoobjetovistoénecessariamentecondicionadopelaspremissasdequemenxergaedecomosedáasituaçãodoatodever.Ouseja,oolharéumaconstruçãosocialecultural,circunscritopelaespecificidadehistóricadoseucontexto.{14}
Portudoquesepodeobservarededuzirsobreahistóriadoolhar,recuperaromododeverdeoutraépocaétarefadasmaisdifíceis.Ostemposmudam,emudacomelesosignificadodascoisasqueparecemfixas.Nomundodehoje,ondeotempopareceandarcadavezmaisdepressa,ossignificadosficamaindamenosestáveis.Determinarosignificadodeumartefatoatualmenteétarefatãoescorregadiaquantoatirarnumalebrecorrendoemzigue-zagueapartirdeumcarrodesgovernadoquetransitaporumapontemóvel.Otirocerteirodependedocálculoprecisoeinstantâneodetodasasforças,velocidadesemovimentos.Seessacomparaçãopareceremeteraomundodosdesenhosanimadosedosvideogames,nãoéàtoa.Aabrangênciacrescentedomundovirtualeseuimpactosobreavisualidade–pormeiodeprocessosdemanipulação,simulaçãoeemulação–tendearedefinirtodososparâmetrosparaadiscussãodaforma.Ésobreesteadmirávelmundonovo,eaindarelativamentedesconhecido,queiráversaroterceirocapítulodestelivro.
COMPRESSÃOECOMPLEXIDADENosúltimoscinquentaanos,vêmocorrendomudançasimportantesna
maneiracomoexperimentamostempoeespaço.Escrevendoem1989,ogeógrafobritânicoDavidHarveypropôsanoçãodeuma“compressãodotempo-espaço”queestariaafetandoaspercepçõesculturaisdesdeosanos1960,constituindoabasedaquiloqueelebatizoude“condiçãopós-moderna”.{15}Dentreascaracterísticasmaismarcantesdessacompressãoestariaaperturbaçãodeumasériederelaçõesdesignificadoantesconsideradasestáveis.QuandoHarveyescreveuessetexto,épossívelqueeleotenhafeitocomumamáquinadeescrever.Namelhordashipótesestecnológicas,eleodigitouemcomputadorpessoaloperacionalizadoporumadasduasentãonovasplataformas“amigáveis”,ouseja,providasdeinterfacegráfica:osistemaMacOS,introduzidoem1984,ouseuconcorrenteWindows,de1985.ÉpossívelqueseucomputadoraindanãopossuíssenemHD,operandoapartirdainserçãocontínuademuitosdisquetes.Écertoqueelenãodispunhadeacessoainternet.Noanoemqueolivrofoipublicado,inventava-seaworldwideweb(www),facepúblicadainternet,cujousosóviriaasetornarcorrentecincoouseisanosdepois.
Seem1989,anodaquedadoMurodeBerlimedaintroduçãodawww,atalcompressãotempo-espaçojáeraumfenômenoidentificável,oquesepodedizerdosvinteepoucosanosdesdeentão?Aspessoasquenasceramapósessa
datacresceramacostumadasafazermuitascoisasaomesmotempo(ochamadomultitasking)eaparticipardeváriosfórunssimultaneamente(pormeiodatelepresença).Seeufaloaocelular(asegundageraçãodetelefoniamóvel,digital,foiintroduzidaem1991)comumamigonamesmacidade,enquantodigitoumamensagemeletrônicaparaoutroamigodooutroladodomundo,éprovávelqueasduascomunicaçõesdecorrammaisoumenosdentrodomesmoparâmetrodeinstantaneidade.Oquenãoimpedequeeufiqueimpacientesealgodererrado.Possofotografarumincidentecommeucelulare,usandoomesmoaparelho,postaraimagemnaredequaseimediatamente.Apossibilidadederealizartransiçõesmuitorápidasentrematerialeimaterialéumdosfenômenosmaismarcantesdaatualidade.Emalgunscasos,aagilidadecomqueoimaterialpodesercapturadoetransmitidotornasupérfluasuamaterialização.Éocasodasfotografiasdigitais,quesãocadavezmaisclicadas,porémmenosimpressas.
Qualoimpactodessastransformaçõesmúltiplaserápidassobreumcampocomoodesign,tradicionalmentepautadopelafabricaçãodeartefatosmateriais?Entraemquestãoarelaçãoentrematerialidadeeimaterialidade,coisaenãocoisa.{16}Nãodeixadeserumdesdobramentoprevisíveldavelhacisãoentreformaeinformação,dobradinhareconhecidanosmeiosdedesignhámuitasdécadas.Afinal,umdosprimeirosescritóriosdedesignnoBrasilchamava-se,justamente,forminform(comfminúsculo,esemespaço),oquedemonstraoquantoocontinuumentrecoisaenãocoisasemprefoiquestãopreponderanteparaquempensaoobjetoemsuadimensãoindustrial.Écuriosoobservarque,noexatomomentoemquealgunsartistasbrasileirosteorizavamo“nãoobjeto”,nofinaldosanos1950,emfunçãodaarteconcreta,osdebatessobredesignpassavamparaumaesferadeaçãoorganizadapelasociedadecivil.Aindafaltaanalisarcomprofundidadeessemomentohistórico,eosmuitosdesdobramentosdeumradicalquestionamentoconceitualdaformaqueredundou,paradoxalmente,numformalismoqueatéhojeenredamuitasmanifestaçõesdearte,designeatépoesia.{17}
Talvezaprincipalliçãoparaodesign–plenamenterecebidaeassimiladanapráticadosdesignersbrasileirosnosúltimosvinteanos–sejaadequenãoexistemreceitasformaiscapazesdeequacionarosdesafiosdaatualidade.Nãosãodeterminadosesquemasdecoresefontes,proporçõesediagramas,emuitomenosencantaçõescomo“aformasegueafunção”,queresolverãoosimensosdesafiosdomundocomplexoemqueestamosinseridos.Seriacômicosugerir,aoprojetarumeletrodoméstico,quedespojá-lodeornamentoémaisimportantedoqueminimizarseuimpactoambiental.Seriacruel,quaseobsceno,proporquearejaramanchadetextodeumapáginaéumaboamaneiradetornaraleituramaisacessível,numpaísondenãoselêporopçãoefaltadeopção.Parecem
caricaturasmaldosas,exageradasapontodesetornaremirrelevantes,masestassãoafirmaçõesnãomuitodistantesdeumraciocínioqueaindaprevaleceemmuitasfaculdadesdedesign.Aconclusãodestelivrotrazalgumasconsideraçõessobreoensino,fundamentadasemanosdepráticapedagógicaepassagenspordiversasescolasquepretendemformardesignersnoBrasil.Precisamosurgentementerevernossoensinodedesign,paraqueelerecupereumpoucodoatrasoconsiderávelqueoseparadomeioprofissional,domercadodetrabalho,dasindústriasedasreaiscondiçõesdevidaemnossopaís.Diferentementedemeioséculoatrás,quandoasnovasescolasdedesignsepropunhamaserlaboratóriodeinovaçãoepensamento,auniversidadeéhojeoelomaisfracodacomplexacadeiaprodutivadedesign.
Resumindoocenárioatual,pode-sedizerqueasperspectivassãoboasporqueosdesafiossãoenormes.Hátrabalho,emuito,paraquemtiverdisposiçãoeimaginaçãoparaselançaranovasempreitadas.Primeiropasso:abdicardapremissadequeosproblemassãosimples.Sevocêtemumarespostapronta,éprovávelquenãotenhaentendidodireitoapergunta.Aprofundaraanálisedoproblema,antesdeproporsoluções,éumavelhaeboamáximadasmetodologiasdeprojetoqueaindaretémtodaasuavalidade.Segundopasso:abdicardapremissadequeosproblemassãoinsolúveis.Umadasgrandesvantagensdereconheceracomplexidadedomundoécompreenderquetodasaspartessãointerligadas.Sendoassim,asaçõesdecadaumjuntam-seàsaçõesdeoutrosparaformarmovimentosqueestãoalémdacapacidadeindividualdequalquerumadesuaspartescomponentes.Nãoéresponsabilidadedosdesignerssalvaromundo,comoclamavamasvozesproféticasdosanos1960e1970,atéporqueacrescentecomplexidadedosproblemasdemandasoluçõescoletivas.Detodomodo,ninguémsabeexatamenteoquequerdizer“salvaromundo”hojeemdia.Casovocêtenhaarespostapronta,volteparaoprimeiropasso,acima.
Reconheceracomplexidadedosistemajáéumgrandeavanço.Setodosadquiriremalgumaconsciênciadotamanhoedointricadodasrelaçõesqueregemomundohoje,serápossívelcaminharcoletivamenteemdireçãoaumobjetivo,sejaqualfor.Ograndeinimigoésempreaignorância,easideiaspreconcebidasquederivamdafaltadeexercíciodopensamento.Enquantounsseparamvidroselatinhasparareciclar,outrosdespejamtoneladasdeesgotoaomar–isto,numamesmacidade,quandonãonomesmobairrooucondomínio.Enquantounsserecusamacomercarne,porestimaàvidaemtodasassuasformas,outrosdespejamtoneladasdeexplosivossobrepopulaçõesinteiras–isto,muitasvezes,comorigemnummesmopaísoucultura.Enquantounsnegociamaumentossalariaisoureduçãodajornadadetrabalho,outrosempregammultidõesdetrabalhadoresemregimedequaseescravidão,dooutro
ladodoplaneta,parasupriroapetiteinsaciávelpormercadoriasbaratas.Sãocomparaçõesinjustas?Conexõesdespropositadas?Emtermoshistóricos,ograndetrabalhododesigntemsidoajustarconexõesentrecoisasqueanteseramdesconexas.Hoje,chamamosissodeprojetarinterfaces.Trata-se,contudo,deumprocessobemmaioremaisabrangentedoqueimaginaoprojetistasentadoàsuaestaçãodetrabalho.Apartedecadauméentendersuapartenotodo.
1CONTEXTO,MEMÓRIA,IDENTIDADEOOBJETOSITUADONOTEMPO-ESPAÇO
Talvezaimobilidadedascoisasaonossoredorlhessejaimpostapela
nossacertezadequetaiscoisassãoelasmesmasenãooutras,pelaimobilidadedenossopensamentoemrelaçãoaelas.[MarcelProust,Embuscadotempoperdido,1913.]{18}
AIMOBILIDADEDASCOISASTemosocostumededividirosartefatosemduascategorias:móveise
imóveis.Essadivisão,aceitaapontodenempararmosparapensarnela,estánabasedaseparaçãoqueosensocomumfazentrearquiteturaedesign,entreoutrascoisas.Mas,seráqueexistemmesmoobjetosimóveis?
(Reparequenãoestamosfalandodeobjetosnaturais.Ébomintroduzirlogoadistinçãoentreobjetoeartefato,queseráimportanteaolongodestelivro.Umamontanha,umapedraouumaárvoresãoobjetos,masnãoartefatos.Artefatoéumobjetofeitopelaincidênciadaaçãohumanasobreamatéria-prima:emoutraspalavras,pormeiodafabricação.Suaraizetimológicaestánolatimartefactus,“feitocomarte”;eelaestánaorigemdotermo“artificial”,ouseja:tudoaquiloquenãoénatural.)
Feitooparêntese,voltemosàpergunta,devidamentereformulada:seráqueexistemmesmoartefatosimóveis?
Pelosensocomumemqueseempregaotermo,éclaroqueexistem!Ésóabrirojornalaosdomingoseverosclassificadosanunciandocentenasdeimóveisparavenderealugar.Nãorestadúvidadequetaisimóveisdiferem,nosentidoeconômico,deoutrosbens,chamadosmóveis.Éigualmenteevidentequeumimóvelédificilmentedeslocadodoseulugar,fisicamente.Emborasejaatépossíveltransportarumacasaoualgunsedifíciosdeumpontoparaoutro,issoétãoinesperadoquerepresentaaqueletipocélebredeexceçãoqueconfirmaaregra.Porém,vamosconsideraraquestãodemodomenosliteralemenosrestrito.Mesmoqueaceitemosqueosimóveissãogeralmentefixosnoespaço,seráqueelesdetêmamesmaimobilidadenotempo?Ouseja,seráqueexistemartefatosquepermanecemestáveis,incólumes,diantedapassagemdosanos?Deimediato,vêmàmenteconstruçõesmuitoantigas,comoaspirâmidesdoEgitoouasmuitasruínasdecivilizaçõespassadas.Époraímesmoqueprecisamospensar.Sequisermosquestionaraimobilidadedosartefatos,ébomquecomecemosporaquelesquepermanecemhámaistempoentrenós.
Nocasobrasileiro,umimóvelbemantigoéaconstruçãoconhecidahojecomoosArcosdaLapa.Famosocartão-postaldoRiodeJaneiro,osArcosforamconstruídosporvoltade1740paralevaremáguadesuafontenaMataAtlântica,nobairroconhecidocomoSilvestre,atéoatualLargodaCarioca,novelho
centrodacidade.Lá,aáguadesembocavaemumagrandeestrutura,hojedestruída:umchafarizcomdezesseisbicasparaabastecerasnecessidadesdapopulação.Originalmente,portanto,osArcosforamconcebidoscomoaqueduto.ComosabequalquerpessoaquejávisitouoRio,hojeservemcomoviaduto–caminhoparaopitorescobondinhoqueconduzseuspassageirosparaobairrodeSantaTeresa,passandoporcimadosArcos.Deaquedutoparaviaduto:éumamudançaetantodefunção!Essatransiçãoocorreunoanode1896,quandoaantigaestruturadoaqueduto,caídoemdesuso,foiaproveitadaparacolocarostrilhosdoentãonovíssimobondeelétrico.
Muitobem,argumentarãoosrecalcitrantes:oartefatofoidesviadodesuafunçãooriginal,masnemporissodeixoudeseroqueera.Chame-seeledeaquedutoouviaduto,continuaaseramesmaestruturadepedraecal,comasmesmaspropriedadesfísicaselinhasconstrutivas.ConformeafamosafrasedeShakespeare,emRomeueJulieta:“searosativesseoutronome,aindaassimteriaomesmoperfume”.Arosaeoperfume,talvez.QuantoaotextodeShakespeare(maltranspostodoinglêselisabetanoparaoportuguêsmoderno),osArcosdaLapaetodososoutrosobjetosmediadosporqualquersistemasimbólicocertamentequenão!Nocaso,amudançadenomeéindicativadeumatransformaçãomaisprofunda,queafetaatémesmoaestruturadepedraecal.Tudoaquiloqueparece,aosnossossentidos,sólidoeimutável–comoasconstruçõesmuitoantigas,porexemplo–quasesempredesmanchanosaresdotempo.Mostre-meumedifícionovo,dizohistoriador,eeulhemostrareioprincípiodeumaruína.
Detemo-nosmaisumpoucosobreoexemplodosArcosdaLapa,bastanteinstrutivo.Oquepodemosdescobrirsobreesseartefato,somentepeloolhar?Quemsepostadiantedele,etomadistânciaparaobservá-loporinteiro,depreendecertasconclusõesinescapáveis:égrande,éimponente,ésólido,é
regularemsuasproporções.Taisqualidadespodemparecerpermanentes,imutáveis;contudo,seriatãosurpreendenteassimdescobrirquenãoosão?BastainvestigarumpouquinhoahistóriadosArcosparasaberquetodasasqualidadesaquicitadassãorelativas.Égrande?Poissaibaquejáfoimaior.Tantonosentidoconcreto–umapequenapartedaestruturaoriginalfoidemolidapelassucessivasreformasurbanasquelevaramaodesmontedoMorrodeSantoAntônioeàconstruçãodoviadutorodoviáriovizinho–quantonosentidofigurado–aconstruçãodeváriosprédiosmuitoaltosnoentornodomonumentoacabouporapequenarosArcos.Éimponente?Jáofoibemmais,aolongodosséculosdistantesemquereinouabsolutocomomaioredificaçãodacidade.Jáofoimenos,também,duranteoperíodoemqueseviuengolido,praticamente,pelobairrodaLapaquecresceuaoseuredor.DuranteamaiorpartedosséculosXIXeXX,nemsequererapossívelpostar-sediantedomonumentoeobservá-loporinteiro,porcontadograndenúmerodeedifíciosqueseaglomeravamaoseuredor,deambososlados.
Atéaí,tudobem,aindainsistirãoalguns.“Grande”e“imponente”sãojuízosrelativos,quesóexistemporcomparação.Equantoàsqualidadesfísicasdoartefato?Nãohádúvidadequeelesejasólidoeregular.Seráquenão?Talvezsurpreendasaberqueasduasfileirasdearcadas,umaencimandoordeiramenteaoutra,deramlugaradoisimensosarcos,abertosrespectivamentenosséculosXIXeXXparaacomodarapassagemderuasmaislargas.Aexistênciadessesarcosmaiores,durantedécadas,põeemquestãoapercepçãoquetemosdasolidezedaregularidadedomonumento.Nomínimo,essasintervençõesocorridasrelativizamaimpressãodepermanência.Ofatodeque,hojerestaurado,eletenhaalgumasemelhançacomsuafeiçãooriginalnãoanulaastransformaçõessofridas.Mudardevoltaé,mesmoassim,mudar.Aliás,esteéodilemamaisprofundodocampodaconservação-restauração:aplenaconsciênciadequeopassadonãoserecupera.
QuandofalamosnafeiçãooriginaldosArcos,referimo-nosexatamenteaquê?Ninguémqueévivohojepôdeobservarolocalcemouduzentosoutrezentosanosatrás.OsmaisvelhosentrenóstalvezserecordemdosArcoscomoelesaparecemnacapadodiscoOfamosoTriodeOuro,de1955,ondeaindasevêumdosgrandesarcos,posteriormenterestaurado.Namemóriadessaspessoas,afeiçãooriginaldosArcoseraessa,diferentedaaparênciaatual.Seráquepodemosqualificarcomooriginalaquiloqueéapenasumaetapatransitóriadeumlongoprocessodeexistência?Certamentequenão.Precisamosrecorrerentãoaoshistoriadores,eestesrecorrem,porsuavez,àsfonteshistóricas–evidênciasevestígioscapazesdenosinformarsobreaquiloquenãotivemosocasiãodepresenciar.Pormeiodapesquisa,rezaosensocomum,
podemoschegaraumconsensosobrecomoteriamsidoosArcosemseumomentodeorigem.Atécertoponto,issoéverdade.Sobretudo,quandoseenfatizaaimportânciadapalavra“consenso”.Oproblemaéqueasfonteshistóricassãodiversas,dispersaseprecisamserencontradas,compiladaseinterpretadas.Nãoéumprocessosimplesouautoevidente;esóquementendemuitopoucodoassuntoachaqueahistóriaéalgoconclusivoouirrefutável.
Vamosàsfontes.Sabe-se,apartirdosdocumentosescritos,queosArcosdehojenemsequercorrespondemàconstruçãoinicial.Umprimeiroaqueduto,inauguradosobogovernodeAyresdeSaldanha(1719-25),teriaseguidotraçadoumpoucodiferente,masfoirapidamentesuplantadopelaestruturaqueaindasobrevive,inauguradasobogovernodeGomesFreiredeAndrade(1733-63).
Emmatériadefontesvisuais,umadasimagensmaisantigasdequetemosconhecimentoéoquadrohojenomeadoVistadaLagoadoBoqueirãoedoaquedutodeSantaTeresa(àdireita),provavelmentedeautoriadeLeandroJoaquimepintadoporvoltade1790.{19}Considerando-oumdocumentovisualproduzidoporumartistacontemporâneoàépocadaconstruçãooriginal,podemostomá-locomopontodepartidaparaanalisarasmuitasdiferençasentreoartefatoqueconhecemoseastransformaçõespelasquaispassou.Comparadaaumafotografiaatual,aimagemtrazduasinformaçõessurpreendentesrelativasàscaracterísticasfísicasdosArcos.Aprimeiraéaconfirmaçãodequeotraçado,asproporçõeseavolumetriaatuaiscorrespondem,grossomodo,aoqueaparecenoquadroantigo.AsegundaéqueosArcosnãonecessariamenteforamsempredecorbranca.Começaojogodosseteerros.
SeráqueosArcoserammarronsoriginalmente?Seráquepodemosconfiarnoquadrocomofontedeinformação?Afinal,opintorpodeteroptadopelacormarrompormotivosoutrosalémdaprecisãotopográfica.Digamos,porexemplo,queseucompromissomaiorfossecomoequilíbriocromáticodacomposição.Parasanaressetipodedúvida,oshistoriadorescostumamrecorreràcomparaçãoentrefontesdeumamesmaépoca.OutraimagembemantigadosArcoséumaaquareladoinglêsWilliamAlexander,TheAqueductatRiodeJaneiro,de1792,noqualomonumentoaparececomcoracinzentada.Emseguida,essaaquarelafoiusadacomomodeloparaumagravuraemqueoaquedutoérepresentadobranco,aqualsaiupublicadaemlivroem1806.{20}Essagravura,porsuavez,deuorigemaumasériedecópiasemqueosArcosaparecemorabrancos,oraacinzentados,oraamarronzados.OfatodeosgravadoresresponsáveisporessasreproduçõesnuncateremvisitadooRiodeJaneiro,masapenasvistorepresentaçõesdesuapaisagem,contribuiuparaaumentaroníveldediscrepância.Numaépocaemquepoucaspessoasviajavamenãoexistiafotografia,erambemdiferentesasexigênciascomrelaçãoàverossimilhançadasimagens.JánasmuitasrepresentaçõesdosArcosgeradasapósadécadade1840,omonumentocostumaaparecerbrancooubrancoacinzentado.
Nota-se,deimediato,queélimitadoograudeconfiabilidadequepodemosatribuiraumafontequalquer.Mesmoasfotografiasmostramapenasaquiloqueestádentrodocampovisualrecortadoporseuenquadramento,esãotãosujeitasàmanipulaçãoquantoqualquerdesenhooupintura.Mas,oqueissonosdizsobreatalimobilidadedosobjetos,questãoquedeuorigematodaessadiscussão?Aessaaltura,osleitoresdeíndolemaispráticadevemacharqueestamosfugindodoassunto.Taisescorregadelasdesentidoedeslizamentosdesignificadonãoseriamproblemarestritoaomundodasrepresentaçõesvisuais?ApenasmaisumsintomadaquiloqueopintorRenéMagrittechamavade“atraiçãodasimagens”?SeosArcosumdiaforammarronsoucinzas,eveioalguémeospintoudebranco,quediferençaissofaz?Elesnãocontinuamaserosmesmos,independentementedacor?
Amudançadecor–oupelomenosdesuarepresentação–refleteoutratransformaçãobemmaisimportante:adomodocomooobjetoépercebidoporseususuários.Emumapalavra,aexperiênciadoartefato.Nasimagensproduzidasparaumpúblicoestrangeiroqueprovavelmentenuncaveriaolugar,acordomonumentoeraapenasumdetalhesubordinadonotododacomposição.Nãotinhamaiorimportância,portanto,paraafruiçãodaquelaimagemeparaacompreensãodeseusentidomaior.Seráqueissofazdiferençaparaaapreensãodiretadoartefato,emprimeiramão?Formuladaaperguntademododiverso,aimagemquesefazdoobjetoafetaacompreensãodoseusentido?Nomundomoderno,regidopormídiasesistemasdecomunicação,arespostasópodesersim.
Quantoslugares,coisas,situações,atépessoas,sãoconhecidosprioritariamentepormeiodeimagens?Valeexemplificar,porquestãodeclareza.
Quantosleitoresdestelivrojáobservaramleõesselvagensnanatureza,jácaminharampelotopodamuralhadaChinaoujápilotaramumcarrodeFórmula1?Poucos.Noentanto,todoscertamentepossuemumaimagemmentaldessasexperiências.Issoésignificativo.Alémdomais,ocontextoemqueseadquiriuessaimagemmental(nocinema,lendoumlivro,vendotelevisão)nãodeixadeserumaexperiênciatambém,deoutranatureza,bastantedistintadavivênciaimediata.Nodiaemquesurgirumaoportunidadedeconcretizar,aovivo,qualquerumadessasaventuras,aexperiênciadiretaserácolorida–ouseja,mediada–pelaimagemmentalpreexistente.QuandosepensaqueamaioriadaspessoasquetêmconhecimentodosArcos–oudequalqueroutroartefato,porsinal–otêmporviasindiretas,tem-seadimensãodadevidaimportânciadasimagens.
Mesmoparaquemsótemconhecimentodiretodeumartefato,semmediação(seéqueissoaindaépossível),aexperiênciadoobjetoésempredelimitadaporcostumeseconvenções.Voltemosàsimagens.Existemaisumfatordecisivo,pelomenos,aserdepreendidodacomparaçãoentreaquelaatribuídaaLeandroJoaquimeaquelafeitaporWilliamAlexander.Naprimeira,osArcosaparecemvistos“defrente”,comoConventodeSantaTeresaàesquerda;nasegunda,por“detrás”,comomesmoconventoàdireita.Adefiniçãodefrenteefundo,esquerdaedireita,érelativa,evidentemente.Nãoexistenadananaturezaquedefinaumladodoobjetocomosendoprioritárioemrelaçãoaosoutros.Anoçãodeposiçãoestánoolhardoobservador,que,portanto,édefinidaporsuaformaçãocultural.Nenhumcarioca,seperguntado,hesitaráemresponderqueafrentedosArcoséaqueleaspectoqueaparecenafiguradapágina53.Numaculturaformada,historicamente,apartirdachegadaàterrapelomar,oolharparaapaisagemtendeasedirigirnessemesmosentido:dolitoralparaointerior.Assim,aperspectivafrontaldosArcosédefinidaporumobservadorhipotéticoquesepostadecostasparaomar,olhandoparaacidade.Opintorbrasileirodoprimeiroquadrosabiadisso,mesmoqueintuitivamente,eescolheuopontodevistaquefundariaatradiçãoiconográficaderepresentarosArcosapartirdoatualLargodaLapa.Foiprecisoumolharforasteiro,nãocomprometidocomaculturalocal,parainaugurarainversãodessaperspectiva.
FATORESCONDICIONANTESDOSIGNIFICADOVamostentarpôrumpoucodeordemnestadiscussão,antesqueelase
desdobreirremediavelmenteemmuitasoutras.Tocamos,atéagora,emseisfatoresquecondicionamosignificadodoartefato,possuindoacapacidadedemodificarasupostaimobilidadeoufixidezdesuanaturezaessencial(oqueosfilósofoschamariamdesua“ontologia”).Trêsdessesfatoresestãoligadosà
situaçãomaterialdoobjeto,etrêsoutrosestãoligadosàpercepçãoquesefazdele.Osdaprimeiracategoriasão:“uso”,“entorno”e“duração”.Osdasegundacategoriasão:“pontodevista”,“discurso”e“experiência”.Arigor,éarbitráriaadivisãodessesfatoresemduascategorias,poiselesincidemunssobreosoutrosdemodocomplexo,gerandooquantumeminentementefluidoeinstávelqueentendemoscomosignificado.Contudo,parafinsdidáticos,hásentidoemdesmembrá-loseconsiderarumdecadavez.Antesdisso,caberessaltarumpontoquedeveriaserautoevidente:significado,emúltimainstância,resideunicamentenapercepçãodosusuários(sendoquemfaz,oautoroucriador,consideradousuáriotambém).Semumsujeitocapazdeatribuirsignificado,oobjetonãoquerdizernada;eleapenasé.Aapreensãodetodososfatorescitadosderivadarelaçãoentreusuárioseartefatos,numatrocadeinformaçõeseatribuiçõesqueseprocessademodocontínuo.Emúltimainstância,éacomunidadequedeterminaoqueoartefatoquerdizer.
Oimpactodofator“uso”ficamuitoclaronoexemplodosArcos.Quandooartefatodeixoudeseraquedutoepassouaserusadocomoviaduto,essamudançaalteroudemodoimportanteseusignificado,atémesmoemtermosformais.ÉnotávelofascínioqueavisãodobondepassandoporcimadosArcostemexercidosobreartistas,fotógrafosecineastas,gerandoinúmerasrepresentaçõesdessetema.Nasimagensgeradasporprocessosmanuais,comodesenhooupintura,revela-seumatendênciadeexagerarotamanhodobonde,atribuindo-lheimportânciavisualmaiordoqueaquelaquecorresponderiaàsproporçõesfísicasexatas.NocasodobondepassandoporcimadosArcos,equilibradovertiginosamentesobreocaminhoaltoeestreito,oinusitadodousosurpreende,pesaeacabaporcoloriraspercepções.“Uso”éumapalavraqueabrangeasnoçõesinterligadasdeoperacionalidade,funcionamentoeaproveitamento.Nessesentido,aproxima-sedapalavra“função”,comumenteempregadaparadescreveropapelaserdesempenhadoporumartefatonasrelaçõessociais.Contudo,apalavrausoémaisadequada,porquenãopressupõequeumartefatoqualquertenhaumaúnicavocação,comoéfrequentementeocasoquandosefalaemsua“função”.Conformeveremosmaisadiante,noterceirocapítulo,équasesempremaiscorretofalarem“funções”doqueem“função”.
Oimpactodo“entorno”sobreosignificadodoartefatotalvezsejamenosexplícito.NoexemplodosArcos,mesmoqueaestruturaeaaparênciadomonumentotenhampermanecidoestáveisporlongosperíodos,tudoàsuavoltamudou.Osregistrosvisuaismaisantigosevidenciamqueexistedesdemuitoohábitodeconstruiroutrosedifíciosemtornodoaqueduto.JánasprimeirasdécadasdoséculoXIX,aglomeravam-seali,deambososlados,bomnúmerode
casas,conformeindicamumasériedeimagensconhecidas.ObairrodaLapafoicrescendo,crescendo;e,aofinaldoséculoXIX,nãorestadúvidadequeosatuaisArcosseencontravamrodeadosdeumcasariodensoecompacto,oqualseaproximavaomáximopossíveldoantigoaquedutoe,emalgunscasos,chegavaaseapoiarnele,tirandoproveitoestruturaldesuasolidezconstrutiva.
Nadécadade1940,essecasariohaviaatingidotamanhadensidade,comoaparecimentodosprimeirosedifíciosaltos,quecomeçavamesmoaofuscarovelhoviaduto.Osregistrosfotográficosquepossuímosdessaépocasãoinvariavelmentetiradosdosmorrosvizinhosoudeoutropontodistante,poisnãoexistiamaisapossibilidadededescortinaraconstruçãointeiraapartirdoníveldochão.Oresultadoéqueoartefato,antesmonumentaleimponente,comoaparecenasrepresentaçõesantigas,passouaserpercebidoporgolpesdevistafragmentados,ouseja,comomenosdoquesuatotalidade.Umregistroinusitadodesuaaparêncianessaépoca,aoníveldochão,éocenáriodapeçaFeiralivre,de1941,emqueaimagemcenográficadosArcosaparececomprimidaentreprédiosebarracas,maisfragmentodoquemonumento.{21}
Apartirdosanos1950,esseprocessocomeçouaseinverter.Aderrubadasucessivadequarteirõesinteiros–primeiramente,doladodetráse,depois,àfrente–devolveuosvaziosaoespaçoemtornodosArcos,retomandoumpoucoaantigamonumentalidade.Nadécadade1970,comareaberturadoLargodaLapa,completou-seociclodebota-abaixo,culminandoemumretornoparcialàsituaçãodeduzentosanosantes.Quaseporparadoxo,jáquenãoeraessaaintenção,adestruiçãodotecidourbanoresultounarecuperaçãodeumaqualidadeorigináriaperdidaaolongodosséculos.AocompararmosaimagematribuídaaLeandroJoaquimcomavistaquesetemhojedosArcos,ésurpreendenteconstatarquevoltouaexistiraamplaperspectivadescortinadasobreomonumento,equeessacontinuidadesefezpormeiodetantasetãodrásticasmudançasnapaisagem.
Todasessastransformações,ligadasnãosomenteaousoeaoentorno,mastambémàprópriacondiçãofísicadoartefato(estadodeconservação),estãorelacionadascomoterceirofatorcitado:“duração”.Paraentenderosignificadodeumartefatocomqualquerprofundidadeéprecisosaberoquejásepassoucomeleou,nocasodeumartefatomóvel,porondeelepassou.{22}Aexistênciadequalquerobjetodecorredentrodeumciclodevidaquecomportadesdesuacriaçãoatésuadestruição.Quantomaistempoeleconsegueresistir–ouseja,manter-seíntegroereconhecível–maiorseráachancedeincidiremsobreelemudançasdeusoedeentorno.Algunsartefatos,comoosArcos,sobrevivempormuitomaistempodoqueseuscriadoresefabricanteseestãosujeitos,portanto,àatribuiçãodesignificadosporgeraçõessucessivasdeusuários,cujasopiniõesejuízospodemvariarimensamente.Quemobservahojeovelhomonumentoeoapreciacomopatrimôniohistóriconãocompartilhaquasenadacomosolhareslançadossobreelenomomentodesuainauguração.
Osjuízosdosusuáriosnosremetemàsegundacategoriadefatorescondicionadoresdosignificado.Oprimeirodelesé“pontodevista”.Jásefalousobreapercepçãoculturalquelevaaspessoasaacharemqueestãoàfrenteouatrásdoartefato.Claramente,essaéumaquestãodepontodevista:ouseja,literalmente,olocalondeoobservadorsepostaparaolharoobjeto.Arigor,emtermoslógicos,qualquerpontodevistaéigualmenteplausíveleimportanteparaacompreensãodoartefato.Porém,sealguémforaomuseuequiserversomenteosversosdosquadros,issoépercebidocomoestranho.Ofatoéqueelegemosperspectivasmelhoresoupiores,corretasouerradas,eformamosumahierarquiademodosdever.Essashierarquiassãoconstituídasculturalmente,aolongodosanos.Umdosprincipaisdesafiosdasartesvisuaiséodeformar,deformaretransformaroolhar.NocasodosArcos,opontodevistaescolhidoécapazdealterarprofundamenteosignificadodoartefato.Avistadequempassaporcimadomonumento,nobonde,ébemdiversadadequempassaporbaixo,apé;eessamudançadeperspectivamodificademodosignificativoaexperiênciaquesetem.Importamuitoseoobjetoévistodelongeoudeperto,decimaoudebaixo,notodoouemparte.Semprequeseinvestigaosignificadodeumartefato,éprecisoperguntar:quemolha?Apartirdeonde?Procurandooquê?
Ofator“discurso”refere-seaomodocomoopontodevistadecadaumencontrasuatraduçãoparaoutros.Seeuforumapessoamuitoindependente,possodescobrirporcontaprópriaopontodevistaquemeconvém,mascomofaçoparacomunicaressaminhapreferênciaaoutraspessoascomasquais,porventura,euqueiradividirminhaexperiência?Torna-senecessáriorepresentaraexperiênciapormeiodelinguagens(verbais,visuaisououtras),easrepresentaçõesnecessariamenteagregamsentidoseafetamacompreensãodo
artefato.Vimos,nocasododesenhodeWilliamAlexanderesuascópias,comoasimagenspodemgeraroutrasimagens,formandocadeiasdeenunciadosqueseperpetuamquasesemsereportaremmais,demododireto,aoartefatoquedeuorigemaoprocesso.Quemsederaotrabalhodejuntarosenunciadosgerados,teráumanoçãodorepertóriodiscursivoquecercaoobjeto.
Hoje,maisdoquenunca,nachamada“eradainformação”,épraticamenteimpossívelchegaraqualquerobjetosempassarantespelorepertório–ouseja,semalgumanoçãodosdiscursosquemoldamseusignificadoeumaideiapreconcebidadecomoserásuaexperiência.Qualfoiaúltimavezquevocê,leitor,assistiuaumfilmesemnenhumanoçãodoquesetratava?Semsaberonomedodiretoroudeumator,semterlidoumasinopseoucrítica,semterinspecionadoocartazdofilme,semsabersequerotítuloouogêneroemqueseenquadrava?Odiscursocircundanteéquasesempreumpatamardeacessonecessárioparachegaraumobjetoqualquer.Numasociedadeemqueasinformaçõessãoonipresentes,aprópriaindependênciadopontodevistasópodeserconquistadapelomuitoconhecimentodosdiscursosquecercamasituação,enuncaporsuaausência.Mesmoassim,trata-sedeumaindependênciarelativa.
Oúltimofatorcitado,“experiência”,éomaisresistenteatodasessasinfluênciasexternas.Quandosefalaemexperiência,areferênciaéaquiloqueéíntimoeimediatonarelaçãodecadaumcomoartefatoemmãos.Afinal,seachoosArcosbonitosoufeios,graciososoulúgubres,ououtracoisaqualquer,issocorrespondeaumavibraçãointernaque,emalgumnível,ésóminha.Agora,essarelaçãoíntimaeimediataénecessariamentecondicionadaportodasasoutrasexperiênciasantecedentesquefazemcomqueeuseja“eu”–incluídasaíminhasexperiênciasanteriorescomomesmoartefato.Segostodehistóriaearquitetura,porexemplo,seconheçooutrosaquedutosantigos,emoutroslugares,éprovávelqueeutenhaumapredisposiçãoparaolhareexperimentarosArcosdemododiversodequemnãoseinteressapornadadisso.SeconheçoosArcosdelongadata,seestouacostumadoapassarporelesdiariamenteeconheço-osintimamente,detodosospontosdevistapossíveisepormeiodemuitosdiscursosacumuladosesobrepostos,minhaexperiênciadoartefatoserámuitodiferentedaexperiênciadequemolhaparaoobjetopelaprimeiravez.Portodosessesmotivos,eoutrosainda,aexperiênciaéumdosfatoresmaisdeterminantesdosignificado.
Foiditoanteriormentequeéartificialadivisãodessesfatoresemcategorias,quetodosoperamjuntos,incidindoumsobreooutro.Semdúvida,issoéverdade.Aseparaçãodeleséapenasumexercícioreflexivo,comafinalidadedidáticadeenfatizaraimportânciadecadaaspectosubjacenteàquiloqueentendemoscomosignificado.Ainterdependênciadelesficaaindamais
claraquandointroduzimosumúltimofatorqueincidesobretodososoutros,modificando-lhesealterandoqualitativamentesuapercepção.Estefatoréo“tempo”,suadecorrênciaedevir.Comapassagemdotempo,surgeo“propósito”,queéousomutáveltransformadoemqualidadeestável.Comapassagemdotempo,surgea“história”,queéaduraçãomutáveltransformadaemqualidadeestável.Comapassagemdotempo,surgea“permanência”,queéoentornomutáveltransformadoemqualidadeestável.Comapassagemdotempo,surgea“atenção”,queéopontodevistamutáveltransformadoemqualidadeestável.Comapassagemdotempo,surgea“consagração”,queéodiscursomutáveltransformadoemqualidadeestável.Comapassagemdotempo,surgea“memória”,queéaexperiênciamutáveltransformadaemqualidadeestável.Oqueimportaélembrarquetudoépassíveldemudançanotempo–inclusiveossignificadosqueassociamosaqualquerobjeto.
SealgotãosólidoeimóvelquantoosArcosdaLapaestásujeitoatantastransformaçõesealteraçõesdesignificado,oquedizerdeobjetosmaisefêmeros?Oqueocorrecomosartefatoscomunsquenoscercamotempotodo,queentramesaemdenossasvidascomtamanharapidezqueàsvezessuaexistênciapassadespercebida?Oqueacontececomascoisasdepoisquesãodescartadaspornós?Essestemasserãodiscutidosemmaiorprofundidadenopróximocapítulo.Porenquanto,bastaenfatizarquenenhumartefatopossuisignificadoestáveleimutável.AprimeirarevistaemquadrinhosdoHomem-Aranha,vendidaem1963paracriançasnosEstadosUnidospor12centavos,hojevirourelíquiapreciosa,disputadaporcolecionadoresquepagamaté100mildólaresporumexemplaremperfeitoestado.AsmuitasimagensdeLêninproduzidasduranteeapósaRevoluçãoRussa,comoexpressãodefervorrevolucionárioepoderproletário,foramaospoucossetransformandoemsímbolosdeopressãoetirania,atéseremderrubadasedestruídaspeloprópriopovorussoquandodofimdaUniãoSoviética.Hoje,sãocolecionadasavidamenteevendidasnomercadodeleilõesdospaísesqueumdiaforamosinimigosdomarxismo-leninismo.Asroupasquealguémvestenumafotodadécadade1980,asquaiseramentãooaugedamoda,hojecausamconstrangimentoe,àsvezes,suscitamdaprópriapessoaretratadaumaexclamaçãodotipo:“comoeupudeusarissoalgumdia?”.Entretanto,emalgumlugardoplaneta,umjovemfashiondesignersonhaprecisamenteemressuscitarpolainascoloridaseombreirasgigantescomoonovomustdatemporada.Assimcaminhaahumanidade,eseusprojetos.
MEMÓRIA,IDENTIDADEEDESIGNQuandosediscuteosignificadodosartefatos,écomumrecorrerà
“experiênciadousuário”comoumaespéciedeprovadosnove.Atécertoponto,
aexperiênciapodeserobservadaemsituaçõescontroladas,testadaemlaboratóriosequantificadaemdadosetabelas,oqueésemprereconfortanteparaaspessoasquebuscamcertezas.Acontecequenadaquevalhaapenaserestudadoétãosimplesassim.ConformevimosnoexemplodosArcosdaLapa,sãoinúmerasasexperiênciasquepodemsersuscitadasporumúnicoartefato;esãováriososfatoresquecondicionamcomoseráconstituídoosignificado.Alémdomais,aexperiênciadiretaéapenasumapartedenossoconhecimentoecompreensãodosobjetos.
Sevocêestáemdeterminadoambiente,engajadoemdeterminadaatividade–digamos,emcasa,lendoestelivro–,pordefinição,vocênãoestávivenciandotodososoutrosambientesdequetemconhecimentonemrealizandotodasasoutrasatividadesquepoderiaexercer.Contudo,mesmoestandopresaaumpontodeterminadodotempo-espaço,emtermosperceptivos,nossaorganizaçãomentalpermitequetenhamosconsciênciadeoutrasexperiênciasdoqueaquelaqueestápresenteeimediata.Emmeioàleituradolivro,oleitorpodesedistrairaolembrarapessoaamada,oudeumamensalidadequetemdepagar.Abagagemquepossuímosdevivências,obtidasdiretamenteouporempréstimo,colorenossapercepçãoedefineomodocomoprocessamosqualquerexperiênciaatual.Tantoque,oqueédoresofrimentoparaalguns,éprazerparaoutros,evice-versa.Parauns,lerestelivroéumaobrigaçãochata,queossubtraideoutrasatividades;paraoutros,éumafugadeliciosadosproblemasedocotidiano.
Amaioriadasexperiênciasquetemosaonossodispornãoéacessadaaqualquermomentopelossentidos,maspormeiodamemória.Acapacidadedelembraroquejáseviveuouaprendeuerelacionarissocomasituaçãopresenteéomaisimportantemecanismodeconstituiçãoepreservaçãodaidentidadedecadaum.Vejaoexemplotrágicodaspessoasquesofremdealgumadoençadegenerativaqueafetaamemória:mesmotendooscincosentidosoperantes,umapessoasemacessoàmemóriatorna-seincapazdeserelacionarcomomundo,podendochegaraopontodenãogarantirasobrevivênciafísicasemcuidadosexternos.Umexemplobanaldocontrário,daforçadamemória,estánacapacidadequetemamaioriadenósdecaminharpornossaprópriacasanoescurodanoite,semnemaomenostatearasparedes.Mesmodiantedaprivaçãodossentidos,aquiloqueapelidamosde“memóriacorporal”garanteosucessodaempreitada.Rezaoditopopularque“recordaréviver”,epodemosafirmaroinverso:queviveré,emgrandeparte,umprocessoderecordar.Memóriaeexperiênciaestãointimamenterelacionadas,umaalimentandoeconstituindoaoutra.{23}
Memóriaéaexperiênciadeslocadadoseupontodepartidanavivência
imediata.Comoomomentoatualépassageiro,desmanchando-senumasucessãodeoutrosmomentos,outrasvivências,quasetudoquesomosepensamosdependedamemória.Porém,amemóriaécoisanotoriamenteescorregadia.Nocalordeumadiscussão,ointerlocutorfrequentementedistorceoquefoiditohápoucosinstantes,lembrandoerradooqueooutrodisse,ouatémesmoasprópriaspalavras.“Eunãofaleiisso!”“Falousim!”Umapessoasaidecasacompressa,trancaaporta,entranocarroe,umminutodepois,sepergunta:“seráquetranqueiaporta?”.Alguémvaiaumaexposiçãoevêaliumaobradequegosta(algo“memorável”).Nomêsseguinte,vêoutraobradomesmoartistaemoutraexposição.Doisanosdepois,aocomentarotrabalhodaqueleartista,situaasduasobrasjuntas,comosetivessemconstadodamesmaexposição,esesurpreendesinceramenteaovercomprovadoquenuncaestiveram.Amemóriaéfalha.Diferentementedaquiloquechamamosde“memória”noscomputadores–aqualcorresponde,naverdade,àcapacidadedearmazenamentoerecuperaçãodedados–,amemóriahumananãoéumbancodeinformaçõesnoqualdepositamosexperiênciasparadepoisasretirarmosintactas.Atéexisteapossibilidadedetrazeràmente,comtotalexatidão,algoquevimosououvimos;masofenômenodamemória“fotográfica”(oumelhor,eidética)étãoraroeexcepcionalquepõeemrelevooquãoimprecisacostumaseramemóriahumana.
Maisdoqueasimplesaçãoderecuperarumavivência,amemóriaéumprocessodereconstituiçãodopassadopeloconfrontocomopresenteepelacomparaçãocomoutrasexperiênciasparalelas.Alguémpodeselembrardeumaexperiênciaquenuncateve–achamada“síndromedafalsamemória”–oupodemisturarsuasprópriasvivênciascomasdeoutraspessoasecominformaçõesadquiridaspormeiosindiretos(conversas,leituras,mídiasaudiovisuais).Amemóriaémaisconstruídadoqueacessada,esempreimpressionaacapacidadehumanadelembraroquequeredeesqueceroquenãoquer.Hácontrovérsiasquantoàsmemórias,especialmentequandoelassãocoletivasenãoindividuais.Nãoédesurpreender,portanto,queaspessoasrecorramaosobjetoscomosuportesdememória.Osartefatosservemtantodepontodepartidaparaaslembrançascomoparaencerrarlitígios.Nadamelhordoqueumvestígiomaterialdofato–umaprova,nosentidopolicial–paraestabelecerquealgotenhaacontecidodeumjeitoenãodeoutro.
Osartefatossãoconstantementearregimentadoscomopropósitoexplícitodeatiçaramemóriaoudepreservarumarecordação:diários,agendasebilhetinhos;souvenirsdeviagem;brindeseprendasdistribuídosemfestaseeventos;cartõescomerciaisedevisita,santinhosefilipetas;relíquiasdefamília.Hátodoumvastouniversodeobjetospertencentesàscategoriasde“mementos”
e“memorabilia”,queacabampassandodasgavetas,armárioseestantesdecadaumparabrechós,seboseantiquários,edaíparaarquivos,museusebibliotecas,quesãoosgrandesrepositóriosdasfontesdocumentaisdasquaiséextraídanossahistória.Osartefatosmaiscomumenteusadosemnossasociedadeparapreservareatestarmemóriassãoasfotografias.Àmedidaqueastecnologiasdigitaisvãofacilitandoebarateandocadavezmaisaproduçãodeimagens,aumentaemprogressãogeométricaorecursoaoregistrofotográficocomosistemadepreservaçãoeconstituiçãodamemória.Emalgumassituações–festaseviagens,porexemplo–háquempassequasetantotempoafotografarquantoafruirdiretamenteaatividade,oqueequivaleatransformaroprocessoderegistroemsubstitutodavivência,enãomaissimplessuporteparaamemória.
Queosartefatosfazemlembrarésimplesdeconstatar.Bastamostrarparaalguémacimadostrintaanosalgumobjetorelacionadoàsuainfância–balaseconfeitoscostumamserbonsparaesseobjetivo–paraarrancarsuspirossaudososecomentáriosquecomeçamcom“nomeutempo…”.Mesmoosmaisjovensnãosãoimunesànostalgia.Ébastantedifundidoomitosegundooqualascoisasteriamsidomaissimplesemaisbem-ordenadasnopassado.Omesmofiltromentalquefazcomqueaspessoasselembremmaisdoqueéagradáveleesqueçamodesagradávelacabaporgerarumareverênciacoletivapelopassado,percebidocomoalgoreconfortante.Sãoexpressõescorriqueiras:“osanosdourados”,“nosbonstempos”,“éramosfelizesenãosabíamos”.Ointeressante,dopontodevistacomercial,équeanostalgiavendeprodutos.Nãosomenteasantiguidades,quevalemmuitoexatamenteporcontadahistóriaquecarregam,mastambémprodutosnovoscomumaroupagempassadista–ochamadoretrô.
Hoje,épossívelcomprargrandevariedadedeprodutosnovoscomcaraantiga,desdemóveiseeletrodomésticosatéautomóveisprojetadospararemeterapadrõesestilísticospassados,comoéocasodoVolkswagenNovoBeetleoudoChryslerPTCruiser,sucessosdevendasnosanos2000.Atémesmoartefatoscujatecnologianãoexistianopassadosãodisponibilizadosemestiloretrô–porexemplo,aparelhosparareproduçãodearquivosdigitaismusicaisqueimitamaformadeequipamentossonorosmaisantigos.Nomundodamoda,então,oretrôéumfenômenoincontornável.Quantomaissereviveopassadoestilísticonasroupasmaisasépocaseosestilosacabamporseconfundir.
Vistosladoalado,otênisretrôimitandoummodelodosanos1970,commateriaisetecnologiaatuais,nemparecetantoassimcomooriginalqueoinspirou.Emboraciteelementosmorfológicosassociadosaomodelomaisantigo,otênisnovoéindubitavelmenteumprodutodaeraatual.Osciclosretrôvãoseacelerandoe,portanto,seembolando.Orecenterevivaldosanos1980citaelementosque,porsuavez,jáeram,emsuaépoca,umrevivaldasdécadasde1950e1960.Assim,determinadaspeçasdevestuário(porexemplo,calçaCapri,tênisAllStar)entramesaemdemodaciclicamente.Emalgunscasos,avelocidadedesseentraesaiétamanhaquejánãosesabeondeterminaumrevivalecomeçaoutro.Taisartefatosacabamsendoapelidadosde“clássicos”,easrevistasinformamqueeles“nuncasaemdamoda”,oqueéumacontradiçãológica,vistoqueamodasebaseiaexatamentenoprincípiodamudançarápidaecontínuadejuízosestéticos.
Naatualcondiçãopós-moderna,asnoçõesdetempoehistóriasãofluidas.Pelanaturezaautofágicacomqueosciclosderetrôerevivalseretroalimentam,oconsumodeartefatosecomportamentosprocessa-sehojenumaespéciedenãotempo,ou“tempoemsuspensão”,emquetodasasépocaspassadasconvivememsimultaneidadecomocontemporâneo.Nadamaisatualdoqueconstituiraprópriaidentidadepormeiodacombinaçãoestratégicadereferênciasdiversasaopassado–tatuagemdosanos1990,roupadosanos1980,músicadosanos1970,filosofiadosanos1960,penteadodosanos1950,quadrinhosdosanos1940,eassimpordiante–,numacolagemcontínuaesempreemmutação.Aprópriaatitudedehibridizaçãotemporalparaconstruirumcompostocontemporâneoéareproduçãoinvoluntária–umrevivalintelectual,porassimdizer–do“ecletismo”quedominouopensamentoarquitetônicoocidentalnapassagemdoséculoXIXparaoséculoXX.Oúnicoparâmetroquesemantématual–“deponta”–éatecnologia,queépercebidacomoumavançoconstanteeinexorável,puxandotodoorestoparaumfuturoincerto.Paraeternafrustraçãodosecologistasmaisradicais,quaseninguémbuscarecuarnotempotecnológicoparaumpassadodemenosmegabytesemenosmegapixels.Nossosaudosismotemesselimite.
Surgeapergunta:háalgocondenávelemtudoisso?Superadoofetichemodernistacomoprogressoeonovo,oquetemdemaisemconjugarestilospassadoscomatecnologiapresente?Nãoseriaomelhordosmundosapossibilidadedeterumaparelhoqualquercomaltíssimodesempenhocombinadocomaaparênciaquemeagrada,sejaqualfor?Seeuqueroumageladeiravermelha,decontornosarredondados,nãoédireitomeu?Eseelatemummotorsilencioso,compatívelcomasnormasambientaismaisavançadas,nãoéissopreferívelaumaparelhovelho,originaldosanos1950,queconsomemaisenergiaeemitegasespoluentes?Arespostaésim,evidentemente.Nãohánadadeerrado,emtermoséticos,comqualquerescolhaestética.Arigor,gostonãoéumaquestãomoral.Naverdade,aposturamixandmatch,delivrecombinaçãodeelementos,queregeaatualidadeéreveladoradealgomaisprofundonasrelaçõesentreformaeaparência,usoeexperiência.Opapeldamemórianaconstituiçãodasaparênciasnãoserestringeàbuscaautoconscientedoretrô.Asformasnovassempretêmsuasraízesfincadasemoutrasantigas.Nadavemdonada.
EmseulivrofundamentalObjetosdodesejo,AdrianFortyelaboraumaanálisedomodoqueasnovastecnologiasvãoadquirindouma“cara”reconhecívelpelaconfiguraçãoformaldosprodutos.Oexemplocitadoporeleéorádio.Aaparênciaexternadosprimeirosaparelhoscorrespondiaàsuaestruturainterna–ouseja,osrádioseram“nus”,seminvólucrooucasca.Aospoucos,foramsendodesenvolvidassoluçõesformaisparaencapsularomecanismo,seguindotendênciasqueoautorcaracterizacomoconstantesnahistóriadodesign.{24}Intriganteconstatar,conformesalientaForty,queumadasprimeirasreaçõesdosdesignersaodepararemcomumdesafiotecnológicocompletamentenovoérecorreraformasantigasparalhesdaralgumaroupagem.Étípicodapsicologiahumanaesserecursoàmemóriaeaofamiliar–aopassadoreconfortante–comoantídotoaoterrorqueonovopodeinspirar.Comaintroduçãodediversastecnologiasaolongodaeraindustrial,tornou-sebastanteconhecidoessepadrãodevestir,ourevestir,oelementoradicalmentenovoporaproximaçãocomoquejáexiste.Emtermosmorfológicos,oscomputadoresdemesa(personalcomputers)dadécadade1980parecemumtelevisor(monitor)atreladoaumamáquinadeescrever(teclado).Pararesolveroselementosrealmentenovos–processador,placas,discorígido–asoluçãoencontradapelosfabricantesdaépocafoiescondertudodentrodeumacaixaneutra,geralmentebegeoucinza.Somentecomaevoluçãoparaoformatonotebook,oscomputadorespessoaiscomeçaramaencontrarumamorfologiaprópria,distintadeoutrasmáquinasantecessoras.
Nãoésomentenosaparelhosoriundosdenovastecnologiasquearemissão
aopassadosefazpresente.Qualquerobjetoprojetadotemrecursonecessariamenteaumrepertórioexistente,poisoprojetistaestáimersonumcaldoculturalqueincluitodasasinfluênciasàsquaisjáfoiexposto,filtradosporsuamemória.OscartazescriadosporShepardFaireyparaacampanhadeBarackObamaàpresidênciadosEstadosUnidosem2008,possuemumardecididamenteretrô,emboranãoremetamaumafonteprecisa.Ofatodequeumaestilizaçãopassadistafoiescolhidaparatraduzirvisualmenteconceitoscomo“esperança”,“progresso”eaté“mudança”éindicativodograudecomplexidadeexistentehojenarelaçãoentrepassadoepresente,memóriaeidentidade.Visualmente,pelomenos,amudançadefendidapelacampanhadeObamaeraumretornoestilizadoaopassado.
Nodesigngráfico,émuitoevidenteopapeldalinguagemedorepertório;masosmesmosprincípiosregemqualqueratividadedecriaçãoeprojeto,sejadeumaaeronave,umliquidificadorouumafotografia.Oserhumanopensasemprepormeiodaslinguagensquetemàdisposição,eestassãocodificadaspeloacúmulodeatividadeantecedentenaqueledomínio.Éimpossívelarticularpensamentosforadodomíniodeumalinguagem–aquiloqueofilósofoVilémFlusserbatizoude“conversaçãogeral”ou“línguaampliada”,abrangendo,alémdalinguagemverbal,amúsica,aplásticaeaimagética.{25}Domesmomodoqueescritoresescrevemfrasesnovasnumidiomaqueaprenderamafalar,odesignerprojetaformasnumalinguagemquejáexistiaquandoeleveioaomundo.Ascoisasmateriaisfalamdesiemtermosprópriosàsuaconfiguração.
Orepertórioformaldefineosparâmetrosdentrodosquaisépossívelpensaronovo.Éopesoda“tradição”,queohistoriadordaarteNormanBrysoncontrapõeao“desejo”comoosdoispolosdelimitadoresdequalquerprocessoartísticoouinventivo.{26}Oquepesamaisnacriação:tradiçãooudesejo,informaçãoouinovação?Aperguntaécapciosa,earespostabemmaisescorregadiadoquesepodeimaginaràprimeiravista.Naverdade,arelaçãoécíclica:anovidadedehojerepresentandoamanhãacargaacumuladadopassado,ostesourosdeumpassadoremotoservindodepontodepartidaparaarupturaradicalcomopresente.Omaisdifícilépermanecerimóvel.Àsvezes,éprecisomudarmuitoparacontinuarsendoomesmo.
Umaboailustraçãodesseprincípioestánasidentidadescorporativas.Empresascomhistóriacomercialrelativamentelongacostumampassarporumprocessoperiódicoderedesenhodesuasmarcas.NoBrasil,ocasodaLightS.A.,empresafornecedoradeeletricidadenoRiodeJaneiro,éemblemáticodessanecessidade.Em1996,aLightfoiprivatizadaeseucontrolepassouparaumconsórcioquedeuinícioàreestruturaçãodaempresa.Àépoca,amarcaexistenteaindaeraamesmaprojetadaem1966porAloisioMagalhãesejáera
veneradacomo“clássica”,umamarcadegrandeforçaereconhecimento,criadaporumdosmaioresprojetistasbrasileirosdoséculoXXerepresentativadaépocaheroicadeimplantaçãododesignmodernistanoBrasil.Houvequempalpitassequenãosepodiamexernumamarcacomoessa,queseriaumaespéciedecrimeousacrilégio.Noentanto,ascircunstânciashaviammudadomuitonostrintaanosqueseparavamoprojetooriginaldocontextodeseuredesenho.QuandoAloisioMagalhãesprojetouamarca,pretendiaqueelasimbolizassequalidadescomomodernidade,força,eficiência.Comapassagemdotempo,agravadapelacrescenteineficiênciadaLightnosanos1980e1990,aquelelogotiporemetiaopúblicoconsumidoratudo,menosamodernidade,força,eficiência.AmarcadaLighthaviasetornado,namelhordashipóteses,antigaeinócua;napiordelas,antipáticaerepudiada.
Sobtodaapressãodeterdemexernumtrabalhocanônico,oescritóriocariocaEGDesignfoicontratadopararedesenharamarcaeapresentouseuprojetoem1999.Anovamarcapreservavaomotivoformalfundamentaldeusarosdoiseles(LL)rebatidosdentrodocírculo,sugerindoarepresentaçãoconvencionaldeumraiodeeletricidade.Acorforamudada;arelaçãodefiguraclaraefundoescuro,invertida;ashastesdosLL,afiladasealongadasparaforadocírculo,quebradoetambémafilado;earemissãográficaàideiadetransmissãoelétricareforçadapelaligaturapeculiarentreoGeoHnonomedaempresa.Oresultadofoiumamarcaquepassou,novamente,asimbolizarparaseupúblicoasqualidadesdemodernidade,forçaeeficiência,acrescidasdenoçõesdelevezaetransparênciaquenemeramrelevantesquandodafeituradamarcaantiga,masqueeramprementesparaonovocontexto.Emsuma,amarcadaLighttevequeserquaseinteiramentemudadaparavoltaraostentarmaisoumenosseusignificadooriginal.
Essahistórianãoéexceçãonouniversodasformas,masantesumaregra.ComovimosnoexemplodosArcosdaLapa,mesmoqueoartefatopermaneça
intactoeimóvel,astransformaçõesdecontextoeentornoacarretammudançasdesignificado.Demodocorolárioecomplementar,muitasvezeséprecisomudarasaparênciasparaqueossignificadospermaneçamestáveis.Omundodasembalagenscomerciaisofereceilustraçõesabundantesdesseprincípio.AevoluçãodalatadeLeiteMoçaoudofrascodePóRoyal,paracitardoisexemplosbastanteconhecidos,refleteatensãocontínuaentreanecessidadedemanteroprodutofamiliarereconhecívelparaoseupúblicocativoeoanseiodetorná-losedutoreatual,capazdeconquistarnovosconsumidoreseafastaraameaçadeconcorrentesrecém-chegados.Odesafioprojetualpassaaserodetransformaraembalagemomáximopossível–adaptando-a,emalgunscasos,anovosmateriaisetecnologiasdefabricação–semperderoelocomumahistóriacomercialqueencerraqualidadescomotradiçãoeconfiabilidade,asquaissãodifíceisdeconquistarefáceisdeperder.Odesafioconceitualémanterconstanteaidentificaçãodousuáriocomoprodutoesuasqualidadespresumidas.
Naáreadebranding,fala-semuitoemconstruirmarcasfortes,entendidascomoaquelascomasquaisoconsumidorseidentificaapontodemisturarsuaprópriaidentidadecomadoprodutoouempresa.QuandosevêumjovemdeperiferiavestindoumajaquetacomoescudodaFerrari,porexemplo,entende-sequesuaidentificaçãotemmaisavercomvaloresassociadosàmarcaecomaspiraçõesaumestilodevidadoquecomqualquerpossibilidadeconcretadevirapossuirumautomóvelFerrari.Identificar-se.Identidadevisual.Identidadecorporativa.Sãoconceitosinter-relacionados,ligadosaomodocomocadaumseimagina(autoimagem)ecomoimaginaqueévisto,ougostariadeservisto,pelosoutros(imagempessoal).Aspessoaspodemsevestirdedeterminadamaneiraparatransmitirumsignificadocompreensíveldeimediato:porexemplo,ummédicoouumpolicial,cujostrajescomunicamsuainserçãoprofissional.Tambémpodemsevestirparatransmitirsignificadosmenosprecisos,comopertencimentoaumgruposocialoutendênciadeestilooumúsica.Detodo
modo,écertoque“vestiracamisa”éumametáforaadequadaparadescreveramaneiracomoaspessoasserevestemdeaparênciasparasimbolizarvaloresequalidadesinteriores.Naidentidadecriadaentremarcaseconsumidores,temosumamanifestaçãofortíssimadosmeiosintrincadospelosquaisformasesignificadossãoimiscuídosnomundocontemporâneo.
Restaindagar:comoseconstróiaidentidade?Semdúvida,amemóriaéummecanismoprimordialparaessefim.Aidentidadebaseia-senamemória:eusouquemeusouporquefuioquefui.Aidentidadeprofissionalforneceumailustraçãosimplesdesseprincípio:alguémémédicoporquefezfaculdadedemedicinaeresidência,enãoporquepensaqueémédico.Écomumaoscasaisdenamorados,àmedidaquearelaçãoseaprofunda,mostraremunsaosoutrossuasfotografiasdeinfânciaefamília.Trata-sedeumexercíciodeexplicaraooutroquemseé–umatestadodeantecedentes,porassimdizer.Aosaberdeondeapessoavem,porquaisexperiênciaselajápassou,temseaconvicçãodeconhecê-la,desabermelhorqueméela,verdadeiramente.Éclaroqueumálbumdefotografiaséumaversãoparcial,editada,dopassadofamiliar.Apenasumapequenaporçãodoqueaconteceuestálárepresentada,enfocadasobadistorçãodoolhardequemfotografouedequemorganizouoálbum.Masamemóriaésempreassim:filtrada.Cadaumextraidopassadoaquiloqueconsideraimportante,ourelevante,eoassimilaàquiloqueconsiderasersuaidentidadenopresente.
Aidentidadeésemprecompósita,construídaapartirdemuitaspartesepossuindomuitasfacetas.Amesmapessoapodeserhomem,pai,marido,arquiteto,surfista,entusiastadealpinismo,amantedejazz,torcedordetimedefutebol,ex-militantedepartido,tudoaomesmotempo,semquenadadissoimpliqueumesfacelamentodesuapersonalidadee,menosainda,queasomatotaldessesaspectosrevelequemeleénaintimidade.Alémdetodasessascaracterísticascitadasedivulgadas,elepodeserumcleptomaníacoou,quemsabe,umleitorderomancesaçucarados.Aidentidadeestáemfluxoconstanteesujeitaatransformação,equivalendoaumsomatóriodeexperiências,multiplicadaspelasinclinaçõesedivididaspelasmemórias.Quandosepensaqueosujeitoexiste,aolongodesuavida,rodeadoporenunciadoseinformações,produtosemarcas,designeprojeto,começa-seaterumanoçãodasmúltiplasmaneirasemquememóriaeidentidadepodeminteragirparamoldarnossavisãodomundomaterialecondicionarnossarelaçãocomosartefatosquenoscercam.
Osbonsdesignersfazemusoestratégicodamemóriapararefinarseusprojetos,incutindo-lhescamadasadicionaisdesignificado.UmexemplorecenteéoredesenhodamarcaMococa,delaticínios,pelaequipelideradaporMilton
Cipis.Nocaso,osdesignersforamconfrontadoscomodesafiodeadaptarumamarcadesgastadaparaocontextopresente,tornando-aatualsemperderdevistaosvaloresdefamiliaridadeeconfiabilidadeassociadosaumaempresaquasecentenária.Asoluçãoencontradafoiaproveitarodesenhodeumavaca,oriundodeumaembalagemantigade1957,adaptando-oparaaestruturagráficanova.Oresultadoéumamarcacapazdeserpercebidapeloconsumidorcomosendo,aumsótempo,“moderna”e“tradicional”,oqueéumacontradiçãonalógica,masnãonouniversodasmarcas.
OprincípiodeconjugarvisualmentemodernidadeetradiçãoéomesmoexploradoporAloisioMagalhãesnasmarcasquecriouparaascomemoraçõesdo4ºCentenáriodaCidadedoRiodeJaneiro,em1964,eparaaempresaestatalPetrobras,em1970.Emambososcasos,odesignerjuntouumalinguagemgráficaatualcomremissõesasímbolosantigos:acruzdemalta,noprimeirocaso,eabandeirabrasileira,nosegundo.
Sãomúltiplososmodosdecriarcorrespondênciasentredesign,memóriaeidentidade.Orepertórioexistentepodeserexploradoparaintroduzirruídosecriardissonâncias,tantoquantoparareforçarsignificadosaparentes.Em2005,odesignerRicoLinsrealizouacuradoriadeumaexposiçãodecartazesbrasileiros,nacidadefrancesadeChaumont,intituladaBrasilemCartaz/LeBrésilàl’Affiche.Nocartazproduzidoparadivulgaroevento,elelançoumãodofamosoenunciado“sejamarginal,sejaherói”,provenientedaobrahomônimadeHélioOiticica,de1968.Nocartaz,afraseestádispostanumarranjodeletrasdesenhadas,detamanhosdiversos,misturandocaixa-altaecaixa-baixa,pretoevermelhoocre,asquaisremetemàtradiçãotipográficadecartazeslambe-lambe,impressosapartirdeblocosdemadeiraecoladosemmuros.Apalavra“marginal”estádecabeçaparabaixo,reforçandoanoçãodeimperfeiçãoepressa,domalfeitoedotosco.Ousodesímbolosconvencionaiscomodesenhodeumamãoapontandoodedo,simulandoclichêstipográficos,aprofundao
sensodeantigoerústico.Noentanto,apeçanadatemderetrôoudevernacular.Antes,éumasofisticadíssimareflexãosobreaidentidadedodesignbrasileiro.
Oenunciadocentral,compostopelasquatrolinhasdeletrasgarrafais,éusadocomoestruturavisual,ouarcabouço,sobreaqualoprojetopenduraasinformaçõesrelevantescomotítulodaexposição,localedatas.Estassãoinseridasverticalehorizontalmente,emváriasdireções,formandoumamalhaconstrutivaquesugereumtrânsitooufluxoemtornodaspalavrasmaiores.Entreelas,estãointroduzidospequenosruídosverbaiscomoostermos“lambe-lambe”,“utopialambe”,“helioiticica”,bemcomoonomedoautor,“RicoLins”.Sabendoqueboapartedopúblicodessamostraseriacompostadepessoasquenãocompreendiamalínguaportuguesa,odesignertransformouoenunciado“sejamarginal,sejaherói”quaseemvultopictóricoepaisagemgráfica,relativizandoopesodenotativodeseusentidoverbal.Opróprioifinalde“herói”éelidido,aproximandoapalavradeseusequivalentesestrangeiroshero(inglês)ehéros(francês).Oresultadodetudoissoéqueocartazdepreendeuma
sériedeleiturasdiferenciadas,demaioroumenorcomplexidade,dependendoseoespectadorentendeportuguês,sabequeméHélioOiticica,compreendeaimportânciahistóricadogridcomoelementodeestruturaçãodoespaçovisualnodesigngráficomodernista,conheceatradiçãotipográficapopularnoBrasil,eassimpordiante.Omodocomplexocomoasformasadquiremeprocessamsignificados,dependendodoseupúblico,éotemadopróximocapítulo.
2AVIDAEAFALADASFORMASSIGNIFICAÇÃOCOMOPROCESSODINÂMICO
Quemconheceosoloeosubsolodavidasabemuitobemqueumtrechode
muro,umbanco,umtapete,umguarda-chuvasãoricosdeideiasoudesentimentos,quandonóstambémosomos,equeasreflexõesdeparceriaentreoshomenseascoisascompõemumdosmaisinteressantesfenômenosdaterra.[MachadodeAssis,QuincasBorba,1891.]{27}
FORMAS,FUNÇÕESEVALORESNãoexistefunção;existemfunções.Temosomauhábitodeusarapalavra
“função”demodoimpreciso,paraabrangerconceitosevaloresbastantedistintosentresi.Sealguémdiz,porexemplo,quedeterminadoaparelhoeletrodomésticoé“funcional”,oqueissoquerdizer,exatamente?Querdizerqueelefunciona?Ouseja,queligandonatomadaomotorvairodar?Nessecaso,seriapreferívelempregarumtermomaisclarocomo“funcionamento”.“Oliquidificadornãofunciona”,éumaafirmaçãobemdiferentede“oliquidificadornãocumpresuafunção”.Ou,poroutrolado,serfuncionalquerdizerqueeleébemadaptadoparaoconfortodousuário,queéfácildemanusear,usarelimpar?Nessecaso,seriapreferívelusarumapalavracomo“operacional”,oufalaremtermosdequalidadesergonômicas,quepodemsertestadasecomprovadas.
Oqueémaiscomum,ebemmaisproblemático,éempregarotermo“funcional”paradescreveraaparênciadoobjeto.Tornou-secorriqueiro,principalmenteentredesignersearquitetos,olharparaumartefatoedescrevê-locomo“funcional”,independentementeatédasquestõesdeelefuncionarounão,desermaisoumenosoperacional.Geralmente,oquesequerdizercomissoéqueelecorrespondeaumafórmulaestilísticaeapreceitosformaisderivadosdaépocadomodernismointernacional,sendoosprincipais:aausênciadeornamento;odespojamentodesuaestrutura;acorrespondênciadesuaconfiguraçãoàgeometriaeuclidiana;earestriçãodapaletadecores,compredileçãoporcoressólidasouprimárias.Nofundo,essaacepçãodotermocarecedemaiorsignificado.Umartefatopodemuitobemparecerfuncionalsemnem,aomenos,funcionarouseroperacional.
Quandosefalagenericamentena“função”deumartefato,gera-seumaconfusãonefastaentreoquesepodefazercomele–ouseja,seususos–eoqueelepodesignificar.Orelógiodepulsoéumbomexemplo.Emtermosdefuncionamentoeoperacionalidade,afunçãodorelógioécronometrarapassagemdotempoemanter-seatadoaopulso,depreferênciacomconfortoesegurançaealgumadurabilidade.Aíterminaoquepoderíamoschamar,emjargãodeprojetista,deseubriefing(oupauta)operacional.Nessesentido,estritamente“funcional”,nãoexistegrandediferençaentreumrelógioRolex,umSwatcheumdamarcaCasio.Podeserquealgumdelessejamaispreciso
comocronômetro,oumaisconfortávelousegurooudurável.Ounão.Noestágioatualdatecnologiadefabricaçãoderelógios,essasdiferençastendemasercadavezmenores.Aindamaisseorelógiofordigital.
Apesardaquiloquetodostêmemcomum,orelógioRolexdemenorpreçocostumacustarmuitomaisdoquequalquerrelógioSwatch,eesteébemmaiscaro,porsuavez,doqueorelógioCasio.SeráqueopreçodoRolex–dezouvinteoucemvezesmaisaltodoqueodosoutros–correspondeaumasuperioridadeproporcionalemtermosdeprecisão,conforto,segurançaedurabilidade?ParaamaioriadaspessoasquequeradquirirumRolex,nenhumadessasquestõeséprioritária.ORolexédesejadonãoporsermelhorcomorelógio,masporaquiloqueelesignificaindependentementedeseufuncionamentoeoperacionalidade.TerumRolexésinaldeprestígio,destatus,deluxo,depoder:enfim,depertencimentoaumaelite.Suafunçãonãoselimitaacronometrarapassagemdotempocomconfortoedurabilidade.Suaverdadeirafunçãoépsicológica,deafirmaçãodaprosperidadeedogostodequemusa.Omesmovaleparaumasériedeoutrosprodutosdemarcascotadasnomercadodeluxo:automóveisMercedes-Benz,bolsasLouisVuitton,canetasMontBlanc,eassimpordiante.
Nojargãododesignedomarketing,costuma-sefalarem“valoragregado”:ouseja,ovalordemercadoamaisqueumbomprojetoouumamarcareconhecidapodeacrescentaraoproduto,emcomparaçãocomoutrosconcorrentesmaisoumenossimilares.Exatamenteoqueéessetalde“valoragregado”?Emprincípio,eleestárelacionadojustamenteàquelaporçãoambíguadotermo“função”quenãocorrespondeaosaspectosdefuncionamentoeoperacionalidade,relativamentefáceisdemensurar.Tomemos,comooutroexemplo,umacamisetadaseleçãobrasileiradefutebol.AcamisaoficialdaSeleção2010(aquelaproduzidasoblicençadapatrocinadoraNike)foianunciadaemsitesdeprodutosesportivospor179,90reais.UmabuscarápidaemsitesdeleilãovirtualrevelaumaofertadecamisaoriginaldaSeleção1970porsurpreendentes22milreais.Aindamaisincrível,umacamisa10,supostamenteusadaporPelénaCopadoMundode1958,foileiloadaem2004,naInglaterra,por59millibrasesterlinas.Sendotodasascamisasemquestãomaisoumenosequivalentesemtermosdefuncionamentoeoperacionalidade–amaisnovatalvezsejaumpoucosuperioràsoutras–essaimensadiscrepânciadepreçossedeveàquiloqueentendemoscomo“valoragregado”.
Écomumtentarexplicaroporquêdessasvariaçõesdepreçosrecorrendoanoçõescomo“valorafetivo”ou“valorsimbólico”.Sãotermosmuitocomumenteempregados,masraramenteexplicadosouanalisadosnaliteraturasobredesign.Opresentecapítulotemcomometainvestigarumpoucoaquilo
quesequerdizerquandosefalanessesconceitos.Queosobjetospossuemsignificadoséclaroparatodos.Comoelessignificam,exatamente,jáéumpoucomaismelindroso.Porqueumúnicoproduto,queexerceummesmolequedefunçõesoperacionais–umtelefonecelular,paracitarumexemplocorriqueiro–assumeumadiversidadetãograndedeformas?Nãoseriamaissimplesecorreto,dopontodevistafuncional,padronizaraaparênciadoscelulares?Écertoque,eliminandooapelocontínuodenovidadeimpostopelosciclosdemoda,seriapossíveldiminuiroritmodedescartee,portanto,odesperdício.Afinal,ninguémtrocaoextintordeincêndioporqueoantigoestáfeioouforademoda.Masseráqueaquestãoétãosimplesassim?Éjustaacomparaçãoentrecelulareseextintores?
Osdefensoresdofuncionalismo–movimentodegrandeimportâncianahistóriadodesign,principalmenteentreosanos1920e1950–profetizavamquecadaespéciedeartefatoassumiria,comaevoluçãodoprojetoedatecnologiaprodutiva,umaúnicaformaideal,aqualelesconsideravamsua“forma-tipo”.Oexemploquecostumavamcitareraagarrafadevinho,cujaevoluçãoaolongodosséculosteriaconduzidosupostamenteaumaformaperfeitaeperene.Tudonelaseria“funcional”eirretocável:acurvaturadogargalo,quepermitiaservirovinhocorretamente;acorescuradovidroparaprotegerovinhodaluminosidade;aconcavidadenapartedebaixo,paracapturarossedimentosnofundo;eassimpordiante.Paraosdesignersligadosaessacorrentedepensamento,eraapenasumaquestãodetempoatéquetodososoutrosartefatosencontrassemsuaformatípicaeperfeita.Atingidoesseponto,aproduçãoemmassagarantiriaqueaqueleprodutoperfeitofosseproduzidoemquantidadesuficienteparatodos,portodoosempre.Amém.
Noentanto,aevoluçãodafabricaçãoindustrial,desdeaquelaépoca,comprovoujustamenteocontrário.Quantomaissedesenvolvematecnologia,omercadoeodesign,maioradiversidadedeformasoferecidas.Hojeemdia,mesmoumprodutoextremamentesimplesdopontodevistafabrileoperacional–comoassandáliasHavaianas,porexemplo–assumeumavariedadedeaparênciascadavezmaior,oquepareceagradarquaseuniversalmenteaosusuários.Àmedidaqueummercadoamadurece,osconsumidorespassamaquererprodutosmaisindividualizados–“customizados”,nojargãodaindústria.Nemmesmoasgarrafasdevinhoescaparamaessatendência:tornou-secorriqueiroencontrargarrafascomaparênciasbemvariadas,inclusivecomtexturaserelevosprensadosnovidro(issosemfalarqueovinhopodeserencontradoatualmenteemcaixasTetraPak,garrafasdeplásticooulatas).Osvelhosfuncionalistas,acostumadoscomatecnologiarudimentardoiníciodoséculoXX,nãoimaginavamquealógicaeconômicadaproduçãoemmassafosse
seesgotar,umdia.Comoaperfeiçoamentodasmáquinaseacrescenteinformatizaçãodefábricaselinhasdemontagem,variaraformaeaaparênciadosartefatostornou-semaisfácilecustacadavezmenos.Asdiferençasnãoprecisamencareceroproduto,nãonecessariamentepoluemmaisetornamomundomaisdivertido.
Oserhumanoparecesedeleitarcomavariedade,pormotivospsicológicosprofundos.Mostreparaumacriançaduasilustraçõesdomesmoestilo:umaretratandoumcestocheiodeumaúnicafrutaeaoutra,umcestocomgrandevariedadedefrutas.Qualseráescolhidacomomaisbonita?Amaioriadaspessoasrejeitaanoçãodequetodosteriamquesevestirdemodoigualoudirigiromesmocarro.Aideiade“formas-tipo”eprodutospadronizadosemsuaaparênciaficourelegada,historicamente,aocomunismodematrizsoviética–ouseja,aummodelodefabricaçãodeficiente,incapazdesuprirademanda.NoaugedachamadaRevoluçãoCulturalnaChina,todaapopulaçãoeraobrigadaavestiromesmouniforme:tudoigualparatodos.Aúnicaformademantertalmodeloéporimposição.Amaioriadaspessoasgostadeescolheroquevaiusarouconsumir.Aindaquesejaparaescolheromesmoqueosoutros.
Osensocomum,quandoseescolheumaroupaouummóveloumuitosoutrostiposdeartefatos,équeaqueleobjetodeveexpressaralgosobreseuproprietário.Seescolhovestirumternoazul-marinho,umacamisadesedafloridaouumacamisetapretadealgodão,possotercertezadeestartransmitindoalgumtipodeinformaçãosobrequemeusou.Porisso,numasociedadeemquehácadavezmaispessoas,emqueoscontatossãocadavezmaisimpessoais,eemqueotempoquesededicaaqualquercoisaécadavezmaisescasso,torna-seimportantepassarmensagensclaraseeficazes.Aindústriadamodacompreendeumuitobemessalição,edeveseucrescimentoefaturamentoàsuahabilidadedemanipularacomunicaçãovisualdevaloressimbólicos.Pode-seextrairdessesensocomumumaliçãoprimordial:osobjetossãocapazesdesignificaralgumacoisapormeiodesuaaparência.Essaéaprimeirapremissaparacomeçaraentenderanoçãode“valoragregado”demodomaisconsistente.
OQUEDIZEMASAPARÊNCIASVoltemosaexemplificar,demodoatornarmaisclarooargumento.
Qualquercamisadetimedefutebolécapazdesuscitarumarespostaemocionalquenadatemavercomsuanaturezacomopeçadevestuário.AscamisasdoFlamengooudoCorinthianscostumamprovocarreaçõesapaixonadas,afavoroucontra,poisas“maiorestorcidasdoBrasil”sóperdememnúmeroparaalegiãodetorcedoresdeoutrostimesquevoltamsuasenergiascontraelas.Issonadatemavercomqualidadesintrínsecasaovermelhoeaopreto,porexemplo,comopoderiapostularalguémpreocupadocomossignificadossimbólicosdas
cores.Temaver,simplesmente,comaidentificaçãoquesefazentreacamisa,suatorcidaetodaumaculturaprópriaàhistóriadofutebolbrasileiro.Umestrangeiroqueolhasseparaessacamisa,pelaprimeiravez,dificilmenteesboçariaqualquertipodereaçãoemocional.Outroexemplopertinente:ocestodearameparaguardarovos,emformadegalinha,éumartefatomuitodifundidonaculturamaterialdosbrasileiros.Antesvendidoemparadasdeônibus,nasestradas,ecomumentevistoemcasasdointerior,comoobjetodedecoração,hojeadquiriuumstatusde“clássico”ekitsch,inspirandoinclusivereleiturascontemporâneas.Quemolhaparaesseobjeto,comconhecimentodoseucontextocultural,identifica-ocomumagamadevaloresqueabrangeconceitoscomo:rural,tradicional,popular,antigo,nenhumdosquaissedepreendenecessariamentedesuaformaouuso.
Asaparênciascaracterísticasdosobjetosnosremetemavivências,hábitoseatépessoasqueassociamosaocontextoemqueestamosacostumadosadepararcomeles.Maisumavez,omecanismoprioritáriodeidentificaçãodosentidoéamemória.Sedeterminadoobjetomeremeteàminhaavó,vouatribuiraeleasqualidadesqueassocioàminhainfância.Trata-sedeumatransferênciapsíquicadevalorbaseadonoprincípiodaassociação.Ouseja,amenteassociaumacoisaàoutra,gerandoumacorrespondênciaentreelas,quenãonecessariamenteexisteforadaexperiênciadecadaum.Époressemesmomotivoqueapublicidadecostumafazerusodecelebridades,ligandovisualmentesuaimagemaprodutos.Aovermosumapessoaqueadmiramosendossandooumanipulandoumproduto,tendemosatransferiraoobjetomanipuladoasqualidadesreaisouimaginadasqueatribuímosàquelapessoa.Éummecanismofalho,emtermoslógicos,mascerteiroemsuaeficáciapsíquica.Quemnuncaprocuroucopiaromododevestiroudeseportardealguémqueadmira?Qualcriançanuncabuscouseespelharnopai,namãe,naprofessora,noirmãomaisvelho,emumcolegaquerido?Afaculdadeimitativaénaturaldasociabilidadehumana(eprimata).Aolongodotempo,comoamadurecimento,elaseprendemenosàimitaçãosimples(macaqueação)esetornamaisassociativa,gerandocomportamentobaseadono
recursoàmemóriaefiltradopeloafetoepelasemoções.Oresultadodissoéqueasaparênciasdosobjetosnuncasãoneutras,mas
antesestãocarregadasdesignificados.Todavezqueolhamosparaumartefato,associamosaeleumasériedevaloresejuízosligadosànossahistória,individualecoletiva.Nasrarasocasiõesemquedeparamoscomumaaparênciainovadora–algoimprevisto,semmaioresreferênciasnamemória–omaiscomumérejeitá-la.Onovoéquasesempreaterrorizante,precisamenteporqueelecarecedascamadasdefamiliaridadecomqueamemóriaacolchoanossarelaçãocomomundoexterno.Sendoasaparênciasdosobjetoscarregadasdesignificados,issoquerdizerquetodoartefatomaterialétambémcomunicação,informação,signo.Nenhumacadeirapodeserapenasumacadeira.Elaéumacadeiraespecífica,dentrodeumagamadepossibilidades,ecarregainformaçõessobreestilo,procedência,valor,uso,eassimpordiante.Ouseja:todoartefatomaterialpossuitambémumadimensãoimaterial,deinformação.
Omaisfascinantenocasodosartefatosmateriaiséquesuaoperaçãocomosignofogedoesquemaconsagradopelosmodelossemióticostradicionaisemqueumsignificantedenaturezalinguística(palavra)remeteaumsignificadosupostamenteextralinguístico(objeto).Aocomunicarinformações,osobjetosfalamdesimesmos–ou,melhordizendo,remetemaoníveldosdiscursosquecercamsuainserçãonomundo.Éfalazadistinçãoentreoobjetoesuarepresentaçãolinguística,poisosartefatosestãosempreinseridosemesquemasdesignificaçãosimbólicaquesãodiscursivos,pordefinição.Pensaremumacadeira,porexemplo,necessariamenteimplicainseri-lanouniversototaldascadeiras,passandoporjuízosecomparaçõesdenaturezareflexiva.Osartefatospossuemsuaprópriaespecificidadediscursiva,oulinguagem,quepodemostentartraduzirparaoregistroverbalpormeiodeabordagenscomoa“semânticadoproduto”,campoqueestudaa“fala”dosobjetos,ouseja:comosuascaracterísticasvisuaisemorfológicassugeremsignificadoserelações.{28}
Seosartefatoscarregaminformações,necessariamente,eestastêmsuaorigemnasassociaçõesquefazemosentreaparênciasecontextos,entãoépossívelinduzirousuário,pormeiodaaparência,adepreenderdoobjetodeterminadasideias.Ouseja,pararecorreraumaanalogia,épossívelprogramaroartefato.Esteé,emúltimaanálise,opropósitodetodasasáreasquetrabalhamcomaconfiguraçãodeobjetosmateriais,ou“objetivação”,nosentidoestritodapalavra.Pormeiododesign,atribui-sesignificadosaosartefatos,queficamassociadosaconceitosabstratoscomoestilo,status,identidade.Isso,emessência,éoquequeremosdizerquandofalamosem“valoragregado”.
ExemploelucidativoéarelaçãoentreaPoltronaVermelha,criadaem1993pelosirmãosFernandoeHumbertoCampana,eassandáliasprojetadaspela
mesmaduplaparaofabricantedecalçadosMelissa.Feitadecordõestrançados,açoealumínio,apoltronafoiumdosprimeirosobjetosdosirmãosCampanaaobterreconhecimentointernacional,entrandoparaoacervodoMuseudeArteModernadeNovaYork(Moma).FabricadoatualmentepelaempresaitalianaEdra,éummóveldeluxo,comercializadoapreçosemtornode7mileuroscada.JáasandáliaMelissaCampanaZigZagécomercializadapor100reais,valoracessívelaumpúblicoconsumidormaior,emboraelevadoparaomercadodesandáliasdeplástico.Asandáliatemmuitopoucoemcomumcomapoltrona,anãoserofatodecarregaraassinaturadadupladedesigners.
Arigor,édifícilumasandáliatermuitoavercomumapoltrona,vistoqueambossãoartefatosprojetadosparausosmuitodiferentes.Noentanto,asandáliaeapoltronaseparecem.Umacitaaaparênciadaoutra,pormeiodasimulaçãonoplásticodeumamalhadefiostrançados.Porquê?Aestrutura,morfologiaeprocessosprodutivosligadosàfabricaçãodasandáliasãoabsolutamentedistintosdosdaindústriamobiliária.Elanãoprecisavateressaaparência.Opropósitodeparecercomapoltronaéunicamenteinduziroconsumidorinformadoafazerumaassociaçãoentreasandáliaeosmóveiscaracterísticosdadupla,reforçandoaassociaçãocomonomeCampana,hojereconhecidomundialmentecomoumagrifequeremeteaconceitosdeluxoemoda.Pelaaproximaçãoformal(visual)entresandáliaepoltrona,torna-sepossívelparaofabricantecomercializaraprimeiraaumvaloracimadamédiaparaumasandáliadeplástico.Éumademonstraçãodoprincípiodevaloragregado.
Opotencialdesignificaçãodosartefatosvaimuitoalémdoprincípio,relativamentesimples,deagregarvalor.Quasetodoobjetotransmitevisualmenteinformaçõessobresuanaturezae,antesmesmodesermanipulado,induzadeterminadaposturadapartedequemoaborda.Aoversobreumamesaosseguintesobjetos:umdicionário,umclipemetálico,ummodemcomluzeseletrônicasapiscar,ousuáriojáseaproximadecadaumdemodobastantediverso.Evita-setocarnomodem,demodogeral,e,casoissosejanecessário,eletenderáasermanipuladocomdelicadezaecautela,comoalgofrágilevalioso.Odicionáriotenderáaserempunhadocomfamiliaridadeefirmeza,emboraexistamdicionáriosmaiscarosdoquemodems.Oclipepoderásercatadodamesa,sempermissãonemcerimônia,eretorcidoimpensadamenteentreosdedosdointerlocutor,atéserdestruído.Otratoquereservamosparacadaartefatoencontradorevelaumacúmulodejuízos,crenças,valores,oriundosdeexperiênciasanterioresememórias,assimcomodeinformaçõesobtidasindiretamente.Tendemosanaturalizartaissignificados–ouseja,aconsiderarqueelesdecorremdanaturezadoobjetoesãoosmesmos,desdesempre–,masofatoéquetodoselesforamconstruídosesãoreconstituídoscontinuamentepormeiodaculturaesuastrocassimbólicas.
Nasociedadeindustrial,emqueamaioriadosartefatosquenoscercaéfrutodeprocessosrigidamentecontroladosdefabricação,distribuiçãoecomercialização,quasenadadesignificativoédeixadoaoacaso.Naorigemdetodoartefato,háumprojeto.Seupropósitomaioréembutirsignificadosaosobjetos:codificá-loscomvaloreseinformaçõesquepoderãoserdepreendidostantopelousoquantopelaaparência.Pormeiodavisualidade,odesignécapazdesugeriratitudes,estimularcomportamentoseequacionarproblemascomplexos.Umexemploinstrutivoéasériedecapasparainaladoresderemédiodeasma,comercializadospelaempresaaustralianaOddBallsobamarcaPuffaPals.Trata-sedeumprodutopromocionalsimples,voltadoparaomercadofarmacêuticodevarejo,edirigidoaopúblicoinfantil.Muitascriançasasmáticassentemvergonhadeusaromedicamentodequeprecisam.Aaparênciadasembalagensderemédioremetenecessariamenteaomundoadulto,demédicosehospitais,oqueacabacontribuindoparaaumentaraauradeestranhezaquecercaacriançaafligida,aosolhosdeseuscolegas.Comosenãobastassemas
dificuldadesreaisdacondiçãoasmática,acriançaaindasofreaosersegregada.Osporta-medicamentosemformadepersonagenstransformamoremédio,motivodevergonha,emobjetodedesejoinfantil.Apartirdeumaalteraçãodaaparência,apercepçãodousopodeseralteradasignificativamente.
Oprincípiodesugeriratitudespelaformaéantigoebemmaisuniversaldoqueseimagina.QuandoodesignerSérgioRodriguesprojetousuacélebrePoltronaMole,em1957,eleatendiaaumaencomendadofotógrafoOttoStupakoffquepediu“umsofáesparramado,comosefossedesultão”.{29}Apartirdarealizaçãosubsequentedessemóvel,passou-seaconstituirtodoumdiscursosobrearelaçãoentresuaformaeumsupostojeitobrasileirodesentar:largado,refestelado,folgadão.Apoltronaganhoumundo,tornando-seumclássicododesignelegítimorepresentantedeumaconcepçãopeculiardeculturabrasileira,sendoelevadaporalgunscomentaristasàcondiçãodeprecursoradabossanovaesímbolodamodernidadenacional.Masseráquetudoissonãopassadeumaconstruçãodiscursivaemtornodoobjeto?OuseráqueaPoltronaMoleencerramesmoessessignificadosemsuaforma?
Nãohádúvidadequeaaparênciadapoltronasugeremaciez,aconchego,conforto.Difícilimaginaralguémsemantendoeretoesisudosobreela.OpróprioRodriguesnãosefurtouaposar,bonachão,sentadoemsuacriação.Éreveladoroempregodapreposição:aestruturadapoltronapropiciamaisosentarem,doquesobre.Igualmente,éclaraaintençãodoprojetoderemeteracaracterísticashistóricasdaculturabrasileiraemsuaescolhademateriaiseestrutura:jacarandá,couro,otrançadodarede.Qualquerobservadorinformadoreconhecenapoltronaasugestãodeprincípiosmaisabrangentesdoqueosimplesconforto.Afinal,então,aMole“falasobre”(ouseja,dita)umjeitodesentar?Ousomostãosomentenósquefalamossobreela?Aperguntaapontaparaocernedaaçãodeprojetareparaopapelessencialdodesignnomundocontemporâneo.
AMULTIPLICIDADEDESIGNIFICADOSEm1991,odesignerPhilippeStarckprojetouumcuriosoobjetopara
integrarumcenáriodefilmedodiretorWimWenders.Posteriormente,oreferidoartefatopassouasercomercializadosobonomeW.W.Stool,produzidopelaVitra,conhecidaempresasuíçademobiliário.Trata-sedeumapeçafundidaemalumínio,comcercade97cmdealturae53cmdediâmetronabase.Apesardeseridentificadaemnomecomoumabanqueta(stool,eminglês),ositedofabricanteébastantefrancoaocategorizá-lacomo“objetoescultural”eafirmarque:“trata-sedeumaesculturaquepodeserusadacomoumabanquetaouumsuporteparaousuárioqueprefirapermanecerempé,maisqueumapeçademobiliáriocompropósitopuramentefuncional”.{30}Opa,peraí!Comoassim,umaesculturaquepodeserusadacomobanqueta?Sintomaticamente,amelindrosaeambíguapalavra“funcional”apareceparaindicarqueoassuntonãoestásendodiscutidocomodevidorigor.
Oartefatoemquestãoéumabanqueta,umaescultura,ambasascoisasounenhumadasduas?Aperguntaéboa.Suarespostaéachaveparaentenderarelaçãoentreformaesignificadonosobjetosmateriais.QualosignificadodaW.W.Stool?Seráapenasumobjetodedecoraçãoeprestígiodestinadoaosconsumidoresdealtopoderaquisitivoefinacompreensãodateiadereferênciasculturaisemtornodele?Seráumamercadoriafetiche,nosentidousualqueseatribuiaessetermo?Umaespéciedeesculturaabstrata,pós-moderna,pós-design?Seforesseocaso,comodevemosinterpretarofatoincômododequeépossívelsesentarsobreele?Apesardeseupequenoporteeaparenteinstabilidade,aW.W.Stoolservesimparasentar,comotambémparaseapoiar,amarrarosapatooupendurarumabolsa.Podesertratadacomoescultura,então?Somenteumapessoatotalmentedesprovidadereferênciasculturaisedebonsmodosusariaumaesculturaparaqualquerumadasquatrofunçõescitadas.Quemduvidadisso,queváaoLouvreeexperimentesentarnabasedaVitóriadeSamotrácia!
AoanalisarabanquetadeStarck,osociólogoHenri-PierreJeudyafirmaque:“afunçãodetalobjetoéapossibilidadedenãoserutilizado”.{31}Queideiafascinante!Umobjetoaparentementeutilitário,queprevêemseuprojetoopotencialdenãoserutilizado.Trata-sedeummododeprojetarbemdiferentedoqueestamoshabituados.ParecequeopropósitomaisinteressantedaW.W.Stoolémesmodesubverterideiaspreconcebidassobreoprópriodesign.Suaaberturamúltiplaparaumasériedeusosesignificadosobriga-nosarepensarseriamenteanoçãodesgastadade“função”.Permeiamaculturadodesignditamesfuncionalistascomo:“umacadeiraéparasentar”.Equandonãooé?Equando
usoacadeiraparaempilharlivrosnoassentooupendurarroupasnoencosto?Seráqueestouviolandosuafunção?Equandoosgarçonsdobar,impacientescomosúltimosboêmios,quecontinuamfirmesefortesàstrêshorasdamanhã,colocamascadeirasviradasdecabeçaparabaixosobreasmesas?Nessemomento,acadeiranãoéparasentar:elaéumsignocomunicandoqueestánahoradeirembora,antesdeserexpulso.Seriamaisexatoafirmarqueascadeirassãoparasentar,demodogeral,masqueelaspodemservirparamuitosoutrospropósitoseque,emalgunscasos,sentar-sesobreelaséapossibilidademenosimportanteouinteressante.
Eseumacadeiraéparasentar,seráoinversoverdadeiro?Sealguémsentasobreumamesa,elasetornacadeira?Aperguntapodeparecerdescabida,maselaencerraquestõesepistemológicasimportantessobrearelaçãoentreartefato,significadoeusuário.Acorrespondênciaestritaentreumaformaedeterminadouso(porexemplo,cadeira=sentar)acabaporbitolaropensamento.Aopensaraaçãodesentarcomoexperiênciaenãocomoartefatoespecífico,oprojetistaselibertadeestruturaspreexistenteseganhaapossibilidadedecriarsoluçõesrealmenteinovadoras.Seatarefaéprojetarumacadeira,éimpossívelescapardamorfologia:encosto,assento,pernas.Seatarefaéprojetarumasituaçãodesentar,olequeseampliaparaincluirpufes,banquetas,bancos,sofás,espreguiçadeiras,almofadas,futonseatémesas,semnementrarnoshíbridospossíveis.Trata-sedeumanovadimensãodopensamentoprojetivo,maleável,muitomaisadequadaparaomundocomplexoemquevivemos.
RecapitulemosocasodaW.W.Stool:comaparênciamaisdeesculturadoquedebanquetatradicional,elaserve,entreoutrascoisas,parasesentar.Serveaindacomopontodeapoioparapessoasconversandoempé,comocabideparapendurarumabolsaoucasaco,comoobjetodedecoração.Serve,antesdetudo,comosignovisual,carregadodeinformaçõescomplexassobresuaorigem,autoriaerazãodeexistência.NovesforaosurrosdeprotestodequaisquervelhosdinossaurosfuncionalistasqueaindapossamrondaraTerradepoisdodegelodomodernismo,elaéumobjetodedesignmuitobemconcebidoeeleganteaoextremo.NinguémcompraumaW.W.Stoolporenganooufaltadeentendimento;elanãotrazprejuízosaousuário(anãoserdenaturezapecuniária,possivelmente,maspagaquemquerepode);edificilmenteumaseráencontradanolixãodasuacidade.Emsuma,elacumpreumasériedepropósitos,eabre-seenigmaticamenteparaoutrosquenemimaginamosainda.Elareconhecequeofuturoéincertoetrabalhacomoprincípiodaindeterminação.Elasefazaquiloqueousuáriodesejae,assim,aumentasuaprobabilidadedesobrevida.
Emseuensaiode1988,“Design:obstáculoparaaremoçãode
obstáculos?”,VilémFlusseranalisaaproblemáticatalvezmaisessencialdodesignnosdiasdehoje.Comoatividadevoltadaparaasoluçãodeproblemaspormeiodeprojetos,odesigntemexercidohistoricamenteatarefadecriarobjetosdeuso.Osartefatosgeradospossuemduasdimensões:suaconfiguraçãomaterialesuacapacidadedemediarrelações–ouseja,grossomodo,adimensãoformaleainformacional.Afalhatrágicadodesignéquetodasasformassãoefêmeras,emmaioroumenorgrau.Àmedidaqueosobjetosviramdejetos,aqueleprojetoqueontemoperavacomosolução,hojeseapresentacomoobstáculoeproblema.Aosobreviveremalémdafinalidadeparaaqualforampensados,osobjetosacabamresistindoaosseusprojetos.Tornam-seruínas.Postoessedilema,Flusserformulanosseguintestermosaperguntaessencialquesecolocaparaoprojetista:“possoconfigurarmeusprojetosdemodoqueosaspectoscomunicativo,intersubjetivoedialógicosejammaisenfatizadosdoqueoaspectoobjetivo,objetal,problemático?”.{32}Oobjetivodeexercitaressetipodepensamentoseriaodeprojetardemodomaisaberto,ouseja,degerarprojetosresistentesaoseuengessamentoformaleeventualobsolescência.
Estamosacostumadosaouvirpreceitosdemetodologiadeprojetocomo:“definaoproblemaantesdedefinirodesign”.Setodasoluçãogera,porsuavez,novosobstáculos,comosefazpossíveldefinirdeantemãoproblemasqueaindanãosurgiram?Serãoosdesignersdofuturoobrigadosaconsultarvidentesepraticarrituaisdivinatórios?Nãoéoquesepretende,demodoalgum.Nemexisteapretensãoaquidesugerirmetodologiasdeprojeto,tarefaqueficadistantedospropósitosdopresentelivro.Oquesepropõeéumacompreensãomaisaprofundadadanaturezadosartefatos,levandoemconsideraçãoosfatoresquecondicionamoprocessodesignificação.
Sabemosqueosobjetoscarregamsignificados.Issoéclaro.Aperguntaé:comosignificam?Dequemaneirasascaracterísticasformaisdosobjetosdeterminam,ounão,osentidoinformacionalquetransmitem?Porquedoisoumaisobjetosquetêmomesmopropósitoouservemparaamesmafinalidadesãocapazesdesuscitarsentidosdiferentes?Talvezoexemplomaisgritantedissosejamasfontestipográficas.SetodasasletrasQsereferemaosmesmossomemorfema,qualanecessidadedecriarmilharesemilharesdefontesefamíliastipográficas?PorqueumQemGaramondédiferentedeumQemVerdana?Secompreendermosbemosmotivosportrásdessaedeoutrasescolhasformais,poderemosdimensionarmelhorasimplicaçõesdecorrentesdelas.Emoutraspalavras,adquiriremoscertacapacidadedeanteverosobstáculosqueserãogeradospornossassoluções.
Oassuntoécomplexo,eprecisaseratacadoporpartes.Voltemosàquestãodaexpressividadedasformasousemânticadoproduto,aquiloquefoiapontado
anteriormentecomo“fala”dosobjetos.Aocompararváriosexemplaresdeumamesmaclassedeartefatos,percebe-sedeimediatoqueexistemsemelhançasediferençasentreeles.Comoexemplo,tomemosumasériedegarrafasdeáguamineral.Nãoédifícilperceberascaracterísticasqueasdistinguem,umasdasoutras.Umaédevidro;asoutras,deplástico.Umagarrafaémaior,outramenor,outrasmédias.Possuemconfiguraçõesdistintas,padrõesdiferentesdeacabamento,tampasemcoreseformatosdiversos,grandedisparidadenadiagramaçãodosrótulos.Éapartirdetaiscomparaçõesquepodemosjulgar,dopontodevistadapropriedadeintelectual,seumaformaésimilaràoutra,seexisteounãocópiaindevidadaquiloquealegislaçãodenominaum“desenhoindustrial”,ouseja,nostermosdaleibrasileira:“aformaplásticaornamentaldeumobjetoouoconjuntodelinhasecoresquepossaseraplicávelaumproduto,proporcionandoresultadovisualnovoeoriginalnasuaconfiguraçãoexternaequepossaservirdetipodefabricaçãoindustrial”(Lei9.276/96,Art.95o).
Paraospropósitosdapresentediscussão,maisinteressantedoqueasdiferençaséoqueelastêmemcomum.Saltaaosolhosofatodequetodasasgarrafasrepresentadasnafotografiasãotransparentes,feitasdematerialincolor.Nãosetratadeumacaso,masdaquiloquepodemosentendercomoumacaracterísticaformalsignificativa.Emsetratandodegarrafasd’água,ficaevidentealigaçãoconceitualentreatransparênciadaembalagemeaideiadepureza.Porexperiência,associamoságualímpidaàágualimpa.Motivadoporumaassociaçãotãoforteeessencial,eradeesperarquetodasasgarrafasd’águafossemtransparentes,sempre.Talvezsurpreendarepararquenemsempreosão.Quemotivolevariaumfabricanteaproduzirumagarrafad’águavermelhaouroxa?Seráqueaempresaquerconfundirseusconsumidores,induzindo-osatrocaraáguaporrefrigerantesdesaborcerejaouuva?Éclaroquenão!Aexplicaçãoporessacuriosaviolaçãodagramáticaformalresidenosesquemasdeexposiçãocomercial,oudisplay,queregemalógicadospontosdevenda.Em
meioatantasgarrafasdetodosostiposqueconvivemapertadassobreumaprateleiradesupermercadooudentrodeumageladeirademercadinho,oolhardoconsumidorprecisalocalizarrapidamenteaquiloqueprocura.Seumaembalagemcriaumdiferencialcomrelaçãoasuasconcorrentes,acabaporsedestacar.Daprimeiravezqueoconsumidorforprocuraráguamineralgasosaedepararcomagarrafavermelha,elepoderáatéseatrapalharedeixardereconheceroprodutobemàsuafrente.Jáapartirdasegundavez,sóteráolhosparaela.
Essepequenoexemplo,pormaisbanalqueseja,tocaemquestõesprofundas.Oquedeterminacomoumartefatovaiservistoemrelaçãoaoutrossimilares?Sãoiguaistodasasmáquinasdelavarroupasapenasporqueseparecementresi?Porque,emqualquermomentodado,diversosprodutospertencentesaumamesmaclassecostumamseparecermuito,mesmoquesejamdistintosemmatériadedesempenhoouqualidade?Porqueodesignaserviçodocomércioopera,tãofrequentemente,comsoluçõespróximas,dentrodeumafaixaestreitadevariações?Nãoéincomum,afinal,encontrarprodutosconcorrentesemembalagensquaseidênticas,àsvezesflertandocomoslimitesdacópia,àsvezesirrompendoafronteiraparaoplágio.Porqueexistemtendênciasestilísticasquemarcamcadaépoca?Doextremoopostodessaequação,porqueodesignaserviçodocomércioinvestetantoesforçoparadiferenciarprodutosmaisoumenossimilares?SerámesmonecessáriaouproveitosaagrandevariedadedeembalagensdeCoca-Cola,sendolimitadasasvariaçõespossíveisdesaboreteordoxaropedocegaseificado?Paraentenderalógicadaquiloqueosespecialistaschamamde“padrãodemercado”,suaevoluçãoequebrasdeparadigma,éprecisocompreenderqueformaesignificadocoexistememrelaçãofluida.Todovezqueumsignificadosecristalizaemalgumaforma(“enunciado”,ou“significante”),issoimpactaatotalidadedouniversodeformasexistentes(“repertório”)e,porconseguinte,alteraacomplexateiadesignificadosdaqualoriginouoenunciado.
Aoconsiderarmosquecadasignificadosóexistedentrodeumsistemamaior,faz-sepossívelcompreenderquesignificadoformalémaisprocessodoquecoisa.Melhorfalar,então,em“significação”,ouseja:oprocessomedianteoqualsignificadosvãosendoacrescentados,subtraídosetransformadosemrelaçãoaoconjuntototaldasformassignificativas.Quandooassuntosãoartefatos–enãopalavrasouimagens,comonamaiorpartedosmodelossemióticos–,aanálisedasignificaçãoganhaumadimensãoaindamaisesquiva.Namaterialidade,écolapsadaadistinçãosutilentreoqueconstituioobjetoeoqueemanadele,aqualsecolocahistoricamenteemdiversasáreasdopensamentohumanoporcontraposiçõesvariadascomocoisaemsi×fenômeno;
forma×conteúdo;representante×representação;significante×significado.Supostamente,acompactaconcretudedascoisaspoderiatorná-lasresistentesàreflexão;eprevaleceatendência,nasociedadeocidental,atratarocomumdosobjetosmateriaisdeduasmaneiras:oucomodadosbrutos(ciência),oucomoacidentesesimulacros(metafísica).Nãoéverdade,contudo,queosartefatossejamimpermeáveisaoescrutínioanalítico.Asformasfalam,sim,seapenassoubermosouvirsuasvozes.
ALINGUAGEMDASFORMASQuandosetratadecertascategoriasdeformasconsideradasmaisnobres–
comoquadrosouedifícios,porexemplo–,poucaspessoasnegariamapossibilidadedaexpressãodesignificadosdensosoucomplexos.Aexistênciadelinguagensvisuaisnapinturaenaarquiteturaéumapremissaaceitapormuitos,senãotodos,emdecorrênciadeumatradiçãodeemprestarcredibilidadeintelectualaofazerartístico,quecontapelomenosquinhentosanosnoOcidente.Jáquandosefalaemcadeiras,ougarrafas,oufontestipográficas,acoisamudadefigura.Osensocomumhesitaematribuirdensidadepoética,istoé:produçãodesentido,aouniversomaterialqueocerca.Nossasociedadeindustrial,cujaexistênciasepautafundamentalmenteemsuacapacidadedeproduzirartefatos,resisteparadoxalmenteaseengajarnatarefadecompreenderosentidodeles.Malcomparando,somosparecidoscomumaimensagráficaqueimprimelivrossemparar,masondepoucossabemlereamaioriadosfuncionáriosnegaaexistênciadaleitura.Oresultadoéqueestamosemprocessodesermossoterrados,literalmente,pelolixoqueproduzimos.Afinal,lixonadamaisédoqueamatériadesprovidadesentidooupropósito.
Comonãoexisteespaçoaquiparaaprofundaradiscussãofilosóficasobreaexistência,ounão,deumalinguagemdasformas,pede-seaoleitoraindulgênciadeaceitarapremissaepersistirnaleitura.{33}Comooperariaessasupostalinguagem?Prevaleceocostume,referidonadiscussãodaPoltronaMole,decercaroartefatocomdiscursos,quepodemserverbais,imagéticos,híbridoseoutros.Nocaso,porexemplo,odiscursocríticoatribuiuàPoltronaMoleumadimensãodebrasilidadequedependedequemfalaedequemouve.Talaspectopoderiafacilmenteserignoradoporumusuárioestrangeiro,rejeitadoporalguémcontrárioàideiaouatémesmonegadopeloautordapeça.Nasociedadeindustrial,existeatendênciaaconstruirosentidodoartefatoapartirdaconjunçãodetrêsfatores:fabricação(autoriaeorigem),distribuição(mercadoecomércio),consumo(compraeuso).Cadaumadessasinstânciaspossuiseusdiscursoscaracterísticosemodosdevalidação.Exemplosgratuitos:“essetênisédaNike”,“ocarroéalemão”,“PradaéPrada!”(fabricação);“amaiorofertadeprodutos”,“osabonetedasestrelas”,“feitosobmedidaparavocê”(distribuição);
“compreumeganhedois”,“meidentificocomessamarca”,“voumedardepresente”(consumo).Aoanalisarcomcuidadocadaumadessasestruturas,ecentenasdeoutrasparecidasqueempregamostodososdias,descobre-sequesãoquaseinteiramentedesprovidasdesentidológico,oubanaisapontodenãodizeremnada.
Aperguntaincômoda,daqualnãoqueremosfugir,éseosartefatossãocapazesdeexprimir,pormeiodesuasqualidadesformais,significadosmaisprofundoseestáveis.Ouseja,podemasformasfalardesi?Ouporsi?Casosim,comoissoseopera?Seremoscapazesdeentenderessalinguagemmudaedetraduzi-laempalavras?Sãoperguntasantigasdentrodafilosofiadaarte,quemuitosjátentaramresponderequenãoserãoresolvidasporestepequenolivro,certamente.Paratentardimensionarmelhoraquestão,precisamosfazermaisperguntas.Sabemosqueoartefatocarregasignificadosquesãoimpostosaelepelastrêsinstânciascitadas–fabricação,distribuiçãoeconsumo.Massãounicamenteestesossignificadosqueelecontém?Seráoartefatoapenasumreceptáculoneutroetransparenteparaserpreenchidopelossentidosqueocontextoimpingeaele?
Tomemosnovamentecomoexemploumagarrafadevinho.Oumelhor,vamosdegarrafadechampanhe,destavez.Duranteoprocessodefabricaçãodagarrafa,queabrangetodasasetapasdesdeaprimeiraideiaatéomomentoqueelasaidalinhadeprodução,sãoembutidosnelaumasériedecaracterísticassignificativas.Dopontodevistatécnicofabril,elaédotadadematerial,configuraçãoeespessuraparaquedesempenheadequadamenteatarefadeconterolíquidopressurizadoedelicado,mantendo-oemcondiçõesideaisatéomomentodeconsumo.Atéentão,osignificadoquepodeserdepreendidodelatendeasermuitobásico.Garrafasfabricadasidenticamentepodemserusadas,porexemplo,paraacondicionarchampanhesdeprodutoresdiferentes.Amarcamaiscaraeamaisbaratapoderiam,emtese,teromesmofornecedordegarrafas.
Comopartedosprocessosligadosàdistribuição,agarrafarecebeumaidentificação,emformadorótulo,dacápsula(aquelacapinhaquecobrearolhaeobocaldagarrafa)edacaixaemqueéacondicionada.Apartirdessaetapa,épossívelassociaragarrafaaumasériedediscursossobremarca,procedênciaelote,quevãopesarmuitonosignificadoqueomercadoatribuiaelae,portanto,novalorqueserácobradoparavenda.Nainstânciadoconsumo,agarrafavaiganharsignificadoseminentementeparticularesetransitórios,masnemporissomenosimportantesparacompreenderarelaçãodecadagarrafacomcadausuário.A“garrafaqueotioValtermedeudeaniversário”édiferenteda“garrafaqueeutrouxedeParis”.A“primeiragarrafadechampanhequeeu
tomeinavida”édiferenteda“terceiragarrafaqueagenteabrehoje”.Demodogeral,essessignificados,decorrentesdasetapasdedistribuiçãoeconsumo,têmpoucarelaçãodiretacomaformafísicadoartefato.
Podemos,então,reformularaperguntaincômodadaseguintemaneira:oartefatocarregasomenteossignificadosquelhesãoimpostos?Seráosignificadodagarrafaosomatóriodaquiloquelhefoiatribuídopelacadeiafabricação+distribuição+consumo?Sigamos,porexemplo,doisfluxogramashipotéticos:
1)éumagarrafadechampanhe→éumagarrafadechampanhedamarcaCristal→éagarrafadechampanheCristalqueotioValtermedeudeaniversário;
2)éumagarrafadechampanhe→éumagarrafadechampanheVeuveClicquot→éaterceiragarrafadeVeuveClicquotqueagentebebehoje.
Nahipótesedeosignificadodagarrafaserequivalenteaessesomatório,podemosdeduzirduasconclusões.Emprimeirolugar,oúnicosignificadoestáveldizrespeitoàprimeirapartedaequação,qualseja:fabricação.Aprovadissoéque,depoisdebebidoochampanhe,eretiradoorótulo,asduasgarrafasvoltamaseriguais.Emsegundolugar,osignificadointrínsecodagarrafadechampanheésimpleseirredutível.Todoorestoseriamexcrescênciasimpostasaoartefatoporsuamanipulaçãoesubversão.Seriamtantasfantasiasemaluquices.Umagarrafaéumagarrafaéumagarrafa?Seissoforverdade,todaessadiscussãoéinútil.
Sabe-se,noentanto,queumagarrafadechampanhenãoéapenasumagarrafadechampanhe.Elaédiferentedeumagarrafadevinhooudeconhaqueoudosoutrosmilharesdegarrafasqueexistem.Seafazemosfotografar,nuaevazia,aoladodeoutrasgarrafasdevidro,eapresentamosessaimagemparaumaamostragemrepresentativadapopulaçãoemgeral,solicitandoacomparaçãodasdiferentesformas,certamenteouviremosadjetivoscomo“distinta”ou“elegante”ou“feminina”ououtrosigualmenteirrelevantesemtermosdesuafabricação.Ofatoéqueaspessoasreagemaformasecorescomrespostasemocionaisquepoucoounadatêmavercomaanáliseobjetivademateriais,técnicaseconstrução.Comodevemosentenderessefato?Seráqueodesignpodeseaproveitardeleparainduziraspessoasasecomportaremdedeterminadamaneiracomrelaçãoaosartefatos?Paraqueconsumamoudescartemprodutosdemodomaisresponsável,emtermosambientais,porexemplo?Paraqueosusemcommaiorsegurança?Ou,simplesmente,paraquecompremmaisemais?{34}Asperguntaschamamoutrasperguntas.
Paranãonosperdermosemabstrações,vamosrecorrernovamenteaumexemploconcreto.Umafiguradeunicórnio,fabricadaemplástico,émais
parecidacomafiguradeoutroanimal,feitadomesmomaterial,oucomumaimagemimpressadeumunicórnio?Coloqueostrêsitensladoalado,epeçaaalguémqueindiquequaldosdoissãomaissemelhantes.Umengenheirodeproduçãodiria,provavelmente,queounicórniodeplásticoeocavalodeplásticoformamumparnatural.Ambossãofigurasdebrinquedo,tridimensionais,feitasdemateriaissimilares.Já,namaioriadoscasos,umacriançadiráqueafiguraeaimagemdounicórnioformamumpar.Ambossãounicórnios,afinal,esóquemnãoentendenadadoassuntoconfundiriaumcavalocomumunicórnio.(Quemduvidardessahipótese,queexperimentepresentearumacriançacomumbonecodecavaloquandoelapediuumunicórnio.)Osartistasedesignerstenderão,emmédia,aconcordarcomoengenheiro,movidospeladistinçãohistóricaentrerepresentaçãobidimensionaletridimensional.Ospoetaselinguistastenderão,emmédia,aconcordarcomacriança,movidosporumapegocompreensívelaosnomeseàspalavras.Umfilósofoteriadificuldadederesponderàpergunta,argumentandoqueostermosdadiscussãoestãomaldefinidos.{35}Comofatorcomplicador,paraumapossívelleiturasemióticadoproblema,asduasfigurasdounicórnionãoremetemanenhumreferenteforadouniversodapróprialinguagem.Sendoanimalimaginário,ounicórniosóexistecomorepresentaçãoeconceito.
Qualaverdadeiranaturezadosartefatosemquestão?Afiguratridimensionalé,antesdetudo,umapeçadeplásticoouumunicórnio?Afiguraimpressaé,antesdetudo,umpedaçodepapelouumunicórnio?Seoptarmospelaprimeiraresposta,oproblemasófazseagravar.SubstituamosocavalinhodeplásticoporumcanodeesgotodotipojoelhoemPVC.Agora,quaisdoisitensassemelham-semais,dentreostrês?Quemdisserqueobonecodounicórniotemmaisavercomumajunçãodetubulaçãoplásticadoquecomaimagemimpressadounicórnioestádemávontade!Seindagado,atémesmonossoengenheirodeproduçãodesconfiariadeumaarmadilha,eéprovávelqueserecusassearesponderapergunta,alegandotermaisoquefazer.
Nodiaadia,contudo,diantedequalquerartefato,todosnósformulamosjuízosaltamentecomplexosdemodoinstantâneo,decodificandoemumúnicogolpedevistaanaturezafísicadoobjeto,oconceitoportrásdele,suaserventia,suaorigem,seuvalor,suasrelaçõescomoutrosobjetos,eassimpordiante.Omaisextraordinárioéquepraticamentetodoessereconhecimentoindependedoraciocínioverbal,oqueseatestapelafrequênciacomquerecorremosapalavrascomo“coisa”,“troço”,“treco”,“trem”,“bagulho”etantasoutras,nomomentoemquesomosinstadosafalardoobjeto.Secadavezquetopássemoscomumartefatofôssemosobrigadosaelaborarumpensamentocoerenteouumdiscursolinguístico,muitagentejáteriamorridodefometentandoacenderofogãoparaesquentarcomida.
Aocontráriodoqueparecemcrergrandepartedasvãsfilosofiasqueregemnossacompreensãodomundo,nossasmentesestãoinseridasemcorposquenavegampeloespaçofísicoeempreendemconstantemente,comsumafacilidadeegraça,tarefasquelevariamanosparaseremprogramadasseguindoparâmetroslógicos.Daí,aenormedificuldadequeospesquisadoresderobóticaecibernéticaencontramparareproduziratividadeshumanasrelativamentesimples.Fazemosissoapartirdeumacomplexainter-relaçãodevisão,tatoemovimento.Oqueimporta,emtermosdedesign,équeacapacidadedasformasdecomunicarinformaçõesàmentehumanaémuitomaisprofundaeabrangentedoque“simplesmente”oconjuntodesignificadosimpostospelasequênciafabricação,distribuiçãoeconsumo.Aplenacompreensãodessasequênciajáéumatarefaetanto!Sejuntarmosaelaadimensãobiológicaepsicológicados
fatorescondicionantesdapercepção,estaremosdiantedeumaescavaçãodeprofundidadegeológica.Recuemos,portanto,desseabismoeplantemoscomfirmezaospésnochão.
APERSISTÊNCIADOSARTEFATOSVistoquesomoscapazesdedepreendertãorapidamentetantasinformações
apartirdaformadeumobjeto,valeinverteraquestãoeperguntarseosartefatossãopassíveisdeperderseussignificados–desetornarinescrutáveis,opacos,porassimdizer.Existemartefatosquecausamestranheza,quenosfazempararparapensar:“oquediabosseráisto?”.Oobjetoaquireproduzidoéumexemplo.Amaioriadosleitoresdestelivrocertamentedesconheceaespécie,pornuncaterdeparadocomumexemplaremação.Pelainspeçãovisualsozinha,dáparaextrairalgunsdadosimportantes.Eletemumfioelétricoeumbotãodeliga/desliga.Pareceseralgumtipodeeletrodomésticoantigo.Omaterialescuroebrilhosoquecompõesuasuperfíciepareceserdeplástico(oleitorcomconhecimentohistóricopodeteradivinhadoqueébaquelita).Emsetratandodeumeletrodoméstico,obojosuperiordevecorresponderaumrevestimentocobrindoomotor.Apartedebaixoemformadecabosugerequefoifeitoparaserempunhadoemumamão,qualumafuradeiraouumsecadordecabelo.Doladoopostodobotão,pendedeumeixometálicoumcopinhovermelhofeitodeoutromaterial,parecendoserborracha.Porsuaformaaberta,embocal,podeservirparasucção.Oqueéessecuriosoartefato?Seráumpequenoaspiradordelíquidos?Ou,quemsabe,umaparelhoparapolirsuperfícies?Oenigmaficaesclarecidoquandoseevidenciaseuuso:trata-sedeummassageador.Demonstradaarelaçãocomocorpohumano,amaioriadosobjetospassaafazersentido.Daí,aimportânciaderepresentarocorpoouamãohumanaemmuitosmanuaisdeinstruçãooumontagem.
Ossignificadospodemficaresmaecidos,portanto,àmedidaqueoartefatoseafastadousocotidiano.Osmuseusestãocheiosdeexemploscomoomassageador.Todavia,ofatodequeelesestãoguardadosemmuseusaponta
paraumaspectocurioso:nagrandemaioriadoscasos,preservamosalgumanoçãodouso,dofuncionamentoeatédafabricação,pormaisdistantequeoobjetoestejasituadonotempo.Aprovadefinitivadessaafirmaçãotalvezsejamartefatospré-históricoscomomachadinhasdepedraepederneiras.Oquepareceumasimplespedralascadaparaoleigo,éumvestígiocheiodeinformaçõesparaosarqueólogos.E,mesmonaeraderaioslasereisqueirosdescartáveis,qualquermeninoquejáfoiescoteirosabequeépossívelacenderumafogueirausandopederneiraegravetos.Osartefatossãosurpreendentementeresistentes,eseusentidooriginalquasesemprepermaneceacessívelseobuscamos.Oquenãoimpede,claro,queasferradurassejammaiscomumenteempregadashojecomosímbolosdeboasortedoqueparaferrarcavalos.Poucaspessoasquedecoramsuascasascompatosdemadeirapintadostêmconsciênciadequeaorigemdessaclassedeartefatoséparaservirdeardilnacaçadepatos.Essesentidooriginaldeuso–queosfuncionalistasentenderiamcomoafunçãodopatodemadeira–ficoutãoremotoquantopalavrascomo“negaça”e“engodo”,queumdiajáforamempregadasparadescreverestetipodeardil.
Osignificadodosartefatosvaimudandoaolongodotempo,comovimosnocapítuloanterior,eissoéumachavepreciosaparacompreenderasupostalinguagemdasformas,sobinvestigaçãoaqui.Vamospersistirnoexemplodamachadinhadepedra.Elaémuitodiferente,emtermosdeaparênciaeestrutura,deumamarretamoderna.Somoscapazesdeentenderarelaçãoentreessesdoisartefatosunicamenteporumesforçodeabstração,oqualpassapeloconhecimentodoseuuso.Nossotataravôdascavernasusavasuamachadinhaparaquebrarcoquinhos,erguendoapedranoaredescendo-acomforçadeencontroaumasuperfíciemenosresistente.Nósusamosamarretadomesmomodo,tirandoproveitodosavançostécnicosdosúltimosmilênios,osquaisincluemdesdeoacréscimodocaboatéodesenvolvimentodoaçotemperado.
Emfrancocontrastecomoprocessodeabstraçãoquenospermitecompreenderarelaçãoentremachadinhadepedralascadaemarretaatual,nãoéprecisonenhumesforçointelectualparaperceberassemelhançasqueunemosdiversostiposdemartelosemesmoalgumasoutrasferramentas.Omartelodecarpinteiro,omartelodeourives,omarteloqueomédicousaparatestarreflexos,omachado,apicareta–todospossuemumaafinidademorfológicaevidente,apesardadisparidadegritantedeusos.Nenhumacriançateriadificuldadeparaperceberque,dealgummodo,elespertencemaummesmoagrupamentoouclasse.Oexemplofoiescolhidoestrategicamenteporque,defato,essasferramentasderivamtodasdeummesmoprincípio:odeservirdeextensãodobraçohumanoparaatingirumobjetoexternocommaiorforçaoucorteouprecisão.Assemelhançasentreelasatestamofatodeque,
historicamente,aação(martelaroumachadar)antecedeoobjeto(martelooumachado).Porém,seriaperfeitamentepossívelapresentarobjetosquenãoderivamdeummesmoprincípioousedestinamaummesmouso,masquepossuamsemelhançasmorfológicas.
Quandoascriançasbrincamdepolicialebandido,elascostumamlançarmãodequalquerobjetocujaformaremetaaumrevólveroupistolaparadispararemtirosimaginários.Havendoumaproporçãoeangulaçãomaisoumenossugestivasdeumaempunhaduraeumcano,objetostãodísparesquantoumsecadordecabelo,umgalhotorto,umatorneiravelhaoudoispedaçosdetubo,colados,servemparaessepropósito.Pelosprocessosdelivreassociaçãoqueregemaimaginaçãoinfantil,poucoimportaousoeaorigemdoobjeto.Oqueimperaésuaformacaracterística,suaparecençavisualcomumrevólver–aquiloquedesignamosaquipelapalavraadulta“morfologia”.Nouniversofantásticodascrianças,asformasganhamvida,relacionam-seumasàsoutras,semrespeitaralógicaoperacionaldosadultos.Porumexercíciomimético,umabaciaviraumlagoparasoldadinhosdeplástico;umcabodevassouratorna-seespada;umapilhaderoupasnocantodoquartoescurotransforma-seemmonstroassustador.Namenteinfantil,ascoisassãooqueparecem;enãoháquemnãoselembredaalegriaedoterrorinspiradosporartefatoscomunsnessejogodeaparênciasquesetransformam.“Metamorfose”,atransformaçãodeumseremoutro,temraizetimológicaemcomumcommorfologia(emgrego,morphe=forma).Aocontráriodoqueimaginaosensocomum,amenteadultanuncaperdedetodoessacapacidadeinfantilderaciocinarpormeiodasformasedeimaginaropossíveledesejávelpormeiodesuastransformações.Mesmodepoisdecrescidos,continuamosadisparartirosimaginárioscomodedoindicadorapontadoeodedãoemriste.
Omundoindustrialestácheiodeexemplosdedeslizesformaisentreartefatosqueservemparapropósitosmuitodistintos:umliquidificadorqueremeteàaerodinâmicadeumavião,umaarmaçãodeóculoscujacurvaturaapresentaamesmatorçãodeumsoladodetênis,umventiladordetetocujacoretexturalembramorevestimentoplásticodeumcomputador.Comoentenderasemelhançaformalnoscasosemquenãoexistemcoincidênciasnosprincípiosdeusoounosprocessosdefabricação?Omaiscomum,nessescasos,érecorreraconceitoscomo“moda”e“estilo”,demaneiravaga,edarporencerradaaquestão.Aoseremconfrontadoscomtaisperguntassobreaaparênciadosprodutos,muitosdesignersencolhemosombros,resignados,oufazematéummuxoxodedesprezo,condenandoporprincípioqualqueracréscimoouestilizaçãoformalcomoalgo“cosmético”.Comosefossepossívelsepararasquestõesdetecnologiaeergonomiaquecondicionamafabricaçãodasquestõesdepsicologiaesociologiaquecondicionamoconsumo!Nomundocomplexoemquevivemos,étudopartedomesmopacote.
Adiscussãopareceestarlongedoseupontodepartidaecaminhandocélereemdireçãoalugarnenhum.Ondeestãoasformas,osvalores,asaparências,ossignificados,aslinguagens?Vamostentaramarrarumpoucotantaspontassoltas.Espera-seterficadoclaroquesignificaçãoéumprocessodinâmico,ouseja:queossignificadosnãosãoestáveis,massujeitosàtransformaçãocontínua.Poroutrolado,foisugeridoqueháumaspectoconcretodosartefatos–correspondenteàsuaaparência,configuraçãoemorfologia–quesemantémmaisoumenosconstante.ParafraseandoFlusser:asideiasgeramobjetos,eestespermanecemnomundomesmodepoisqueasideiasmudam.Asideiastêmdemudar,necessariamente,atéporquereagemaosobjetosgerados.Essaéanaturezadasideias.Umavezformadosemsuaconcretude,osobjetosnão
podemmudarmuito,anãoserparaenvelhecerevirarobsoletos.Essaéanaturezadosobjetosmateriais.Aolongodotempo,abre-seodilemadadefasagementreapermanênciadosartefatoseamutabilidadedasideias.
Oprocessodesignificaçãodosartefatos–ou,emoutraspalavras,seussignificadosaolongodeumciclodevida–édeterminadoporquatrofatores.Oprimeiroé“materialidade”,ouseja,aconstrução,estrutura,forma,configuraçãodoobjeto.Essefatorécondicionadoporprocessosetécnicasdefabricação,eéfixadodemodomaisoumenosdefinitivoatéqueoartefatosedesagreguefisicamente.Comousemrótulo,contendoounãolíquidos,agarrafacontinuaasergarrafaatéquesejadespedaçada.Funcionandoouparado,todorelógioéidentificávelcomopertencenteàclassedosrelógios.Mesmoqueoartefatotenhaseuusomodificadoousuaoperaçãoprejudicada,amaterialidadesugereumpotencialderetornoàcondiçãoprimeira,nemquesejaapenasemconceito.Apartirdemeiadúziadecacosdelouça,oarqueólogoreconstituimentalmentecomoteriasidoopratooriginal.
Osegundofatoré“ambiente”:oentorno,asituação,ainserçãosocial,ocontextodeuso.Amesmapedralascadaéferramentanamãodohomemdacaverna,objetonaturalduranteosmilêniosemquepermaneceunacavernaesquecida,vestígiocientíficoquandodescobertaeestudadaporumarqueólogo,erelíquiapreciosaquandoexpostanavitrinedomuseudehistórianatural.Cadavezqueoartefatomudadecontexto,mudaseusentido.Oimpactodoambientesobreasignificaçãonãodependedapassagemdotempo,necessariamente.Duascadeirasidênticasterãosignificadosdiferentesseumaestivernasaladeumacasaresidencialeaoutranasaladeesperadeumconsultóriomédico.Sealguémvaiaummuseudedesignevêaliexpostoumobjetoquetememcasa,certamentepassaráadarmaisvaloraele.Amudançadeentornoafetanecessariamenteapercepçãodoartefato,agregando-lhequalidadesassociadasaoambienteemqueestiverpresente.
Oterceirofatorsãoos“usuários”doartefato,seurepertório,gostos,comportamento,requisitosergonômicos,ideaisouintenções.Seumadonadecasaresolveusarumabanheiraantigacomocanteirodefloresnoquintal,osignificadooriginalpropostopelofabricanteficaumtantoprejudicado.Osvizinhospodematéacharestranho,ouerrado,oucriativo,oucharmoso;poucoimporta.Paraela,aquilopassaaserpensadocomocanteiro,enãobanheira.Dificilmente,eladirá:“vouregarasfloresnabanheira”,masantes:“vouregarasfloresnocanteiro”.Seummecânicodecideadaptaracarroceriaeomotordeumcarrovelhoparafazerumveículoesportivo–transformarumFuscaemBugre,porexemplo–ninguémvaicomentar:“olhaláumFuscafingindoqueéBugre”.Opoderderessignificaroartefatoestánasmãosdequemusae,apartir
domomentoqueseconvencionasocialmenteaceitarosignificadonovo,estepodeserextensívelatodaumacomunidadedeusuários.
Oquartofatoradeterminaroprocessodesignificaçãodosartefatoséo“tempo”,oimpactodesuapassagemsobreoobjetoemquestão.Demodogeral,esseéofatorquemenoslevamosemconsideraçãocomrelaçãoaosartefatosmóveisporque,nasociedadeindustrial,temosohábitodedescartarascoisascommuitarapidez.Sãorelativamentepoucososartefatosquepermanecemnummesmoambientecomosmesmosusuáriosportemposuficienteparaquesepercebaopoderdetransformaçãoprofundaexercidopelapassagemdotempo.(Asrelíquiasdefamília,ouobrasdeartepassadasdepaiparafilho,sãoexceçõesnotáveisqueconfirmamessaregra.)Contudo,aprópriarapidezdodescartejáéumindíciocerteirodessatransformação,pelomenosnoquedizrespeitoànoçãodevalor.Arápidaevoluçãodatecnologiainformáticatornacadavezmaiscomumaexperiênciadeacharinsuficienteeultrapassadoaquiloque,hámuitopoucotempo,eraobjetodedesejoesonhodeconsumo.Maiscedooumaistarde,todoartefatotemseusignificadoalteradopelapassagemdotempo.Oimensocomérciodeantiguidadesequinquilhariasétestemunhapermanentedessefato.
Sabercompreenderosartefatosésaberqueelesmudamnotempo,impelidospelaaçãodosusuáriosecondicionadospelaforçadoambiente,atéoslimitessuportadosporsuamaterialidade.Umúnicoobjetopodedizermuitascoisasaolongodesuaexistência,inclusivecoisascontraditórias.Quasetodapeçademuseupossuiumalongahistóriadetransformações,correspondendoaosambientesemqueestevepresente,aosdiferentesusuáriosquedetiveramsuaposse,àsmudançasmateriaisdesuacondiçãofísica,impostaspelaaçãohumanaoupelosimplesenvelhecimento.Háobjetosquejápassarampormuitasvidas,ouforamsujeitadosamuitosciclosaolongodotempo.Eotempodosobjetospodesermuitolongo:videasmachadinhaspaleolíticasaindapassíveisdedecifraçãocomoarqueologiaehistória.Atéquandovãodurarosvestígiosdenossasociedadematerial?Quantainformaçãopoderáserextraída,daquiaalgunsmilênios,dasformasgeradaspornós?Ninguémsabe.Ascoisasmudam.Asformaspermanecem,masseusentidopodesercompletamentetransformado.Sequisermosentenderossignificadosdeumaformaqualquer,deveremosiniciaressabuscaameiocaminhoentremorfologiaemetamorfoses,nafalhasignificativaentreestruturaemudança.
CICLODEVIDADOARTEFATOOsobjetosnãomorrem;sobrevivem,nemquesejacomolixoouresíduos.É
claroqueosartefatospodemserdestruídos,nosentidodeseremdesagregadosapontodeperderemasespecificidadesformaisqueoscaracterizam.Surpreende,
porém,oquantosãoresistentesaisso.Mesmoartefatosreputadoscomofrágeisouefêmerosconseguem,muitasvezes,umasobrevidaimpressionante.Osmuseus,arquivosebibliotecasguardamcerâmicaspré-históricas,vidrosmilenares,papéisrabiscadoscomséculosdeexistência.Emmuitoslocaisdoplaneta,qualquerescavaçãodosubsolorevelavestígiosecaquinhosdeeraspassadas,paraalegriadosarqueólogos.Nosúltimoscinquentaanos,ahumanidadeproduziumaiorquantidadedeartefatosdoqueemtodasuahistóriapregressa.Comoresultado,estamosemprocessodesermossoterradospeloacúmulodecoisasquedescartamos.Lugarnenhumestáimune,praticamente.Napraiamaisdeserta,amarétrazgarrafasdeplástico.NoHimalaiaenaAntártida,jazemosrestosmateriaisdeixadosporincursõesdevisitantes.AvelhacaracterizaçãodoserhumanocomoHomofaber,ohomemquefabrica,poderiatercomocomplementoumaexpressãonova:homoprodigus,ohomemquedesperdiça.
Diantedamagnitudedoproblemaambientalqueéoacúmulodelixo,competeatodoscontribuirparasoluçõescoletivas.Masoqueodesignpodefazer,nessesentido?Osdesignersnãocontrolampolíticaspúblicas,nãocomandamasredesdefabricaçãoenemsãoresponsáveispelodesenvolvimentodenovosmateriaisetecnologias.Alémdedescartarmenosereciclarmais–algoqueestáaoalcancedequalquerindivíduo,independentedesuaprofissão–podeparecerquehámuitopoucoaserfeitonahoradeprojetar.Umououtroprofissionalpodesenegaragerarnovosartefatos,alegandoquenãoquercontribuirparaoacúmulodecoisasnomundo,masissonãovaiimpedirqueoutraspessoasofaçam.Contudo,existemsimcontribuiçõesimportantesquepodemserfeitasnaetapadoprojeto,contantoqueseentendaociclodevidadoprodutodemodomaisabrangente.
Foidito,noiníciodestecapítulo,quelixonadamaisédoqueamatériadesprovidadesentido.Paracomprovaressaafirmação,bastaobservaroscatadoresdelixoeoextensocomérciodedicadoàcompraevendademateriaisusados–desdedepósitosdeferro-velhoecentrosdemateriaisrecicláveis,naparteinferiordaescalaeconômica,atéleilõeseantiquários,napartemaisalta,passandoporsebos,brechós,mercadosdepulgaseoutrasinstânciasrevendedorasdeartigosemsegundamão.Quasetudoquepodeserencontradonesseslocaisfoirejeitadoourecusado,deumamaneiraoudeoutra.Alguémquenãoqueriamaisalgumacoisadecidiuselivrardela,e“passouadiante”ou“botoufora”otrastevelho.Adiferençaentredescarteevendaéaatribuiçãodevalormonetário.Tanto,quequandoalgopossuivalorinestimável,tampoucopodeservendido.Quandoumricocolecionadorquerselivrardeumaobradeartedepreçoincalculável,éobrigadoarecorreraoexpedientededoá-la.Oque
nãodeixadeserumaformamuitoespecialdedescarte.Seriaumabsurdocompleto,porém,sugerirqueaobraassim“descartada”éumaespéciedelixo.
Oopostododescarteéacoleta,oucoleção(queéacoletaorganizadaeguardada).Adiferençapsicológicaentrequemcolecionapeçasvaliosíssimasequemcoletalixonasruasnemsempreétãograndequantoimaginaamaioriadaspessoas.Nocomérciodeartigosusados,hásemprealguémquecompraoqueooutronãoquismais;eaatribuiçãodeumvalorpecuniário,“demercado”,garanteoajusteprecisoentreorepúdiodequemvendeeacobiçadequemcompra.Detodomodo,temqueexistirumamargemconsideráveldenegociaçãodevalores,senãonãoseriapossívelaosrevendedoresganharemavidacomessetipodecomércio.Felizmente,paratodosnós,olixodeumémesmooluxodeoutro.Quemduvidardisso,quejogueumalatinhadealumíniovazianaruadeumagrandecidadebrasileira.Aoretornaraolocal,horasouminutosdepois,seulixoterásidocatadoporalguémquetiraseusustentododesprezoalheio.Aqueleobjetoquehaviasidoesvaziadodesentidoparaquemoencaravaapenascomoveículovoltaasermaisdoqueapenaslixoapartirdoinstantequeéencontradoporalguémquelheatribuavalor.
Selixoéumaideiaquesefazdoobjeto,entãoseguequeépossívelredimirumaparceladascoisasquetratamoscomolixopelarequalificaçãodoseusentido.Aolançaremumolhardiferenciadosobreosmaisvariadosartefatosdescartadosoudescartáveis,diversosartistas,designersearquitetosvêmdemonstrandoesseprincípioaolongodasúltimasdécadas.Garrafasdeplásticousadasviramobradeartequandopintadasearranjadasdemodoescultórico;virampeçadedesignquandotransformadasemmobiliário;viramelementoarquitetônicoquandointegradasaumaestruturaconstruída.Oprincípiodaressignificaçãopelousoébemmaisamplodoqueessesexemplos,relativamenterestritos.Avelhaprática,comumemmuitoslocaispobres,desinalizarumaborrachariacompneusvelhos,empilhadosoupendurados,nãodeixadeserdemonstrativadessapossibilidade.Aoadquiriremnovosusos,paraalémdoprimeirodescarte,osartefatosganhamumasobrevidaàsvezesmuitomaiordoquea“vidaútil”quelhesforadestinadaporseusfabricantes.{36}
Aquestãodo“pós-uso”remeteàconcepçãoequívocaquefazemosnormalmentedo“ciclodevidadoproduto”.Existemmilharesdeesquemasbuscandoilustraroqueoslivrosdemarketingeengenhariaentendemporessetermo.Seriaimpossívelreproduzirtodosaqui,oudarcontadassutisdiferençasqueseparamumdooutro.Éinteressanteobservarque,demodomuitogeral,osgráficosproduzidosporestudiososdemarketingtendemarepresentarociclodevidadoprodutocomoumacurva,partindodaintroduçãodoprodutonomercado,doladoesquerdo,ascendendoparaasfasesdecrescimentoe
maturidadenomeio,edescendoparaafasededeclínio,àdireita.Jánosgráficosproduzidosporengenheiros–emespecial,osambientais–ociclodevidadoprodutocostumaaparecerdemodocircularoucíclicomesmo,envolvendofasesquevãodesdeanecessidadeatéodescarte,passandopormateriais,tecnologia,projeto,fabricação,comércio,usoe,depreferência,prevendoinstânciasdereciclagemourecuperaçãoparafecharociclo.Infelizmente,essemodelodepensamentocíclicoaindaestápoucodifundidonoensinodedesign.
Écomumaosdesignersimaginaremociclodevidadoprodutodemodolinear,comoumfluxogramaquepassapelasseguintesetapas:concepção→planejamento→projeto→manufatura→distribuição→venda→uso→
descarteContrariandoasevidênciasdomelhorpensamentoambiental,poucos
designerstentamfecharociclo,relacionandoodescarteaumanovamodalidadedeconcepção.Temosaíumproblemasério.Nãoéfácilconceberopós-uso!Nossaculturaprojetivaefabrilestátodavoltadaparaafabricaçãodonovo,paraamanufaturadeprodutosacabadosapartirdematérias-primas.Algunsbuscamtrabalharcommatérias-primasrecicladas.Éumprimeiropasso.Porém,épouco,diantedasmontanhasdelixoquenãoparamdecrescer.Comoprojetarqualquercoisaparasobreviveralémdoseuusoprevisto?Comopreverumcontextodeusoquenãoexisteainda?Comopensarnasnecessidadesdeumusuárioquenãoseconhece?Comoplanejaraquiloque,pordefinição,nãopodeserantevisto?Pareceimpossível!Dátrabalho,comcerteza.Anecessidadedeprojetarparaopós-usoabreumimensodesafioqueprometerevolucionaropensamentoemdesign.
Aprimeirapartedodesafioéconceitual:repensarciclodevidaparanossaeradecriseambiental.Estamosacostumadosaconceberaexistênciadosprodutosindustriaisemtermosdevidaútiloudurabilidade.Oqueéisso?Tomemoscomoexemplosalgunsartefatoscaracterísticosdasociedadedeconsumo.Noextremomaislongevodaescala,umautomóvelouumageladeirasãoconsideradosbensduráveis.Suavidaútil–apartedociclodevidaentreafabricaçãoeodescarte–correspondeaalgunsanosouatédécadas.Nooutroextremo,umjornaléconsideradoeminentementeefêmero.Entresairfresquinhodagráficaeserusadoparaembrulharaareiahigiênicausadapelogato,podemsepassarmenosde24horas.{37}Todavia,dopontodevistaambiental,mesmobensduráveiscomoautomóveisegeladeiraspossuemumavidaútilmuitocurtasecomparadacomolongoperíodoquelevarãoparasedesagregaroudecomporempartes.Ageladeiraquepermaneceudezouquinzeanosemusopodesobrevivermuitasdécadasoumesmoséculoscomolixo.Calcula-sequealguns
artefatosdeplástico,cujavidaútilconsisteemdiasousemanas,demoremmilêniosparaconcluíremoprocessoquímicodebiodegradação.
Aquiloqueocampododesigncostumadescrevercomoprodutocorrespondeaumafraçãoapenasdavidadosartefatos:operíododevidaútilquevaidafabricaçãoatéodescarte.Trata-sedeumavisãobastanterestrita,comosedisse,poisomesmoartefatopodesobrevivermaterialmentepormuitotempoapósserinutilizado.Demodoanálogo,oseconomistasreduzemaindamaisaquestãoaoempregaremotermo“mercadoria”,oqualdescreveoartefatounicamenteduranteoperíodocurtíssimoemqueestáàvenda.Ambassãovisõesessencialmentecentradasnoproveitoquepodesertiradodoartefato,sejaemtermosdoseuaproveitamentopelousoousuarealizaçãocomolucro.Opresenteimpasseambientalnosobrigaaadotaroutroolharparaoartefato–comoculturamaterial,ouseja:ovestígiodaquiloquesomoscomocoletividadehumana.Osartefatossãoexpressãoconcretadopensamentoedocomportamentoquenosregem.Oconjuntodetodososartefatosqueproduzimosrefleteoestadoatualdenossacultura.{38}Tirandopeloenormeacúmulodelixo,ouobjetosdesprovidosdesentido,quenoscercaportodososlados,somosumacivilizaçãoprofundamentecontraditória.Quantomaisbuscamosfabricarosentido,refinandomatérias-primasembensacabados,maisrapidamentemergulhamosnoinformeenodisforme.
Aopensarmosemtermosdeculturamaterial,percebemosqueociclodevidadequalquerartefatoestende-separamuitoalémdoseuusoprimeiroemesmooseudescarte.Opós-usoéohorizontedistantedamaterialidadequeserecusaamorrer.Domesmomodoqueaexistênciadosartefatosseestendedemodoinsondávelparaalémdesuavidaútil,emdireçãoaumfuturoincerto,elaseestendeigualmentenadireçãocontrária,paraopassado,comoculturaetradição.Antesmesmodasfasesdeconcepçãoeprojeto,todoartefatoparticipadeumapré-históriaqueresidenorepertóriodeformasenastécnicasdefabricaçãovigentesnocontextodesuacriação.Nadavemdonada,comojásedisse.Daíquemesmoasformasmaisoriginaissãofrutodelinguagensexistentes.Paracompreenderverdadeiramenteosdesafiosaseremenfrentadosporumpensamentoprojetivorenovado,éprecisoentenderqueavidadoartefatotemduraçãomuitolonga.Todaformatemraízesnumpassadoimemorial,odorepertório,eabre-separaumhorizonteilimitado,odalinguagemmaterializada.
Munidodessaconsciênciaampliadadeciclodevida,épossívelchegaraalgunsprincípiosrecomendáveisparaquemquerprojetaropós-uso.Oprimeirodeleséareversibilidade.Todaformaouestruturaquepodesermaisfacilmentedesmontada,tendosuaspartescomponentesaproveitadasdeimediato,minimizaoacúmulodelixo.Ométodododesignfordisassembly(designparao
desmonte),empregadoemalgunssetoresdaindústriaautomobilística,éumexemploconhecido.Oprincípiodareversibilidadetangeigualmentesoluçõesmuitosimplesetradicionaisaodesign,comoousodemódulos.Todosistemamodularprevêmúltiplaspossibilidadesdeusoe,portanto,geraumpotencialparaestenderasobrevidadoartefatoapenaspelorearranjodesuaspartesemnovascombinaçõesou,então,pormeiodasubstituiçãodelasporpeçassimilaresoucomplementares.Apossibilidadedetrocarpeças,mantendoosistemaemoperação,tangeaoutroprincípioimportantíssimo:manutenção.Seumautomóveljátemvidaútilrelativamentecurta,imaginecomoseriasefosseimpossíveltrocarpeçasdomotor!Oaperfeiçoamentodecomponentes,suaorganizaçãoemmódulostrocáveiseasimplificaçãodosprocessosdesubstituiçãosãopassosimportantesparapensaroprodutonãocomoalgoestanque,mascomoartefatoinseridoemumsistemadeuso.
Opensamentosistêmicotalvezsejaoaspectomaisimportantedodesignnomundoatual.Quandoalguémpergunta:“qualafunçãodoobjeto?”,aformulaçãodaquestãojácondicionaarespostaasersingularenecessariamentelimitadanotempo.Porexemplo:afunçãodageladeiraémanterosalimentosresfriados.Seguindoessetipoderaciocínio,ageladeiraperdesentidoeviralixoassimqueparadefuncionarcomeficiência.Seperguntarmos,aocontrário,quaisseriamossentidospossíveisdoobjetodentrodeumsistemacomplexo,abrangendoumlequemaisamplodeusuáriosesituações,abriremosapossibilidadedepensaroprojetodemodopluralepolivalente.Osprincípiosgeminadosdereutilizaçãoereaproveitamentosãoexemplaresdisso.Omesmovidroqueservecomoembalagemparageleiaoumostarda,seforbemprojetado,poderáseraproveitadodepoiscomocopo,estendendosuavidaútilemmuitasvezes.Umexemplocorriqueiro,eantigo,depensamentosistêmicoestánosobjetosdeusomúltiplo,oumultiuso.Ébastanteraroencontrarnalixeiraumcanivetesuíço.Esseartefatosetornaresistenteaoesvaziamentodesentido,porcontatantodamultiplicidadedefunçõesoperacionaisqueexercequantodasfunçõespsicológicaseafetivasquetambémcostumacumprir.
Oexemplodocanivetenosconduzamaisumprincípioprojetivoimportanteparaofuturo:durabilidade.Deinício,podeparecerparadoxalalinhardurabilidadeaoladodeprincípiosfluidosemutáveiscomoreversibilidade,manutençãooureaproveitamento.Talvezoseja,mas“oparadoxoéopaidaverdade”,segundoescreveuumvelhopoetabrasileiro.{39}Adurabilidadeemquestãoémenosadosmateriaisedaengenharia,emaisadosentido.Quantomaisumartefatoécapazdeagregaresimbolizarvaloresreconhecidos,maisresistenteelesetornaaoesvaziamentoeaodescarte.Umbomexemplosãoascanetas-tinteiro.Apesardeultrapassadasemmatériadetecnologiaecadavez
maisrestritasaousoemocasiõesdecerimônia,ascanetas-tinteirodificilmenteencontramocaminhodalixeira.Mesmoasdemarcamaiscomum,asmenosvalorizadas,continuamareterumquantumsuficientedevalorsimbólicoqueasimpededeseremdescartadascomamesmafaltadepiedadequesejogaforaumacanetaesferográficadeplástico.Qualseráosegredodascanetas-tinteiro?Seráofatodequeestãoassociadas,comalgumafrequência,aantepassadosqueridosdequemsãoherdadas?Seráopoderdanostalgia,referidonoiníciodestecapítulo?
Oprincípiodadurabilidadeestáportrásdasmaioreshistóriasdesucessodouniversodobranding,demarcascentenáriasquecomandamfidelidadeereverêncianomercadodeconsumodeluxo.Háartefatosquenãosãojogadosforanemnahoradamortedeseusproprietários,masquesãopassadosadiantecomoherançaerelíquia.Adurabilidadedovalordessesobjetos,mesmoquesejaumvalorpuramenteafetivo,transformaapróprianoçãodeposse.Normalmente,emnossasociedade,possuirumobjetoquerdizerteropoderdeusufruirdelecomexclusividade.Nocasodessesobjetosdevalorinestimável–comoalgunsimóveis,obrasdearteoumuitosartefatosguardadosemmuseus–apossepassaasignificararesponsabilidadeporsuamanutençãoeocompromissodezelarporsuaintegridade.Nessescasos,oproprietárioadquireconsciênciadequeovalordoobjetovaidurarparaalémdoínterimemqueestáemsuasmãos.
Osprincípiosesboçadosaquinãodevemservistoscomoreceitaoumétodo,masantescomoobservaçõesesparsas,derivadasdareflexãosobreoprocessodesignificaçãodosartefatos.Comoresponderàsquestõeslevantadaséumdesafioqueseráenfrentadoportodaacomunidadededesignersnoadmirávelabismonovoqueseabreànossavoltanaeravindouradepredomíniodoimaterial.Esseéotemadopróximocapítulo.
3CAIUNAREDE,ÉPIXELDESAFIOSDOADMIRÁVELMUNDOVIRTUAL
Afantasianadamaisédoqueumamodalidadedamemórialibertada
ordemdotempoeespaço;porquantosemisturaàquelefenômenoempíricodavontadequechamamosdeEscolha,eémodificadaporele.[SamuelTaylorColeridge,BiographiaLiteraria,1817.]{40}
APAISAGEMDESLIZANTEDAREDEDêumGoogledeimagensnapalavra“peixe”evejaoqueacontece.Vai-se
materializaràsuafrenteummardepeixes,umoceanodepeixes,umuniversodepeixes.Daúltimavezqueoautordestelivrorealizouesseexercício,hoje,14desetembrode2010,às8h47,omaisfamosomecanismodebuscadainternetencontrouaproximadamente527milresultadosem0,16segundo,eosdispôsordeiramentededezoitoemdezoito(trêsfileiras,comseisimagenscada),organizadosaolongodepoucomaisde29milpáginas,ouporaí.Nãoépossívelafirmaraocertoporqueoautornãotevepaciênciaparairalémdapágina39.Jáerapeixedemais!Peixesfotografados,peixesilustrados,peixesanimados;peixespescados,peixescozidos,peixesfossilizados;peixesdentrod’água,peixesforad’água,peixesvoandonocéu;filmechamadopeixe,gentechamadapeixe,peixeparadarevender.
Asituaçãonarradaénadamenosdoqueadmirável.Quemtemmaisdetrintaanosaindadeveselembrardeumtempoemqueabuscadeimagenseraumprocessobemmaistrabalhoso.Eraprecisorecorrerabancosdeimagens,revistasouatélivros.Livros,quemdiria!Coisamaisantiga.Quemtemmaisdequarenta,selembrarádeumtempoemqueimagensnãopodiamserdigitalizadasetransmitidascomoarquivoseletrônicos.Nosidoshistóricosantiquíssimosde1990,passarumaimagemparaumamigooucolegasignificavafazerumacópiapormeioderevelaçãofotográficaoufotocópiaeentregaremmãos,pessoalmente,ouentãoenviarpelocorreio.Correio?Oqueéisso,vovô?Estárindo,jovemleitor?Esperesóvinteanos,evejaseapiadaaindatemgraça.
Asituaçãoéadmirável,masépreocupantetambém.Optou-sepornarrá-laemlinguagemcoloquial–comoagentefala–,porém,empregandoexpressõesquesãoimprecisasepotencialmenteenganadoras.Por“darumGoogle”,entende-sequeoautorrecorreuaomecanismodebuscafornecidopelaempresaGoogle,umadasmaispoderosasaatuarnaworldwideweb,sistemadedocumentosemhipermídiainterligadoseexecutadosnainternet,queoperacomoprincipalinterfacedenavegaçãonestaredevirtualparaamaioriadosusuários.Otalmecanismodebuscasfoiinstadoaprocurarimagensquecorrespondessemàdescriçãotextual“peixe”,eencontroumaisde500milempoucomaisdeumdécimodesegundo.Quandosedissequeeledispôsosresultados“ordeiramente”em“páginas”,querdizerquelhesimpôsuma
diagramaçãoemfileirasecolunas,divididasporgruposdedezoito.Nãoestamosfalandonemdepáginas,nosentidoliteraldefolhasfinasquesãoviradas,nemdequalquerordenamentodesignificado.Asimagensdepeixesreferenciadas–naverdade,elasnãosematerializamemmomentoalgum,anãoserquesemandeimprimi-las–nãovêmagrupadaspornenhumaponderaçãoracional,ordemconceitualoucritériointeligívelaousuáriocomum.Obuscadorjuntaumascomoutrasdeacordocomcritériosderivadospuramentedesuaestruturainformacional,ouseja:parâmetroslógicosdelinguagemdeprogramação.Ficoumaisclaroassim?Paradizeraverdade,não.
Quantomaissetentaexplicitarofuncionamentodomundovirtual,menosinteligívelelepareceficar.Imagineoexercíciodeexplicaroexemploacimaparaumviajantedeumtempodistante,antesdaexistênciadecomputadores,televisoresoumesmodefotografias–digamos,porexemplo,opoetaefilósofoinglêsSamuelTaylorColeridge(1772-1834),citadoemepígrafeaestecapítulo.AjudabastanteofatodeColeridgetersidoumpensadorbrilhante,capazdecompreenderconceitosquefundiriamacabeçademuitagente.Lidosedigeridososparágrafosanteriores,nossopoetatentatomarpédasituação:
[Coleridge]Então,querdizerquevouàprocuradequadrosquerepresentampeixesnesteespaçoimagináriochamado“rededealcancemundial”?
[Nós]Nãosãobemquadros,nemgravuras.Sãoimagensdesprovidasdesuportefísico.Oespaçovirtualpermiteavisualizaçãodeobjetossemsubstância,imagempura,desdequesejamutilizadososaparelhosnecessáriosparaacessá-lo.
[Coleridge]Ah,sim,imagenspuras,comoemnossasmentes!Então,oespaçovirtualéumaespéciedeimaginaçãocoletiva.Mesmoassim,vouprecisarusarumengenhoparanavegarnesseespaço?
[Nós]Não,exatamente.Oengenhoésimplesmenteumsistemadecálculoderelaçõesentreparâmetros.Anavegaçãotampoucoéfísica.Elaconsistenavisualizaçãodedadosdispostosdeacordocomumaestruturainvisívelquepermiteofluxoilimitadoentreaspartes.Essaspartessãoosconteúdosvisíveis–ouseja,basicamentecombinaçõesdetextoeimagem–organizadosem“páginas”,aquantidadequepodeservisualizadaemumsógolpedevista,oupoucomais.Estassãoagrupadas,porsuavez,emsítios,areuniãodemúltiplaspáginassobumaúnicadenominação.
[Coleridge]Éumpoucocomoumlivro:aspáginassendoasfolhas,eosítiosendoaencadernação.Essaredenãodeixadeserumaenormebiblioteca!Todagrandebibliotecaprecisaterumaorganização,umsistemadeclassificação.Equemcontrolaessaestruturainvisível,portrásdetudo?
Queméobibliotecário?[Nós]Ninguém,etodosaomesmotempo.Aestruturasãoasrelações
entreaspartes,eestáemconstanteprocessodemutação.Éumsistemaquasesemsubstância,cujaformaédadaporseusparticipantes.Chamamosissodeespaçovirtual,poisninguémoocupademodoatual,imediatoepresente.
[Coleridge]Issoéfantástico,eassustador!Ummundodesombrasefantasmas,porémvisívelatodos.Conte-memaissobreessesconteúdosvisíveis.Querdizerqueoengenhoimaginou500milpeixesdiferentesemmenosdeumsegundo!Eoqueeleconcluiuapósoestudodetodosessespeixes?
[Nós]Bem,elenãoconcluiunada.Elenãoestuda,nemanalisa.Abemdaverdade,asimagensencontradasnãotêmmaiorrelaçãoentresi.Muitasnemsãodepeixes,nosensoestrito.Apenasapresentamalgumaligaçãocomapalavra.
[Coleridge]Mas,então,trata-sedeumabalbúrdiadeinformaçõessemsentido,comoseafundássemosdentrodeumimensosonhosemfim?
[Nós]Pode-sedizerquesim.Masasinformaçõeslevamaoutrasinformações…háinter-relaçõespossíveis.Formam-seconexõesecomunidades.Nofundo,cabeaointernautadarsentidoànavegação.
[Coleridge]Entendi[cético,pausaepondera].Umavezqueseviajanessefantásticoespaçoimagináriosemfim,comoévoltarparaaexperiênciacomum?Sente-sealívio,decepção,prazer,saudade?
[Nós]Aindanãotemosmuitacerteza.Pareceque,quantomaisofazemos,menosnítidaficaadistinçãoentreavivênciavirtualeapresencial.Umaimpactaemodificaaoutra.Algunsacreditamatéqueasduasvãosefundir.Háumdebateseovirtualpoderáserplenamentevivido,umdia,ounão.Ou,aocontrário,sejáestamosimersosnele,semnosdarmosconta,porestarmospresosaindaaconceitosultrapassadosderealidade.
[Coleridge]Esseassunto,euconheçoumpouco.Nãoémuitodiferentedeumadiscussãodaqualparticipei,anosatrás,sobreadistinçãoentreficçãoeverdade.Nuncaaceiteioapegoànoçãodeverdade,comosefosseumídolo.Verdadeéumacrença,eadescrençanelaéadúvida.Oobjetivodafépoéticaéprovocar,debomgradoeporummomento,asuspensãodadescrençaemproldassombrasdaimaginação.{41}Comessaspalavrasenigmáticas,nossoColeridgeestalaosdadosevolta
paraoséculoXIX,segurodequeavidaerabemmaissimplesnumaépocaemqueasredeseramusadasparacaçarborboletas,aoinvésdetransmitirinformações.
Hoje,paraomaleparaobem,nãoconseguimosmaisescapardaonipresençadaredevirtualqueapelidamosdeinternet.Mesmoquemnãotemacessodiretoaela–oqueéamaioriadoshabitantesdoplaneta–égovernadoporinstituiçõeseagênciasqueoperampormeiodela,osquaissãocadavezmaisregidosporsualógicaeregraspeculiares.Tantoaredeéumfatodacontemporaneidadeque,poucasdécadasapóssuacriação,quaseninguémconseguemaisimaginarcomoseriaomundosemela.Tampoucoéprecisodetalhardequalredeestamosfalando,quandosediz“arede”.Embora,tecnicamente,ainternetsejaumconglomeradoderedes,dasquaisawwwrepresentaapenasumaparte,sãoosdocumentossuportadosporessaporção,interligadospormeiodehyperlinks,queconstituem,naprática,aexperiênciacomumdenavegação.{42}Dopontodevistadodesign,portanto,faz-seurgentecompreendermelhorasbasesepistemológicasquedãosustentoàvisualidadedarede.Se,paraseususuários,elaéantesdetudoumimensoconjuntodeinterfacesprioritariamentevisuais,competeinvestigarsuasorigens.
Aimportânciadefalardaredeéevidente,masomododefazê-losemcairnaconversafiadaounafuturologiaéumdesafio.Ainternetéamaioremaissurradametáforadomundocontemporâneo.Tornou-selugar-comumpensarascoisascomoredes:ascidades,ascomunidades,oscorpos,asmentes.Tudosãoredes,segundoaquelesquesearvoramaprofetasdoóbvioululante.Nãohágrandenovidadenisso,poisasmetáforassempreexistiram,assimcomoosrepetidoresdelugares-comuns.Cemanosatrás,tudoeracomparadoaumamáquina(porexemplo,emanalogiascomo“ocorpoéamáquinahumana”);trezentosanosatrás,tudoeracomparadoaumcorpo(“anaçãoéocorpopolítico”);eassimpordiante,desdequeoprimeiroescritordescobriunaMesopotâmiaqueasmetáforaseramumaboamaneiradeenvolveroleitoreinjetarvitalidadenorelato.Quetudosãoredeséfácildedizer,masoquequeremosdizercomisso?
Asredestornaram-semetáforatãopoderosa,entreoutrosmotivos,porquehádiversostiposdelas,caracterizadosporpropriedadesmúltiplaseatécontraditórias.Comotodograndetropodiscursivo,apalavra“rede”querdizermuitascoisas.Umaredepodeapoiar–comoéocasodasredesdedormiroudasredesdesegurançausadasporequilibristas.Umaredepodeprender–comoéocasodasredesdepescaoudasredesdecabelo.Umaredepodeimpedirapassagemparadentroouparafora–casodasredesdeproteçãoparacriançasoudasredescontramosquitos.Umaredepodepermitirapassagemaomesmotempoquedemarcaumlimite–comoasredesdebasqueteoudevôlei.Todosessesexemplossãoderedesconcretas,fisicamentepalpáveis,etodascompartilhamdoprincípiocaracterísticodereteralgumascoisasedeixarpassar
outras.Essetipoderedeéreferido,geralmente,emlínguainglesa(oidiomadominantedainternet)pelapalavra“net”.
Existeoutragrandeclassederedesquenãocostumamsermanipuladasfisicamente.Sãoredesnosentidofiguradodeligaremnódulosdispersosporvetoresdeterminados.Aredetelefônica,aredeelétrica,arededeesgotossãoexemplos.Eminglês,taisredescostumamserdescritaspelapalavra“network”,quepoderiasertraduzidacomexcessivaliteralidadecomo“trabalhoderede”(emsuaorigem,eraisso),masqueevoluiuaolongodosséculosparasereferiraqualquersistemacomplexodepartesinterligadas(noscasosacima,“system”aparececomumentecomosinônimode“network”).Emespecial,éusualeminglêsempregar“network”quandosetratadeumaredeemquepontosfixosedensos(estações)sãorelacionadosporviasdeconduçãooucanaisdetransmissão(linhas)–comonasredesferroviárias.Quandoredesdessaespécietornam-semuitocomplexas,comocruzamentorepetidoderamificaçõesemúltiplasdireçõesdetráfego,costumamosdescrevê-las,emportuguês,como“malhas”(porexemplo,amalhaviária).Ousocorrespondente,eminglês,emboramaisraro,épossível:porexemplo,quandosefalaemelectricitygridparasereferiràrededeeletricidadedeumacidadeoupaís.Nasredesdotiponetwork,asenergiaseosmovimentosfluementreaspartesligadasporela.Daí,osentidofiguradodeumarededecontatospessoaisquedáorigemaotermo“networking”,tambémusadonoBrasil.
Nemapalavra“net”nema“network”foramcapazesdedarcontadatarefadedescreveressenovofenômenobatizadodeInternet(comImaiúsculo)nofinaldosanos1980.{43}Anovaredepassouaserpercebidacomoumaentidade,senãofísica,pelomenosmoraleconceitual–tãocoisaquantoqualquerentidadegovernamental(comoumministério)outransnacional(aONU,porexemplo),apesardafaltadeumquartel-generalreconhecidooumesmoumsimplesendereçopostal.Recorreu-seaoneologismoparadescreveralgoquenuncaantesexistira:umaredecapazdejuntartodasasoutrasredes–deinício,todasasoutrasredesdecomunicaçãoentrecomputadores–epassíveldeviraserpercebidacomo“arede”,toutcourt,oqueocorreumuitorapidamente.Naesteiradesseprocesso,surgiuawww,introduzindomaisumavariedadederedenadiscussão:aweb,ou“teia”eminglês.Umateianãoéumarede,mastemopoderdeenredar.Teiadearanha,porexemplo.Tantoemportuguêsquantoeminglês,aorigemremotadaspalavras“teia”e“web”estáligadaaoteareaotecido.{44}Édotecidodawwwquevamostratar,adiante,masnãosemantesfazerumadigressãoarespeitodahistóriadasredes.
AMODERNIDADEEMREDESBoapartedahistóriadodesignpassapelaconfiguraçãoderedes,
crescentementecomplexas.UmprojetoconsagradocomoomapadometrôdeLondres–criadoporHarryBeckentre1931e1933–temcomoseuprincipalméritoodeorganizarumagrandequantidadedeinformaçõesinterdependentes,epotencialmenteconfusasàprimeiravista,emumarepresentaçãográficaclaraeconcisa,quepermiteaopassageirodeprimeiraviagemencontrarseucaminhocomrapidez.Comotodomapa,trata-sedeumarepresentaçãoesquemática,ousimplificada,quesacrificadadosimportantesemproldeoutrosganhos–nestecaso,dafacilidadedeleitura.{45}Omapadometrônãomostraaaparênciadasestaçõesnemoestadodeconservaçãodosvagões,aspectosquenãosãoatribuiçõesdessetipoderepresentação.Tampoucoeletrazinformaçõessobreoverdadeirotraçadodaslinhas(oquecompeteaoutromapa,nãoacessívelaosusuários)ousobreadistânciafísicaentreasestações(oquegeraproblemas,muitasvezes,parausuáriosinexperientes,aopresumiremqueosintervalosentreestaçõesnomapacorrespondemaalgumaescalafixa).Essemapaprivilegiaasrelaçõesdesequênciaeconexãoentreaspartes,configurandoosistemacomoumatotalidadeinteligível.Emoutraspalavras,elereduzumarealidadealtamentecomplexaaumarepresentaçãosimples.
OmapadometrôdeLondreséumexemplarpeculiarmentefelizebem-sucedidodetodaumaépocaimportantíssimaparaaconsolidaçãododesignmoderno.EntremeadosdoséculoXIXemeadosdoséculoXX,amaiorpartedasgrandescidadesdomundopassouporumatransformaçãocolossalqueconsistiunaimplantaçãooureformadeumasériederedesdeutilidades–água,esgoto,gás,eletricidade,telefonia–alémdeumaampliaçãodasredesdetransportesurbanoseinterurbanos–rodovias,ferrovias,portos,aeroportos.Operíodoemquestãocorrespondeu,emmuitasregiõesdomundo,àsuaintegraçãonaeconomiaglobalmoderna,prevendomaiorcontatocomredesdefabricação,distribuiçãoeconsumocrescentementeunificadas.Omundoindustrializava-se,eocomércioaumentavasobretodasasfrentes–local,regional,nacionaleinternacional.Novoscódigosbancários,comerciaisejurídicospropiciaramosurgimentodegrandesredesdevendasporatacadoevarejo.Concomitantemente,ascidadescresciam,aumentavamapopulaçãoeoterritório.Muitasatingiram,nesseperíodo,omarcode1milhãodehabitantes.
Cidadesantespequenaseconcentradasespalhavam-se,abrindonovasviasenovosbairros,desenvolvendoumaespecializaçãoespacialdasatividades,comdistritosindustriais,residenciais,comerciais,administrativos.Virarammetrópoles:Londreschegoua1milhãodehabitantesporvoltade1810;Paris,porvoltade1840;NovaYork,porvoltade1860.Concomitantemente,aáreadessascidadesaumentoumuitasvezes(emdiferentesproporçõesdeacordocomasoluçãoadotadaparademarcaroperímetrourbano).Emseguida,outrascidadesdomundotomaramomesmorumo.Aprimeiracidadebrasileiraaatingir1milhãodehabitantesfoioRiodeJaneiro,porvoltade1919.Acidadeacanhadade50milhabitantesque,àépocadachegadadeD.JoãoVIem1808,seespremiaquasetodaemumquadriláterodemenosde10km2,chegouàcondiçãodemetrópole,centoepoucosanosdepois,comumapopulaçãovintevezesmaioreumaumentodeáreadaordemdecinquentavezes.{46}
Tamanhocrescimentoexigiuumesforçoconcentradodeordenaçãodo
espaçourbano.Paragarantirminimamenteapermanênciaeofluxodegenteecoisas,fez-senecessárioconstruircasasebairros,abrirruaseavenidas,planejarsistemasdetransporte,colocartubulaçõesefiações,organizaroabastecimentodevívereseoescoamentodosdejetosemortos.Diferentementedocampooudaroça,ondemuitacoisaégerada,usadaedegradadaquasesemsairdolugar,ascidadessebaseiamnoprincípiodatrocacomoquevemdefora.Éumcorre-correpermanente,umentraesaidanadodetudo,otempotodo.Paraumagrandecidadesemanterestável,éprecisoumesforçocontínuodedeslocamentodecoisas.Umagrevedecoletadelixoqueduremaisdeumasemanaésuficienteparaparalisarqualquermetrópole.Apercepçãocomuméadequeasgrandescidadessãobagunçadas,caóticas,principalmenteparaquemchegaaelasvindodointerior.Naverdade,asmetrópolessãoincrivelmenteorganizadas–aindamais,considerando-seoatropeloquefoiseucrescimentoaolongodoperíododemodernizaçãodosúltimoscemanos.
Comseuequilíbriotãoprecário,édeadmirarqueasgrandescidadesdomundonãotenhamsidomergulhadasnocaosmaisvezes!Oméritoporessefeitonãocabeaosgovernantes,quasesemprereativosemalequipadosparaatarefa,masaosprópriosusuáriosdosistema:oshabitantesdasmetrópoles.Aboacondutadetodos,respeitandoasnormasestabelecidasparaaconvivênciaemcomum,éoquediferenciaumacidadepercebidacomoorganizadadeoutravistacomocaótica.Amargemdediferençaérelativamentepequena(umacidaderealmentecaóticaentrariaemcolapso,empoucotempo);mas,talqualocorpohumano,umavariaçãodepoucosgrausseparaatemperaturanormaldafebrealta.Outrapercepçãoerrônea,porémcomum,équeoequilíbriodametrópoleémantidoporseusserviçosdeemergência(polícia,bombeiros,hospitaisetc.).Emergência,comodizonome,éaexceção.Nahipótesedequeasocorrênciasdessetiposegeneralizassem–casoocorresse,porexemplo,umataquecriminalconcentrado,umincêndiodesenfreado,umaepidemialetaleincontrolável–nenhumserviçodeemergênciadariacontademanterseufuncionamento.Oquemantémoequilíbriocotidianodasmetrópolessãoredespoucolembradas,porémdeoperaçãocontínua:água,esgoto,eletricidade,gás,telefonia,abastecimentodealimentos,coletadelixo,engenhariadetrânsito,transportescoletivos,eassimpordiante.Ahistóriadasgrandescidades,aolongodosdoisúltimosséculosdemodernidade,éahistóriadaconsolidaçãodessasredes.
Nomundoindustrial,tudoéinterligado.Cadavezmais,oesforçoéparamantererefinarasconexõesentreasredeseentreaspartesdecadarede.Àmedidaqueelasvãosendointegradas,surgeumagranderedeabarcandotodasasoutras–adeinformação.Muitoantesdeexistirainternet,asgrandescidadesdomundoempenhavam-separagerarumamalhainformacionalcapazdeorientar
quemtransitasseporelas.Épossíveldesignaressamalhapelotermo“sinalização”,contantoqueseentendaessapalavranosentidomaisamplopossível:abrangendonãosomenteasinalizaçãoformaldeplacasemarcaçõesplanejadas,mastambémainformaldeletreiros,propagandaseintervençõesespontâneaspormeiodegrafismos.Umadascaracterísticasmaisnotáveis,quandoseexaminamfotografiasurbanasdemeadosdoséculoXIX,éarelativaescassezdetextoseimagensaplicadasàpaisagem.Poucotempodepois,noiníciodoséculoXX,asgrandesmetrópolesdomundojáseencontravamtomadasporelementosdecomunicaçãovisual.Letreirosetabuletas,propagandasecartazesderua,passaramademarcarosespaçoscomerciaiseasviasdepassagem.Emtextode1907,ograndeescritorJoãodoRiojácomentavaaproliferaçãode“reclamos”(comoeramchamadasaspropagandas)nasruas,descrevendo-acomo“babeldeapelosàatenção”.{47}Logoemseguida,ousodeiluminaçãoelétricaveiotransformarcompletamenteapercepçãodoespaçourbano,criandoapaisagemnoturnaquehojeachamoscorriqueira,masque,àépocadesuaintrodução,eraalgofantásticoefeérico.
Paralelamenteàformaçãodaredevisualdecomunicaçãopormeiodeletreiros,cartazeseplacasderua,foisurgindooutrarededeinformaçãoinvisível:adetelecomunicações.Aformainauguraldecomunicaçãoadistânciafoiatelegrafiaelétrica,aperfeiçoadaaindanadécadade1830,quepossibilitouatransmissãorápidadeinformaçõessobrelongasdistânciaspelaprimeiraveznahistóriadahumanidade.Oséculoseguinte,depoisdaintroduçãoexperimentaldatelegrafia,testemunhouumesforçoconcentradoparaestenderosistemaparatodososlugaresdomundo.Aaçãodecolocarcabostelegráficosporbaixodosoceanos,atravessandocontinentes,interligandonumerosasestaçõesemcadacidade,foiaprimeiragrandeepopeiadeformaçãofísicadarededecomunicaçãomoderna.Aolongodoséculoemeioseguintes,vieramsejuntaraotelégrafoatelefonia,orádioeatelevisão.EmmeadosdoséculoXX,omundojáestavapraticamentetodointerligadoporredesinvisíveisdecomunicaçãoadistância.Emboramuitoprecáriasedesconexasainda,emcomparaçãocomarededehoje,elasrepresentavamumgraudeunificaçãoinimaginávelatéentão.Nadamaismilagroso,paraalguémquenasceunoiníciodoséculoXX,doqueouviraotelefoneavozdoparenteouamigofalandodeoutrocontinente.
Éinteressanteconsideraromomentologoanterioraoiníciodessahistória,porvoltade1820.Atéessaépoca,avelocidademáximacomquesepodiatransmitirumainformaçãoadistânciaeraotempoqueumserhumanomontadoacavalo(ouembarcadonumnavio)levasseparatransitardeumpontoaooutro.Comosurgimentodaslocomotivas,essavelocidadeaumentouconsideravelmente.Semdúvidaalguma,otransporteferroviárioeotransporte
marítimoavaporsãograndesfatoresdeintegraçãoterritorialdoplanetaaolongodoséculoXIXeoiníciodoséculoXX.Contudo,arapidezdetransmissãodeinformaçãoaindaeraigualaotempodetransportedeumcorpofísicocapazdecarregá-la.Atelegrafiaintroduziuumdadonovo:pelaprimeiravez,erapossíveltransmitirumainformaçãomaisrapidamentedoquetransportarumapessoa.Datadaí,dadécadade1830paracá,oiníciododescompassoentreavelocidadedainformaçãoedasformasmateriais,queéumdosaspectosmaismarcantesdomundocontemporâneo.
Hoje,umserhumanoouumartefatopodemsertransportadosdeumlugaraooutroaumavelocidadecercadevintevezesmaiordoqueduzentosanosatrás(supondoqueumcavalopercorra50quilômetrosporhora,agalopemédio,eumaviãocomercialpercorracercademilquilômetrosporhora).Emcontraponto,avelocidadedetransmissãodainformaçãoaumentouincrivelmentemais.Considerandoqueumamensagemeletrônicapodepercorrermilharesdequilômetrosnumafraçãodesegundo,atransmissãodainformaçãoeopercursodoscorposeartefatostiveramsuasrelaçõesdetempo-espaçoradicaleirremediavelmentecindidaspelastelecomunicações.Apartirdessaseparação,oimaterialpassaaterexistênciaautônoma,independendoatécertopontodamaterialidadequesemprelheserviudesuporte.
Umaterceiragranderededecomunicaçãofoisendoconsolidadanomesmoperíodo,emparaleloàredevisual(sinalização)eàredeinvisível(telecomunicações),ambasinstaladasfisicamentenapaisagem.Dastrês,trata-sedaredemaisantiga–,aquelaqueestavaemformaçãohaviamaistempoecujaexistênciapossibilitou,inclusive,osurgimentodasoutrasduas.Trata-sedarededecomunicaçãovisualimpressa:livros,revistas,jornais,mapaseoutrosartefatosmóveisparaaveiculaçãodetextoeimagem.OsimpressosjáexistiamdesdefinsdoséculoXVquandoocorreadisseminaçãodaprensacomtiposmóveis.Suaaplicação,porém,erabastanterestrita.AntesdoséculoXVII,praticamenteinexistiamjornais,eantesdoséculoXVIII,revistas.AtéoséculoXIX,osimpressoseramcarosesuastiragenspequenas,porcontadospoucosleitoresedosaltoscustosdeprodução.Somenteapartirdadécadade1830,pode-sefalarnosurgimentodeuma“indústriagráfica”,propriamentedita.{48}Overdadeiroboomdosimpressosedoacessomassivoàinformaçãocoincidecomaindustrializaçãodaproduçãográficaocorrida,grossomodo,entre1830e1920.
NoperíodoquevaidasprimeirasdécadasdoséculoXIXatémeadosdoséculoXX,evidenciam-setrêsfenômenosinterligadosqueconstituem,juntos,aespinhadorsaldaquiloquechamamosde“modernidade”.Primeiramente,aconsolidaçãodegrandesmetrópoles,comsuasredesdeutilidadeseinfraestrutura.Emsegundolugar,osurgimentoderedesdetransportese
comunicaçõescadavezmaisvelozeseeficientes.Emterceirolugar,adifusãodacomunicaçãovisualimpressa,queseriaumaespéciederedeparaotransportedeinformaçõescomplexas.Omotorparaessastransformaçõeséaindustrialização,comseusistemadefabricaçãoemnódulos(fábricas)edistribuiçãoporvetores(redesdetransporteecomércio).Aestruturapolítica,administrativaejurídicaquepermitiuessasmudançastodaséomodernosistemadeEstadosnacionais,comseusnúcleoscompetindoemumsistemamercantilistadeinter-relaçõesealianças.Aestruturaconceitualqueregeotodoéoconhecimentocientíficoelinguístico,expressoemcódigoseconvenções,armazenadoemlivrosedistribuídoemredesdedifusãoeducacional.
Redesdentroderedesdentroderedes,todasentrecruzadasecomunicandoentresi.Asredesdependemdeinterfacesparafuncionar.Sealigaçãoentreumpontoeoutronãopermiteofluxodesejado,aredeinteirapodeserdesfeitaouprejudicada.Cadaumadessasinter-relaçõesdasparteséumpontode“interface”,ouseja:odispositivofísicooulógicoquefazaadaptaçãoentredoissistemas.Asinterfacesprecisamserprojetadas.Aíentraaenormeimportânciahistóricadodesign.Asredesnãonascemprontasnemsemantêmoperacionaissozinhas.Elasdependemdeplanejamentoeprecisamdeconstantemanutençãoeajuste.
Tomemosumexemplosimples,emtermosdacomplexidadedomundoindustrial:ociclodevidadocafé,comoprodutocomercial.Comoseestruturaaredequelevaocafédafazendaondeéplantadoatéaxícaradequemobebe?Quantasinterfaces–e,portanto,instânciasdedesign–separamumpontodooutro?Ocafé,colhidoeseco,precisaserensacado.Ossacosprecisamsercarregadosemcaminhão.Ocaminhãoprecisapegaraestradaatéafábrica,ondeserábeneficiadoocafé.Nafábrica,ocaféprecisaserembalado.Ocaféembaladoprecisasertransportadoatéodepósitoouarmazéme,delá,redistribuídoparaocomérciovarejista.Naloja,eleéexpostoparaoconsumidoremalgumtipodemostruário(display).Comprado,eleétransportadoparaolocalondeseráconsumido.Retiradodaembalagem,eleépreparadoebebidoemaparelhosadequados.
Quantasinstânciasdeinterfaceexistemnanarrativaesquemáticaacima?Contandoembalagens,rótulos,sinalizações,sistemasdeexibição,maisdeumadezenacertamente.E,isso,considerandoumesquemareduzidoaomínimoabsoluto.Seformoscalcularasinstânciasdeinterfaceeprojetoenvolvidasparaproduzirocaminhão,aestrada,osupermercado,axícara,asroupasvestidasportodasaspessoasenvolvidasnoprocesso,ascomunicaçõesocorridasentreagenteseescritórios,aspropagandasdosupermercadoedamarcadecaféetc.,asinstânciasdeprojetosobemparacentenasemilhares.Numsistemaemque
tudoestáinter-relacionadocomtudo,anecessidadedeprojetarinterfacesexisteemcrescimentocontínuoegeométrico.Poressarazão,designelogísticatalvezsejamatualmenteasduasáreasdemaiorimportânciaparaoperacionalizaracontinuadaexistênciamaterialdetodosnós.
INFORMAÇÃOENAVEGAÇÃOAprimeiralinhadetransportedepassageirosporferroviasurgiuem1830,
unindoascidadesinglesasdeLiverpooleManchester.Umcomboiodessalinhacarregavapessoasecargae,aomesmotempo,carregavainformações.Doladodeforadovagãodepassageiros,estavamdispostasinformaçõestextuaisidentificandoonomedalinhaeopropósitodovagão.Éinteressanterepararqueestavamdispostasoutrasinformaçõesvisuaistambém,naformadeumsutilpadrãoornamentalpintado.Opropósitodessasmarcaçõeseraduplo:oprimeiro,maisimediato,desinalizarparaopassageiroemqualvagãoeledeveriaembarcaresugerirocuidadocomquehaviasidopreparadoparaacomodá-lo;osegundoeratransmitir,paraaspessoasqueseposicionassemaolongodaviaférrea,umsensodecomoseriaaexperiênciadeembarcarnaqueletrem,talvezlhesincitandoodesejodefazeromesmoumdia.Porseraúnicalinhaferroviáriadomundoàquelaépoca,aintençãocertamentenãoeradistinguirseusvagõesdosdeoutraempresaconcorrente.
Opassageiroque,embarcadonaquelevagão,porventuraaproveitasseotempoparalerseujornalestariaenvolvidoemumesquemadecomunicaçãoconsideradocorriqueiropornós,masinéditoparaaqueleprincípiodemundoindustrial.Enquantootremprosseguiaviagem,eeleliatranquilamentenotíciasoriundasdeManchesterouLondresouatémaislonge,aspessoasdoladodeforaliamasmarcaçõessuperpostasaovagãoetiravamdelasumsentidoprojetadoporquemashaviapintado.Ascoisasfaziam-seinformações,easinformaçõesfluíamapartirdecoisas,estandootodoemmovimentoemumapaisagemque,dopontodevistadoviajante,erainstável.
Comaevoluçãodasestradasdeferro,dospassageirosedacomunicaçãovisual,oesquemafoificandoaindamaiscomplexo.Algumtempodepois,erammuitasaslinhasférreas,commaiorquantidadedemarcaçõesnostrens.Haviasinaleiroseplacascolocadasaolongodaferrovia,algumasostentandoanúnciospublicitários.Podiamexistiranúnciosdentrodovagãotambém.Erammaisvariadasasopçõesdeleitura,contendonãosomentetextocomotambémimagens.Eramaioroapertodepassageiros;easroupasquevestiampassavamaserdecodificadas,cadavezmais,comofontesdensasdeinformaçãovisual,fazendopartedeumjogosutilderevelareesconderquemeraquem.Quandootrementravanoperímetrourbano,asinformaçõesseadensavam.Ruas,pedestres,casas,fachadasdeedifícios,sinalizaçãoemmaiorquantidade:tudosujeitoàdecodificação.
Coisaseinformaçõesviajandojuntasnoespaço:precursorasdistantesdosbundlesdedadosqueatravessamfreneticamenteociberespaço.Àmedidaqueasociedadeindustrialvemaumentandodecomplexidadeaolongodosúltimosduzentosanos,ascoisastendemacarregarcadavezmaisinformações–sobreprocedência,natureza,pertencimento,intenção,eassimpordiante.Aevoluçãohistóricadosrótuloseembalagenséapenasafacetamaisevidentedeumprocessoqueabarcaquasetudo,principalmentepormeiodeinformaçõesnãotextuais.Aomesmotempo,asinformaçõestendemasetornarcadavezmaisfluidasevoláteis,permitindoseurápidodeslocamento(inclusive,desentido)mundoafora.Atualmente,comapossibilidadededesmaterializarcoisasetransmiti-lascomoinformação–umafotoanexadaaumamensagemeletrônica,porexemplo–ociclosefecha.Ascoisascarregaminformaçõesque,postasemmovimento,podemcarregarcoisasque,porsuavez,carregammaisinformações–reflexosdereflexosdereflexos,comoumagaleriadeespelhos.
Ainformaçãosituadanapaisagemfísica,discutidaanteriormentecomrelaçãoàsinalizaçãoemseusentidoamplo,éapenasumpassoemdireçãoàinformaçãocomopaisagem,ouambiente.Afrase“ainformaçãonoespaçoéoespaçonainformação”,cunhadapeloestudiosoMichaelBenedikt,exprimeaspossibilidadesconceituaisdecorrentesdeumpensamentoquedesconstróiaseparaçãoentreambienteeinformação.{49}OtextodeBenediktrefere-seà“paisageminformacional”dentrodaqualsenaveganarede,tratandodaspossibilidadesdeseprojetaruma“arquiteturadainformação”.Éumassuntodeextremaatualidadeecujasimplicaçõesprofundasficamalémdoalcancedestelivro.Cabeaqui,apenas,umatentativadeconstruirpontesentreessenovopensamentorelativoaoespaçovirtualeovelhoebomespaçofísico,noqualodesignsempreoperoucomocampodeconhecimento.Espera-sedemonstrarqueavisualidadequeregeoadmirávelmundovirtualédesdobramentodefenômenosconhecidosdovelhomundodasmalhasconstrutivas.
Namodernidade,omundopassouaserconcebidocomomalha–ouseja,umconglomeradointricadoderedeserelações–conformeseindicounadiscussãosobremalhasdetransportes,deutilidadesedeserviços.Aomesmotempo,quaseemparaleloemtermoshistóricos,amalhadiagramática,ougrid,passouaseradotadacomoformapreferencialparasedisporainformação.{50}Aformulaçãodogridcomoconceituaçãodoespaçovisualfoiumdospreceitosfundadoresdaquiloqueentendemoscomomodernismonodesigngráfico.Valerefletirmelhorsobreessasduasformulaçõesdoconceitodemalha,suasdiferençasecoincidências.Porque,derepente,porvoltadoiníciodoséculoXX,surgiuessanecessidadedepensaromundoemtermosdequadraturasecírculos,quarteirõeseinterseções,diagramaseesquemas?
Osdoisempregosdotermo“malha”correspondemaconcepçõesdistintas,porémcomplementares.Emprimeirolugar,nocasodasredesdeutilidadesetransportes,tem-seaideiademalhacomo“sistemadistributivo”.Emqualquermalhaourededotiponetwork,algo(energia,tráfego,produtos,porexemplo)édistribuídoporramaisoucanais,geralmentepormeiodeumdeslocamentoespacialfísico.Emsegundolugar,nocasodasredesdediagramação,tem-seaideiadamalhacomo“interfacecomunicacional”.Emqualquermalhadotipogrid,ainformaçãoédispostasobreumasuperfíciequepodeservirdeacessoaoutradimensãodeentendimento,geralmentepormeiodealgumprocessodeleituraoudecodificação–ouseja,umdeslocamentovisualemental.Emambososcasos,estáimplícitaanoçãodeprojeção,ouseja:dedeslocamentodirecionalapartirdeumpontodeorigem.Juntandoessasduasconcepçõesdemalha–comoredeeinterface–chegamosàideiade“navegação”emumespaçopluridimensional,complexo:aquiloqueosmatemáticoschamamdematriz
(matrix,eminglês).Navega-senessamatrizapartirdaconsciênciasimultâneadasduasconcepçõesdemalhacitadas.Todamalhadecomunicaçãoexigeesseduploentendimento.
Recorramosaumexemplocotidiano,quepodeajudaracompreendermelhoraquestão.Osistemadetrânsitoautomotivoépercebidodeduasmaneiras:comoviapenetrável,compontodeentrada,ecomosistemadecirculação,cujaoperaçãosóécompreensíveldeforaeapenasemparte.Omotorista,aodirigir,temavisãodamalhacomointerface.Olhandopeloenquadramentodopara-brisa,eleenxergaàsuafrenteocaminhoimediatoaserpercorrido,emaisnada.Emespecial,elenãoenxergaatotalidadedamalhacomosistemadistributivodetráfegodeveículos.Essaoutravisãosóépossíveldecima,paraquemestáforadamalha,comoorepórterdetrânsitoquesobrevoaacidadedehelicóptero.Este,porsuavez,nãoenxergaascondiçõesimediatasdequemtrafeganoníveldochão.Elenãopodelerasplacasdetrânsitoemuitomenosdarumaparadanaesquinaparacomprarumrefrigerante.Paraqueorepórterconsigaverofluxodotrânsitocomoumtodo,eleprecisaabrirmãodapossibilidadedeestarsituadodentrodamalha.Umamodalidadedevisualizaçãoexcluiaoutra,pordefinição.Contudo,cadatipodevisãosófazsentidoquando
seguardaemmenteaconcepçãoopostaecomplementar.Omotoristasósaiporaídirigindoporqueeleconfiaqueumarualevaráaoutraeque,aofinal,elechegaráaoseudestino,emborasejaimpossívelvisualizaressetrajetoemsuatotalidade.Orepórtersósobrevoaeobservaotrânsitoporqueeleconfiaque,láembaixo,existeumasituaçãoconcretadepessoastransitandonamalha(eprestandoatençãoaoqueeletemadizer).
Sãoduasvisõesdemalha–adefora,conceitual;adedentro,experiencial–quejuntasformamamatriznavegacional.Quantomaiscomplexootrânsito,maisessenciaissetornamosmapaseelementosdesinalização,osquaisseconstituememcodificaçãolegíveldessasduasvisõesdamalha.Osmapasdemarcamatotalidadedamalha,recortando-aemporçõesassimiláveisereduzindo-aaumsistemaderepresentaçãocompreensível.Ossemáforos,sinais,placas,marcaçõesetc.demarcamaoperacionalizaçãodasinterfacessucessivas,orientandoousuárioquantoaoslimiteseconfirmandoosentidodopercursoimaginado.Trata-sedemarcosdenavegação,nosentidoestritodequemnavegaembarcoetomapontosdereferênciaemterrafirme(ounocéu)apartirdosquaispoderáavaliarsuaposiçãonomeioaquáticoinstável.Quantomaioropercursoaserpercorrido,quantomaiscomplexoosistemadentrodoqualsenavega,maisimportantesefazaconcomitânciadasduasformasdevisualização,representadaspormapasesinais.
Anavegaçãoespacialéoprimeirograndedesafioenfrentadoportodoserhumanoforadoslimitesdoprópriocorpo,aosairdoberçoeengatinharemdireçãoaumpontofixadopeloolhar.Omovimentopermiteatravessaroespaçoe,combinadocomavisão,ensinaapossibilidadededimensionaradistância,emabstrato.Essarelaçãoentrevisãoemovimentoatendepelonomedecinestesia.Posteriormente,asdistânciasaumentame,comelas,aumentaograudeabstraçãoexigido.Daí,aimportânciadosmarcosdenavegação.Umnavegante
aomarpodetomarumaconstelaçãoouumfarolcomoreferência.Umcaminhanteemterrapodetomarcomoreferênciaumamontanhaaolongeouolongodeumrio.Emsistemasartificiaiscomplexos–comoqualquercidadegrande,porexemplo–sãoconstituídostambémmarcosdenavegação,naformadeimagens,textosecombinaçõeshíbridasdeambos.Navegarnaurbesignificasemoverdentrodeumespaçosinalizadoapartirdeindíciosvisuais,estesconstituídosporlinguagensematerializadosemtextoseimagens.
Ametrópolepodesercontempladacomoumagrandematrizespacialevisual,demarcadaporindícioscodificadosvisualmente.Essesindícios,oumarcos,precisamserajustadosereajustadosdemodocontínuo,porqueanavegaçãodepessoasecoisasacarretaodesgastedoscaminhospercorridos.Dopontodevistadecadausuário,situadodentrodamalha,osmarcosestãoaliparafacilitaranavegação.Sãointerfaces.Dopontodevistaexternoàmalha,anavegaçãoéaconfirmaçãodofuncionamentodosmarcos.Oqueimportaéamanutençãodosistema,oqualcontinuaaexistirmesmodepoisqueospercursossãocompletados.Osusuáriosfazemosistema,masosentidodosistemaébemmaispermanentedoquecadainstânciadeuso.Tudoissoébastanteevidente,óbvioatécertoponto,quandosefalaemsistemascomexistênciaconcretaematerial,comoaslinhasdometrôouarededeesgotos.Éumpoucomenosautoevidentequandosefaladeumsistemadeinformação.Ainternet,contudo,éaconsolidaçãodessemodeloderedecomourbeexpandidaemtodasasdireções.
Osdiversosmapasdainternetcriadosporpesquisadoresnatentativadefornecerummodeloesquemáticoouumarepresentaçãovisualdaredesãoinsuficientesapontodeseremquaseinúteis.Aestruturadainternetnãoéinteligível,anãosertalvezcomomodelomatemático.Elanãoévisualizável,nemdeforanememparte,domodocomoépossívelvisualizaramalhaviáriaapartirdeumhelicóptero.Aestruturadainterneté,defato,tãopoucomaterialquantoqualqueratmosferaparaumcorpoimersonela.Émeio,enãocoisa.Oanseiodegerarvisualizaçõesdaquiloquenãopodeservisualizadoésintomáticodequantoissonosincomoda.
Comoconceberqueumsistemageradopornóshumanos–ouseja,algoartificial–possavirasertãomaiordoquenósqueficamosimersosnele,sempossuiraomenosapossibilidadedeenxergaroslimitesdaredequenosenreda?Aspartescomponentesdessaredevêmsendoformadashátempos.Sãotextoseimagenseoutroscódigoshíbridos(imagensemmovimento,textossonorizados),bemcomoasestruturasdelinguagemsofisticadíssimasquecodificamevivificamessaspartes.Seforverdadequeamatriznãoévisualizávelporestarmosdentrodela,tãomaisimportantesefazemasinterfacesvisuaisquenospermitemtransitarentresuaspartes.
AMALHAFINADAVISUALIDADEParaseususuários,aporçãolegíveldawebéopontodeentrada.Aprimeira
interfacevisualé,emmuitossentidos,omaisdecisivo.Amaioriadosnavegadoresofereceapossibilidadedeescolherumapáginainicial,masnãoéconcebívelnavegarnaredesementrarporpáginaalgumaesemtransitardepáginaempágina,desiteemsite.Pormaisqueumespecialistaconsigaacessarainternetpormeiodelinguagensdeprogramação,semnenhumaconfiguraçãovisualmaiselaborada,issonãorefleteapráticacomum,poissãorelativamentepoucasaspessoasqueconhecemedominamoscódigosportrásdapartevisível.Ainternetjamaisteriaalcançadosuarepercussãoatualsenãofossepelaelaboraçãodasinterfacesgráficasquedãosustentaçãoàworldwideweb.Paraavastamaioriadosusuários,aredeéawww;eestaéumsistemadedocumentosinterligados,oqualexigequecadadocumentotomealgumaconfiguraçãovisual
eassumaumaaparênciainteligível.Emsuma,dopontodevistadesuadifusãosocial,aredeéumfenômenotantodedesignquantodeinformática.
Quandosefalanahistóriadarede,noentanto,adiscussãocostumapassarquaseexclusivamenteporseudesenvolvimentotecnológicocomosistemadeinformática.Rarasvezes,ouve-sereferênciaàsuaconstituiçãocomodesigndeinformação–ouseja,comoprojetodevisualidade.Orestantedestecapítuloserádedicadoainvestigaressadimensãorelativamentenegligenciada.Senadavemdonada,quaisseriamasorigenseosmodelosparaanavegaçãonainternet?Qualalógicadiagramáticaqueregeaspáginaseossites?Emboraawebdesignsejaumaáreamuitojovem,aindaemformaçãoesujeitaatransformaçõesrápidaseradicais,jáépossívelidentificararquétiposeapontartendências.Nãodáparafugiraquidatarefadecontextualizarumpoucoaformaçãovisualdarede,mesmoestandocientedoriscodeenveredarporgeneralizaçõesquepodemviraserdesmentidaspelodiadeamanhã.
Parapoderanalisarumapáginaousitetípicodaweb,oprimeiroobstáculoédefiniroqueseentendepor“típico”.Oambientedaredeénotórioporsuapluralidadeediversidade.Temdetudoumpouco;portanto,qualquergeneralizaçãoquesefaçasobreascaracterísticasdessaoudaquelapáginaseráimediatamentesujeitaàdesmentidaporumapletoradeexceçõeseexemplosemcontrário.Descontadoessefato,todavia,existemalgunsmodelosrecorrentes,repetidosquaseapontodesetornaremnormativos.Osgrandessitesdenotícias,comércio,empresas,instituiçõespúblicas,tendemaseguirformatosmaisoumenospróximos,quevãomudandocomaevoluçãodaweb,masqueatéhojenãoseafastaramtantoassimdasestruturasdediagramaçãopraticadasnosanos1990,quandotudocomeçou.{51}
Namédiadoscasos,olayoutdeumapáginaeletrônicaaindapossuimuitospontosdecorrespondênciacomaqueledeumapáginaimpressa.Aoexaminaraaparênciaeadisposiçãodealgunsdossitesmaisvisitadosdainternet,épossívelidentificarainfluênciademodelosdediagramaçãooriundosdouniversododesigngráfico.Aprimeira,epossivelmenteamaisimportante,dessasreferênciashistóricaséojornal.Muitaspáginasnoambientevirtualobedecemaumaconfiguraçãopróximaàdeumaprimeirapáginadejornal:cabeçalhoaotopo;organizaçãodainformaçãoemcolunaseblocos;empregodetítulosacimadostextosedelegendasabaixodasimagens;presençadeíndice,sumárioououtrosistemaderemissãoàparte“interna”.Outraspáginas–emespecial,asdecomércioeletrônico–possuemsemelhançascomaestruturavisualdeumcatálogodevendas,ouseja:oposicionamentodasimagensemcolunasefileirasregulares,criandoumaestruturadeequivalênciaecomparaçãoentreositensrepresentados.Osmodelosdiagramáticossãodiversos,comparalelosaoutras
modalidadeshistóricasdeimpressos,taisquaisrevistas,livros,folhetos,eassimpordiante.
Maisdoqueolayout,propriamentedito,deumapáginaqualquer,importapensarosite(conjuntoousucessãodepáginas)comoumsistemadenavegação.Aí,sim,tornam-seimperiosososparaleloscomojornal.Ocomumdossitesoperacomváriosoutodososseguinteselementosdeorganização:páginadeabertura(homepage);possibilidadessecundáriasdeentrada,semserahomepage;múltiploscaminhosdenavegação,principalmentepormeiodehyperlinks,levandoaumdesdobramentodaleituraempercursosindividualizados;sensaçãodemovimentoemprofundidade,direcional,massemseremdireçãoúnica.Todosessesrecursosjáestavampresentesnaconfiguraçãovisualeespacialdojornal:páginadeabertura(primeirapágina);possibilidadessecundáriasdeentrada,semseraprimeirapágina(capasdecadernos,assimcomosuasquartascapas);múltiploscaminhosdenavegação,principalmentepormeioderemissõesalfanuméricas(porexemplo,indicaçõescomo“oartigocontinuanapáginaA16”),levandoaumdesdobramentodaleituraempercursosindividualizados;sensaçãodemovimentoemprofundidade,direcional,massemseremdireçãoúnica.Adiferençaprincipalentreojornaleosite,emtermosdenavegaçãovisual,équeoprimeiroobjetoprecisasermanipuladofisicamente–dobrado,virado,amassado–paraseconseguirrealizaropercursoquenosegundoseperfazapontandoeclicando.
Anavegaçãonawebenvolveumdeslizeconstanteentretextoeimagem,osquaiscostumamserinterpostosemalgumacorrelaçãodeequilíbrioentreblocos(detexto),queretêmoolhar,ejanelas(deimagens),penetráveispeloolharemsuabuscaimagináriapelaprofundidade.Trata-sedeumamalhaourede,nosentidoestrito,deseralgoqueretémalgumascoisasenquantodeixaoutraspassarem.Trata-setambémdeumateia,algoqueenreda,poisnoespaçovirtual,textoeimagemtendemaseinterpenetrarcadavezmais.Háimagensdentrodostextos;textosporcimadeimagens;textoseimagensqueoperamemconjunçãoperfeita.Ostextoseimagenssãomarcadoresvisuais,pontosdereferência,entreosquaissenavega.Aomesmotempoquesãomarcadores,todavia,elesconstituemaprópriapaisagemoumeioporqualsenavega.Oespaçovirtualécompostodeumconjuntodemapasesinais(indíciosvisuais)quesãodispostoscomosalaseespelhos(interstíciosespaciais).Aomesmotempoqueosobservamos,movemo-nosentreeleseatravésdeles.Elesestãodiantedenós,etambémànossavolta.
Emseusprincípiosessenciais,navegarnawebéparecidocomnavegarnomar.Daí,ametáforadanavegação,queemlínguainglesaencontraumparalelismoreveladornaideiade“surfar”narede.Oproblemadanavegaçãomarítimaé,essencialmente,odemanteropontodereferênciaaodeslizarsobreumasuperfícieinstável,imersoemmeiofluido,rumoàquiloquenãoseenxergaouapenasseadivinha.Aonavegarnomar,onaveganteequilibra-seentreáguae
atmosfera–doisambientesdistintos,porémcontíguos–eparticipadeambos.Naredetambém,onaveganteequilibra-seentreavirtualidadequeformaoobjetodesuaatençãoeimaginaçãoeaatualidadeemqueestáancoradoseucorpoesuasações.Agrandediferençaéque,naweb,nãoénadaclaraadistinçãoentremeio,superfícieereferência.Tudoviraumacoisasó,porquantoapaisagemvisualsemoveàvoltadoobservador.Porcontadessaindistinçãoentreoqueéfixoeoqueémóvel,oqueéfiguraeoqueéfundo,oqueésignificanteeoqueésignificado,osobjetosvirtuaisadquiremextraordináriafluidezdesentido.
Naweb,osreferentessãosubsumidosporsuarepresentação.Virammarcadoressoltos,semoutrosuportefísicoalémdatelaempregadaparavisualizá-los.Flutuam,virtualmente,diantedoobservador,comonocinemaounatelevisão,mascomodiferencialfundamentaldequeoobservadortambémestáimersoparcialmentenoespaçoocupadoporelas,porsuaproximidadefísicaetátilcomoaparelhoquedásuporteàtela.Ouseja,oobservadorinteragefisicamentecomoobservado,podendoinclusiveimpactarsuaaparência–clicandosobreumlink,porexemplo.Osobjetosrepresentadossãotransformadoseminformação–emimagens,nomaisdasvezes–comapossibilidadederetomaremsuamaterialidadeoriginária,ounão.Ousoindiscriminadodotratamentodeimagensedamanipulaçãodigital,aindamaiornarededoquenasmídiasimpressasouaudiovisuaisanteriores,acabaporgerarumadissociaçãograndeentreoquesevêeoquesesabe.Issoéagravadopelomodonadalógicocomquetextoeimagemsãopostosemcorrelaçãopormecanismosdebusca.
Asrepresentaçõesacabamporsedescolardeseusreferentesepassamainteragirdemodoerrático,seguindoalógicadarecombinaçãoquaselivre.Essalógicadevisualidadeerráticadaredetemprecedentetambém:éamesmaqueregeomundodasilustrações,dasmontagensedosdesenhosanimados.Nessaslinguagensvisuais,tudoquesevêéaceitocomopremissa.Tudoqueévisualizávelsetornapossível.OPapa-léguasatravessadeumpenhascoparaoutro,correndopeloar.OCoioteosegue,masnomeiodatravessia,sedácontadequeestásuspensonomeiodoar,eaícai.Éaexperiênciadafantasia,quesustentaaquemacreditanela.Éavivênciadovideogame,emqueoparticipanteseprojetaparadentrodojogoealipermanece,portodootempoemqueépossívelmanteroequilíbrioentredentroefora,excitaçãoecansaço,imaginaçãoecorpo.Noadmirávelmundovirtual,asregrasdovelhomundofísiconãoseaplicamdamesmamaneira.Apenas,asestruturasvisuaisserepetem,eéessarepetiçãoquegaranteoêxitodaempreitada.Seduzidospelamemóriacadavezmaisdistantedaverossimilhança,permitimo-nosnosentregarcommaior
abandonoàsuspensãodadescrença,naesperançailusóriadequevenhaaserpermanente.
CONCLUSÃONOVOSVALORESPARAODESIGN(ESEUAPRENDIZADO)
Seodesignpudesseserensinado,todomundooaprenderia,comotodo
mundoaprendealerouacalcular.Masodesignnãoématériadeortografiaoudesomas.[JohnRuskin,Odesigneasmanufaturasmodernas,1859.]{52}
Chegamosàconclusão,carosleitores,eestánahoraderevelarqueoautornãotemrespostasmuitoconclusivasparadar.Exploramosjuntos,aolongodoscapítulosantecedentes,umasériedetransformaçõesnoestatutodosobjetosnestestemposchamados,àsvezeseporalguns,depós-industriais.Noinício,constatamosoquantoomundomudoudesdequeforamformuladososprimeirosenunciadossobreforma,função,adequação,utilidadeedesign.Verificamosqueacrescentecomplexidadedocenárioatualnosobrigaarepensarvelhosconceitoseabuscarnovasrespostas–ou,pelomenos,areformularasperguntasdemodomaisprecisoeeficaz.Descobrimos,noprimeirocapítulo,queaimobilidadedosartefatosnãoéalgotãodefinitivoassim,masantesaimposiçãosobreamatériacircundantedaimobilidadedenossoprópriopensamento.Nosegundocapítulo,giramosemtornodaquestãodasignificação,aproximando-nosvertiginosamentedoprecipícioqueexisteentreaspalavraseascoisas.Vimosevanescerperantenossosolhosaestabilidadedoconceitodesignificado.Vimosqueosobjetosestãomaisemestadodefluxodoquedeser:nãotantocoisasquantofenômenosdemarcadospornossapercepçãodeles,comojáargumentavaofilósofoMauriceMerleau-Pontynosanos1940.Deláparacá,avolatilidadedesseestadolíquidodemodernidadeaumentoudemodoconsiderável,principalmentecomoplenoingressonaeradainformaçãoedachamadavirtualidade,conformediscutidonoterceirocapítulo.Se,atécertoponto,omundosemprefoiregidoporsombras,agoraelassemovembemmaisdepressaànossavolta.
Resumindonossopercursoatéaqui,traçamosempoucomaisdeduascentenasdepáginasumrastrodedesmaterializaçãodeobjetosusualmenteconsideradossólidosemobjetosdepuropensamento.Antesqueelesdesapareçamdevez,equeoprópriolivroemsuasmãosevaporemagicamenteemimagenspiscandosobreateladeumtablet,cabeumaúltimatentativadeinvocarosleitoresremanescentesàação.Comosdevidospontosdeexclamação,portanto,eàguisadeconclusõesinexistentes,oautorselançanaságuasturvasdapolêmica!Partindodapremissadequegrandepartedosleitoresdestelivroteráalgumaligaçãocomoensinododesign–sejacomoalunosoucomoprofessores–aproveitemosoespaçoquenosrestaparaentabularumaconversa–maisoumenosimprecisa,maisoumenoscrítica,maisoumenosurgente–sobreosrumosdessamatériaentrenós.Estáabertaaconversaentreamigos,
rumoàbuscadenovosvaloresquepossamnortearodesignemtempossombriosparaummundocomplexo.
ABAIXOOENSINO!Historicamente,osdebatessobredesigntêmsidoexcessivamentepautados
pelaquestãodoensino.IssoéverdadedesdeaprimeirametadedoséculoXIX,pelomenos,quandoosindustriaisinglesesdacidadedeCoventrypediramaogovernoqueosprotegessecontraaconcorrênciadeslealdecompetidoresestrangeirose,emtroca,receberamoprimeirosistemapúblicodeescolasdedesigndomundo.{53}AolongodoséculoXX,tornou-secomumpensarahistóriadodesigncomoumahistóriadeseuensino,comcadaautorpuxandoabrasaparasuasardinhaacadêmicaeexplanandoocampoapartirdasexperiênciasdeescolascomoBauhaus,Vkhutemas,HochschulefürGestaltung-Ulm,RoyalCollegeofArt,Cranbrook,entretantasoutras.Oresultadodissofoiumadistorçãodeconceitoseparadigmas,poisaescolaéapenasumreflexoparcialdetodoumpensamento.{54}Qualqueratividadeprecisaexistirantesquesejapossívelensiná-lae,maisainda,precisaterhistóriapregressaantesdeassumirumadimensãoinstitucional.
Empaísesquechegarammaistardeàdiscussãosobredesign,costumaseratribuídoumpesointeiramentedesproporcionalàsquestõesdeinstitucionalizaçãodocampo.NoBrasil,praticamentetodavezqueseempreendeumadiscussãosobreoexercíciododesignouaqualidadedesuaprodução,oassuntoacabaresvalandoparaumalinhaderaciocíniotortuosaquejuntaacusaçõessobreoempobrecimentodoensinocomapelosàregulamentaçãodaprofissão.Pornãoserdesigner,aopiniãodoautordestelivrosobreoexercíciodessaprofissãoémaisoumenosirrelevante.Contudo,ospartidáriosdaregulamentaçãodeveriamrefletirsobreosmotivosquelevaramoSupremoTribunalFederaladecidir,em2009,pelofimdaobrigatoriedadedediplomaparaoexercíciodaprofissãodejornalista.Apesardosmuitosargumentosfavoráveisàregulamentação,ostemposclaramentenãosãodeerguerbarreirasburocráticasaolivreexercíciodequalqueratividadelícita.Taisquaisasintermináveisdiscussõessobrecontroledainternet,oassuntodaregulamentaçãoprofissionalparecesermaisumatentativade“enxugargelo”,conformeacusamseuscríticos.Serápossívelcorrigir,pormeioderegrasdeaplicaçãodifícil,umasituaçãoquejáestáclaramentedeflagradaeemprocessodefrancaexpansão?
Aoutrapartedoraciocíniocitado,sobreempobrecimentodoensino,tambémprecisaserlevadaemconsideração.Antesdedecidirqueoexercíciodaprofissãodedesignerdeveriaserrestritoàspessoasformadasemfaculdadesdedesign,serialógicosequestionarsobreovalordaeducaçãooferecidaporessas
instituições.Seráqueoensinohoje,comváriascentenasdecursosuniversitáriosespalhadosportodoopaís,émelhoroupiordoquenosanos1960e1970,quandosurgiramosprimeiros?Faltamdadosprecisoseparâmetrosclarosparafazerqualqueravaliaçãoprecipitada,poisoassuntodariatodaumatese.{55}Seédiscutívelqueeletenhapiorado,deláparacá,éigualmentedifícilafirmarquesejamuitíssimomelhor.Pareceexistirconsenso,entreprofessoresealunos,dequeaindaháumlongocaminhoapercorrerrumoàsuaexcelência.{56}Éconsoladorconsiderarqueaestradapercorridaatéagoraérelativamentecurta,emtermoshistóricos,equeaindahámuitoespaço,portanto,paracorrigirrumos.
ÉcertoqueoensinododesignemnívelsuperiorsurgiunoBrasilcomcunhomaisideológicodoquepedagógico,atentomaisàconsagraçãodeumestiloeummovimentodoqueàscircunstânciasdavidaeconômica,socialeculturaldopaís.{57}Ageraçãofundadoradeprofessorespossuíanãosomentepoucaexperiênciadidáticacomoeratambémrelativamentenovataemmatériadepráticaprofissional.Tirantealgumasexceçõesnotáveis,erambastantejovenseinexperientesosdocentesqueimplantaramcursoscomoosdoInstitutodeArteContemporânea/Masp,daEscolaTécnicadeCriação/MAM-RJ,daEscolaSuperiordeDesenhoIndustrial,entreosanos1950e1960.{58}Algunsencontraram-senaposiçãoperigosadeterderepassaroensinorecebidohaviamuitopouco,semquelhesfossedadoorespironecessárioparaganharsegurançaemseuprópriopercursoereverdemodocríticoasfalhasinerentesaqualqueraprendizado.Oresultadodissofoiumaculturadedidatismoreativo–obsessivaemseuapegoàsverdadesrecebidas,defensivacomrelaçãoatodamudança,hostilaqualquerreflexãoouquestionamentovindodefora–queaindahojepermeiaoensinodedesignentrenós.Masostemposestãomudando.
Valeumabrevevisitaàdécadade1960,comafinalidadedemelhorverificarasimensasdiferençasquenosseparamdaquelaépoca.UmdocumentomuitointeressanteparacompreenderamentalidadedequemimplantouoensinododesignnoBrasiléumfolhetodeapresentaçãodanovaEscolaSuperiordeDesenhoIndustrial,produzidoem1964pelaSecretariadeEducaçãodoentãoEstadodaGuanabara.Aintroduçãodessedocumento,intitulada“AEsdieoBrasil”,tentaexplicarporquefoicriadaainstituição:
Apesardosurtoindustrialdenossopaís,aformadosnossosprodutosaindaédeinspiraçãoestrangeira,pagando-se“royalties”porsuaspatentesimportadasouimprovisando-se“variantes”dasmesmas.Nosetordoequipamentodahabitação,quasetodobaseadonadispendiosaproduçãoartesanal,oobjetodeboaformaédeusoexclusivodeumpequenogruposocialdegrandepoderaquisitivo.OcampodaComunicaçãoVisual,demaneirageral,estádominadopeloamadorismoepeloexcessodecomercialismo,sentindo-seanecessidadeprementedeestabelecimentoseducacionaisdestinadosaformarprofissionaiscompetentes.Impunha-se,assim,acriaçãodeumaEscoladeDesenhoIndustrial,denívelsuperior,quepudesselutarcontraomarginalismodaprofissãoeque–comoúnicanogêneroemnossopaís–tivesseâmbitonacional,nãoselimitandoseucampo
deaçãoapenasaoEstadodaGuanabara.{59}
Notam-se,decara,algunsdiscursosrecorrentesnosdebatessobredesignesociedade.Os“males”queaentãonovaescolapretendiacombatereram:a“inspiraçãoestrangeiradosprodutos,queobrigavaaindústriabrasileiraapagarroyaltiesporpatentesimportadas”;a“dispendiosaproduçãoartesanal”quelimitavaosprodutosa“umpequenogruposocialdegrandepoderaquisitivo”;o“amadorismo”eo“comercialismo”dacomunicaçãovisual;o“marginalismo”daprofissão.Quasecinquentaanosdepois,essesdiscursoscontinuamadeteramesmavalidade?Seráválidoreproduzi-los,demodoacrítico,denunciandooestrangeiro,oartesanato,aseliteseomercadocomoosinimigosdobomdesign?
Averdadeéqueodesignmudoumuitodesde1964.Nãoporquestõesdegostooudemodaoudevolubilidade,masporqueomundomudou–demodoestruturalepermanente.Nosanos1960,omundoestavapolarizadoporumconflitoideológicoentredireitaeesquerda,capitalismoecomunismo,pelaGuerraFriaentreaantigaUniãoSoviéticaeosEstadosUnidos.Todadiscussãoocorriaàsombradapossibilidadeiminentedeaniquilamentodoplanetaporumconflitocomarmasnuclearesentreasentãochamadassuperpotências.Hoje,aclarezaimpostaporessaoposiçãoacabou.Apalavradominanteagoraé“globalização”,oqueimplicaatenuaçãodevelhasdicotomias.Comexceçãodosxenófobosefanáticos,jánãoexerceomesmoapelodenunciaroelementoestrangeirocomooculpadoportodososmales.Atéporqueaconsciênciamaiordacriseambientaledesuagravidadeimpõeaconvicçãodequeestamostodosjuntosnomesmobarco.
Paraocampododesign,maisespecificamente,asúltimasdécadastrouxeramalgumasmudançasfundamentaisnoparadigmadaproduçãoindustrial.Enquantonosanos1960omodelonormativoeraaindaaproduçãoemmassa,oséculoXXIcaminhacélereemdireçãoàproduçãoflexível.Osconceitosquehojenorteiamaporçãoavançadadaindústriasão:“customização”(comoéchamadaaadaptaçãodoprodutoacadaconsumidor);gestãocontínuadofluxoprodutivo(pormeiodeestratégiasdeeficiênciacomoochamadojustintime);qualidadetotaldoprocesso,incluindoresponsabilidadesocialeambiental.{60}Comainformatizaçãogradativadesistemasdecomandoecontroledaprodução,torna-seumarealidadeafabricaçãoindustrialdepequenosloteseatédepeçasúnicas.EstamoscadavezmaisdistantesdoparadigmasimbolizadoporHenryFord.Indagadosobreascoresnasquaisoconsumidorpoderiaadquiriroprimeiroautomóvelproduzidoemmassaporsuaindústria,Fordrespondeucomafamosatirada:“qualquercor,contantoquesejapreto”.Hoje,comaconcorrênciaacirradaqueregeomercadoecommaiornúmerodeinstânciasde
regulamentaçãoemtodososníveis,seriaimpensáveltalatitudededespotismoearbitrariedade.Essetipodefilosofiadaindústriaécoisadadécadade1910,nãodade2010.
Atransformaçãodeparadigmaquemaisafetouapráticadodesignéaindamaisrecente,datandoessencialmentedosúltimos25anos.Trata-se,éclaro,dosaltorevolucionárioemtecnologiasdainformação–emespecial,equipamentoseprogramasquepossibilitammanipularcomfacilidadeeexatidão,assimcomotransmitircomextremarapidez,grandequantidadededados,inclusiveimagensemodelos.Paraamaioriadosjovensdesigners,éinconcebíveltrabalharsemcomputadorneminternet.Noentanto,hápouquíssimotempo,emtermoshistóricos,osdesignersgráficosrealizavamtodoseutrabalhocomlápisazul,régua-tê,compasso,letraseteoutrasferramentasquehojemaisparecempeçasdemuseuoubrinquedosdecriança.Quandoseconsideraqueacomercializaçãoplenadecomputadoresqueoperamcomplataformas“amigáveis”,comoMacintoshouWindows,teveinícioemmeadosdosanos1980;queprogramasdeCADeCAM,diagramaçãodepáginasemanipulaçãodeimagens,inexistentestrintaanosatrás,jáestãoemsuaterceiraouquartageração;quetecnologiasdeprototipagemrápida,aindaexperimentaisnosanos1990,jáestãodisponíveisparaempresaspequenasealunosdefaculdade;queadifusãogeneralizadadainternetparausuárioscomunséfenômenode1995paracá–tem-seentãoajustadimensãodaprofundidadedasmudançasqueatingiramocampododesign.
Odesignmudoumuitodesdeosanos1960,masseráqueoensinoacompanhouoritmodessasmudanças?Asnotíciasnãosãodetodomás,apesardopessimismoreinante.OensinododesignvempassandoporgrandestransformaçõesnoBrasilaolongodasduasúltimasdécadas.Saltaaosolhosumapulverizaçãodaoferta,commaisfaculdades,maiscursos,maisalunos,maisoportunidadeseinformações.Algumasdécadasatrás,contava-senosdedosonúmerodecursosdedesignnopaís.Hoje,sãocentenas.Oscríticosdesseprocessoreclamamqueoaumentodeofertaevariedadenãocorrespondeàmanutençãodeumnívelcondizente.Comcerteza,agrandequestãoaserdimensionadadizrespeitoàvinculaçãoentredisponibilidadeequalidadedoensino.Essaéumadúvidaqueextrapolaoslimitesdasfaculdadesdedesigneabrangetodaapolíticaparaoensinosuperiorbrasileiro,oqualmudoubastantedeperfilcomacriaçãodenumerosasuniversidadesecentrosuniversitáriosnasúltimasdécadas.Nummomentoemque“universidadeparatodos”éametadeclaradadapolíticaeducacionalpública,édeseperguntarporqueodesignfugiriadaregradeaumentocontínuonaofertadevagas.
Háaspectospositivosdesseprocessodepulverização.Oprimeirodeleséadescentralizaçãodoensino.Atémeadosdosanos1970,existiamfaculdadesde
designapenasnoRiodeJaneiroeemSãoPaulo.Paraqualquerumqueviveforadessascapitais,éevidenteobenefíciodeteracessoaoestudoemsuaprópriacidadeouregião.Paraomeioprofissionalcomoumtodo,oganhoétambémconsiderável,vistoqueoscursosdeexpressãoregionaldetêmmaiorpossibilidadedeseadaptaràspeculiaridadeslocaisemtermosdemercado,indústriaeeconomia.Essaaderênciamaioràscondiçõesdecadacontextoestáligadaaosegundoavançoidentificávelnoensinododesign:suasegmentação.Duasdécadasatrás,oensinodedesignnoBrasilcontemplavaduashabilitaçõeseumlequerelativamentereduzidodeespecializações.Hoje,asfaculdadespassamporumprocessodeseabrirparanovasfacetasprofissionais,ajustandoseusprogramasdeensinoemconformidadecomamaiorcomplexidadedomercado.Esseprocessoéreflexodeumterceiroaspectopositivo:omaioramadurecimentodoensino.ComabagagemacumuladadecincodécadasdeensinosuperiordedesignnoBrasil,asfaculdadesingressamnumperíododereflexãoediscussãoemnívelavançado,oqueestáevidenciadonosurgimentodecursosdepós-graduaçãonaárea.
Paraalgunssobreviventesdostemposheroicosdadécadade1960–etambémparaseusherdeiros,poisosseguidoressão,àsvezes,maisdoutrináriosdoqueosfundadoresdasdoutrinas–tudoissosãosinaisdosmaustempos.Maiscursos,maishabilitações,maisprofessoresemaisalunossignificammenoscontroleemenoshomogeneidade.Háquempercebapluralidadecomobagunçaecaos;eelesnãodeixamdetercertarazão.Complexidadeecaosandamjuntos.Porém,nãoexiste“choquedeordem”queresolva,poisrestringirasdiferençasàforçaapenascomprimeosistemaefazcomqueosproblemaspipoquememoutropontooumaisadiante.Écomoumvolumemuitograndedeáguaobrigadoapassarporumcanoestreitodemais:quantomaiorapressão,maiscertoquevaiarrebentaremalgumlugar.Asoluçãopassapordiagnosticarosproblemasefazerajustes:olharparaoqueexiste,identificaroquesequeretentarequilibrarosistema.Projetarsoluçõesparaummundocomplexopassaporaceitaracomplexidadecomoprecondiçãoemvezdecombatê-la.
VIVAOAPRENDIZADO!Diantedetantasmudançasnodesignenomundo,competerepensaro
escopodeatuaçãodocampoparamelhordefinirseupapelatual.Emdecorrênciadosembateshistóricosquecontribuíramparaaconsolidaçãodaprofissão,osdesignerstêmomauhábitodepensarsobreoquefazemprincipalmenteemcontraposiçãoàquiloquenãosãoouàquiloquepertenceriaaoutroscampos.Comotodaidentidadenova,osprofissionaisdedesignforamobrigados,historicamente,asedefinirpormeiodeoposiçõeseaproximações.Segundoosensocomum–aindaensinadoemalgumasescolas–“designernãoéartista”,
tampoucoartesão,arquiteto,engenheiro,estilista,marqueteiro,publicitário,eassimpordiante.Emmeioatantasadvertênciassobreoqueosalunosnãodevemser,esquece-semuitasvezesdelhesdizeroque,defato,elespodemviraser.Arespostavememduaspartes:porumlado,nãosãonadadisso;poroutro,sãotudoissoemais.Vamosexplorarmelhoressasduasfacetas,aparentementeparadoxais,daquestão.
Existeumatendência,nasociedadebrasileira,aquererrotularprofissionalmenteaspessoasdesdeoiníciodafaculdade.Pergunte-seaumestudantebrasileirooqueelefazdavida,eeleresponderá:“euestudodesign”ou“euestudoadministração”ou“euestudohistória”.Háquemsesurpreendaaodescobrirquenãoéassimemtodososlugares.Emalgunspaíses–notadamente,nosEstadosUnidos–oestudantetenderáaresponder:“eusouestudante”ou“eufaçofaculdade”.Sódepois,apartirdasegundaouterceirapergunta,elevairevelarsuaáreadeinteresse.Essadiferençaestáligadaàorganizaçãodosestudosnasuniversidadesamericanas,quegeralmentenãoobrigamoalunoadecidirdefinitivamenteoquevaicursarnoingresso,masaofinaldeseusanosdeestudo.Independentementedosméritosoudeficiênciasdosdoissistemas,éevidentequearespostadoalunoamericanoémaisexata,dopontodevistalógico.Queeleéumestudante,nãohádúvida.Queelefaçaparte,dealgummodo,daprofissãoàqualaspira,jáémenosclaro.
Averdadeéqueninguémsetornaumprofissionaldequalqueráreaapenasportercursadoafaculdade.Osistemauniversitáriobrasileiroreconheceissoaoexigirqueoalunofaçaumestágioprofissionalizante,oualgoqueequivalha.Mesmoassim,vigoraumatendêncianefastaemmuitasáreas–dentreasquais,odesign–deconsiderarqueoalunoaoterminarafaculdadejáéum“profissionalformado”.Trata-sedeumadistorção,responsávelporgerarmuitaansiedadeefrustraçãodesnecessárias.Tornar-seprofissionaldequalqueráreaéumprocessolongodeaprendizado,doqualafaculdadeéapenasumaparte.Hááreasdeconhecimento,comomedicinaedireito,emqueessacondiçãodeaprendizficaclara.Aoterminarafaculdade,osestudantesdessasáreassãoapelidados,respectivamente,de“formadosemmedicina”e“bacharéisemdireito”.Antesdeseremconsideradosmédicoseadvogados,precisamaindapassarporoutrosestágiosdevalidaçãoouaprofundamento.Nãoporacaso,medicinaedireitosãocursosfortesdentrodauniversidadebrasileira.Reconheceraslimitaçõesdoensinoéumprimeiropassoparamelhorá-lo.
Aoseformarnafaculdadededesign,portanto,oalunoémaisprojetoepromessadoqueprofissional.Jáémuitacoisa,poistododesignersabeovalordeumbomprojeto.Poroutrolado,tododesignersabetambémqueexisteumaenormediferençaentreoprojetoesuaconcretização.Umbomprojeto,mal
executado,resultaemumprodutoruim.Oprimeiropasso,portanto,paraoalunodedesignsesituarnomundoéteraplenaconvicçãodequeeleaindaéapenasumestudante.Defato,elenãoéartista,nemartesão,arquiteto,engenheiro,estilista,marqueteiro,publicitário,emuitomenosdesigner.Comaexperiênciadetrabalho,compráticaeestágios,comleituraseestudoededicação,elepodevirasetornarumprofissionalgabaritadoemqualquersegmentododesignqueescolher.Algunsalunos,aoleremesteparágrafo,poderãosentir-sedesestimulados.Então,querdizerquedepoisdetantotrabalho,continuoaserapenasumestudante?Nãoseempregaesseadvérbioaquicomosentidodedesmereceroquejáfoifeito.Antes,énosentidodeafirmarqueajornadaestáapenasemseuinício,equetodasaspossibilidadescontinuamabertas.Issoéumalívio,poislibertaoalunodocostumedeselimitar,desdecedo,aocaminhotrilhadoporseusprofessores.
Odesignéumcampodepossibilidadesimensasnomundocomplexoemquevivemos.Porserumaáreavoltada,historicamente,paraoplanejamentodeinterfaceseparaaotimizaçãodeinterstícios,elatendeaseampliaràmedidaqueosistemasetornamaiscomplexoeàmedidaqueaumenta,porconseguinte,onúmerodeinstânciasdeinter-relaçãoentresuaspartes.Odesigntendeaoinfinito–ouseja,adialogaremalgumnívelcomquasetodososoutroscamposdeconhecimento.Emseusentidomaiselevadoeambicioso,odesigndeveserconcebidocomoumcampoampliadoqueseabreparadiversasoutrasáreas,algumasmaispróximas,outrasmaisdistantes.Nessesentido,odesignerpodesimserartista,ouartesão,arquiteto,engenheiro,estilista,marqueteiro,publicitárioouumainfinidadedeoutrascoisas.Agrandeimportânciadodesignreside,hoje,precisamenteemsuacapacidadedeconstruirponteseforjarrelaçõesnummundocadavezmaisesfaceladopelaespecializaçãoefragmentaçãodesaberes.
Emmeioaelucubraçõestãoabstratas,aindanãosecumpriuapromessadeexplicaraoalunodedesignoqueodesignerfaz,defato.Numcampodetantaspossibilidades,pode-sedizerqueosdesignersfazemdetudoumpouco.Afinal,hádesignersqueprojetamequipamentoshospitalareseoutrosqueprojetamodesenhodeletras.Hádesignersquedesenhamfigurinoseoutrosquedesenhamsistemasdesinalização.“Designer”éumtermodeaplicaçãoaumnúmerocrescentedeatividades,conformeatestamseususosmaisfolclóricos,comohairdesignerparacabeleireiroenaildesignerparamanicure.Masumaconcepçãotãoabertadocamponãovaisatisfazeraosanseiosdequemprocuraexplicaroqueestudaparaaquelatia-avópreocupadacomofuturodajovemsobrinha.Então,vamosaela:umatentativadedelimitarumcampoimpossíveldeserdelimitado.
Emgrandeparte,odesignéumaáreaprojetualqueatuanaconformaçãodamaterialidade–emespecial,dosartefatosmóveis.Eleestáassociado,emsuasorigens,aoutrasáreasqueprojetamaconfiguraçãodeartefatos,comoartesplásticas,arquiteturaeengenharia,tangenciandocadaumadelasemváriasfrentes.Aomesmotempo,odesignéumaáreainformacionalqueinfluinavaloraçãodasexperiências,todasasvezesqueaspessoasfazemusodeobjetosmateriaisparapromovereminteraçõesdeordemsocialouconceitual.Nessesentido,abre-separaoutrasáreasdeatribuiçãodevalorabstratoesubjetivo,comopublicidade,marketingemoda,tangenciandocadaumadelasemváriasfrentes.Resumindo,pode-sedizerqueodesignéumcampoessencialmentehíbridoqueoperaajunçãoentrecorpoeinformação,entreartefato,usuárioesistema.Comacrescenteimportânciadaimaterialidadeedosambientesvirtuaisemnossasvidas,afronteiraentreessesdoisaspectosdodesign–conformaçãoeinformação–tendeaficarcadavezmaisborrada.
Depoisdeumaexplicaçãodessas,atia-avópodenãoterentendidonada,maspelomenosvaiparardefazerperguntas.Éumapena,porquehámuitaseboasperguntasaseremfeitasapartirdaí.Algunsleitoresdevemterreparadoqueemnenhummomentosefezusodapalavra“industrial”paraexplicarodesign.Omotivodessaomissãoésimples.Naeraindustrialtardiaemquevivemos–ou,pós-industrial,comopreferemalguns–asramificaçõesdocampododesignestendemparaalémdesuasorigensnoprocessodeindustrialização.Hoje,avelhaesurradadicotomiaentredesigneartesanatoestámaisdoquedesgastada.Conformejásedisseaqui,aproduçãoflexívelacarretaumnovoparadigma,radicalmentedivergentedaproduçãoemmassa.Oconceitode
artesanato–quefoi,emgrandeparte,inventadopelasociedadeindustrialparasercontrapostoàideiadeindústria,entãonovaainda–começaaperderosentido.Umcartaz,projetadoeimpressocomferramentasdigitais,podeserrealizadoporumaúnicapessoa,decomeçoafim,epodeserproduzidocomopeçaúnica.Porém,seriaumdisparatechamá-lodeobjetoartesanal.Noestágioavançadodeindustrializaçãoqueatingimosatualmente,foramsuperadasasquestõeshistoricamenteprimordiaisdeproduçãoemsérieedivisãodetarefas.Oníveldadiscussão,agora,émuitomaisacima.
Seovelhodesafiodesituarodesigncomocampoprofissionalnãoobedecemaisaoprocedimentosimplificadordedizeroqueeleéenãoé,entãocomodevemosfazê-lo?Precisamospensarcomousadia,imaginaroqueodesignpodeviraser,paraalémdascircunstânciasimediatasedaslimitaçõespassadas.Pensaremdesignnãocomoumcorpodedoutrinasfixoeimutável,mascomoumcampoemplenaevolução.Algoquecrescedemodocontínuoesetransformaaocrescer.Umcaminhoqueserevelaaoserpercorrido.Odesignémuitomaioremaisdinâmicodoquequalquerumadesuasmanifestaçõesespecíficas.Trata-sedeumaáreapordemaiscomplexaemultifacetadaparacaberemqualquerdefiniçãoestreita,muitomenosparaserreduzidaàpráticadedeterminadoindivíduoouescola.Campojovem,odesignencontra-seaindaemfasedeaprendizadoeexperimentação.
Aideiadoaprendizadoéumbompontodepartida.Emtemposantigos,antesdaindustrializaçãoedaorganizaçãodeescolasefaculdades,grandepartedahumanidadecostumavaingressaremsuasrespectivasprofissões,ouofícios,pormeiodeumprocessolongodeaprendizado.Ojovemtornava-seaprendizdealguémquejáeramestre,depoispassavaparaoestágiodeartífice,ou“oficial”(aquelequetemumofício),e,depoisdemuitosanos,finalmentepodiasonhar,porsuavez,emsermestre,aquelequeempregaartíficesetreinaaprendizes.Atualmente,avidaprofissionalaindarevelaalgunsparaleloscomesseprocessodeevoluçãoemtrêsestágios.Depoisdafasedeaprendiz,muitosdesignersacabamporsededicaraalgumramoespecíficodaprofissão(designeditorial,designdesuperfícies,designautomotivoetc.),adquirindoassimaquiloquepoderiaserdescritocomoumofícioouespecializaçãodentrodocampomaisamplo.Comotempo,eoaperfeiçoamentonoofício,tornam-semestres.Diferentementedopassado,noentanto,amaestrianãoémaisumlimiteparaocrescimento.Osmelhoresmestres,hoje,sãoaquelesquemantêmacuriosidadeeaaberturadosiniciantes,completandoocicloetransformandooaprendizadoemprocessocontínuo.Nomundocomplexo,aprenderaprofissãoétarefaparatodaavida.
ODESIGNERPENSANTE
Eraumavezummundoemquedesignetecnologiaerammaisoumenosdistintos.Nessetempolongínquo,lápelosidosdosséculosXIXparaXX,apartetecnológicadaproduçãoeralevadamuitoasério.Profissionaisseríssimos,chamadosengenheiros,reuniam-seemseuslaboratóriosparaaplicarteorias,inventaraparelhoseplanejarprocessos.Asfábricasqueelesorganizavam,movidasamáquinastambémdesenhadasporeles,eramcapazesdeproduzirgrandesquantidadesdetudo,aomenorcustopossível.Aspessoasgostavamdeconsumirtudopelomenorpreço.Oúnicoproblemaeraqueosengenheirosentendiamdemáquinas,masnãodegente.Nomaisdasvezes,oqueelesfaziamerafeio,desagradáveloudifícildeusar.Então,eramconvocadosoutrosprofissionais,umpoucomenossérios,quetinhamcomotarefatornarascoisasbonitas,agradáveisefáceisdeusar.Esteseramchamadosdedesigners.
Colocadocomocontodefadas,assim,orelatodoparágrafoanteriortraitodooseudisparate.Queingenuidadeimaginarquepudesseseracertadoummodelodefabricaçãoemqueopensamentosobreforma,aparênciaeusabilidadeestivessedivorciado,emqualquergrau,daconcepçãoestrutural,operacionaleprodutivadoartefato!E,noentanto,estefoiumaespéciedemínimomúltiplocomumparaaproduçãoindustrialdurantemuitasdécadas.Aindahoje,elepersistenamentalidadedemuitagente,inclusivedealgunsdesigners.Essetipodepensamentogeraumaatitudeprojetivasuperficial–umdesign“cosmético”,conformesempredenunciaramosbonsdesignersmodernistas,comrazão.Oresultadodecriarumaformaboaparaumprodutoruiméqueousuário,aodescobrirquefoiludibriado,vaidescartá-locommaiorrapidez.Maisdescartelevaamaislixoeamaisproduçãodeprodutosruins.Éavelhaequaçãoda“obsolescênciaprogramada”comomolaparaocrescimentoindustrial.
Essanoçãodeumdesign“cosmético”ou“descartável”foicombatidanomeiodoensinodedesignpelafamosaHochschulefürGestaltung(ouEscoladeUlm,comoficouconhecidaentrenós),localizadanaAlemanha,noperíodologoapósaSegundaGuerraMundial.Nomodelopedagógicopreconizadolá,oalunodedesigndeviaserinstadoarefletirsobreoquefaziaeaseaprofundaremestudoscorrelatosemáreascomociênciassociais,ciênciascognitivas,política,culturaetecnologiaindustrial.Odesignerqueelesqueriamformarnãoseriaalguémqueaplicassefórmulasestéticaspreconcebidasaaparelhoscujatecnologiaelenãocompreendiaminimamente,apenasparaseremconsumidos,emseguida,porumasociedadecujaoperaçãolheeraigualmentemisteriosa.OsfundadoresdaEscoladeUlmsonhavamemgerardesignersquefossemtambémpensadores,enãosimplesexecutoresdetarefas.Foiumbelosonho,enquantodurou.{61}
Aformaçãodeumdesignerpensante–legadodeUlm–aindaéumametaa
serperseguidacomseriedadeportodosqueseinteressampeloensinodedesign.Novesforaoserros,contradiçõesesectarismosquelevaramaoocasodessaescolaeàtransposiçãoequivocadadesuapedagogiaparaformatosmenosambiciosos,oidealdeincutirumgraumaiordeaprofundamentoreflexivoaoexercíciododesigndeverianortearosesforçosdetodos.Semcríticaepensamento,oprofissionaldedesigntendeapermaneceremposiçãosubordinadadentrodomercadodetrabalho,quasesempreummandado,quasenuncaummandante;maisautômatoqueautônomo.Mesmoquandoexerceapossibilidadedecriar,eleraramentetemcondiçãodedecidiraserviçodequevaiserusadasuacriação.Éumasituaçãolamentávelparaumcampocompotencialparasonhartãomaisalto.
Comoconclusãoaessalongareflexãosobreopapeldodesignnomundocadavezmaiscomplexoemquevivemos,queroproporumasériedevalores,aproximaçõeseatividadesquetalvezpossamajudaroensinododesignareencontrarobomcaminhoabertoporUlm.Assumo,nestemomento,aescritaemprimeirapessoaparadeixarclaraanaturezaopinativadosparágrafosaseguir.Nãoémeudesejoquesejamentendidoscomoreceitasouregras,baseadasemestudodetidooualgumametodologiacientífica.Nãosoupedagogo,nemestudiosodaeducação,emboratenhadedicadoalgunsanosdepesquisaàhistóriadoensinodearteedesign.Nãofaloagora,portanto,comoautoridade,emboraesperefalarcomalgumapropriedade.Proponhoasideiasexpostasaseguircomoareflexãodeumnãodesignersobreoensinododesign,apóscercadequinzeanosdeenvolvimentodiretocomaárea.Naverdade,maisdoqueensinarqualquercoisaqueosdesignersnãosaibam,algumsaberexóticooriundodeoutrocampo,gostariadedividircomoleitoraquiloqueaprendicomosbonsdesigners.Oqueseguereflete,ameuver,omelhorqueumnãodesignerfoicapazdeextrairdesuaexposiçãocontinuadaaopensamentoemdesign.
Amaioremaisimportantecontribuiçãoqueodesigntemafazerparaequacionarosdesafiosdonossomundocomplexoéopensamentosistêmico.Poucasáreasestãohabituadasaconsiderarosproblemasdemodotãointegradoecomunicante.Oprocedimentometodológicobásicoemqualqueratividadecientíficaérecortarefracionaroproblemaparaconstituirumasituaçãoexperimentalpassíveldeaveriguação.Essemétodofuncionaextremamentebemparaumasériedeanálises,masédepoucavaliaparalidarcomaelaboraçãodegrandessistemascomplexos,suamanutençãoeplanejamento.Quandoosproblemasatravessamsaberesedisciplinas,porexemplo,élimitadooquecadaumadelaspodefazerpararesolverotodo.Assimcomooutrasáreasprojetuais–emespecial,aengenhariaeaarquitetura–odesignpartedeumaabordagembemdiferente.Emvezdefracionaroproblemaparareduzirasvariáveis,o
designervisageraralternativas,cadaumadasquaistendeaserúnicaetotalizante.Suametaéviabilizarumasolução,enãogarantirareprodutibilidadedoexperimento–construçãoenãodesconstrução,“factibilidade”enão“falseabilidade”,partidosefunçõesemvezdeconjeturaserefutações.
Opensamentosistêmicocorresponde,emsuaessência,àlógicadaindústria.Beneficiamentoeaproveitamento,gestãoelogística,organizaçãodemuitaspartesemumsistemacadavezmaisintegrado.Nãoéàtoaqueodesign,porserfenômenodaeraindustrial,refleteessetipodepensamentoemsuamaneiradeabordaromundo.Noensinododesign,omelhormododeestimularopensamentosistêmicoéexporalunosaindústria,arealidadesdosprocessosdeprodução,adesafiosdeadministraçãodeumafábricaoudeumsistemadistributivo.Ainformáticaeamatemáticasãoferramentasigualmenteimportantesderaciocínio,poisajudamoalunoadimensionarquestõesdemagnitudeeintegraçãodesistemas.Asengenhariasdeproduçãoeambientalsãoáreascorrelatascujossaberesemetodologiastêmcadavezmaisacontribuirparaoensinododesign.Odiálogocomaarquiteturaeourbanismo,muitasvezesinterrompidoporconflitoscorporativistas,devesermantidosempreemseunívelmaiselevado,poisoscampostêmessavisãoholísticaemcomum.
Umsegundovalorcaracterísticodobomdesignéainventividadedelinguagem.Todotrabalhodedesignenvolveoempregoeaconjugaçãodelinguagens,geralmentedeordemvisuale/ouplástica.Osmelhoresprojetossãoaquelesqueusamessaslinguagensdemodocriativoeinovador.Podeparecerquaseóbviaessaafirmação,mas,porironia,talvezsejaumdospontosmenosexplicitadosporgrandepartedoensinodedesign.AolongodoséculoXX,oladocriativododesignfoisistematicamentesubestimadoeatécombatidoporumideárioqueansiavafirmarametodologiaprojetualembasessupostamentecientíficas,distanciando-adasartesplásticasedoartesanato.Talposturarefleteumabagagemintelectualpositivista,bastanterasa,herdadadoséculoXIXjuntocomomarxismodepanfletoquealgunsdesignersearquitetosmodernistasproclamavamatítulodeideologia.Emmeioaosconflitosideológicosintensosquemarcarama“eradosextremos”(nodizerdeEricHobsbawm),otolopreconceitocontraacriaçãoeacriatividadeganhousobrevida.Primeiramentenomovimentoconstrutivista,insinuando-separaointeriordaBauhaus,ondeocasionougrandesdivergências,e,dali,paraaEscoladeUlm,anoçãotoladeque“designnãoéarte”foiganhandocertopedigreeàsavessas,simplesmenteporforçadetantoserrepetida.
Setomarmos“arte”nosentidorestrito,deartesplásticas,éverdadequedesignnãoéarte.Somenteosprojetosmaissofisticadosdedesignteriamcondiçãodepleiteartaldesignação.Setomarmos“Arte”emsentidoamplo,com
Amaiúscula,designéumadesuasmanifestações,semdúvida.Arteéummeiodeacessoaodesconhecido,empédeigualdadecomaciência,afilosofia,areligião–enfim,ospoucoscaminhosqueoserhumanoencontroupararelacionarseuinteriorcomouniversoqueocerca–e,nessesentido,designéumacategoriasubordinadamaisàartequeaosoutrostrêscitados.{62}Afinal,designéumcampodedicadoàobjetivação,àconstrução,àmaterializaçãodeideias.Compartilhacomarte,arquiteturaeengenhariaopropósitodemoldarformas,constituirespaçosedefinirrelaçõesporintermédiodemarcadoresvisuaisetáteis.Sendoassim,amelhormaneiradeestimularacriatividadenoensinodedesignépromoverointercâmbiocomestaseoutrasáreasquevisemcriaçãoplástica,formalouvisual,aíincluídosnãosomenteaquiloquenormalmenteseapelidadeartesplásticas,comotambémfotografia,cinemaevídeo,animação,modaeartesanato.Emúltimainstância,apossibilidadedeinovaçãoprojetivaestáintimamenteassociadaàinventividadedelinguagem.
Umterceirovalormuitocaracterísticodapráticaprofissionaldosbonsdesignerséaexcelênciadarealizaçãoedoacabamento.Trata-sedealgodescrito,dependendodocontextoedaáreadeatuação,porpalavrascomoeficiência,elegância,capricho,maestria,virtuosismo.Dareipreferênciaaquiaumtermopoucousual,“artesania”,neologismoinventadopeloceramistaGilbertoPaimnatentativadetraduzirapalavrainglesacraftsmanship.{63}Por“artesania”,entende-seumgraualtodeatençãoaodetalheedecuidadonaexecução,oriundosdeumsensopeculiardeorgulhonotrabalho,doprazeremfazerbenfeito.Talqualidadenãoéexclusivaaodesign,mascostumaestarpresentenassoluçõesdosmelhoresprojetistas.Nofundo,elaestámuitointimamenteligadaàbuscaantigapor“adequaçãoaopropósito”,discutidanaintroduçãodestelivro,leitmotivdaconstituiçãododesigncomocampodeconhecimento.Elaestáportrásdaideiadequeaparênciaeformapodemserexpressivasdecertaeconomiademeioseelegânciadesoluções–implícitaaofamosoditame,lessismore,criadopelopoetainglêsRobertBrowningnoséculoXIXepopularizadopeloarquitetoMiesvanderRohenoséculoXX.Apesardaconfusãohistóricaqueissogeroucomrelaçãoaorepúdiodoornamentopelomodernismo,oprincípioprofundoédegrandeinteresseparaaformaçãododesigner.
Comoestimularodesenvolvimentodeumsensode“artesania”noensinododesign?Perguntadedifícilresposta,porsetratardeumaqualidadetãofugidia,difícildedefinir,muitomenosdecodificaremexercíciosoumetodologias.Porserumacaracterísticaqueseevidencianamaioriadosbonsprojetosdedesign,nãoétantoquestãodeintroduzi-lanoscurrículosquantodereconhecersuaexistênciapréviaecultivá-lacomovalor.Oprópriotermoinglês
–“craftsmanship”–ofereceumapista,porsuaderivaçãodapalavra“craft”,comumentetraduzidacomoartesanatoouofício.Oqueodesigntememcomumcomoartesanato,emtermosdesuatransmissãoeaprendizado?Demodogeral,equasesemexceção,oensinodoprojetoérealizadoemencontrosindividuaisentreprofessorealuno,reproduzindoavelharelaçãomestre/aprendizquecaracterizaaformaçãoartesanaleartística,desdesempre.Essainstânciadetransmissãoindividualdoconhecimentoéinsubstituível,poisépormeiodelaquesecomunicamosvaloresmaissensíveiseelevadosdocampo,inclusivenoçõesdeestilo,faturaeelegância.NoBrasil,emespecial,contextomarcadoporumaéticaseculardedesleixo,descuidoedesprezonarelaçãocomotrabalho,édesumaimportânciaaênfasena“artesania”comovalor.{64}
Háaindavaloresimportantesadvindosdeoutroscampos,foradoexercícioestritododesign,equepoderiamsermaisbemintegradosaoseuensino.Umaqualidadequedeveriaserincentivada,porexemplo,éoempreendedorismo.Querendoounão,vivemosemumaorganizaçãopolíticaemqueomercadoéomaisimportanteinstrumentoparaosuprimentodenecessidadeseparaaadequaçãodepropostassociais.Quasetudoquenoscercaencontratraduçãodiretaemtermosdevalordemercado;etalvalor,expressomonetariamente,detémpesoconsiderávelsobreapercepçãodeoutrosvaloresabstratoscomoqualidade,beleza,mérito.Ignoraropoderdomercadoé,hoje,umaatitudetemeráriademaisparaoensinodequalqueratividade–aindamaisumacomoodesign,historicamentemuitoligadaaocomércioeàindústria.
Noentanto,existemcurrículosdedesignquenãocontemplamafacetaempresarialemercadológicadocampo,anãoserdemodosuperficialeburocrático.Omercadoéassuntodignodeserlevadoasério,eáreasdeestudocomoeconomia,administração,sociologia,psicologiaemercadologia(oumarketing)têmcontribuiçõesimportantesafazer,nessesentido.Aresistênciacontraessasmodalidadesdeconhecimento–emespecial,omarketing–queseverificacomalgumafrequênciaentreprofessoreseinstituiçõesdeensino,tendeaperpetuarumasituaçãoemqueoalunodedesignnãoépreparadoadequadamenteparaomeioprofissionalemquevaiatuar.Numcampocadavezmaisdirigidoporiniciativaseempreendimentosinovadores,algumasfaculdadescontinuamaprepararoalunoparaempregosquenãoexistemouatividadesqueninguémquercontratar.
Doisvaloresquecostumamserenfatizadospeloensino,comalgumavariaçãodeumaescolaparaoutra,sãoresponsabilidadeambientaleinclusãosocial.Sãotermosmuitoemvoganodiscursopolítico,aolongodosúltimosdez,quinzeanos,avançadoscomoideaisaseremperseguidosportodos.Oriscomaiorépermaneceremapenasnoâmbitododiscurso,comobelaspalavrasde
ordemapensadasàpráticaprojetualdemodomaisdecorativodoqueefetivo.Noâmbitododesign,emespecial,faz-seessencialreconheceroeloíntimoentreumaeoutracoisa.Écomumaplanejadoreseadministradorespreconizaremumapolíticadeinclusãosocialbaseadanoaumentodoconsumo.Écorrenteentreambientalistas,aocontrário,aconvicçãodequeatãodesejadasustentabilidadepassanecessariamenteporumadiminuiçãodoconsumo,ouatéseurefreamento.Oconflitopotencialentreasduasposiçõesafetadiretamenteaosdesignersqueatuamnoprojetodebensdeconsumo.Comoconciliaressesdoisanseiosmaisdoquelegítimos–odeconsumirmais,paragerarriqueza,eodeconsumirmenos,parapreservarrecursos?Trata-sedeumaquestãograndeecomplexa,talvezumadasmaisdifíceisqueomundoenfrentanesteiníciodeséculoXXI.Nãosepedequeoalunodedesignsejainstadoaresolvê-la,vistoqueissoétarefaparatodaasociedade.Pede-se,tãosomente,seriedadenotratodetemasligadosàengenhariaambientaleàsciênciassociais.Oalunodedesigncarecedeumaabordagemmaisaprofundadadessesassuntosvitais:maisconhecimentoemenoschavões.
Oúltimopontoaserdefendidoaquidizrespeitoaumvalorespecialmenteestimadopeloautordestelivro:aerudiçãocomofatordeterminantedaatuaçãoprofissionaldodesigner.NoBrasil,amaioriadasfaculdades,dequalquerárea,costumaserimpregnadacomoethosdaprofissionalizaçãorápida,deixandoqueseuensinosejaregidopelapretensãoabsurdadeproduzirtrabalhadoresqualificadosrapidamenteeemsérie,comosefossempeçasdeplásticoaseremcuspidasporumamáquina.Sendoassim,háumatendênciaaenfatizaraspartesmaisinstrumentaisdecadaárea,aquelemínimoqueoprofissionalprecisasaberparaoexercíciorudimentardeseutrabalho.Imperaaíumaconfusãohistóricaentreopapeldauniversidadeeaqueledasescolastécnicas.Atarefaprincipaldoensinosuperiornãoéqualificarotrabalhadorparasermãodeobrasubstituível,masantesformarumaclassedetrabalhadorescapazesdepensarcomautonomiasobreotrabalhoqueexercem.Jáqueasfaculdadesnãovisam,demodogeral,estimularemseusalunosliberdadeeoriginalidadedepensamento,énecessárioqueoalunobusqueessesvaloresemoutrasinstâncias.Elesestãodisponíveisnasmanifestaçõesquegeralmentedescrevemoscomoculturaeconhecimento,nosensocomumdessaspalavras.
Osmelhoresdesignerssãoosquesabemincutiraosseusprojetosumníveldeerudiçãomaiordoqueseriaexigidoapenasparacumprirminimamenteobriefingproposto.Obomdesignerdelivroscostumaseroquegostadeler.Obomdesignerdeprodutocostumaseroqueseinteressaporprocessosdefabricação.Eassimpordiante.Oaprofundamentoeoestudoatribuemaotrabalhoumadensidadequeodiferenciadocomum.Sãoosdesignersmais
cultosquesedestacamemsuasatividades.Valequalificaroqueseentendeaquiporerudição,poisapalavratendeasermalvistahojeemdia,conotandoalgoelitistaouexcludente.Porerudiçãoecultura,entende-seumamploconhecimentogeralealgumaprofundamentomaioremáreasespecíficas,ambosdosquaisdevemsermovidosporcuriosidadeintelectualgenuína.Nãosetratadacapacidadedecitardadosenciclopedicamentenemdediscorrerlongamentesobretemasobscurosouempregarpalavrasdifíceis.Sereruditonãosignificaserchatooupedante.Aocontrário,averdadeiraerudiçãogeralmentevemacompanhadadecertasimplicidade.Quemtemmesmoconhecimentonãoprecisaostentarsaber.
Omelhormododeestimularaerudiçãocomopartedoaprendizadododesignébuscarconhecimentosforadaárea,emoutroscamposdeinteressedoaluno.Odesignerqueconheceumpoucodemúsicaoucinemaouengenhariaoumatemáticaouqualqueroutraatividadeestábemposicionadoparaexplorarinterfaceseforjarnovasinter-relações.Paraquemnãopossuiinteressemaiorporqualqueráreaemespecial,acompanharopanoramaculturalmaisamploésemprerecomendável.Clientesemercadonormalmenteesperamdodesignerumabagagemsólidadeconhecimentosemarte,arquiteturaeoutrasáreascorrelatas.Comoasfaculdadesnemsempresupremessademanda,quemospossuidefamíliaoudaescolacostumalargaremvantagem.Paraquemnãodetémconhecimentosculturaisdessetipo,aúnicamaneiradeadquiri-losécorrendoatrás.Nãohádequesedesesperar,atéporqueninguémnascesabendo.Naeradainformação,osdadosqueservemdebaseparaoconhecimentoestãoemtodaparte.Ésócomeçarabuscá-losefiltrá-los.Osmestresmaisconfiáveis,nessesentido,sãooslivros.Paraquemquiserseilustrar,ocaminhoéfácil:ler,lereler.
Gostariadeconcluircomumapeloparaquemensinadesign.Umdesafiocrucialparaofuturoésuperaroanti-intelectualismoquemantémodesigncomoáreademenorcredibilidadeacadêmica.Contudo,semabrirmãodasqualidadesespecíficasaocampocitadasnosparágrafosantecedentes.Precisamosintegraraindamaisprojetoepesquisa,práticaprofissionaleatividadesculturais,semperderdevistaanaturezaessencialdodesigncomoatividadeprojetual,capazdeviabilizarsoluçõessistêmicasecriativasparaosimensosdesafiosdomundocomplexo.Queremosdesignerspensantes,sim;porém,nãopodemosnosdaraoluxodeformardesignersquenãosejamcapazesdeprojetar.Éumlimitetênue,queestásendoexploradoagoraqueoensinododesignbuscaseucaminhonoâmbitodapós-graduaçãoedapesquisa.
Osmaioresinstrumentosquetemosparamelhoraroensinododesignsãoacriatividadeeainovação.Atecnologiatemfeitograndescontribuiçõesno
sentidodelibertaroprofessordevelhaslimitaçõesfísicasemateriais.Pormeiodainternetedainformática,temoscondiçõesdesuperarobstáculoshistóricosdoantigo“mundoreal”,quenosprendiamacondiçõesmateriaisefísicasquasenuncaideais.Oscurrículos,porsuavez,permitemmaiorflexibilidadedoquenopassado,porcontadaênfaseematividadescomplementares,extensãouniversitária,interdisciplinaridadeeeducaçãocontinuada,todosrecomendadoscomoprincípiospelaspolíticasatualmenteemvigor.Cabeaosprofessores,emconjuntocomosalunos,desenvolveremnovasdinâmicasquetiremproveitodamaiorflexibilidadecurricularprevistapelaLeideDiretrizeseBasesnaEducação.Asaladeaulaéhojeumainstânciacadavezmenosimprescindível,porserpequenaerestritademaisparadarcontadetodososdesafiosdomundocomplexo.Quantomaisoensinosouberseintegraraoutrasinstâncias–mercado,indústria,meioculturaletc.–maioresaschancesdesetornarumaprendizadoverdadeiro,capazdeatuaremparceriacomocampoprofissionalparaformarosdesignersquetodosqueremos.
NOTAS1Xenofonte,Memorabilia,t.IV,cap.6,§9.[Traduçãolivredatraduçãoinglesa:“Andisanything
beautifulforanyotherpurposethanthatforwhichitisbeautifultouseit?”.]NatraduçãomaisdivulgadanoBrasil,traduzidadofrancês,afraseficaumpoucodiferente:“Podeumobjetobeloserbelosoboutroaspectoquenãoodousoquedelepossafazer-se?”.Xenofonte,DitosefeitosmemoráveisdeSócrates–Ospensadores,v.II,trad.LíberoRangeldeAndrade.SãoPaulo:AbrilCultural,1972.
2AformulaçãooriginaldeSullivané:“whentheknownlaw,therespectedlaw,shallbethatformeverfollowsfunction”.Essacláusulaaparecenoartigo“Thetallofficebuildingartisticallyconsidered”(1896),inseridaemfrasegigantesca,aqualproclamaodiaemqueaarquiteturaestaránocaminhocertodesetornarverdadeiramenteumaartedopovo.VerTimBenton&CharlotteBenton(orgs.),FormandFunction:ASourceBookfortheHistoryofArchitectureandDesign1890-1939.Londres:CrosbyLockwoodStaples/OpenUniversityPress,1975,pp.13-4.
3VictorPapanek,DesignfortheRealWorld:HumanEcologyandSocialChange.Londres:Paladin,1974,p.19.Olivroteveumasegundaedição,inteiramenterevista,em1984.Apesardeseuestrondososucessomundial,nuncafoipublicadoemportuguês.
4“UnibancoTecnológico”,comercialdaW/Brasil,veiculadoemcinemas,nosanos2000.5Abibliografiasobrecomplexidadeévasta,atualmente,abrangendoáreasdiversascomo
matemática,informática,economia,administração,sociologia,entreoutras.Emboaparte,oiníciodareflexãocontemporâneasobrecomplexidadevemdasdescobertasdafísicaquânticanaprimeirametadedoséculoXX.Umbompontodepartidaparaesseaspectoé:DavidBohm,Atotalidadeeaordemimplicada:Umanovapercepçãodarealidade,trad.MauroCamposSilva.SãoPaulo:Cultrix,1998.
6Otermoapareceemsuaanálisedojuízoestético:“Ojuízodegostonãotemporfundamentosenãoaformadaconformidadeafinsdeumobjeto(oudoseumododerepresentação)”.ImmanuelKant,Críticadafaculdadedojuízo,trad.ValerioRohdeneAntónioMarques.RiodeJaneiro:ForenseUniversitária,2008,p.66.
7HarryFrancisMallgrave,ModernArchitecturalTheory:AHistoricalSurvey,1673-1978.Cambridge:CambridgeUniversityPress,2005,pp.99-100.
8VerBeatrizRusso,Shoes,CarsandotherLoveStories:Investigatingtheexperienceofloveforproducts.Delft:VSSD,2011.
9VerGilbertoPaim,Abelezasobsuspeita:OornamentoemRuskin,LloydWright,Loos,LeCorbusiereoutros.RiodeJaneiro:JorgeZahar,2000;eLauroCavalcanti,AspreocupaçõesdoBelo.RiodeJaneiro:Taurus,1995.
10ACríticadafaculdadedojuízo,deKant,járeferida,talvezsejaatentativamaisrigorosaderesponderaessaperguntaemtermosfilosóficos,sendoopontodepartidaparaadiscussãodotemaporG.F.W.HegelemseusCursosdeEstéticaeFilosofiadaArte,publicadosoriginalmenteem1835.
11H.F.Mallgrave,op.cit.,p.100.Vertambém:IzabelAmaral,“Quasetudoquevocêqueriasabersobretectônica,mastinhavergonhadeperguntar”,Pós—RevistadoProgramadePós-GraduaçãoemArquiteturaeUrbanismodaFAU-USP,v.16,n.26,dez.2009,p.152.
12SusanJones,“TheEvolvingTectonicsofKarlBötticher:FromConcepttoFormalism”,inTectonics:MakingMeaning(conferênciainternacional).Eindhoven(Holanda),UniversityofTechnology;10-12/12/2007.Disponibilizadoem:<http://www.stud.tue.nl/~cheops/tectonics/pdf%27s/Jones.Susan.pdf>(acessoem29/7/2011).
13I.Amaral,op.cit.,pp.152-9.14VerMichaelBaxandall,Oolharrenascente:PinturaeexperiênciasocialnaItáliada
Renascença,trad.MariaCecíliaPretoR.Almeida.RiodeJaneiro:PazeTerra,1991.15VerparteIIIdaobradeDavidHarvey,Condiçãopós-moderna:Umapesquisasobreas
origensdamudançacultural,trad.AdailUbirajaraSobraleMariaStelaGonçalves.SãoPaulo:Loyola,1996.
16Verosensaios“Anãocoisa(I)”e“Anãocoisa(II)”,emVilémFlusser,Omundocodificado:Porumafilosofiadodesignedacomunicação.SãoPaulo:CosacNaify,2007,pp.51-65.
17VerocatálogodeexposiçãoConcreta’56:Araizdaforma.SãoPaulo:MuseudeArteModerna,2006.
18MarcelProust,NocaminhodeSwann.Embuscadotempoperdido–I,trad.FernandoPy.RiodeJaneiro:Ediouro,2004,p.23.
19Paramaisinformaçõessobreessequadro,verRafaelCardoso,Aartebrasileiraem25quadros(1790-1930).RiodeJaneiro:Record,2007,pp.17-21.
20LucianadeLimaMartins,ORiodeJaneirodosviajantes:Oolharbritânico(1800-1850).RiodeJaneiro:JorgeZahar,2001,pp.61-6epassim.AimagemgravadaporT.Medlandfoipublicadaem1806nolivroAVoyagetoCochinchinaintheYears1792to1793,deautoriadeJohnBarrow.VerORiodeJaneiroemseusquatrocentosanos:Formaçãoedesenvolvimentodacidade(cadernodeilustrações).RiodeJaneiro:Record,1965.
21OusodaáreaabaixodosArcoscomopraçadefeiraédocumentadoemoutrafoto,dePeterFuss,tiradaporvoltade1935.VerCarlosMartins(org.),Apaisagemcarioca.RiodeJaneiro:MuseudeArteModerna,2000,fig.348.
22Otermomaiscorretoparaisso,aofalarmossobreobrasdearte,é“proveniência”.23Paraumaintroduçãoàneurociênciadamemória,verocapítulo6deAntónioR.Damásio,Eo
cérebrocriouohomem,trad.LauraTeixeiraMotta.SãoPaulo:CompanhiadasLetras,2011.24AdrianForty,Objetosdodesejo:Designesociedadedesde1750,trad.PedroMaiaSoares.São
Paulo:CosacNaify,2007,pp.20-2,267-5.25VilémFlusser,Línguaerealidade[1963].SãoPaulo:Annablume,2007,caps.1e3.26VerNormanBryson,TraditionandDesire:FromDavidtoDelacroix.Cambridge:Cambridge
UniversityPress,1984,pp.1-31.27MachadodeAssis,QuincasBorba,cap.CXLII.28Umtextoimportanteparaaconstituiçãodocampodesemânticadoprodutoé:Klaus
Krippendorff,“Ontheessentialcontextofartifactsorontheideathat‘designismakingsense(ofthings)’”,inVictorMargolin&RichardBuchanan(orgs.).TheIdeaofDesign:ADesignIssuesReader.Chicago:UniversityofChicagoPress,1995.Disponibilizadoparaacessopagoem:<http://links.jstor.org>.
29MariaCecíliaLoschiavodosSantos,“SérgioRodrigues”,inSoraiaCals(org.),SérgioRodrigues.RiodeJaneiro:SoraiaCals,2000,pp.47-52.
30“Thisfiligreedesignismoreasculpturethatcanbeusedasastoolorasupportforuserswhoprefertostandthananitemoffurnitureintendedtobepurelyfunctional.”ConferirositedaVitraem:<http://www.vitra.com/en-un/home/products/w.-w.-stool/overview>.
31Henri-PierreJeudy,“PhilippeStarck:ficçãosemântica”,inArcos:Design,culturamaterialevisualidade,v.2,RiodeJaneiro:ProgramadePós-GraduaçãoemDesign,Esdi/Uerj&Contracapa,1999,p.48.
32VilémFlusser,Omundocodificado:Porumafilosofiadodesignedacomunicação.SãoPaulo:CosacNaify,2007,pp.193-98.
33Paraumadefiniçãomaisrigorosadotermo“linguagem”esuasrelaçõescomaarte,verNelsonGoodman,LanguagesofArt:anApproachtoaTheoryofSymbols.Indianapolis:Hackett,1976,pp.127-224epassim.
34Paraumaintroduçãoaotemavastododesignemocional,oudeexperiência,verDonaldA.
Norman,Designemocional:Porqueadoramos(oudetestamos)osobjetosdodiaadia.RiodeJaneiro:Rocco,2008;eVeraDamázio&CláudiaMont’Alvão(orgs.),Design,ergonomia,emoção.RiodeJaneiro:Faperj/Mauad,2008.
35VerGoodman,op.cit.,pp.34-43.36VerGabrieladeGusmãoPereira,Ruadosinventos:Aartedasobrevivência.RiodeJaneiro:
OuroSobreAzul,2004.37Nãoéàtoaqueosjornaisimpressosestãoameaçadosdecairemdesusonaeraatual,poissua
validadecomoveículodetransmissãodeinformaçãorápidapassaaserpostaemxequediantedacrescenteeficiênciademeiosimateriaiscomotransmissãoportelevisãoouinternet.Essetópicoserámaisbemdiscutidonopróximocapítulo.
38Umaboaintroduçãoaessadimensãopodeserencontradanoslivros:ArjunAppadurai(org.),Avidasocialdascoisas:Asmercadoriassobumaperspectivacultural.Niterói:UFF,2008;eDeyanSudjic,Alinguagemdascoisas.RiodeJaneiro:Intrínseca,2010.
39OlavoBilac,emcrônicade1898,“Oesperanto”,reproduzidaem:OlavoBilac,seleçãoeprefácioUbiratanMachado.SãoPaulo:Global,2005(ColeçãoMelhoresCrônicas),pp.80-4.
40SamuelTaylorColeridge,BiographiaLiteraria(1817),cap.XIII.DisponívelparadownloadnoProjetoGutenberg:<http://www.gutenberg.org/dirs/etext04/bioli10.txt>[traduçãolivre].
41Coleridgecunhouotermo“suspensionofdisbelief”paradescreveroprocessopeloqualoleitorsepermiteacreditarnaficção.Veribid.,cap.XIV.
42Porisso,éumtantoenganadoraatendênciacomumdesituaraorigemdainternetnosanos1960e1970,emdecorrênciadaGuerraFria.Emboraissosejacorretodopontodevistatécnico,oimpactosocialmaisamplodainternetcoincidecomosurgimentoeadisseminaçãodaworldwideweb,ocorridosentre1989emeadosdadécadade1990.
43Tudoindicaqueosprimeirosdocumentosafazeremusodotermointernet(aindacomiminúsculo)datamde1974,quandoeraapenasumaabreviaçãodaexpressãointernetworking,maisoumenosequivalentea“trabalhointegradoentreredes”.
44Web,eminglês,jáfoisinônimodewarp,“urdidura”.Daí,afamosafrasedeSirWalterScott,dopoemaMarmion(1808):“Oh!Whatatangledwebweweave/Whenfirstwepractisetodeceive!”.
45Sobreosconceitosdemapaeespelhonasimagens,verE.H.Gombrich,TheImageandtheEye:FurtherStudiesinthePsychologyofPictorialRepresentation.Londres:Phaidon,1999,pp.172-214.
46Éinteressanteobservarque,demodomuitogeral,ocrescimentourbanoacarretouumaumentobemmaiordaáreadascidadesdoquedesuapopulação,aolongodosséculos.Aocontráriodoquesecostumaimaginar,ascidadespré-industriaistinhamdensidadedemográficaaindamaiordoqueasatuais.
47JoãodoRio,Aalmaencantadoradasruas.BeloHorizonte:Crisálida,2007,p.77.48Paraumaapreciaçãomaisdetidadesseassunto,verRafaelCardoso(org.),Odesignbrasileiro
antesdodesign:Aspectosdahistóriagráfica,1870-1960.SãoPaulo:CosacNaify,2005,pp.160-4.49MichaelBenedikt,“Informationinspaceisspaceininformation”,inAndersMichelsen&
FrederikStjernfelt(orgs.),ImagesfromAfar:ScientificVisualization–anAnthology.Copenhague:AkademiskForlag,1996.Domesmoautor,edeacessomaisfácil:Cyberspace:FirstSteps.Cambridge:MITPress,1991.
50NaconcepçãooriginaldoarquitetoJ.L.MathieuLauweriks,grideraumsistemadeespaçosproporcionaisbaseadonadissecaçãodeumcírculoporumquadrado.VerTimothySamara,Grid:Construçãoedesconstrução.SãoPaulo:CosacNaify,2007,pp.14-21.
51Umaboafonteparacompararaevoluçãodesitesdainternetaolongodotempoé:<www.archive.org>,quedisponibilizabilhõesdepáginasarquivadas.
52JohnRuskin,Aeconomiapolíticadaarte.RiodeJaneiro:Record,2004,p.174.53Orelatoclássicodesseepisódioestáem:StuartMacdonald,TheHistoryandPhilosophyofArt
Education.Londres:UniversityofLondonPress,1970,cap.4.Paraumresumoemportuguês,verRafaelCardoso[Denis],“Asorigenshistóricasdodesigner:Algumasconsideraçõesiniciais”,inEstudosemDesign,v.4,n.2,dez.1996.
54Essatendêncianefastavemsendocombatidanahistóriadodesignnosúltimosvinteanos.Ver,entreoutros:AdrianForty,Objetosdedesejo:Designesociedadedesde1750.SãoPaulo:CosacNaify,2007,pp.321-30.
55Algunstrabalhosacadêmicoscomeçamasedebruçarsobreotema,nosúltimosanos.Ver,entreoutros:JoãodeSouzaLeite,Design:Entreagramáticaeosaber.ProgramadePós-graduaçãoemComunicação,UniversidadeFederaldoRiodeJaneiro,1999(dissertaçãodemestrado);MarcosdaCostaBraga,OrganizaçãoprofissionaldosdesignersnoBrasil:APDINS-RJ,alutapelahegemonianocampoprofissional.ProgramadePós-graduaçãoemHistória,UniversidadeFederalFluminense,2005(tesededoutorado);MarcosAntônioEsquefMaciel,Desenhoindustrialedesenvolvimentismo:AsrelaçõessociaisdeproduçãoeoensinododesignnoBrasil.ProgramadePós-graduaçãoemEducação,UniversidadeFederalFluminense,2009(tesededoutorado).
56JúlioCaetano,“Quedesignersestamosformando?”,inElianeMagalhãesetal.,Pensandodesign.PortoAlegre:UniRitter,2004,pp.87-93.
57JoãodeSouzaLeite,“DecostasparaoBrasil:Oensinodeumdesigninternacionalista”,inChicoHomemdeMelo(org.),Odesigngráficobrasileiro:Anos60.SãoPaulo:CosacNaify,2006,pp.252-83.
58VerLucyNiemeyer,DesignnoBrasil:Origenseinstalação.RiodeJaneiro:2AB,1996,62-121epassim;etambémPedroLuizPereiradeSouza,Esdi:Biografiadeumaideia.RiodeJaneiro:Uerj,1996,pp.89-140epassim.
59“Esdi–EscolaSuperiordeDesenhoIndustrial”.RiodeJaneiro:SecretariadeEducaçãodoEstadodaGuanabara,1964,p.3.Disponibilizadoem:<http://www.esdi.uerj.br/arquivos/imagens/esdi60.pdf>(acessoem8/12/2011).
60Umadiscussãomaisalentadadotemaestádisponívelem:RafaelCardoso,“CraftversusDesign:MovingBeyondaTiredDichotomy”,inGlennAdamson(org.),TheCraftReader.Oxford:Berg,2010,pp.321-32.Vertambém:DavidHarvey,Condiçãopós-moderna.SãoPaulo:Loyola,1996,parteII.
61UmresumodapedagogiadeUlm,emportuguês,estádisponívelemSouzaLeite,op.cit.(2006),pp.262-75.Paramaisinformações,verHerbertLindinger,UlmDesign:theMoralityofObjects.Cambridge:MITPress,1991.
62VerErnstCassirer,LanguageandMyth.NovaYork:Dover,1946.pp.8-10.63GilbertoPaim,“Déficitdeartesania”,Agitprop:Revistabrasileiradedesign,ano3,n.36,
2008.Disponívelem:<http://www.agitprop.com.br/index.cfm?pag=leitura_det&id=13&Titulo=leitura>(acessoem8/12/2011).
64obertoDaMatta(org.),Profissõesindustriaisnavidabrasileira:Ontem,hojeeamanhã.Brasília:UnB/Senai,2003,pp.11-34.
©CosacNaify,2013©RafaelCardoso,2011Conselhoeditorial(Design)ANDRÉSTOLARSKI,
CHICOHOMEMDEMELO,JOÃODESOUZALEITE,RAFAELCARDOSO,RODOLFOCAPETO
CoordenaçãoeditorialELAINERAMOSPreparaçãoPEDROPAULODASILVARevisãoMARIAFERNANDAALVARES,ADRIANACERELLOProjetográficooriginalELAINERAMOS,ANASABINOIlustraçõesFRANCISCOFRANÇAAdaptaçãoecoordenaçãodigitalANTONIOHERMIDA1ªediçãoeletrônica,2013Nestaedição,respeitou-seonovoAcordoOrtográficodaLínguaPortuguesa.
DadosInternacionaisdeCatalogaçãonaPublicação(CIP)
(CâmaraBrasileiradoLivro,sp,Brasil)
Cardoso,RafaelDesignparaummundocomplexo/RafaelCardoso.SãoPaulo:CosacNaify,2013ISBN978-85-405-0381-61.Design(Projetos)–História2.Designindustrial–História3.Design–HistóriaI.Título.
Índicesparacatálogosistemático:Designindustrial:História745.209
COSACNAIFYruaGeneralJardim,770,2º.andar01223010SãoPauloSP[5511]32181444cosacnaify.com.bratendimentoaoprofessor[5511]38236560
EstelivrofoicompostoemSentineleGotham,fontesprojetadasporJonathan
HoeflereTobiasFrere-Jones.PRODUÇÃODIGITALEquireTech
CapaAgradecimentosUmapeloàleitura(àguisadeprefácio)Introdução–OspropósitosdodesignnocenárioatualDo“mundoreal”aomundocomplexoAdequaçãoeformaCompressãoecomplexidadeCapítulo1–Contexto,memória,identidade:oobjetosituadono
tempo-espaçoAimobilidadedascoisasFatorescondicionantesdosignificadoMemória,identidadeedesignCapítulo2–Avidaeafaladasformas:significaçãocomoprocesso
dinâmicoFormas,funçõesevaloresOquedizemasaparênciasAmultiplicidadedesignificadosAlinguagemdasformasApersistênciadosartefatosCiclodevidadoartefatoCapítulo3–Caiunarede,épixel:desafiosdoadmirávelmundo
virtualApaisagemdeslizantedaredeAmodernidadeemredesInformaçãoenavegaçãoAmalhafinadavisualidadeConclusão–Novosvaloresparaodesign(eseuaprendizado)Abaixooensino!Vivaoaprendizado!OdesignerpensanteNotasCréditosRedessociais
TableofContentsAgradecimentosUmapeloàleitura(àguisadeprefácio)Introdução–Ospropósitosdodesignnocenárioatual
Do“mundoreal”aomundocomplexoAdequaçãoeformaCompressãoecomplexidade
Capítulo1–Contexto,memória,identidade:oobjetosituadonotempo-espaçoAimobilidadedascoisasFatorescondicionantesdosignificadoMemória,identidadeedesign
Capítulo2–Avidaeafaladasformas:significaçãocomoprocessodinâmicoFormas,funçõesevaloresOquedizemasaparênciasAmultiplicidadedesignificadosAlinguagemdasformasApersistênciadosartefatosCiclodevidadoartefato
Capítulo3–Caiunarede,épixel:desafiosdoadmirávelmundovirtualApaisagemdeslizantedaredeAmodernidadeemredesInformaçãoenavegaçãoAmalhafinadavisualidade
Conclusão–Novosvaloresparaodesign(eseuaprendizado)Abaixooensino!Vivaoaprendizado!Odesignerpensante
NotasCréditosRedessociais
Recommended