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* Graduado em Serviço Social pela Universidade Bandeirantes – São Paulo. Especialista Serviço Social em
Ortopedia e Traumatologia – IOT-HCFMUSP. Pós Graduando do Curso de Residência Multiprofissional na
modalidade Emergências Clínicas e Trauma, realizada no Hospital Geral do Grajaú-SP, em parceria com a
Universidade de Santo Amaro.
* Graduada em Serviço Social pela Universidade de Santo Amaro - UNISA. Pós Graduando do Curso de
Residência Multiprofissional na modalidade Emergências Clínicas e Trauma, realizada no Hospital Geral do
Grajaú-SP, em parceria com a Universidade de Santo Amaro.
O mundo do trabalho: alguns desafios e obstáculos para a juventude da periferia
contemporânea frente à formação profissional
DANILO MENDES GOMES*
BRUNA FERNANDA BARROS DE MORAES*
Eu vejo na TV o que eles falam sobre o jovem não é sério
O jovem no Brasil nunca é levado a sério
(Charlie Brown Jr – Trecho da música “Não é Sério”)
Resumo: Este artigo tem como objetivo apresentar os resultados de uma pesquisa qualitativa
amparada pela metodologia da história oral e teve como sujeitos investigados quatro jovens da
periferia da Capital São Paulo, que realizam ou realizaram cursos de formação profissional
em termos de graduação, com a finalidade de se profissionalizarem para a inclusão no
mercado de trabalho. Pois, a juventude é uma etapa da vida em que são colocados muitos
desafios e dificuldades, especialmente para os jovens que residem na periferia e têm a
expectativa de iniciar e concluir um curso de graduação. As carências de políticas públicas em
funcionamento têm demonstrado pouca efetividade e causa impactos em proporções concretas
e abstratas na vida destes jovens, o que dificulta a vida profissional. Tem-se ainda, a
deficiente formação educacional que não apenas coloca obstáculos ao desenvolvimento das
capacidades de aprendizagem continuada e de adaptabilidade às novas formas de trabalho,
essenciais ao novo contexto produtivo, como também a precária formação básica afeta
negativamente a inclusão no mercado de trabalho daqueles destinados a tarefas aparentemente
simples. Na cena contemporânea os jovens que não possuem requisitos educacionais
mínimos, são excluídos das oportunidades de emprego, engrossandoainda mais as estatísticas
do trabalho informal e da violência urbana.
Palavras chave: Juventude; Mercado de trabalho; Periferia; Formação profissional; História
oral.
2
Introdução
Trabalhar a temática da inserção do jovem da periferia no âmbito profissional,
não é uma tarefa de fácil interlocução, porque muitos são os fatores que contribuem
para precarizar este ingresso. Dentre os principais, destacam-se: a mercantilização da
educação pública, a terceirização dos contratos de trabalho dos profissionais que atuam
na educação, ausência de interesse em afirmar a criação e efetivação de políticas
públicas para esse segmento, bem como o interesse da “classe dominante” em desprover
a juventude da periferia de conhecimento, visto que o empoderamento desse público
traria questionamentos aos modelos sociais vigentes.
Ao analisarmos os fatores que contribuem para a precarização desse acesso ao
mercado de trabalho, visualizamos que as transformações no mundo do trabalho, o
sucateamento das políticas públicas e o enxugamento da máquina estatal, bem como à
privatização das políticas sociais de educação, saúde, habitação e os avanços constantes
do neoliberalismo, transformou e mercantilizou o que não poderia ser comercializado,
como nos propõe a reflexão: “[...] a mercantilização do atendimento das necessidades
sociais, é liderada pela privatização das políticas sociais; os direitos sociais deixam de
ser direitos para estarem inseridos no circuito de compra e venda de
mercadoria”.(IAMAMOTO, 2012, p. 48)
Outro ponto, que merece destaque é o modelo de educação1 que temos hoje no
Estado de São Paulo, que é pautado na progressão continuada. Sabemos que a referida
metodologia está amparada dentro de uma concepção de ensino que valoriza as
individualidades, contudo o intuito do questionamento vai de encontro à seguinte
indagação: por que essa metodologia não tem plena efetividade, demonstrando-se
deficitária? Tendo em vista os constantes índices negativos que classificam a educação
pública.
Os resultados são da última edição do Sistema de Avaliação do Rendimento
Escolar do Estado de São Paulo (SARESP), que ocorre anualmente em todo
a rede. Eles mostram problemas no clico final do ensino fundamental e no
ensino médio, apontando como gargalos da educação. Ambas as etapas
estão desde 2008 no patamar baixo proficiência- a escala ainda demarca o
abaixo do básico adequado e avançado. (JORNAL ESTADO DE SÃO
PAULO20 de Agosto, 2014)
1Para aprofundamento ver: Lei Federal nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, Lei Estadual nº 10.403, de
julho de 1971, na deliberação Conselho Estadual de Educação nº 08/97 e nº 09/97.
3
Verifica-se que muitos jovens concluem o ensino fundamental ou médio com
alguns déficits de aprendizado, e a adesão ao curso de nível superior torna-se ainda mais
desqualificada, visto que esses jovens necessitarão de um tempo maior para se
adequarem a essa nova realidade e dinâmica da universidade.
Um ponto importante são as lacunas existentes na metodologia de ensino
público, que ao invés de identificar deficiências de aprendizagens dos alunos, para
posteriormente serem trabalhadas no processo educacional, acabam atuando pautados
em um modelo hegemônico de ensino, onde todos os alunos têm a “obrigatoriedade” de
enquadrar-se nesse modelo. A não aderência a esse modelo faz da progressão
continuada, a única solução para os prováveis problemas de aprendizado.
Se os espaços das salas de aula fossem de âmbito de aprendizado e formador, os
impactos causados nessa transição seriam menores, pois, os jovens que adentram em um
curso de nível superior sofrem inúmeras dificuldades, a saber, de leitura e interpretação
de textos, realização das normas operacionais básicas de matemáticas, entre outras.
Dentre os diversos fatores que implicam e precarizam a formação escolar
prejudicando os jovens na inserção no mercado de trabalho, sem dúvida a desigualdade
social não pode ser desconsiderada, porque os impactos e a precarização da educação
acessada pelos jovens da periferia, não são nem de longe visualizados, no horizonte das
possibilidades, pelos jovens de classe média alta em seus colégios particulares, que
acessam os bens simbólicos produzidos pela humanidade desde cedo, perdurando assim,
uma sociedade desigual.
Esta desigualdade deixa os alunos formados no modelo atual de ensino público
sem condições de uma disputa justa por qualificação e para adentrarem no mercado de
trabalho, se os compararmos aos formados por escolas particulares.
Partindo destas considerações sobre a dificuldade de acesso ao trabalho,
desenvolvemos esta pesquisa com jovens do gênero feminino e masculino da periferia
do município de São Paulo e temos como objetivo apresentar quais as expectativas que
eles têm referente ao futuro profissional, quais as estratégias utilizadas para alcançarem
à inserção na formação acadêmica/mercado de trabalho, os obstáculos enfrentados e por
último, quais as políticas públicas que tiveram acesso nesse processo.
4
Juventude, mercado de trabalho e periferia
A juventude é um momento de transformação, as decisões e expectativas do
futuro serão resultados de uma história singular para cada indivíduo, que muitas vezes
neste processo não visualiza que ele é o próprio protagonista da sua história. Vejamos a
definição de juventude:
A juventude, aqui compreendida como construção social e histórica, pode ser
considerada um dos mais significativos momentos do ciclo da vida para se
investigar e propor saídas para muitas das crises e mutações que tomam
forma na contemporaneidade em diferentes esferas do social, em especial, no
mundo do trabalho. As condições culturais e biológicas específicas dos e das
jovens os/as tornam mais expostos/as aos dilemas sociais, deixando-os mais
visíveis para a sociedade como um todo. Tradicionalmente, os estudos que
buscam definir a condição juvenil assinalam que a passagem da escola para
o mundo do trabalho, ao lado da independência em relação à família de
origem e da constituição de um novo núcleo familiar, constitui-se como
marco fundamental no processo de transição para a vida adulta. Se mesmo
em outros momentos históricos contestava-se a sequência ou os significados
destes marcos para diferentes perfis de jovens, as análises mais recentes
indicam que este processo tornou-se mais complexo. (AGENDA
NACIONAL DO TRABALHO DECENTE PARA A JUVENTUDE, 2010, p.
3)
O processo cultural também é importante nessa fase, pois junto dele surgem
novos conceitos, estilos de vida e impasses sobre o futuro, portanto entender a
importância da valorização e preparação para esse jovem inserir-se no mercado de
trabalho é de fundamental importância, para que muitos deles não engrossem as
estatísticas de violência urbana. Para que isto não ocorra, a construção de um bom
currículo profissional é essencial e deve começar com um ensino público de qualidade,
porque é ele que possibilita uma ruptura com o processo de invisibilidade e
naturalização do ser humano destituído de direitos, por conseguinte é mais que uma
obrigação, é um dever do Estado que se denomina: Estado Democrático de Direitos
oferecer um ensino de qualidade.
[...] No universo do trabalho, a associação da categoria juventude às
variáveis: sexo, cor/raça, renda familiar, posição na família, escolaridade e
região de moradia, entre outras, torna ainda mais explícitas as múltiplas
desigualdades que atingem a população juvenil. Os jovens pertencentes a
famílias de mais baixa renda, moradores de áreas metropolitanas mais
pobres ou de determinadas áreas rurais, as mulheres jovens e os jovens
negros de ambos os sexos, são atingidos de maneira ainda mais crítica pelas
dificuldades de acesso a um trabalho decente. (AGENDA NACIONAL DO
TRABALHO DECENTE PARA A JUVENTUDE, 2010, p. 5)
Na contemporaneidade a juventude da periferia brasileira vivencia momentos de
muitas incertezas. Os dados do último mapa da violência, atualizado em 2014, aponta
5
que São Paulo, ostenta a menor taxa (20,2 para 100 mil jovens) de homicídio entre os
jovens, muito abaixo dos 40 homicídios por 100 mil jovens alavancados por algumas
capitais do nordeste, porém, o mesmo senso alerta que: “ainda sendo a menor taxas das
capitais, são extremamente elevadas para os padrões considerados minimamente
civilizados”. Ou seja, São Paulo está longe do ideal, entretanto, comparada com outras
capitais do Brasil, cria-se o discurso que em nosso estado os jovens estão em condições
“favoráveis”.
Se aprofundarmos nossa analise junto aos homicídios nas periferias de São
Paulo, chegaremos à triste conclusão de que esse levantamento não está de acordo com
a realidade vivenciada por muitos jovens periféricos, não estamos aqui afirmando e nem
realizando uma falácia ao referido documento, porém, como moradores e viventes dos
becos e vielas das muitas “comunidades”, percebemos o alarmante número de jovens
que são abstraídos pelo crime organizado. O dito tribunal do crime, cria suas próprias
regras e dita o andamento do cotidiano de muitas periferias, sendo que muitos são os
jovens que desaparecem após se endividarem com o tráfico, por conta do uso de
substâncias ilícitas, contudo não engrossam essa triste estatística do país, porque os
familiares temendo atos repressivos se calam frente às ameaças. Dayrel e Gomes
trazem para a discussão a seguinte reflexão: “[...] O sentimento de fracasso que
acompanha o jovem que procura trabalho remunerado e não consegue representa uma
porta aberta para a frustração, o desânimo e também a possibilidade do ganho pela via
do crime”.(DAYREL E GOMES 2014, p. 6)
A realidade enfrentada pelo jovem da periferia para adentrar ao mercado de
trabalho é bem distinta de classe média alta, conforme se observa nessa pesquisa
realizada pela Agenda Nacional do Trabalho Decente para a Juventude, ao ressaltar que,
A idade de ingresso no mercado de trabalho é fortemente marcada por
desigualdades sociais. Enquanto muitos jovens pertencentes a famílias de
baixa renda ainda ingressam no mercado de trabalho antes da idade
considerada legal para o trabalho2 e sem concluir o ensino fundamental, os
2Esta síntese foi elaborada a partir de dois sintéticos diagnósticos sobre a situação da juventude brasileira.
No primeiro, elaborado pela OIT (2009), no âmbito do projeto Promoção do Emprego de Jovens da
América Latina (PREJAL) são analisados dados sobre escolaridade e padrões de inserção dos jovens,
sempre considerando sua diversidade em termos de sexo, cor/raça, local de moradia e posição no
domicílio, e avaliadas as recentes políticas e ações governamentais dirigidas a jovens. O documento foi
apresentado e discutido em jornadas técnicas com representantes do governo, dos empregadores e dos
trabalhadores, bem como do Conselho Nacional de Juventude (Conjuve). No segundo diagnóstico,
elaborado por Corrochano et al. (2008), foram analisadas as diferentes combinações entre trabalho e
estudo no tempo da juventude, também levando em consideração sua diversidade. 3 A idade mínima
considerada legal para ingresso no trabalho no Brasil é de 16 anos, com exceção das situações de
aprendizagem protegidas pela Lei 10. 097/2000, nas quais o trabalho é permitido a partir dos 14 anos.
6
jovens de renda mais elevada ingressam, em geral, a partir dos 18 anos,
principalmente em situações de trabalho protegidas e tendo completado o
ensino médio. A maior parte dos jovens, tanto pertencentes a famílias de
mais alta ou de mais baixa renda, se inserem ou procuram se inserir no
mercado de trabalho por volta dos 18 anos de idade. A partir desta faixa, a
desigualdade se expressa muito mais nas chances de encontrar trabalho e no
tipo de trabalho encontrado: os jovens de renda mais elevada estão sujeitos
a menores índices de desemprego e a uma inserção mais protegida no
mercado de trabalho. Estes aspectos sinalizam a necessidade de políticas
ativas de apoio à inserção, particularmente direcionadas para jovens de
baixa renda, mulheres, negros, moradores de áreas urbanas metropolitanas
e de determinadas áreas rurais.(AGENDA NACIONAL DO TRABALHO
DECENTE PARA A JUVENTUDE, 2010, p. 8)
As contradições vivenciadas pelos jovens inseridos em uma mesma metrópole,
porém, de classes sociais distintas e territórios diferentes são nítidas, contudo fica para
outro momento a maturação e aprofundamento desta questão.
Podemos perceber que há diversas discussões sobre quais são os reais ensejos da
juventude e como a escola, em seu papel formador, poderia contribuir para a preparação
desses jovens para o mercado de trabalho. Deste modo, é de fundamental importância
compreender se a juventude tem percebido que para a realização de projetos de vida,
cabe um conhecimento escolar mínimo para atuar no mundo do trabalho, caso o
contrário se não houver está percepção, ela pode ter reproduções pautadas, no seguinte
ditado: “filho de peixe, peixe é”, ou seja, filho de pedreiro, pedreiro será. Não estamos
aqui minimizando ou desdenhando de determinada profissão, o intuito desta explanação
é refletir sobre as reproduções de papéis no seio familiar.
Todo este contexto aborda questões como: desafios e obstáculos da juventude
periférica contemporânea, como aconteceram à inserção no mercado de trabalho, o
trabalho ideal, as especializações e quais as suas motivações frente ao contexto em que
estão inseridas.
Metodologia
A metodologia de pesquisa é imprescindível para o trabalho, afinal ela é a base
para a avaliação, leitura e sua técnica deve ser equilibrada.
[...] a metodologia inclui as concepções teóricas de abordagens, o conjunto
de técnicas que possibilitam a construção da realidade e o sopro divino do
potencial criativo do investigador. Enquanto abrangência de concepções
teóricas de abordagem, a teoria e a metodologia caminham juntas,
intrincavelmente inseparáveis. Enquanto conjunto de técnicas, a metodologia
deve dispor de um instrumental claro, coerente, elaborado, capaz de
encaminhar os impasses teóricos para o desafio da prática. O endeusamento
7
das 50 técnicas produz ou um formalismo árido, ou respostas estereotipadas.
Seu desprezo, ao contrário, leva ao empirismo sempre ilusório em suas
conclusões, ou as especulações abstratas e estéreis. (MINAYO, 2010, p. 16).
O método utilizado foi de uma pesquisa qualitativa, onde os sujeitos são
importantes para revelaruma realidade, o projeto de pesquisa qualitativa ganha vida
através dos depoimentos e narrativas, então tivemos a possibilidade de buscar nas falas:
a vivência sobre o tema, explorar a visão de quem está no processo e o contato direto
com o pesquisado. Conforme afirma Martinelli:
Na verdade, essa pesquisa tem por objetivo trazer à tona o que os
participantes pensam a respeito do que está sendo pesquisado, não é só a
minha visão de pesquisador em relação ao problema, mas é também o que o
sujeito tem a me dizer a respeito. Parte-se de uma perspectiva muito valiosa,
porque à medida que se quer localizar a percepção dos sujeitos, torna-se
indispensável – e este é outro elemento muito importante – o contato direto
com o sujeito de pesquisa. (MARTINELLI, 1999, p. 21).
A pesquisa foi realizada mediante abordagem aos jovens com data e horários
previamente agendados em espaçosresidenciais e públicos, foram sujeitos desta
pesquisa 4 (quatro) jovens: um do gênero masculino e três do feminino.
Para ampliar a discussão optamos por entrevistar jovens de formações distintas:
Serviço Social, Gestão Financeira, Direito e Química.
Foi preparado um roteiro previamente estabelecido com perguntas abertas, sendo
o método de coleta dos dados a história oral, com entrevistas gravadas em áudio.
A História Oral é uma relação de diálogo que acontece entre o entrevistado e o
pesquisador, o que busca a vivência prática do pesquisado,por meio da trajetória de
participação no contexto abordado. Esta coleta tende a englobar através dos relatos, o
estudo de vivências daquelesque obtêm a experiência e as relatam durante as
entrevistas.
Trabalhar com História Oral é basicamente recorrer à palavra do outro, à
palavra suscitada em função de um projeto de pesquisa, à palavra do outro
obtida em um processo de interação entre os pesquisador e o narrador, a
palavra do outro gravada e transcrita que se transforma em um documento,
a palavra do outro cuja análise permite responder às indagações formuladas
pelo projeto de pesquisa, ou mesmo para a preservação da memória de uma
sociedade e de uma época, através do testemunho dos que nela viveram.
(LANG, 1996, s/p).
Como abordamos, é possível desta forma, buscar o depoimento de pessoas que
perpassaram os fatos e as experiências, desta forma buscamos analisar através das
gravações os objetivos da pesquisa, a fim da elaboração do documento principal que
8
busca respostas a partir das informações coletadas.
Embora os pesquisadores que recorrem à História Oral o façam de acordo
com os pressupostos de sua disciplina, recorrem todos à palavra do outro,
obtida em uma entrevista marcada pela intersubjetividade. A palavra do
outro, assim obtida e gravada, dá origem a um documento que constitui fonte
para pesquisa. (LANG, 1996, s/p).
A escolha é justificada quando podemos expandiros diferentes olhares sobre o
mesmo contexto, desvelando posições, perspectivas e culturas daquele que vivenciou o
processo.
Um aspecto importante a citar é que a pesquisa está atrelada incondicionalmente
a questão ética, na história oral não poderia ser diferente, cabe assegurar para o
entrevistado este aspecto para que se conclua a relação de confiança que deve haver na
pesquisa.
As categorias de análise
Neste estudo, foram eleitas as seguintes categorias para análise dos resultados
adquiridos juntos aos sujeitos da pesquisa:
O aprendizado no ensino fundamental e médio;
A discriminação pelo fato de residir na periferia;
A entrada no mercado de trabalho para os jovens que residem na periferia de São
Paulo;
Resultado do curso de graduação na vida profissional;
As expectativas deles em relação ao mercado de trabalho diante das exigências e
seletividades do mercado.
Análise das narrativas dos sujeitos pesquisados
Na visão dos entrevistados sobre a avaliação que fazem do aprendizado no
ensino fundamental e médio, e se estes contribuíram nas suas inserções no ensino
superior, ou se colaboraram para enfrentar as dificuldades e obstáculos no mundo
universitário, trazem nas suas narrativas as seguintes questões:
[...] onde eu fiz não prepara a gente pro mundo de trabalho, pro mundo universitário, porque é
totalmente manipulado, é o básico dos básicos o que ele passa,[...] o pouco que sei tive que
correr atrás pra buscar, pra conseguir alcançar e me estabilizar dentro do sistema
9
universitário, porque eu tive que fazer toda essa fundamentação que não tive antes, eu tive que
fazer durante a universidade aprender é muito mais do que sociologia, sociologia, história,
filosofia, então muito disso tive que correr atrás porque não tive embasamento na
escola.(Entrevistado 1)
[...] Não exatamente, a escola não me despertou nenhum interesse, lembro que sempre tive
vontade de aprender [...] Na verdade lembro que quando fui fazer minhas primeiras entrevistas
não tinha segurança para escrever, a escola não me deu base nenhuma, foi muito difícil para
mim chegar a um curso de nível superior, muitas vezes pensei em desistir, mais continuei firme e
forte. Nada vai ser fácil pra mim, sair da escola só aprendendo ler e escrever e tive que corre
atrás de tudo... Tenho muita dificuldade. O aprendizado na escola não foi satisfatório.
(Entrevistado 3)
[...] Dificuldades que eram na escrita e na própria área de exatas. Que era pra onde o curso
era voltado. Para reverte esse déficit da minha aprendizagem na escola pública, optei por fazer
um curso de português e matemática. E se não fosse essa iniciativa própria, sinto que não
conseguiria concluir o curso. Pois os professores cobravam um grau de conhecimento básico
que eu não tinha, repeti até um semestre por causa dessa dificuldade. (Entrevistado 4)
Evidenciamos nesta análise de categoria que a maior parte dos entrevistados
(quatro pesquisados), três afirmaram que o ensino fundamental e médio não contribuiu
na inserção do ensino superior. Portanto, nos possibilita compreender as dificuldades
cotidianas para acompanhar as exigências das avaliações e conteúdos propostos pelos
professores, as diversidades e características de determinada turma, pois todo
conhecimento é subjetivo, sendo esse um fator considerado importante que “indica” ao
aluno questões que o levam a avançar ou retroceder. Identificamos nas falas dos sujeitos
o quanto a escola pública, na sua grande maioria, apresenta déficit de ensino.
Quando abordados sobre o fato de residir na periferia, a questão os levou a
revelar a discriminação sofrida durante a busca de vagas no mercado de trabalho, logo
os sujeitos entrevistados relataram cada um a seu modo as seguintes situações:
[...] já sofri sim, é comentários do fato de falar nossa onde você mora é uma região que morre
muita gente, que tem muito bandido, que tem muita favela, né então isso acontece sim, ainda
hoje no século XXI, de tanto você falar sobre o racismo, de tanto você falar sobre a
descriminação, mas ainda são os jovens negros e periféricos que sofrem com tudo isso, não tem
acesso ao mercado de trabalho. (Entrevistado 1)
Não, nunca me senti discriminada [...] eu acredito que independente do lugar onde a gente
esteja a gente pode chegar longe, é mesmo morando na periferia ou não. (Entrevistado 2)
[...] Teve um dia que falei que morava no Capão Redondo e a vaga era para recepcionista no
centro de são Paulo. Falaram que estavam procurando alguém que morasse mais perto, por que
eles pagavam apenas uma condução. Na época nem imaginei, mais pensado bem aquilo foi um
preconceito. (Entrevistado 3)
10
Para entrar no mercado de trabalho senti sim preconceito. Claro que não foi algo explicito.
Mais sentia certa descriminação por residir em periferia. Principalmente quando era pra
responder a região e bairro em que residia. Só pelo fato de ver na resposta Capão Redondo -
zona sul, já mudavam o olhar em direção a mim. (Entrevistado 4)
Notamos nas narrativas que a minoria (apenas um sujeito) verbaliza não ter
sofrido preconceito durante a busca por emprego. O que nos leva a conclusão de que
ainda somos uma sociedade fortemente pautada em preconceitos: geográficos e étnicos.
Evidencia-se no discurso dos entrevistados a discriminação com a população que reside
nos territórios considerados periféricos, principalmente quando se trata de uma
população negra, impactando efetivamente em falta de oportunidades de
trabalho,gerando um olhar estigmatizado em relação a esses jovens que residem na
periferia.
Na avaliação que fizeram sobre a entrada no mercado de trabalho para os jovens
que residem na periferia de São Paulo, trazem nos seus discursos que,
[...] as dificuldades pro jovem da periferia é muito maior, muito maior em todos os sentidos, né,
mas dentro do mercado de trabalho é a todo momento uma luta constante. (Entrevistado 1)
Muito difícil, não temos ideia das coisas [...] Quando fiz 16 anos queria trabalhar ter minhas
coisas, ser independente, mais para arrumar trabalho é difícil, hoje vejo que tem alguns
programas de jovem aprendiz, na minha época não tinha, que dizer acho que tinha mais
ninguém nunca me falou isso, meus primeiros trabalhos foi de faxineira com minha mãe em casa
de familiar, depois arrumei um trabalho em um escritório, como já estava acabando a escola
pensei em estudar, foi ai que meus chefes me incentivaram a entrar na faculdade, ai eu fui.
(Entrevistado 3)
Tanto eu como outros que moram em periferia enfrentam dificuldade em conseguir emprego,
por conta dos critérios de avaliação de perfil da maioria das empresas. Quando é perguntado
seu endereço fixo, por exemplo: até “travo” pra falar que moro em favela e não tenho endereço
certo. Acredito que já nessa etapa sou desaprovado para a vaga. Como muitos outros que
acredito que também sejam. (Entrevistado 4)
Referente à proposição da entrada no mercado de trabalho para os jovens que
residem na periferia de São Paulo, três sujeitos mencionaram dificuldades, dentre elas,
merece destaque a avaliação do entrevistado 4 ao narrar que “até travo pra falar que
moro em favela e não tenho endereço certo. “Acredito que já nessa etapa sou
desaprovado para a vaga”. A referida narrativa nos leva a refletir sobre o quanto a
juventude da periferia (favelas), ainda sofre para acessar o mercado de trabalho, pois se
percebe que dentro da própria periferia existem clivagens que classificam ainda mais as
desigualdades, ou seja, dentro da “pobreza” existem “pobrezas” ainda mais precárias.
11
No quesito em que foram abordados para narrarem se estão cursando ou já
realizaram uma graduação, bem como apresentar os resultados deste curso na vida
profissional afirmaram que,
A graduação foi muito importante pra mim, é pela visão que eu tive a partir disso, de homem
mundo a desconstrução do senso comum, né o olhar macro pra sociedade, para questões que
envolvem a sociedade, por exemplo, a questão é da educação, a questão do jovem periférico [...]
hoje eu reconheço a minha negritude, eu reconheço a minha história e isso eu sei que parte
muito do curso que eu fiz da graduação de o quanto me formou quanto profissional, quanto
pessoa, o quanto contribuiu é na minha relação com a sociedade , na minha relação com as
pessoas, então essa graduação, agregou e muito na minha vida.(Entrevistado 1)
É a faculdade me ajudou muito, porque eu comecei a ver o mercado de trabalho de outro jeito,
mas na minha área eu não consegui emprego, infelizmente eu não consegui emprego, eu
trabalho em outra área, mas mesmo assim a faculdade de uma maneira contribui para meu
rendimento profissional. (Entrevistado 2)
Foi um divisor de momentos, depois que comecei estudar tudo mudou, aprendi muito! Foram
anos difíceis, tive um filho no ultimo ano do curso o que me atrasou a concluir. Mais minha
família tem muito orgulho de mim, fui à primeira da família a conseguir se formar, a fazer uma
faculdade, você tem ideia disso? Minha família e grande! Por morar na periferia nunca
imaginei em ser uma advogada [...] No início desse ano passei na A.O.B, estou trabalhando na
área. Fazer faculdade fez abrir muitas portas pra mim. Hoje no país pelo fato de ser negra e
pobre tenho que ser muito melhor, a todo momento tenho que mostra que sou boa. (Entrevistado
3)
Minha primeira formação como técnico em química foi uma evolução intelectual. Porque ela
me trouxe uma vontade de estudar e me aperfeiçoar mais. Me senti mais autônomo na busca de
aprendizado. (Entrevistado 4)
Neste contexto, é perceptível o quanto a inserção na universidade proporciona ao
jovem da periferia o crescimento pessoal e profissional, possibilitando novas
oportunidades de emprego.
No que diz respeito em relação às expectativas do mercado de trabalho para os
jovens diante das exigências e seletividades do mercado, realizaram as suas análises ao
comentarem que,
[...] ele te exige uma coisa dentro do mercado de trabalho que ele não te deu [...] se morar na
favela, se é negro, se é periférico se já se envolveu ou não, né, com alguma coisa que está ali na
nossa rotina no nosso dia a dia, pra quem, mora na periferia sabe que existem muitos meios de
você conseguir se manter então as vezes quando não se encontra um mercado de trabalho, se
encontra outras formas de sobreviver.(Entrevistado 1)
[...] muita gente cursando e ta difícil, a gente tá vivendo um momento de crise, [...] e o trabalho,
tá difícil por essas questões muitas gente se formando o mercado saturado, mas eu acho que de
um jeitinho o de outro dá pra conseguir sim. (Entrevistado 2)
12
São difíceis, esse governo acabou com o Brasil, o desemprego está muito grande você pode ver
que essa geração está perdida, os moleques só querem usar droga olha só o nosso bairro, se na
nossa época era difícil imagina agora nem para a escola eles vão [...] (Entrevistado 3)
Quanto a isso, sou pessimista. Porque a grande maioria que conheço tem uma visão turva de
como realmente é o mercado de trabalho. É evidente perceber como é limitado o conhecimento
de profissão desses jovens. (Entrevistado 4)
Mediante aos relatos, apontam a dificuldade que o país vem enfrentando, pois, a
atual conjuntura apresenta uma intencionalidade de sucatear ainda mais o ensino
público, dentre as classes, ressaltando que neste contexto o jovem da periferia torna-se
mais vulnerável.
Neste estudo, destacamos o quanto a escola pública, em sua grande maioria
ainda apresenta déficit de ensino, como: português e matemática, ressaltamos que não
estamos fazendo uma análise aprofundada do ensino nas escolas públicas de São Paulo,
porém, o resultado desta pesquisa nos permite o reconhecimento do quanto ainda é
preciso avançar, propor novas maneiras de aprendizados entre alunos e professores, para
então, alcançarmos um ensino de qualidade, e finalmente reduzirmos os dados
apresentados nestas analises.
Como foi apontado na fala dos três entrevistados - a forte presença do
preconceito por morar na “comunidade” impactando na inserção do mercado de
trabalho, - a discriminação com a população negra e moradora dessas regiões
periféricas, - a exposição delicada de não obterem referência (endereço) que o assegure
socialmente como cidadão. Logo é preciso ter um ensino que dê acesso às informações
de políticas públicas, que garante o processo de empoderamento e de autonomia dos
indivíduos.
Considerações finais
A pesquisa discorreu sobre a temática da juventude periférica contemporânea e a
inserção no mercado de trabalho, tivemos como sujeitos de pesquisa quatro jovens que
residem na periferia do município de São Paulo, um graduando em Química, e três já
formadas nas respectivas áreas: Serviço Social, Direito e Gestão Financeira, sendo o
mais novo com vinte um anos e a mais velho com vinte e nove anos, todos cursaram o
ensino fundamental e médio em escola pública e apenas um utilizou programas de
incentivo ao estudo (FIES) para adentrar na faculdade.
A desigualdade social foi apresentada nas entrevistas ao modo que os jovens
traziam aspectos de descriminação em processos seletivos, dificuldades de acesso ao
13
ensino superior, problemas no mundo do trabalho, onde um fato evidente é o território
ao qual estão inseridos.
Pensando nesta desigualdade e nos aspectos apresentados como dificultadores
para o acesso ao mercado de trabalho, podemos verificar que os jovens buscam outros
modos de sobrevivência, o que não temos em comum nos jovens entrevistados, mas
temos claro, que a violência urbana está inserida no território, bem como as drogas e a
via do crime, estes estão sempre contratando.
Consideramos, que dentre as narrativas, diante deste complexo e frágil cenário
da educação acessada pelos jovens que residem na periferia, ainda que, com todas as
dificuldades citadas, o acesso à educação superior é o que viabiliza o desenvolvimento
pessoal e profissional, e consequentemente permite novas e melhores oportunidades de
emprego.
Por fim, esse trabalho também evidencia a dificuldade atual que o país vem
enfrentando, como se sobressai no discurso dos entrevistados, podemos chamar de
precarização, mercadoria de ensino e mais presente ainda nos ensinos públicos, questão,
que nos permite um desafio, olharmos com mais atenção a nossa juventude,
principalmente os que moram na periferia, fica clara a necessidade de implementação e
implantação de políticas públicas para esses adolescentes, pois, nota-se em pesquisa que
grande parte deles são os que apresentam “potentes” índice de vulnerabilidade social.
O que eu consigo ver é só um terço do problema
É o Sistema que tem que mudar
Não se pode parar de lutar
Senão não muda
A Juventude tem que estar a fim,
Tem que se unir [..]
(Charlie Brown Jr – Trecho da música “Não é Sério”)
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