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1 UNIVERSIDADE DE SˆO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CI˚NCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA PROGRAMA DE PS-GRADUA˙ˆO EM GEOGRAFIA HUMANA DANILO VOLOCHKO A produªo do espao e as estratØgias reprodutivas do capital: negcios imobiliÆrios e financeiros em Sªo Paulo SˆO PAULO 2007

Danilo Volochko

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Volochko

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    UNIVERSIDADE DE SO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS

    DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM GEOGRAFIA HUMANA

    DANILO VOLOCHKO

    A produo do espao e as estratgias reprodutivas do capital:

    negcios imobilirios e financeiros em So Paulo

    SO PAULO

    2007

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    DANILO VOLOCHKO

    A produo do espao e as estratgias reprodutivas do capital:

    negcios imobilirios e financeiros em So Paulo

    Dissertao apresentada ao Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo, para obteno do ttulo de Mestre em Geografia.

    rea de Concentrao: Geografia Humana Orientadora: Prof. Dr. Ana Fani Alessandri Carlos

    SO PAULO

    2007

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    Ficha Catalogrfica

    Volochko, Danilo. A produo do espao e as estratgias reprodutivas do capital: negcios imobilirios e financeiros em So Paulo / Danilo Volochko ; orientadora Ana Fani Alessandri Carlos. So Paulo, 2007. 182 f. Dissertao (Mestrado Programa de Ps-Graduao em Geografia. rea de Concentrao: Geografia Humana) Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo. 1. Produo do Espao. 2. Setor Imobilirio. 3. Capital Financeiro. 4. So Paulo. 5. Estratgias. CDD

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    AGRADECIMENTOS

    O trabalho ora apresentado no teria sido realizado sem a colaborao, ateno e

    pacincia de diversas pessoas, ligadas tanto esfera acadmica quanto pessoal. Em

    primeiro lugar, gostaria de agradecer os professores do Departamento de Geografia da

    Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo,

    particularmente minha orientadora, a Prof. Dr. Ana Fani Alessandri Carlos. Sua

    presena e empenho acadmico foram marcantes ao longo da pesquisa, e devo

    principalmente a ela o que de mrito possa haver neste trabalho, como de resto em

    minha formao terica na Geografia.

    Agradeo Prof. Dr. Amlia Lusa Damiani por ter me acolhido no Grupo de

    Estudos do Grundrisse e tambm em outros fruns de estudo. Minha rpida passagem

    por tais grupos certamente contribuiu para preencher muitas de minhas lacunas

    metodolgicas. Agradeo tambm pela oportunidade de cursar sua disciplina na Ps-

    Graduao, e pelo aprendizado dela decorrente.

    Devo agradecer Prof. Dr. Maria Mnica Arroyo e tambm a Adriano Botelho,

    que com muita disposio se dedicaram leitura e argio do meu Relatrio de

    Qualificao, trazendo reflexes fundamentais bem como materiais relevantes para o

    aprimoramento da pesquisa.

    Gostaria de agradecer ao Prof. Dr. Herv milien Ren Thry e Prof. Dr. Rita

    de Cssia Ariza da Cruz pelos momentos agradveis e proveitosos que compartilhamos

    atravs das atividades de monitoria e estgio supervisionado do Programa de

    Aperfeioamento e Ensino (PAE).

    Aos professores Glria da Anunciao Alves, Anselmo Alfredo, Heitor Frgoli

    Jnior, ngelo Serpa, Luciana Lago, Pedro A. Vasconcelos, Maurcio de Abreu,

    Roberto Lobato Corra, agradeo pelas discusses realizadas em encontros e

    seminrios.

    Agradeo tambm ao Prof. Dr. Lcio Kowarick pela oportunidade de aprender

    um pouco mais sobre a viso sociolgica atravs do estudo de algumas de suas anlises

    sobre a sociedade moderna na disciplina que cursamos sob sua responsabilidade.

    Cabe um agradecimento especial aos pesquisadores e amigos do GESP Grupo

    de Estudos sobre So Paulo e aos integrantes do Grupo dos Colquios Terico-

    Metodolgicos realizados no Labur Laboratrio de Geografia Urbana. Considero

    nossas atividades desenvolvidas nesses grupos seminrios, debates, reunies de

  • 5

    pesquisa absolutamente centrais para o aprofundamento da discusso conceitual e das

    categorias analticas a partir da preocupao em torno da teoria e do mtodo. Neste

    sentido, agradeo Fabiana, Camila, Flvia, Flor, Paulinha, Renata, ao Rafael,

    ao Svio, ao Jnior, ao Frederico, ao Andr, ao Alexandre, ao Felipe, ao Toms.

    Agradeo a todos aqueles que se disponibilizaram em conceder entrevistas,

    materiais e outras informaes para nossa pesquisa, entre eles: Lus Paulo M. Ferraz,

    Alberto Ferrari, Antnio B. Bandeira, Milton M. Filho, Maria Olide Botelho, Carlos,

    Gustavo F. Felizzola, Roglio Tolosa, Adolpho Lindenberg Filho, Janine Heineman,

    Rosana, Caroline Santos, Simone, Jos Idelfonso Simes.

    Cabe um agradecimento a Andr Gonalves pelo auxlio na elaborao

    cartogrfica.

    Agradeo FAPESP Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo

    pelo importante apoio financeiro fornecido, que possibilitou a mais propcia condio

    de trabalho e de dedicao pesquisa, bem como viabilizou, atravs das Reservas

    Tcnicas, minha participao em encontros cientficos e tambm a aquisio de dados e

    materiais utilizados na pesquisa. Agradeo pelos pareceres aferidos ao trabalho, os quais

    nos auxiliaram no andamento da anlise.

    Por fim, manifesto minha gratido minha famlia pelo apoio e compreenso,

    em especial a meus pais, meu irmo e minha av. Reconheo tambm a imensa ajuda da

    Ana Paula, que soube encarar com carinho meus muitos momentos de ausncia

    dedicados a este trabalho.

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    RESUMO

    VOLOCHKO, D. A produo do espao e as estratgias reprodutivas do capital:

    negcios imobilirios e financeiros em So Paulo. 2007. 182 f. Dissertao

    (Mestrado) Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas, Universidade de So

    Paulo, So Paulo, 2007. A pesquisa trata do processo de urbanizao contemporneo da cidade de So Paulo,

    tendo como foco de anlise a produo do espao atravs das estratgias reprodutivas

    do capital financeiro articuladas ao setor imobilirio. Assim, privilegiou-se uma

    reflexo sobre as aes econmicas que, ligadas ao plano poltico do Estado,

    fundamentam sua reproduo na produo privada do espao residencial capitalista,

    cuja lgica obedece aos nexos do valor-de-troca e da valorizao do solo urbano. O

    contexto da economia financeirizada marca uma srie de novas relaes entre o grande

    capital de origem imobiliria e as finanas, resultando em uma crescente abstrao do

    espao como valor financeiro, vinculado e ao mesmo tempo tendente a se autonomizar

    da esfera produtiva da construo civil. Assim, o setor imobilirio de ponta

    encontra-se cada vez mais financeirizado, seja pela utilizao ampliada de instrumentos

    de financiamento s suas atividades, como os Fundos de Investimento Imobilirio, seja

    pela abertura de capital e emisso de aes em Bolsa de Valores, que impem inclusive

    uma nova racionalidade para o imobilirio. Nesse processo, o setor imobilirio se

    capitaliza, passando a gerenciar a construo e a voltar-se principalmente aos negcios

    referentes incorporao de terrenos, como base do processo de valorizao do espao.

    A pesquisa esteve centrada, num primeiro momento, na investigao emprica do caso

    particular do Fundo de Investimento Imobilirio Panamby, sendo que, num segundo

    momento, realizou-se uma reflexo sobre a atuao de algumas empresas do setor

    imobilirio na totalidade de seus investimentos/lanamentos na cidade de So Paulo, na

    qual buscou-se compreender as estratgias espaciais da atividade imobiliria articulada

    esfera financeira e com a indstria da construo civil. Desse modo, pde-se conhecer

    alguns movimentos da produo do espao urbano atravs da produo capitalista do

    imobilirio residencial, como a estratgia da diversificao espacial dos

    empreendimentos. Fundamentalmente, percebeu-se que a produo lgica do espao

    como valor-de-troca, atravs da produo capitalista, enfrenta e muitas vezes vence

    obstculos vindos da prtica socioespacial como elemento negativo desse processo. Palavras-Chave: Produo do Espao, Setor Imobilirio, Capital Financeiro, So Paulo, Estratgias

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    ABSTRACT

    VOLOCHKO, D. Production of space and the reproductive strategies of capital:

    real estate and financial business in So Paulo. 2007. 182 f. Dissertation (Masters

    Degree) School of Philosophy and Human Arts and Sciences of the University of So

    Paulo, 2007. The research deals with the contemporaneous urbanization process of the city of So

    Paulo, holding as focus of analysis the production of space through the reproductive

    strategies of financial capital articulated to the real estate sector. Thus, a reflection upon

    the economic actions that, connected to the States political plan, base its reproduction

    upon the private production of capitalist residential space was pondered, which logic

    obeys the senses of trade-value and of urban land valorization. The financed economy

    context marks a series of new relations between the large capital deriving from real

    estate and the finances, resulting in a growing abstraction of the space as financial

    value, entailed and at the same time pending toward gaining its autonomy from the

    productive sphere of the civil construction. Thus, the cutting edge real estate sector is

    found ever further financed, whether by the widened use of financing instruments to its

    activities, such as the Real Estate Investment Funds, or by initial public offers and

    issuance of stock at Stock Exchange venues, which actually impose a new rationality to

    the real estate sector. In this process, the real estate sector capitalizes and starts to

    manage the construction and mainly prioritizes the business referent to real estate land

    incorporation as basis of the space valorization process. The research was centered, at

    first, on the empiric investigation of the particular case of the Panamby Real Estate

    Investment Fund, being that, on a second instance, a reflection was cast forward about

    the operation of some companies from the real estate sector in the totality of their

    investments/launches in the city of So Paulo, in which it was sought after to understand

    the space strategies of the real estate activity articulated with the financial sphere and

    with the civil construction industry. In this sense, it was possible to learn about some

    urban space production movements through the capitalist real estate residential

    production, such as the space diversification strategy of the undertakings.

    Fundamentally, it was perceived that the logical production of space as trade-value

    through capitalist production endures, and many times beats, obstacles deriving from

    the social-spatial practice as a negative element of that process. Keywords: Production of Space, Real Estate Sector, Financial Capital, So Paulo, Strategies

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    SUMRIO Apresentao...............................................................................................................................12 Consideraes iniciais............................................................................................................................14

    Captulo 1: Caractersticas da urbanizao de So Paulo: formao dos mercados

    fundirio e imobilirio e a problemtica espacial emergente 1. Elementos da urbanizao paulistana: industrializao, desenvolvimento dos negcios fundirios e

    constituio da centralidade de valorizao imobiliria residencial....................................................20

    2. Traos e transformaes da morfologia urbana de So Paulo: apontamentos e advertncia...............26

    3. Da historicidade ao sentido da produo espacial na contemporaneidade..........................................29 Captulo 2: Contexto macro-econmico recente: hegemonizao financeira 1. Imposio (neo)liberal da financeirizao: alguns elementos (scio)econmicos..............................33 2. Ajustes do Sistema Financeiro Brasileiro: insero do pas na economia financeira

    mundializada........................................................................................................................................39

    3. Capital financeiro, imbricaes espaciais e acumulao......................................................................42 Captulo 3: Produo de uma nova espacialidade em So Paulo: caso do Panamby 1. Contedos financeiros do Panamby: um Fundo de Investimento Imobilirio nas margens (opostas) do

    Rio Pinheiros........................................................................................................................................52

    2. Descrio terico-geogrfica do Panamby: um fragmento da metrpole............................................60

    3. Preparando o terreno para a ao financeira e imobiliria: negcios privados, negcio do Estado?...68 4. Um parntese necessrio sobre um caso recorrente: o Panamby luz de anlises precedentes, seu

    movimento na pesquisa e dificuldades de anlise................................................................................72 Captulo 4: Consideraes sobre a produo imobiliria do espao sob as finanas 1. Complexidade do setor imobilirio e da produo da mercadoria espao.......................................77 2. Estratgias de venda do espao: caractersticas da presena e da dinmica imobiliria no Panamby (a

    viso das comercializadoras)................................................................................................................81 3. Alavancagem financeira do imobilirio: estruturao atual das grandes empresas, abertura de capital

    e atividade de incorporao do solo (a viso das incorporadoras/construtoras)..................................90

    4. Reforando alguns pontos: incorporao da financeirizao e possveis derivaes.......................104 Captulo 5: Anlise e mapeamento da dinmica imobiliria em So Paulo 1. Mapeamento dos lanamentos imobilirios residenciais em So Paulo de 1992 a 2006 atravs do

    recorte da atuao de algumas empresas............................................................................................110

  • 9

    2. Estratgia da diversificao espacial (simultaneidade dos investimentos no espao) e a centralidade

    de valorizao imobiliria residencial................................................................................................149

    3. Movimento de concentrao/disperso/reconcentrao do capital financeiro em sua reproduo no

    imobilirio..........................................................................................................................................155 Captulo 6: Reencontro do Panamby luz da pesquisa: esboando uma leitura (crtica) da

    sua valorizao......................................................................................................................................157

    Consideraes finais.................................................................................................................172

    Bibliografia................................................................................................................................175

    Anexos

  • 10

    Lista de Figuras, Fotos, Grficos, Imagens, Mapas e Quadros

    Figura 1: Estudo Esttico da Company........................................................................................99 Foto 1: Centro Empresarial de So Paulo.....................................................................................53 Foto 2: Panorama geral do Panamby........................................................................................61 Foto 3: Villaggio Panamby...........................................................................................................61 Foto 4: Altas Torres e o Parque Burle Marx................................................................................62 Foto 5: Ponte Joo Dias vista da favela da Peinha.......................................................................65 Foto 6: Av. Giovanni Gronchi......................................................................................................65 Foto 7: Paraispolis com prdios do Panamby ao fundo.............................................................66 Foto 8: Prdios de alto padro no Panamby..............................................................................82 Foto 9: Ruas intermitentes no Panamby.....................................................................................168 Foto 10: Ruas intermitentes no Panamby...................................................................................169 Foto 11: Ruas intermitentes no Panamby...................................................................................169 Foto 12: Ruas intermitentes no Panamby...................................................................................169 Foto 13: Padro de urbanizao do Panamby.............................................................................170 Foto 14: Perfil semi-precrio do arruamento em alguns pontos do Panamby............................170 Foto 15: Villaggio Panamby.......................................................................................................170 Foto 16: Obras no cruzamento...................................................................................................171 Grfico 1: Evoluo do valor mdio do m2 no Panamby de 1992 a 2006 (US$) (grupo das empresas analisadas)..................................................................................................................161 Grfico 2: Evoluo do valor mdio do m2 no Panamby de 1992 a 2006 (US$) (outro grupo de empresas)....................................................................................................................................161 Grfico 3: Oscilao do valor do m2 nos trinios no Paraso (US$)..........................................163 Grfico 4: Oscilao do valor do m2 nos trinios no Panamby (US$).......................................163 Imagem 1: Perfil urbano menos densificado da regio do Panamby e Morumbi........................62 Imagem 2: rea pertencente ao FII Panamby..............................................................................63 Imagem 3: Cruzamento Itapaina x Dna. Helena P. Moraes x Jos R. Urtiza...........................171 Imagem 4: Fronteira da valorizao?.........................................................................................173 Mapa 1: Situao do Panamby em relao ao Eixo Financeiro de So Paulo.............................54 Mapa 2: Municpio de So Paulo / Subprefeitura de Campo Limpo...........................................64 Mapa 3: Vila Andrade e outros distritos.......................................................................................64 Mapa 4: Ausncia de grandes avenidas ligando o Panamby s principais vias de circulao......................................................................................................................................86 Mapa 5: Lanamentos Residenciais Verticais na Regio Metropolitana de So Paulo Jan. a Dez. de 1992...............................................................................................................................113 Mapa 6: Lanamentos Residenciais Verticais na Regio Metropolitana de So Paulo Jan. a Dez. de 1993...............................................................................................................................115 Mapa 7: Lanamentos Residenciais Verticais na Regio Metropolitana de So Paulo Jan. a Dez. de 1994...............................................................................................................................117 Mapa 8: Lanamentos Residenciais Verticais na Regio Metropolitana de So Paulo Jan. a Dez. de 1995...............................................................................................................................119 Mapa 9: Lanamentos Residenciais Verticais na Regio Metropolitana de So Paulo Jan. a Dez. de 1996...............................................................................................................................121 Mapa 10: Lanamentos Residenciais Verticais na Regio Metropolitana de So Paulo Jan. a Dez. de 1997...............................................................................................................................123 Mapa 11: Lanamentos Residenciais Verticais na Regio Metropolitana de So Paulo Jan. a Dez. de 1998...............................................................................................................................125 Mapa 12: Lanamentos Residenciais Verticais na Regio Metropolitana de So Paulo Jan. a Dez. de 1999...............................................................................................................................127

  • 11

    Mapa 13: Lanamentos Residenciais Verticais na Regio Metropolitana de So Paulo Jan. a Dez. de 2000...............................................................................................................................129 Mapa 14: Lanamentos Residenciais Verticais na Regio Metropolitana de So Paulo Jan. a Dez. de 2001...............................................................................................................................131 Mapa 15: Lanamentos Residenciais Verticais na Regio Metropolitana de So Paulo Jan. a Dez. de 2002...............................................................................................................................133 Mapa 16: Lanamentos Residenciais Verticais na Regio Metropolitana de So Paulo Jan. a Dez. de 2003...............................................................................................................................135 Mapa 17: Lanamentos Residenciais Verticais na Regio Metropolitana de So Paulo Jan. a Dez. de 2004...............................................................................................................................137 Mapa 18: Lanamentos Residenciais Verticais na Regio Metropolitana de So Paulo Jan. a Dez. de 2005...............................................................................................................................139 Mapa 19: Lanamentos Residenciais Verticais na Regio Metropolitana de So Paulo Jan. a Dez. de 2006...............................................................................................................................141 Mapa 20: Lanamentos Residenciais Verticais na Regio Metropolitana de So Paulo Jan. 92 a Dez. 06 / Adolpho Lindenberg................................................................................................144 Mapa 21: Lanamentos Residenciais Verticais na Regio Metropolitana de So Paulo Jan. 92 a Dez. 06 / Company..................................................................................................................145 Mapa 22: Lanamentos Residenciais Verticais na Regio Metropolitana de So Paulo Jan. 92 a Dez. 06 / Cyrela.......................................................................................................................146 Mapa 23: Lanamentos Residenciais Verticais na Regio Metropolitana de So Paulo Jan. 92 a Dez. 06 / Gafisa.......................................................................................................................147 Mapa 24: Lanamentos Residenciais Verticais na Regio Metropolitana de So Paulo Jan. 92 a Dez. 06 / Rossi.........................................................................................................................148 Mapa 25: Lanamentos Residenciais Verticais na Regio Metropolitana de So Paulo Jan. 92 a Dez...........................................................................................................................................154 Quadro 1: FIIs com cotas negociadas na BOVESPA.................................................................57 Quadro 2: Variao na cotao das aes....................................................................................92 Quadro 3: Evoluo do valor mdio do m2 no Panamby de 1992 a 2006 (US$) (grupo das empresas analisadas)..................................................................................................................159 Quadro 4: Evoluo do valor mdio do m2 no Panamby de 1992 a 2006 (US$) (outro grupo de empresas)....................................................................................................................................160

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    APRESENTAO

    Escrever sobre o processo que estamos pensando significa organizar as idias

    que compuseram, em diferentes momentos, um movimento de anlise. O esforo da

    redao parece ser aquele de dar substncia concreta s idias, dispondo-as no texto no

    aleatoriamente, mas de acordo com um mtodo. Assim, enfrentamos sempre

    dificuldades quanto ao modo de disposio dos captulos, mesmo por que os fenmenos

    analisados imbricam-se estruturalmente no plano da realidade.

    No obstante a aparente linearidade cronolgica em relao organizao dos

    captulos neste trabalho, a idia no foi partir da histria como gnese dos processos

    observados presentemente, o que suporia uma linearidade no verificada na prtica. Foi

    sempre a geografia da metrpole contempornea que norteou nossas breves incurses

    pela histria, que visaram reconhecer alguns fundamentos econmicos presentes na

    historicidade da urbanizao de So Paulo e que identificava a produo da cidade j

    como a produo de um espao capitalista. Tratava-se de apreend-los (os fundamentos)

    a partir dos processos presentes, entendidos como uma articulao dialtica entre os

    elementos vindos da histria e aqueles postos pelo momento atual, em um processo

    repleto de continuidades e descontinuidades. A perspectiva que orientou a organizao

    dos captulos e a exposio das idias no trabalho foi aquela de tentar situar o

    movimento que instaura logicamente a espacialidade no seio da historicidade de So

    Paulo, e as novas implicaes produzidas atualmente. Com isso, abria-se a possibilidade

    de se analisar um caso concreto (o Panamby) como produto da produo da

    espacialidade lgica cujos fundamentos j vinham se constituindo em outros momentos.

    Desse modo, nas consideraes iniciais so enunciadas algumas questes

    metodolgicas face ao movimento atual e concreto da reproduo socioespacial. O

    captulo 1 trata dos aspectos da constituio, em So Paulo, de alguns fundamentos da

    reproduo capitalista do espao. O captulo 2 representa um salto para o presente, e

    busca contextualizar o processo macro-econmico que envolve o processo estudado. No

    captulo 3, o Panamby emerge anlise como expresso concreta que traz novos

    matizes aos processos e fundamentos discutidos at ento. No captulo 4 nos

    debruamos sobre as complexidades do setor imobilirio articuladas quelas da esfera

    financeira, para no captulo 5 conhecer algumas estratgias espaciais do setor

    imobilirio atravs de um amplo mapeamento de sua atividade nos ltimos 15 anos. Por

    fim, apresentamos, no captulo 6 e nas consideraes finais, alguns elementos surgidos

  • 13

    na pesquisa como expresso do embate entre a lgica (da valorizao) e sua

    materializao espacial, comandada pela reproduo dos capitais financeiro e do setor

    imobilirio.

  • 14

    CONSIDERAES INICIAIS

    Aqueles que se debruam sobre o entendimento da realidade social na

    contemporaneidade deparam-se inequivocamente com uma questo de fundo, segundo a

    qual o movimento desta mesma realidade tende sempre a avanar, no espao-tempo da

    prtica cotidiana das sociedades, em relao ao movimento de sua apreenso/elaborao

    terica. Em outras palavras, a realidade sempre se antecipa teoria, ao conceito,

    tornando-os relativos, datados. De um lado, somente atravs da manifestao emprica

    (fenomnica) que apreendemos objetivamente a realidade social e seus processos. De

    outro, tais processos, na condio de sua natureza essencialmente social, no guardam

    em seu conjunto um sentido nomottico que os explique ou uma linearidade cclica

    operada por relaes de causalidade direta , apresentando-se, antes, como um campo

    de determinaes e possibilidades que compem uma complexidade real e analtica

    aberta e dinmica.

    Como a realidade um processo contnuo de transformaes, existiria assim um

    constante descompasso entre a ocorrncia dos processos no espao-tempo social e sua

    compreenso/explicao pelos pesquisadores que, como ns, esto interessados em

    desvend-los no momento mesmo em que eles esto acontecendo. Dar conta de uma

    explicao para o que a est, buscando apreender no mtodo o sentido e o movimento

    tendencial: este parece ser o desafio das anlises do mundo atual no mbito das

    Cincias Humanas. Esta dificuldade que o mtodo deve ajudar a superar , tende a

    transformar-se, todavia, em uma verdadeira defasagem analtica, na medida em que a

    teorizao se mostrar alienada em relao qualidade dos contedos propriamente

    sociais. Assim, encontramos, no raro, premissas metodolgicas na Geografia Humana

    cincia parcelar que estuda a geografia da sociedade que tomam elementos formais

    caros a inteligibilidades analticas de outras cincias (Exatas, Biolgicas), tais como

    linearidade, equilbrio, sistema, modelo. Nossa pesquisa se quis precisamente o outro

    disso.

    Se tomarmos o simples exemplo do contexto em que vivemos, marcado pela

    mundialidade, vemos que a prpria concepo do mundial nega tais elementos e

    premissas formais, j que o mundial no pode resolver-se como totalidade, para a

    anlise social, estabelecendo a somatria de tudo o que h. Significa dizer que o

    mundial (e mais ainda o mundo moderno) impe, no plano da prtica, a fragmentao

    de muitas linearidades e sistemticas que se constituram nas relaes espao-tempo

  • 15

    advindas do tempo histrico, apoiando sua reproduo tambm em descompassos,

    desigualdades, descontinuidades e rupturas contraditrias com a

    homogeneizao/hegemonizao produzida no plano lgico pelo capitalismo global. O

    prprio capitalismo enquanto definidor de uma totalidade abarcando o mundial permite

    situ-lo como uma enorme complexidade (lgica e real) que se reproduz por meio de

    desequilbrios, e no atravs de equilbrios. Quanto a isso, nossa pesquisa situa-se na

    tentativa de compreender os fundamentos da produo do espao na e para a reproduo

    lgica espao econmico do capital e espao poltico do poder estatal e dialtica

    espao social da vida humana.

    Em relao ao trabalho que ora apresentamos, o ritmo frentico das

    transformaes envolvendo as dinmicas e os sujeitos investigados foi parcialmente

    responsvel por alguns ajustes e desvios oriundos das atualizaes verificadas no

    prprio movimento concreto destes contedos. Por vezes, quando julgvamos ter

    chegado a um entendimento deste ou daquele aspecto de uma determinada dinmica no

    incio e mesmo ao longo da pesquisa, ele parecia desempenhar um sentido diferente do

    inicial na fase de finalizao do trabalho de campo1. Por isso, a prpria obsolescncia

    relativa dos contedos da realidade estudada imprimiu uma atmosfera de inacabamento

    neste trabalho, que se volta mais particularmente anlise da produo do espao

    urbano capitaneada pelos nexos reprodutivos da economia, analisando a urbanizao

    recente da metrpole de So Paulo pela mediao das atividades e operaes dos

    capitais na esfera imobiliria e financeira.

    O prprio desenvolvimento da pesquisa nos conscientizou que a finalidade

    ltima do trabalho foi a de alinhavar um duplo movimento: buscar compreender os

    contedos da urbanizao contempornea da metrpole de So Paulo, elucidando ao

    menos em parte alguns aspectos e fundamentos da produo do espao e da reproduo

    socioespacial sob a hegemonizao econmica, para com isso aprimorar terico-

    metodologicamente nossa anlise. Porm talvez mais do que isso, a motivao foi a de

    construir, a partir do existente, um caminho de anlise que revelasse uma orientao e

    um movimento possvel da virtualidade, compondo um caminho terico capaz de abrir

    um horizonte propositivo de contedos diferenciais queles preponderantes.

    Entendemos que um problema posto para o processo de pesquisa, na Geografia

    Humana, consiste no enfrentamento de embates que so permanentemente repostos

    1 Como por exemplo o recente movimento de substituio dos mecanismos de captao financeira (como os Fundos de Investimento Imobilirios) pela abertura do capital de algumas empresas na BOVESPA.

  • 16

    entre a nossa compreenso terica a propsito dos novos fenmenos envolvendo a

    produo do espao e o prprio movimento concreto de reproduo da totalidade social

    enquanto prtica socioespacial. Destarte, os fundamentos terico-metodolgicos a partir

    dos quais construmos nossas hipteses so confrontados realidade prtico-sensvel,

    atravs da mediao do exerccio da investigao emprica, o que frequentemente

    reconduz algumas hipteses a inevitveis ajustes, acomodaes, desvios (relativos),

    reformulaes ou reconsideraes.

    Outra questo ou problema se remete escolha de uma dimenso ou nvel

    analtico atravs do qual torne-se possvel dar incio ao processo de pesquisa. Na

    medida em que reconhecemos nveis intrincados da prtica social, como o poltico, o

    econmico, o social, fomos percebendo que tais nveis, absolutizados em si mesmos ou

    tomados genericamente, se mostram incapazes de conduzir a anlise na direo de um

    movimento pertinente de totalizao. Por isso, reconhecemos como necessrio o

    artifcio analtico de decomposio terica relativa dos nveis, pelo qual cada nvel

    separado do outro para ser analisado mais profundamente. Dialeticamente, quanto mais

    profundamente analisamos um nvel isolado da prxis, mais evidente parece se tornar

    sua inseparabilidade e sua condio essencialmente relacional com os demais nveis.

    neste sentido que pensamos os nveis como momentos da anlise que busca encontrar,

    ao se debruar sobre um determinado nvel, suas mediaes com outros nveis,

    situando-o para alm de si mesmo em um movimento possvel de totalizao do real.

    Essa questo apareceu para nossa pesquisa como o imperativo de estabelecer um

    ponto de partida, um nvel inicial para o estudo atravs do qual poderamos entrever

    mediaes mais centrais capazes de apontar processos mais gerais. Esta preocupao

    envolveu uma srie de entendimentos e posicionamentos particulares a respeito da

    Cincia Geogrfica em seu aparato terico-conceitual, bem como em relao s

    possibilidades terico-metodolgicas para a anlise do real. Neste sentido, a prpria

    materialidade do processo cujos nexos mais abstratos buscvamos compreender estava

    posta como uma questo para nossa anlise geogrfica. Vale ponderar que a

    materialidade, embora fortemente associada espacialidade, no pode ser confundida

    como sinonmia desta, sob pena de reduzirmos tanto uma quanto a outra. Entendemos,

    em primeiro lugar, que a materialidade como preocupao analtica revela uma postura

    filosfica de investigao do mundo, o materialismo2, que parte da realidade concreta

    2 Fugiria aos propsitos deste trabalho uma discusso pormenorizada sobre as demais possibilidades relativas s posturas e mtodos de investigao cientfica e seus diversos matizes, como o idealismo ligado ao positivismo ou ao

  • 17

    dos sujeitos reais e concretos, lembrando MARX em direo abstrao, para tornar a

    voltar ao concreto pensado e assim reiniciar o movimento. Podemos dizer que a

    Geografia, por sua vez, est voltada tradicionalmente para anlises de processos que de

    alguma forma remetem ao espao, mas nem por isso podemos dizer que tais anlises

    sejam imediatamente materialistas. O desafio parece ser ainda maior: inscrever nas

    muitas espacialidades tericas e prticas o problema do sentido do espao para a

    concretizao dos processos sociais estudados, que neste entendimento passariam ao

    estatuto de processos socioespaciais. Desse modo, a reflexo geogrfica do mundo

    social passaria por outra reflexo, aquela sobre as implicaes do espao na reproduo

    deste mundo enquanto materialidade existente.

    Juntamente s questes da anlise da materialidade enquanto postura filosfica e

    da compreenso geogrfica dos termos do conceito e da realidade do espao, aliam-se

    algumas questes metodolgicas relativas aos contedos da problemtica estudada: o

    processo de urbanizao da sociedade e do espao. A conduo da nossa reflexo

    fundada na idia de que o movimento de compreenso da urbanizao da metrpole de

    hoje supe o tratamento dos conflitos que escondem/revelam contradies, que assim

    se colocariam como fios condutores da anlise sobre a sociedade e o espao urbanos.

    Pensamos que as contradies efetivam/expressam diversos processos socioespaciais na

    metrpole, projetando-se na vida cotidiana e envolvendo-nos todos simultaneamente em

    mltiplas situaes contraditrias: realizaes e privaes, reconhecimentos e

    estranhamentos, encontros e separaes, possibilidades e impossibilidades,

    espontaneidades e programaes. A urbanizao contempornea estende e aprofunda

    estas contradies no bojo do processo de reproduo socioespacial na metrpole,

    colocando concretamente no plano da prtica espacial diversos processos que devem

    ser tratados enquanto questes terico-metodolgicas no mbito das nossas pesquisas

    em Geografia Urbana. O reconhecimento analtico das contradies oferece um quadro

    dialtico de anlise do processo urbano.

    Mas e o ponto de partida da anlise? Sobre isso, pensamos que a eventual

    potncia terica da anlise seria dada na medida do estudo da potncia prtica dos

    nveis concretos da realidade socioespacial, que segundo entendemos so comandados

    pela racionalidade da reproduo de toda uma economia. Neste sentido, a elucidao

    dos processos que fundam uma (em parte real, em parte ideolgica) crise urbana cuja

    historicismo (conservador, relativista), as abordagens fenomenolgicas, matemticas, bem como do prprio pensamento marxista (estruturalista, historicista, racionalista, etc.), entre outros.

  • 18

    expresso apreendida pela proliferao de conflitos de toda ordem, expressos ou no

    na paisagem representa para ns a anlise das contradies que parecem fundamentar

    essa crise essencialmente a partir da lgica reprodutiva do capital no espao. Esta

    centralidade poderosa do nvel econmico no se colocava para ns exatamente como

    um processo indito, mas como novas configuraes espaciais dadas pelos

    aprofundamentos do desenvolvimento das relaes eminentemente fundadas na lgica

    capitalista relativamente produo da metrpole.

    Com efeito, pode-se olhar para todas as direes na cidade, mas, s vezes,

    existem algumas formas espaciais que insistem em no deixar muitas opes para o

    olhar. primeira vista, somos ento impelidos a not-las, e rapidamente assimilamos

    sua presena imponente. Mas, passado algum tempo, resta-nos ou desviar nosso olhar

    para outras direes e outras formas, ou fixarmos ainda mais nosso interesse sobre

    aquelas que estamos observando; foi este o nosso caso quando nos deparamos com o

    Panamby. Por outro lado, ele tambm estava imerso em nosso interesse geogrfico por

    compreender o movimento dos contedos hegemnicos (econmicos e polticos) e o

    sentido da materializao espacial para sua reproduo; nesta condio, o Panamby

    deve ser tomado tambm como produto de um recorte terico que busca fundamentar-se

    concretamente para compreender a finalidade pela qual a lgica dos contedos

    capitalistas se lana na produo do espao, assim como as contradies que o prprio

    espao a prtica espacial parece gerar nesse processo.

    Sobre isso, temos que considerar que a lgica econmica no se instala no

    espao sem gerar conflitos. A prpria metrpole, lugar onde fervilham os conflitos e

    onde se podem ler as possibilidades, irrompe como um campo de luta entre os interesses

    privados (que no se confundem com aspiraes subjetivas, j que se tratam de aes de

    classe) e aqueles interesses da coletividade, da maioria da populao que vive as

    negatividades urbanas para alm da sub-cidadania: a violncia do desemprego, da

    represso policial e da criminalidade, ou a violncia da sobre-explorao do trabalho e

    das enormes distncias percorridas quando o emprego existe, a incluso precria em

    relao apropriao da cidade e das suas centralidades simblicas, culturais e de lazer.

    A metrpole de hoje constitui-se como uma exterioridade em relao ao homem

    comum, ao homem de todos os dias, ao homem annimo porm irredutivelmente

    presente nas ruas.

    Portanto, a escolha por iniciar o processo de pesquisa pelo nvel econmico-

    poltico no ignorou o sentido diferenciado do espao para os diferentes nveis da

  • 19

    prtica social. Com efeito, existe uma diferena poderosa entre o sentido do espao para

    o capital e seu sentido social mais amplo: do uso improdutivo e da realizao da

    humanidade do homem atravs da apropriao. A apropriao do espao pelo uso dos

    sentidos do corpo contraditria ao seu encerramento na propriedade privada do solo,

    forma social atravs da qual o capital evidencia seu domnio territorial. Enquanto a

    propriedade revela o sentido da forma da troca e do espao produzido como mercadoria,

    a apropriao revela o sentido do uso e da obra. Esta revela a cidade como lugar por

    excelncia da realizao do humano, da centralidade social e ldica do espao, e se

    coloca como fundamental caso se queira atravs da crtica radical confrontar a

    produo capitalista do espao. O universo representado pela vida cotidiana como nvel

    social da praxis, apesar de no ter sido explorado nesta pesquisa diretamente, esteve

    sempre presente, no como plano especfico da anlise, mas como perspectivao.

  • 20

    CAPTULO 1:

    Caractersticas da urbanizao de So Paulo: formao dos mercados fundirio e

    imobilirio e a problemtica espacial emergente

    1. Elementos da historicidade da urbanizao paulistana: desenvolvimento

    dos negcios fundados na produo do espao urbano e a constituio da

    centralidade de valorizao imobiliria residencial

    A configurao urbana da cidade de So Paulo como uma metrpole j estava

    latente no momento em que despontava a atividade de produo industrial, nas

    primeiras dcadas do sculo XX. A industrializao exercer um papel importante para

    as transformaes nas maiores cidades brasileiras, pois faz com que o pas,

    principalmente a partir de meados do sculo XX, se transforme rapidamente de um pas

    predominantemente agrrio em um pas virtualmente urbano, trazendo inmeras

    transformaes quantitativas, entre as quais se destaca o acelerado processo de

    crescimento populacional nas grandes cidades3. A indstria potencializa o crescimento

    de cidades como So Paulo, devido a um processo de concentrao e centralizao que

    implica, seja em termos da aglomerao da fora-de-trabalho, da necessidade de

    escoamento das matrias-primas para o centro produtor que ela mesma acaba por se

    tornar, ou pela proximidade em relao ao mercado consumidor.

    Este processo de constituio industrial da cidade de So Paulo, responsvel pela

    induo acelerada do seu crescimento e urbanizao, tem sua gnese, no entanto, em

    uma acumulao ainda originria de uma atividade agrria: a produo cafeeira voltada

    exportao. Em que pesem as discusses envolvendo as diferentes teorias e hipteses

    que se propem a explicar os fundamentos do processo de industrializao brasileiro,

    parece inegvel que a atividade cafeeira tenha desempenho um papel de vulto, no

    permanecendo, portanto, alheia ao advento industrial. Em relao s caractersticas da

    imbricao da atividade cafeicultora com a industrializao em So Paulo e no Brasil

    3 As mudanas quantitativas por si s j expressavam transformaes mais profundas de cunho qualitativo que j vinham ocorrendo, como as transformaes nas relaes de trabalho que passam do regime escravista ao trabalho livre e ao assalariamento no final do sculo XIX e nas relaes de propriedade com a expropriao no campo causada em grande parte pela Lei (n601) de Terras de 1850, que desvinculava a propriedade de sua posse passando a vincul-la a um ttulo , transformaes estas que sinalizavam a instaurao da relao capitalista como relao de produo que viria a ser predominante no Brasil.

  • 21

    nas primeiras dcadas do sculo XX, SCHIFFER (2004: 83) destaca a sobreposio de

    estruturas e elementos geogrficos entre estas atividades: [...] A indstria aparece na economia nacional nesse perodo como alternativa de inverso de capital, imbricadamente vinculada produo agrria, pois a maior parte do capital investido provinha dos latifundirios e comerciantes atacadistas de caf. So Paulo apresentava-se como o locus natural da industrializao brasileira, j que registrava a existncia de relaes de produo com base no trabalho assalariado junto a uma ocupao territorial contnua do interior paulista, graas ao traado e abrangncia de sua rede ferroviria. Essa rede possibilitava um conjunto de cidades interligadas entre si e com a capital, propiciando o escoamento sem entraves da produo interiorana e favorecendo o alargamento do mercado regional. Fatores esses que seriam significativos no processo de industrializao que se aceleraria a partir dos anos de 1930.

    A geografia das estruturas de circulao e fluidez das mercadorias no territrio

    paulista, voltadas originariamente atividade cafeeira e que passaram mais tarde a

    servir ao processo industrial da cidade de So Paulo, est articulada a outras

    mudanas scio-econmicas, como a disponibilizao de capitais para investimentos

    fruto do assalariamento que vai liberando a necessidade de imobilizao de recursos

    para a compra e venda dos escravos. Esta disponibilidade, segundo BRITO (2000), vai

    ser importante, em particular, para tornar, gradativamente, os imveis urbanos

    importantes opes para investimentos.

    J BOTELHO (2005) chama a ateno para o que LANGENBUCH (1968)

    caracteriza como os primeiros sinais em relao perspectiva de valorizao do solo

    urbano na cidade de So Paulo: o desmembramento, via loteamentos, das antigas

    chcaras que circundavam a rea central. A prpria industrializao nascente faz com

    que haja um crescimento demogrfico e econmico atravs do aumento das atividades

    comerciais, em parte decorrentes da instalao na cidade tanto da crescente mo-de-obra

    imigrante quanto dos proprietrios rurais. Este movimento de concentrao

    populacional vai pressionando um aumento da demanda geral por imveis, sejam eles

    pequenos e distantes (para os operrios), sejam espaosos, suntuosos e prximos do

    centro (para as elites do caf e da indstria em ascenso). Neste sentido, os negcios

    com imveis passam a figurar inclusive como aplicao segura em relao oscilao

    da economia cafeeira muito suscetvel aos preos internacionais , denotando,

    segundo as idias de BRITO (2000), a formao do carter da terra urbana como reserva

    de valor, naquele momento.

  • 22

    Ainda segundo BRITO (2000) (referida por BOTELHO, 2005: 125), os bons

    rendimentos do mercado imobilirio e o incentivo oficial aos planos de adequao

    material dos ncleos urbanos motivaram o surgimento de empresas urbanizadoras, que

    lidavam tambm com a compra e venda de terrenos. Nestas companhias, j se

    verificavam algumas prticas corporativas que se consagrariam nos dias de hoje, como a

    reunio de capitais individuais em sociedades annimas visando a atividade

    urbanizadora construo de equipamentos urbanos como redes de iluminao, esgoto,

    arruamentos, loteamentos, entre outros bem como parcerias e combinao de

    diferentes atividades por uma mesma empresa ou de empresas interligadas.

    Assim, a cidade comea a expandir-se espacialmente para as vrzeas e colinas do

    espigo central, e o antigo ncleo urbano vai transformando-se em um centro de

    negcios, ocorrendo, como refere BOTELHO (2005: 127), o incio de uma

    diferenciao funcional na cidade. Nesta diferenciao, os bancos, as pequenas oficinas,

    o comrcio e os escritrios tornam-se dominantes na rea central, e as residncias

    expandem-se para bairros novos, a leste para as terras baixas do Tamanduate para

    constituir os bairros operrios Brs, Mooca, Belenzinho (estudados por ANDRADE,

    1991) e oeste para as colinas, formando bairros residenciais luxuosos Campos

    Elseos, Higienpolis e bem mais tarde a regio da avenida Paulista. Neste momento,

    surgem tambm os arruamentos distantes e isolados como Santana, Vila Prudente e

    Ipiranga , que se constituam amplamente na expectativa de valorizao futura em

    funo da expanso espacial da cidade, portanto compondo o que viria a se consagrar

    como especulao imobiliria.

    Sobre a expanso urbana da cidade de So Paulo entre as dcadas de 1925 a

    1950, PETRONE (1975: 241 e 242)4 aponta: [...] No rumo do Norte, a cidade atravessou o Tiet, pontilhou aqui e ali na grande vrzea e foi ocupar extensas reas ao p da Serra da Cantareira. (...) Entretanto, o avano nessa direo foi relativamente pequeno (...) No rumo de Oeste, a cidade ligou-se definitivamente Lapa e, mesmo, a ultrapassou, graas ocupao da zona marginal das vias frreas e radial Avenida gua Branca (...) Para Leste, o velho subrbio da Penha tambm foi alcanado pelos tentculos da cidade (...) margeando os trilhos da Central do Brasil, como ainda a radial Avenida Celso Garcia (...) multiplicaram-se os bairros de aspecto modesto, moradia da populao operria. (...) foi propriamente o Brs que se expandiu, levando os limites da cidade a uma distncia de 10km

    4 Este artigo foi reproduzido da obra A Cidade de So Paulo no segundo quartel do sculo XX, in Aroldo de Azevedo (org.), A Cidade de So Paulo (1958), vol. II, pp. 141-160 para o livro Comunidade e Sociedade no Brasil: leituras bsicas de introduo ao estudo macro-sociolgico do Brasil (FERNANDES, F. (org.), 1975.), de onde retiramos a citao.

  • 23

    do centro. Para Sudeste, (...) o Ipiranga viu-se ligado cidade e, mais alm, novos bairros surgiram preparando a marcha no rumo de So Caetano e Santo Andr. (...) Para o Sul, a metrpole emitiu o seu mais longo tentculo, pois conseguiu alcanar o velho ncleo de Santo Amaro (...) A linha de bondes, as estradas de rodagem, a construo das represas da light, tudo isso concorreu para que numerosos bairros residenciais de classe mdia e algumas indstrias fossem ali se instalar.

    A constituio dos bairros residenciais para as famlias tradicionais e para a

    burguesia, com a crescente expanso da valorizao fundiria em direo sudoeste do

    centro, compe o que poderamos chamar de uma centralidade de valorizao

    imobiliria residencial. Tal centralidade residencial tradicional estava inserida, por sua

    vez, no movimento de expanso urbana analisado por PETRONE (op. cit):

    [...] No rumo Sudoeste (...) verificou-se uma expanso bem diversa (...); nem as vias de comunicao, muito menos as indstrias podem explic-la, mas, to-somente, o reflexo da prosperidade econmica do Estado e da prpria Capital. Iniciado o loteamento, ainda no primeiro quartel do sculo, e introduzidos os indispensveis melhoramentos, que o terreno brejoso ou acidentado exigia, desenvolveram-se, sem demora, bairros residenciais finos (...) o Jardim Amrica, o Jardim Europa, o Pacaembu, o Sumar. (...) As despesas realizadas com aqueles melhoramentos s poderiam elevar o custo de seus terrenos, ocasionando uma natural seleo no que se refere aos seus habitantes.

    Segundo ROLNIK (2001: 21), referida por BOTELHO (2005: 129), a dinmica

    residencial em So Paulo apia-se, desde os seus primrdios, em uma diferenciao que

    ao mesmo tempo social e geomorfolgica. Como escreve em relao aos Campos

    Elseos e Higienpolis:

    [...] O espao que historicamente concentra valores imobilirios altos, o comrcio mais elegante, as manses e apartamentos mais opulentos, o consumo cultural da moda e a maior concentrao de investimentos pblicos. Na Primeira Repblica, a imagem dessa topografia social feita de colinas secas, arejadas e iluminadas de palacetes que olham para as baixadas midas e pantanosas, onde se aglomera a pobreza.

    Muito cedo podemos observar, neste sentido, a formao e mesmo a prematura

    consolidao de um mercado imobilirio e fundirio na cidade de So Paulo, constitudo

    por negcios envolvendo a construo e comercializao de casas operrias e palacetes,

    oficinas, estabelecimentos comerciais e industriais, bem como de loteamentos de antigas

    glebas. O adensamento do centro expande-se para as reas residenciais adjacentes,

    incorporando inclusive uma nova e estratgica forma de valorizao do capital: a

    verticalizao, baseada na multiplicao vertical do solo em diversos pavimentos, como

    mostra o trabalho de SOMEKH (1997). Sobre a verticalizao relacionada dinmica

  • 24

    socioespacial do centro e das reas residenciais em So Paulo no auge da atividade da

    produo industrial, so elucidativas as descries feitas por BASTIDE (1975: 255)5:

    [...] A cidade poderia ter-se estendido horizontalmente apenas, mas o alto preo dos terrenos obrigou-a a erguer-se verticalmente. [A cidade de So Paulo] compreende um centro de negcios, com grandes lojas, escritrios industriais e de advogados, clnicas particulares, bancos, cinemas, locais de divertimento, e, em torno deles, os bairros residenciais. Antigamente, a classe abastada preferia localizar-se nos bairros mais afastados (...); primeiro surgem as casas cercadas de grandes parques, depois aparecem as cidades-jardim, como o Jardim Amrica e o Jardim Europa. Mas as dificuldades de circulao fizeram refluir os indivduos da periferia para o centro, que o local de trabalho. E as casas do centro, para responder a esta nova necessidade, precisaram transformar-se em arranha-cus. Arranha cus de apartamentos prximos de arranha-cus de empresas ou de escritrios.

    Nota-se que o processo de verticalizao e sua racionalidade, iniciada no centro

    e voltando-se primeiramente para atender as atividades comerciais e de servios, vai

    sendo incorporada tambm para a moradia das classes mais abastadas. A relao de

    proximidade entre o local de moradia e o local de trabalho, to fortemente presente nos

    dias de hoje6, vai sendo constituda como uma prpria caracterstica da expanso urbana

    ao longo da prpria histria da urbanizao paulistana. Naquele momento, observa-se

    que a centralidade de valorizao imobiliria residencial vai se espraiando ao redor e em

    funo da centralidade terciria do prprio centro histrico. Quando a funo terciria

    presente no centro histrico passa a necessitar de novos espaos, migrando em grande

    parte em direo Av. Paulista (cf. CORDEIRO, 1978), pode-se dizer que o mesmo vai

    ocorrendo em relao ao movimento da valorizao imobiliria residencial. Segundo

    consideraes de VILLAA (1978), as camadas de alta renda puxam o centro para

    prximo delas, compensando com isso seu movimento de deslocamento e afastamento

    em relao ao centro/centralidade constitudos.

    Aos poucos alguns bancos importantes e sedes de grandes grupos empresariais

    comearam a se deslocar para a regio da Bela Vista, mais propriamente para o divisor

    de guas (o Espigo Central), onde se situa a avenida Paulista. Mais tarde, a partir da

    dcada de 1970, o arquiteto Carlos Bratke investe pesadamente na compra de terrenos

    na vrzea do Rio Pinheiros, na regio das avenidas Lus Carlos Berrini e Faria Lima (cf.

    FUJIMOTO, 1994; FRGULI JR, 2000 e FIX, 2001), atraindo grandes empresas

    (algumas multinacionais) para os novos edifcios de escritrios. Evidentemente este

    5 In: FERNANDES, F. (org.), 1975 (op. cit). 6 Devido a algumas circunstncias, entre elas uma dificuldade que j se anunciava poca e permanece atualmente: os longos e demorados trajetos entre a casa e o trabalho.

  • 25

    deslocamento do eixo financeiro produz uma valorizao fundiria em torno da

    Marginal do Rio Pinheiros, principalmente aps o processo de modernizao da

    cidade atravs da retificao dos rios Tiet e Pinheiros (cf. SEABRA, 1987) nas dcadas

    de 1930 e 1940, quando inicia-se a ocupao mais sistemtica das vrzeas pela

    implantao do sistema virio.

    A cidade do caf vai caminhando para configurar-se em grande metrpole

    industrial j no final dos anos 1960, apoiando fortemente sua expanso espacial na

    centralidade da dinmica de valorizao/desvalorizao fundiria, em um processo

    autofgico (cf. idias de Ana Fani A. CARLOS) e incessante de ocupao, construo,

    destruio e reconstruo. Este movimento de voracidade e velocidade da produo e

    reproduo espacial da cidade muito bem descrito por BASTIDE (op. cit.: 257):

    [...] Eis porque [So Paulo] tambm uma cidade em construo, na qual se termina uma casa cada quarto de hora, e onde, talvez, se destrua outra cada meio hora; em que se abrem grandes avenidas, que alguns anos depois preciso alargar, devido ao nmero crescente de automveis (...). Com o desenvolvimento dos arranha-cus, as antigas canalizaes de gua, de gs, de esgotos no so mais suficientes (...) A cidade abre-se em valetas, em fossos (...), abismos em que arquejam homens sujos de terra ao lado de andaimes em que os pedreiros parecem brincar com os tijolos.

    A presena do Estado na valorizao do espao urbano certamente no

    desempenha um peso menor quele das primeiras empresas privadas de construo e

    urbanizao. Ela pode at ser parcialmente apreendida em algumas das citaes

    anteriores, precisamente quando relacionam os vetores de expanso espacial da cidade

    aos sistemas virio, de bondes e ferrovirio, que induzem as ocupaes pelas facilidades

    de circulao, e tambm atravs das normatizaes e regulamentaes referentes s

    novas ocupaes, as obras pblicas de melhoramentos urbanos. Desta forma, podemos

    dizer que o Estado tem participado da urbanizao e do fortalecimento dos mercados

    imobilirio e fundirio paulistanos por meio de intervenes macias no espao, como

    se notabilizaram, por exemplo, as administraes municipais e estaduais de Prestes

    Maia (1938-45), Adhemar de Barros (1958-61), Faria Lima (1965-69) e Paulo Maluf

    (1969-71 e 1993-96), relativamente aos investimentos no sistema virio da cidade de

    So Paulo.

    assim que no curso de sua urbanizao, a cidade de So Paulo produz uma

    gama de processos sados de seu prprio crescimento e desenvolvimento, e que pelo

    menos at a dcada de 1970 estiveram francamente associados sua industrializao.

  • 26

    Entre alguns destes processos, que so aqui apenas elencados, encontram-se:

    metropolizao, suburbanizao, periferizao, expanso de loteamentos irregulares,

    autoconstruo das periferias, favelizao, encortiamento do centro. A partir da dcada

    de 1980, parece haver uma mudana nas estratgias (inclusive internacionais) de

    acumulao, o que ir influenciar sobremaneira os processos de produo capitalista da

    urbanizao, propondo uma configurao espacial marcada por uma relativa

    desindustrializao (e desconcentrao industrial) e pelo recrudescimento do setor

    tercirio da economia; por um alargamento da produo imobiliria residencial e

    comercial , marcada pela seletividade espacial dos investimentos que passam cada vez

    mais a incorporar a participao de capitais de origem financeira; pela proliferao da

    segregao com a produo dos condomnios fechados e fortificados; pela continuidade

    da espoliao urbana e expulso das populaes empobrecidas para os limites do

    urbano, e por outros aprofundamentos de processos cujas origens so anteriores.

    2. Traos e transformaes da morfologia urbana de So Paulo: apontamentos

    e uma advertncia

    Caberia, neste momento, uma reflexo sobre algumas caractersticas da

    urbanizao paulistana, considerando o fato de que esta no se restringe, desde o seu

    incio, a uma histria exclusivamente endgena, j que agrega, em sua constituio,

    elementos exgenos oriundos das relaes e articulaes histricas do Brasil com outros

    pases, desde a poca colonial at hoje.

    Como vimos anteriormente, a histria do crescimento mais contundente da

    cidade e sua exploso em metrpole est ligado mais diretamente a sua industrializao.

    Porm, no podemos desconsiderar o fato de que a gnese urbana de So Paulo no

    esteve ligada atividade industrial, e sim a outras atividades ou funes, como a

    religiosa (aldeamentos jesuticos) e logo em seguida a funo (de entreposto) comercial.

    No faremos a esta altura uma discusso sobre os elementos e condies histricas que

    conduziram sua formao motivada por tais ou quais funes ou atividades, bastando

    lembrar que So Paulo ser marcada por uma organizao espacial (e depois tambm

    por um urbanismo) inspirados e at certo ponto assemelhados em algumas cidades

    europias, evidenciando desde cedo uma concentrao e uma densidade de ocupao

    elevadas de sua mancha urbana. Arriscamos dizer que esta morfologia do tecido

  • 27

    urbano de So Paulo, at ento centralizada e mononuclear, esteve mais ligada funo

    comercial que a cidade desempenhava at o final do sculo XIX e incio do sculo XX.

    Mas seria possvel imaginar que o advento da industrializao e o grande

    crescimento econmico dela oriundo tenham sido capaz de alterar, de algum modo, as

    caractersticas morfolgicas da sua urbanizao? Em que medida h uma transformao

    na urbanizao de So Paulo atravs da sua industrializao, e como esse processo

    poderia ser reconhecido em termos de mudanas espaciais?

    Um caminho possvel para responder estas questes seria pensarmos que as

    indstrias no se instalaram nas reas centrais por razes e caractersticas especficas

    das suas atividades, como por exemplo a necessidade de grandes espaos para facilitar a

    circulao da numerosa mo-de-obra e o escoamento das mercadorias , o que nos faz

    supor que estas indstrias auxiliaram na induo do desenvolvimento das ligaes

    sistemas de transporte entre as reas mais perifricas, onde se instalaram, e o ncleo

    central, estimulando inclusive a ocupao das reas intermedirias. A circulao fsica

    passa a ganhar relevncia a partir da indstria e da industrializao, que provocam um

    crescimento econmico implicado, por sua vez, em um crescimento espacial. Isto pode

    ter contribudo para que os planejadores e governantes de So Paulo tenham se

    inspirado principalmente a partir dos anos 30 e 40 do sculo passado em um modelo

    de urbanizao marcante nas cidades norte-americanas, cujo padro de ocupao

    espacial foi (e ) notadamente baseado na massificao do automvel e na abertura de

    grande nmero de vias, sejam avenidas, rodovias ou auto-estradas. Este padro

    caracteriza a urbanizao norte-americana como policentralizada e mais difusa, se

    comparada europia.

    Sobre a urbanizao das cidades na Amrica do Norte, debruaram-se muitos

    planejadores, arquitetos, urbanistas, empreendedores, gegrafos, socilogos e

    economistas. Peter HALL (1988), por exemplo, assinala que este processo esteve (e

    est) relacionado, nos Estados Unidos, massificao do automvel j nos anos de 1930

    registrando a influncia que sobre isso desempenhou Henri Ford que estimularam a

    criao das chamadas Parkways. Estas objetivavam limpar as zonas urbanas degradadas

    promovendo um acesso rpido ao subrbio, onde passaram a habitar as classes mdias,

    fundamentando na auto-estrada uma nova forma de ocupao urbana, que, composta de

    uma paisagem viria, apoiava seu modelo de crescimento urbano na motorizao

    privada em contraposio ao desenvolvimento dos transportes pblicos.

  • 28

    Nesta mesma direo, encontram-se as idias de Jacques LVY (s.d), segundo

    as quais as cidades da Amrica do Norte baseiam sua estruturao no par

    automvel/pavilho7, em uma fuga do centro (e eclipse da rua) que representa valores

    e prticas individualistas, nas quais a disperso em superfcie com ligaes pontuais

    deve ser assegurada por uma eficiente circulao material. Assim, habitar zonas de fraca

    densidade significou a estratgia individual legtima dos norte-americanos em relao s

    possibilidades de sociabilidade postas pelo fenmeno espacial da cidade e do urbano,

    potencialmente geradores de encontros aleatrios de contedos diferenciais.

    Interessante notar que Claude Lvi STRAUSS, entre outros (BASTIDE,

    MONBEIG), estabelece, em sua passagem por So Paulo, uma comparao entre a

    cidade e a urbanizao europias e aquela norte-americana; esta ltima, segundo

    STRAUSS, estaria exercendo uma influncia sobre a cidade brasileira, principalmente

    sobre So Paulo. Ele escreve (1981: 89-90; apud FRGOLI JR, 2000: 198):

    [...] A passagem dos sculos representa uma promoo para as cidades europias; para as americanas, a simples passagem dos anos uma degradao (...) so construdas para poderem renovar-se com a mesma velocidade com que foram erguidas (...) Certas cidades da Europa adormecem suavemente na morte; as do Novo Mundo vivem febrilmente uma doena crnica: eternamente jovens, nunca so todavia saudveis.

    Evidentemente no postulamos a hiptese de que a cidade de So Paulo tenha se

    convertido completamente em uma cidade cujas caractersticas fossem as mesmas

    daquelas presentes nas cidades norte-americanas ou que tivessem feito coisa

    semelhante em relao s cidades europias , mas tambm refutamos a idia de que

    este mesmo processo tenha passado despercebido no curso da urbanizao paulistana,

    principalmente a partir da segunda metade do sculo XX.

    Assim, anunciamos uma advertncia: no se trata de comparar modelos

    (europeu, americano) que tenham sido adotados e aplicados parcial ou completamente,

    mas sim de reconhecer a complexidade da urbanizao no Brasil, que apresenta uma

    imbricao de elementos caractersticos tanto da urbanizao concentrada e centralizada

    verificada nas cidades dos pases da Europa, como elementos ligados urbanizao

    mais dispersa e policentralizada de influncia norte-americana. Tais elementos e

    caractersticas articulam-se na histria urbana da metrpole de So Paulo, que agrega,

    por sua vez, elementos geogrficos, sociolgicos, polticos, culturais, econmicos

    7 O termo pavilho em francs designa uma casa afastada do centro, no subrbio.

  • 29

    prprios de sua historicidade, que a produz enquanto uma cidade brasileira, perifrica e

    subdesenvolvida. Tudo isto define um campo de complexidades acerca de sua

    problemtica urbana, que no pode nem deve ser negligenciado pelas anlises urbanas.

    Alm disso, no se trata igualmente de estabelecer tipologias ou nomenclaturas

    classificatrias para as cidades a partir de supostos padres morfolgicos, como por

    exemplo a de cidade compacta em contraposio a uma cidade (ou urbanizao)

    dispersa. Estes tratamentos, segundo entendemos, permanecem presos exclusivamente

    no plano da forma, frequentemente abandonando o debate sobre seus contedos

    complexos e dinmicos; contedos estes que inclusive fundamentam a produo das

    diversas formas espaciais presentes na metrpole contempornea. Assim, as mudanas

    nos traos e na morfologia urbana de So Paulo revelam, acima de tudo, mudanas no

    plano dos processos, os quais devem ser investigados.

    3. Da historicidade ao sentido da produo espacial na contemporaneidade

    Diante das consideraes feitas at aqui situadas no plano da historicidade, que

    nos apresenta retrospectivamente alguns fundamentos da urbanizao paulistana , no

    podemos deixar de notar que as mudanas quantitativas trazidas pelo advento industrial

    trouxeram implicaes qualitativas profundas para a cidade. Nos dizeres de

    LEFEBVRE (1991: 7; 21):

    [...] A prodigiosa expanso das trocas, da economia monetria, da produo mercantil, do mundo da mercadoria que vai resultar da industrializao, implica uma mudana radical. [...] A indstria e o processo de industrializao assaltam e saqueiam a realidade urbana pr-existente, at destru-la pela prtica e pela ideologia. (...) a industrializao se comporta como um poder negativo da realidade urbana: o social urbano negado pelo econmico industrial (...). A realidade urbana, na e por sua prpria destruio, faz-se reconhecer como realidade scio-econmica.

    Neste momento podemos situar o que Lefebvre chama de processo de imploso-

    exploso da cidade constituda no ritmo da histria8, cuja exploso se traduz em grande

    parte por sua extenso espacial desmesurada e fragmentada. A metrpole e o urbano so

    8 Evidentemente Lefebvre est analisando as transformaes vividas no mundo europeu, e seria no mnimo extemporneo transpor diretamente um quadro analtico referenciado em outra realidade, considerando a historicidade de forma linear. Por outro lado, seria negligente desconsiderar as similaridades e continuidades presentes no processo histrico, que muitas vezes tende a repetir algumas dinmicas, obviamente de modo diverso e particularizado. Por isso, pensamos que os limites da universalidade do conhecimento devem sempre ser atualizados, revistos e superados (nunca desconsiderados) por uma anlise crtica ao prprio conhecimento da qual tributria.

  • 30

    gestados no seio desta cidade estilhaada em pedaos mais ou menos homogneos, mais

    ou menos hierarquizados. Seguindo este raciocnio, a indstria, elemento que induz e

    transforma a urbanizao, passa a ser por ela comandada. Deste modo, vo se

    estabelecendo os termos da urbanizao mais contempornea da metrpole de So

    Paulo pari passu com os termos da centralidade e generalizao do capital como relao

    social dominante. Segundo DEK (2004: 12):

    [...] As condies de produo nas reas urbanas nas cidades so agora as da virtual totalidade da economia, e as condies de vida nas aglomeraes urbanas so as da maioria da populao. Acima de tudo, as aglomeraes urbanas constituem a base das transformaes futuras da sociedade e tambm de sua economia.

    Pensamos que a anlise do espao urbano e fundamentalmente de sua produo

    social pode fornecer elementos preciosos para situar o movimento e o sentido da

    historicidade hoje, revelando potencialmente os sentidos das aes e relaes humanas

    materializadas. O espao, atualmente includo francamente nas dinmicas do mercado

    imobilirio e financeiro, bem como presente na reproduo da racionalidade do Estado,

    coloca-se quase inteiramente subsumido forma geral da mercadoria como lgica

    abstrata da troca que retalha o espao atravs da propriedade privada para realizar sua

    compra e sua venda. Neste sentido, a reflexo sobre os problemas da produo do

    espao se refere, no limite, reflexo sobre o mundo moderno, que situa sua reproduo

    ampla e estrategicamente na espacialidade. Apontando na mesma direo, CARLOS,

    DAMIANI & SEABRA (1999: 8) indicam que:

    [...] A complexidade da atividade social e o sentido econmico predominante incluem internamente o espao cada vez mais como objeto, produto e mercadoria, redefinindo o sentido do espao no plano da prtica social.

    O espao carregaria assim atualmente um duplo sentido, concreto e abstrato, em

    um mundo de realizao de abstraes concretas, como o Estado e o dinheiro. A

    produo deste espao abstrato estaria ligada ao pleno desenvolvimento do mundo da

    mercadoria como lgica abstrata que se espacializa realizando-se atravs do espao.

    Caberia a ns gegrafos a compreenso do fenmeno espacial e urbano na

    modernidade, que inclusive passaria pela constituio de uma sociedade urbana (e

    capitalista) como fundamento da mundialidade. O sentido estratgico da produo do

    espao para a reproduo econmico-poltica e social comea a ser esclarecido no

    momento do aprofundamento analtico daqueles nveis da prtica social constitutivos

  • 31

    do espao. mister considerar, conforme as idias de MARTINS (in: CARLOS,

    DAMIANI & SEABRA (orgs.), 1999: 24) que:

    [...] sob o capitalismo, com a generalizao da forma mercadoria, que se explicita a tendncia da produo do espao nos marcos da troca de mercadorias. preciso, ento, considerar o que ocorre no curso de um processo onde a lgica caracterstica e fundante do mundo das mercadorias, e as concepes que a norteiam, se estende ao espao, capturando-o e encerrando-o (...), transformando-o num novo hierglifo, a ponto de conformar uma problemtica especfica do espao.

    O prprio espao, erigido nestes termos, no est livre das contradies que se

    desdobram a partir da lgica dominante que pretende hegemoniz-lo e reproduz-lo

    visando reproduzir-se a si mesma, assegurando com isso a espacialidade como forma de

    domnio territorial das relaes sociais de produo essencialmente capitalistas. Uma

    das principais contradies que se levantam do espao refere-se barreira

    desempenhada pela propriedade privada da terra base da reproduo territorial do

    capital para a continuidade da valorizao crescente do solo. Uma vez instaurada a

    propriedade do solo, estabelece-se um domnio exclusivo ou um monoplio de uso, o

    que pode colocar-se na contramo das estratgias das novas e futuras produes

    espaciais em momentos posteriores. Outras contradies do espao esto na ordem do

    dia para as realizaes capitalistas, inclusive para o mais rs-do-cho do espao, como

    a distncia e os sistemas de circulao9. Neste sentido, compreendemos que o espao

    produzido ao mesmo tempo como possibilidade e barreira reproduo dos capitais.

    Nossas reflexes mais incisivas a propsito do espao, apoiadas nas formulaes

    terico-metodolgicas do filsofo e socilogo francs Henri LEFEBVRE, certamente

    foram e so problematizadas por nossa referncia em torno de conceitos e categorias

    analticas prprias da Geografia. neste sentido que entendemos o espao como sendo

    produto, condio e meio da realizao das relaes sociais (CARLOS, 1994). O espao

    condio geral da reproduo material da sociedade, sendo ao mesmo tempo seu

    produto, j que, de acordo com Lefebvre, as relaes sociais se realizam concretamente

    enquanto relaes espaciais, o que abre caminho para o entendimento do espao

    tambm enquanto meio (mediao) da realizao social. Pensamos que esta orientao

    supera (sem negar) a noo de espao como palco, mera localizao, enfim, como

    simples receptculo da trama social. Contudo, como j dissemos, este entendimento

    9 Uma ateno especial ser dada para estas contradies no desenvolvimento da nossa argumentao ao longo do trabalho.

  • 32

    possibilita inclusive uma releitura crtica destas dimenses mais clssicas da

    Geografia situao, localizao, circulao, distncia luz da complexidade do

    fenmeno espacial no mundo moderno, como foi o caso para nossa pesquisa.

    Estas consideraes sobre a relao materialidade/espacialidade e sua realizao

    contraditria no processo de urbanizao contemporneo, compem um delineamento

    analtico que sintetiza nosso entendimento sobre a espacialidade como dialtica da

    materialidade produzida/produtora do processo social.

    em parte destes entendimentos que decorrem nossa escolha pelo nvel

    econmico-poltico como momento inicial de entrada na complexidade da urbanizao

    atual na/da metrpole paulistana. Partimos da idia que sua urbanizao recente

    permitia situar os limites relativos da produo industrial e as estratgias espaciais de

    reproduo do capital financeiro dialeticamente articuladas esfera produtiva, atravs

    do setor imobilirio e da indstria da construo civil. Isto se manifestava como uma

    intensa movimentao imobiliria de produo de novos espaos na metrpole de So

    Paulo pelos agentes econmicos notadamente pelo setor imobilirio e financeiro ,

    como o Panamby deixava mais ou menos evidente. Tnhamos em vista que a grande

    metrpole industrial brasileira, ao diminuir a preponderncia da sua atividade industrial,

    caminhava para um outro momento de sua constituio, agora enquanto uma metrpole

    dos negcios (cidade mundial?), centro de gesto das transaes nacionais e

    internacionais entre os capitais financeiros, alm claro, de se caracterizar por ser um

    centro de turismo de eventos (feiras, negcios), de cultura, de lazer, de comunicaes e

    transportes, entre outros.

  • 33

    CAPTULO 2:

    O contexto macro-econmico recente: hegemonizao financeira

    1. Imposio (neo)liberal da financeirizao: alguns elementos

    (scio)econmicos

    Podemos afirmar, sem ressalvas, que vivemos recentemente pelo menos a

    partir das duas ltimas dcadas do sculo XX e primeiros anos do sculo XXI um

    perodo de recrudescimento do iderio liberal (surgido no sculo XIX), notadamente nas

    esferas da economia e da poltica, reverberando inclusive no campo da cultura das

    representaes e ideologias que produzem uma dimenso simblica das relaes sociais,

    regidas cada vez mais por formas de sociabilidade leais aos valores liberais do

    individualismo competitivo. O que nos interessa, todavia, para os propsitos de nossa

    pesquisa, identificar e problematizar os principais nexos do princpio liberal para a

    conformao do sentido da economia e da poltica atuais, que, chamadas de

    neoliberais, caminham na direo/tentativa de uma homogeneizao/hegemonizao

    escala mundial.

    Jos Lus FIORI (1999) nos apresenta um caminho analtico bastante frtil para

    a compreenso daquilo que se passou e do que ainda se passa em termos da

    reproduo econmica e poltica nos dias de hoje. As idias deste item so amplamente

    apoiadas nas suas consideraes sobre a relao entre os Estados nacionais, as moedas e

    a questo do desenvolvimento do capitalismo, principalmente do capitalismo de

    finanas ou financeiro. Tambm nos baseamos nas discusses propostas pelo grupo de

    estudo dos Grundrisse10, assim como em algumas consideraes de Franois

    CHESNAIS (1998). Deste modo, o contedo que se segue possui o sentido de uma

    exposio e anlise das principais idias destes autores.

    Em primeiro lugar, haveria a necessidade de se considerar alguns antecedentes

    para a melhor contextualizao do perodo econmico e poltico recentes. Estes

    antecedentes servem como iluminadores daquilo que vir a se constituir posteriormente,

    j que sinalizam a direo das transformaes ocorridas. Assim, o fim do padro-ouro,

    no perodo da I Guerra Mundial e no entre Guerras, j assinala a instaurao do novo

    sistema monetrio internacional dlar-ouro, que ficar conhecido como sistema de

    10 Grupo que se rene semanalmente no LABUR/DG/FFLCH/USP Laboratrio de Geografia Urbana da USP sob a coordenao da Prof. Dra. Amlia Lusa Damiani.

  • 34

    Breton Woods. Este novo sistema concilia a paridade fixa entre as moedas com a

    autonomia das polticas monetrias nacionais, sob a hegemonia, contudo, da

    benevolncia capitalista dos Estados Unidos, que o pas detentor da moeda que

    passa a substituir o ouro como padro de converso internacional. Uma conjuntura

    geopoltica favorvel propiciou um perodo de grande desenvolvimento e crescimento

    econmico nos pases centrais, e mesmo fora deles, fornecendo ao padro-dlar a

    flexibilidade que o padro-ouro no teve (cf. FIORI, 1999).

    mais precisamente a partir da dcada de 1970 que se dar a insero incisiva

    dos pases perifricos em uma retomada do princpio do liberalismo econmico, no

    contexto de uma nova economia poltica internacional. Durante este perodo, vrias

    teses foram formuladas por diversos pensadores e escolas a respeito da questo do

    desenvolvimento capitalista nas diferentes naes, como foi o caso da CEPAL11,

    principalmente para a discusso e coordenao das polticas voltadas para as formas de

    se alcanar o desenvolvimento econmico da regio latino-americana. Diversas teses

    marcaram o pensamento econmico nesta poca de transformaes, dentre as quais uma

    em particular parece ter se arraigado mais profundamente, principalmente entre os

    economistas e governantes de vis liberal e conservador. Tratam-se das teses do

    economista Charles KINDLEBERGER (1973), lembradas por FIORI (1999), que

    apoiavam-se em trs idias bsicas: 1) o equilbrio da economia capitalista s ocorrer

    se houver um nico pas estabilizador que garanta uma moeda internacional estvel; 2) a

    ameaa estabilidade do sistema econmico est associada atuao dos chamados

    pases free-riders, que so aqueles pases que ameaam a hegemonia do pas

    estabilizador, competindo paralelamente (regionalmente) com sua economia; e 3) o

    declnio do poder hegemnico do pas estabilizador corresponde deteriorao dos

    bens pblicos que este oferece comunidade internacional.

    Estas idias foram amplamente criticadas, na dcada de 1980, pela comunidade

    acadmica, alm de mostraram-se igualmente insuficientes pelo prprio desenrolar da

    realidade econmica que se seguiu. Assim, em contraposio primeira tese, colocava-

    se a dvida de que a Inglaterra tivesse promovido a construo de um sistema de livre

    comrcio ou a adeso dos demais pases ao padro-ouro, j que o comportamento dos

    pases hegemnicos at ento estava mais atrelado ao seu prprio interesse nacional.

    Contra a segunda tese colocava-se a idia de que as crises sistmicas foram endgenas

    11 Comisso Econmica para a Amrica Latina e o Caribe.

  • 35

    sociedade econmica hegemnica, e negando a terceira tese assentava-se a idia de que

    o fim do sistema de Breton Woods no enfraqueceu mas tornou, pelo contrrio, ainda

    mais forte o poder dos Estados Unidos no sistema monetrio e financeiro internacional.

    As teses de KINDLEBERGER (1973) encontrariam ainda um breve flego em

    relao a um dos aspectos do panorama que decorre do final da Guerra Fria: o arbtrio

    de uma s potncia hegemnica os Estados Unidos que constri e sustenta uma

    ordem internacional baseada em um conjunto de regimes e instituies regionais e

    globais, e tambm em uma poltica econmica e cambial agressiva. indiscutvel o fato

    de que os Estados Unidos arbitram isoladamente o sistema monetrio internacional,

    promovendo uma prtica de abertura e desregulamentao de economias nacionais e

    regionais, propalando o livre-comrcio como sinonmia de democracia e incentivando a

    convergncia das polticas macroeconmicas, alm de atuar como campo seguro s

    crises financeiras internacionais. Este pas, que deve ser reconhecido como uma

    potncia completa ou de primeira grandeza, detm um poder incontestvel no plano

    industrial, tecnolgico, militar, financeiro e cultural (de massa). No entanto, por outro

    lado, este arbtrio da superpotncia norte-americana no garantiu uma estabilidade

    economia mundial, j que o momento atual de grande instabilidade sistmica e est

    ligada revoluo financeira que acompanhou a consolidao e o funcionamento do

    novo sistema econmico e cambial.

    Podemos reconhecer dois momentos ou conjunturas que aceleram as decises

    responsveis pela instalao da nova ordem internacional (cf. FIORI, 1999). Em um

    primeiro momento, na virada dos anos 80, a vitria poltica das foras conservadoras na

    Inglaterra, nos EUA e Alemanha, e posteriormente no incio dos anos 90 com a

    dissoluo do mundo socialista e o fim da Guerra Fria. Este contexto propicia a volta ao

    poder do princpio liberal e a generalizao das polticas liberais conservadoras nos

    pases capitalistas, que apregoam a abertura e a desregulamentao dos mercados do

    trabalho e do dinheiro. O capital financeiro passa a ocupar o primeiro plano atravs de

    blocos de poder formados por seus Estados nacionais competindo por novos territrios

    econmicos, delimitados no mais pelas barreiras comerciais, mas pela credibilidade de

    suas moedas e dos sistemas de pagamento. Mas, por outro lado, segundo DAMIANI

    (coord. Grupo Grundrisse) (2006: 39 e 40)12: [...] Uma outra forma de falar sobre isso dizer que o capital financeiro (...) domina o mundo econmico de hoje; definindo-se

    12 O Futuro do Trabalho: elementos para a discusso das taxas de mais-valia e de lucro.

  • 36

    assim enquanto capital financeirizado, que se reproduz miticamente atravs de uma bolha financeira, pois o capital produtivo se reduz drasticamente. Portanto, o domnio do capital financeiro no somente uma nova face da riqueza, ele representa a crise da riqueza real, ele (...) diz representar o capital produtivo, mas no chega produo (...), no produz riqueza real (valor). (...) O capital tenta adiar o aprofundamento da crise, transferindo a produo, o comrcio e a fora de trabalho disponvel para outros pases, investindo nestes lugares (...), impondo a lgica das finanas internacionais. Portanto, a crise transportada para todo lugar.

    Com isso, verifica-se uma descompartimentalizao dos mercados financeiros e

    do cmbio, dos ttulos pblicos e privados, das aes, dos imveis e dos commodities,

    impelindo uma onda de internacionalizao financeira que voltil porque

    impulsionada pela flutuao cambial, que impe limites estreitos s polticas

    econmicas e s taxas de crescimento das economias nacionais. As conseqncias para

    as classes trabalhadoras nos pases perifricos como o Brasil so o desemprego, a

    demisso de funcionrios pblicos e a perda das liberdades constitucionais em

    detrimento dos oramentos estveis e moedas slidas. De acordo com as idias de

    DAMIANI (coord. Grupo Grundrisse) (2006: 40):

    [...] O que ocorre que este Dinheiro Financeiro pago com o endividamento do Estado, sem, portanto, ter realizado valor atravs do trabalho. Quando o Capital Financeiro retira-se do territrio nacional, o Estado e a sociedade ficam com a dvida e com a crise social.

    No plano das relaes internacionais e interestatais, observa-se a consolidao

    de uma ordem geopoltica hierarquizada, comandada pela capacidade de arbtrio militar

    e monetrio da superpotncia norte-americana e pelo surgimento da Unio Europia

    (UE) e sua moeda, o euro. Ainda no sabemos ao certo se a UE ir se posicionar