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DIEGO DE MEDEIROS PEREIRA
DRAMA NA EDUCAÇÃO INFANTIL:
EXPERIMENTOS TEATRAIS COM CRIANÇAS DE 02 A 06
ANOS
Tese apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Teatro da Universidade
do Estado de Santa Catarina, como
requisito para a obtenção do Título de
Doutor em Teatro.
Orientadora: Profª. Drª. Beatriz Cabral.
FLORIANÓPOLIS, SC
2015
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central da UDESC
P436d
Pereira, Diego de Medeiros
Drama na educação infantil: experimentos teatrais com
crianças de 02 à 06 anos / Diogo de Medeiros Pereira. -
2015.
296 p. il.; 21 cm
Orientadora: Beatriz Cabral
Bibliografia: p. 293-296
Tese (Doutorado) - Universidade do Estado de
Santa Catarina, Centro de Artes, Programa de Pós-Graduação
em Teatro, Florianópolis,2015.
1. Teatro – Estudo e ensino. 2. Teatro – Aspectos psicológicos. 3. Educação de crianças. 4. Vygotsky. I.
Cabral, Beatriz. II. Universidade do Estado de Santa
Catarina. Programa de Pós-Graduação em Teatro. III. Título.
CDD: 792.07 – 20.ed.
DIEGO DE MEDEIROS PEREIRA
DRAMA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: EXPERIMENTOS
TEATRAIS COM CRIANÇAS DE 02 A 06 ANOS
Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Teatro, da
Universidade do Estado de Santa Catarina, como requisito para a
obtenção do título de Doutor em Teatro, na área de concentração Teorias
e Práticas Teatrais, linha de pesquisa Teatro, Sociedade e Criação Cênica.
Banca Examinadora:
Orientadora: ______________________________________
Profª. Drª. Beatriz Cabral
Universidade do Estado de Santa Catarina
Membros:
________________________
Prof. Dr. Flávio Desgranges
Universidade de São Paulo
________________________
Prof. Dr. Gilberto Icle
Universidade Federal do Rio
Grande do Sul
________________________
Profª. Drª. Vera Collaço
Universidade do Estado de Santa
Catarina
________________________
Prof. Dr. Vicente Concilio
Universidade do Estado de Santa
Catarina
Florianópolis (SC), 26 de março de 2015.
À todos os profissionais da Educação
Infantil que contribuíram de forma
direta ou indireta com este trabalho.
À Trupe da Alegria.
Aos meus pais, irmãos e sobrinhos.
Ao meu companheiro.
AGRADECIMENTOS
Aos membros da Trupe da Alegria que “compraram” a proposta
desta pesquisa e desenvolveram comigo os processos apresentados neste
trabalho. Meu eterno agradecimento à Ana Lúcia de Albuquerque,
Danielle Horn, Elizabete Maria Eleotero, Franciele Carminatti, Leonara
de Souza, Márcia Mesquita de Andrade, Maria da Luz Ribeiro, Maria
Sônia de Souza, Rafael Spinelli, Roseli Freire e Zely Mara Duarte.
A Rosetenair Feijó Scharf, em especial, pelo empréstimo de
materiais relativos à Educação Infantil e pela leitura atenta dos trechos
que tratam desse segmento do ensino.
Aos demais membros da Trupe que participaram como
personagens dos processos e/ou que contribuíram com suas ideias e
olhares na estruturação dos episódios.
Aos profissionais da Educação Infantil que se deixaram
“contaminar” pelas propostas e participaram, direta ou indiretamente, das
experimentações.
Às creches e Núcleos de Educação Infantil que receberam os
projetos, obrigado pelo apoio.
Às crianças que se entregaram às propostas e experimentaram de
forma lúdica e prazerosa o teatro.
Aos meus pais, Nazareth e Ademir, pela certeza de um porto
seguro.
À minha irmã Luciane, pelas ligações, orações e conversas.
Ao meu companheiro Lucas Pereira, por aturar meus dias de mau
humor e, mesmo assim, estar sempre comigo.
À amiga Drica Santos, pelas “trocas” acadêmicas e humanas; e a
todos os amigos da turma do bueiro, da dança, da banda (...).
À amiga Bianca Mitke, pelas risadas, pela ajuda, pelas baladas.
Aos acadêmicos do curso de Licenciatura em Teatro da UDESC
com os quais pude compartilhar conhecimentos, rever conceitos,
experimentar possibilidades, sobretudo aos meus orientandos de estágio
na Educação Infantil.
À CAPES, por ter me proporcionado uma bolsa de estudos em
grande parte do desenvolvimento desta pesquisa.
Ao PPGT, pela atenção e qualidade do seu corpo docente e
secretaria.
Aos membros externos da banca, Flávio Desgranges e Gilberto
Icle, por terem aceitado participar dessa e terem contribuído com o
presente trabalho.
À professora Vera Collaço, por ter sido um exemplo de
professora e ter me acompanhado na graduação, nas bancas de mestrado
e doutorado.
Ao professor Vicente Concilio, pela parceria, pelas
oportunidades e pelas contribuições na qualificação.
À Diretoria de Educação Infantil, por ter acreditado nesta
propostas e ter “aberto às portas” para a realização dos experimentos com
as crianças.
À Audrei Hüllen pela edição do vídeo de abertura da defesa.
A todos que acreditam no poder da Arte e na necessidade de sua
presença no processo de formação da criança e que, de uma forma ou de
outra, apoiaram e apoiam meu trabalho.
Um agradecimento mais que especial à minha orientadora, Beatriz
Cabral (nossa Biange), por tantos anos de paciência, cooperação e
inspiração. Por cada palavra, ponto e vírgula, pelos livros, lanches e
conversas. Muito Obrigado!
Por fim, agradeço à Deus por ter me dado forças para cumprir mais
uma etapa da minha vida profissional.
A Trupe é força de vida e de morte.
Ela é força de morte quando aniquila o mofo da
Educação, o mofo da preguiça intelectual, do
comodismo, da mesmice.
Ela é força de morte quando destrói a ideia de que
Pedagogas são quase que freiras: cuidadoras e
disciplinadoras.
Ela é força de morte quando arrebenta com nossas
verdades, músculos e estética Global.
Ela é força de vida quando reúne este grupo de
pessoas para gerar uma outra entidade viva, que só
existe no coletivo e se sustenta com amor (não o
amor piegas, mas o amor suado, racionalizado,
visceral, das entranhas).
...é força de vida quando proporciona a crianças e
adultos os espetáculos por ela construídos.
...é força de vida quando engendra um autêntico e
vigoroso processo de formação em serviço, o qual
deveria ser tomado como referência por uma séria
Secretaria de Educação, multiplicado,
potencializado, apoiado.
Ricardo Augusto Rocha, 2012.
RESUMO
Esta tese investiga o Drama – abordagem inglesa de ensino e
experimentação teatral – como uma possibilidade metodológica para um
trabalho de iniciação teatral na Educação Infantil. Busca-se estruturar
procedimentos pedagógicos que se relacionem com as especificidades da
infância por meio da proposição de uma prática baseada tanto em
experiências e teorias teatrais quanto nas propostas curriculares dessa
etapa da educação. Para tanto, inicia-se apresentando as propostas
nacionais e municipais para o ensino da arte e do teatro na Educação
Infantil. Na sequência, apresenta-se a teoria do Drama a partir de autores
brasileiros e ingleses que discutem esse método – Bowell e Heap,
Neelands e Goode, O'Neill, Farmer, Chalmers, Cabral e Desgranges.
Segue-se retratando e discutindo 09 processos de Drama desenvolvidos
com crianças entre 02 e 06 anos de idade, a fim de se apresentar
evidências sobre a proximidade do Drama com o trabalho pedagógico
desenvolvido com crianças dessa faixa etária. Os experimentos ocorreram
em instituições públicas de ensino infantil de Florianópolis / Brasil e
foram conduzidos por professores que participam do grupo de teatro,
"Trupe da Alegria". Um diálogo com a teoria de Lev Vygotsky
fundamentou este estudo.
Palavras-chave: Pedagogia do Teatro. Educação Infantil. Drama.
Psicologia do Desenvolvimento. Vygotsky.
ABSTRACT
This thesis investigates Drama – an English approach for theatre teaching
and experiencing – as a methodological possibility to introduce theatre in
children education. It looks for structuring pedagogical procedures linked
to childhood specificities by proposing a practice based both on theatrical
experiences/theories and on the curricular proposals for this stage level.
As such, it starts presenting national and local curriculum indications for
the teaching of art and theater in early childhood education. Then,
presents the theory of Drama, by English and Brazilian authors centred
on this method – Bowell and Heap, Neelands and Goode, O’Neill,
Farmer, Chalmers, Cabral and Desgranges. Next, it reports and discusses
09 drama processes with children from 02 to 06 years old, in order to
present evidence about the close relationship between drama and the
teachers strategies to work with children of this age level. The experiences
took place in Public Infant Schools of Florianópolis/Brazil, and were
conducted by teachers who take part in a theatre group, “Trupe da
Alegria”. A dialogue with the theory of Lev Vygotsky backed this study.
Keywords: Theatre Pedagogy. Early Childhood Education. Drama.
Developmental Psychology. Vygotsky.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Livro “O Corvo” – pré-texto. ............................................. 174 Figura 2 - Pendurando o pássaro que tem seu nome. .......................... 174 Figura 3 - Explorando as máscaras de pássaros. ................................. 175 Figura 4 - Construindo o espantalho. .................................................. 175 Figura 5 - Chamando o Pássaro Azul. ................................................. 175 Figura 6 - Apresentação teatral “O Lobo Só Arroz”. .......................... 175 Figura 7 - Livro de registros. ............................................................... 175 Figura 8 - Experimentando a navegação. ............................................ 175 Figura 9 - Chegada do Pedrinho na caixa. ........................................... 179 Figura 10 - Dona Tibúrcia e Pedrinho. ................................................ 179 Figura 11 - Fada preparando ritual de transformação.......................... 179 Figura 12 - Pedrinho criança interagindo com o grupo. ...................... 179 Figura 13 - Contação de histórias e o baú mágico. .............................. 182 Figura 14 - Boneca Maria Cecília. ...................................................... 182 Figura 15 - Criando ambientação sonora............................................. 182 Figura 16 - Atriz e a boneca Maria Cecília. ....................................... 182 Figura 17 - Explorando o mapa. .......................................................... 192 Figura 18 - Baú do Pirata Pão Duro. ................................................... 192 Figura 19 – Visita dos piratas à Alemanha. ......................................... 192 Figura 20 - Capitão Amedrontador e seu ajudante. ............................. 192 Figura 21 - Professor personagem (capitão) organiza a viagem.......... 193 Figura 22 - Cadeira quente com o Pirata Pão Duro. ............................ 193 Figura 23 - Boi de Mamão e os Piratas. .............................................. 193 Figura 24 - Registro do processo. ........................................................ 193 Figura 25 - Procurando as pistas dos animais desaparecidos. ............. 197 Figura 26 - Como aranhas na teia gigante. .......................................... 197 Figura 27 - Como navegadores à procura do pescador. ...................... 198 Figura 28 - Experimentando o Boi de Mamão. ................................... 198 Figura 29 - Primeira visita de Analiz ao grupo. .................................. 201 Figura 30 - Fabricando brinquedos. .................................................... 201 Figura 31 - Dançando para as crianças do orfanato na entrega dos
brinquedos. .......................................................................................... 201 Figura 32 - Registro das crianças e a história dos seus brinquedos. .... 201 Figura 33 - Mapa com os países que queriam conhecer. ..................... 213 Figura 34 - Construção da máquina de tele transporte. ....................... 213 Figura 35 - Preparação para a viagem à Lua. ...................................... 213 Figura 36 - Cadeira quente com Pedro Álvares Cabral. ...................... 213 Figura 37 - Ambientação cênica da Turquia. ...................................... 213
Figura 38 - Explorando a lâmpada. ......................................................213 Figura 39 - Assistindo ao gênio da lâmpada. .......................................214 Figura 40 - Jogando basquete nos EUA. ..............................................214 Figura 41 - Interagindo com a índia Capotira (professor personagem).
.............................................................................................................217 Figura 42 - Quadro congelados (Cleópatra e Tutankamon). ................217 Figura 43 - Experimentação corporal (como cobras). ..........................217 Figura 44 - Espaço para vivência dramática com plateia. ....................217 Figura 45 - Carta de Catarina. ..............................................................220 Figura 46 - A caveira mexicana. ..........................................................220 Figura 47 - Os apitos peruanos. ...........................................................220 Figura 48 - Encontrando Catarina. .......................................................220
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................ 25
2 EDUCAÇÃO INFANTIL E LINGUAGEM TEATRAL:
CONTEXTO DA PESQUISA ............................................................ 35
2.1 DIRECIONAMENTOS PEDAGÓGICOS PARA O ENSINO DE
ARTES NA EDUCAÇÃO INFANTIL .............................................. 36
2.1.1 Primeiros Documentos ........................................................ 38
2.1.2 Uma Política Nacional para a Educação Infantil ............. 40
2.1.3 Lei de Diretrizes e Bases de 1996 ....................................... 44
2.1.4 Referencial Curricular Nacional........................................ 45
2.1.5 Diretrizes Curriculares Nacionais ..................................... 48
2.2 EDUCAÇÃO INFANTIL EM FLORIANÓPOLIS: PROPOSTAS
CURRICULARES E LINGUAGEM TEATRAL .............................. 50
2.2.1 A Divisão de Educação Pré-Escolar .................................. 54
2.2.2 Desdobramentos após a LDB de 1996 ............................... 57
2.2.3 Novo século .......................................................................... 62
2.3 TRUPE DA ALEGRIA: FORMAÇÃO DE PROFESSORES-
ARTISTAS EM FLORIANÓPOLIS ................................................. 70
2.4 ENSINO DO TEATRO NA EDUCAÇÃO INFANTIL: O QUE SE
TEM DITO? ....................................................................................... 75
3 DRAMA COMO APROPRIAÇÃO DA LINGUAGEM
TEATRAL: FUNDAMENTOS DA PESQUISA .............................. 95
3.1 DRAMA COMO MÉTODO DE ENSINO .................................. 95
3.1.1 Origens do Drama ............................................................... 97
3.1.2 O Drama no contexto brasileiro ....................................... 109 3.2 EXPLORANDO O DRAMA NA EDUCAÇÃO INFANTIL .... 113
3.2.1 Relacionar conhecimentos ................................................ 114
3.2.2 Do Drama à linguagem teatral ......................................... 117
3.3 CONVENÇÕES DO DRAMA .................................................. 120
3.3.1 Contexto dos participantes ............................................... 121
3.3.2 Contexto ficcional .............................................................. 122
3.3.3 Pré-texto ............................................................................. 124
3.3.4 Processo .............................................................................. 128
3.3.5 Episódios ............................................................................ 130
3.3.6 Vivência de papéis ............................................................. 133 3.4 ESTRATÉGIAS SELECIONADAS .......................................... 137
3.4.1 Manto do perito e papéis ficcionais ..................................138
3.4.2 Professor no papel e professor personagem ....................141
3.4.3 Cadeira quente ...................................................................146
3.4.4 Narração .............................................................................147
3.4.5 Recursos materiais .............................................................149
3.4.6 Estímulo composto .............................................................151
3.4.7 Ambientação cênica ...........................................................152
3.4.8 Ambientação sonora ..........................................................154
3.4.9 Cerimônias e rituais ...........................................................155
3.4.10 Imitação ............................................................................157
3.4.11 Imagens e quadros congelados ........................................158
3.4.12 Registro .............................................................................159
4 EXPERIMENTOS COM CRIANÇAS: APRESENTAÇÃO DOS
PROCESSOS DE DRAMA ...............................................................163
4.1 EXPERIMENTOS COM CRIANÇAS DE 02 A 03 ANOS ........164
4.1.1 Processo 01 .........................................................................164 4.1.1.1 Estrutura do processo ....................................................166
4.1.1.2 Imagens do processo .....................................................174
4.1.1.3 Observando as crianças .................................................176
4.1.1.4 Avaliação da professora Maria Sônia ............................176
4.1.2 Processo 02 .........................................................................177 4.1.2.1 Imagens do processo .....................................................179
4.1.2.2 Observando as crianças .................................................179
4.1.2.3 Avaliação da professora Danielle ..................................180
4.1.3 Processo 03 .........................................................................181
4.1.3.1 Imagens do processo .....................................................182
4.1.3.2 Avaliação da professora Zely ........................................183
4.1.3.3 Comentários da professora Rosetenair ..........................183
4.2 EXPERIMENTOS COM CRIANÇAS DE 04 A 05 ANOS ........184
4.2.1 Processo 04 .........................................................................184
4.2.1.1 Estrutura do processo ....................................................186
4.2.1.2 Imagens do processo .....................................................192
4.2.1.3 Observando as crianças .................................................194
4.2.1.4 Avaliação da professora Elizabete ................................195
4.2.1.5 Comentários da professora Leonara ..............................195
4.2.2 Processo 05 .........................................................................196
4.2.2.1 Imagens do processo .....................................................197
4.2.2.2 Observando as crianças .................................................198
4.2.2.3 Avaliação do professor Rafael ......................................199
4.2.3 Processo 06 .........................................................................199
4.2.3.1 Imagens do processo ..................................................... 201
4.2.3.2 Observando as crianças ................................................ 202
4.2.3.3 Avaliação da professora Roseli .................................... 202
4.2.3.4 Comentários da professora Ana .................................... 203
4.3 EXPERIMENTOS COM CRIANÇAS DE 05 A 06 ANOS ....... 203
4.3.1 Processo 07 ......................................................................... 203 4.3.1.1 Estrutura do processo ................................................... 206
4.3.1.2 Imagens do processo ..................................................... 213
4.3.1.3 Observando as crianças ................................................ 214
4.3.1.4 Avaliação da professora Márcia ................................... 215
4.3.2 Processo 08 ......................................................................... 215 4.3.2.1 Imagens do processo ..................................................... 217
4.3.2.2 Observando as crianças ................................................ 217
4.3.2.3 Avaliação da professora Maria ..................................... 218
4.3.3 Processo 09 ......................................................................... 219
4.3.3.1 Imagens do processo ..................................................... 220
4.3.3.2 Observando as crianças ................................................ 220
4.3.3.3 Avaliação da professora Franciele ................................ 221
5 REFLEXÕES PEDAGÓGICAS SOBRE AS POSSIBILIDADES
EXPERIMENTADAS ....................................................................... 223
5.1 TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL E DRAMA ..................... 223
5.1.1 O contexto sociocultural como ponto de partida ............ 226
5.1.2 O papel das interações na construção de conhecimentos
..................................................................................................... 229
5.1.3 Zona de desenvolvimento próximo .................................. 232
5.1.4 A importância da mediação .............................................. 234
5.1.5 A brincadeira como espaço de aprendizagem ................ 238 5.2 REFLEXÕES SOBRE OS PROCESSOS .................................. 241
5.2.1 Com crianças de 02 a 03 anos ........................................... 242
5.2.2 Com crianças de 04 a 05 anos ........................................... 247
5.2.3 Com crianças de 05 a 06 anos ........................................... 251
5.3 ANÁLISE GERAL DOS PROCESSOS .................................... 255
5.4 A EXPERIÊNCIA DOS PROFESSORES ................................. 263
5.4.1 Reflexões ............................................................................ 269 5.5 O DRAMA COMO POSSIBILIDADE ...................................... 271
5.5.1 Análise da questão 01 ........................................................ 275
5.5.2 Análise da questão 02 ........................................................ 278
6 ALGUMAS PALAVRAS ............................................................... 283
REFERÊNCIAS ................................................................................ 293
25
1 INTRODUÇÃO
A Educação Infantil é a primeira etapa da Educação Básica no
Brasil, atendendo crianças de 0 a 05 anos de idade. Ela oferece à criança
possibilidades de experimentação e aprendizagem que contribuirão com
o desenvolvimento de sua personalidade, formação de conhecimentos,
vida emocional e ampliação das relações sociais. Com a legalização, em
19881, desse segmento de ensino e a compreensão de que o atendimento
em creches (0 a 03 anos) e pré-escolas (04 a 05 anos) é um direito das
crianças e de suas famílias, tem havido uma mobilização por parte de
educadores e pesquisadores na discussão do valor social e do caráter
educativo dessas instituições. Dentro desse quadro que se apresenta,
estudiosos e professores das linguagens artísticas tem buscado ampliar
seu espaço de atuação, discutindo possibilidades de trabalhar a arte com
essa criança.
Na estruturação dos fundamentos que direcionariam o fazer
educacional voltado a essas crianças, alguns autores serviram de base,
dando respaldo às diferentes propostas curriculares que tem sido
elaboradas deste os anos de 1990. Atualmente, a psicologia histórico
cultural de Lev Vygotsky (1896-1934) é uma das principais referências
para se pensar em uma criança historicamente localizada e que se
desenvolve a partir da interação com o universo social e cultural em que
se encontra.
Vygotsky (2004) trata o homem como “um agregado de relações
humanas” e, nesse sentido, as primeiras interações que a criança
estabelece com o outro e com o conhecimento influenciarão sua futura
apropriação do mundo, uma vez que “[...] as funções mentais superiores
são relações sociais internalizadas” (VYGOTSKY, 1995, p. 195). Para
esse autor, portanto, o desenvolvimento da aprendizagem está
intrinsecamente relacionado à história e à cultura com as quais o ser
interage.
Nesse processo de construção do funcionamento mental, social e
da subjetividade da criança, a partir da apropriação da cultura que a cerca,
o ambiente educacional – no caso específico deste estudo a Creche ou
Núcleo de Educação Infantil e seus profissionais – tem o papel essencial
de nutrir, com experimentações diversas, a aprendizagem infantil.
Como o professor poderá oferecer espaços para suas crianças
ampliarem as vivências artísticas, por exemplo, se ele se encontrar
1 Através da reformulação da Constituição Federal.
26
distante de teorias e práticas que possam alimentar seu repertório? Como
um professor poderá desenvolver propostas pedagógicas coerentes e
significativas se ele não ampliar seus conhecimentos acerca das diferentes
linguagens e conhecimentos?
Essas foram as questões que levaram ao desenvolvimento de
minha dissertação de mestrado Commedia dell’arte e Educação Infantil: um processo de formação de professores (2011). Naquele estudo eu
buscava ampliar o repertório de experiências com a linguagem teatral de
um grupo de 14 profissionais da Educação Infantil do município de
Florianópolis, por compreender que há uma necessidade de inserir a
linguagem do teatro no início da formação da criança e que esse processo
se daria a partir da mediação realizada por seus professores.
Ao trabalhar com os profissionais da Educação Infantil,
entretanto, questionava-me, e era questionado, sobre possíveis maneiras
de iniciar o teatro com suas crianças, que são mais novas, não
alfabetizadas, muitas vezes sem experiência alguma como espectadoras,
com pouco (ou nenhum) repertório acerca do que seria uma manifestação
teatral.
Ao ministrar formações de professores comecei a perceber que
existia (e ainda existe) um modo de trabalhar teatro com as crianças mais
novas com o qual eu não concordava. Trata-se de um modelo centrado na
criação de produtos artísticos, colocando as crianças como reprodutoras
de falas e marcações mecanizadas, aproximando-as de uma forma adulta
de representação, distante das possibilidades lúdicas e criativas que o
teatro pode oferecer para que as crianças se expressem através dessa
linguagem e se apropriem dela.
Quais seriam as referências teóricas ou metodológicas que esses
profissionais se pautariam para a realização dessa maneira de “ensinar”
teatro? Haveria uma referência metodológica que poderia auxiliá-los na
estruturação de propostas pedagógico-teatrais coerentes com a faixa
etária em que as crianças se encontram? Seria possível propor uma
pesquisa que contribuísse com a estruturação de um trabalho de inserção
da linguagem teatral na Educação Infantil?
Santos (2004) apontava para a carência de pesquisas e estudos
sistematizados, tanto no que se refere às abordagens históricas quanto
metodológicas sobre o ensino do teatro na infância. Percebe que, ainda
que passados mais de 10 anos da obra dessa autora, o quadro de pesquisas
voltadas ao trabalho com a linguagem teatral na Educação Infantil não se
alterou de forma significativa. Por conta da não existência do profissional
específico (professor de teatro) no quadro da Educação Infantil, o ensino
do teatro fica a cargo dos profissionais da Pedagogia, que, em geral,
27
possuem poucas referências sobre as particularidades dessa linguagem e
as licenciaturas em teatro pouco preparam seus estudantes para trabalhar
com essa faixa etária, por não se configurar como um nicho de trabalho.
Em meio a essa lacuna, ou o profissional desse segmento pauta-
se em modelos tradicionais do ensino do teatro, valorizando
precocemente a realização de um “produto”, ou não se apropria da
linguagem teatral por não reconhecê-la como parte do processo
educativo; “[...] pois desconhece o significado do jogo e da imitação e as
suas relações com a aquisição de conhecimentos ligados a diferentes
domínios e funções intelectuais” (2004, p. 117), como aponta Santos.
A partir desse contexto, tanto da prática quando da teoria acerca
do teatro na Educação Infantil, busquei problematizar o trabalho com a
linguagem teatral nesse segmento de ensino, por meio deste estudo de
doutorado. Como estruturar procedimentos de trabalho com a linguagem
teatral que respeitem as especificidades da infância e que, ao mesmo
tempo, proponham, de forma prazerosa, uma iniciação ao teatro?
Quem trabalha com crianças percebe que elas criam diversas
formas de brincar, espontaneamente se expressam por meio da
exploração de seus corpos, pelo uso de brinquedos e materiais, em algum
período do seu desenvolvimento começam a criar jogos dramatizados e,
a partir de tais jogos, elas vão, aos poucos, apropriando-se do mundo que
as cerca e descobrindo as linguagens da arte. Qual referência
metodológica, entretanto, poderia auxiliar na estruturação de um trabalho
pedagógico que potencializasse o jogo realizado pela criança, levando-a
a transpor esse jogo a uma linguagem artística, nesse caso específico, à
linguagem teatral?
Dentro das diversas abordagens para o ensino do teatro que me
deparei ao longo da graduação e dos anos como docente, houve uma em
que eu percebi um diálogo mais efetivo com as propostas pedagógicas
direcionadas à Educação Infantil, o Drama. Segundo Cabral,
O drama como método de ensino, eixo curricular
e/ou tema gerador constitui-se atualmente numa
subárea do fazer teatral e está baseado num
processo contínuo de exploração de formas e
conteúdos relacionados com um determinado foco
de investigação (selecionado pelo professor ou
negociado entre professor e aluno). Como
processo, o drama articula uma série de episódios,
os quais são construídos e definidos com base em
convenções teatrais criadas para possibilitar seu
28
sequenciamento e aprofundamento (CABRAL,
2006, p. 12).
Por promover uma experiência teatral que parte dos interesses da
criança, que dialoga com outras áreas do conhecimento sem promover
uma fragmentação de saberes como ocorre na estrutura do Ensino
Fundamental, por desenvolver-se em episódios que são construídos na
interação que se estabelece entre os participantes e desses com o condutor
do processo, percebi que havia um grande potencial a ser explorado na
proposição do Drama como encaminhamento metodológico para a
Educação Infantil.
Durante a graduação participei de processos conduzidos pela
professora Beatriz Cabral, mas foi durante os estágios de docência do
mestrado e doutorado que tive a oportunidade de estruturar, conduzir de
forma conjunta e acompanhar processos de Drama propostos por Cabral
às turmas da graduação em Teatro da Universidade do Estado de Santa
Catarina (UDESC) e em oficinas oferecidas à comunidade no
Departamento Artístico-cultural da Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC). Ao participar dessas experiências, comecei a
questionar-me sobre a possibilidade de explorar o Drama com os
profissionais da Educação Infantil.
Iniciei com pequenos experimentos com os profissionais da
Educação Infantil que trabalho (membros da Trupe da Alegria que será
apresentada posteriormente), com a leitura de textos teóricos sobre o
Drama, com propostas nos cursos de formação que ministrava, orientando
projetos de estágio na Educação Infantil como professor colaborador no
curso de Licenciatura em Teatro da UDESC. Ao avaliar essas propostas
preliminares, constatei um campo a ser explorado e estruturei a presente
pesquisa.
O objetivo central desta tese, portanto, é discutir e defender o
Drama – método inglês de ensino e experimentação teatral – como uma
abordagem possível para uma iniciação ao teatro na Educação Infantil.
Busco estabelecer alguns encaminhamentos metodológicos que
permitam, tanto ao profissional desse segmento da educação quanto ao
professor de teatro, estruturar propostas de ensino com crianças mais
novas.
Por conta do Drama centrar-se na questão da experimentação
dramática em torno de um determinado foco de interesse e não na
construção de um produto artístico, reproduzível e voltado à
apresentação, percebo no Drama ressonâncias com as diretrizes
curriculares voltadas ao ensino e aprendizagem da Educação Infantil, e,
29
portanto, proponho-o como um dispositivo pedagógico possível de ser
apropriado pelos profissionais interessados em trabalhar o teatro nessa
etapa do ensino.
Os objetos centrais de análise e discussão da tese são 09
processos de Drama desenvolvidos com crianças entre 02 e 062 em
espaços de Educação Infantil da rede municipal pública de Florianópolis.
Os papéis de pesquisador, orientador e observador dos processos
possibilitaram que eu me relacionasse de forma participativa com os
profissionais que conduziriam os processos de Drama e que, assim como
eu, interessavam-se em investigar diferentes modos de propor o ensino
de teatro para crianças mais novas. Ao participar da elaboração da
estrutura dos processos e do planejamento das ações, visitava e revisitava
tanto a teoria do Drama quanto as reflexões vygotskianas sobre o
desenvolvimento infantil, buscando estabelecer pontes entre elas.
Utilizei-me de diversas ferramentas para coletar os materiais que
serão apresentados nesta tese. Foi realizado, inicialmente, um diagnóstico
do contexto de cada grupo retratando seus objetos de interesse para, a
partir desse material, iniciarmos a estruturação dos processos. Ao longo
da realização dos experimentos foram efetuados registros audiovisuais,
observações das crianças participando das proposições feitas pelos
condutores, assim como entrevistas semiestruturadas com os
profissionais que conduziram os processos.
No que diz respeito à estrutura da tese, o presente trabalho está
organizado em quatro capítulos. Parto, no primeiro capítulo, do contexto
histórico e pedagógico com o qual esta pesquisa se relaciona. Busco, a
partir dos documentos norteadores que sustentam a estruturação da
Educação Infantil no Brasil, enfatizar a importância de se entender as
dinâmicas dessa etapa da educação para poder dialogar com ela. Nesse
processo, enfatizo quando o trabalho com as linguagens artísticas era
indicado e a maneira como ele era e é proposto. Quando possível, busco
indicações específicas ao trabalho com a linguagem teatral. Enfatizo a Lei
de Diretrizes e Bases de 1996, na qual esse segmento é regulamentado
como primeira etapa da Educação Básica e a Arte é indicada como
disciplina obrigatória em todas as esferas da Educação e que, portanto,
deveria estar presente na Educação Infantil, ainda que não seja esse o
quadro atual.
2 Até o ano de 2013 a Educação Infantil atendia crianças de 0 a 06 anos. A Lei 12.796 de abril
de 2013, alterou a idade limite dessa etapa da Educação Básica para 05 anos. Como os experimentos apresentados nesta tese foram realizados naquele ano, as crianças de 06 anos
compunham os grupos como os quais trabalhei.
30
Ainda nesse capítulo apresento os direcionamentos pedagógicos
para a Educação Infantil de Florianópolis, que, desde os primeiros
documentos, tem enfatizado o trabalho com as linguagens artísticas como
espaço de interação e construção de conhecimentos. Busco refletir e
problematizar as indicações ao trabalho com a linguagem teatral e a sua
relação com o contexto do Ensino de Arte no país. Sigo apresentando a
Trupe da Alegria, grupo teatral formado exclusivamente por profissionais
da Educação Infantil de Florianópolis, constituída a partir de minha
pesquisa de mestrado, a qual vem atuando na formação de professores e
na criação de espetáculos para crianças desse segmento de ensino.
Como espaço de formação e troca, a Trupe contribuiu com a
elaboração dos questionamentos que direcionam esta tese e, em parceira
com alguns de seus profissionais, realizei os experimentos teatrais que
são objetos deste estudo, uma vez que esses profissionais possuíam
conhecimentos prévios sobre o ensino do teatro, discutidos e
experimentados nos encontros do grupo.
Para finalizar o primeiro capítulo, apresento os autores que são
citados com maior frequência em trabalhos voltados a propostas de ensino
da linguagem teatral na Educação Infantil, são eles: Peter Slade (1978),
Viola Spolin (1979), Ingrid Koudela (1982), Vera Bertoni dos Santos
(2004), Ricardo Japiassu (2007), Luíz Fernando de Souza (2008) e
Marina Marcondes Machado (2010). Ainda que alguns desses autores não
tenham tratado especificamente da faixa etária que compreende essa
etapa da Educação enquanto outros indicam possíveis encaminhamentos,
o Drama não aparece como proposta metodológica em nenhum dos
trabalhos analisados.
No segundo capítulo, introduzo o Drama, um fazer pedagógico-
teatral desenvolvido a partir dos trabalhos da professora e atriz inglesa
Dorothy Heathcote e difundido no Brasil por Beatriz Cabral.
Contextualizo sua origem e a maneira como foi apropriado no contexto
brasileiro. Para tanto, utilizo-me dos escritos de autores anglo-saxões
sobre o tema, Gavin Bolton (1995, 1984, 1971), Cecily O’Neill
(1995,1984), John O’Toole (1992), Jonathan Neelands e Tony Goode
(2000), Pamela Bowell e Brian Heap (2013). Para tratar do contexto
brasileiro, fundamento-me nas obras de Beatriz Cabral (2011, 2010, 2009
e 2006), Flávio Desgranges (2006) e Heloise Vidor (2010).
Sigo, ainda no segundo capítulo, discutindo as proximidades do
Drama com as propostas pedagógicas voltadas à Educação Infantil
sobretudo no que diz respeito ao diálogo com outras áreas do
conhecimento e à proposição de um processo dramático que se apropria
31
da capacidade da criança de aprender por meio da criação de situações
ficcionais, da imitação e vivência de papéis.
Apresento, na sequência, a partir dos olhares dos autores
supracitados, as principais convenções do Drama e, na sequência,
conceituo, descrevo e justifico as estratégias selecionadas para a
utilização nos processos desenvolvidos com as crianças de 02 a 06 anos.
Cabe ressaltar que tais estratégias foram escolhidas tendo em vista as
especificidades do desenvolvimento físico e psíquico das crianças. Ao
longo do desenvolvimento dos processos de Drama percebíamos os
modos de elaboração de conhecimentos e a maneira como as crianças de
cada faixa etária respondiam às proposições e, a partir dessas
informações, experimentávamos novas estratégias.
O terceiro capítulo trata dos 09 processos de Drama
desenvolvidos em parceria com 12 profissionais da Educação Infantil que
participam da Trupe da Alegria. Esses experimentos foram divididos em
três grupos de acordo com as seguintes faixas etárias: 03 processos com
crianças de 02 a 03 anos, 03 processos com crianças de 04 a 05 anos e 03
processos com crianças de 05 a 06 anos.
Para abertura de cada bloco etário é apresentada a estrutura de
um processo de forma detalhada, contendo dados gerais (nome do
condutor, instituição, número de crianças, profissionais envolvidos, nome
do processo), relações do processo com os Núcleos de Ação Pedagógica
indicados nas Orientações Curriculares para a Educação Infantil de
Florianópolis3, apresentação dos contextos real e ficcional, resumo da
proposta, estrutura do processo (descrição dos episódios com objetivos,
comentários dos coordenadores e estratégias utilizadas), imagens do
processo, transcrição de comentários das crianças e avaliação do
condutor, realizada mediante entrevista posterior à finalização do
experimento. O processo detalhado é seguido de mais dois processos com
a mesma faixa etária, desses são apresentados os dados gerais, o resumo
da proposta, os aspectos teatrais trabalhados, as principais estratégias
selecionadas, imagens, descrição das observações e avaliação do
condutor.
Finalizo o estudo, no capítulo quarto, refletindo sobre as
propostas experimentadas. A partir da perspectiva histórico cultural de
Vygotsky (2009, 2007, 1996, 1995), Elkonin (1987) e Leontiev (2001),
busco reafirmar a proximidade que percebo entre a proposta
metodológica do Drama e as diretrizes pedagógicas voltadas à Educação
Infantil que se embasam nos estudos desse autor. Reflito sobre as relações
3 Os Núcleos de Ação Pedagógica (NAPs) serão apresentados no primeiro capítulo.
32
entre as ideias de contexto como ponto de partida, das interações como
espaço de construção coletiva de conhecimento, do papel de mediação do
professor, da brincadeira dramática como espaço de aprendizagem que
pode criar zonas de desenvolvimento próximo. Defendo o quanto esses
conceitos assemelham-se nas teorias do Drama e na psicologia histórico-
cultural e que, portanto, uma aproximação é possível.
Realizo uma análise dos processos de Drama realizados,
mantendo a divisão por bloco etário, dialogando com os escritos dos
autores supracitados sobre a periodização do desenvolvimento infantil.
Ainda que tais autores não tenham se dedicado à criação de uma teoria
padronizadora do desenvolvimento infantil – o que seria contraditório aos
fundamentos sócio históricos de suas pesquisas – Vygotsky tratou das
especificidades da relação da criança com seu entorno nas diferentes fases
de seu desenvolvimento, o que ele chamou de “situação social de
desenvolvimento” (1996, p. 264) e seus colaboradores refinaram a ideia
ao discutirem a existência de “atividades principais”, em diferentes
períodos etários, que organizariam a interação da criança com o mundo.
Ao perceber quais atividades direcionam a ação da criança ao
longo do seu desenvolvimento, foi possível conceber diferentes
estratégias do Drama que contribuíssem com o processo de construção e
assimilação de aspectos da linguagem teatral em cada faixa etária,
estruturando, dessa forma, diferentes procedimentos pedagógicos e
artísticos, os quais são apresentados e discutidos. Para um diálogo mais
efetivo com a abordagem metodológica defendida busquei referências no
trabalho de Debbie Chalmers (2010), professora inglesa de Drama que
trabalha com crianças de 03 a 05 anos.
Por fim, realizo uma avaliação das experiências construídas
mediante entrevistas realizadas com os profissionais que conduziram os
processos de Drama. Analiso o grau de percepção deles acerca do
trabalho que realizaram, se houve alguma mudança de pensamento acerca
do modo de trabalhar a linguagem teatral com suas crianças, quais
elementos teatrais percebem ter explorado e o que concluem sobre a
possibilidade de inserção do Drama como um encaminhamento
metodológico possível de ser apropriado pela Educação Infantil. Alio as
respostas dos professores ao entendimento de Vygotsky sobre o conceito
de experiência, como forma de promover uma interlocução entre a prática
e a teoria.
Cabe ressaltar que a investigação de um método para o
embasamento de propostas de trabalho com a linguagem teatral na
Educação Infantil tem o intuito de servir como referencial que suscite
reflexões, experimentações e experiências acerca do desenvolvimento
33
das linguagens artísticas com crianças dessa etapa de ensino. Não
objetivo constituir um receituário rígido e acabado, postura que seria
contraditória aos pressupostos da historicidade e dialeticidade presentes
na teoria histórico cultural com a qual dialogo e no próprio método do
Drama do qual me aproprio. As experiências que serão apresentadas e as
reflexões suscitadas a partir dessas, foram tecidas com base em um
contexto histórico, social e cultural determinado, ainda que possam ser
tomadas como referência para novas investigações e práticas com a
linguagem teatral na Educação Infantil.
O Drama torna possível o encontro entre o sentir, o pensar e o
conhecer. Como apontam Bowell e Heap: “o Drama oferece
oportunidades de investigação e reflexão, de celebração e desafio. É um
meio potente de colaboração e comunicação que pode alterar as formas
como as pessoas se sentem, pensam e se comportam” (2013, p. 03,
tradução nossa), é nessa crença que me pauto ao trabalhar com esse
método com as crianças em foco nesta pesquisa.
Sou consciente do desafio e do risco propor um método para
inserção do teatro na Educação Infantil, uma vez que não há grande
discussão acumulada sobre o assunto. Parti de algumas referências
inglesas, sobretudo Chalmers (2010) e Farmer (2011) que
experimentaram o Drama com crianças mais novas, de minhas
experiências com a formação de professores, nas quais sempre busquei
maneiras diferenciadas de lidar com a linguagem teatral para o público
infantil, assim como da experiência dos 24 profissionais da Educação
Infantil que participam atualmente da Trupe da Alegria e que propõem
questões a serem investigadas.
Acredito que justamente pela carência de bibliografias que
abordem esse assunto, o presente estudo tenha relevância tanto para a área
da Pedagogia quanto do Teatro. Penso que esta tese poderá auxiliar os
profissionais preocupados com a manutenção do espaço lúdico e criativo
que a criança apresenta nos primeiros anos de vida e que costuma perder
por conta da estrutura rígida a qual são submetidas na escola tradicional.
Busco, ao menos em um microcosmo pertencente à imensidão da
rede de educação brasileira, redimensionar esse fazer teatral, levando em
consideração especificidades da infância como a imaginação latente, o
faz de conta, a necessidade de experimentação, a vivência de papéis,
apropriando-me assim das questões defendidas pela Educação Infantil
como a não escolarização, a não fragmentação do conhecimento, a
compreensão da criança como ser global dotado de múltiplas linguagens.
Observo as palavras de Rego, como um horizonte possível de ser
alcançado:
34
A escola desempenhará bem seu papel, na medida
em que, partindo daquilo que a criança já sabe (o
conhecimento que ela traz de seu cotidiano, suas
ideias a respeito dos objetos, fatos e fenômenos,
suas “teorias” acerca do que observa no mundo),
ela for capaz de ampliar e desafiar a construção de
novos conhecimentos, na linguagem vygotskiana,
incidir na zona de desenvolvimento potencial dos
educandos. Desta forma poderá estimular
processos internos que acabarão por se efetivar,
passando a construir a base que possibilitará novas
aprendizagens (REGO, 2013, p. 108).
Por acreditar na necessidade da presença do teatro na Educação
Infantil como uma linguagem a ser construída a partir de experiências
dramáticas orientadas pelo professor, estruturadas através de um processo
de investigação, que acredito no potencial do Drama como uma referência
teórico-prática que poderá guiar novas descobertas acerca do fazer teatral
com crianças, assim como guiou as minhas, que serão apresentadas nas
páginas que seguem.
35
2 EDUCAÇÃO INFANTIL E LINGUAGEM TEATRAL:
CONTEXTO DA PESQUISA
Como pensar possibilidades de trabalho com a linguagem teatral
na Educação Infantil sem antes compreender como os profissionais que
estruturam essa etapa do ensino básico tem discutido a arte e,
especificamente, o teatro dentro de suas propostas pedagógicas? Esse foi
o questionamento que me moveu a escrever este primeiro capítulo, no
qual disserto sobre o desenvolvimento da Educação Infantil no Brasil,
incluindo o viés histórico, mas não me atendo de forma central a ele.
Interessa-me, pois, problematizar a maneira pela qual o trabalho com as
linguagens artísticas foi e tem sido pontuada nas propostas pedagógicas
voltadas a esse segmento de ensino em nosso país.
Dado que o objetivo deste trabalho é discutir e defender a
apropriação do Drama como um modo possível de abordagem da
linguagem teatral no contexto da Educação Infantil, senti necessidade de
aproximar a pesquisa desse contexto e de aproximar também os
interessados em relacionar as áreas do Teatro e da Pedagogia e que, por
ventura, venham a utilizar esta tese como fonte de pesquisa.
Por desconhecer trabalhos na área da Pedagogia do Teatro que
propuseram analisar os documentos oficiais direcionados à Educação
Infantil, pontuando aspectos relacionados ao modo como esse segmento
de ensino discute a questão teatral nas suas diretrizes, utilizarei teóricos
da Educação, sempre que necessário, para tecer argumentos ou explicar
as relações que traço entre minha análise, a história da educação e as
correntes filosóficas que embasaram as propostas voltas à Educação
Infantil.
Parto dos principais documentos nacionais direcionados à
estruturação do trabalho pedagógico a ser realizado nas creches e pré-
escolas, lançando um olhar mais atento ao tratamento dado às linguagens
artísticas, e, quando possível, à linguagem teatral. Após esse
levantamento bibliográfico e os apontamentos críticos feitos a esses
materiais, sigo analisando os modos como a Educação Infantil, ao longo
de sua história no município de Florianópolis, tem indicado (ou não) o
trabalho com a arte e, dentro dessa, com o teatro.
Sigo destacando o trabalho artístico e de formação que
desenvolvo junto a um grupo de profissionais da Educação Infantil do
município de Florianópolis, a Trupe da Alegria, com o qual realizei os
processos que servem como objeto de análise da presente pesquisa e com
a qual tenho pensado e experimentado maneiras de inserir, de forma
36
profícua, a linguagem teatral na Educação Infantil a partir da apropriação
do método do Drama, o qual será apresentado no capítulo seguinte.
Para finalizar o capítulo apresento os principais trabalhos na área
da Pedagogia do Teatro que discutem a linguagem teatral na Educação
Infantil ou que tem sido frequentemente associados à ela. Os trabalhos
destacados são dos autores: Peter Slade (1978), Viola Spolin (1979),
Ingrid Koudela (1982), Vera Lúcia Bertoni dos Santos (2004), Ricardo
Japiassu (2007), Luiz Fernando de Souza (2008) e Marina Marcondes
Machado (2010).
2.1 DIRECIONAMENTOS PEDAGÓGICOS PARA O ENSINO DE
ARTES NA EDUCAÇÃO INFANTIL
[...] o que caracteriza o trabalho pedagógico é a experiência com o
conhecimento científico e com a literatura, a música, a dança, o teatro, o
cinema, a produção artística, histórica e cultural que se encontra nos museus, a
arte. Esta visão do que é pedagógico ajuda a pensar um projeto que não se
configura como escolar, feito apenas de e na sala de aula. O campo pedagógico
é interdisciplinar, inclui as dimensões ética e estética. A educação – uma
prática social – se constitui como outra forma de conhecimento científico,
incluindo a arte.
(Sônia Kramer).
A contextualização da origem e fundamentos da Educação
Infantil no Brasil permite compreender suas propostas pedagógicas e os
argumentos e práticas que as justificam. Oliveira [et. al.] (2011) retrata
que a construção de uma proposta pedagógica implica em optar por uma
organização que delimite certos objetivos, julgados mais valiosos do que
outros. Ao pontuar o modo como a Arte é apresentada ou indicada nas
propostas, pretendo problematizar como a contribuição das linguagens
artísticas ao desenvolvimento infantil foi e é percebido por aqueles que
“delimitam” os rumos desse segmento de ensino.
Devido a sua importância no processo de constituição do sujeito
e no desenvolvimento das potencialidades da criança, a Educação Infantil,
dividida nas modalidades creche (para crianças de 0 a 03 anos) e pré-
escolas (para crianças de 04 a 05 anos) tem adquirido reconhecida
importância como etapa inicial da Educação Básica, no Brasil.
37
Com a Carta Constitucional de 1988 o direito à Educação
Infantil foi então efetivamente reconhecido. Na citada Constituição, em
seu artigo 208, o inciso IV retrata que: “[...] O dever do Estado para com
a educação será efetivado mediante a garantia de oferta de creches e pré-
escolas às crianças de zero a seis anos de idade” (BRASIL, 1988). A partir
da reformulação da carta magna, as creches passam a ser reconhecidas
como instituições educativas e a criança de 0 a 06 anos como sujeito de
direitos. A Constituição incorporou a si algo que estava presente no
movimento da sociedade e advinha do esclarecimento e da importância
que se atribuía à Educação Infantil. Com a garantia por lei, os programas
de educação pré-escolar passaram a ser de competência dos municípios,
devendo por eles ser mantidos com a cooperação técnica e financeira da
União e do Estado.
Dois anos após a Carta Constitucional ter sido aprovada, o
Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069/90 – entra em vigência
e são estabelecidos como deveres para com a criança, de acordo com o
artigo 4º da citada lei:
É dever da família, da comunidade, da sociedade
em geral e do poder público assegurar, com
absoluta prioridade, a efetivação dos direitos
referentes à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização,
à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária. (BRASIL,
2009, p. 23).
E, ratificando a Constituição Federal de 1988, o Estatuto da
Criança e do Adolescente discorre em seu art. 54, inciso IV, que é dever
do Estado assegurar à criança: “[...] atendimento em creche e pré-escola
às crianças de zero a seis anos de idade;” (BRASIL, 2009, p. 31), ainda
que não de forma obrigatória, como o é para o Ensino Fundamental. Esse
fato representou um avanço significativo em direção à superação das
discursos e ações assistencialistas que envolviam as instituições e uma
garantia, ao menos no plano das intenções políticas, da vinculação de uma
função educativa às ações de cuidado, complementando o papel educativo
das famílias. Sabemos que o Brasil é um país pródigo em leis e não em
sua aplicabilidade. A garantia legal à Educação Infantil abre precedentes
para a sociedade cobrar seus direitos.
Depois de instituída e tornada um dever do Estado, um direito da
criança e uma opção da família, a Educação Infantil necessitou de
38
alicerces pedagógicos que impulsionassem suas práticas. A partir do ano
de 1990 foram produzidos diversos documentos que buscaram embasar o
fazer pedagógico, alicerçando-o em pesquisas científicas, teorias
desenvolvimentistas, discursos acadêmicos e práticas consideradas como
referência. Nos documentos que serão apresentados a seguir, busco
problematizar como os direcionamentos curriculares tratavam (e ainda
tratam) as propostas relativas ao trabalho com a Arte, e, sobretudo com a
linguagem teatral na Educação Infantil.
2.1.1 Primeiros Documentos
As manifestações artísticas e os procedimentos pedagógicos que
buscam subsidiar o trabalho com as artes visuais, a música, a dança, o
teatro, as brincadeiras e jogos, as artes circenses e demais temas
relacionados à Arte, aparecem, inicialmente, nos programas e propostas
formais de Educação da Infância não como formas de fortalecer e
expandir a expressão e a cultura das crianças, “[...] mas como mais um
instrumento de adequação a hábitos e comportamentos considerados
necessários à educação das crianças.” (LOPES; MENDES; FARIA, 2006,
p. 14) ou como livre expressão, sem a necessidade de uma orientação
pedagógica por parte dos professores.
Em 1990 o MEC, em parceria com a Fundação Roberto Marinho,
lançou um projeto de Educação por multimeios para a capacitação de
professores da pré-escola (que trabalhavam com crianças entre 03 e 06
anos), produzido sob a coordenação das professoras Monique
Deheinzelin e Zélia Cavalcanti Lima. O projeto incluía dois volumes
impressos intitulados Professor da Pré-Escola e 20 programas de TV com
o título Menino, quem foi teu mestre?. Cada capítulo do livro correspondia
a um programa sobre o mesmo tema. Ao analisar os documentos constatei
que esses apresentam uma abordagem bastante ampla e pouco estruturada
de um currículo para a pré-escola em diversos eixos de conhecimento.
O volume I trouxe dois textos referentes à área artística: “Artes”
e “Expressão Artística na Pré-escola”. No texto “Artes” é apresentada
uma discussão sobre as etapas de desenvolvimento da capacidade
representativa por meio do desenho sob o prisma construtivista4 (fase das
4 A epistemologia genética de Piaget ou epistemologia construtivista, como a tem caracterizado
Garcia (2002), é uma epistemologia que foi constituída ao longo das investigações realizadas por Piaget e sua equipe no século XX. Piaget retrata que o conhecimento é elaborado “[...] sem pré-
formação exógena (empirismo) ou endógena (inatismo), por contínuas ultrapassagens das
39
garatujas, fase pré-esquemática, fase esquemática), e, portanto, somente
as Artes Visuais são discutidas como linguagem artística na Educação
Infantil. A Arte é colocada no patamar, citado por Lopes [et. al.] (2006),
de “instrumento” a serviço da ampliação da “capacidade” de
simbolização, importante ao desenvolvimento de outras funções mais
complexas, como a linguagem oral e escrita, por exemplo, e não como
desenvolvimento da linguagem artística em si.
O texto “Expressão artística na pré-escola” inicia com a
afirmação de que a atividade artística na pré-escola pode ser realizada a
partir de outras atividades além do desenho, colagem, modelagem, cita,
como exemplo, a realização de propostas a partir das linguagens musical,
teatral, da dança e literatura. Ao longo do texto, entretanto, os “exemplos”
elencados, trabalham exclusivamente com materiais das artes visuais.
Veem-se as primeiras contradições, a distância entre teoria e prática, a
deficiência no que diz respeito às outras linguagens indicadas.
Contradições e deficiências próprias àquele período, no qual a arte visual
era a linguagem artística com mais referências teóricas e metodológicas.
O volume II da obra do MEC traz um texto intitulado “Música e
Dança”, o qual apresenta um relato da origem dessas duas linguagens
como forma de expressão artística e manifestação cultural, relacionando-
as entre si, sem tecer paralelos com a origem do teatro. Em outro texto:
“A Escola, as crianças e as histórias”, o jogo dramático é citado como
decorrente das contações de histórias, retratando que após ouvir histórias
as crianças poderão inserir os personagens nas suas brincadeiras de forma
espontânea. O conteúdo dramático como componente inicial da
linguagem teatral não é enfocado, nem mesmo são dadas orientações de
que o professor pode ampliar esses jogos, oferecendo estímulos às
crianças, discutindo com elas os possíveis temas que emerjam de suas
brincadeiras, potencializando a vivência de papéis, entre outros
encaminhamentos possíveis.
Esse primeiro material, enviado para as creches para subsidiar os
trabalhos pedagógicos a serem desenvolvidos, não incluía propostas de
trabalho com a linguagem teatral, representando, uma lacuna no que diz
respeito a discussões e encaminhamentos metodológicos para o ensino do
teatro na Educação Infantil, ainda que, nesse período as obras de autores
elaborações sucessivas” (1998, p. 11). No entendimento epistemológico piagetiano a construção de conhecimentos é um processo contínuo; ele não se encontra pronto e acabado, nem no meio
exterior nem, no sujeito do conhecimento. Há uma elaboração, que se utiliza de elementos
endógenos (internos) e exógenos (externos) do sujeito, dessa maneira, o conhecimento se dá na relação entre eles. O processo de desenvolvimento infantil foi dividido por Piaget em estágios,
os quais seguem uma linearidade progressiva.
40
como Olga Reverbel, Peter Slade, Viola Spolin, Ingrid Koudela, Sandra
Chacra, Joana Lopes, circulassem no meio educacional e elucidassem
aspectos relativos ao ensino do teatro e poderiam ter sido apropriadas na
elaboração dos documentos supracitados.
2.1.2 Uma Política Nacional para a Educação Infantil
Entre os anos de 1994 e 1996, o MEC realizou encontros e
seminários pelo país com o objetivo de discutir com gestores municipais
e estaduais de educação questões relativas à definição de políticas para a
Educação Infantil, assim como direcionamentos para a estruturação de
suas propostas pedagógicas. Elaborou-se, então, o documento Política Nacional de Educação Infantil: pelos direitos das crianças de zero a seis
anos à Educação (1994), no qual foram definidos os principais objetivos
para a área, a conhecer: a expansão da oferta de vagas para a criança de 0
a 06 anos; o fortalecimento, nas instâncias competentes, das concepções
de educação e cuidado como aspectos indissociáveis das ações dirigidas
às crianças; a promoção da melhoria da qualidade do atendimento em
instituições de Educação Infantil. Esse documento, elaborado mediante
consultoria a educadores eminentes na área como Euclides Redin, Fúlvia
Rosemberg e Vital Didonet, fundamenta-se nos princípios constitucionais
e reitera que a Educação Infantil deve ser oferecida em complementação
à ação da família, cumprindo duas funções indissociáveis: cuidar e
educar.
O documento apontava para os problemas chaves de gestão
educacional, muitos desses ainda presentes em nossa sociedade:
Como tratar uma sociedade em que a unidade se dá
pelo conjunto das diferenças, no qual o caráter
multicultural se acha entrecruzado por uma grave e
histórica estratificação social e econômica? Como
garantir um currículo que respeite as diferenças –
socioeconômicas, de gênero, de faixa etária,
étnicas, culturais e das crianças com necessidades
educacionais especiais – e que,
concomitantemente, respeite direitos inerentes a
todas as crianças brasileiras de 0 a 06 anos,
contribuindo para a superação das desigualdades?
Como contribuir com os sistemas de ensino na
análise, na reformulação e/ou na elaboração de suas
41
propostas pedagógicas sem fornecer modelos
prontos? (BRASIL, 1994a, p. 12)
No que diz respeito a direcionamentos que se relacionam com o
universo artístico na Educação Infantil, o documento supracitado indica
de forma bastante ampla os seguintes objetivos para as propostas
pedagógicas nessa área:
[...] fortalecer parcerias para assegurar, nas
instituições competentes, o atendimento integral à
criança, considerando seus aspectos físico, afetivo,
cognitivo/linguístico, sociocultural, bem como as
dimensões lúdica, artística e imaginária (BRASIL,
1994a, p. 20).
É perceptível nesse documento norteador a ampliação da função
de “cuidar”, historicamente associada a essa etapa do ensino. O
documento aponta uma visão de educação que, no aspecto teórico, lança
um olhar à ludicidade presente no desenvolvimento infantil. Ainda que a
prática se modifique principalmente com experiências concretas e não
apenas com indicações escritas, pode-se perceber o início de uma busca
pela criação de uma identidade para a Educação Infantil.
O MEC também percebeu esta necessidade formativa e lançou o
documento Por uma política de formação do profissional de Educação
Infantil (1994), no qual se discute a necessidade e a importância de um
profissional qualificado e um nível mínimo de escolaridade para atuar em
creches e pré-escolas como condição para a melhoria da qualidade da
educação.
Em um trecho que me chamou a atenção nesse documento e que
dialoga com o que acredito acerca do trabalho pedagógico na Educação
Infantil (e nos demais segmentos da educação), a professora Maria Malta
Campos, responsável pelo documento, afirma que os profissionais deste
nível de ensino,
[...] necessitam de um novo tipo de formação,
baseada numa concepção integrada de
desenvolvimento e educação infantil, que não
hierarquize atividades de cuidado e educação e não
as segmente em espaços, horários e responsa-
bilidades profissionais diferentes (BRASIL, 1994b,
p. 37).
42
Faço-me, entretanto, a seguinte pergunta: é possível levar o
futuro profissional a compreender que a criança pequena aprende de
modo integrado, quando, no seu curso de formação, os conteúdos se
apresentam de maneira fragmentada e em disciplinas que não dialogam
entre si? E mais, como exigir do profissional da Pedagogia que dialogue
com os diversos campos como teatro, música, artes visuais, literatura,
relações étnico-culturais, relações com a natureza, entre outros, criando
propostas pedagógicas integradas, se sua prática com tais disciplinas, em
geral, é insipiente, carente de referências teóricas e práticas? Ainda que
discussões sobre a transdisciplinaridade estejam presentes nos processos
formativos, pouco se tem feito para a efetiva integração dos
conhecimentos no processo de formação de professores e na prática
pedagógica nas escolas.
A formação de professores é reconhecidamente um dos fatores
mais importantes para a promoção de padrões de qualidade na educação,
qualquer que seja o grau ou modalidade. Portanto, faz-se necessária uma
formação inicial sólida e constante atualização em serviço, em diálogo
com o contexto sociocultural existente fora dos muros da escola e da
faculdade.
Quanto à formação continuada desses profissionais, penso que
ela não deveria se caracterizar como algo eventual, como um instrumento
usado para suprir deficiências teóricas e práticas de uma formação
acadêmica mal realizada, ao contrário, acredito que a formação
continuada é necessária para alimentar a prática num diálogo concreto
com as dificuldades e novidades da vida corrente, do cotidiano da creche.
Outro documento importante lançado pelo MEC foi: Critérios
para um atendimento em creches que respeite os direitos fundamentais das crianças (1995a), que discute a organização e o funcionamento
interno dessas instituições. No que diz respeito à linguagem artística, as
autoras Maria Malta Campos e Fúlvia Rosemberg apontam que: “Nossas
crianças têm direito a desenvolver sua curiosidade, imaginação e
capacidade de expressão” (BRASIL, 1995, p. 21); abaixo do citado,
algumas prerrogativas, bastante questionáveis e que demonstram a
maneira equivocada e superficial como a arte era pensada pelas autoras
de tais propostas:
[...] Nossas crianças têm oportunidade de
desenvolver brincadeiras e jogos simbólicos;
nossas crianças têm oportunidade de ouvir músicas
e de assistir teatro de fantoches; nossas crianças são
incentivadas a se expressar através de desenhos,
43
pinturas, colagens e modelagem em argila; nossas
crianças têm direito de ouvir e contar histórias;
nossas crianças têm direito de cantar e dançar [...]
(BRASIL, 1995, p. 21).
Porque o teatro de “fantoches” é o indicado para a Educação
Infantil? Elas devem somente assistir ao teatro, não podem experimentá-
lo? Só ouvem a música, não a produzem? Direito a canta e dançar de que
maneira? A partir de quais materiais, referências ou propostas? Qual a
intencionalidade do professor ao realizar essas propostas? Ainda que se
possa pensar que essas práticas foram superadas, em formações
continuadas que realizo percebo o quanto o teatro de “fantoches”5 em
geral é a única referência teatral associada à Educação Infantil e quanto
os professores ainda vão às formações em teatro ansiosos por aprenderem
novos modelos de construção de bonecos. Sei da empatia que as crianças
possuem com os bonecos, mas enfatizar apenas essa linguagem teatral me
parece mais uma demonstração da distância existente entre as áreas da
Pedagogia e do Teatro.
Ainda que se trate de um documento lançado no ano de 1995, seu
relançamento, em 2009, manteve as mesmas concepções e
direcionamentos acima apresentados, desconsiderando as discussões e
experiências mais recentes de trabalho com as linguagens artísticas na
Educação Infantil.
Para finalizar o ciclo de documentos lançados pelo MEC nesse período,
tem-se: Educação infantil: bibliografia anotada (1995b), ao qual não tive
acesso, e Propostas pedagógicas e currículo em educação infantil (1996a). Esse documento foi importante no sentido de indicar
possibilidades de organização do trabalho dos professores no interior das
instituições. As concepções apresentadas no documento expressam visões
mais amplas do que as antigas conceituações de currículo como sequência
de matérias ou conjunto de experiências de aprendizagem oferecidas pela
escola. Trata-o como eixos norteadores de propostas que possam traçar
5 O Teatro de Formas Animadas compreende as mais diversas manifestações de trabalhos teatrais
com objetos (bonecos, máscaras, sombras). Assim como o Teatro de Bonecos compreende
inúmeras técnicas de manipulação (bonecos de luva, de vara, manipulação à vista, entre outras).
A prática do Teatro de Fantoches (modalidade de boneco de luva), no âmbito da escola, em geral, remete a um trabalho mal acabado, desenvolvido por pessoas com pouca experiência prática,
realizado a partir do uso de bonecos aleatoriamente escolhidos. Penso caber aos profissionais
que trabalham com essa linguagem refletirem sobre a devida apropriação dessa no seu trabalho pedagógico, buscando ampliar suas referências e desenvolver um trabalho que pondere as
dimensões artísticas e estéticas, não utilizando-a somente como recurso didático.
44
relações entre o entorno cultural e social das crianças em diálogo com os
conhecimentos de áreas específicas, como as linguagens artísticas.
2.1.3 Lei de Diretrizes e Bases de 1996
Por intermédio da Lei de Diretrizes e Bases (LDB)6 9.394/96, o
ensino de Arte, como disciplina curricular obrigatória, substituiu a
Educação Artística – instituída pela LDB 5.692/71. A nova LDB, ainda
em vigor no Brasil, tornava obrigatório o ensino da Arte em todas as
esferas da Educação Básica (Infantil, Fundamental e Médio), diferente da
LDB de 1971 que obrigava o ensino da Educação Artística apenas para
os níveis Fundamental e Médio (nessa lei denominados, respectivamente,
1º e 2º graus).
Lançando um olhar para esse momento de institucionalização da
Arte na Educação Infantil, entende-se, por que nos anos de 1990 as
propostas artístico-pedagógicas voltadas à Educação Infantil eram
carentes de aprofundamento teórico e metodológico (e algumas ainda o
são), assim como de práticas consistentes que fugissem do senso comum
e intuitivo das pinturas livres, da livre expressão, do faz de conta
espontâneo, das músicas apenas como delimitações da rotina (hora de
comer, hora de dormir, etc.). A obrigatoriedade do ensino de Arte nessa
etapa da Educação Básica, teoricamente, abriria um novo campo de
trabalho e pesquisa até então pouco explorado e faria com que
profissionais da Pedagogia lançassem novos olhares sobre as
especificidades do trabalho artístico com crianças mais novas.
Ainda que a LDB tenha institucionalizado à inserção do ensino
da Arte em todas as esferas da Educação Básica e esta mesma Lei
regulamentou a Educação Infantil como a primeira esfera do ensino,
inexiste, ainda hoje, o profissional específico das linguagens artísticas no
quadro docente desse segmento de ensino. Uma vez que esse profissional
não se encontra presente, acredito que as discussões e pesquisas acerca da
Arte na Educação Infantil tornam-se menos frequentes, justamente por
não se configurar como um campo de trabalho para os professores de
Artes.
No que diz respeito à Educação Infantil, a LDB de 1996 define
que o seu objetivo é promover o desenvolvimento integral da criança até
seis anos de idade. Segundo os seguintes termos da Lei:
6 Utilizarei a sigla LDB sempre que me referir à Lei de Diretrizes e Bases da Educação.
45
Art. 29. A educação infantil, primeira etapa da
educação básica, tem como finalidade o
desenvolvimento integral da criança até seis anos
de idade, em seus aspectos físico, psicológico,
intelectual e social, complementando a ação da
família e da comunidade. (BRASIL, 1996b).
Essa nova dimensão da Educação Infantil como primeira etapa
da Educação, faz com que sejam elaborados documentos direcionadores,
bem como se ampliem as discussões acerca da fundamentação e
estruturação de suas propostas pedagógicas, além de incentivar a
valorização do papel do profissional que atua com a criança de 0 a 06
anos, com exigência de um patamar de habilitação derivado das
responsabilidades sociais e educativas que se espera dele.
A promulgação da LDB de 1996 exigiu que regulamentações, em
âmbito nacional, estadual e municipal fossem estabelecidas e cumpridas.
Passou a incumbir às instituições de Educação Infantil, por exemplo, de
elaborarem suas próprias propostas pedagógicas com a participação
efetiva dos professores. Quem mais estaria em diálogo direto com as
crianças do que seus professores?
A Lei reconheceu também que a ação pedagógica dos
professores, desenvolvida no cotidiano das instituições de Educação
Infantil, deve levar em consideração as famílias e as crianças e que,
portanto, caberia uma articulação entre todos na construção de propostas
que respondessem, também, aos anseios e necessidades dos meios sociais
e culturais específicos, condizente com a adesão à corrente histórico-
cultural como embasamento filosófico.
2.1.4 Referencial Curricular Nacional
Em 1998, foi lançado o Referencial Curricular Nacional para a
Educação Infantil (RCNEI) – de caráter não obrigatório, mas indicativo
de ações e propostas que pudessem estruturar a prática pedagógica, além
de contribuir para a qualificação das atividades realizadas no interior das
instituições de Educação Infantil.
O RCNEI, documento dividido em três volumes, apresentou
como objetivos principais a formação pessoal e social da criança e o
conhecimento do mundo. O volume 03, relativo ao tópico “conhecimento
46
do mundo” é composto por 06 textos referentes a eixos de trabalho que
orientariam para a construção de diferentes linguagens pelas crianças, são
eles: movimento, música, artes visuais, linguagem oral e escrita, natureza,
sociedade e matemática.
Ao analisar o documento, encontrei a palavra “teatro” citada duas
vezes; a primeira quando o texto traz uma contextualização do movimento
de educação pela arte7 cita o teatro como uma das linguagens artísticas de
tal movimento e a segunda, quando trata das relações das crianças com o
espaço histórico e cultural, exemplifica a visita a teatros como uma
maneira de experiência direta da criança com a arquitetura do teatro,
classificando-o, apenas, como espaço histórico.
A bibliografia indicada ao final do documento não apresenta
nenhuma obra que trate especificamente da relação do faz de conta, da
representação ou dos jogos dramáticos com o ensino, aprendizagem e
experimentação do teatro, ainda que tais conceitos sejam abordados ao
longo do texto. Em contraposição, são várias as obras que tratam do
ensino da música e das possibilidades de relação entre esta e o
desenvolvimento da criança.
O professor de teatro e pesquisador Ricardo Japiassu (2007)
comenta o fato de que os autores do RCNEI, os quais não são nominados
no documento, sinalizaram a importância do faz de conta nos processos
de desenvolvimento do sujeito, mas descartaram a necessidade de se
trabalhar sistematicamente com a linguagem teatral. Segundo Japiassu:
“[...] os autores do RCNEI não parecem considerar o faz- de-conta ou
jogo dramático infantil como modalidade de representação semiótica
sobre a qual se assente a linguagem cênica ou teatral” (2007, p. 17), ainda
que nesse período existissem obras de pesquisadores teatrais como Peter
Slade, Olga Reverbel e Ingrid Koudela, retratando a relação entre a
dramatização infantil e a linguagem teatral.
Ao longo do citado volume, o Referencial traz diversas
indicações ao faz de conta como uma maneira da criança relacionar as
experiências vividas no seu ambiente próximo com as pulsações
interiores e a imaginação em fase de desenvolvimento. Em todas as áreas
citadas o Referencial trata o faz de conta como um meio possível de se
7O princípio norteador do movimento era o de educar por meio da arte. O movimento de Arte-
educação ou educação pela arte surgiu na Semana de Arte Moderna de 1922 e, apoiado na ideia de livre expressão, passou a orientar classes de arte em São Paulo. Para validar a Arte-educação
nos pressupostos da Escola Nova valorizou-se seu aspecto instrumental, como uma ferramenta
em benefício do conteúdo da lição. No final dos anos de 1940 foram criadas as escolinhas de arte as quais acabaram difundindo o Movimento Escolinha de Arte, ainda que outras linguagens
artísticas se agregaram à proposta, as artes visuais foram privilegiadas nesse movimento.
47
trabalhar outros conteúdos como a música, as artes visuais, a matemática,
as relações sociais e culturais. Por que não tratou especificamente sobre o
trabalho teatral com as crianças, visto que é uma prática recorrente na
Educação Infantil e realizada de maneira equivocada? Não encontro
resposta cabível para justificar essa ausência, dada a existência de
referências teóricas naquele período, a não ser um domínio injustificado
das áreas de Artes Visuais e Música na formulação das propostas
pedagógicas.
No processo de aquisição da linguagem oral, por exemplo, é
evidente que o teatro pode servir para a ampliação das possibilidades
expressivas da criança. Sabemos que as experimentações dramáticas, a
partir do faz de conta ou de um ambiente cenicamente organizado para a
vivência lúdica, permitem a criança, através da interação com os adultos,
com outras crianças e com os materiais “dramáticos” (texto, música,
canto, história, figurinos, etc.), expressar-se, perceber o outro se
expressando e aprender de forma criativa. Penso que fundamentar o
trabalho com a linguagem teatral, o que não foi realizado pelo RCNEI,
contribuiria para que os profissionais da Educação Infantil percebessem
o teatro para além da questão espetacular, mas como uma linguagem, com
conteúdos próprios, a ser construída com as crianças.
O RCNEI indica, por exemplo:
A leitura de histórias é um momento em que a
criança pode conhecer a forma de viver, pensar,
agir e o universo de valores, costumes e
comportamentos de outras culturas situadas em
outros tempos e lugares que não o seu. [...] histórias
se constituem em rica fonte de informação sobre as
diversas formas culturais de lidar com as emoções
e com as questões éticas, contribuindo na
construção da subjetividade e da sensibilidade das
crianças. (BRASIL, 1998, p.143).
E me pergunto: por que não por meio do teatro? De
dramatizações? De experimentações cênicas? Qual a justificativa para
não se escrever especificamente sobre o teatro? Japiassu (2007) corrobora
com meus questionamentos ao expor que existiam, naquele momento, conhecimentos sistematizados a respeitos de possibilidades educativas
por meio do teatro e que esses não foram associados à linguagem teatral
quando da concepção das propostas pedagógicas.
Ainda que o RCNEI tenha sido comentado por um significativo
número de pareceristas individuais, evidenciando críticas e polêmicas,
48
ressalto que a partir desse documento foi dada maior ênfase ao
desenvolvimento das linguagens artísticas, de forma estruturada e
delineada, ainda que o teatro não tenha sido contemplado em tal
documento.
2.1.5 Diretrizes Curriculares Nacionais
Ao mesmo tempo em que o MEC elaborou o RCNEI, o Conselho
Nacional de Educação definiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil – DCNEI (1999), com caráter mandatório, o qual teve
como objetivo direcionar os encaminhamentos de ordem pedagógica para
essa etapa do ensino aos sistemas municipais e estaduais de educação.
As DCNEI correspondem a Resolução CNE/CEB nº 1, de 07 de
abril de 1999, a qual Institui tais diretrizes, ampliada nos anos posteriores,
chegando a mais recente que é a Resolução nº 5, de 17 de dezembro de
2009, a qual as fixa as diretrizes de 1999. Essa última (de 2009)8 explicita
que as propostas pedagógicas da Educação Infantil devem respeitar os
princípios éticos, políticos e estéticos. No tocante ao universo das Artes,
ainda que essa possua também os vieses ético e político, a mesma é
contemplada explicitamente no princípio estético que trata da “[...]
sensibilidade, da criatividade, da ludicidade e da liberdade de expressão
nas diferentes manifestações artísticas e culturais” (BRASIL, 2010, p.
16), questões amplamente difundidas quanto se trata da área de Artes.
As Diretrizes indicam que para as propostas se articularem dentro
desses princípios é necessária a organização de materiais, espaços e
tempos que assegurem “[...] a indivisibilidade das dimensões expressivo-
motora, afetiva, cognitiva, linguística, ética, estética e sociocultural da
criança” (BRASIL, 2010, p. 19). Neste ponto cabe lançar um olhar mais
apurado. Pensar na “indivisibilidade” das dimensões que permitam a
criança construir conhecimento a partir da experimentação direta é
perceber que todo e qualquer trabalho pauta-se na compreensão de que as
crianças não aprendem de forma fragmentada, isolando-se os
conhecimentos em “disciplinas”.
As DCNEI, em 2009, indicam o teatro como uma linguagem e
ser posta em contato com as crianças na primeira infância. Ainda que não
haja no documento propostas metodológicas para a abordagem desta
8Lançada pelo MEC em formato de livro digital em 2010, a qual utilizo como referência para
este trabalho.
49
linguagem, as áreas artísticas são tratadas de forma igualitária dentro de
um conjunto de formas de expressão capazes de ampliar as
experimentações infantis e seu conhecimento acerca das diferentes
manifestações culturais existentes no Brasil e no mundo.
Compreendo que as indicações são importantes referências para
nortearem o trabalho pedagógico e que, a partir de 2009, então, a
linguagem teatral foi indicada como um conteúdo a ser trabalho na
Educação Infantil. Entendo também que a indicação não é suficiente para
suprir a carência de conhecimentos, sobretudo dos profissionais desse
segmento, para trabalhar com as linguagens artísticas. De um modo geral,
o que se encontra nas práticas realizadas com teatro, principalmente, é a
busca por trabalha-lo a partir da experiência que esse professor possui
como espectador, experiências que em geral são escassas e que colocam
o teatro apenas como produto artístico.
Ao experienciar o teatro como expectadores, eles percebem que,
em grande parte das produções teatrais, existem personagens, falas
“decoradas”, movimentações em cena (“marcações”, talvez), cenário e
outros aparatos técnicos. Logo, quando pensam em realizar alguma
experiência teatral com as crianças pautam-se em suas experiências como
espectadores, sem possuírem a dimensão de que os objetivos do teatro
como objeto artístico e estético são diferentes do teatro posto como um
processo de experimentação ou um fazer pedagógico, o ensino do teatro.
Penso que nos momentos de formação continuada os
profissionais da Educação Infantil possam construir conhecimentos sobre
as áreas específicas, ampliando sua visão sobre as diversas linguagens e
as metodologias de cada área. A formação é um espaço para se pensar e
reestruturar as práticas por meio do diálogo com os profissionais
específicos que se dedicam ao estudo dos procedimentos pedagógicos,
assim como é uma possibilidade para os estudiosos repensarem suas
pesquisas por meio dos relatos da experiência prática dos profissionais
que atuam no dia a dia com a criança.
Realizar práticas significativas com as crianças, pode gerar novas
maneiras de perceber o desenvolvimento humano como um processo
global, no qual os conhecimentos se articulam e se relacionam. E, sem
dúvida, o teatro se coloca como uma linguagem possível na agregação de
diversos conhecimentos, podendo ser um caminho para uma formação
mais integral do ser.
É possível perceber um avanço significativo no processo de
inserção e diálogo com as linguagens artísticas ao longo da estruturação
da Educação Infantil no Brasil. No início a Arte aparece como um
instrumento a serviço da imposição de padrões, depois ela é lançada para
50
o extremo oposto, como um espaço da livre expressão e do
espontaneísmo. Passa a ser apontada de forma ampla, pautada no senso
comum de que os conhecimentos artísticos relacionam-se apenas às
questões lúdica, criativa, sensível, entre outras, deixando de considerar os
conteúdos próprios das linguagens enquanto áreas do saber. Em 1998,
ampliam-se as discussões acerca da necessidade das linguagens artísticas
neste segmento de ensino, até que, com as Diretrizes Nacionais de 1999,
todas as linguagens artísticas são indicadas como áreas de conhecimento
a serem apropriadas pelas propostas pedagógicas para a Educação
Infantil.
A partir das possíveis compreensões que foram apresentadas
acerca do trabalho com as linguagens artísticas na Educação Infantil, e,
sobretudo, da inexpressividade de indicações ou propostas de trabalho
com a linguagem teatral neste segmento de ensino, tratarei de expor, no
subcapítulo seguinte, o modo como a Educação Infantil no município de
Florianópolis, ao longo de sua história, tem dado destaque ao trabalho
com as linguagens artísticas e tem se dedicado, em vários momentos, à
formação de seus profissionais, para a compreensão das especificidades
dessas linguagens. Ressalto que, como a Educação Infantil é de
responsabilidade dos municípios, não há diretrizes estaduais para esse
segmento.
2.2 EDUCAÇÃO INFANTIL EM FLORIANÓPOLIS: PROPOSTAS
CURRICULARES E LINGUAGEM TEATRAL
Conhecer é preciso! Para garantir o que foi conquistado, para combater o que
comprovadamente não deu certo, para avançar no que precisa ser mudado.
Conhecer é preciso! Para que se possa garantir o direito de todas as crianças a
uma educação infantil de qualidade.
(Luciana Esmeralda Ostetto)
A afirmação de Ostetto aponta para a importância de conhecer o
desenvolvimento histórico, estrutural e conceitual da rede de Educação
Infantil. Por esta pesquisa dialogar com a prática que realizo junto a um grupo de professores pertencentes a esse contexto, julguei oportuno
apontar as peculiaridades do ensino infantil em Florianópolis.
Para a compreensão dos motivos pelos quais tenho atuado junto a esta
etapa da educação e proposto este estudo, julguei necessário realizar um
51
levantamento bibliográfico de como o trabalho com o ensino de Artes –
em muitos momentos à margem das propostas curriculares – tem sido
evidenciado nesse município.
O ensino infantil público municipal, em Florianópolis, teve início
em 1976 com a criação do Programa de Educação Pré-Escolar, pelo
Departamento de Educação da Secretaria Municipal de Educação, Saúde
e Assistência Social (SESAS). Um programa de cunho compensatório que
objetivava a implantação de unidades piloto de atendimento para as
populações com baixa renda na cidade, suprindo deficiências alimentares,
afetivas e cognitivas das crianças.
Nesse ano, foi criado o Núcleo de Educação Infantil (NEI) da
Coloninha9, atendendo, inicialmente, turmas de 04 a 06 anos,
funcionando na antiga capela do bairro que estava ociosa, abrigando dois
ambientes de educação pré-escolar. Em 1979, foi construído um prédio
próprio ampliando-se assim o atendimento para crianças menores de 03
anos. Com a ampliação cria-se a modalidade “creche” e tem-se a mudança
de nome de NEI Coloninha para Creche Professora Maria Barreiros10.
Ostetto (2000) retrata que duas são as peculiaridades desta rede
municipal de Educação Infantil desde sua origem. A primeira diz respeito
à vinculação das creches e pré-escolas à Secretaria de Educação e não a
de Assistência Social (como ocorria em muitas regiões do país) e a
segunda, a de que os profissionais contratados para trabalhar nessa
modalidade eram professores desde o projeto inicial (formação essa que
em algumas redes de ensino ainda não é levada em conta, seja pela
ausência de profissionais habilitados ou pela desvalorização que é dada
ao segmento).
As primeiras professoras, relata Ostetto (2000), eram formadas
no curso técnico de 2º grau do Colégio Coração de Jesus (de
Florianópolis) com especialização em materno-infantil. Foram
contratadas novas professores porque não era de interesse da Secretaria
designar professoras que vinham atuando no Ensino Fundamental para
não correr-se o risco de reproduzir a estrutura deste no trabalho com as
crianças.
9 No mesmo ano foi criado também o NEI São João do Rio Vermelho (hoje, NEI São João
Batista), o qual também atendia crianças de 04 a 06 anos. 10 As creches, inicialmente, atendiam crianças de 03 meses a 06 anos funcionando em período
integral – 12 horas por dia; o NEI atendia crianças entre 03 e 06 anos em dois períodos de 04
horas. Hoje está diferenciação faz-se apenas pelos períodos de atendimento, pois creches e NEIs
atendem crianças de 03 meses a 05 anos (faixa etária alterada pela Lei nº 12.796/2013), a primeira em período integral e, o segundo, em dois turnos. Com a nova legislação está-se
repassando as crianças de 06 anos para o Ensino Fundamental.
52
O projeto inicial da SESAS11 tinha, entre seus objetivos:
[...] favorecer o desenvolvimento integral da
criança em seus primeiros anos de vida [...];
preencher as lacunas e deficiências (carências)
provenientes da estrutura familiar; preparar as
crianças para realizar, satisfatoriamente, a
aprendizagem na escola primária [...] (SESAS,
1976, p. 03).
Um fato que chama a atenção no documento de 1976, diz respeito
à “programação das atividades”. Segundo tal documento, a programação
basear-se-ia em vivências e não em aulas a serem ministradas e repetidas.
Percebe-se, desde o início, uma preocupação com as dimensões do
respeito ao tempo das crianças e a ampliação de seus saberes a partir de
vivências e não da “transmissão” de conhecimentos – expressão ainda
corrente em discursos educacionais, mesmo que se saiba que o professor
não “transmite” algo, mas constrói conhecimentos em parceria com os
estudantes, media os processos de ensino/aprendizagem.
Em se tratando das indicações ou propostas curriculares para a
área de Artes – desejoso de que o teatro fosse contemplado – encontrei,
no projeto inicial, 03 tópicos entre os 07 temas indicados: [...] “o prazer
da música”, [...] “o trabalho das artes visuais”, [...] “a fantasia no reino
encantado das histórias” (SESAS, 1976, p. 05-06). Não há um
direcionamento teórico-metodológico nesse momento, são diretrizes
vagas atreladas ao próprio desenvolvimento da Educação Infantil e do
ensino de Artes, ainda incipientes.
Em 1979, foi criado o Departamento de Educação, composto
pelas divisões de Ensino (supervisão, orientação, pré-escolar) e de
Educação Física. Esse departamento elaborou um Plano Municipal de
Educação para os anos entre 1980 e 1983 voltado a aspectos estruturais,
programáticos e de atendimento. No plano não há expressivas referências
à estruturação de propostas pedagógicas, evidencia-se, prioritariamente,
a necessidade de atender a população de “baixa renda”, buscando
compensar as diferenças dessas crianças em relação às que, supostamente,
possuíam maiores oportunidades de aprendizagem e desenvolvimento,
por conta de uma maior renda familiar. Em 1981, tem-se o primeiro currículo organizado pela
Coordenação de Educação Pré-escolar com a colaboração das diretoras e
11 Quando me referir a Secretaria de Educação, Saúde e Assistência Social utilizarei a sigla
SESAS.
53
professoras das unidades existentes até aquele ano. Nesse documento, o
conceito de currículo é definido como “ambiente de ação” (SESAS, 1981,
p. 02), apoiando-se nas vivências espontâneas da criança, ou seja, tudo o
que cerca a criança constitui-se como matéria para o currículo. Dentre os
objetivos deste documento, um deles preocupa-se com o
“Desenvolvimento da capacidade criadora da criança” (SESAS, 1981, p.
03), sem indicação específica a alguma linguagem artística.
Para as crianças de até 03 anos, dentre as indicações de trabalho
apontadas, a “dramatização” é elencada como possibilidade recreativa.
Para os maiores (03 e 06 anos) a indicação era trabalhar a comunicação e
expressão, ampliando o seu convívio social. Neste período [...] “evita-se
o ‘dirigismo’, o que significava que o educador não podia orientar uma
atividade das crianças, que deveriam crescer de acordo com seu ritmo e
potencialidade individual” (SME, 1996, p. 09). Trata-se do período sobre
a influência dos conceitos de “livre-expressão” e espontaneísmo,
advindos com o movimento Escola Nova.
Ainda que não se tenha direcionamentos efetivos, perceber-se
que não são destacadas apenas as questões assistencialistas, mas inicia-se
um trabalho de estruturação da Educação Infantil como um lugar de
aprendizagem, ainda que ela seja pensada, nesse momento, como uma
preparação para o Ensino Fundamental e não como um momento único
no desenvolvimento da criança.
Um fato importante de ser pontuado é de que, também em 1981,
foi criado o curso de Pedagogia, com habilitação em Educação Pré-
escolar, na Universidade Federal de Santa Catarina, fato que veio a
contribuir com a formação de profissionais habilitados ao
desenvolvimento da rede municipal de Ensino Infantil de Florianópolis.
No ano de 1982, são encaminhadas às unidades apostilas
contendo sugestões de atividades a serem desenvolvidas dentro de
algumas datas comemorativas selecionadas, tais como: Carnaval, Dia
nacional da poesia, Páscoa, Dia das mães, Dia do índio, Festas juninas,
Semana do bombeiro, Dia dos pais, Dia do soldado, entre outras que
acabaram impregnando, durante anos, os planejamentos pedagógicos
desse segmento de ensino, sem, muitas vezes, questionar-se o significado
ideológico e cultural da escolha dessas datas.
54
2.2.1 A Divisão de Educação Pré-Escolar
A Lei Municipal 2.350, de 30 de dezembro de 1985, cria a
Secretaria Municipal da Educação (que até o momento era um
Departamento ligada à Secretaria de Saúde e Desenvolvimento Social) e
também a Divisão de Educação Pré-Escolar (DEPE). A nova Secretaria
lança um primeiro plano de ação para o Triênio que compreenderia os
anos de 1986 a 1988. Nesse período, a rede contava com 32 unidades de
Educação Infantil (08 creches e 24 NEIs).
Havia passado 09 anos desde a criação da primeira unidade e
somente neste momento houve uma organização que permitisse ampliar
as discussões acerca das especificidades da área, assim como, houve a
independência da Secretária da Educação de outros órgãos.
Dentre as 05 propostas elencadas no referido plano de ação destaca-se a
de número 04 referente à Educação Infantil “Atendimento ao pré-escolar
(garantia de atendimento público às crianças de 0 a 6 anos)” (SME, 1986,
p. 02). Com essa proposta apresentam-se alguns projetos como:
“Educação Pré-Escolar”, “Atribuições do supervisor multidisciplinar”,
“Formação de profissionais para a pré-escola”, “Aquisição de brinquedos
educacionais”, “Expansão e ampliação da Rede Municipal de Educação
Pré-Escolar”, “Psicologia de Educação Pré-Escolar”.
Em linhas gerais a proposta da DEPE12 era favorecer e incentivar
o desenvolvimento harmônico das potencialidades sócio afetivas, físicas
e intelectuais da criança, oportunizando a manifestação do senso crítico,
criatividade e autonomia para que se realizassem as expectativas próprias
de cada faixa etária. Há, nesse momento, uma filiação à teoria piagetiana
assim como ao Programa de Educação Pré-Escolar do MEC, comentado
no subcapítulo anterior.
No que diz respeito ao MEC, esse tratou de divulgar por todo o
Brasil o novo fenômeno na educação de crianças: a psicomotricidade.
Como representante de tudo que havia de mais atual nas discussões sobre
infância, ela seria uma das grandes soluções para os inúmeros problemas
que levavam ao fracasso educacional e, em sentido mais restrito, ao
fracasso da alfabetização. Para tanto, era preciso “treinar habilidades”:
esquema corporal, percepção temporal, lateralidade, equilíbrio, etc. Esses
conceitos passaram então a compor o discurso pedagógico a partir
daquele momento.
12 Utilizarei a sigla DEPE quando me referir e Divisão de Educação Pré-escolar.
55
Esse discurso acaba sendo apropriado por diferentes
“especialistas” que começam a disputar territórios no interior das
instituições – psicólogos, psicopedagogos, reeducadores e, também,
professores de Educação Física13, cada um desses colocando-se como
mais capacitado para trabalhar a “educação do movimento”.
O “Programa de Educação Pré-Escolar – Primeira Parte”,
lançado pelo DEPE de Florianópolis em 1988, tratava da primeira
sistematização de uma proposta político-pedagógica que viria a orientar a
atuação dos profissionais da rede. Essa proposta dialogava com o
“Programa de Educação Pré-Escolar – PROEPRE”, lançado pelo MEC, o
qual se pautava na teoria construtivista piagetiana. Dos princípios gerais
que norteavam o documento municipal encontra-se:
[...] o desenvolvimento infantil passa por estágios
diferenciados, dependentes entre si, quanto à
sequência de maturação biológica, decorrente da
interação do indivíduo e meio. Pode-se concluir daí
que a construção da inteligência depende da
organização interna do sujeito frente às
estimulações externas, onde as estruturas
cognitivas serão formadas (SME, 1988, p. 03).
Segundo Ostetto, a elaboração do citado programa “[...]
significou um avanço qualitativo para a educação pré-escolar municipal”
(2000, p. 134), principalmente porque defendeu claramente a função
pedagógica da pré-escola, reforçando o papel profissional dos educadores
de creches e NEIs.
Ao analisar essa proposta, percebi a existência de relações com
as linguagens artísticas estabelecidas ao longo de todo o documento,
justificando a necessidade delas na Educação Infantil por potencializarem
a sensibilidade, a ludicidade e a criatividade. Essas justificativas, de certa
forma, compõem os argumentos ainda hoje utilizados quando da proposta
de um projeto que se relacione com as Artes. Em geral os conteúdos
artísticos não são pontuados, assim como os conhecimentos e conceitos
específicos de cada linguagem artística. Como se pode observar na citação
abaixo:
As atividades de expressão artística são aquelas das
quais a criança representa a realidade e expressa
13 A partir de 1987 teve-se em Florianópolis a instituição de concurso público para o cargo de
professor de Educação Física na Educação Infantil.
56
suas emoções, sentimentos, vivências.
Considerando que afetividade e inteligência nunca
estão separadas, essas atividades proporcionam a
aquisição de conhecimento físico porque, ao
realizá-las, a criança manipula materiais com
textura, consistência, cores e formas diferentes [...]
(SME, 1988, p. 13).
O documento de 1988 retrata a imitação como um
comportamento natural e espontâneo da criança que lhe permite
desenvolver a função semiótica, assim como “[...] um meio através do
qual a criança se expressa e interage com os outros” [...] (1988, p. 16). O
texto indica a necessidade de se criar um ambiente propício para que a
criança imite espontaneamente, por meio de jogos e brincadeiras, e,
consequentemente, amplie sua capacidade de representação, sem,
entretanto, indicar a construção de saberes acerca desse processo, por
meio da linguagem teatral, por exemplo.
Após retratar a imitação, o texto aborda o jogo simbólico
equiparado ao “faz de conta” como uma maneira da criança representar a
realidade. Obrigada a adaptar-se constantemente ao mundo social dos
adultos e a um mundo físico que não compreende por completo, a criança,
segundo o documento, vale-se do jogo simbólico para satisfazer suas
necessidades intelectuais e afetivas, adaptando o real ao seu eu,
transformando-o em função de seus próprios interesses: “[...] através do
jogo simbólico a criança se expressa espontaneamente representando
diferentes papéis: papai, mamãe, filhinho, professor” (SME, 1988, p. 17).
O faz de conta como construção dramática não é pontuado.
Ao longo do texto são exemplificadas possibilidades de dramatização
com as crianças e de imitação a partir dos mais diversos estímulos,
atendo-se ao fato do desenvolvimento de aspectos afetivos, sociais,
cognitivos, lógico-matemáticos, simbólicos, perceptivo-motores, sem
associar essas atividades com a noção de “apresentação”, de construção
de um produto artístico.
Ao finalizar minha análise do documento de 1988, encontrei uma
referência que se relaciona com o método que tenho pesquisado junto a
Educação Infantil e que defendo nesta pesquisa. Ao tratar das
dramatizações espontâneas, o documento ressalta:
Essa forma de representação não pode ser
confundida com a dramatização intencional, que
supõe um planejamento prévio, escolha do tema a
ser dramatizado, organização de cenários e
57
materiais [...] todavia, essas dramatizações
constituem procedimentos úteis para o
desenvolvimento da função semiótica em geral
(SME, 1988, p. 17).
Em 1988, havia, portanto, uma observação de que há uma
diferença entre o jogo espontâneo e a atividade direcionada. Havia uma
identificação do desenvolvimento de jogos de faz de conta na rotina das
crianças, mas não apresentavam uma proposta que aproximasse tais jogos
da linguagem teatral e que ampliasse a experimentação espontânea das
crianças ao nível de uma experiência dramática intencional.
Com a nova gestão municipal (entre 1989-1992) pouco se fez em
termos de proposta de trabalho para a Educação Infantil. No documento
Estrutura Administrativa e Pedagógica (1990) orienta-se que a
organização do trabalho pedagógico passe a ser elaborada pela diretora de
cada unidade por meio de reuniões individuais, grupos de estudos,
encontros, seminários e cursos de formação e atualização, devendo
embasar-se no “Programa Menino quem foi teu Mestre”, do MEC, citado
no início deste estudo.
2.2.2 Desdobramentos após a LDB de 1996
Traduzindo em Ações: das diretrizes a uma proposta curricular
foi o nome de dois documentos lançados no ano de 1996, o primeiro
retratando procedimentos e diretrizes para a rede de Educação como um
todo e o segundo tratando especificamente da Educação Infantil. Esse
último foi lançado 08 anos após a elaboração da primeira proposta (de
1988), representando a síntese das diversas ações desencadeadas pelo
Movimento de Reorganização Curricular (MRC)14, dentre elas, a criação
de Grupos de Formação para profissionais de Educação Infantil. Cabe
ressaltar que foi o primeiro documento a fazer referência a dados
históricos do desenvolvimento da rede de Educação Infantil no município
de Florianópolis.
14 O Movimento de Reorientação Curricular (MRC) teve como objetivo fundamental a
participação de todos os profissionais da educação no processo de elaboração de um novo currículo para a Rede Municipal de Educação (escolas, creches e NEIs) apoiado na teoria
histórico-cultural de Vygotsky e suas apropriações pelo campo da Pedagogia. Portanto, o
documento lançado em 1996 é fruto de discussões, desejos e demandas apontadas pelos profissionais que atuavam diretamente com as crianças nas creches e NEIS, organizado,
posteriormente, pela equipe da DEPE – Departamento de Educação Pré-Escolar.
58
No que se refere a essa etapa de ensino, algumas indicações vão
delinear os rumos que a mesma tomaria a partir daquele momento. Dentre
elas, cito algumas que dialogam diretamente com o trabalho com as
linguagens artísticas:
[...] propiciar a presença da brincadeira como
atividade sócio-afetiva-cultural de experimentação
e possibilidade educativa, em todas as Creches e
NEIS [...] Organizar um ambiente saudável, que
possibilite a criatividade, a brincadeira, a
investigação científica, a racionalidade, a
imaginação e a expressão [...] considerando-se que
a IMITAÇÃO é uma forma importante e primeira
de aprendizagem na infância, faz-se importante que
o educador assuma-se como MODELO15 (SME,
1996, p. 18-19).
Há uma mudança de fundamentação teórica. Busca-se romper
com o construtivismo piagetiano, principal referência dos anos de 1980,
colocando em evidência a questão da aprendizagem, dos contextos
culturais e sociais das crianças e do papel do educador. Ao discutir-se a
função da linguagem, a apropriação e desenvolvimento dessa, pauta-se
em concepções da psicologia histórico-cultural de Lev Vygotsky.
A teoria vygotskiana propõe um estudo sócio genético do ser
humano; estabelece relações entre as condições biológicas,
principalmente nos aspectos neurológicos, e as questões dos contextos
social, histórico e cultural nos quais a criança está inserida na tentativa de
evitar reducionismos e simplificações de qualquer espécie. Segundo
Rego,
Vygotsky rejeita os modelos baseados em
pressupostos inatistas que pre-escrevem
características comportamentais universais do ser
humano, como por exemplo, as definições de
comportamento por faixa etária, por entender que o
homem é um sujeito datado, atrelado às
determinações de sua estrutura biológica e de sua
conjuntura histórica (REGO, 2013, p. 93).
Os interesses de Vygotsky pela psicologia originam-se na sua
preocupação com a origem da cultura. Por entender que o homem é o
15 As palavras destacadas em maiúsculo foram transpostas como apresentadas no texto original.
59
construtor da cultura, ele se contrapõe à psicologia clássica que, segundo
sua visão, não respondia adequadamente aos processos de individuação e
aos mecanismos psicológicos dos sujeitos. Como aponta Rego “[...] a
Psicologia (particularmente a que se ocupa do desenvolvimento) não tem
grande poder de generalização, já que se circunscreve a determinadas
características profundamente relacionadas à dimensão cultural e
histórica do grupo tratado” (2013, p. 94), portanto, as dimensões
sociológicas, culturais e históricas ganham maior ênfase nas novas
propostas pedagógicas.
A psicologia histórico-cultural defende que todo organismo é
ativo no processo de construção de conhecimentos e estabelece contínua
interação entre as condições sociais, que são variáveis, e a base biológica
do comportamento humano. Vygotsky observou que o ponto de partida
são as estruturas orgânicas elementares, determinadas pela maturação, e
que a partir dessas bases formam-se novas e mais complexas funções
mentais, dependendo da natureza das experiências sociais da criança.
No que diz respeito ao documento de 1996, esse não trata mais
deste segmento de ensino como Educação Pré-escolar (termo usado nos
anos de 1980), mas, Educação Infantil. A brincadeira passa a ser o eixo
norteador das propostas de trabalho e é entendida como,
[...] uma atividade tipicamente infantil, social e não
inata. Na brincadeira a criança recria o mundo que
a cerca e apropria-se dos conceitos e valores de sua
cultura através dos diferentes papéis sociais que
assume e dos objetos que explora (SME, 1996, p.
21).
Segundo o documento, portanto, garantir que as crianças possam
brincar diariamente passa a ser fundamental para o desenvolvimento da
linguagem, para ampliação das interações com os ambientes físico e
humano que a cercam, entendendo esse espaço como uma atividade
socioeducativa que caracteriza e garante a experiência da infância. Não
se trata de uma brincadeira livre, mas de propostas que relacionem a
brincadeira à aprendizagem, utilizando a primeira como meio para a
segunda, dada a citada filiação à teoria vygotskiana.
O texto retrata que a unidade fundamental da brincadeira é o
papel assumido pelas crianças. “O papel revela sua natureza social, bem
como possibilita o desenvolvimento das regras e da imaginação” (SME,
1996, p. 22). Quando brinca a criança assume papéis que o seu nível de
desenvolvimento real não lhe permitiria; ser mãe, professora, trabalhar
60
em um salão de beleza ou dirigir um carro só lhe são possíveis no espaço
de representação e experimentação que a brincadeira possibilita, portanto,
a aprendizagem se dá de forma experimental, analógica, subjetiva e com
um fim em si mesma.
Ao tratar do papel do educador, entre outras indicações, o
documento afirma caber a esse as tarefas relativas à seleção e definição
dos temas e conteúdos a serem trabalhados, envolvendo a brincadeira,
desenvolvendo a expressão e a comunicação por meio das diferentes
linguagens expressivas e utilizando-se de contribuições das diferentes
áreas do conhecimento. Percebe-se uma exigência de que esse
profissional seja polivalente, que consiga abarcar em seu planejamento o
trabalhar com as diferentes linguagens, dentre elas as artísticas, assim
como utilizar-se de diferentes áreas do conhecimento, além de definir
temas e conteúdos a partir do contexto das crianças.
Se “[...] é o educador quem define e estrutura o campo da
brincadeira na sala de aula” (SME, 1996, p.25), consequentemente, o ato
de brincar será mais instigante e significativo dependendo justamente de
como o educador criará esses espaços, tempos, procedimentos e propostas
que permitam a instauração da brincadeira com intencionalidade
pedagógica. Uma brincadeira derivada de um planejamento aberto às
contribuições da criança, seguida de registro e avaliação do processo. No
documento aponta-se que:
[...] o educador seja elemento integrante das
brincadeiras, ora como observador e organizador,
ora como personagem que explicita ou questiona e
enriquece o desenrolar da trama, ora como elo entre
as crianças e os objetos. E, como elemento
mediador entre as crianças e o conhecimento, o
educador deve estar sempre junto a elas, acolhendo
suas brincadeiras, atento às suas questões,
auxiliando-as nas suas reais necessidades e buscas
em compreender a agir no mundo em que vivem
(WAJSKOP apud SME, 1996, p. 26).
Como se pode perceber na citação acima, há uma preocupação
com a instituição de um espaço lúdico na Educação Infantil e a indicação
de uma possibilidade de o educador metamorfosear-se em personagem16.
Gostaria de trazer à atenção ao fato de que, enquanto nas propostas
16 Aprofundarei essa estratégia metodológica quando for discutir os experimentos práticos desta
tese.
61
nacionais estas preocupações apareciam pouco ou sempre inibidas,
escondendo-se sob o chavão de “trabalhar o faz de conta”, em
Florianópolis havia indicações mais concretas de possibilidades de se
trabalhar com elementos da linguagem teatral. Cabe ressaltar que o
material foi criado pelos profissionais da rede sob a consultoria de Gisela
Wajskop, professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC-SP), naquele momento.
Educação Infantil: uma necessidade social foi um documento
lançado em 1999, como síntese das formações ocorridas com os
profissionais da Educação Infantil do município no ano anterior (1998) as
quais objetivavam refletir sobre a questão curricular na Educação Infantil,
o fazer pedagógico e os processos de apropriação do conhecimento em
diálogo com o RCNEI (1998), citado quando retratei os direcionamentos
nacionais. No que se refere às questões artísticas o documento afirma:
A instituição de educação infantil deve tornar
acessível a todas as crianças que a frequentam,
indiscriminadamente, elementos da cultura que
enriqueçam o seu desenvolvimento e inserção
social. Cumpre um papel socializador, propiciando
o desenvolvimento da identidade das crianças, por
meio de aprendizagens diversificadas, realizadas
em situações de interação (SME, 1999, p. 07).
A dramatização e a mímica, por sua capacidade de representação
de símbolos, signos, ações, papéis, aparecem no documento como
indicativos para colaborar com o processo de alfabetização na Educação
Infantil, ou seja, tem-se a indicação do trabalho com elementos da
linguagem teatral como meio para a assimilação de conteúdos e não com
um fim, pautando-se nas conquistas específicas que essa área do
conhecimento propicia e desenvolve. No texto intitulado “O Ensino de
Arte na Educação Infantil” (um dos artigos que compõe o documento de
1999) a autora Silvia Pilloto aborda a questão da alfabetização estética,
da leitura do objeto artístico e sua contextualização, centrando-se,
exclusivamente, na arte visual.
62
2.2.3 Novo século
Em 2000, a Secretaria Municipal de Educação de Florianópolis
lança o documento Subsídios para a Reorganização Didática da
Educação Básica Municipal, no qual se destaca que, para a Educação
Infantil, o objetivo era estabelecer princípios gerais que levassem em
conta a experiência acumulada pelos profissionais que vinham atuando
com as crianças, de forma a subsidiar a definição ou consolidação de
projetos pedagógicos em cada unidade.
O documento retoma os princípios indicados nas Diretrizes
Nacionais de 1999 e traz uma discussão que me parece interessante.
Ressalta que os documentos direcionadores para a Educação Infantil tem
privilegiado a visão que a Psicologia tem de criança e, nesse sentido,
acabam por estabelecer orientações de caráter instrumental que
predeterminam a ação da criança e, consequentemente, distanciam-se da
realidade de cada uma (e do contexto ao qual pertencem) na formulação
de propostas pedagógicas. Segundo Rocha, autora do documento:
Uma ‘Pedagogia da Infância’ e da ‘Educação
Infantil’ necessitam considerar outros níveis de
abordagem de seu objeto: a criança, em seu próprio
tempo, uma vez que se ocupa, fundamentalmente,
de projetar a educação destes ‘novos’ sujeitos
sociais (ROCHA, 2000, p. 28).
O texto de Rocha tratava ainda de dimensões da criança que se
relacionam com seu processo de desenvolvimento e aprendizagem as
quais devem ser levadas em consideração na elaboração de proposições
de trabalho neste segmento de ensino: “[...] a expressão, a sexualidade, a
socialização, o brincar, a linguagem, o movimento, a fantasia e a
imaginação” (2000, p. 28). Penso que o teatro, por ser uma linguagem que
tem a capacidade de agregar e inter-relacionar conhecimentos diversos,
pode dialogar com as dimensões abordadas por Rocha.
Ao pontuar essas dimensões a autora discute o espaço da
Educação Infantil como um lugar específico que não se pauta em
conhecimentos parcializados, resultantes da fragmentação em diferentes
disciplinas científicas – como acontece com o Ensino Fundamental – e
que, portanto, não se configura como um espaço preparatório para o nível
de ensino subsequente assim como não pode tomar esse como referência.
63
Não existem, pelo menos nesse momento, orientações
metodológicas sobre alguma área artística específica. Há indicações de
que os projetos educacionais busquem contemplar a totalidade da criança,
que se traduzem na exploração e consequente expansão de suas formas de
comunicação e interação, seus sentimentos, suas brincadeiras,
movimentos, imaginários, afetos, pensamentos, conhecimentos, por meio
da exploração de diferentes linguagens: faz de conta, jogos, teatro, música
e dança.
Pode-se perceber, portanto, que há uma clareza, pelo menos no
nível teórico, da potencialidade pedagógica do trabalho com as
linguagens da Arte, da capacidade agregadora e interdisciplinar que essas
podem obter junto aos pequenos no seu ambiente educacional. Destaco
ainda, que essas concepções são das diretrizes municipais e, portanto,
tratam dessa realidade específica. Há muito que se fazer para que essa
compreensão se expanda nacionalmente, assim como para que ultrapasse
a dimensão teórica do aprendizado, seja nos cursos de formação
continuada seja nas formações iniciais, tanto em Pedagogia quanto nas
Licenciaturas direcionadas à formação artística.
A publicação Formação em Serviço: partilhando saberes, vislumbrando novas perspectivas, de 2004, foi o resultado do processo de
formação permanente dos profissionais da Educação Infantil,
proporcionados durante o ano de 2001. Nesse período, foram realizados
debates, oficinas, seminários, visitas à instituições, entre outras atividades
formativas. No que diz respeito às linguagens artísticas (ou que
estabelecem relações com elas) foram oferecidas as seguintes oficinas:
“Diferentes linguagens: dança, música, gestual e teatral”, “Diferentes
linguagens: gráfica e produção plástica”, “O mundo da imaginação”,
“Corpo e movimento”.
Com a teoria histórico cultural embasando as concepções,
saberes e práticas municipais, a questão da experimentação e do trabalho
com as linguagens ganha mais espaço dentro das propostas pedagógicas,
num claro paralelo com as palavras de Wiggers:
Não podemos pensar que as crianças passam por
sequência de graus de elaboração e
desenvolvimento única e linear. [...] É fundamental
termos cautela com as práticas pedagógicas que
tomam por base o desenvolvimento de algumas
habilidades, sendo comum as que pretendem
aumentar a inteligência e a capacidade linguística
da criança e em que amostras do comportamento
64
são equivocadamente tomadas como referência de
comportamento para todas as idades (WIGGERS,
2004, p. 15).
Legitima-se a necessidade de planejar atividades pedagógicas
que coloquem os interesses e direitos da criança em primeiro lugar. Não
uma criança generalizada pelas teorias construtivistas, mas a criança
historicamente e culturalmente localizada, a criança que está em contato
com determinado professor o qual planeja e propõe atividades para um
grupo específico, dialogando a realidade concreta com os conhecimentos
historicamente acumulados.
O texto aponta para a articulação de propostas pedagógicas na
Educação Infantil a partir da observação de 04 eixos, seriam eles: o
atendimento das necessidades básicas da criança; o trabalho em projetos,
as brincadeiras e situações criadas pela criança a partir da estruturação do
espaço e do tempo e os ateliês ou oficinas.
Ao organizar a prática a partir de “projetos de trabalho”
pretendia-se levar em consideração os contextos sociais e culturais
específicos de cada grupo de crianças. Algo interessante dessa proposta,
segundo o documento, é o fato de que “[...] suas atividades usam de forma
especial diferentes linguagens por considerar que as crianças aprendem
melhor quando podem usar múltiplos sistemas simbólicos” (BATISTA;
WIGGERS, 2004, p. 66), organizando tempos e espaços que priorizem a
diversidade, a pluralidade, a corporeidade, a espontaneidade e as
múltiplas linguagens, como também o olhar sobre o “ser criança”.
No que diz respeito ao teatro, o texto específico sobre essa
linguagem esboça discussões que se aproximam do objeto de estudo da
presente pesquisa. Os autores apontam que:
[...] podemos afirmar que as crianças da educação
infantil encontram-se na fase do jogo simbólico e,
portanto, os jogos dramáticos, para elas, são o
centro das atividades relacionadas ao teatro, pois
ainda não tem consciência para estabelecer a
comunicação com quem as veem, mesmo que seus
jogos estejam sendo observados ou que participem
de uma apresentação (LUNA; RIBEIRO, 2004, p.
52).
O texto segue retratando o quanto é importante à criança
aprender a assistir apresentações teatrais. No que diz respeito ao trabalho
pedagógico, os autores indicam a possibilidade do professor regente ou
65
auxiliar criar personagens para interagir com as crianças dentro do
cotidiano da unidade, apontando que, para que essas ações aconteçam,
não são necessários muitos aparatos “[...] uma saia, um lenço, um pano
ou toalha de mesa, um chapéu ou outro adereço e o teatro já apareceu, de
uma forma simples, divertida e mágica [...] bastando um pouco de
preparo, imaginação e criatividade” (LUNA; RIBEIRO, 2004, p. 53),
apontando ações práticas de fácil acesso pelos profissionais dessa etapa
da educação. Tais apontamentos aproximam-se do método que proponho
nesta tese, mas cabe ressaltar não há indicações metodológicas no
documento municipal de 2004.
Em 2010, a Diretoria de Educação Infantil lançou as Diretrizes Educacionais Pedagógicas para a Educação Infantil, dividida em dois
blocos. A primeira parte composta por textos dos professores
conferencistas que trabalharam no ano de 2009 nas formações
continuadas realizadas junto à rede, a partir dos eixos temáticos
estabelecidos pela diretoria e a segunda parte trazendo relatos de
experimentos realizados pelos profissionais em suas unidades.
O documento identifica e indica três núcleos de ação pedagógica
para orientarem a prática docente dentro da rede. São eles: Linguagem:
gestual-corporal, oral, sonoro-musical, plástica e escrita; Relações sociais
e culturais: contexto espacial e temporal, identidade e origens culturais e
sociais; Natureza: manifestações, dimensões, elementos, fenômenos
físicos e naturais.
Diferente de um conteúdo curricular da escola tradicional, os
núcleos de ação pedagógica (NAPs) buscam delimitar conteúdos de ação
a partir dos quais o professor poderá desenvolver sua ação pedagógica,
ainda que, na prática, sobretudo com as crianças pequenas, essas
dimensões não apareçam isoladas.
Mesmo que o teatro, possivelmente, devesse se inserir no núcleo
das linguagens, não há uma indicação explícita ao trabalho com tal
linguagem no documento. Como nos demais documentos apresentados,
ele aparece sob o rótulo do faz de conta e da imitação, do trabalho com
dramatizações, encenação17 de papéis, sem discussões ou indicações que
possam ampliar a prática relativa a expressividade dramática da criança
em desenvolvimento.
17 A palavra “encenação” foi retirada do texto original e para a mesma, cabe um destaque. Trata-
se de um equívoco colocar a experimentação ou vivência de papéis que a criança realiza como
uma “encenação” dos mesmos. A palavra “encenação” pressupõe pôr-se algo em cena, comunicar por meio da linguagem teatral, apresentar um “produto” e não é esse o objetivo da
criança ao experimentar um papel em sua brincadeira.
66
Como as diretrizes estão sempre subordinadas às mudanças de gestão e
as diferentes concepções daqueles que as desenvolvem, sejam os
profissionais efetivos da rede ou aqueles de áreas específicas contratados
para escrever ou realizar formações, muitas vezes os ganhos teóricos (e
porventura, práticos) obtidos em um momento, podem ser perdidos no
período subsequente, foi o que aconteceu com a linguagem teatral.
Retrocede-se, em 2010, ao indicar apenas o trabalho com teatro
de fantoches (MELLO, 2010, p. 49) e, ainda assim, como auxiliar ao
processo de desenvolvimento da linguagem oral. Ainda no mesmo texto,
o faz de conta é citado como um mecanismo para que a criança
compreenda a função simbólica, a função de representação de algo, que
auxiliará, segundo a autora, no processo de leitura e escrita – uma vez
que, assim como “[...] esse paninho é o manto da princesa” (MELLO,
2010, p. 49), uma palavra representa uma fala, que por sua vez representa
a realidade, ou seja, usa-se um objeto para representar outro.
Ainda no mesmo texto, o faz de conta é, equivocadamente,
indicado para a formação da autodisciplina na criança.
[...] só o faz-de-conta – a atividade lúdica – é capaz
de formar a autodisciplina nas crianças dessa idade.
Ao imitar os adultos no faz-de-conta, a criança
imita seus comportamentos, muito mais
autocontrolados que o comportamento infantil
(MELLO, 2010, p. 50).
Outros textos, entretanto, trazem algumas contribuições
interessantes. No texto “Educação Infantil, arte e criação: ensaios para
transver o mundo” a professora Luciana Ostetto inicia sua contribuição
teórica questionamento o suposto “fazer artístico” nesse espaço de ensino,
em geral pautado em “[...] ensaiar uma dancinha, ou teatrinho, para
apresentação aos pais; [...] confeccionar lembrancinhas para datas
comemorativas” (OSTETTO, 2010, p. 54). Como contraponto a essas
práticas, Ostetto defende uma educação estética a partir da
disponibilização de repertórios (imagéticos, musicais, literários, cênicos,
fílmicos). Cabe ressaltar que seu texto centra-se na discussão das imagens
(repertório visual) que compõem os espaços educativos.
O professor Maurício da Silva (2010), em seu texto, acrescenta a
linguagem cênica, dentro do núcleo das linguagens, ainda que seja apenas
uma indicação pessoal. E dentre os eixos possíveis de se trabalhar, cita
jogos de imitação ou simbolização e atividades de expressão corporal e
dramatização. Seu texto discute, fundamentalmente, a cultura corporal
67
infantil na sociedade. Ao tratar da criança na Educação, o autor afirma
que:
[...] a cultura corporal poderá possibilitar ao
sujeito-criança, ao mesmo tempo, aprender com a
história, com os livros, com o cinema, com a
música, com a dança, com o teatro, enfim, com as
diferentes linguagens da arte, com a cultura local e
universal construída pela humanidade (SILVA,
2010, p. 85).
Por fim, em 2012, foi organizado um documento orientador
contento indicações específicas para cada Núcleo de Ação de Pedagógica
(NAP), o qual foi distribuído no fim do primeiro semestre de 2013,
intitulado Orientações Curriculares para a Educação Infantil.
Em paralelo à elaboração do documento foram organizadas
formações com os profissionais da Educação Infantil. Tais formações
foram realizadas por professores que discutem as linguagens específicas
nesse segmento de ensino ou que se aproximam do mesmo, dada a
dificuldade de se encontrar pesquisadores com experiências práticas
relativas às linguagens na Educação Infantil. Como fui convidado a ser o
consultor (formador) da linguagem corporal, tive acesso ao documento
citado, ainda em 2012, e transponho as indicações referentes ao trabalho
teatral.
A primeira referência relativa ao teatro aparece no texto que trata da
linguagem oral-escrita, a qual recomenda o trabalho com essa linguagem
da seguinte maneira:
Contar e recontar histórias com auxílio de:
transparências e retroprojetor (ilustrações dos
livros projetadas em dimensões variadas,
ilustrações das histórias criadas pelas próprias
crianças), fantoches, dedoches, teatro de sombras
(com imagens criadas pela disposição das mãos,
com bonecos e /ou objetos, com o corpo todo)
(SME, 2012, p. 113).
Além do apontamento citado, o trabalho com o faz de conta (e
não teatro) é citado no núcleo relativo às relações com a natureza e
também no das relações com a matemática, em geral, comentando como
os conhecimentos e descobertas realizadas pela criança alimentam seu faz
de conta, assim como diferentes incentivos materiais (organização de
68
espaços, materiais diversos disponíveis à criança) podem contribuir com
esse espaço de brincadeira lúdico-dramática.
No texto relativo ao teatro, inserido no documento que trata do
“Núcleo das linguagens”, especificamente no eixo da linguagem “sonoro-
corporal”, retrata-se o modo como as histórias infantis, produzidas pelas
crianças, nascem a partir das descobertas do seu corpo e seus movimentos.
Os movimentos e o corpo expressivo expandem-se com a capacidade
imitativa ampliando o repertório corporal e simbólico, que alimentará sua
brincadeira de faz de conta e, caso essa seja ampliada a partir de uma
relação profícua com elementos da linguagem teatral, a partir de
experimentações dramáticas, poderá transformar-se em teatro.
Sobre esse aspecto o texto cita Santos ao expor que “[...] a espontaneidade
e a improvisação do faz-de-conta vão aos poucos ‘virando’ teatro,
adquirindo novos significados que passam a ser intencionalmente
compartilhados, comunicados para uma plateia” (SANTOS apud SME,
2012, p. 177) e, portanto, o trabalho com a linguagem teatral começa a
ganhar novos contornos.
No momento em que eu realizava as formações, iniciava esta
pesquisa de doutorado, buscando exatamente contribuir com a passagem
do faz de conta à linguagem teatral, pensando em maneiras de oferecer
subsídios teóricos e práticos tanto aos profissionais da Educação Infantil
quanto aos do Teatro para a proposição de trabalhos com essa linguagem
que pudessem ser significativos para as crianças, trabalhos que
contribuíssem com a formação ética, estética e artística delas.
Como, entretanto, estruturar um modelo de trabalho com a
linguagem teatral na Educação Infantil que não virasse fórmula, que não
se constituísse como uma metodologia fechada, um sistema rígido a ser
repetido, muitas vezes de forma descontextualizada? As preocupações
com o processo de compreensão das estruturas da linguagem teatral
misturavam-se às minhas preocupações com o contexto histórico, social
e cultural das crianças.
As indicações ao trabalho teatral com crianças pequenas, como
destaquei neste capítulo, são, em geral, muito vagas e restritas a um
determinado gênero teatral, sobretudo ao teatro de formas animadas (aos
bonecos, principalmente) como se pode visualizar no trecho seguinte,
retirado do documento de 2012:
As possibilidades de proposições em relação ao
teatro são inúmeras como o de formas animadas –
ou teatro de bonecos/fantoches, nos quais podemos
incentivar as crianças a criarem seus próprios
69
bonecos e explorar os modos de manipulação dos
diferentes bonecos; o teatro de sombra, de vara e de
máscara, [...]. Nessas proposições, devemos
selecionar ou criar histórias e encená-las com as
crianças, inclusive de diferentes grupos?
Oferecendo todas as condições para que elas
assumam, além da representação, a direção da
dramatização, a organização de cenários figurinos,
sempre podendo contar com nosso auxílio,
respeitando as possibilidades e os seus pontos de
vista (SME, 2012, p. 179).
Ao finalizar a análise dos documentos, percebi que não houve,
em momento algum, indicações à criação de espetáculo teatrais com as
crianças. Pergunto-me, então, como surgiu o hábito de pensar o trabalho
com a linguagem teatral a partir da montagem de peças? Se as atividades
pedagógicas, teoricamente, pautam-se nas orientações indicadas pela
Secretaria da Educação e essa, desde a elaboração do primeiro programa,
em 1988, não apontou a realização de apresentações artísticas como um
aspecto a ser trabalho na Educação Infantil, por que muitos profissionais
quando pensam o trabalho pedagógico com as linguagens artísticas o
relacionam, geralmente, com a criação de um produto? Arrisco-me a
pensar que essa prática venha de uma incipiente formação desses
profissionais nas diferentes linguagens artísticas, assim como de uma
incipiente experiência como espectadores, atrelada a uma pressão
realizada pela escola e pelos pais por um produto que, muitas vezes, não
corresponde a experiência desenvolvida nas aulas, nos jogos, nas
brincadeiras, nas dramatizações etc.
Na busca pela estruturação de uma proposta de trabalho com a
linguagem teatral na Educação Infantil, que fugisse das práticas centradas
na realização de montagens, encontrei no Drama uma possibilidade de
diálogo. Ao estudar e buscar compreender os fundamentos desse fazer
teatral, as estratégias das quais tal método se utiliza e as convenções que
propõe na criação de um processo de experimentação dramática com os
participantes, comecei a perceber proximidades com algumas práticas
realizadas no ensino infantil, ainda que, nesse contexto, elas se
apresentassem muitas vezes de forma desarticulada, sem uma estrutura
que relacionasse as ações desenvolvidas pelo professor. Esse método,
bem como suas estratégias e a maneira como penso suas proximidades
com a Educação Infantil, serão abordados no capítulo seguinte.
Como pesquisar uma proposta de inserção da linguagem teatral
na Educação Infantil a partir do Drama se eu não sou professor desse
70
segmento? Por ser diretor de um grupo de teatro formado exclusivamente
por profissionais da Educação Infantil, iniciei um trabalho com o citado
grupo, inserindo, aos poucos, algumas estratégias do Drama na concepção
do novo espetáculo e indicando algumas possibilidades de trabalho com
a linguagem teatral com suas crianças, enquanto eu amadurecia a proposta
desta tese.
Para finalizar a compreensão dos princípios e propostas a partir
dos quais me embaso para este estudo, bem como das experiências
práticas que me levaram ao desenvolvimento da presente pesquisa,
apresento, a seguir, a Trupe da Alegria – grupo teatral e de formação,
composto, exclusivamente, por profissionais da Educação Infantil do
município de Florianópolis.
2.3 TRUPE DA ALEGRIA: FORMAÇÃO DE PROFESSORES-
ARTISTAS EM FLORIANÓPOLIS
Uma proposta de educação infantil em que as crianças desenvolvam,
construam/adquiram conhecimentos e se tornem autônomas e cooperativas
implica pensar a formação permanente dos profissionais que nela atuam. Como
os professores/educadores favorecerão a construção de conhecimentos se não
forem desafiados a construírem os seus? Como podem os
professores/educadores se tornar construtores de conhecimentos quando são
reduzidos a executores de propostas e projetos de cuja elaboração não
participaram e que são chamados apenas a implantar?
(Sônia Kramer)
Como trabalhar com as crianças a expressividade corporal, as
relações com seu corpo, relações com o corpo do outro, relações do corpo
com o espaço, se meu corpo (de professor) não possui um repertório a
oferecer? Se não exploro as possibilidades expressivas do meu corpo?
Como posso saber quais sensações são causadas no corpo quando se
realiza algum movimento criativo, quando se põe a dançar, quando se
lança em uma atividade criadora, se eu (professor) não me permito fazer
essas atividades? Como convencer a criança que uma prática corporal,
expressiva, teatral é importante, se não dou importância para tais práticas
na minha vida? Como incentivar uma criança a ir ao teatro se eu
(professor) não frequento esse espaço e não tenho essa prática como um
71
hábito em minha vida? Eu posso trabalhar com Artes se nunca estudei ou
experimentei suas linguagens?
Essas e outras tantas perguntas me perseguem sempre que penso
as práticas artístico-pedagógicas desenvolvidas na Educação Infantil. Não
porque considero que os pedagogos não tenham “capacidade” de
desenvolver um trabalho consistente e pautado em discussões e pesquisas
atualizadas sobre o ensino de teatro (ou dança, ou música, ou artes
visuais), mas porque tenho ouvido, nas formações de professores que
realizo, os profissionais relatarem a carência, em sua formação inicial, de
disciplinas e práticas que lhe deem embasamento para trabalharem com
as linguagens artísticas.
Ao mesmo tempo, percebo que muitos estudos acadêmicos em
teatro estão distantes da atuação dos profissionais da Educação Infantil (e
de outros segmentos da educação também), deixando de contribuir com o
processo formativo desse pedagogo e da criança com a qual ele trabalha
cotidianamente.
Nesta distância entre teoria e prática, nós, profissionais do
Teatro, pesquisadores e professores desta linguagem, deixamos de
dialogar com a área da Pedagogia que necessita de profissionais
específicos para pensar e estruturar conjuntamente suas práticas e, ao
mesmo tempo, deixamos de usufruir dos conhecimentos que aqueles
profissionais tem para trocar conosco a partir de seu trabalho cotidiano
com as crianças.
Penso que essa relação de intercâmbio de informações e saberes
é fundamental para o crescimento de ambas as áreas. Muitas das teorias e
pressupostos sobre o trabalho artístico com crianças são repensados
quando em diálogo com os pedagogos ou são postos em “cheque” pelas
próprias crianças no momento em que essas intervém no processo
artístico-pedagógico em desenvolvimento, fazendo com que
procedimentos sejam questionados e ampliando as possibilidades
metodológicas.
Ancorado nesses questionamentos e nessas reflexões propus, em
2010, por conta da realização do meu mestrado em Teatro, a criação de
um grupo de profissionais da Educação Infantil interessados em participar
de uma formação à linguagem teatral. Como resultado do processo
criamos a Trupe da Alegria e apresentamos o primeiro espetáculo Uma
Creche Divertida e Colorida, este pautado na exploração de elementos
que estruturavam a Commedia dell’arte18.
18 Para maiores informações sobre o processo consultar: PEREIRA, Diego de Medeiros.
Commedia dell’arte e educação infantil: um processo de formação de professores. 2011. 204f.:
72
Após o término da pesquisa, a Trupe de Alegria deixou de ser o
nome de um grupo que estava apresentando a conclusão de uma oficina
de formação à linguagem teatral e passou a nomear um grupo de teatro
formado por profissionais da Educação Infantil. Percebíamos que o que
unia o grupo não era a questão de serem profissionais vinculados à
prefeitura; o que passou a unir o grupo foi o fazer teatral.
Gerou-se um compromisso com a educação e com a ampliação
do contato das crianças com o universo do teatro, seja através da
possibilidade de assistirem a um espetáculo criado especialmente para
elas ou por meio das propostas com a linguagem teatral que esses
profissionais passaram a realizar com suas crianças, no cotidiano das
creches, por conta de sua experiência com o teatro. .
Esse é um aspecto importante de se destacar sobre o trabalho da
Trupe da Alegria. Eu sou um professor de teatro que assumi a direção de
um grupo, não de atores (no sentido profissional do termo), mas de
profissionais da Educação Infantil (que hoje são atores também) que tem
consciência e conhecimento do desenvolvimento das crianças. A
experiência prática desses professores com as crianças influencia as
escolhas artísticas e estéticas da Trupe e o trabalho com a Trupe amplia
as possibilidades pedagógicas de tais profissionais em relação ao teatro.
Em 2011, incorporamos novos integrantes ao grupo, ampliando
o número de participantes de 14 para 20. A proposta, nesse segundo ano,
era criar um espetáculo a partir de alguns “tipos” brasileiros e da estética
do Teatro de Revista brasileiro19. Uma das participantes trouxe-me um
livro, Brasil: histórias, costumes e lendas20, o qual retratava, com riqueza
de detalhes, os “tipos” de cada região brasileira, seus costumes,
vestimentas, danças típicas, manifestações culturais, culinária, etc. Passei
a utilizar o termo “pré-texto” para esses materiais que serviriam de base
para a nossa criação. A partir do livro escolhemos os “tipos” que seriam
retratados na “história” e os atores com seus “tipos” foram divididos em
núcleos para trabalharem juntos no processo de pesquisa de materiais e
Dissertação (mestrado) – Universidade do Estado de Santa Catarina, Centro de Artes, Mestrado em Teatro, Linha de Pesquisa: Teatro Sociedade e Criação Cênica, Florianópolis, 2011. 19 Espetáculo ligeiro, misto de prosa e verso, música e dança, faz, por meio de inúmeros quadros,
uma resenha, passando em revista fatos sempre inspirados na atualidade [...] algumas
características lhe são típicas e quase sempre presentes [...]: sucessão de cenas ou quadros bem distintos; a atualidade; o espetacular; a constante intenção cômico-satírica; a tendência em
utilizar um fio condutor; a rapidez de ritmo. (VENEZIANO, 1996, p. 28). O “fio condutor” é um
enredo que une as cenas ou quadros buscando um encadeamento entre as ações e fatos desenvolvidos em cena. Cabe ressaltar que é a existência de um fio condutor simples no Teatro
de Revista que possibilita a existência de tipos tão distintos num mesmo contexto. 20 De autoria de CARTA, ALZUGARY e FASANO (s/d).
73
criação das cenas; obviamente que se tratou de um recorte de algumas
culturas regionais, dado a diversidade brasileira e a multiplicidade de suas
manifestações culturais.
Aprofundava-se a capacidade criativa e criadora dos professores-
atores ao mesmo tempo em que esses percebiam novas maneiras de
compor uma cena, fugindo do modo habitual com o qual se costuma
trabalhar com a linguagem teatral nas creches – em geral reproduzindo as
histórias clássicas da literatura infantil. Propus que construíssemos o
espetáculo em um sistema de colaboração. No processo colaborativo
proposto, os professores-atores, divididos em núcleos de acordo com as
regiões que iriam representar, seriam também pesquisadores e
levantariam materiais cênicos. Nesse formato de construção de cena suas
intervenções passaram a ser fundamentais na criação da dramaturgia,
cumprindo uma função central na concepção do espetáculo, porque além
de proporem materiais, discutíamos conjuntamente os “rumos” do
trabalho como um todo.
Após o trabalho de conjugação dos materiais e de junção dos
núcleos em um enredo simples (típico da Revista), elaboração de
coreografias, ensaio das músicas, criação de cenas, figurinos, cenários,
chegamos à conclusão do nosso segundo espetáculo Brasil de Todas as
Cores, apresentado em 16 unidades da Educação Infantil (no ano de
2011), o dobro de apresentações em relação ao primeiro espetáculo.
Acredito que com as apresentações rompemos, tanto nos atores quanto
nos professores que assistiram ao espetáculo, com o “mito” que é
retratado no RCNEI de que
[...] propostas e práticas escolares diversas que
partem fundamentalmente da ideia de que falar da
diversidade cultural, social, geográfica e histórica
significa ir além da capacidade de compreensão das
crianças têm predominado na educação infantil.
São negadas informações valiosas para que as
crianças reflitam sobre paisagens variadas, modos
distintos de ser, viver e trabalhar dos povos,
histórias de outros tempos que fazem parte do seu
cotidiano. (RCNEI, 1998, p. 165-166).
Em 2012, o grupo decidiu seguir apresentando o espetáculo
Brasil de Todas as Cores, entretanto, elaboramos um novo projeto
intitulado Um dia com a Trupe da Alegria que consistia em: no período
matutino apresentarmos o espetáculo para as crianças e no período
74
vespertino oferecermos experimentações para elas e para os profissionais
da unidade que estivessem nos recebendo em formato de oficina coletiva.
As apresentações e experimentações foram realizadas ao longo
do ano de 2012, a cada 15 dias, totalizando 16 visitas. O contato direto
com as crianças nas experimentações (seus comentários, críticas,
envolvimento, identificações) assim como o diálogo com os profissionais
de cada unidade visitada (relatando e discutindo suas experiências com
teatro na Educação Infantil, em suas unidades, na sua formação
acadêmica) serviram, também, como fonte de reflexão para que eu
pudesse estruturar a presente pesquisa.
As experimentações funcionavam da seguinte forma:
organizávamos cinco “cantos” distribuídos pela creche: o canto dos
aromas e sabores, canto dos sons, ritmos e danças, canto para fingir ser
outro, canto das brincadeiras e artes visuais e canto das histórias. As
crianças entre 03 e 06 anos podiam circular livremente pelo espaço e
escolher qual canto gostariam de participar ou podiam escolher ficar no
parque ou ir e voltar do parque à oficina, elas tinham essa liberdade.
Os profissionais da unidade que nos recebia ficavam em outro
espaço realizando uma oficina conduzida por mim e por um membro da
Trupe (que mudava a cada duas semanas – neste momento eles tinham a
possibilidade de compartilhar sua experiência na Trupe com outros
profissionais e conduzir jogos e exercícios). As crianças menores de 03
anos circulavam com seus professores, por conta da referência e
dependência que possuíam em relação a eles.
Dentre vários aspectos que busquei explorar quando propus as
oficinas coletivas – autonomia da criança, experimentação de atividades
que se relacionassem com a linguagem teatral em formato de oficina,
diversificar as atividades realizadas na Educação Infantil, entre outros –
interessava-me experimentar o professor como personagem
desenvolvendo as atividades com as crianças.
Queria perceber a manutenção do personagem e as possibilidades
de trabalhar com esse lugar duplo, “professor e personagem”, estratégia
utilizada pelo método do Drama e que, antes de propor que a Trupe
trabalhasse com tal método – o que veio a se configurar como a base desta
pesquisa de doutorado – eu buscava a familiaridade dos professores com
esta ou aquela estratégia, sem a imposição e o conhecimento, pelo menos
naquele momento, de que se tratava de uma “preparação” para a proposta
que realizaríamos no ano seguinte.
Ao longo de 2012, o grupo passou a estudar textos relacionados
ao fazer teatral, buscando discutir sua prática em diálogo com discussões
da Pedagogia do Teatro, dentre esses materiais, alguns relativos ao
75
método do Drama. Ainda em 2012, foram selecionados outros
participantes que passariam a compor o elenco do novo espetáculo,
construído em diálogo com a presente pesquisa, bem como,
desenvolveriam os processos de Drama que serão apresentados e
discutidos no terceiro capítulo deste trabalho.
O processo de formação que culminaria na elaboração e
realização dos processos de Drama que serão apresentados e analisados
nesta tese, teve início, portanto, no segundo semestre de 2012. Para que a
pesquisa não se distanciasse do contexto pedagógico do município,
buscamos dialogar com os Núcleos de Ação Pedagógica desenvolvidos
pela Diretoria de Educação Infantil de Florianópolis, esses resultantes de
um processo de discussão e produção bibliográfica acerca de
direcionamentos para a elaboração de propostas pedagógicas na rede
municipal.
O percurso da Trupe da Alegria tem demonstrado o desejo desses
profissionais de ampliarem seus horizontes de conhecimento, de
estabelecerem diálogos com diferentes áreas, de contribuírem
efetivamente com a elaboração de propostas de trabalho que possam
qualificar o seu fazer pedagógico.
2.4 ENSINO DO TEATRO NA EDUCAÇÃO INFANTIL: O QUE SE
TEM DITO?
Para finalizar este capítulo, no qual busco estabelecer o contexto
da presente pesquisa, trago pesquisadores da área teatral que são
frequentemente utilizados como referência em trabalhos que tratam do
ensino do teatro na Educação Infantil. Cabe ressaltar que alguns desses
autores desenvolveram seus trabalhos especificamente com crianças da
Educação Infantil nos últimos 10 anos enquanto outros são referenciados
mesmo que não tenham se dedicado particularmente à faixa etária
correspondente a essa etapa da educação básica.
Na observação das fundamentações teóricas que tem embasado
projetos de estágio dos cursos de Pedagogia e Licenciatura em Teatro que
propunham a realização de um trabalho teatral com crianças da Educação
Infantil, bem como, por meio da análise de propostas curriculares
direcionadas a este segmento de ensino, deparei-me com algumas obras
que se repetiam.
Com o objetivo de estabelecer bases teóricas que possam servir
tanto como revisão bibliográfica sobre o assunto quanto como um meio
76
para a compreensão do modo pelo qual os pesquisadores da Pedagogia do
Teatro tem refletido sobre a presença dessa linguagem na Educação
Infantil (assim como sobre o fazer teatral para crianças) tratarei de expor
os principais conceitos e autores que se relacionam ao tema.
Usando como referência o tempo cronológico para a
apresentação das obras, inicio elencando a obra O Jogo Dramático Infantil, de Peter Slade21, traduzida por Tatiana Belinky em 1978, sendo
o original, An Introduction to Child Drama, de 1958. Nessa obra o autor
apresenta, de forma resumida, os conceitos presentes em Child Drama,
de 1954. Slade apoia suas reflexões e exposições teóricas nos trabalhos
experimentais desenvolvidos durante décadas com crianças de diversas
faixas etárias, na Inglaterra.
Pautado em um modelo espontaneísta de desenvolvimento da
capacidade dramática da criança, o autor utiliza a expressão jogo
dramático (dramatic play) para caracterizar o faz-de-conta infantil,
desenvolvido nos primeiros anos de vida da criança.
O faz-de-conta é entendido como a capacidade espontânea de
jogar e dramatizar que a criança desenvolve de forma natural. Com o
passar dos anos o faz-de-conta gradativamente deixa de existir, em função
dos progressos conquistados pela criança em direção ao pensamento
abstrato.
Para Slade o drama, no sentido original da palavra significando
“ação”, constitui-se a partir das tentativas emocionais e físicas da criança
em descobrir a vida e a si mesma; a prática repetitiva dessas tentativas
caracteriza o jogo dramático.
Nas palavras do autor, “o Jogo Dramático Infantil é uma forma
de arte por direito próprio; não é uma atividade inventada por alguém,
mas sim o comportamento real dos seres humanos” (SLADE, 1978, p.
17). Aponta ainda que o ato de jogar é inato ao ser humano, mas isso não
significa que a criança esteja fazendo teatro no sentido adulto (e
tradicional, acrescento) do termo, pelo contrário, ao jogar a criança
trabalha sua autoexpressão, sem preocupar-se com a comunicação – fator
inerente ao teatro.
Teatro significa uma ocasião de entretenimento
ordenada e uma experiência emocional
compartilhada; há atores e público, diferenciados.
Mas a criança, enquanto ainda ilibada, não sente tal
diferenciação, particularmente nos primeiros anos
21 (1912-2004), escritor e dramaterapeuta inglês e um dos pioneiros no estudo da dramatização
realizada pelas crianças.
77
de vida – cada pessoa é tanto ator como auditório
(SLADE, 1978, p. 18).
Slade chega a um estudo da evolução do jogo dramático de
acordo com as faixas etárias. Diferencia, por exemplo, o “jogo projetado”
(realizado por crianças mais novas) como um drama no qual a criança se
utiliza de sua mente, mas o corpo não é usado de forma total, há o
predomínio das mãos, da voz e utilização de instrumentos (que por vezes
“ganham vida”). Desses jogos, pode-se esperar, segundo o autor, o
desenvolvimento posterior das capacidades de concentração, observação,
paciência, organização e outras atividades que requeiram tais habilidades.
Para esse autor crianças ao redor de 05 anos, entretanto, lidam
com o “jogo pessoal” – o drama óbvio, no qual o corpo inteiro é usado.
Ocorre a representação de papéis (pessoas imaginadas, animais ou
coisas), desenvolvendo um controle pessoal e domínio do corpo. Na
proporção em que a criança cresce e habitua-se a trabalhar com jogos
dramáticos, aparece, gradativamente, a vontade da utilização de um palco
e da peça escrita.
Entre 09 e 11 anos o jogo dramático infantil aproxima-se mais
do teatro, nesse período o autor indica o trabalho com “improvisações”
diversificadas a partir dos materiais que emanam do próprio grupo e, ao
redor dos 13 anos, poder-se-ia trabalhar com peças dramáticas. Cabe
ressaltar que a passagem do jogo dramático infantil às improvisações e,
consequentemente, a noção e compreensão do teatro, enquanto fenômeno
artístico projetado para um exterior (plateia), deve ser cuidadosamente
conduzida pelo professor.
Pupo traz uma contribuição ao contextualizar a obra de Slade no
meio educacional brasileiro:
Amplamente divulgado em nosso país, esse livro
preconiza uma progressão cuidadosa para a
abordagem não do teatro propriamente dito, mas da
dramatização. Segundo Slade, a arte teatral,
fundamentada na artificialidade, em nada pode
contribuir para a educação de crianças e jovens [...]
Subjaz à proposta de Slade uma visão datada da
cena. Ao identificar a arte teatral com a convenção
e a rigidez nos moldes de um determinado teatro
vigente na época em que escreveu, o autor
considera essa arte incompatível com uma
perspectiva educacional (PUPO, 2005, p. 221-
222).
78
Segundo Slade,
O palco destrói o jogo dramático infantil porque as
crianças tentam meramente copiar o que os adultos
chamam de teatro. Elas não são bem sucedidas
nisso, e essa não é a sua maneira de representar.
Elas precisam de espaço e não tem necessidade de
serem envolvidas nas complicadas técnicas de uma
forma artificial de teatro (SLADE, 1978, p. 97).
Acredito que um profissional consciente das potencialidades
criativas da criança e das necessidades postas ao seu desenvolvimento,
assim como de referências teatrais diversificadas pode se pautar em
propostas teatrais contemporâneas para a ampliação das experiências
lúdicas do seu grupo. Não há dúvidas de que qualquer atividade imposta
distancia a criança de sua espontaneidade e cria bloqueios, situações
embaraçosas (em que a criança não quer se “apresentar”, por exemplo, e
o professor tenta obrigá-la porque os pais estão na plateia querendo
assistir ou porque é o “trabalho” do professor que está sendo exposto).
Pautar-se em um modelo de trabalho com o teatro que busca a
“montagem” de “pecinhas” para a apresentação nas festas escolares
pouco ou nada contribui para construção da linguagem teatral. Esse
modelo imposto e tradicional de representação inibe a capacidade criativa
da criança e transforma a brincadeira dramatizada, naturalmente
divertida, em uma atividade morosa. É justamente esse modelo
impositivo utilizado no período em que escreveu sua obra (anos 1960)
que Slade critica e, portanto, afirma a impossibilidade de se trabalhar com
a linguagem teatral com a criança.
Penso que o professor possa sim enriquecer o jogo dramático
infantil com materiais teatrais e que se de uma proposta de
experimentação lúdica resultar uma experiência passível de ser
compartilhada com outras crianças e pessoas, que seja feita, respeitando
os limites e desejos da própria criança. Para tanto, esse profissional
necessita de uma formação à linguagem teatral que o leve a percepção de
que o teatro enquanto produto artístico encontra-se em um “terreno”
diferente do teatro como atividade pedagógica e que as experiências contemporâneas na área teatral tem buscado romper com as convenções
tradicionais de ator e plateia, palco e público, da ênfase em um texto a ser
apresentado, entre outros aspectos. Outras possibilidades existem e
79
necessitam dialogar com o meio escolar para que se diminuam as
distâncias entre o teatro produzido dentro e fora da escola.
Outra autora frequentemente referenciada é Viola Spolin22 e sua
obra Improvisação para o Teatro, traduzida por Ingrid Koudela e
Eduardo José Amos em 1979 sendo a obra em inglês, Improvisation for
the Theater, de 1963. Segundo os tradutores, essa obra influenciou o
teatro americano de vanguarda na década de 1960 ao se dirigir a
professores, diretores de teatro (para crianças e adultos) e amadores em
geral23.
Na nota de tradução os autores enfatizam que a maioria das
palavras instrumentais empregadas por Spolin são emprestadas da
terminologia esportiva, uma vez que seu sistema foi inspirado no trabalho
de Neva Boyd24 com jogos recreativos em Chicago, portanto, é
desaconselhável sua transposição para o vocabulário do teatro. O ator,
nesse contexto, é colocado com um jogador (player).
O objetivo do sistema “jogos teatrais” (theater games) não é a
“interpretação”, mas a atuação espontânea e orgânica que surge da relação
de jogo. Por meio da fisicalização25 o ideal do jogo teatral é de que o
jogador “torne reais” os materiais imaginários com os quais trabalha
(lugares, objetos, personagens e ações).
O termo “fisicalização” descreve a maneira pela
qual o material é apresentado ao aluno num nível
físico e não verbal, em oposição a uma abordagem
intelectual e psicológica. A “fisicalização” propicia
ao aluno uma experiência pessoal concreta, da qual
seu desenvolvimento posterior depende (SPOLIN,
2001, p. 13-14).
Ancorada no jogo tradicional de regras (dos mais simples aos
mais complexos), Spolin propõe a solução de um “problema” diferente a
cada novo exercício e, aos poucos, amplia o jogo tradicional dando-lhe
caráter teatral, chegando ao trabalho com jogos de atuação, nos quais
22 (1906-1994), autora e diretora teatral norte-americana. 23 Cabe ressaltar que Spolin possui mais três obras traduzidas e difundidas no Brasil, são elas:
Jogos teatrais: o fichário de Viola Spolin (original de 1975), O jogo teatral no livro do diretor (original de 1985) e Jogos Teatrais na sala de aula (original de 1986). 24(1876-1963), educadora e trabalhadora social norte-americana, fundou a Escola de Recreação
e Treinamento (Recreational Training School) na Hull House de Chicago. A escola tinha um
programa de trabalho com grupo de imigrantes, que se desenvolvia com ginástica, dança, jogos, arte dramática, teoria do jogo. 25 Na obra Jogos Teatrais (1984) a tradutora de Spolin, Ingrid Koudela, substituirá o termo
“fiscalização” por “corporificação”, por julgar mais adequado à proposta de Spolin.
80
cumprir a “regra” do jogo, mantendo-se atento ao “foco” (ponto de
concentração do jogador), é a base para a aprendizagem teatral.
Partindo-se do pressuposto de que a criança no período que
corresponde a Educação Infantil (0 a 05 anos) ainda não desenvolveu
plenamente a capacidade intelectual de submeter-se a “regras” e não
compreende o significado de centrar-se em um “problema de atuação”,
visto que mesmo a ideia de “atuar” está distante de sua realidade
psicológica, percebe-se a impossibilidade de se pautar uma proposta de
experimentação teatral na Educação Infantil utilizando-se como
referência metodológica o sistema de Jogos Teatrais, como proposto por
Viola Spolin.
A diferenciação entre real e ficcional não é nítida para a criança
nos primeiros anos de vida. Não é por acaso que as crianças mais novas
costumam chorar na presença de personagens, ainda que com a
familiarização com apresentações teatrais ou a presença de personagens
da sala este problema seja aos poucos superado.
Como referido anteriormente, essas crianças encontram-se em
pleno desenvolvimento e realização do seu faz-de-conta. Será justamente
no fim do período da Educação Infantil que a criança estará se
apropriando do conceito e significado da regra e interessando-se por jogos
que se utilizem dessa.
No capítulo XIII de Improvisação para o Teatro, Spolin discorre
sobre a criança e enfoca justamente as crianças entre 06 e 08 anos,
colocando-as como referência para a iniciação no trabalho com jogos
teatrais. A resolução de problemas, a relação palco/plateia, procedimentos
inerentes a esta metodologia, estão distantes do universo das crianças
mais novas. Spolin afirma que com um trabalho estruturado de iniciação
ao jogo teatral as crianças “[...] podem passar mais facilmente do jogo
dramático dos primeiros anos para a experiência teatral” (2001, p. 253).
A autora retrata que ao separar o jogo dramático (entendido no
sentido de faz-de-conta) da realidade teatral e, num segundo momento,
fundir o jogo à realidade do teatro, o jovem ator aprende a diferença entre
o fingimento (ilusão) e a realidade, no reino do seu próprio mundo. E
completa “[...] essa separação não está implícita no jogo dramático. O
jogo dramático e o mundo real frequentemente são confusos para o jovem
e – ai de nós – para muitos adultos também”. (2001, p. 254). Nesse
sentido, ao dramatizar a criança não produz um discurso voltado a uma
plateia exterior ao jogo, modelo no qual Spolin se pauta para identificar a
diferença entre dramatização e teatro.
Não busco descreditar a capacidade de ampliação da
espontaneidade e ludicidade da criança a partir do trabalho com jogos
81
teatrais, ponho em questão a impossibilidade de se trabalhar na Educação
Infantil com o formato metodológico proposto por esse sistema. Acredito
que muitos jogos podem ser adaptados a propostas de experimentação
teatral com crianças mais novas, sobretudo os jogos tradicionais – muitos
dos quais são trabalhados nesse segmento de ensino. E assim, dentro de
uma proposta adaptada (que não seria mais a metodologia proposta por
Spolin) pode-se inserir jogos teatrais dentro de experimentações lúdicas e
dramáticas.
Em 1982, Ingrid Koudela (tradutora de Viola Spolin e
responsável pela difusão de seu método no Brasil) defendeu sua
dissertação de mestrado em teatro – a primeira no país – na Universidade
de São Paulo (USP), a qual deu origem ao livro Jogos Teatrais (1984),
que se tornou uma referência para a área da Pedagogia do Teatro e,
consequentemente, para projetos de ensino do teatro.
Fundamentada em Piaget, a obra procura comprovar a origem do
teatro no jogo infantil defendendo a potencialidade do teatro no
desenvolvimento intelectual, social e afetivo da criança. Traz como
material de análise experimentações realizadas com crianças entre 09 e
15 anos a partir do Sistema de Jogos Teatrais, dialogando com princípios
desenvolvidos por Stanislavski26.
Em sua obra A formação do símbolo na criança (1946) Piaget se
dedica à compreensão e explicação da função simbólica, com base na
imitação e no jogo como atividades propulsoras do desenvolvimento da
inteligência. Indica que o jogo está diretamente relacionado ao
desenvolvimento do pensamento na criança, por conta de seu caráter de
evocação de ações fora de seus contextos habituais, ou seja, pela função
simbólica constituída no momento em que a criança traz para o ambiente
do jogo, informações, ações, relações, de seu cotidiano, distanciando-se
da vida corrente e colocando-os na esfera de uma representação do real.
Como cita Koudela acerca dessa função “[...] a criança realiza uma ação
mimética, que constitui por assim dizer a primeira imagem, que nesse
momento ainda não é mental mas exteriorizada, através da ação”
(KOUDELA, 2011, p. 34), o que seria a base do jogo simbólico, a ação
deslocado do seu contexto de origem.
Por meio do jogo a criança assimila novas experiências, mas é a
partir do ato de imitar que a criança acomoda a experiência dentro de uma
estrutura cognitiva, ou seja, a criança se utiliza do jogo para assimilar e
26Constantin Stanislavski (1863-1938), ator, diretor, pedagogo e escritor russo de destaque entre os séculos XIX e XX. Criador do “Sistema”, uma série de procedimentos de interpretação teatral
amplamente difundido no teatro ocidental.
82
da imitação para acomodar. Cabe ressaltar que as fases de imitação
desenvolvem-se em paralelo à evolução do jogo.
Não me prolongarei a discutir questões relacionadas à teoria
piagetiana, uma vez que a psicologia do desenvolvimento não é o foco
deste trabalho. Interessa-me pensar que Koudela utiliza-se das etapas de
maturação do jogo na criança para compreender e explicar o meio pelo
qual essa poderá se apropriar da estrutura da linguagem teatral.
Resumidamente, as etapas propostas por Piaget seriam:
1 – Os jogos de exercício (iniciam no período sensório-motor do
desenvolvimento cognitivo) que tem origem nos primeiros meses de vida
da criança e caracterizam-se pela repetição de movimentos e ações que
exercitam funções tais como andar, correr, saltar e outras, pelo simples
prazer funcional. Estes jogos serão realizados ao longo da vida.
2 – Os jogos simbólicos, que teriam origem no segundo ano
(etapa pré-operatória do desenvolvimento cognitivo), caracterizando-se
pela função simbólica emergente, ou seja, a habilidade de estabelecer a
diferença entre alguma coisa usada como símbolo e o seu significado real.
Iniciam-se, com a realização de ações habituais como dormir, comer ou
lavar-se que, reproduzidas fora dos seus contextos, evidenciam o
denominado esquema simbólico.
Essa forma primitiva do símbolo lúdico, “[...] marca a passagem
do jogo de exercício para o jogo simbólico: a criança passa a exercitar,
por meio da ficção, as suas ações cotidianas, sem os objetivos reais que
as determinam” (SANTOS, 2004, p. 73). Entre os 04 e 07 anos de idade
os jogos vão se aproximando do real e o jogo simbólico da criança passa
a caracterizar-se pela representação imitativa deste real.
3 – Os jogos de regras. A fase que vai dos 07/08 aos 11/12 anos,
caracteriza-se, segundo Piaget, pelo declínio evidente do jogo simbólico
em proveito do jogo de regras. Esta passagem interessa à proposta dos
jogos teatrais, que se pauta, como citado anteriormente, na regra como
forma de mediar a assimilação da estrutura da linguagem teatral. Nas
palavras de Koudela:
A passagem do jogo dramático ou jogo de faz-de-
conta para o jogo teatral pode ser comparada com
a transformação do jogo simbólico (subjetivo) no
jogo de regras (socializado) [...] A passagem do
jogo dramático para o jogo teatral é uma transição
muito gradativa, que envolve o problema de tornar
manifesto o gesto espontâneo e depois levar a
criança à decodificação do seu significado, até que
83
ela o utilize conscientemente, para estabelecer o
processo de comunicação com a plateia.
(KOUDELA, 2011, p. 44-45).
Na perspectiva apontada por Koudela, jogo dramático infantil,
jogo simbólico e faz-de-conta são conceitos sinônimos que se referem ao
mesmo período do desenvolvimento da capacidade simbólica da criança,
na qual ela apreende o universo ao seu redor relacionando-o com suas
construções cognitivas, sensoriais e subjetivas, ou, como defende Piaget,
com seus “esquemas”, por meio da imitação e da representação.
Como argumentei ao apresentar o trabalho de Viola Spolin, não
se justifica a utilização da metodologia Jogos Teatrais para o
desenvolvimento de uma proposta de experimentação teatral na Educação
Infantil, por conta das crianças deste segmento de ensino se encontrarem
justamente num período cognitivo anterior ao que se propõe com o citado
sistema.
Ainda que o sistema se apoie na busca pelo desenvolvimento da
espontaneidade da criança, ao responder de forma física aos problemas
postos por meio do jogo, alguns de seus pilares são impossíveis de serem
trabalhados na Educação Infantil, como, por exemplo, o procedimento da
“avaliação”.
A “avaliação”, proposta por Spolin e Koudela a qual se realiza
depois que cada “time” terminou de trabalhar com um problema de
atuação, propõe que o observador (que estava na plateia) faça uma
avaliação objetiva acerca do que foi “comunicado” pelo(s) jogador(es).
A relação que se estabelece com a plateia é fundamental para a
assimilação do jogo e a avaliação realizada após a experimentação é
necessária à compreensão dos mecanismos teatrais que se encontram
embutidos nestes.
A relação palco/pateia, nesse molde, não se aplica à Educação
Infantil. As capacidades de reflexão e abstração necessárias para se julgar
o que foi comunicado ou não pelo jogador, se esse se manteve ou não no
“foco” do jogo, são capacidades ainda em processo de construção na faixa
etária desse segmento de ensino.
Cabe ressaltar, entretanto, que Koudela realizou uma
performance com o Grupo Foco27 na VX Bienal de Arte de São Paulo, no
ano de 1979, direcionada à crianças com menos de 06 anos. Utilizando
como pré-texto o relatório de um projeto desenvolvido por Madalena
27 Grupo formado, principalmente, por estudantes do Setor de Teatro da Escola de Comunicações e Artes da USP. Fez experiências práticas com o sistema de jogos teatrais durante os anos de
1978 e 1979.
84
Freire com crianças de 04 anos na Escola Criarte, intitulado “Genoveva
Visita a Escola ou A Galinha Assada”, a proposta do grupo não era a
representação da história da galinha, mas o desenvolvimento de um
processo de experimentação a partir da realização de jogos.
Ainda que a proposta citada tenha se pautado na ideia de jogar
com as crianças em torno dos temas propostos por aquele pré-texto,
exaltando a iniciativa e espontaneidade da criança, não se trata da
utilização da metodologia dos Jogos Teatrais, mas um desdobramento
dessa que se aproxima da proposta metodológica que proponho nesta tese.
É preciso ressaltar que há uma confusão acerca do termo “jogo
dramático”, sendo esse usado tanto para se referir a uma etapa do
desenvolvimento do jogo na criança quanto a uma metodologia de ensino
do teatro. Acerca do termo Pupo afirma o seguinte:
Determinados autores o utilizam como tradução de
dramatic play, enquanto outros se valem do termo
para designar a tradução, em nossa língua, do
original francês jeu dramatique. Ambas as
utilizações possuem em comum o fato de
derivarem do radical grego drama, que designa
ação. Assim, vinculam-se ambos à ideia de
dramatização, ou seja, de uma imitação através da
ação. [...] A natureza dessa dramatização, seu
significado – assim como o tratamento pedagógico
preconizado para o seu desenvolvimento –
divergem amplamente conforme a perspectiva em
que nos colocamos: anglo-saxã ou francesa.
(PUPO, 2005, p. 220).
No caso do inglês Peter Slade, citado anteriormente, o termo
refere-se à brincadeira dramática espontânea da criança. A concepção
francesa de jogos dramáticos (jeu dramatique) foi criada por León
Chancerel (1886 – 1965) nos anos de 1930, a partir de um trabalho
pedagógico realizado junto a escoteiros e participantes de movimentos de
juventude. Pupo (2005) explica que no início de seu desenvolvimento o
jogo dramático tratava de uma modalidade de improvisação com regras,
efetuada a partir de temas e enredos lançados pelo coordenador, preconizando a prática improvisacional como um caminho para que o
participante descobrisse a sinceridade na sua representação. Segundo
Pupo, essa prática teatral
85
[...] privilegia a relação entre o trabalho em grupo
e a expressão pessoal dos participantes, mediante
uma atuação improvisada que se contrapõe à
simples reprodução de formas teatrais consagradas.
Essa perspectiva, inicialmente dirigida para a
atuação junto a crianças e jovens, conforme
apontamos, estendesse mais tarde também aos
adultos. (PUPO, 2005, p. 225).
Os jogos dramáticos franceses tem o autor Jean-Pierre Ryngaert
como sua mais expressiva referência. Dos seus três livros, entretanto, que
abordam essa metodologia, o primeiro, Le jeu dramatique en milieu scolaire, publicado em 1977, possui apenas uma tradução feita em
Portugal e somente o terceiro Jouer, représenter: pratiques dramatiques et formation de 1985, (Jogar, representar: práticas dramáticas e
formação) possui uma tradução brasileira realizada, realizada em 2009.
Devido à inacessibilidade desse material no Brasil, essa metodologia é
pouco conhecida no meio educacional brasileiro28.
Interessa para esta pesquisa compreender as diferentes noções do
termo jogo dramático. No sentido inglês, corresponde a uma modalidade
lúdica natural à criança que pode ser ampliada pelo coordenador de um
processo pedagógico com o objetivo de incentivar a livre expressão do
participante. No caso francês, trata-se de uma modalidade de
improvisação capaz de desenvolver tanto a habilidade natural para o jogo;
“sem perder o prazer próprio ao jogo espontâneo, almeja-se que os
participantes conquistem a capacidade de criar, organizar, emitir e
analisar um discurso cênico”. (DESGRANGES, 2006, p. 94), propondo a
investigação de aspetos próprios à linguagem teatral, como um
instrumento para a reflexão da vida social, contribuindo com o
crescimento pessoal do participante.
Se tomarmos a versão francesa como referência, por se tratar de
uma metodologia apoiada na regra, assim como os jogos teatrais de
Spolin, teríamos dificuldades de trabalhar com crianças da Educação
Infantil. Essa metodologia, entretanto, possui estruturas mais “abertas”, o
que facilita sua adaptação ao público infantil. Tomando a versão inglesa
como referência, estaríamos tratando de uma atividade naturalmente
realizada pela criança e, para os autores ingleses do jogo dramático
28 Além das obras de Ryngaert, podem-se encontrar definições e exemplos de sessões de Jogos Dramáticos no livro “Pedagogia do Teatro: provocação e dialogismo” (2006) de Flávio
Desgranges, bem como nas obras de Olga Reverbel e Maria Clara Machado.
86
infantil, não estaríamos trabalhando com teatro, mas ampliando a
capacidade dramática da criança.
Interessa-me pensar que a brincadeira de faz-de-conta, mediada
pelo professor, pode ser transformada em uma experimentação da
linguagem teatral, distante de modelos tradicionais de teatro, mas pautada
na crença de que a criança performatiza ainda que não construa um
discurso voltado a uma plateia exterior à experimentação. O professor,
munido de experiências e conhecimentos acerca da linguagem teatral,
pode iniciar um processo de ampliação do espaço lúdico da criança, por
meio de experimentações teatrais. Dessas experimentações ele conduziria
a uma assimilação de aspectos da linguagem teatral, iniciando uma
familiarização com tal linguagem.
Dentre as pesquisas que se dedicaram, nos últimos 10 anos, a
discutirem o ensino do teatro na Educação Infantil, inicio apontando o
trabalho da professora Vera Lúcia Bertoni dos Santos, detalhado no livro
Brincadeira e conhecimento: do faz-de-conta à representação teatral (2004), no qual a autora discute aspectos relacionados à maneira como os
trabalhos com elementos dramáticos e teatrais tem sido desenvolvidos no
âmbito da Educação Infantil. Além das discussões propostas, Santos
entrevistou 12 professoras de uma instituição de Educação Infantil,
buscando compreender a maneira como essas trabalhavam com os
elementos teatrais ou, quando não trabalhavam, como os compreendiam
dentro desse espaço de ensino e, ainda, como percebiam as brincadeiras
realizadas espontaneamente pelas crianças.
Em sua obra, Santos apresenta também os discursos de 15
crianças (entre 03 e 06 anos), também entrevistadas, na busca pela
compreensão do modo como elas percebiam as atividades dramáticas e
teatrais realizadas com seus professores, assim como a maneira como
percebiam as produções teatrais com os quais tinham contato, seja por
intermédio da escola ou dos pais. Cabe ressaltar que a autora utiliza como
referência principal para suas reflexões os estudos desenvolvidos por Jean
Piaget.
Alguns aspectos me parecem importantes de serem destacados
da obra de Santos por, de certo modo, justificarem a presente pesquisa.
Santos retrata a carência de publicações referente a abordagens históricas
ou metodológicas do ensino do teatro e a consequente necessidade de
trabalhos que discutam a construção da linguagem teatral na infância.
Aborda a necessidade de superação dos modelos tradicionais e
autoritários de ensino do teatro, ainda presentes sob o “chavão” de
“teatrinho”, pautados em montagens teatrais realizadas com crianças
pequenas. Outro aspecto ressaltado é a ausência de intencionalidade
87
pedagógica quando se propõe a “brincadeira livre” ou a “hora do
brinquedo”, ignorando-se a importância do desenvolvimento da
ludicidade de caráter dramático na infância.
A autora afirma que a má qualificação do trabalho docente gera
abordagens empiristas do ensino do teatro, nas quais as crianças são
“treinadas” a executar as ações idealizadas pelas professoras, impedindo
sua participação ativa no processo, formas estas alheias ao movimento
teatral que se desenvolve fora dos muros da escola. No que diz respeito à
fruição, Santos destaca que o acesso limitado das crianças a espetáculos
teatrais e a qualidade “discutível” desses são aspectos nocivos à
construção da linguagem teatral, além da reprodução de modelos culturais
veiculados pela televisão e cinema frequentemente serem confundidos,
pelas crianças, com a representação teatral.
Santos (2004, p. 48-54) identifica dois modos de abordagem do
teatro no meio educacional possíveis de serem trabalhadas pelos
profissionais da Educação Infantil: o jogo dramático francês29 e o jogo
teatral da norte-americana Viola Spolin, difundido no Brasil por Ingrid
Koudela, ambos citados e discutidos anteriormente.
Apoiando-se na teoria piagetiana para fundamentar e discutir a
passagem da brincadeira de faz de conta para a representação teatral, a
autora traz exemplos tanto de sua vida pessoal quanto das observações
realizadas demonstrando o modo como esse processo construtivo se dá.
Para ela:
Os jogos simbólicos surgem por volta dos dois anos
de idade e principiam com condutas individuais
que denunciam a função semiótica. Observa-se, a
partir daí, uma crescente capacidade de imitação
dos modelos da vida real, que evoluem em direção
ao simbolismo plural, no qual um grupo de crianças
cria representações de cenas que vão,
gradativamente, sendo aperfeiçoadas e
enriquecidas simbólica e esteticamente, superando
o caráter generalizador do símbolo das crianças
menores (SANTOS, 2004, p. 84).
29 Segundo Santos “o jogo dramático [...] surgiu por influência das ideias de Lèon Chancerel (1941) e Jean Chateau (1954) e foi desenvolvido por diversos autores franceses, desde, Catherine
Dasté (1975) e Pierra Leenhardt (1973) até sua atual formulação, contida nos trabalhos de
Richard Monod (1983) e Jean-Pierre Ryngaert (1981)” (2004, p. 48). No Brasil os jogos dramáticos foram apresentados em alguns artigos de pesquisadores como Maria Clara Machado,
José Ronaldo Faleiro e Maria Lúcia Pupo.
88
Santos finaliza seu texto ressaltando a formação dos profissionais
que atuam na Educação Infantil como uma ação necessária à compreensão
da “[...] maneira de como a evolução da atividade lúdica pode
desencadear condutas lúdicas coletivas e intencionalmente teatralizadas
[...]” (2004, p. 114). Faz-se necessário, portanto, levar esses profissionais
a conhecerem os elementos que constituem o fazer pedagógico teatral,
aliando tais elementos aos conhecimentos acerca do desenvolvimento
cognitivo e intelectual das crianças.
O desconhecimento da potencialidade criativa e educativa do
trabalho pautado no jogo, na imitação, em experimentações lúdicas e
dramáticas, faz com que as práticas pedagógicas distanciem-se da
linguagem teatral ou coloquem-na num lugar equivocado, centrado em
um modelo adulto e impositivo que busca, a “transmissão” de
conhecimentos, o “resultado”, ou objetivos genéricos como “desenvolver
a criatividade”, “desinibir” e “socializar”.
Outra referência que destaco, por sua abordagem do fazer teatral
relacionar-se com a Educação Infantil, é o livro A linguagem teatral na
escola (2007) de Ricardo Japiassu. Diferente de Santos, Japiassu pauta
suas reflexões na concepção histórico-cultural do desenvolvimento
humano e, desse modo, aproxima a Pedagogia do Teatro de discussões
mais contemporâneas sobre a infância.
Nessa concepção, a criança é vista como um sujeito que pertence
a uma organização familiar específica, inserida em um determinado grupo
social com valores culturais próprios, “[...] situado em um momento
histórico muito preciso de determinada sociedade” (JAPIASSU, 2007, p.
12) e, nesse sentido, o trabalho pedagógico não se pautará em “limites
restritos”, “padrões generalizantes”, “capacidades específicas” e outros
conceitos que homogeneízam as diferentes crianças, as diferentes
infâncias, os diferentes contextos.
A concepção histórico-cultural tem como foco de estudo o
desenvolvimento do indivíduo e da espécie humana como resultado de
um processo sócio histórico, no qual as relações que os sujeitos
estabelecem com a realidade circundante seriam responsáveis por seus
processos de construção de conhecimento. Nesse processo, as
experimentações propiciadas por aqueles que interagem com as crianças,
os hábitos, as atitudes, os valores, os costumes, assim como a linguagem,
vão contribuir de forma definitiva com a apropriação e construção de
conhecimentos e experiências.
Ao levar em consideração que muitas crianças permanecem
durante horas em espaços educativos, principalmente com a atual
obrigatoriedade de que a partir dos 04 anos elas frequentem a Educação
89
Infantil, esse espaço institucional e as pessoas (professores, auxiliares,
pessoal da cozinha e limpeza e demais crianças) que o compõem, terão
influência no modo como as crianças se apropriarão da cultura. No caso
específico das manifestações artísticas, as músicas que ouvirem ou
criarem, as histórias em que se envolverem, experiências corporais que
tiverem, espetáculos que assistirem nesse espaço, irão compor parte do
repertório das crianças.
É importante ressaltar que não se trata de um determinismo
histórico e cultural no qual a criança absorve passivamente tudo que
acontece ao seu redor e passa a reproduzir as ações com as quais lida no
seu cotidiano. Ela age de forma ativa no processo de construção de sua
história e cultura, transformando-se e transformando o outro com o qual
interage.
Nesse sentido, Japiassu ressalta que o melhor estímulo à criação
artística infantil seria a organização do ambiente educativo da criança de
modo a gerar a necessidade – e a possibilidade – de expressão da
criatividade. E, nesse sentido, o professor é considerado o parceiro mais
experiente, aquele que, com seu conhecimento mais desenvolvido, pode
organizar tempos, espaços, projetos e situações que proporcionem a
experimentações diversas e com essas, a conquista de diferentes
experiências.
O autor acredita haver um sequência ontogenética do fazer de
conta infantil, estruturada da seguinte maneira: “(1) imitação ou
manipulação objetal; (2) faz-de-conta com personificação; (3) faz-de-
conta com personificação e projeção; (4) faz-de-conta projetado e (5)
devaneio” (2007, p. 39), cada uma delas discutidas em sua obra.
As quatro primeiras etapas podem ser compreendidas a partir da
abordagem de Peter Slade, ainda que Japiassu proponha uma inversão das
etapas propostas por aquele autor e acrescente uma etapa híbrida, entre
personificação e projeção. O “devaneio” é definido por Japiassu da
seguinte maneira: “[...] refere-se ao pleno desenvolvimento da
imaginação, sem nenhuma espécie de auxílio ou suporte material. [...] diz
respeito à criação de ‘enredos’ num plano intramental. Trata-se de ‘sonhar
acordado’” (2007, p. 36).
Não cabe a esta pesquisa discutir as etapas de desenvolvimento
das condutas lúdicas, imitativas e representativas infantis. Na perspectiva
que defendo através do Drama pelo diálogo que acredito haver com a
concepção histórico-cultural, percebo ressonâncias entre a maneira que
penso o trabalho teatral com Educação Infantil e o modo como Japiassu
expõe a teoria da qual se apropria.
90
Cabe ressaltar que Japiassu desenvolveu experimentos junto a
crianças e que esses são descritos em seu livro. Entretanto, ainda que
tenha se pautado na concepção histórico-cultural no desenvolvimento de
seu argumento sobre a atividade cênica na Educação Infantil, percebo
uma contradição entre essa teoria e a maneira como ele desenvolveu sua
prática junto aos pré-escolares.
Segundo sua descrição, Japiassu realizou 14 sessões de trabalho
com crianças em idade pré-escolar em uma escola Municipal de Educação
Infantil de São Paulo, com uma turma multisseriada (entre 04 e 06 anos).
Sua referência metodológica foi o sistema de Jogos Teatrais (de Viola
Spolin), adaptando jogos tradicionais brasileiros a esse sistema. Aliou aos
procedimentos (foco, instrução, plateia e avaliação) ao de círculo de
discussão (de Paulo Freire) e área de jogo (de Augusto Boal) e protocolos
de sessão (derivados das peças didáticas de Bertolt Brecht).
Os grupos multisseriados originaram-se da concepção
vygotskiana de que os mais velhos podem ajudar os mais novos a
resolverem “problemas” ou encararem desafios que se julgam incapazes
(ou que os outros os julgam incapazes) de realizar por conta de serem
mais novos. Ao ajudarem, os mais velhos aprendem a cuidar dos mais
jovens e a respeita-los e os mais jovens desafiam-se mais30.
Ao trabalhar com os jogos teatrais, Japiassu coloca a
experimentação vygotskiana dentro de uma estrutura regrada piagetiana,
que aborda o teatro a partir de capacidades, etapas, avaliação, assimilação
de regras. Ao separar as crianças entre plateia e “atores”, o que ocorre nos
jogos teatrais, ele deixa de explorar justamente a possibilidade de
trabalharem juntos em uma experimentação dramática.
Apoiando-se no jogo de regra, o qual se encerra no momento da
concretização do objetivo, as respostas pessoais, as questões trazidas
pelas crianças, deixam de ser exploradas em prol do jogo em si. Essas
questões não geram novas experimentações que poderiam ser
aprofundadas a ponto de se tornarem experiências mais elaboradas e
talvez, passíveis de serem compartilhadas.
Em Um palco para o conto de fadas (2008), Luiz Fernando de
Souza propõe um trabalho com a linguagem teatral na Educação Infantil
a partir da montagem de peças teatrais, sua argumentação é
completamente oposta à que defendo. Ele trabalha com falas decoradas,
ensaios, marcações, professores atuando junto com as crianças como
30 No capítulo 5 ao abordar a ideia de interação entre aprendizagem e desenvolvimento,
apresentarei o conceito de zona de desenvolvimento próximo, que fundamenta as práticas com
grupos multisseriados.
91
modelo ou narrando as ações que devem ser realizadas por elas. O autor
usa o termo “interpretação” para se referir ao trabalho das crianças e cita
relatos dos outros professores, que com ele trabalham, que utilizam
expressões como “atuar com grande espontaneidade”.
O desenvolvimento do trabalho de montagem parte das
explicações feitas acerca das “reações” que as personagens realizam em
cada situação que enfrentam na história. A partir dessas explicações as
crianças, segundo o autor, entenderiam a razão do que “interpretam” e
compreenderiam a movimentação que devem realizar em cena, como se
pode constatar na seguinte citação:
Durante o processo de ensaio, as marcações da peça
são do educador de teatro, mas submetidas ao crivo
das crianças que as deverão realizar e dos outros
educadores que tem liberdade para alterar qualquer
uma delas, visando facilitar a realização das
mesmas pelas crianças. [...] Reações dos
personagens da peça (medo, alegria, raiva, susto)
são explicadas detalhadamente às crianças, para
que compreendam a razão daquilo que pedimos que
interpretem ou de alguma movimentação que
estiver sendo ensaiada [...]. (SOUZA, 2008, p. 53).
Aponto essa obra justamente por perceber que muitos trabalhos
com a linguagem teatral na Educação Infantil pautam-se nesses mesmos
procedimentos metodológicos, os quais considero ignorarem a
participação efetiva das crianças por enfatizarem a visão adulta de
produto. Quais experiências as crianças poderão gerar a partir de uma
reprodução de “reações”, “movimentações” e “falas”? Que tipo de
envolvimento pode acontecer se a criança acaba reproduzindo ações
impostas? Como sua imaginação pode ser aguçada se ela não precisa
criar, pensar, experimentar, se tudo lhe é indicado pelo professor?
Em um movimento oposto ao de Souza, Marina Marcondes
Machado (2010), propõe o conceito de criança performer a partir da
interlocução com a Fenomenologia (de Maurice Merleau-Ponty) e a
Sociologia da Infância (de Manuel Jacinto Sarmento), colocando a
criança, suas percepções de mundo e maneiras de se expressar sobre esse,
como o cerne do seu trabalho.
Machado privilegia o trabalho do educador com a linguagem
teatral a partir de algumas características do que se nomeia teatro pós-
dramático e da cena contemporânea cuja dramaturgia, segundo a autora
“[...] apresenta uma frágil fronteira entre teatro, dança, poesia, literatura
92
e a arte da contação de histórias” (2010, p. 118). Nesse sentido, aproxima
o teatro da maneira como a criança interage com as linguagens, de forma
híbrida, expressando sua individualidade em uma relação direta entre arte
e vida. Como é possível perceber na citação:
[...] o mais autêntico protagonismo das crianças
pequenas pode ser visto como ato performático:
dizeres intensos pelo corpo, no corpo, são atos
exercidos em cada uma das linguagens da primeira
infância, tal como a cultura adulta propõe: brincar,
desenhar, dançar, criar narrativas próprias, cantar
(MACHADO, 2010, p. 131).
É justamente a colocação da criança como centro do processo
dramático, como aponta Machado, incentivando percepções diferenciadas
do mundo, propondo novas maneiras de interagir com o outro, com o
espaço, com os materiais, com sua criatividade e expressividade latentes,
que busco discutir uma proposta metodológica que dê fundamentos ou
indicativos para os professores experimentarem modos de trabalhar com
a linguagem teatral de forma contextualizada e significativa para as
crianças.
O Drama, como será apresentado no próximo capítulo, é um
fazer teatral que se apoia na experimentação de um contexto ficcional sem
diferenciação entre ator e plateia, sem a reprodução de um texto
dramático, sem a exigência da divisão de papéis, apropriando-se dos
materiais criados pelos participantes ao longo do processo. Nesse sentido,
o teatro que acredito possível e condizente com a Educação Infantil
aproxima-se de experiências contemporâneas com essa linguagem. Se
considerarmos que convenções tradicionais do teatro como
“personagem”, “divisão entre quem faz e quem assiste”, “local específico
para apresentação”, “representação de um texto dramático”, “existência
de um diretor”, “ficção distanciada da vida real” tem sido questionadas e
transpostas em outras diversas possibilidades na cena atual, penso que
seja necessário rever os modelos de fazer teatral que tem pautado o ensino
dessa linguagem na escola.
Conforme lembra Vygotsky (2001), a criança necessita se
comunicar e para isso ela se utiliza do gesto, da fala, do desenho, da
brincadeira, do faz de conta, buscando expor seus desejos, pensamentos e
aspirações, bem como dialogar com o mundo que a cerca na busca pela
compreensão deste. Nesse sentido, ao se apropriar de materiais e
93
performatizar dentro de uma proposta de experimentação, a criança
produz arte e faz teatro.
Não busco, portanto, apoiar-me em técnicas ou sistemas
padronizados de ensino, que deixem de levar em consideração o contexto
no qual a criança está inserida, assim como as necessidades específicas
do seu entorno histórico, cultural e social. Justamente, por ter como um
de seus pilares a ressonância entre contexto real e contexto ficcional em
um processo lúdico e experimental de construção de conhecimentos, que
busco me apropriar do Drama como uma possibilidade metodológica de
trabalho com a linguagem teatral na Educação Infantil.
95
3 DRAMA COMO APROPRIAÇÃO DA LINGUAGEM
TEATRAL: FUNDAMENTOS DA PESQUISA
No primeiro capítulo apresentei um breve contexto histórico da
criação da Educação Infantil no Brasil e na cidade de Florianópolis, bem
como os direcionamentos pedagógicos que subsidiaram a organização
dessa etapa da Educação Básica. Busquei pontuar os momentos em que a
Arte ou a linguagem teatral foram indicadas seja como atividade,
conteúdo, ou mesmo quando ignoradas pelas propostas pedagógicas tanto
nacionais quanto municipais. Apresentei o grupo Trupe da Alegria com o
qual realizei os experimentos que compõem este trabalho e, por fim,
expus as principais obras que, nos últimos 10 anos, discutiram o trabalho
com a linguagem teatral com crianças mais novas, buscando refletir sobre
o tratamento dado a esse trabalho pelos pesquisadores da área da
Pedagogia do Teatro.
Dedico-me, neste novo capítulo, a apresentar o método do
Drama, contextualizando sua origem e o modo como tem sido
ressignificado no Brasil. Parto das obras de Gavin Bolton, Cecily O’Neill,
John O’Toole e Jonathan Neelands e chego a obra de Beatriz Cabral.
Posteriormente, discorro sobre as principais convenções do Drama, assim
como destaco as estratégias que foram utilizadas na estruturação dos
processos que serão apresentados no próximo capítulo.
Ao apresentar e discutir as convenções do Drama e justificar as
estratégias selecionadas, busco enfatizar sua proximidade com o trabalho
pedagógico desenvolvido na Educação Infantil, buscando, dessa maneira,
apresentá-lo como um encaminhamento metodológico possível para o
trabalho de inserção de elementos da linguagem teatral nesse segmento
de ensino, sem ignorar as questões próprias do universo infantil.
3.1 DRAMA COMO MÉTODO DE ENSINO
O Drama, uma forma essencial de comportamento em todas as culturas,
permite explorar questões e problemas centrais à condição humana, e oferece
ao indivíduo a oportunidade de definir e clarificar sua própria cultura. É uma
atividade em grupo, na qual os participantes se comportam como se estivessem
em outra situação ou lugar, sendo eles próprios ou outras pessoas.
(Beatriz Cabral)
96
Para compreender o método31 do qual pretendo me apropriar
nesta pesquisa, é necessário observar que a palavra drama – do grego
drao, significando ação – traduz a construção de um tempo/espaço
ficcional, no qual, seus criadores agem como se estivessem em tal espaço,
como Cabral retrata na citação acima; e que tal construção prescinde da
existência de uma plateia.
Esse espaço de criação ficcional é facilmente acessado pelas
crianças, justamente por isso que seus jogos infantis imaginativos (ou
jogos de faz de conta) são nomeados, por alguns autores, de jogos
dramáticos infantis. Essa prerrogativa é apontada por Bowell e Heap
como a base para a estruturação de um processo de Drama: “[...] a inata
predisposição das crianças para aprenderem através do jogo dramático”
(2013, p. 08, tradução nossa). A partir dessa predisposição ao jogo, o
condutor de um processo poderá incentivar as crianças ao
desenvolvimento de novas experiências dramáticas.
Enquanto o jogo de faz de conta é uma atividade naturalmente
desenvolvida pela criança, o Drama, como método de trabalho
pedagógico e prática teatral, busca se apropriar desse espaço ficcional
para a construção de conhecimento, por meio da inserção dos
participantes em situações dramáticas – agindo como se estivessem
realmente em tais situações. Apoia-se na habilidade natural dos seres
humanos de criarem e jogarem com situações imaginárias, fazendo com
que os participantes lidem e experimentem questões do mundo real por
meio da ficção e reflitam sobre a experiência realizada.
Os projetos de Drama podem ter os mais diversos objetivos,
desde a investigação, criação e recriação de questões e temas que
transitam pelos conteúdos curriculares através de um procedimento
experimental, até a apropriação de estruturas da linguagem teatral. Pode
desenvolver um processo direcionado a montagem de um texto teatral,
por meio da apropriação e recriação desse texto, ou mesmo a construção
coletiva de uma narrativa dramática. Bowell e Heap afirmam que “[...]
todas essas formas de experiência dramática compartilham os mesmos
elementos comuns ao teatro: foco, metáfora, tensão, símbolo, contraste,
papéis, tempo, espaço [...]” (2013, p. 01, tradução nossa) e, por isso, o
Drama pode ser considerado como um método para o ensino do Teatro.
Independente de qual seja o objetivo da instauração de um
processo de Drama, é importante frisar que a essência desse trabalho
31 Tratarei o Drama como método e não como metodologia por compreender que ele não trata de
uma abordagem específica para a realização de um processo dramático, são diversas as possibilidades e caminhos para o desenvolvimento de uma proposta de Drama. Deste modo,
busco acentuar sua amplitude como um direcionamento pedagógico.
97
encontra-se no ato do participante experimentar estar em “outro” tempo e
espaço, vivenciando diferentes papéis dentro do contexto ficcional; e,
nesse sentido, Drama e Teatro possuem a mesma essência, a experiência
dramática de fazer de conta. Assim como o Teatro, o Drama pode ser
considerado uma arte dramática, ainda que não seja uma arte voltada à
comunicação com uma plateia externa ao processo.
É importante perceber que um processo de Drama sempre terá
um conteúdo, sempre acontecerá em torno de um tema, trabalhará “sobre”
algo. Ele oferecerá sempre dois vieses de aprendizagem – sobre a natureza
dramática e sobre um determinado assunto (conteúdo, curiosidade,
mistério, investigação etc.) por meio da experiência dramática. O
condutor e os participantes irão focar ora em um aspecto ora em outro,
mas os dois aprendizados estarão sempre interligados. Dependendo da
formação do professor e dos objetivos pedagógicos pelos quais ele
desenvolverá um processo, ele poderá estar mais centrado no conteúdo a
ser apropriado pelos participantes ou na ampliação de sua capacidade
dramática, improvisacional e artística.
3.1.1 Origens do Drama
Para buscar compreender a origem desse método e os caminhos
pelos quais percorreu até chegar ao contexto brasileiro, gostaria de
retornar ao início do século XX, quando a pioneira na abordagem da arte
dramática32 na educação, a professora de escola primária33 Harriet-Finlay
Johnson (1871-1956), iniciou uma discussão em torno do modo como
essa linguagem era trabalhada nas escolas inglesas.
Ainda que, naquele contexto, a apropriação de textos teatrais se
desse como um meio para a aprendizagem de outros conteúdos – como a
língua inglesa e a literatura dramática, principalmente –, Johnson discutia
a errônea valorização do produto artístico (montagem de peças,
memorização de falas, habilidades técnicas) em detrimento do processo
de aprendizagem sobre a peça. Johnson criticava também esse
procedimento, por se pautar nas escolhas do professor acerca do material
dramático a ser trabalhado com os estudantes e não na capacidade destes
32 Utilizarei a expressão arte dramática como o ensino global desta linguagem unindo tanto as
concepções dramáticas quanto teatrais e, também, para a diferenciação das abordagens que enfatizam o viés teatral (as quais me referirei como ensino do teatro) daquelas que trabalham
com o Drama. 33 A escola primária seria correspondente ao Ensino Fundamental brasileiro.
98
de explorarem seus próprios jogos e desenvolverem sua ludicidade a
partir dos conteúdos abordados no texto dramático, por exemplo.
Ao invés do professor propor um jogo que pudesse desenvolver
as “habilidades necessárias” a uma “boa” desenvoltura na apresentação
de uma peça, Johnson se dava conta de que se as crianças criassem seus
próprios jogos, conjugando o trabalho dramático com os conteúdos das
diversas disciplinas, as relações interdisciplinares tecidas seriam as
mediadoras da experiência educacional e, portanto, deslocar-se-ia o foco
de aprendizagem do professor para o educando.
Nessa ótica, a ampliação do conhecimento (dos mais diversos
conteúdos) se daria por meio da experiência dramática coletiva,
colocando-se menos ênfase em exercícios e atividades que ensinassem
habilidades voltadas à produção de um espetáculo e sustentando a ideia
de processo colaborativo de aprendizagem entre professor e educando. A
realização de uma montagem teatral seria o resultado de um processo que
representaria a visão de mundo e as necessidades das crianças de
abordarem um determinado tema e não apenas a dos adultos.
As discussões de Johnson retratadas no seu livro The Dramatic
Method of Teaching (1911) lançam as bases para o desenvolvimento de
outras propostas pedagógicas que vão colocar a experiência da criança
como o centro da construção de conhecimentos, influenciando estudiosos
como o também inglês Henry Caldwell Cook (1835-1939) – autor de The
Play Way (1917) – e John Dewey (1859-1952) – principal representante
do movimento da educação progressiva norte-americana34.
Quase meio século depois de Johnson, em meados dos anos
1950, um grupo de professores ingleses reabriu a discussão acerca da arte
dramática na educação. Dessa vez houve uma separação entre um modelo
tradicional voltado à produção de espetáculos – processo centrado nas
escolhas do professor, aproximando-se da figura de um diretor teatral – e
outro modelo calcado na orientação de processos centrados no estudante,
que se afastava da ideia de produto artístico. Dentre os professores
desse segundo modelo cito Brian Way (1923-2006), Richard Courtney
(1927-1997) e Peter Slade (1912-2004) os quais questionavam se as
crianças deveriam ser “treinadas” como atores profissionais. Para esses
autores a natureza imaginária, que se expressa concretamente no jogo
34 A Educação progressiva ganhou expressão no Brasil a partir do movimento conhecido como Escola Nova. A base do pensamento de Dewey sobre a educação está centrada no
desenvolvimento da capacidade de raciocínio e espírito crítico do estudante, enfatizando a
construção do conhecimento por meio da experiência direta do educando sobre o conteúdo. Conceitos como espontaneísmo e livre-expressão são relacionados a esse movimento, ainda que
não seja essa a essência do movimento.
99
dramático infantil, geraria uma experiência possuidora de um valor
educativo por trabalhar justamente com a individualidade e
expressividade infantis, sem a preocupação com uma plateia. Way
afirmou que “[...] a educação está preocupada com os indivíduos; o drama
está preocupado com a individualidade das pessoas, com a singularidade
de cada essência humana” (1967, p. 03, tradução nossa), enfatizando,
portanto, a ideia de desenvolvimento da expressividade individual e de
sua capacidade criativa.
Nem a prática de treinamento da criança como um ator, nem o
foco na expressividade individual foram a base para um novo
entendimento que se desenvolveu acerca da utilização da arte dramática
na educação. A nova proposta colocaria a arte dramática como
facilitadora em situações de aprendizagem coletivas relacionadas aos
conteúdos do currículo escolar. Esse movimento ficou conhecido como
“Drama na Educação” em oposição ao “Drama Educação”, que tratava do
ensino da arte dramática por meio da montagem de peças teatrais.
A professora e atriz Dorothy Heathcote (1926-2011) tornou-se a
maior representante do movimento de Drama na Educação no sistema
educacional inglês. No final dos anos 1970, o Drama passa a ser
reconhecido como uma forma de arte e praticado em países como
Austrália, Inglaterra, Canadá, alguns países do norte europeu e nos
Estados Unidos, pontua O’Toole (1992, p. 04).
Para Heathcote “[...] drama não são histórias recontadas por meio
de ações. Drama significa seres humanos confrontando-se com situações
que os modificam por conta do que eles devem enfrentar ao lidar com
desafios” (HEATHCOTE apud O’NEILL, 1984, p. 48, tradução nossa).
Nessa perspectiva, o Drama torna-se promotor de uma construção
conjunta de conhecimentos. Os participantes ao agirem, reagirem e
interagirem imersos em um contexto ficcional, apropriar-se-ão de saberes
relativos a situações reais, seja de conteúdos curriculares, de temáticas de
seu interesse ou de questões sociais mais amplas.
Assim, a abordagem de Heathcote, conhecida como Drama
Vivencial, ao invés de buscar a dramatização de peças teatrais prontas,
incentivava os estudantes a elaborarem conjuntamente suas próprias
histórias a partir de questões do seu contexto. Em um processo que se
desenvolvia etapa por etapa, os participantes tinham que tomar decisões
para dar direcionamento ao Drama, evidenciando-se, dessa forma, a
utilização da improvisação teatral como base para a experimentação e
aprendizagem dos temas e conteúdos abordados no processo.
Podia-se utilizar um texto dramático como ponto de apoio para a
proposta vivencial, mas esse deveria ser reconstruído, adaptado,
100
apropriado a partir dos temas, conflitos e situações que sugerisse. Ao
vivenciar papéis dentro do Drama que eles estavam criando, os estudantes
necessariamente deviam entender as implicações de suas ações e o
significado delas. As vozes pessoais e coletivas eram ouvidas sempre que
necessárias à tomada de uma decisão para a continuidade do processo.
O maior ou menor engajamento do grupo com uma proposta era
resultado, em grande parte, da ressonância entre o contexto ficcional
criado para a experimentação dramática e o contexto dos participantes.
Portanto, fatos do cotidiano, temas de interesse, curiosidades relacionadas
com os conteúdos curriculares, eram a base de seus processos. Nesse
sentido, o Drama é tomado como um eixo promotor de
interdisciplinaridade ao possibilitar o relacionamento de aspectos da arte
dramática ao estudo de conteúdos curriculares.
Dorothy Heathcote (segundo Bolton, 1995) mostrava-se
preocupada com as experiências de aprendizagem dos estudantes que
eram negligenciadas pelo sistema educacional. Para ela, a melhor maneira
de um estudante interagir com os conteúdos escolares seria por meio do
Drama e, dentro dele, a promoção de uma intensa relação pessoal com o
material, com a exploração do tema proposto,
[...] empregando todas as experiências passadas
disponíveis ao grupo no momento presente e sua
capacidade imaginativa para criar vida, imagens da
vida em movimento, cujos objetivos são surpresas
e descobertas para os participantes e não para um
grupo de espectadores (HEATHCOTE, 1971, p.
43, tradução nossa).
O envolvimento íntimo com as questões apresentadas em um
momento do processo desafiaria os participantes a enfrentarem não só sua
compreensão da questão abordada, mas, também, a descobrirem qual
seria a melhor maneira de comunicar esse entendimento. Heathcote
afirma “[...] nós podemos dizer que a comunicação é a função crucial”
(1971, p. 43, tradução nossa). Ao resolverem problemas e discutirem as
motivações e relações humanas, os participantes construiriam
conhecimentos.
Heathcote desenvolveu a maior inovação no que diz respeito ao trabalho com Drama nas escolas inglesas. Vidor (2010) destaca que
Heathcote reforçou o caráter educacional do Drama, ao relacioná-lo à
aquisição de conhecimento e não ao desenvolvimento de habilidades
teatrais, como propunham os modelos tradicionais de trabalho com tal
101
linguagem, “[...] sem desconsiderar seu valor artístico e sua origem no
teatro” (2010, p. 28), buscando o fazer artístico como um caminho para a
construção de conhecimentos diversos.
Um ponto a ser destacado sobre o trabalho de Heathcote diz
respeito à maneira como ela incentivava os estudantes a se colocarem no
lugar do outro (papéis que assumiam) a fim de que os participantes
criassem empatia e entendessem os desafios postos “de dentro” da trama.
Ao invés de simplesmente tentar se colocar no lugar do outro (“se eu fosse
essa pessoa, o que eu faria?”), ela encorajava os estudantes a uma escolha
ética (“se eu fosse essa pessoa, o que deveria fazer?”).
Ao tratar os participantes como “peritos”35 em um determinado
assunto abordado no Drama – como pesquisadores, historiadores, juízes,
médicos, conselheiros, cientistas – Heathcote buscava perceber o
entendimento que os estudantes possuíam sobre determinado assunto ou
função social, e, a partir desse contexto, trazer informações que
ampliassem o repertório do participante. Ao tratá-los como especialistas,
enfatizava a responsabilidade que eles possuíam acerca das decisões a
serem tomadas para o encaminhando da proposta dramática.
As ações realizadas pelos participantes e seus significados eram
explorados para orientar os educandos na compreensão das “facetas” de
um papel social e das diversas perspectivas que o tema abordado poderia
desencadear. Dorothy incentivou também os professores a assumirem
papéis como parte da exploração. Essa proposta ficou conhecida como
“professor no papel”36, justamente por possuir experiências como atriz
que a questão da representação teatral é acentuada no seu trabalho.
Ao vestir um papel, o professor poderia propor novas ações
dentro de uma mesma situação e, desse modo, direcionar o foco de
atenção dos participantes questionando as opções tomadas por eles. Ao
interferir no processo, o professor mediaria a construção de
conhecimento, enfatizaria aspectos relacionados ao contexto,
incentivando os estudantes a explorarem diferentes formas de comunicar
seu entendimento sobre a situação.
Cabral (2009a) ressalta que a intervenção de Heathcote oscila
entre os níveis metodológico e ideológico. Há uma intervenção
metodológica ao estruturar e sequenciar o trabalho propondo novas
35 A estratégia “manto do perito” (mantle of the expert) será abordada no subcapítulo seguinte.
36 O conceito de “professor no papel” é uma das maiores contribuições de Heathcote ao Drama
na Educação. Esse conceito será melhor discutido no subcapítulo seguinte.
102
tarefas a partir das criações realizadas anteriormente pelos participantes
e, nesse sentido, enfatiza-se as atitudes tomadas por eles. No nível
ideológico, Dorothy tinha como foco a produção de significados pelos
participantes, “[...] ao selecionar as convenções e estratégias e em dar
prosseguimento à narrativa, Heathcote administra a percepção dos
participantes sobre a situação em pauta [...]” (CABRAL, 2009a, p. 42) e,
dessa maneira, dimensionava as opiniões e olhares sobre um determinado
problema.
Ainda que Doroty Heathcote tenha explorado questões teatrais,
seu foco de trabalho estava na discussão e compreensão dos temas
abordados e na construção de conhecimentos por meio da experimentação
dramática. Portanto, a questão da performance artística dos participantes
não lhe interessava. Desse ponto de vista percebe-se o desenvolvimento
de uma proposta de apropriação de aspectos da linguagem teatral como
um meio para o trabalho pedagógico. Ao enfatizar a construção de
conhecimentos, esse método foi difundido e apropriado tanto por
pedagogos, quanto por professores de teatro, cada qual se utilizando das
estratégias e convenções do Drama de acordo com suas propostas
pedagógicas.
Gavin Bolton, contemporâneo e parceiro de Heathcote, foi um
dos principais teóricos e praticantes do Drama na Educação. Davis (2010)
afirma que enquanto Dorothy inventava novas estratégias e formas de
abordar o Drama e as praticava com crianças e professores, Bolton
dedicava-se a sistematizar e teorizar os conhecimentos e práticas de
ambos, com o intuito de torná-los acessíveis internacionalmente.
Sobre o Drama, Bolton pontua:
Nós estaríamos habilitados para responder esta
questão: quais são a natureza e a função do Drama
quando ele opera no seu mais alto nível de
realização? Parece-me que uma possível resposta
para esta questão seria: quando ele é composto
pelos elementos comuns tanto aos jogos infantis
quanto ao teatro, quando os objetivos são ajudar as
crianças a aprenderem sobre aqueles sentimentos,
atitudes e preconceitos que, antes de
experimentarem o Drama, estavam tão implícitos
pra eles que não tinham consciência (BOLTON,
1971, p. 12-13, tradução nossa).
Em suas obras, Bolton discute às inquietações provenientes de
sua prática como professor de Drama, tais como: a relação entre Drama e
103
jogo, as naturezas cognitiva e afetiva da experiência, as relações entre os
jogos infantis, jogos dramáticos e teatro, como ajudar as crianças a
entenderem o mundo social que as circunda e as relações que estabelecem
com este.
Para Bolton a performance dos participantes, em si mesma, tem
mérito educacional, desde que seja resultado de uma exploração pessoal
e intensa do material que lhes foi oferecido como estímulo. Para ele se o
engajamento emocional dos estudantes for verdadeiro, eles não
representarão estereótipos, mas sim, experimentarão, por meio do
contexto ficcional, os desafios reais dos papéis e situações que
vivenciarem.
A performance será fruto da compreensão do estudante sobre o
material e não da visão imposta pelo condutor do processo, “[...] eles
desenvolvem a responsabilidade por sua aprendizagem” (BOLTON,
1984, p. 05, tradução nossa). Bolton propõe que ambos (professor e
estudante) engajem-se na análise contextual das ações embutidas dentro
de um texto (ou outro material) que sirva de base para o processo
dramático que se desenvolverá em etapas. Ao solicitar o engajamento dos
participantes, gerar-se-á uma apropriação do conhecimento construído e
do conteúdo abordado.
Bolton questiona a separação entre o jogo e a performance, defendendo a ideia de que a junção dessas duas práticas gera uma
experiência mais completa para a criança. Ao desenvolver uma
experimentação dramática, explorando temas de seu interesse, conduzida
pelo professor que, por seu maior conhecimento estabelece as relações
entre tais interesses e os conteúdos escolares, a criança pode dispor da
utilização de ferramentas dramático-teatrais, como papéis ficcionais,
cenários, objetos para aprofundar as questões trabalhadas.
A essência do Drama é a justaposição de dois contextos
concretos: o real e o ficcional e, portanto, se uma criança de 03 anos,
sentada em uma cadeira, com os braços esticados, fingi dirigir um carro,
o significado dessa experiência vai ser melhor compreendido e poderá ser
explorado pelo professor se esse levar em consideração que há um
processo dialético entre os dois contextos – entre a exploração pessoal do
seu corpo (no contexto real) e a performance (no contexto ficcional).
A partir dessa compreensão de Bolton acerca do Drama, que ele
cunha a expressão ‘living throught drama’ para expressar a maneira
como, tanto ele quanto Dorothy, concebiam a imersão dos participantes
em um processo – a vivência pelos participantes de uma determinada
situação que poderia ser real, por meio de um processo dramático.
104
Bolton e Heathcote (1994) resumem um dos princípios que deriva da
abordagem de Heathcote para o Drama na Educação:
Se você lida com formação de professores, você
deve continuar a trabalhar diretamente com
crianças, estudantes do jardim de infância, do
ensino fundamental, ensino médio, superior, ou
seja, em instituições de ensino de todos os tipos,
deste modo você está constantemente praticando o
que você pede para aos outros fazerem e evoluindo
os princípios teóricos a partir da prática
(BOLTON; HEATHCOTE, 1994, p. 03-04,
tradução nossa).
Portanto, o trabalho de Heathcote e Bolton desenvolveu-se a
partir da constante exploração das ferramentas metodológicas que
descobriam por meio dos problemas que enfrentavam na prática. Neste
sentido, a questão contextual está explícita. A partir do momento em que
o professor passa a reproduzir um modelo metodológico distanciado da
prática, ele está se afastando de um dos pressupostos do Drama que é o
de servir como um meio para o desenvolvimento de uma experiência
significativa através da exploração de questões do contexto real em um
contexto ficcional.
Bolton (1984) retrata que é um erro acreditar que os estudantes
poderão ter uma educação estética apenas porque eles adquiriram uma
boa quantidade de conhecimentos conceituais sobre Teatro ou Drama.
Aprender sobre algo nunca deverá e poderá substituir a aprendizagem
através do fazer, do engajamento com a proposta. Como aponta Davis ao
retratar o trabalho de Bolton: “Usar este engajamento para confrontar as
crianças com elas mesmas em relação ao mundo social do qual elas são
parte intrínseca” (2010, p. XVI, tradução nossa) e, portanto, aprender a
partir da experiência do fazer, do colocar-se, do experimentar.
As maiores críticas ao Drama de Heathcote e Bolton dizem
respeito a uma suposta “destruição” da arte teatral nas escolas, como
retratou David Hornbrook (1998). Antes dele, Malcolm Ross (1982)
acusou ambos de serem anti-teatrais, professores manipuladores que
interferiam na criatividade das crianças. Peter Abbs (1994) destacou que o Drama na Educação inglesa negligenciava a questão estética que
envolve a arte dramática.
Bolton, nos escritos sobre seu trabalho, buscou superar a divisão
entre elementos da arte teatral e do Drama, divisão originária da
hostilidade de Slade e Way para com o teatro na escola. Bolton tem
105
defendido a singularidade do Drama como uma forma de arte dramática,
na qual o teatro está intrinsicamente associado.
A irlandesa Cecily O’Neill tem sido uma propulsora do trabalho
com a linguagem dramática na educação. No final dos anos de 1980
O’Neill ampliou a abordagem de Heathcote, propondo um método que
ela denominou de Process Drama (Drama Processo). Segundo a autora,
esse termo busca distinguir uma abordagem particular do Drama dentro
de um contexto teatral.
O’Neill reconhece o trabalho pioneiro de Heathcote e Bolton e
aponta que ela parte do trabalho deles na sua busca pela ampliação das
possibilidades do Drama, principalmente no que diz respeito à
apropriação e diálogo com elementos da linguagem teatral. “Bolton tinha
um profundo conhecimento da natureza teatral e sabia que o Drama
funcionaria melhor quando operasse de acordo com as regras do teatro”
retrata O’Neill (apud DAVIS, 2010, p. XI, tradução nossa) e, portanto,
sua abordagem buscaria enfatizar as questões teatrais presentes no Drama
e aquelas possíveis de serem ampliadas.
Em seu livro Drama Worlds (1995) O’Neill busca demonstrar
que a experimentação dramática propiciada por um processo de Drama,
equivale-se àquela desenvolvida em improvisações teatrais. Ela busca
clarificar a relação existente entre o Process Drama a as características
básicas de um evento teatral, apropriando-se de terminologias do teatro.
Segundo O’Neill:
Process Drama tem o potencial de engajar os
participantes em uma busca por significados
dramáticos [...] elementos dramáticos essências são
manipulados pelo líder e pelos participantes em um
processo de Drama de modo que ele conduza
ambos a uma autêntica experiência dramática e um
maior entendimento sobre a natureza do evento. A
aprendizagem sobre Drama ocorre através do
engajamento na experiência (O’NEILL, 1995, p,
XIV, tradução nossa).
Para O’Neill, o Drama é considerado um gênero teatral. Sua
abordagem busca enfatizar a teatralidade presente nessa abordagem, principalmente pela ênfase que dá ao aspecto da improvisação, presente
tanto em sua abordagem metodológica quanto no fazer teatral. O’Neill
afirma que a improvisação é o componente essencial de um processo de
Drama.
106
Entretanto, diferente de um jogo ou exercício de improvisação
isolado, o Drama propõe que o participante imerja numa situação
dramática e que se coloque em jogo dentro dela. Para que esse processo
tenha uma continuidade e uma organização crescente O’Neill emprega
uma nova característica ao trabalho com o Drama – o pré-texto.
Por ser dramaturga, a autora vai enfatizar a dimensão da
apropriação de um texto no processo dramático, não necessariamente um
texto teatral, mas um material do qual se possam retirar fatores de tensão
e contraste, características intrínsecas a um texto dramático. Ela introduz
a busca por um referencial que delimite e contextualize a atividade em
desenvolvimento, um pré-texto, “[...] uma fonte ou impulso para o
processo de Drama” (O’NEILL, 1995, p. XV, tradução nossa). Cabe
ressaltar que, ainda que O’Neill tenha cunhado o termo “pré-texto”, os
Dramas anteriores a sua abordagem utilizam-se de algum tipo de material
de base para embasar suas propostas.
Assim como os Dramas de Heathcote e Bolton eram
desenvolvidos em sessões, O’Neill trabalha com a estruturação de seus
processos em episódios, mas de um modo diferente. Por sua preocupação
com a coerência interna dos eventos, com a criação de uma narrativa –
como em um texto teatral – a autora cria uma estrutura prévia de
acontecimentos, diferente daqueles que estavam mais focados na pesquisa
de temas.
Isso não quer dizer que ela não se aproprie das contribuições dos
participantes. Ela defende que uma sequência de episódios previamente
estabelecida pode evitar repetições de propostas e estratégias e dar uma
visão do processo para o condutor. É importante ressaltar que diferente
de Heathcote – que desenvolvida processos em torno de temas – O’Neill
cria processos mais próximos da dramaturgia teatral, utilizando-se,
preferencialmente, de textos clássicos nos seus processos.
Mesmo com a existência de uma estrutura prévia, o processo é
impossível de ser repetido. Outro grupo pode trabalhar sobre a mesma
estrutura, mas as respostas às ações e tarefas propostas serão sempre
diferentes. Nesse sentido, a experiência dramática será sempre autêntica
e a composição narrativa gerada – o texto performático – será próprio dos
participantes de um determinado processo.
Nesse processo de construção de uma narrativa teatral, no qual
os participantes devem agir para dar continuidade à trama, O’Neill
enfatiza a dimensão espectatorial a partir de uma auto observação, do ato
de colocar-se como espectador de si mesmo (self-spectator). Não há uma
separação entre ação e reflexão. Os participantes são levados a perceber
seus argumentos e atitudes a partir da consequência desses no desenrolar
107
do processo dramático e a narrativa é constituída a partir de suas
intervenções.
Dorothy Heathcote e Gavin Bolton são reconhecidos como os
pioneiros do Drama, considerado uma nova e radical forma de prática
educativa, mas foi O'Neill quem tornou esse método acessível para
educadores de todo o mundo. Seu trabalho na estruturação do Drama em
sala de aula, seus escritos sobre pré-texto e estruturação de processos de
Drama, seus estudos sobre a imaginação, a educação multicultural e as
formas dramáticas, assim como sua preoucupação com a ampliação do
repertório cultural dos estudantres, foram fundamentais para a difusão do
Drama na América do Norte, Europa e Austrália.
Gostaria de citar outros dois praticantes e estudiosos do Drama
que contribuíram com a teorização e a consolidação desse método dentro
dos sistemas de ensino anglo-saxões.
O primeiro deles é o australiano John O’Toole, precursor do
Drama na Austrália e respeitado professor da Universidade de Melbourne,
seu primeiro livro Theater in Education data de 1977, nesse trabalho
O’Toole cunha a expressão professor-ator para enfatizar a maneira como
atua nas proposta de Drama que realiza. Sua experiência como professor
de teatro e ator influenciou sua obra acerca do Drama na Educação e,
assim como Heathcote, a participação ativa do professor vivenciando
papéis vai se tornar uma característica de seus trabalhos.
Em seu livro The Process of Drama (1992) O’Toole afirma que
a palavra processo em Drama diz respeito a “[...] negociação e
renegociação de elementos dramáticos, em termos de contexto e
propósitos dos participantes” (1992, p. 02, tradução nossa). Nesse sentido,
pensar em processo é reconhecer o contexto real no qual a situação
dramática será instaurada e como tal situação será “alimentada” pelos
participantes da proposta. “O pano de fundo de qualquer experiência
dramática é o contexto real dos participantes” (O’TOOLE, 1992, p. 48,
tradução nossa) e a maior ou menor adesão dos participantes às tarefas,
ações, propostas e improvisações, dependerá, em grande parte, da
conexão estabelecida entre os contextos real e ficcional.
Ao discutir a ação de dramatizar o autor busca identificar quais
elementos que seriam essenciais para que se possa qualificar um evento
como “dramático”. Segundo O’Toole (1992) existem muitos eventos
performáticos como os jogos de guerra (e outras formas de treinamento
por simulação), a performance art, os happenings, que são “quase”
dramáticos, que possuem aparência dramática, mas não carregam todos
os elementos necessários para que seja possível qualificá-los como
Drama. Por outro lado, existem ações humanas como os jogos infantis,
108
adultos que adotam certo “papel social” ou “estilo de vida”, alguns
eventos sociais como rituais e cerimônias, que são compostos
essencialmente de elementos dramáticos, mas que também não podem ser
considerados Drama.
Os elementos que, segundo o autor, compõem uma forma
dramática são: contexto ficcional, papéis sociais e suas inter-relações,
propósitos e tarefas, foco (enquadramento de situações), tensão (nas
tarefas, relações, surpresas, mistérios, segredos), tempo (ficcional),
recepção (diferentes relações com a plateia), espaço (ficcional),
participação do grupo, linguagem e movimento, clima emocional,
símbolo e significado.
Em um processo de Drama, esses elementos vão se conjugar a
fim de tornar a experiência significativa para os participantes,
desdobrando-se em possibilidades de aquisição de conhecimento sobre si,
sobre o mundo e sobre a arte teatral. Esses elementos serão mais bem
clarificados no subcapítulo seguinte quando tratarei das convenções do
Drama e das estratégias selecionadas para os processos desenvolvidos
com crianças da Educação Infantil.
O segundo autor com importante contribuição na atual história
do Drama é o inglês Jonathan Neelands. Seus trabalhos buscam a estreita
relação entre Drama e Teatro, sobretudo a partir da literatura clássica (em
especial, a shakespeariana), com o intuito de explorar questões humanas
mais amplas – questões presentes nas obras de Shakespeare.
Seu primeiro livro Structuring Drama Work: a handbook of available forms in theatre and drama (1990), em parceria com Tony
Goode, tinha o intuito de destacar as convenções necessárias para
professores, líderes e estudantes estruturarem atividades dramáticas. Tais
convenções são apropriadas a partir do teatro, uma vez que, “[...] no
teatro, significados, códigos sociais e interações são representadas,
moldadas e trabalhadas através das convenções dramáticas” (2000, p. 03,
tradução nossa) e, por conta do Drama ser um fazer teatral, tais
convenções apresentam-se na estrutura dos processos.
Ao se apropriar de convenções dramáticas para colocar os
participantes em uma experimentação lúdica, gera-se experiências
diversas acerca dos temas explorados e das relações estabelecidas dentro
do Drama, como uma projeção da vida real. Constrói-se coletivamente
uma experiência assim como reflexões são geradas acerca do sentido
dessas experiências para os participantes.
Neelands e Goode (2000) apontam os seguintes pressupostos
para a compreensão de seu trabalho acerca das relações existentes entre
as convenções do teatro e do Drama:
109
Teatro: é a experiência direta compartilhada que ocorre quando
as pessoas imaginam e se comportam como se fossem outros em algum
outro espaço e tempo. Nesse sentido, os autores, ampliam a noção de
teatro para além da representação de uma peça teatral para uma plateia e
a colocam no mesmo patamar de uma experiência com Drama, onde todos
estão imersos numa situação.
Significados: em teatro, interpretações são realizadas tanto pelos
espectadores quanto pelos participantes. Portanto, na construção de uma
experimentação teatral, o uso simbólico de objetos, luzes, sons, por
exemplo, proporcionam diferentes leituras e significações. A utilização
desse pressuposto conjuga-se à compreensão dos atores de que o ser
humano tem uma necessidade de se comunicar e que essa comunicação
se dá por meio de símbolos, principalmente quando se trata de arte. No
Drama, os participantes criam significados a todo o momento a partir da
apropriação e significação dos materiais utilizados no processo.
Convenções: são indicadores do modo no qual tempo, espaço e
presença podem interagir e ser imaginativamente conjugados para a
criação de diferentes tipos de significados no teatro. Nos Dramas
propostos por Neelands a ênfase na criação de uma ambientação cênica
mostra-se conjugada à utilização das convenções para a promoção de
diferentes significados para os participantes.
Neelands utiliza as convenções teatrais de tempo, espaço e
presença justamente para que o processo de Drama possa levar os
participantes ao desenvolvimento tanto de uma experiência humana,
acerca do conhecimento de si e do mundo, quanto de uma experiência
acerca da linguagem teatral; ainda que essa compreensão possa ser, ou
não, posteriormente comunicada a outros por meio de uma representação.
3.1.2 O Drama no contexto brasileiro
No Brasil, o Drama foi introduzido por Beatriz Cabral depois de
seu doutorado na University of Central England (1990-1994) em
Birmingham (Reino Unido) onde participou de processos de Drama
conduzidos por Dorothy Heathcote. Seu livro Drama como método de
ensino (2006)37 é a principal referência sobre a apropriação desse método
no nosso país.
37 Este livro é uma reelaboração de um material lançado em 1998, pelo Departamento artístico
cultural da Universidade Federal de Santa Catarina, na revista Arte em Foco.
110
Nessa obra, e em dezenas de artigos publicados sobre Drama
deste então, Cabral tem abordado diferentes aspectos desse método, desde
sua estrutura, proposta metodológica, sua construção histórica, à sua base
filosófica. Para Cabral,
[...] a atividade dramática está centrada na
interação com contexto e circunstâncias diversas,
em que os participantes assumem papéis e vivem
personagens como se fizessem parte daquele
contexto naquelas circunstâncias. Para o
participante isto significa ‘assumir o controle da
situação’, ser o responsável pelos fatos ocorridos.
Envolvimento emocional e responsabilidade pelo
desenvolvimento da atividade são características
essenciais do drama – o aluno é o autor de sua
criação (CABRAL, 2006, p. 33).
Cabral (2006) apresenta alguns processos desenvolvidos na
Escola Desdobrada Municipal João Francisco Garcez entre os anos de
1996 e 1998, evidenciando a estrutura de organização dos processos e
dando ênfase à dimensão interdisciplinar existente no Drama. Ao colocá-
lo como eixo curricular no Ensino Fundamental, Cabral aponta as
possibilidades de se apropriar dos conhecimentos de outras áreas na
construção de um processo dramático.
Algumas características tornaram-se peculiares à abordagem de
Cabral. A primeira delas diz respeito ao trabalho com a linguagem teatral.
Enquanto fora do Brasil o Drama é trabalhado tanto por professores de
teatro quanto por profissionais de diversas áreas, sendo, em muitos casos,
utilizado como um meio para aquisição de conhecimentos das disciplinas
do currículo, no Brasil, o Drama foi introduzido como um método para a
experimentação teatral que contribua com a apropriação, pelos
participantes, das estruturas e conceitos teatrais.
Outro aspecto diz respeito à teatralidade presente nos processos
brasileiros. Por Beatriz Cabral ser professora em um curso de licenciatura
em Teatro, na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), a
construção dos processos desenvolvidos tanto por Cabral, quanto por seus
orientandos de mestrado e doutorado ou mesmo pelos acadêmicos do
curso, nas disciplinas de Metodologia do Ensino do Teatro e Estágios,
apresenta um aspecto mais teatral.
Tem-se uma preocupação com a aquisição de conhecimentos
acerca da linguagem teatral. Constrói-se um processo com o intuito de
que a experiência dramática proporcionada pelo Drama faça com que os
111
participantes aprendam sobre teatro e conheçam uma maneira diferente
de construir conjuntamente uma narrativa dramática. Esse não é um
aspecto acentuado em muitas propostas de Drama fora do Brasil.
Quando o professor que está desenvolvendo um processo de
Drama entende de teatro, ele sabe como lançar situações que se apropriem
melhor de convenções dramáticas, que desafiem os participantes, que os
coloquem em um ambiente de interação lúdica e experimentação
dramática. Quando esse conhecimento teatral é incipiente, corre-se o risco
de que o processo seja excessivamente conteudista e que os participantes
discutam e reflitam, mas coloquem-se pouco em papéis ficcionais.
Esse é um aspecto essencial ao Drama. Todo e qualquer tema que
o condutor de um processo queira trabalhar ou atividade que queira
desenvolver, deve estar dentro de um contexto ficcional. Os participantes
devem agir e reagir dentro de tal contexto, preferencialmente por meio da
experimentação de diferentes papéis, improvisando-os de acordo com a
situação proposta.
Percebo também que nos processos com os quais trabalhei
conjuntamente com a professora Beatriz, o aspecto corporal foi
enfatizado. No contexto brasileiro tem-se uma preocupação com o
engajamento físico do participante, com uma real experimentação
corporal das situações propostas ou mesmo com a construção efetiva de
papéis ficcionais por meio do Drama. Esse aspecto da corporeidade torna-
se evidente quando do trabalho com crianças mais jovens, uma vez que a
assimilação do mundo se dá, inicialmente, por um viés físico.
Em seu livro, citado anteriormente, Cabral estabelece também
relações entre este método e o teatro contemporâneo, ampliando, dessa
maneira, as abordagens metodológicas para o ensino do teatro na
contemporaneidade. “A tarefa posta ao professor se aproxima da do
diretor contemporâneo que visa romper os limites do espaço cênico e
ampliar a interação ator-espectador” (CABRAL, 2006, p. 116), nesse
sentido, tem-se uma possibilidade metodológica para o trabalho
pedagógico que não se distância da prática e teoria da arte teatral em
desenvolvimento fora dos muros da escola.
Outros dois pesquisadores podem ser citados por retratarem em
suas obras o trabalho com o Drama no contexto brasileiro. O primeiro é
Flávio Desgranges que em seu livro Pedagogia do Teatro (2006)
apresenta diferentes metodologias para o ensino do Teatro, entre elas, o
Drama.
Desgranges trata o Drama como uma forma teatral e assinala que
esse método não foi amplamente difundido por conta da existência de
112
diferentes compreensões acerca dos seus objetivos e procedimentos,
dificultando a difusão do mesmo de forma estruturada.
Uma limitação apontada pelo autor diz respeito ao fato dos participantes
imergirem no processo de tal modo que não reflitam acerca do discurso
cênico criado. Cabe ao coordenador, portanto, pensar em estratégias que
“[...] incentivem os participantes a investigar possibilidades e ampliar
seus conhecimentos acerca dos elementos constituintes da linguagem
teatral” (DESGRANGES, 2006, p. 138), cabendo ao condutor acentuar a
questão artística do processo.
A segunda autora é Heloise Vidor. Em seu livro Drama e
Teatralidade (2010), resultado de sua pesquisa de mestrado orientada por
Beatriz Cabral, Vidor retrata que esse método vem sendo difundido em
diversas partes do mundo pela aproximação do aluno com a linguagem
do teatro, “[...] através da construção dramatúrgica e do jogo de
alteridade, quando ao assumir papéis coloca-se no lugar do outro, como
possibilidade de melhor compreende-lo” (2010, p. 27). Em seu estudo,
Vidor acentua o trabalho do professor na construção da proposta ficcional,
sobretudo a partir da utilização da estratégia na qual o professor assume
diferentes papéis sociais como forma de mediação da experiência. No
trabalho de Vidor o professor é colocado como artista que cria em
conjunto com seus educandos. Essa estratégia será aprofundada
posteriormente.
Finalizo este subcapítulo apontando a necessidade de
observarmos o desenvolvimento histórico do Drama para a compreensão
dos motivos que levaram à constituição desse método, a relação estreita
entre seus criadores e as estratégias e adaptações que foram realizadas de
acordo com as experiências de cada um dos professores-pesquisadores.
Este histórico serve também para justificar minha proposta de
apropriação desse método no trabalho pedagógico com crianças da
Educação Infantil. Por conta do Drama estar calcado na experiência
coletiva de construção de conhecimentos a partir de situações do contexto
real dos participantes e por proporcionar a criação de um espaço de
experimentação dramática mediado pelo professor, que vejo nessa
proposta metodológica a possibilidade de contribuir com a estruturação
de um trabalho com a linguagem teatral nessa esfera de ensino.
No subcapítulo seguinte abordarei as convenções do Drama e as
estratégias que julguei possíveis de serem utilizadas nos processos
desenvolvidos com 09 grupos da Educação Infantil. A escolha das
estratégias se deu a partir de discussões realizadas junto aos profissionais
da Trupe da Alegria que trabalharam comigo na elaboração dos processos
e que os conduziram.
113
3.2 EXPLORANDO O DRAMA NA EDUCAÇÃO INFANTIL
[...] é por sua interação social e mediação de adultos que [a criança] se
apropria da linguagem maternal e das relações sociais, incorporando palavras
que lhe permitem compreender o mundo, ascender à vida intelectual dos que a
cercam, aprender enfim.
(Celso Antunes)
Para que a criança se aproprie de um conhecimento, conteúdo,
prática social ou cultural é necessária uma mediação. Tal ação mediadora
pode se configurar como um auxílio dado por um adulto ou um parceiro
mais experiente na realização de uma atividade ou mesmo a descoberta
de novos saberes por meio de informações retiradas de um livro ou de
outro meio de comunicação.
Com a linguagem teatral não é diferente. Para que a criança
perceba que as brincadeiras de faz de conta que realiza no seu cotidiano,
podem, aos poucos, transformarem-se em uma linguagem ou uma arte e
que essa linguagem e arte tem o nome de teatro, é necessária a intervenção
de um adulto consciente tanto dos processos pelos quais a criança
naturalmente desenvolve sua capacidade imaginativa, quanto das
possibilidades de inserir o teatro no cotidiano dessa criança como
linguagem, atividade artística e experiência estética.
Na busca por um caminho metodológico que pudesse contribuir
com a inserção da linguagem teatral na Educação Infantil, assim como
auxiliar o profissional que trabalha diretamente com a criança a promover
uma aprendizagem sobre o teatro condizente com as especificidades da
infância, encontrei no Drama uma estrutura de trabalho que se assemelha
com as propostas pedagógicas da Educação Infantil.
Para verificar a possível apropriação do Drama por esse
segmento de ensino propus, aos profissionais da Trupe da Alegria, a
realização de processos de Drama nas unidades educativas onde
trabalham. Esses trabalhos seriam orientados semanalmente por mim,
mas desenvolvidos pelos profissionais; esses poderiam trabalhar em
duplas (com outro membro da Trupe que não estivesse em sala) ou inserir
outros parceiros de suas unidades no processo (como uma maneira de disseminar essa proposta a outros profissionais).
A partir do pressuposto de que esse método não impõe uma
metodologia fechada, mas propõe um modelo adaptável ao contexto de
trabalho, preocupado com a participação efetiva e afetiva do grupo,
114
apresentarei algumas concepções sobre o Drama que se relacionam com
a Educação Infantil e, posteriormente, as convenções e estratégias desse
método que foram utilizadas para a estruturação dos processos realizados
pelos membros da Trupe, processos os quais serão apresentados e
analisados no capítulo seguinte.
3.2.1 Relacionar conhecimentos
Sobre o que eu quero que as crianças aprendam? Qual o foco do Drama?
Um ponto de partida para um processo de Drama é encontrar o
“tema” ou área de aprendizagem sobre a qual esse será desenvolvido. O
Drama sempre será “sobre” algo. Poderá trazer questões do cotidiano dos
participantes, temas que aparecem em suas brincadeiras, questões
políticas, éticas e estéticas que dialoguem direta ou indiretamente com o
grupo, problemas de relacionamentos, curiosidades dos participantes,
desejo de conhecerem uma determinada cultura, um período da História,
experimentarem o contexto de uma determinada obra (teatral, conto,
romance, filme, música), aprofundarem seus conhecimentos sobre
determinado conteúdo curricular a ser trabalhado. Independe de qual seja
o tema, ele sempre será explorado por meio de uma experimentação
dramática.
Segundo Bowell e Heap, o Drama “[...] oferece a oportunidade
de que duas vertentes de aprendizagem estejam sempre presentes –
aprender sobre a natureza do Drama e aprender através do Drama sobre
outras coisas” (2013, p. 04, tradução nossa). Nesse sentido, a
aprendizagem dramática não exclui o conteúdo a ser trabalhado, pelo
contrário, as duas vertentes são complementares e uma sustenta a outra.
Trata-se, pois, de um processo que se configura artística e
pedagogicamente.
A possibilidade de experimentar dramaticamente determinado
tema ou conteúdo permite a criança o desenvolvimento de uma
aprendizagem mais sensível uma vez que é necessário um engajamento
não somente intelectual mas também físico e emocional para que o
processo dramático e de aprendizagem aconteça. Ao experimentarem
dramaticamente determinadas situações, emergem desejos e curiosidades
que se relacionam com seu contexto – social, cultural, familiar ou mesmo
do conteúdo curricular. A intenção é que a participação no processo se
115
torne prazerosa, estimulante e articulada com a realidade das crianças e
que os elementos teatrais que sustentam o Drama possam ser melhor
assimilados a partir de um tema que seja do interesse da criança.
A atenção aos aspectos artísticos e criativos da experiência serão
focalizados pelo professor, que, como mediador do processo, não deixará
que o conteúdo se sobreponha à experimentação artística e vice-versa.
Portanto, faz-se necessário um conhecimento sobre teatro e sobre Drama
para a criação e condução de um processo e, por conta disso, optei por
experimentar este método com os profissionais que participam da Trupe
e tem uma formação de pelo menos três anos em oficinas teatrais e criação
de espetáculos para crianças.
O Drama consegue, dentro de sua proposta como método, reunir
diversas linguagens e eixos curriculares em torno de si. Um processo de
Drama pode dialogar com diferentes áreas e conteúdos que os professores
queiram trabalhar com as crianças, por meio de um formato lúdico e
experimental, diferente de propostas meramente expositivas e didáticas.
As crianças realizam descobertas colocando-se nas situações propostas
pelos professores, vivenciando cada desafio, refletindo a partir de suas
percepções e da dos colegas, construindo conhecimento de forma coletiva
e expressando seu aprendizado artisticamente. Como afirma Hitotuzi:
É esse caráter pedagógico-transdisciplinar de
vocação educacional humanístico transformadora
que torna o Drama-Processo um modelo atraente
para educadores que, embora desejem um tipo de
educação global para seus alunos, têm de enfrentar
a realidade da compartimentalização curricular
instituída nas escolas. (HITOTUZI, 2007, p. 194).
Essa abertura aos temas específicos de um determinado grupo
contribuiu para pesquisar o Drama como uma forma de aprendizagem
teatral na Educação Infantil, justamente porque nesse segmento de ensino
os conteúdos (sejam eles artísticos ou de outras áreas do conhecimento)
não se encontram distribuídos em disciplinas, mas misturam-se e
permeiam as diversas atividades realizadas, buscando-se evitar que a
aprendizagem da criança se realize de forma fragmentada.
As propostas de ação, por meio do Drama, portanto, embasam-se na interdisciplinaridade, com vistas a uma prática sem fragmentações
que proporcione a educação artística e estética incorporando diferentes
áreas do conhecimento e interagindo com elas. Para que a prática
interdisciplinar não se configure como polivalente, propondo-se
116
atividades diversas, de forma fragmentada, utilizando-se superficialmente
e, muitas vezes, equivocadamente, diferentes linguagens, o Drama propõe
um projeto estruturado em torno de um tema e a investigação aprofundada
desse a partir de diferentes conhecimentos, podendo agregar profissionais
de áreas específicas no processo.
Ao propor o Drama na Educação Infantil, vejo a possibilidade do
profissional que trabalha com a criança realizar um processo pedagógico
que se utiliza das questões pertinentes ao seu grupo e, que “[...] ao
investigar as respostas o fará de acordo com suas necessidades e interesse,
caracterizando-se assim [o participante] como produtor dos
conhecimentos adquiridos em vez de mero reprodutor do que lhe é
passado pelo professor” (CABRAL, 2006, p. 34). Ao observar as palavras
de Cabral, percebe-se o interesse do Drama pela construção de
conhecimentos e não por uma transmissão de verdades.
Ao trabalhar um tema de forma permeável às contribuições das
crianças, a intenção do Drama é de que elas possam ampliar as percepções
acerca das questões postas. Utilizando-se de diferentes estratégias de
trabalho, o ideal é que o condutor tente abordar esse tema por diversos
ângulos e diferentes procedimentos. Ao explorar tais ângulos e questionar
as tomadas de decisões e respostas dos participantes, o Drama se
caracteriza como uma proposta dialógica de construção de saberes.
Independente do tema a ser escolhido, o condutor do processo
necessita encontrar os problemas, conflitos, focos de tensão a serem
enquadrados ao longo do processo. Como afirmam Bowell e Heap:
O Drama, como toda forma de arte, está
preocupado com a representação simbólica de
experiências da vida [...] Drama é essencialmente
sobre pessoas e suas relações, dilemas, interesses,
expectativas, medos, aspirações, celebrações e ritos
de passagem [...] (BOWEL; HEAP, 2013, p. 17,
tradução nossa).
Então, por exemplo, se um professor deseja trabalhar sobre o
tema “códigos de comunicação”, ele pode se questionar como surgiram
as línguas, por que precisamos de diferentes linguagens, qual sua função
em diferentes épocas, como as pessoas podem se comunicar sem saber a mesma língua. Ao trabalhar “o desenvolvimento humano” as crianças
podem ser levadas a perceber como os animais se desenvolvem, como
uma metáfora para compreender seu próprio desenvolvimento. Ao
117
trabalhar com o tema “morte”, pode-se estruturar um projeto que busque
perceber como diferentes culturas lidam com essa.
Cabe enfatizar que para cada tema escolhido para a estruturação
de um processo, necessita-se perceber quais as questões que ele incita,
dentro do contexto dos participantes. Obviamente que um tema tratado na
Educação Infantil terá dimensões diferentes e respostas diversas se
comparado a um processo com uma turma de Ensino Fundamental ou
Médio sobre o mesmo tema.
3.2.2 Do Drama à linguagem teatral
Essa viagem é de verdade ou de mentira? É a professora, não é o pirata!
O Drama, como já mencionado, é um fazer teatral e, como tal,
utiliza-se de convenções teatrais em sua estrutura e permite que os
participantes aprendam sobre teatro a partir desse uso. No âmbito da
Educação Infantil, por meio da nossa experiência direta com as crianças,
algumas questões dessa linguagem pareceram ganhar maior amplitude,
uma vez que, dialogavam com o desenvolvimento da criança. Tratarei de
expor essas questões refletindo sobre como o Drama pode lidar com elas
dentro de sua estrutura.
A dificuldade em distinguir o limite entre o real e o ficcional é
uma questão que fica evidente em processos com crianças menores. Até
que ponto as crianças mais novas acreditam que o acontecimento teatral
é uma ficção construída e não a realidade? Muitas choram, outras tem
medo, justamente porque a compreensão desse espaço ficcional ainda não
está totalmente construída. A medida em que crescem as crianças
começam a brincar e, ainda que saibam que tais brincadeiras são de
“mentira”, que são uma ficção, elas acreditam, interagem e participam de
forma autêntica dessa atividade, mesmo que o limite entre real e ficcional
ainda não esteja definido.
Esse espaço ficcional, tão próprio das brincadeiras de faz de
conta infantis, pode ser ampliado com a instauração de um processo de
Drama. Cabe ao professor, como mediador do processo de assimilação da
linguagem teatral, criar esse espaço ficcional. Ao apropriar-se do espaço
natural da brincadeira, o condutor de um processo pode criar situações e
desafios, utilizar-se de materiais textuais, de objetos e questões que
118
despertem o interesse das crianças a desenvolveram uma experimentação,
alimentando, dessa maneira, o universo lúdico de suas crianças.
O Drama se aproveita justamente da capacidade inata das
crianças de aprenderem a partir da imitação e do faz de conta para colocá-
las em situações ficcionais que lidem com desafios, desejos, curiosidades,
problemas do seu cotidiano. Portanto, um processo de Drama pode
contribuir com a construção desse espaço lúdico e com a compreensão da
convenção de que as situações experimentadas no teatro pertencem a
esfera ficcional.
Como os autores38 do RCNEI afirmam
O brincar de faz-de-conta [...] possibilita que as
crianças reflitam sobre o mundo. Ao brincar, as
crianças podem reconstruir elementos do mundo
que as cerca com novos significados, tecer novas
relações, desvincular-se dos significados
imediatamente perceptíveis e materiais para
atribuir-lhes novas significações, imprimir-lhes
suas ideias e os conhecimentos que têm sobre si
mesma, sobre as outras pessoas, sobre o mundo
adulto, sobre lugares distantes e/ou conhecidos
(BRASIL, 1998, p. 171).
Penso que essa construção de conhecimentos sobre o mundo
pode ser ampliada se o professor propuser atividades pedagógicas
intencionais e diferenciadas dentro de uma estrutura que permita
continuidade e reelaboração dos conhecimentos. Nesse sentido, o Drama
oferece a possibilidade de estruturar um processo de investigação e
experimentação de papéis, lugares, situações, podendo auxiliar os
profissionais a lidarem com as demandas pedagógicas da Educação
Infantil ao mesmo tempo em que exploram a linguagem teatral.
Outra questão que aproxima o Drama do universo infantil diz
respeito a vivência de papéis. O teatro tradicional trata de pessoas (atores)
que, em geral, representam outras pessoas (personagens) em dado tempo
e espaço construídos de forma ficcional. O Drama não se preocupa com a
construção de personagens, mas com a experimentação de papéis sociais,
aqui é fundamental que os participantes experimentem “ser” outras
38 O RCNEI – Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil, retratado no capítulo anterior, foi escrito por um conjunto de autores. Não há uma indicação de um autor para cada
tema ou seção, por conta disso me referi aos autores do documento sem citar um autor específico.
119
pessoas (ou outros seres) buscando colocar-se no lugar dessas para
lidarem com as situações que apareçam durante o processo.
A experimentação de papéis é também uma ação típica das
crianças. É comum encontrá-las fingindo ser a mãe, o pai, a professora, o
super herói, o motorista do ônibus, entre outros. Essa é uma atividade
natural para as crianças, ainda que muitas delas desconheçam que essa é
também uma característica da linguagem teatral. O professor pode ser a
figura que promoverá este aprendizado sobre o teatro. Aproveitando-se
da capacidade das crianças de criar papéis ele poderá, dentro de um
processo de Drama, incentivá-las a assumir e jogar coletivamente a partir
de distintos papéis, de acordo com as situações que vão sendo criadas no
processo, e, dessa forma, trabalhar o conceito teatral de representação.
Sabe-se que a elaboração de papéis se relaciona com determinado
período do desenvolvimento das crianças, geralmente em torno de 04
anos, e que o professor, ao conduzir um processo de Drama, considerará
o contexto do seu grupo e escolherá estratégias que melhor se adequem
as especificidades etárias e socioculturais.
Diferente também de propostas teatrais mais convencionais nas
quais quem atua e quem assiste se encontram em lugares distintos e com
posições diferenciadas, o Drama propõe uma dupla função aos
participantes; ao mesmo tempo em que experimentam dramaticamente
uma situação eles são espectadores de suas ações e das ações dos outros39.
Essas ações influenciarão nos encaminhamentos que serão dados ao
processo, ou seja, suas escolhas e decisões tem repercussões diretas nos
próximos episódios do Drama.
Ainda tratando da questão da apreciação em Drama, em
processos desenvolvidos com crianças do Ensino Fundamental, com
adolescentes ou com adultos, é comum a proposição de atividades em
pequenos grupos nos quais os participantes criam algo para mostrar para
as outros, na Educação Infantil, essas atividades são mais difíceis, pois,
em geral, as crianças ainda não tem a capacidade de criarem algo sozinhas
para ser apresentado. As propostas para crianças mais novas buscam
atividades mais coletivas e, caso se proponha atividades em pequenos
grupos, um adulto acompanhará as crianças.
Os momentos mais propícios para a construção do espaço de
fruição dentro do Drama na Educação Infantil, dão-se, geralmente,
quando o professor traz um papel ou um personagem para interagir com
as crianças. Essa estratégia, que será melhor destacada posteriormente,
39 Trata-se do conceito de self-spectator (espectador de si mesmo), comentado no subcapítulo
anterior quando retratei o trabalho de Cecily O’Neill.
120
permite que a criança lide tanto com a apreciação teatral, quanto com a
convenção da ficcionalidade, principalmente quando é o seu professor
que está representando um papel. Após alguns momentos, em que as
crianças dizem que é o professor que está “vestido”, elas embarcam na
situação ficcional proposta e compartilham dessa, aceitando o papel ou
personagem proposto pelo professor.
Ao vestir este papel e utilizar a linguagem teatral como uma
forma de comunicação com a criança, o professor contribui com a
construção dessa condição do fazer teatral – a relação entre criação e
fruição. Ao tomarem o professor como referência as crianças poderão ser
desafiadas a experimentarem também papéis mais elaborados, utilizando-
se de figurinos, objetos, explorando diferentes modos de usar a voz e o
corpo.
O Drama trata de uma experiência dramática que envolve os
participantes incentivando-os a agirem, improvisarem, criarem,
desenvolverem sua imaginação, aspectos esses semelhantes à experiência
teatral de criação de um espetáculo. Não há no Drama, entretanto,
elementos do teatro tradicional como um texto a ser seguido, personagens
que aparecem mais ou menos vezes em cena, com mais ou menos falas,
uma separação entre quem faz e quem assiste. Nessa experimentação
dramática o texto é criado no próprio ato de responder, agir e reagir aos
acontecimentos ficcionais que envolvem os participantes. Cada um dos
membros do grupo é ator e espectador de si mesmo e dos outros, numa
relação de criação conjunta.
Por conta desse formato experimental do Drama e das questões
a ele relacionadas: o contexto dos participantes, a exploração da
ficcionalidade, a experimentação de papéis, a apreciação artística sem
separação entre quem faz e quem assiste, penso ser ele um
encaminhamento metodológico possível de ser trabalhado na Educação
Infantil que dialoga com as particularidades desse segmento de ensino.
3.3 CONVENÇÕES DO DRAMA
A partir dos escritos de Bowell e Heap (2013), Neelands e Goode
(2000), Desgranges (2006) e Cabral (2006) selecionei as principais
convenções do Drama para serem trabalhadas com os profissionais da
Trupe da Alegria e apropriadas por aqueles que realizariam os processos
nas creches. Os trabalhos de Cabral e Desgranges foram estudados nos
encontros de formação e planejamento com os profissionais, por serem as
121
principais referências em língua portuguesa sobre o assunto, facilitando a
leitura por parte dos membros do grupo.
A seguir traço algumas considerações sobre cada uma das
convenções selecionadas e como lidamos com elas na criação das
propostas de Drama que serão apresentadas no capítulo seguinte.
3.3.1 Contexto dos participantes
Quais questões eu identifico no contexto do meu grupo de trabalho?
Para que a proposição de um Drama gere um engajamento dos
participantes e auxilie na construção de conhecimentos significativos
sobre o tema selecionado para se trabalhar, é importante observar o
contexto do grupo, “[...] suas idades, gêneros, experiências, a situação
social da saúde do grupo, a cultura, o caráter da escola, o espaço onde o
Drama está acontecendo, as demandas curriculares e assim por diante”
(BOWELL; HEAP, 2013, p. 23, tradução nossa) e perceber como o grupo
se relaciona com o tema. O Drama não está interessado em representar
uma história ou reproduzir estereótipos sobre determinado tema ou
situação, ao contrário, ele busca a imersão dos participantes na
experimentação dramática de uma situação que dialogue com a realidade
e amplie a percepção das questões contidas no real.
Partimos, portanto, nos nossos experimentos, da observação do
contexto real das crianças para encontrar focos de interesse, temas
geradores que pudessem impulsionar a criação dos contextos dramáticos.
Neste sentido, tornou-se evidente que cada processo de Drama é
estruturado de forma diferenciada para cada grupo, uma vez que parte dos
interesses e necessidade dos participantes. Nesse sentido, cada processo
caminhou para direções distintas de acordo com as faixas etárias, com as
maneiras como as crianças se apropriavam das dimensões teatrais
trabalhadas, além das necessidades de aprendizagens próprias a cada
grupo de trabalho.
Na observação dos contextos, levantamos algumas questões
iniciais: existe algum problema de relacionamento neste grupo? Sobre
quais temas as crianças brincam? Existe algum conteúdo específico que o
professor julgue importante trabalhar com aquele grupo? Quais suas
curiosidades, desejos, aspirações? Existe algum projeto na unidade
educativa? Existe algum conflito ou situação na comunidade onde as
122
crianças moram? Como elas se relacionam com universos ficcionais? Elas
vivenciam papéis nas suas brincadeiras? Que papéis são esses? Elas
possuem experiências como espectadoras teatrais?
Essas questões ajudaram os profissionais da Trupe a encontrar,
no contexto das crianças um tema que pudesse gerar a imersão do grupo
num processo dramático e construir conhecimentos sobre teatro e sobre
tal tema, por meio do processo de Drama, pois, como aponta Cabral, a
situação dramática se tornará convincente para os participante “[...] pela
interação entre o contexto da ficção, o contexto social e o contexto da
ambientação cênica” (2006, p. 13). A partir das possíveis analogias ou
aproximações entre esses três contextos, dependerá o engajamento
emocional dos participantes, conclui a autora.
Encontrados os temas, os professores da Trupe passaram a
levantar materiais que ampliassem sua visão acerca desse, evitando, dessa
forma, que acabassem estruturando um trabalho a partir de um senso
comum, preconceito ou estereótipo. Percebemos que para poder oferecer
um aprendizado amplo o professor necessita estar munido de referências.
O levantamento de materiais nos ajudou a encontrar diferentes fatos,
histórias, vídeos, músicas, imagens, enfim, estímulos que ampliassem
nossos conhecimentos e, consequentemente, enriquecessem as propostas
que realizaríamos com as crianças.
Munidos desses materiais, passamos então a criar o contexto
ficcional de cada processo. As questões a serem exploradas partiram do
contexto real das crianças e foram transpostas a um contexto ficcional que
desse conta de sustentar o processo dramático, ou seja, todas as atividades
propostas deveriam ser realizadas dentro da ficção. Esta é a primeira
convenção do Drama que estudamos e discutimos: o contexto ficcional.
3.3.2 Contexto ficcional
Como transpor as questões do contexto real para um universo ficcional?
Escolhido o tema, proveniente do contexto real das crianças,
partimos para a delimitação da situação imaginária na qual ocorreriam as
explorações dramáticas. Em quais tempo e espaço a situação dramática
será experimentada? Vamos viajar a outros continentes? Conhecer a Lua?
Vamos para o futuro ou o passado? Estamos no presente, mas fomos
convidados para caçar um tesouro? Encontrar alguém desaparecido?
123
Desvendar um mistério? Para causar um maior engajamento dos
participantes e uma consequente imersão no contexto fictício, o Drama
propõe que se crie uma situação imaginária que tenha ressonância no
contexto real desses, gerando um impacto inicial que motive o
envolvimento com tal situação.
Ao criar esse contexto de ficção o professor poderá ampliar a
percepção dos participantes sobre a linguagem teatral, a qual se
desenvolve na fusão entre real e ficcional, dentro de tempo e espaço
próprios à sua realização. Todas as atividades desenvolvidas nesse tempo
e espaço criados serão realizadas “como se” os participantes
pertencessem a esse contexto ficcional.
Por que esta é a primeira convenção do Drama que eu destaco?
Para que se compreenda que todas as propostas ou atividades que se
pretenda desenvolver dentro de um processo necessitam pertencer ao
contexto dramático. A estruturação de cada etapa do processo necessita
de uma coerência dentro do universo ficcional, e, consequentemente, uma
compreensão por parte do condutor das questões que deseja abordar e da
sua transposição à ficção.
Cabral destaca que “[a] falta de coerência decorre em grande
parte da ausência de informações sobre o assunto, o que acarreta
improvisações desencontradas e/ou simplistas, sem objetivo relacionado
com o contexto ou fatos investigados” (2006, p. 13), portanto, a
credibilidade do processo alia-se à exploração do contexto ficcional com
todas as atividades convergindo para a manutenção desse.
Não há no Drama, por exemplo, um “aquecimento”, como
acontece, geralmente, em uma aula de teatro. Se eu, como condutor do
processo, desejo realizar algum trabalho que “aqueça” os corpos, então
irei pensar uma proposição que, transposta ao contexto fictício, coloque
os participantes em uma atividade corporal. Alguns exemplos: “os
participantes como piratas precisam fortalecer sua musculatura para as
batalhas que poderão enfrentar” ou “para conseguirmos desviar das
cobras teremos que andar em câmera lenta”. Portanto, toda exploração se
dá por meio da ficcionalidade, ou seja, dramaticamente.
As circunstâncias da ficção trarão os desafios, dilemas,
problemas, questões, que deseja-se explorar. Boweel e Heap ratificam a
importância da seleção do contexto dramático ao afirmarem que “[...] os
professores precisam ter em mente que o contexto dramático oferece uma
lente apropriada através da qual cada estudante pode examinar o tema”
(2013, p. 28, tradução nossa), e, portanto, é por meio deste contexto que
as dimensões e tensões pessoais, sociais, culturais, serão confrontadas.
124
Se as crianças vão viajar para o deserto e precisam escolher o que
levar e como utilizar os recursos durante a viagem, há um foco de tensão
nas relações entre elas e como dividem seus pertences na ficção e na
realidade. Se elas vão imitar animais para compreender os processos de
crescimento e desenvolvimento desses, o professor deve encontrar a
correspondência simbólica para a compreensão do próprio
desenvolvimento da criança. Caso precisem enfrentar riscos e desafios
para encontrar um tesouro, elas precisam avaliar se o tesouro vai
compensar tais riscos e desafios e chegar a uma decisão coletiva. Quando
são convidadas a uma festa das caveiras mexicanas, as crianças são
levadas a perceber como as diferentes culturas lidam com a morte.
Ao desenvolverem a experiência dramática, as crianças vão
trazendo outras propostas, novas questões e sugestões. Essa
permeabilidade às possíveis interferências e respostas dos participantes é
um dos motivos pelos quais defendo o Drama como uma referência
metodológica que dialoga com os pressupostos da Educação Infantil. As
propostas de trabalho desse segmento de ensino apontam para a abertura,
nos projetos desenvolvidos, às contribuições das crianças, ao estímulo à
experiência, à autonomia; o Drama necessita justamente desse diálogo
para acontecer.
Um vez que o contexto ficcional tem flexibilidade para absolver
as sugestões trazidas pelos participantes, o professor pode antecipar os
desafios que as crianças vão encontrar na vida real, em situações do
cotidiano, ou mesmo experimentar e discutir aquelas distantes da
realidade de suas crianças como guerras, catástrofes naturais, um mundo
sem água, seres de outros planetas, entre outros.
A instalação de um contexto ficcional necessita de um material que
impulsione a construção coletiva de uma narrativa dramática. A essa
referência utilizada como “pano de fundo” para as situações a serem
propostas e exploradas através do Drama, dá-se o nome de pré-texto.
3.3.3 Pré-texto
O que pode me servir de apoio para uma proposta de Drama?
O termo pré-texto, como apontado no subcapítulo anterior, foi
proposto por Cecily O’Neill e se refere “[...] a fonte ou impulso para o
processo de Drama [...] a razão para o trabalho [...] um texto que existe
125
antes do evento”. (O’NEILL, 1995, p. XV, tradução nossa). Ainda
segundo O’Neill “[...] o melhor conselho é considerar os tipos de pré-
textos que geraram poderosa ação dramática ao longo da história do
teatro” (1995, p. 33, tradução nossa). A autora indica a utilização de
mitos, lendas, contos populares como pré-textos por conta de sua estrutura
dramática, sugestão de papéis, relações e tensões que podem facilitar a
manutenção do processo.
O pré-texto, explicita Desgranges, “[...] delimita o processo e
impede que o coordenador se afaste do foco de investigação ou proponha
exercícios que nada acrescentem à narrativa” (2006, p. 126). Trata-se de
uma referência (textual, histórica, visual, musical, entre outros) que serve
de apoio para o desenvolvimento do processo; uma fonte a qual se pode
recorrer para que não se perca a coerência dramática e da qual se pode
retirar ideias e sugestões para novas situações e papéis a serem propostos
aos participantes.
Segundo Cabral,
Pode-se avaliar o potencial de um pré-texto pelas
intenções e papéis que ele sugere. Um velho baú
contendo fragmentos de um diário, cartas e objetos
referentes aos antecedentes dos acontecimentos
sendo investigados; mapas e/ou pistas que levem a
uma importante descoberta, uma personagem que
sabe mais do que quer dizer, etc. (CABRAL, 2006,
p. 16).
Neelands e Goode não utilizam o conceito de pré-texto, mas sim,
“material de origem” (2000, p. 99, tradução nossa), ampliando desta
forma as possibilidades de fonte para a elaboração de um processo de
Drama. Os autores citam as seguintes possibilidades:
[...] um conceito, como ‘liberdade’; uma notícia de
jornal; um roteiro; cópias de documentos; uma
imagem ou escultura; um mapa ou gráfico; letras
de música; uma história; uma fotografia ou pintura;
fonte histórica primária ou secundária; um poema;
um objeto associado com a experiência; músicas e
sons; uma expressão de sentimento advinda do
grupo (NEELANDS; GOODE, 2000, p. 99,
tradução nossa).
126
Ao observar as possibilidades elencadas pelos autores
supracitados, perguntamo-nos quais poderiam ser os pré-textos ou
materiais de origem para a estruturação de nossos processos de Drama no
âmbito da Educação Infantil. Esta foi a segunda convenção do Drama que
estudamos e, a partir dela, levantamos algumas possibilidades, por
exemplo:
Brincadeiras ou histórias que envolvem tais brincadeiras (de
onde vieram? como surgiram? que mudanças sofreram?);
Músicas (que história a música conta? que ritmos ela tem? de
onde ela veio? em que momento ela foi composta e por quem?);
Contos de diversas culturas (quais diferentes manifestações
culturais podem ser exploradas por meio dos contos? que
analogias podem ser estabelecidas com a cultura do grupo?);
Histórias clássicas (ou não) ou mesmo peças teatrais (que
conflitos as histórias sugerem? que situações os personagens
enfrentam que as crianças podem enfrentar também? que recorte
pode-se fazer da história? em qual tempo e espaço essas histórias
se passam?);
Jogos e danças tradicionais da comunidade (onde surgiram? que
culturas as envolvem? que manifestação elas representam? que
relações propõem?);
Filmes infantis (ou não) (quais situações retratadas no filme
podem servir para uma experimentação? que papéis ele sugere
para as crianças e os professores?);
Imagens (o que elas sugerem? que história essa imagem pode ter?
quem a produziu? quem a enviou para o grupo?);
Fatos históricos ou atuais (como vivenciar fatos do passado?
como tais fatos podem ser atualizados? que tensões existem nos
acontecimentos? eles afetam direta ou indiretamente o grupo?),
entre outros.
Essas possibilidades que apontei são comuns em projetos
desenvolvidos na Educação Infantil, o diferencial nesta proposta é
explorá-los através do Drama. Não se trata da reprodução de uma história,
mas da criação de situações que tenham relação entre si e que proponham
a criação de eventos e vivência de diversos papéis, assim como a reflexão
sobre suas ações dentro da ficção. Ao optar, decidir, entrar em consenso,
pensar encaminhamentos, o participante é levado a refletir sobre a
127
situação vivenciada, além de inserir a criança no universo teatral ao
mesmo tempo em que se amplia o seu repertório histórico e cultural.
Um dos potenciais do pré-texto está na desconstrução dos textos
clássicos. Alguns exemplos explorados em atividades de estágio na
Educação Infantil podem ilustrar esse trabalho de desconstrução, nos
quais buscávamos adaptar as situações propostas na história que servia de
pré-texto às motivações provenientes do contexto real dos participantes.
O objetivo era identificar focos dramáticos que permitissem a
exploração de situações apresentadas na história tomada como pré-texto.
Alguns exemplos: “O coelho pede a ajuda das crianças para encontrar
Alice que desapareceu. As crianças terão que descobrir o paradeiro de
Alice, viajar para diferentes países, encontrar e desvendar pistas,
entrevistar diferentes pessoas: Chapeleiro Maluco, a Lagarta Azul, a
Rainha de Copas”; ou então, “Um burro foge do seu dono e pede abrigo
às crianças, na sua mochila instrumentos musicais, as crianças são
convidadas a se transformarem em músicos. No dia seguinte um cachorro
machucado é encontrado na creche, uma gata foge de sua dona, uma
galinha está cansada de pôr ovos e as crianças viram animais, detetives,
defendem os animais dos patrões”.
A utilização de pré-textos que possuem uma narrativa (seja uma
história, uma peça teatral, um filme ou uma música) auxilia o condutor do
processo a orientar suas proposições em torno de uma possível sequência
de acontecimentos, uma vez que, a própria narrativa existente no pré-texto
sugerirá uma certa linearidade de situações e papéis. Quando se parte de
materiais mais abertos (imagens, objetos, notícias de jornal, por exemplo)
o condutor tem que criar situações que se relacionem e muitas vezes corre
o risco de ficar sem ideias ao longo do processo.
Quando trabalhamos com histórias conhecidas, um fator
limitante que pode ocorrer é as crianças possuírem alguma referência
sobre ela, seja porque foi trabalhada ou lida para elas em um outro
momento ou porque assistiram a alguma peça ou filme sobre tal história.
Nesses casos, elas questionam a cor dos cabelos de Alice, por exemplo,
perguntam quando um determinado personagem vai aparecer ou dizem
que na história que eles conhecem os acontecimentos são diferentes.
Tomar uma história como pré-texto pode auxiliar na percepção das
possibilidades de alteração dessa história, seguindo roteiros distintos para
diferentes grupos a partir de uma mesma referência. Por exemplo, pode-
se tomar um clássico como pré-texto, mas inserir manifestações próprias
da cultura local dos participantes. Nesse sentido, o “tema” e as situações
retiradas do texto podem ter um maior significado dentro do contexto dos
participantes. Dessa identificação com as situações podem emergir
128
histórias pessoais, da cultura local, estabelecendo-se um diálogo com
temas e conflitos existentes na obra tomada como referência. A proposta
do Drama, pode dialogar, inclusive, com os objetivos indicados nas
propostas curriculares de se utilizar as culturas locais no processo de
construção de conhecimento.
Uma vez que o Drama propõe ao participantes solucionarem
problemas para dar seguimento ao processo, ele se apresenta como um
método que propicia a construção conjunta de conhecimentos e consegue
balizar a maneira como o grupo reage a cada proposta, identificando quais
conhecimentos sofreram mutações e quais podem ser melhor
desenvolvidos, de acordo com as respostas do grupo às proposições do
coordenador.
Nos processos desenvolvidos pela Trupe, buscamos evitar a
utilização de histórias e personagens conhecidos. Dos 09 processos,
apenas 01 trabalhou com personagem conhecido, nesse caso o “Pequeno
Príncipe” de Saint Exupéry, mas este “viajou” para outros lugares, de
acordo com a proposta da coordenadora desse processo. Os demais
processos partiram de histórias menos conhecidas, de fatos históricos, de
manifestações culturais, de objetos e cartas enviadas para as crianças
propondo um situação inicial que se desdobraria de acordo com as
respostas do grupo.
Independente de qual seja o pré-texto escolhido, o importante é
que os participantes tenham a oportunidade de interrogar, confrontar,
enfrentar desafios, resolver problemas, experimentar as situações e papéis
e transformar os materiais ampliando suas experiências, desenvolvendo
sua capacidade de imaginar, criar e improvisar.
3.3.4 Processo
Como o Drama se estrutura? Como ele é proposto aos participantes?
Um processo implica num conjunto de atos realizados em torno
de um objetivo; trata-se de uma sequência contínua de fatos que
apresentam certa unidade ou que se reproduzem com certa regularidade.
Considero essa a convenção primordial para a compreensão do Drama.
Como afirma Desgranges “não se pode pensar em Drama sem pensar em
processo [...]” (2006, p. 125). O Drama se desenvolve a partir de um
acúmulo de experimentações diferenciadas, do enfrentamento de
129
situações que levam a descobertas e a novos desafios em torno de um
tema, compondo uma narrativa.
Neste sentido, a construção da narrativa, pelos participantes, está
estruturada a partir da ideia de processo. O professor ou condutor do
processo cria o contexto ficcional a partir de um pré-texto e utiliza-se de
diferentes estratégias para levar o grupo a vivenciar situações dramáticas
e improvisar “como se” os participantes estivessem em tais situações,
sendo eles próprios ou experimentando papéis. As proposições seguintes
dependerão, em grande parte, das respostas dos sujeitos às atividades
realizadas. O condutor apropriar-se-á das vozes dos sujeitos, de suas
ações e opiniões para lançar uma outra proposição, reforçando a tensão
dramática, quando necessário, estabelecendo parceiras e confrontos entre
os participantes ou com os materiais apresentados.
Neste sentido, o Drama, enquanto fazer teatral, aproxima-se do
conceito de work in process, conceito que, segundo Cohen “[...] tem por
matriz a noção de processo, feitura, interatividade, retroalimentação,
distinguindo-se de outros procedimentos que partem de apreensões
apriorísticas, de variáveis fechadas ou de sistemas não-interativos” (2006,
p. 17). Nesse procedimento criativo – work in process –, o percurso de
experimentação e feitura da obra artística é parte da obra. Da mesma
forma, o Drama se caracteriza por ser um fazer teatral em processo e a
criação se dá no ato próprio de experimentar e desenrolar as situações
propostas. Ele não tem como objetivo a criação de um produto, a
apresentação, a repetição (em formato de ensaio, por exemplo) que leva,
muitas vezes, a um esvaziamento da experiência por conta da imposição
de marcas e formas.
Esse formato em processo parece-me, também, dialogar com as
propostas de trabalho da Educação Infantil. Diferente de propostas
tradicionais de trabalho com a linguagem teatral, em geral pautadas na
montagem de espetáculos, o Drama propõe a experimentação contínua, a
investigação dramática, a exploração do material colocado à disposição
dos participantes.
Ao se trabalhar com a noção de processo, aproxima-se do modo
como a Educação Infantil, pelo menos no município de Florianópolis, tem
desenvolvido seus trabalhos pedagógicos, a partir da concepção de
“projetos”. Batista e Wiggers retratam a maneira com tal concepção é
desenvolvida:
[...] o surgimento de um projeto se dá de forma
imprevisível e emergente. Logo, são as crianças
que guiam a investigação. [...] suas atividades usam
130
de forma especial diferentes linguagens por
considerar que as crianças aprendem melhor
quando podem usar múltiplos sistemas simbólicos.
[...] cada projeto possui seu próprio momento e
sequência de eventos únicos [...] as decisões são
tomadas com base no grupo particular de crianças
com as quais se trabalha e não por determinação
exclusiva do professor [...] (BATISTA;
WIGGERS, 2004, p. 65-66).
A elaboração de projetos é uma forma de organização didática
que consegue aproximar os interesses das crianças dos conteúdos
necessários de serem trabalhados, além de conseguir reunir diversas áreas
e linguagens em torno de si, apresentando um caráter interdisciplinar, que,
obviamente, dependerá do engajamento do professor em estabelecer
pontes entre diferentes conhecimentos de acordo com o foco de seu
projeto.
Comparado a um projeto, um processo de Drama trata de uma
investigação ao mesmo tempo artística e educacional, como se pode
observar nas palavras de Cabral, “[...] o desempenho artístico será melhor
quanto maior for o conhecimento adquirido sobre os conteúdos e as
formas subjacentes ao processo dramático; o valor educacional da
experiência [...] será tanto maior quanto melhor for o resultado artístico
alcançado” (2006, p. 17). A ênfase no processo, leva-nos a perceber a
preocupação do Drama com a construção de conhecimentos de forma
conjunta. Ao tomarem consciência de que suas opiniões e sugestões, que
surgiram em um dado momento do processo, são apropriadas pelo este,
os participantes se descobrem como autores do Drama, como criadores
daquela narrativa.
Compreendido que o Drama se desenvolve em um processo de
investigação e que esse é formado por uma série de eventos que vão
compondo a narrativa, os participantes da Trupe, sob minha orientação,
iniciaram a organização da estrutura dos seus processos. Para delimitar
cada uma das proposições, nós as dividimos, conforme os estudiosos do
Drama indicam, em episódios.
3.3.5 Episódios
Como distribuir as atividades na organização de um processo de Drama?
131
Cada nova proposição, situação criada ou atividade realizada é
considerada um episódio do Drama. Podemos pensar os episódios como
unidades cênicas que compõem o processo. Observando as palavras de
Desgranges, “os episódios são os fragmentos e/ou eventos que compõem
a estrutura narrativa. O processo desenvolve-se através de episódios que
vão pouco a pouco construindo a narrativa teatral” (2006, p. 126), nesse
sentido, os membros do grupo experimentam as propostas na medida em
que as constroem com a sua intervenção.
A inserção de um novo elemento ou nova situação (tarefa,
desafio, atividade) é um novo episódio do Drama. A duração do episódio
vai depender da proposta realizada. Se o professor tem como objetivo
desenvolver um processo de Drama em uma sessão (um encontro), ele
pode dividir esse processo em cinco ou seis episódios ao longo desse
período.
No trabalho com as crianças de Educação Infantil, em geral, os
processos de Drama realizados nos estágios em Teatro se transformam
em projetos que são desenvolvidos ao longo de um trimestre com sessões
semanais. Nesse formato, tanto os condutores dos processos conseguem
avaliar o que aconteceu e se apropriar das respostas das crianças para a
elaboração da próxima sessão, quanto as crianças tem tempo para se
apropriarem dos elementos trabalhados e esses passarem a fazer parte de
suas rotinas, brincadeiras e discussões.
Nesta pesquisa, optamos por considerar cada sessão como um
novo episódio do Drama, pois ainda que seja composto de diferentes
atividades (ou etapas) essas são conectadas a um mesmo foco de
investigação ou experimentação, ou seja, pertencem a uma mesma
unidade cênica. Todas as etapas contribuem com o aprofundamento de
uma mesma questão investigada num mesmo episódio, cabe ao condutor
escolher as estratégias que levem as crianças a perceberem a questão
sobre ângulos distintos. Uma nova questão ou um novo problema origina
um novo episódio.
No momento de estruturação do episódio, o professor cria
conexões entre uma etapa e outra e levanta distintas possibilidades para
os outros episódios, tecendo uma linha dramática aberta às explorações e
respostas do grupo. Como pontua Desgranges, “[...] se percebe uma
relação estreita entre um atividade e outra, em que aspectos de um
episódio solicitam um desenvolvimento investigativo, que se efetivará no
episódio posterior” (2006, p. 127), nesse sentido, busca-se possibilitar às
crianças que façam escolhas que definirão os próximos caminhos da
132
trama, eximindo-as da constante imposição de propostas feitas pelos
adultos.
Ao longo dos episódios, utilizando-se de diferentes estratégias, o
professor procura questionar, negociar, estabelecer regras ou
compromissos (anteriores a imersão no contexto dramático ou mesmo
dentro dele), colocar problemas a serem solucionados ou discutidos
dentro do próprio Drama, resolver tarefas, observar, registrar, perguntar,
dessa forma os participantes perceberão que tem voz ativa no processo e
que estão colaborando com a resolução do problema e a construção
dramática.
Algo interessante na estruturação dos episódios é deixar questões
suspensas no ar, estabelecer um mistério, promover a realização de tarefas
que serão necessárias à continuidade do processo (construir um amuleto,
deixar pistas para serem analisadas, criar cartazes “procurando” alguém
desaparecido, enviar uma mensagem ou carta e aguardar a resposta, entre
outros). Criar tensões aguça a curiosidade dos participantes e “alimenta”
o processo e as imaginações, buscando manter o Drama estimulante e
interessante para quem participa.
Os processos desenvolvidos pela Trupe tiverem durações
diferenciadas. Alguns foram desenvolvidos ao longo de um semestre e
outros em um mês. As respostas são diferenciadas. Um processo longo
pode estabelecer mais pontes com outras áreas e conhecimentos, pode
gerar mais questionamentos, alimentar mais a imaginação e ampliar as
experiências das crianças ao mesmo tempo em que pode cansá-las e se
esvaziar. Um processo curto pode ter uma estrutura mais definida, um
objetivo mais focado e, ao mesmo tempo, as crianças não terem tempo de
se apropriar dos materiais, conteúdos e experiência, continuando
interessadas pelo tema, mesmo o processo tendo acabado. A duração
dependerá da proposta de cada condutor, do que deseja explorar, de sua
disposição em criar novos episódios, de sua avaliação sobre o processo.
Quando existe um espaço de tempo entre uma sessão e outra, é
interessante relembrar o que aconteceu na sessão anterior para que as
crianças percebam o significado de cada etapa e deem continuidade a
investigação. Como afirma Cabral, “[...] o envolvimento emocional do
aluno com um processo dramático requer uma contextualização contínua”
(2010, p. 06). Essa rememoração pode ser realizada de diversas maneiras:
repetição de uma atividade que aconteceu no episódio anterior e que teve
um maior engajamento do grupo, um narrador que conte o que aconteceu,
algum registro dos fatos (fotos, filmagens, escritas, objetos construídos,
etc.) ou mesmo uma conversa com o grupo antes de um novo episódio.
133
O que percebemos é que os episódios são organicamente
conectados, o próximo episódio dependerá, em parte, do que acontecer no
episódio anterior, criando um encadeamento no processo de investigação
cênica. Existem propostas mais abertas (que se apropriam mais das
respostas dos participantes) e aquelas mais fechadas (que se apropriam
menos e seguem uma estrutura construída previamente). Cada condutor
escolherá um formato mais apropriado ao seu objetivo.
3.3.6 Vivência de papéis
Quem os participantes vão ser no Drama? Sob qual ponto de vista eles
realizarão a experiência?
Qualquer pessoa que observa uma criança brincando percebe o
quanto essa ação é povoada por diversos papéis ficcionais. Tais papéis
podem se originar de situações e experiências vivenciadas pela criança,
de suas relações familiares, podem representar pessoas do seu cotidiano
ou se tratar da imitação de personagens de programas de televisão, filmes,
histórias, entre outros.
Pasqualini aponta que:
[...] os jogos de papéis surgem como um modo
peculiar de penetração na esfera da vida e relações
adultas interditas para as crianças, determinando o
delineamento de um novo período no
desenvolvimento infantil, que recebeu, na
psicologia infantil, o nome de período do
desenvolvimento pré-escolar. (PASQUALINI,
2009, p. 33).
O jogo de papéis, portanto, é uma atividade típica do período de
desenvolvimento infantil com o qual se está lidando nesta pesquisa e
aproxima-se, essencialmente, da linguagem teatral ao permitir que a
criança crie situações imaginárias e brinque de ser outra pessoa, imitando ações ou reconstruindo-as de acordo com seu interesse. Resta ao professor
aproveitar essa habilidade de fazer de conta que é outro e utilizá-la como
uma estratégia dentro do processo que estiver construindo.
Por meio deste jogo de reconstituição ou vivência de papéis a
criança elabora hipóteses e reelabora sensações e experiências que lhe
134
marcaram de alguma maneira. Na brincadeira a criança pode se portar
para além do comportamento habitual de sua idade. Como retrata
Vygotsky, “[...] a situação imaginária em si já contém regras de
comportamento [...]. A criança imaginou-se mãe e fez da boneca o seu
bebê. Ela deve comportar-se submetendo-se às regras do comportamento
materno” (2008, p. 27). Colocando-a em diferentes contextos, ainda que
imaginados, mas reais dentro da esfera de realização por parte da criança,
a criança pode explorar suas habilidades e expandir suas percepções.
A vivência de papéis é a última convenção do Drama que
abordarei. Para Bowell e Heap: “[...] a atividade fundamental em qualquer
tipo de Drama é assumir um papel – isto é, imaginar que você é uma outra
pessoa em um contexto ficcional e explorar uma situação através dos
olhos dessa pessoa” (2013, p. 33, tradução nossa), portanto, trata-se de
uma vivência dramática no qual os participantes agem como se fossem
outro ser.
Na Educação Infantil, em geral, quando um professor propõe
uma dramatização ele pede às crianças que vivenciem uma história que
acabaram de ouvir ou ele explora essa história em algumas atividades
utilizando-se de objetos, vestimentas, e, em alguns casos mais elaborados,
alguma música ou elemento cenográfico. Esse é o lugar mais comum da
vivência de papéis conduzida ou alimentada pelo professor, digo
alimentada porque muitas vezes as crianças começam a dramatizar de
forma espontânea e o professor, atento às ações das crianças, oferece-lhes
materiais para ampliar seu jogo de faz de conta.
No Drama essa vivência é um elemento essencial para que o
participante imerja no ambiente ficcional. Ao vestir um papel ele assume
responsabilidades perante a experiência dramática e percebe o quanto
suas ações tem influência significativa na continuidade dos
acontecimentos. Ao se colocarem em papéis, as crianças tem a
possibilidade de vivenciar os fatos ou situações ficcionais criadas pelo
professor a partir do contexto real.
Esse é um excelente momento de improvisação, no qual os
participantes agem e reagem “como se” fossem outras pessoas e “como
se” estivessem num outro tempo e espaço criados. A partir dessa imersão
o professor pode estimular os participantes a estabelecerem analogias
entre a ficção e o mundo real e aprenderem sobre esse procedimento de
“experimentar” ser outro, uma das principais convenções teatrais,
tradicionalmente falando.
Como apontam Neelands e Goode, “[...] esta experiência de
gerenciar a dimensão real através da dimensão simbólica é central para a
experiência de aprendizagem das formas de improvisação do Drama”
135
(2000, p. 96, tradução nossa). Para tanto, é importante escolher os papéis
que melhor se enquadrem no contexto dramático criado e que permitam a
exploração desse contexto pelos participantes.
Outra questão relevante no que diz respeito à vivência de papéis
é a possibilidade de um maior engajamento corporal no processo. Cabral
afirma que: “[...] em Teatro Educação o aluno é criador e ator, ele faz e
apresenta [...] ele o faz e/ou transforma através do próprio corpo. Esta
seria uma condição privilegiada para e imersão” (2006, p. 29). O
professor pode propor atividades corporais que levem à ampliação do
repertório expressivo das crianças, incentivando-as a criarem
movimentos, vozes e posturas corporais diferentes daquelas realizadas no
seu cotidiano.
Ainda que vivência de papéis seja um suporte para a imersão no
processo dramático, não significa que em todos os episódios as crianças
estarão vivenciando-os. Em alguns momentos elas poderão assistir a um
personagem que traz uma informação, poderão, como elas mesmas,
experimentarem uma situação ficcional, poderão realizar atividades que
alimentem o processo, mas não necessariamente estarão vivenciando
algum papel. Com crianças menores (em torno de 02 a 04 anos) a
consciência do papel é pouco ou nada desenvolvida. Com essa faixa
etária, nos processos que desenvolvemos, buscamos explorar mais as
situações ficcionais do que a vivência de papéis em si.
De qualquer forma, como questiona Cabral: “O que torna esse
envolvimento tão excepcional no ensino de teatro? Eu diria que são a
quantidade e a qualidade das informações à disposição do aluno, ou seja,
a matéria prima para nutrir sua imaginação. Ou seja, a ampliação do
repertório” (CABRAL, 2009b, p. 03). Nesse sentido, ainda que a criança
não tenha formada a dimensão subjetiva que a permita se colocar no lugar
do outro, as possibilidades de ampliação do seu repertório de experiências
e conhecimentos, por meio do Drama, é bastante variada.
As crianças, entre elas e com a mediação do professor, criarão
significados para os estímulos e materiais colocados à sua disposição.
Dentro da estruturação de processos de Drama o condutor favorecerá
também as interações das crianças e dessas com os adultos, além de
incentivar a imaginação, a ludicidade e a criatividade por meio do
trabalho com elementos da linguagem teatral.
Um ponto que desejo destacar da vivência de papéis é a
possibilidade dos participantes experimentarem todos os papéis propostos
de forma conjunta. Ainda que em alguns momentos se possa dividir os
participantes em grupos menores, não há no Drama a seleção de um papel
“principal”, o que comumente ocorre quando da montagem tradicional de
136
peças teatrais. Pode-se criar várias famílias (com a divisão de papéis entre
elas: pai, mãe, filhos, etc.), um grupo de animais (cada criança
experimentando o animal que desejar), um grupo de produtores de
espetáculo (cada um desempenhando uma função da produção), não há
um formato específico, mas, de modo geral, sobretudo com crianças,
privilegia-se a igualdade ou similaridade de papéis e a experimentação
coletiva.
Tradicionalmente, a divisão de papéis se dá pela eleição, por
parte do professor, da criança mais “expressiva” ou “talentosa”. Na
vivência coletiva de papéis a criança que muitas vezes não se manifesta,
seja por timidez, por falta de incentivo ou dificuldade de socialização,
sente-se amparada pelo grupo e consegue se envolver na trama ao ponto
de opinar, de experimentar, por conta dessa dimensão igualitária do
“papel coletivo”.
Com o auxílio do outro, as crianças resolvem coletivamente os
problemas postos pela “trama”, tendo que negociar e chegar a um
consenso sobre as possibilidades de resolução dos obstáculos do processo
dramático. A criança com dificuldades de se manifestar sente que o
ambiente não se torna ameaçador para a exposição de suas ideias, uma
vez que se encontra, dentro da situação dramática, em posição igualitária
às demais crianças.
Obviamente que não é uma regra. Não basta colocar a criança
numa situação dramática que ela passará a se expressar. Amparada pelo
coletivo e não discriminada pela “seleção” tradicional de papéis, o
professor pode interrogar os participantes, distribuindo o “foco”,
incentivando as vozes individuais. Fingindo não saber do que se trata dada
experimentação, o condutor pode questionar “quem elas são”, “de onde
vem”, “o que querem?”. Se elas estiverem de fato envolvidas pela
situação ficcional elas se expressarão, defenderão suas ideias e, por meio
da improvisação, criarão novos fatos que poderão contribuir com outras
etapas do processo.
Ao se expressarem individualmente as crianças se colocam,
concomitantemente, na posição de atores e espectadores. Ao mesmo
tempo em que age, respondendo ao incentivo lançado pelo professor, a
criança observa o seu colega agindo, apropriando-se de movimentos,
expressões, vozes criadas pelo outro, além de perceber diferentes
respostas, ampliando seu olhar sobre uma situação e intercambiando
ideias sobre um problema.
A vivência de papéis facilita a imersão no contexto ficcional e
distribui responsabilidades para o grupo de participantes instigando-o à
ação. O objetivo é de que ao experimentarem situações e papéis diversos,
137
em outro contexto, as crianças ampliem, analogamente, suas habilidades
para reagirem em situações da vida real, ampliando, também, seu
repertório corporal, trabalhando suas emoções, desenvolvendo
experiências com situações ficcionais e construindo conhecimentos
acerca de conceitos da linguagem teatral. O fator emocional é essencial
para o desenvolvimento da subjetividade e ludicidade. Como ratifica
Cabral,
[...] o engajamento com uma atividade pressupõe
empenho em sua realização; colocar-se a serviço de
uma ideia e sua causa – vai além do envolvimento;
potencializa-o. [...] e não há como haver
envolvimento sem emoção. A própria ação de
cativar e atrair, inerentes ao processo de
envolvimento, sugere sua dimensão emocional.
(CABRAL, 2009b, p. 02).
Existem diversas estratégias na literatura sobre o Drama que
podem ser utilizadas na elaboração de cada episódio a fim de contribuir
com o engajamento dos participantes no processo dramático. Escolhi
destacar, neste trabalho, àquelas que acredito terem maior ressonância e
validade no trabalho com crianças em idade de Educação Infantil, que
penso dialogarem com as práticas realizadas pelos profissionais desse
segmento, que pudessem facilitar a apropriação do processo por parte das
crianças e que se relacionassem com suas habilidades momentâneas.
Destacarei a seguir as estratégias trabalhadas pela Trupe na estruturação
de seus processos de Drama.
3.4 ESTRATÉGIAS SELECIONADAS
Quais procedimentos de trabalho eu devo usar? Em qual combinação?
Para qual propósito?
Para Boweel e Heap “[...] as estratégias de Drama são diferentes formas performáticas que, quando combinadas, constroem e fazem o
processo de Drama acontecer” (2013, p. 80, tradução nossa). Tais
estratégias oferecem uma variedade de meios para enriquecer, delinear e
aprofundar a experiência dramática. Elas delimitam as ações que serão
realizadas pelos participantes em cada episódio de um processo.
138
Neelands e Goode (2000) elencaram uma série de estratégias
possíveis de serem trabalhadas na estruturação de processos de Drama.
Em sua obra, os autores dividem as estratégias em quatro categorias:
“ações para construção do contexto”, “ações narrativas”, “ações poéticas”
e “ações reflexivas”. Não utilizarei tais divisões na apresentações das
estratégias que foram apropriadas nos processos realizados pela Trupe,
mas, podemos perceber, a partir da categorização proposta pelos autores,
as finalidades das estratégias.
Determinadas estratégias do Drama podem ser utilizadas para a
construção do contexto ficcional, proposição de papéis, conflitos,
problemas e questões a serem exploradas pelos participantes,
contribuindo com a imersão desses no processo. Outras oferecem meios
para que a narrativa seja construída e tenha continuidade. Existem aquelas
que servem para desenvolver a capacidade dos participantes de se
expressarem, explorarem seus pensamentos, sentimentos, sensações,
percepções, criatividade, entre outros aspectos ligados a sua performance
no processo. Algumas servem para ajudar os participantes a refletirem
sobre a experiência vivida através do Drama.
Para tratar de possíveis estratégias no campo da Educação
Infantil, além dos autores utilizados anteriormente para a exposição das
convenções do Drama, apropriar-me-ei dos escritos de David Farmer
(2011), professor inglês de Drama que analisa em sua obra trabalhos
realizados com crianças em idades correspondentes às da Educação
Infantil brasileira.
3.4.1 Manto do perito e papéis ficcionais
A primeira estratégia que destaco é o manto do perito. Esse
procedimento foi criado e desenvolvido por Dorothy Heathcote a partir
da década de 1960. O manto do perito contribui com a contextualização
do processo e consiste em tratar as crianças como peritos em determinado
assunto ou área de conhecimento. Ao mesmo tempo em que se busca
aumentar o nível de engajamento e confiança dos participantes acerca de
suas responsabilidades como “especialistas”, o condutor percebe quais
conhecimentos eles possuem sobre determinado assunto e quais os que o
professor pode ainda oferecer dentro do Drama.
Farmer define essa estratégia como “[...] a criação de um mundo
ficcional onde os estudantes assumem os papéis de peritos em
determinado assunto” (2011, p. 25, tradução nossa). Para Neelands e
139
Goode quando da utilização do manto do perito “[...] a situação é
usualmente orientada de modo que o entendimento ou as habilidades do
perito sejam requeridas para realizar a tarefa” (2000, p. 34, tradução
nossa), ou seja, as crianças são tratadas como peritos na questão que será
abordada pelo Drama e seus conhecimentos serão necessários para o
desenrolar da situação.
Geralmente utilizamos esta estratégia no início do processo. O
condutor lê uma carta na qual é anunciado o recrutamento de
navegadores, por exemplo. Inicia-se um processo de questionamentos: o
que é preciso para navegar? Quem já navegou aqui? Como um navegador
é? Como ele anda? Que objetos ele usa? Para que ele usa tais objetos?
Que tarefas ele faz? Aos poucos o professor faz um diagnóstico de quais
conhecimentos as crianças possuem sobre determinado assunto. A partir
das respostas apresentadas o professor busca iniciar a abordagem do tema
que será experimentado no processo de Drama, assim como a criação do
contexto ficcional e dos papéis que serão vivenciados, nesse caso, de
navegadores.
O condutor pode, mesmo sem levantar questionamentos, tratar
os participantes como “especialistas”. Vestindo um papel, o professor
pode chegar na sala contando que ele soube que existiam detetives
naquele lugar, ou, uma outra pessoa, vestindo um personagem, pode
surgir na sala e indagar as crianças: “vocês são detetives? É verdade?
Disseram-me que vocês eram! O que vocês fazem? O que é preciso para
ser detetive?”.
Independente da forma como o professor distribuirá os papéis, a
ideia é ampliar a compreensão das crianças sobre diferentes “profissões”
ou “especialidades” e explorar tal compreensão durante o processo. Quais
habilidades, conhecimentos e responsabilidades um cientista, um médico,
um juiz, um detetive, um navegador, um astronauta, um botânico, um
arquiteto, um repórter, entre outros, possuem e que podem ser exploradas
no desenrolar do processo.
Ao serem tratados como peritos ou experts em determinado
assunto, o professor dá às crianças o poder de tomar decisões que
busquem resolver o problema em questão, dá-lhes responsabilidades
gerando reflexões sobre as consequências de suas ações. Elas podem ser
os únicos navegadores que sabem ler as cartas e mapas de navegação
necessários para embarcar em uma viagem. Podem ser os especialistas em
insetos que sabem analisar os bichos que tem aparecido na creche. Quais
seriam os motivos desses bichos procurarem este lugar? Seriam elas
detetives que ajudariam a encontrar o Pinóquio ou Alice desaparecidos?
140
Aos poucos os participantes são inseridos no contexto ficcional
e, ao colocá-los como elementos centrais do processo dramático,
estimula-se uma aprendizagem ativa dos conhecimentos que serão
trabalhados, discutidos e apropriados ao longo do processo em diálogo
com a assimilação de estruturas da linguagem teatral. Nestas propostas de
trabalho as crianças não serão meros receptores de conhecimento, pelo
contrário, ao serem tratadas como especialistas, como responsáveis pela
realização de uma tarefa, pela análise de um material, pela confecção de
algo, pela execução de um atividade, elas constroem seus conhecimentos
e ampliam sua percepção a partir da experimentação.
O professor (ou um personagem da trama que fala diretamente
com as crianças ou que lhes envia alguma mensagem, por exemplo)
precisa dos conhecimentos delas, como peritos, para buscar a solução do
problema posto e para que o processo dramático se inicie. Estabelece-se
uma relação de parceria na qual o professor é o facilitador do processo.
Pode-se estabelecer um “contrato” no qual as crianças se
comprometem (como especialistas) a ajudarem o professor (ou
personagem) a resolver o problema em questão. Todas que concordarem
em participar podem escrever seu nome num documento, carimbar seus
dedos, gravar sua voz concordando com a “convocação”. Desta forma,
elas são empoderadas, encorajadas a se desafiarem. O Drama se utiliza da
capacidade ficcional emergente da criança, mas distancia-se de um fazer
de conta livre, de uma liberdade gratuita para experimentar, é uma
liberdade comprometida com a ficção, porque a criança é parte
fundamental na construção deste espaço ficcional.
Em um processo os participantes podem ser incentivados a
experimentarem mais de um papel, levando-os, como pontua Farmer,
“[...] a desenvolver uma compreensão mais sensível de pontos de vista
contrastantes” (2011, p. 17, tradução nossa). O professor pode propor
diferentes papéis em diferentes momentos, papéis esses que tenham
relação com o tema abordado, este jogo de papéis (role play) também é
uma estratégia do Drama. Em um Drama realizado a partir da história da
escrita, por exemplo, os participantes experimentaram ser tanto homens
das cavernas quanto viajantes do tempo.
Os participantes podem sugerir papéis ou variações dentro de um
papel, por exemplo, todos são navegadores, mas um quer cuidar das velas
da caravela, outro da limpeza, outro da comida, cada participante pode ter
sua individualidade criativa dentro da proposta. Pode-se trabalhar em
duplas, pequenos grupos, todo o grupo em um papel genérico, como
apontei anteriormente, ou criando um papel ou personagem coletivo
(collective role). Nessa estratégia, como aponta Desgranges, “[...] um
141
personagem é representado por mais de um participante ao mesmo tempo.
Cada participante pode ser convidado a mostrar uma característica
diferente do personagem” (2006, p. 129), construindo coletivamente um
papel.
Independente do formato que o condutor se utilizar para propor
papéis em diferentes episódios, o interessante é se apropriar das
descobertas e criações realizadas pelos participantes, buscando ampliar
seus conhecimentos, desafiá-los a experimentar situações diversas,
propondo novos papéis sempre que julgar interessante e necessário.
Ao longo do processo o professor será a figura mediadora, aquele
que motivará os participantes, que os instigará, que estabelecerá o respeito
ao pensamento do outro e às opiniões divergentes, que valorizará a troca
de ideias, que incitará à reflexão diante das informações e tarefas.
Avaliando as respostas do grupo o professor avançará para além das
primeiras impressões e concepções dos participantes, construindo, a partir
de suas avaliações, os novos episódios.
Para este lugar de mediador do processo, o Drama oferece uma
estratégia, que, assim como as demais, trabalha diretamente com
conhecimentos da linguagem teatral: o professor no papel.
3.4.2 Professor no papel e professor personagem
Como apontado anteriormente, em um processo de Drama o
professor é o articulador dos episódios, quem estrutura e capta as
informações que vão surgindo ao longo desse e as utiliza em prol do
processo. Ele é tanto a figura que apoia quanto a que desafia as crianças,
mantendo o foco na experiência de aprendizagem e exigindo das crianças
que tomem posicionamentos, que criem, que respondam, que reflitam,
que deem suas opiniões, que percebam eventuais dificuldades e lidem
com possíveis limitações que o processo possa apresentar como desafio.
Uma das principais estratégias para que o professor realize esta mediação
de dentro do processo é a do professor no papel. Segundo Neelands e Goode o professor no papel é aquele que
“[...] gerencia as possibilidades teatrais e oportunidades de aprendizagem
fornecidas pelo contexto dramático de dentro do contexto, adotando um
papel [...]” (2000, p. 40, tradução nossa). Esta estratégia, também criada
por Heathcote e amplamente utilizada nos processos de Drama que
desenvolvia, coloca o professor como um mediador e parceiro na criação
e manutenção do contexto dramático. Farmer complementa essa ideia ao
142
apontar que o professor no papel “[...] valida e apoia o envolvimento das
crianças na situação de faz de conta e permite ao professor trabalhar e
jogar ao lado delas” (2011, p. 20, tradução nossa) moldando, desta forma,
o processo de acordo com seus interesses pedagógicos.
Para os autores supracitados, alguns dos objetivos desta
estratégia seriam permitir ao professor:
[...] despertar o interesse, controlar a ação,
encorajar o envolvimento, provocar tensão,
desafiar o pensamento superficial, promover
escolhas e ambiguidade, desenvolver a narrativa,
criar possibilidades para o grupo interagir por meio
de papéis [...] tentando mediar seu propósito de
ensino através do envolvimento do grupo no
Drama. (NEELANDS; GOODE, 2000, p. 40,
tradução nossa).
Cabral (1998) traduziu a estratégia teacher in role como
professor personagem, pela inexistência de um equivalente em português
para o termo role que correspondesse ao seu significado no contexto
inglês, no sentido de papel social. Além desse fato, segundo Cabral
(2006), no contexto brasileiro a prática do Drama, ao ser realizado dentro
de um curso de Teatro, enfatizava mais a caracterização e atuação do
professor do que o aspecto social da estratégia, trazendo maior
teatralidade ao termo e potencializando também a dimensão teatral do
Drama.
Vidor (2008) propõe a utilização de termos distintos: professor
no papel quando este representar um papel social e estiver centrado no
estabelecimento do contexto, de um situação ou problemas específicos
sem uma preocupação com a criação artística de tal papel, e professor
personagem, quando se tratar da criação e representação de um ser
ficcional elaborado fisicamente, com maior caracterização, pessoalidade
e consequente potencialização de elementos teatrais.
Quando um professor assume um papel ele se utiliza de traços
mais cotidianos, um simples objeto como um xale, um óculos, um chapéu,
um casaco, aliado a uma pequena mudança de postura ou voz, caracteriza
o uso de um papel. Essas pequenas mudanças permitem que o professor
assuma rapidamente quantos papéis sejam necessários a sua proposta.
Ao assumir um papel o conteúdo da fala que ele traz e sua função
social são mais importantes que sua caracterização e o aspecto teatral de
sua performance. O foco não está na interpretação (atuação do professor
143
como ator), mas no papel social que ele assume no encaminhamento do
processo dramático. Como aponta Vidor, “[...] o foco está potencializado
no o que está sendo dito, na função deste discurso para o desenvolvimento
da narrativa, e menos no como está sendo dito, sem objetivos cênicos”
(2008, p. 18). Questionar os participantes, pedir a opinião sobre um
problema ou ajuda para resolvê-lo, instigá-los a observar os diversos
pontos de vista sobre uma situação podem ser ações realizadas por este
papel.
Vidor ressalta que assumir um papel exige o enfrentamento de
alguns desafios:
1.agir como se fosse outra pessoa diante dos
alunos; 2. Improvisar sua fala de acordo com o que
surge na relação aqui e agora; 3. Sustentar o papel,
sua lógica e simultaneamente, manter os objetivos
pedagógicos; 4. Aceitar o imprevisível, o acaso,
mudando o rumo sempre que necessário (VIDOR,
2008, p. 15).
No ponto de vista de Vidor, do qual me aproprio, a estratégia
professor no personagem é utilizada quando o condutor do processo cria
um personagem específico, com uma maior caracterização, como um ser
individual e uma preocupação performática. Em geral, este personagem
advém da história (utilizada como pré-texto). Utiliza-se das indicações do
texto para a criação de corpo, voz, figurino, assim como de fragmentos
ou ideias contidas no texto original para a construção do discurso do
personagem, o que não significa que o condutor não possa criar
personagens a partir da outras obras ou referências.
Os fatores diferenciais são o processo de criação e a
performance. O professor personagem traz uma maior caracterização e
exige uma maior preparação na construção do ser ficcional. Ainda que se
paute no texto dramático (ou outro texto de referência) o professor, no
personagem, improvisa a partir dos acontecimentos que surgem da
relação que estabelece com os envolvidos na situação dramática, necessita
preparar-se para o embate com os argumentos, ações e reações dos
participantes.
Existe, portanto, um personagem construído, com um objetivo específico dentro do episódio (contar um segredo, desencorajar ou
encorajar os participantes, desafiá-los, narrar uma parte da história sobre
seu ponto de vista, dar alguma informação, entre outras possibilidades).
Esse personagem pode retornar em outros episódios, quantas vezes o
144
condutor julgar necessária a sua presença. Outros professores (ou atores)
podem ser convidados para agirem como professor personagem no
processo.
Esse personagem pode ser também um boneco, por exemplo.
Muitos profissionais da Educação Infantil tem alguma familiarização e
desenvolvem certas práticas em torno da utilização do teatro de bonecos.
Pode-se aproveitar essa experiência e colocá-la como estratégia dentro de
um processo. Diferente de uma atividade isolada, de uma contação de
história, por exemplo, esse trabalho pode agregar-se a um processo de
Drama e o boneco pode aparecer em diversos momentos, desafiando a
turma, questionando-a, trazendo um recado, relembrando algum
momento, entre outras possibilidades. O ideal é que se tenha um cuidado
com a manipulação do boneco, para que seja uma atividade qualificada.
Cabe ressaltar que, no contexto inglês, essas duas abordagens são
apresentadas como variações do teacher in role. A diferenciação
apresentada aqui, pauta-se em discussões propostas a partir de práticas
que tem sido desenvolvidas no contexto brasileiro, por Cabral e Vidor.
Nas práticas realizadas pela Trupe, nós utilizamos essas
variações para diferenciar os momentos em que os condutores utilizavam-
se de objetos simples ou pequenas alterações para se colocarem em papéis
que tivessem funções específicas em determinado momento do processo,
dos momentos em que os professores criavam personagens mais
elaborados ou convidavam outros profissionais a participarem como
personagens. Nos momentos em que um papel era apresentado, os
condutores, na frente das crianças, faziam alguma alteração no seu
comportamento delimitando a existência de um papel, quando da
presença de um personagem, esse era marcado por uma maior
caracterização e, em geral, a composição da figura se dava sem a presença
das crianças.
Uma terceira categoria foi também explorada nos nossos
projetos. Seria a utilização de um personagem (ou de personagens ou
cenas) que não interagisse diretamente com os participantes. Nesses
momentos, um personagem (advindo do texto de referência) trazia algum
trecho do texto original ou alguma cena era apresentadas para os
participantes. Essa estratégia foi utilizada como uma maneira de
“alimentar” a imaginação das crianças, propiciar novas descobertas sobre
o narrativa ou redefinir os rumos da “trama”.
Como expectadoras as crianças são convidadas a “espiar” algo
que está acontecendo, sem se relacionar diretamente com os personagens,
que podem ter construído alguma cena bem marcada, impactante, com
145
informações importantes para o processo. Geralmente esse personagem é
alguém de fora do processo.
Seja com a utilização do professor no papel, professor personagem, personagem ou cena, essas estratégias podem contribuir
tanto com a construção do contexto ficcional, sendo utilizadas no início
do processo, como podem ser usadas como ações que dão continuidade a
narrativa propondo novas ações ou tarefas ao longo dessa. Cabe ressaltar
que, no contexto da Educação Infantil, no qual existe mais de um
profissional trabalhando com a mesma turma, é possível haver um
revezamento de funções. Enquanto um profissional veste um papel o
outro media a interação desse com as crianças, em outro momento o
mediador pode assumir um personagem e seu colega assumir a mediação
ou os dois vestirem papéis ou personagens em conjunto com as crianças.
Desgranges destaca que, “[...] o papel assumido pelo
coordenador pode assumir diferentes status na narrativa e propor várias
relações de poder com o grupo” (2006, p. 127). Cabral aponta algumas
possibilidades: “Status alto: rei, capitão, treinador, diretor de escola, etc.
Status intermediário: secretário, representante de alguma autoridade,
membro da comunidade ou da tripulação, etc. Status baixo: pedinte,
vítima, refugiado, aprendiz, etc.” (2006, p. 21). Cada status irá propor um
tipo de relação com os participantes.
Farmer (2011) aponta que o papel de status alto impõe certa
autoridade e controle, causando inibição ou instigando os participantes a
agirem. O intermediário ou semelhante (como propõe esse autor), permite
ao professor ser “um deles” imerso na mesma situação, compartilhando
as responsabilidades, e o de status baixo é algum papel ou personagem
que necessita da ajuda dos participantes, em geral, colocando-os no papel
de peritos, estratégia apontada anteriormente.
Cabe ressaltar que essa estratégia conduz as crianças a
perceberem a criação de um espaço ficcional e a explorarem essa
dimensão da linguagem teatral. A apreciação estética é fundamental para
a compreensão do espaço da ficção. Para que a criança perceba que esse
jogo de faz de conta, que acontece em um tempo real, mas cujo
acontecimento não é realidade, e sim uma representação, é necessária a
intermediação do professor.
Muitas crianças, não tem a oportunidade de frequentar
espetáculos de teatro e mesmo sua família ou outros profissionais da
creche ou escola, não valorizam o teatro. Trazer um personagem para a
sala é uma forma simples de inserir, aos poucos, o trabalho com
linguagem teatral na Educação Infantil. Muitos profissionais possuem a
prática de levarem personagens para suas atividades com as crianças. A
146
diferença com relação a uma prática isolada é articulação dessa com o
processo de Drama.
Quando o professor assume um papel na frente das crianças,
caracterizando-se na presença delas, elas percebem a construção da
ficcionalidade e, incentivadas, entram na dimensão fictícia. Quando o
professor cria um personagem e o traz para a sala, em vários momentos
elas vão indicar que é o professor que está “vestido” e essa é uma
excelente oportunidade para o professor trabalhar o real e o faz de conta,
aspecto fundamental do teatro.
Nos momentos em que o professor transita entre personagem,
papel e coordenador do processo, estabelece-se a possiblidade das
crianças perceberem a convenção teatral sendo realizada. Quando o
professor coloca-se como personagem as crianças necessariamente são
postas no lugar de espectadoras, e depois ele incita as crianças a se
colocarem em papéis, então as dimensões do fazer e fruir são trabalhadas,
assim como novos olhares sobre o mundo são lançados a partir da
metáfora desse mundo expressa pela experimentação dramática.
Outras estratégias podem se articular à do professor no papel ou
professor personagem. Uma das que utilizamos nos processos da Trupe foi a cadeira quente ou berlinda.
3.4.3 Cadeira quente
Trata-se de um jogo de improvisação bastante comum, utilizado,
por exemplo, para que um ator responda perguntas lançadas por outros
jogadores, acerca do seu personagem. No caso do Drama, como aponta
Desgranges, “[...] um participante, que pode ser o coordenador, assume
um personagem da trama, a quem o grupo pode lançar questões que
tragam novas informações acerca do contexto da narrativa em questão”
(2006, p. 127).
Nos momentos em que surge um personagem na sala, em geral,
as crianças querem conversar com ele, fazer perguntas, descobrir quem
ele é, de onde ele veio, o que ele quer, entre outras tantas questões que
surgem. Essa é uma ótima estratégia para o papel ou personagem se
relacionar com as crianças. É importante que todas as respostas dadas
contribuam para o processo em desenvolvimento. Qualquer questão ou
comentário relevante que porventura surja pode ser apropriado em um
outro episódio.
147
Quando se trata de um personagem baseado em uma pessoa real,
por exemplo, um famoso navegador, um cientista, um estudioso, pode-se
ampliar o conhecimento das crianças sobre tal pessoa lançando-se
perguntas sobre sua vida, sua história, seus feitos. Quando se tratar de um
personagem retirado de uma história, colocando-o na cadeira quente,
pode-se explorar outros fatos que a história original (algumas vezes
conhecida pelas crianças) não explorou, contando com improvisações por
parte de quem estiver representando para inventar outros acontecimentos.
Na Educação Infantil, além do professor regente da turma, temos
a presença dos auxiliares de sala e/ou ensino. Um ou outro poderão estar
no papel enquanto o que não estiver estimula as crianças a fazerem
perguntas ou ele mesmo lança questionamentos “chaves” em determinada
etapa do processo, servindo de mediador da situação.
Farmer (2011) indica a possibilidade de também as crianças sentarem na
cadeira quente em duplas ou grupos experimentando papéis, podendo,
desta maneira, evitar o medo e a inibição e um se apropriar da ideia do
outro na criação das respostas, sendo o condutor e os demais membros do
grupo quem lançam as perguntas.
Outras possibilidades podem ser exploradas, por exemplo, pode-
se utilizar a cadeira quente em meio a uma improvisação, pedindo-se que
os participantes “congelem” e o condutor entreviste individualmente os
papéis, questionando seus pensamentos, sensações, expressões. Cada
condutor pode encontrar variações possíveis de acordo com o seu grupo
de trabalho.
Nos processos com a Trupe utilizamos muito essa estratégia,
principalmente quando se tratava de crianças mais novas, que, num
primeiro momento, tinham medo do personagem. Colocando-o na
cadeira quente conseguíamos lançar perguntas e desafiar as criança a se
aproximarem do personagem e interagir com ele.
3.4.4 Narração
Ouvir histórias, contar histórias, recontar histórias, dramatizar as
histórias são algumas práticas recorrentes na Educação Infantil. Como
afirma Farmer, “[...] contar histórias é uma das mais simples e talvez mais
atraentes formas de atividade dramática e imaginativa” (2011, p. 45,
tradução nossa). Ao imaginar as situações narradas em uma história as
crianças podem traçar paralelos com o mundo ao seu redor, desenvolver
sua imaginação e criatividade.
148
Essa é também uma estratégia possível de se trabalhar no Drama,
a narração. Neelands e Goode propõem que a narração seja usada
“dentro ou fora do contexto dramático” (2000, p. 85, tradução nossa). O
professor (com ou sem um papel ou personagem) pode se utilizar da
narração para introduzir o contexto dramático, contar um novo fato que
ocorreu, revelar alguma informação até então desconhecida, criar tensão
antes de uma nova proposta, fazer ligação entre um episódio e outro,
relembrar algum momento vivenciado em uma sessão anterior ou encerrar
um episódio ou processo.
O condutor pode descrever um lugar e pedir que as crianças se
imaginem em tal lugar, pode preparar a chegada de algum personagem,
pode levantar questões e se apropriar das respostas dos participantes na
sua narração. Pode ainda narrar uma história apresentando objetos,
fotografias, imagens, mapas, figurinos, que serão posteriormente
analisados pelos participantes ou que servirão para aguçar a imaginação
desses e incentivá-los à imersão no processo.
Se o professor está usando uma história como pré-texto ele pode
narrar trechos dessa para os participantes, fazendo ligações entre um
episódio e outro, destacando os momentos de tensão nos quais os
participantes experimentarão uma ou outra situação provenientes da
história e criarão sua própria versão dos fatos.
Os profissionais da Trupe estão bastante habituados a contar
histórias, portanto, a narração foi uma estratégia bastante utilizada para
aproximar as crianças do universo ficcional. Buscamos trabalhar com
contações de histórias utilizando objetos que chamem a atenção das
crianças: instrumentos musicais, imagens, objetos fora do cotidiano
(como lamparinas, disco de vinil, caixinha de música, entre outros). Cada
profissional escolheu o momento em que a narração podia ser utilizada.
As crianças também podem ser incentivadas a narrarem histórias.
Podem narrar histórias referentes a um determinado tema ou situação que
tenham vivido e que se relacione com o foco do Drama ou mesmo
vivenciando papéis podem ser incentivadas a criarem histórias e situações
e narrarem para os demais. Como em todos os momentos do processo, as
informações trazidas pelos participantes podem ser incorporadas ao
Drama.
Cada participante, em geral, tem uma percepção diferente de uma
situação experimentada e pode contar para os seus colegas o que percebeu
ou mesmo, entre uma sessão e outra, as crianças podem narrar o que
aconteceu na sessão anterior. Dessa forma o professor distribui as vozes
dos sujeitos e consegue avaliar as percepções individuais.
149
3.4.5 Recursos materiais
Uma variedade de materiais pode dar suporte a um processo de
Drama. Investindo-se em materiais que enriqueçam o processo, o
condutor pode ampliar as percepções e a imaginação dos participantes.
Assim como a criança usa o brinquedo como material de apoio ao seu faz
de conta, podemos usar diversos materiais para criar situações dramáticas.
Quanto mais os participantes acreditarem nos materiais que são
oferecidos para a interação e se apropriarem desses, maior deverá ser seu
engajamento no processo. Esta materialidade pode ser construída a partir
da utilização de diferentes recursos, destaco algumas possibilidades:
Uma carta (enviado ao grupo ou interceptada por algum motivo),
Mensagens (escritas, gravadas em vídeo ou em áudio),
Um bilhete (encontrado ou enviado ao grupo),
Uma manchete de jornal (verdadeira ou criada para o processo),
Um diário ou agenda (de uma pessoa real ou criada),
Um informativo sobre algum fato (real ou ficcional, do presente
ou do passado),
Uma convocação (real ou ficcional, do presente ou do passado),
Regras de como se portar em determinado lugar (verdadeiras ou
criadas),
Documentos (reais ou fictícios),
Fotos (de diversas épocas de acordo com o processo),
Mapas (de diversos épocas e lugares reais ou imaginados, de
acordo com o processo),
Imagens diversas (pinturas, desenhos, palpáveis ou projetadas na
parede, por exemplo),
Objetos pessoais (de alguma personagem, de alguém
desconhecido, de alguém que se está procurando),
Figurinos (para as crianças vestirem, com os quais o professor irá
compor um papel na frente das crianças),
Objetos de uma determinada época (de acordo com o processo),
entre outros.
Como afirmam Neelands e Goode “[...] os participantes se
debruçam sobre as pistas e informações parciais oferecidas a fim de
construir o Drama no qual irão explorar e desenvolver temas, eventos e
significados sugeridos pelos materiais inacabados” (2000, p. 28, tradução
150
nossa). Não há um limite de possibilidades materiais que podem ser
criadas e exploradas a fim de instigar a investigação dramática e a
construção da narrativa. O ideal é que o condutor se preocupe com a
veracidade dos materiais, por exemplo: papel envelhecido para criar
documentos antigos e esses serem escritos a mão, pode oferecer luvas
para os participantes tocarem objetos raros, lupas para procurarem pistas,
algumas peças de figurinos ou objetos para quando experimentarem
papéis, etc.
Alguns materiais podem ser construídos com as crianças, por
exemplo, caso farão uma viagem podem confeccionar seus passaportes,
cartas de despedida ou mesmo um relógio para viajarem no tempo. Se
enfrentarão uma batalha podem construir amuletos de proteção, escudos,
espadas. Confeccionar cartazes com desenhos e descrições de uma pessoa
que estão procurando. Podem construir algum acessório para os papéis
que irão vivenciar ou se maquiarem antes de um ritual. Enfim, cada
condutor pode “alimentar” o processo da maneira que julgar mais
adequada e que possa gerar uma maior experimentação por parte das
crianças.
Para que as crianças desenvolvam experiências diferenciadas é
necessário promover espaços nos quais elas possam experimentar. O
Drama, enquanto método de trabalho, propõe um espaço de
experimentação que consegue abarcar diferentes áreas do conhecimento,
diferentes linguagens e manifestações artísticas. Ao trabalhar com
diversos materiais o condutor pode explorar diferentes linguagens e áreas
do conhecimento em busca de recursos que possam oferecer uma
experiências mais global aos participantes. Por exemplo:
Existe algum conto, história, língua, sotaque que pode ser
apropriado pelo processo?
Alguma forma diferenciada de escrita, códigos de comunicação?
Distâncias a serem percorridas, cálculo de peso de bagagens,
tamanho e peso dos participantes, formas geométricas?
Algum fato histórico, pessoas importantes em um dado
momento, contexto histórico do presente e do passado?
Hábitos e costumes de um povo (alimentação, comportamento,
vestuário, relações familiares, regras do grupo, etc.) de uma
determinada época?
Mapas, bússolas, diferentes climas, rotas de navegação, correntes
marítimas, vegetação específicas de um lugar?
Grupos de animais, plantas de uma região ou local?
151
Manifestações artísticas, objetos de arte, danças e rituais,
esportes?
Ritmos, sons, instrumentos musicais?
Ao buscar recursos materiais em outras linguagens e áreas do
conhecimento o professor pode encontrar diversas possibilidades de
ampliar a materialidade do seu processo. Esses materiais podem ser
trabalhados separadamente, aparecendo diferentes objetos ao longo do
processo ou pode-se trabalhar com o “pacote de estímulos”, que trata da
reunião de diferentes artefatos – objetos, cartas, textos, mapas,
fotografias, documentos, entre outros – em uma embalagem condizente
com o processo de experimentação, gerando-se tensão no relacionamento
dos objetos. Nos processos da Trupe, cada condutor fez um levantamento
das possíveis relações com outras áreas buscando elencar materiais a
serem trabalhados ao longo do processo.
É importante destacar que as crianças, sobretudo as mais jovens,
necessitam da materialidade para sustentarem seus jogos e brincadeiras,
justamente porque a imaginação, por si só, não sustenta o jogo. Ainda que
elas, muitas vezes, não usem os objetos de maneira real, elas podem tocar,
perceber, explorar os materiais para, dessa forma, imergirem na ficção.
3.4.6 Estímulo composto
Cabral (2006) retrata que a caraterística mais importante do
trabalho com o estímulo composto ou pacote de estímulos é o
envolvimento emocional com o tema. Por meio da materialidade concreta
dos objetos, os participantes envolvem-se melhor com o processo.
Quando eles acreditam nos materiais apresentados, sua imersão nas
circunstâncias propostas se dá, em geral, de forma mais crível. Cabral
indica que “[...] o container dos estímulos deve ser coerente com os
objetos e documentos contidos nele” (2011, p. 179), para que, dessa
forma, a materialidade se torne crível.
Diferente de um objeto ou material apresentado separadamente,
a ideia do estímulo composto é reunir uma série de materiais combinando-os de acordo com o processo, criando tensão, gerando a necessidade de
investigação desses materiais e das possíveis relações que serão criadas
pelos participantes. Como aponta Cabral, “[...] os artefatos contidos no
pacote de estímulos [...] funcionam como uma alavanca para impulsionar
152
o processo dramático, e vão tornando-se menos importantes à medida que
a imaginação do grupo se fortalece” (2006, p. 37), ou seja, trata-se de um
estímulo à criação.
Ao trabalharmos com estímulos compostos buscamos apresentar
informações divergentes ou complementares na maneira como os
materiais se relacionam com o assunto abordado. Esta ação se mostrou
importante para que as crianças, a partir de informações diversas,
pudessem ter mais elementos sobre os quais refletir e experimentar.
Como indica Farmer, “[...] mostre-lhes cada objeto, um por um,
ou faça uma rodada para exame. Convide os participantes a darem
sugestões sobre o personagem ou contexto e perceba como eles se
envolvem como cada objeto revelado” (2011, p. 61, tradução nossa). O
professor, como mediador, assume a postura de instigador: “Quem já viu
isso? Vamos analisar? O que será que é? Pra que serve? Vocês conhecem
algo parecido?” e introduz cada objeto: “onde ele foi encontrado”, “quem
enviou”, “a quem pertenceu”, entre outras possibilidades.
A observação das características e propriedades dos objetos
possibilita a identificação de atributos como quantidade, qualidade,
tamanho e forma, além de estabelecer relações com diferentes tempos,
pessoas e histórias, seus usos sociais e simbólicos.
É possível montar, junto com as crianças, um acervo dos
materiais, obtidos ou criados, para que elas possam recorrer sempre que
precisarem ou se interessarem, servindo como uma memória do processo.
Se cada sessão ocorre uma vez por semana, por exemplo, os materiais
podem ficar expostos na sala, vindo a alimentar os jogos de faz de conta
e mesmo diferentes discussões e questionamentos ao longo da semana.
3.4.7 Ambientação cênica
Neelands e Goode indicam que “[...] materiais e mobiliário
disponíveis podem ser usados para representar o lugar onde um Drama
está acontecendo, quer para representar a escala física de algo no Drama,
ou para fixar a posição e proximidade de quartos, casas, lugares onde os
eventos ocorreram” (2000, p. 15, tradução nossa). Essa mobília e demais
objetos que compõem um espaço cênico são tratados como uma estratégia
para construir uma ambientação cênica.
Um ambiente cênico com potencialidade imersiva contribui para
estimular os participantes a se envolverem com as circunstâncias
ficcionais. Como afirma Cabral, “[...] quanto mais elaborado o ambiente
153
de imersão, mais ativa é a participação” (2006, p. 27). Um ambiente
cênico cuidadosamente elaborado provoca diferentes sensações,
emoções, pensamentos e percepções contribuindo com a construção do
espaço ficcional.
No terreno da Educação Infantil as crianças encontram-se numa
fase de constante experimentação e de ampliação das experiências
sobretudo sensoriais, portanto, ao elaborarmos as ambientações cênicas
para os processos, preocupamo-nos em construir ambientes ricos em
possibilidades interativas e lúdicas.
A criação de ambientações cênicas contribui também com a
ampliação da noção de espaço cênico, uma vez que, ao entrarem nos
espaços criados muitas crianças percebiam que se trata de um ambiente
construído, mas, imersas no contexto ficcional, elas vivenciavam a
experiência dramática jogando com o espaço e atribuindo novos
significados a esse, dentro do contexto de ficção.
Algumas crianças, sobretudo as mais novas, tem dificuldades em
lidar com espaços escuros, com tecidos pendurados, com uma iluminação
diferenciada, nesses casos o condutor pode, aos poucos, alterar o espaço
a fazê-las perceber que essa alteração se dá por conta da criação de um
momento de faz de conta.
Nos processos que desenvolvemos, cada condutor escolheu o
momento em que poderia criar um ambiente cênico para que o grupo
explorasse. Trabalhamos com recursos diversos: tecidos para criar uma
caverna onde o tesouro do pirata estava escondido, barracas com papel
nas paredes para representar cavernas com escritas rupestres, ambiente
escuro com plástico bolha no chão para representar a Lua, espaço com
diversos brinquedos e materiais reciclados para representar uma fábrica
de brinquedos, entre outros.
Outra proposta foi o deslocamento das crianças para locais
diversos (dentro ou fora da creche) atribuindo novos significados a esses.
Nesse sentido, a horta virou um grande ninho; o parque ecológico, uma
floresta desconhecida; a beira de uma lagoa, o porto onde desembarcaria
a personagem que enviava cartas sobre suas viagens para as crianças.
Esses locais foram tratados também como ambientes cênicos, pois deu-se
significado ficcional para os espaços reais. Muitas vezes o deslocamento
para espaços fora da sala de aula mobiliza o grupo e quando colocado em
um contexto ficcional, pode gerar uma maior imersão na proposta
dramática.
154
3.4.8 Ambientação sonora
A ambientação sonora tem os mesmos pressupostos apresentados
para a ambientação cênica. Essa estratégia refere-se a possibilidade de
ampliar a imersão dos participantes na proposta dramática a partir de
estímulos sonoros. Como indicam Neelands e Goode, “[...] sons, músicas,
palavras e frases, ou pré-gravadas ou tocadas ao vivo, são usadas para
criar o clima e a atmosfera da experiência vivida por um personagem, por
exemplo” (2000, p. 73, tradução nossa), enfatizando uma determinada
época ou situação.
O professor pode se utilizar de músicas de diferentes culturas,
pode utilizar instrumentos musicais para criar o ambiente sonoro
desejado, utilizar-se de ruídos, sons da natureza, barulhos ou estimular as
crianças a criarem a “trilha” de sua experimentação a partir do uso de
instrumentos musicais ou de sons produzidos pelo próprio corpo.
Essa estratégia pode ser utilizada para além do ambiente sonoro
que engloba o espaço cênico, mas também como forma de acompanhar
uma ação que esteja acontecendo, como aponta Desgranges (2006).
Enquanto alguns participantes dramatizam os outros podem acompanhar
a ação criando a “trilha sonora” daquele momento. “O grupo é encorajado
a pensar na paisagem sonora, a qual deve ter forma musical específica,
tecendo várias palavras, declarações e sons de forma conjunta,
orquestrando-os [...]” (2000, p. 73, tradução nossa), afirmam Neelands e
Goode.
Como a Educação Infantil busca estabelecer um diálogo
constante com a linguagem musical, planejamos o uso de diferentes
fontes sonoras ao longo dos processos. Alguns exemplos: como ambiente
sonoro para a narração de algum fato, criando diferentes vozes para os
papéis que as crianças vivenciariam, imitando sons dos animais,
utilizando músicas de outras culturas sempre que “viajassem” a um lugar
desconhecido, experimentando instrumentos musicais diversos,
construindo instrumentos com objetos reciclados, além do trabalho com
letras de músicas que pudessem representar determinadas ações, como os
“piratas” cantando em alto mar.
Além de ser uma estratégia que contribui com a situação
ficcional, essa é uma possibilidade das crianças conhecerem diferentes
músicas, sons e ritmos fugindo daqueles que são usualmente utilizados no
cotidiano da Educação Infantil e ampliando o repertório das crianças e do
professor (que necessita pesquisar tais materiais para utilizar no
processo).
155
Na questão dramática a ambientação sonora pode colaborar com
a instauração de diferentes climas (de mistério, de tranquilidade, de
tensão), remeter a diferentes épocas (músicas medievais, renascentistas,
futuristas), enfatizar a passagem do tempo, unir-se a outras estratégias
como rituais e cerimônias.
3.4.9 Cerimônias e rituais
Casamentos, funerais, datas comemorativas, festas, aniversários,
passeatas, premiações, espetáculos de rua, são algumas cerimônias
citadas por Neelands e Goode, segundo esses autores, “grupos criam
eventos especiais para marcar, comemorar ou celebrar algo de
importância cultural ou histórica” (2000, p. 52, tradução nossa). A
realização de uma cerimônia pode ser uma estratégia utilizada no Drama.
Dependendo do tema do processo o condutor pode se utilizar
dessa estratégia como um meio para gerar novas experiências no contexto
dramático. As cerimônias em si são carregadas de teatralidade, de
relações e interações; pode ser um meio de pôr os participantes em contato
direto com esses eventos que ocorrem na vida real.
Pode-se trabalhar tanto com a experimentação de movimentos
sociais ou passeatas em um Drama histórico, por exemplo, assim como a
realização de uma festa, na qual os praticantes terão de descobrir pistas
sobre um mistério ou mesmo colocar em discussão as comemorações
oficiais, conhecidas como datas comemorativas (dia do índio, dia do
soldado, descobrimento do Brasil, entre outras), aproximando-se dessas
datas por outros ângulos.
Outra estratégia próxima à cerimônia é o ritual. Cabral aponta o
seguinte acerca dos rituais:
[...] os rituais podem tomar várias formas, mas são
geralmente descritos como manifestações
coletivas, com movimentos padronizados em
sequências que são caracterizadas pelo seu alto teor
teatral, usualmente incluindo gestos, canções ou
sons, cores ou luzes, e vozes, tudo coordenado e
orquestrado em torno de um único tema. Tal
coordenação é um mecanismo para criar uma
experiência de identidade ou identificação grupal.
O impacto que os rituais geralmente acarretam está
relacionado com sua ressonância com a vida e
156
necessidades dos participantes (CABRAL, 2006, p.
102).
No contexto do Drama o ritual pode ser compreendido como
“[...] uma sequência especialmente concebida de palavras e movimentos
para demarcar um importante ponto no Drama” (2011, p. 106, tradução
nossa), aponta Farmer. Neelands e Goode citam alguns exemplos de
rituais: “[...] iniciação em uma gangue, testemunho em um tribunal,
eleições, realização de um juramento” (2000, p. 69, tradução nossa). Cabe
ao condutor criar aquele que melhor se adeque aos seus propósitos.
É interessante observar que na realização de um determinado
ritual, prestando testemunho ou fazendo um juramento, por exemplo, os
participantes são observados um a um, mesmo dentro de uma proposta
coletiva de papel. O ritual permite a expressão individual, permite
conhecer a voz do outro, sem constrangimento, amparado pelo
movimento coletivo.
Quando se trabalha um Drama sobre alguma tribo ou grupo
étnico é comum encontrar rituais que são realizados por tais grupos, essa
é uma excelente oportunidade de experimentar tais cerimonias e
aproximar a turma, imersa no contexto ficcional, dessas manifestações do
contexto real, ampliando a sua percepção acerca do tema que se está
trabalhando e da teatralidade presente no ritual.
Nos processos com as crianças pequenas, os rituais podem ser
usados de diversas maneiras. Nos processos da Trupe planejamos realizá-
los como um “contrato” ou um “pacto” entre os participantes antes de
“embarcarem” em uma viagem, por exemplo, ou para começar ou
terminar uma sessão, como uma forma de delimitar a “entrada” e “saída”
do contexto ficcional. Utilizamos também como forma de ativar o corpo
para enfrentar um desafio ou obter proteção, como uma forma de
saudação ou em momentos em que a pronúncia das “palavras mágicas”
fazia algum encantamento acontecer.
Dependendo da função pela qual o ritual foi criado ele pode ser
repetido sempre que necessário à realização de determinada atividade,
aponta Farmer, “[...] como uma forma de reunir a classe e para envolvê-
la novamente no Drama” (2011, p. 106, tradução nossa) e completa: “[...]
discursos, cânticos, poesia, esculturas humanos, obras de arte e mímica
podem ser utilizados” (2011, p. 107, tradução nossa). Cabe ao condutor
escolher como se apropriar de alguma manifestação existente ou criar um
ritual específico para seu processo.
157
3.4.10 Imitação
A imitação é uma atividade comum nos jogos que as crianças
realizam. É parte das suas atividades dramáticas. É comum vermos as
crianças criarem movimentos e sons para representar as situações que
estão imaginando. Através da imitação a criança se apropria do mundo e
começa a deter os códigos culturais daqueles com os quais convive. A
aprendizagem é um processo de imitação, a criança imita os sons e formas
de escrita para se tornar alfabetizada, ela repete as palavras que lhe são
ditas e as associa com os objetos, pessoas, sensações que as palavras
representam. A própria arte dramática trata de um processo de imitação
de pessoas e situações, em tempos e espaços ficcionais.
Como estratégia do Drama a imitação pode ser usada para
diversos fins. Desgranges apresenta a pantomina40 como a estratégia na
qual “[...] um participante, que pode ser o coordenador, narra a história
enquanto os outros, ao mesmo tampo, a apresentam em cena, em geral,
sem utilização de fala” (2006, p. 129). Nesse caso ela é utilizada como
uma meio para que os participantes transformem as situações narradas em
ações corporais.
Neelands e Goode apontam que “[...] essa atividade enfatiza o
movimento, as ações e respostas físicas ao invés do diálogo ou
pensamentos” (2000, p. 63, tradução nossa). A imitação pode ser usada
como uma forma dos participantes perceberem os comportamentos de
determinados papéis e demonstrarem esse comportamento, ou mesmo
como uma resposta física de seus corpos às situações e tensões criadas no
processo. O condutor pode pedir para a criança demonstrar como reagiria
se estivesse perdida, por exemplo, ou quais movimentos um marinheiro
realiza para fazer o navio se mover.
Trata-se de um estratégia que exige o engajamento físico.
Diferente de muitas estratégias que exigem discussões e reflexões, essa
estratégia incentiva os participantes a colocarem seus corpos em ação.
Farmer ressalta que “[...] a mímica permite aos alunos desenvolverem
precisão e clareza em seus movimentos que, por sua vez, ajuda em suas
habilidades de comunicação e performance” (2011, p. 79, tradução nossa)
e, portanto, aproxima-se do universo da Educação Infantil, no qual a
percepção corporal, a descoberta dos limites, capacidades motoras e a
40 Aqui entendida como a representação de gestos, sons e expressões a partir de uma sequência
de ações mimetizadas (usando a mímica).
158
imaginação que se traduz em movimento simbólico, são ações contínuas
no desenvolvimento da criança.
Por conta disso, nos nossos processos incentivamos as crianças a
imitarem, a perceberem seus corpos, a criarem respostas corporais.
Utilizamos a imitação tanto para a construção de movimentos e posturas
de determinados papéis – contribuindo com a experimentação de “ser”
outra pessoa, desenvolvendo a observação, a análise dos seus
movimentos, a percepção corporal – quanto como uma forma de
ampliação da expressividade corporal a partir da imitação de animais, de
sons da natureza ou objetos.
Como Farmer aponta, “[...] é importante que a mímica tenha um
propósito para que os estudantes possam desenvolver suas ideias ao invés
de reproduzirem as ações narradas” (2011, p. 79, tradução nossa). Assim
como toda estratégia do Drama ou toda ação pedagógica, é necessária a
intencionalidade. O condutor do processo é o responsável por “ouvir” o
grupo e realizar proposições de acordo com o contexto e as respostas
desse, guiando o processo de acordo com suas intenções pedagógicas.
3.4.11 Imagens e quadros congelados
Outra estratégia que nos utilizamos, e que é amplamente
apontada na literatura existente sobre Drama, foi a construção de imagens ou quadros congelados. Brincar de congelar ou fazer estátua é um tipo de
jogo corporal facilmente acessado por qualquer faixa etária e que não
exige experiência de representação nem inibe os participantes a criarem
algo no seu corpo na presença de outras pessoas.
Essa estratégia pode ser utilizada para representar “[...] pessoas
ou objetos, bem como conceitos abstratos como emoções e atmosferas”
(FARMER, 2011, p. 63, tradução nossa) ou ainda “[...] como ponto de
partida ou fechamento do trabalho – neste caso uma imagem fixa que
representa a síntese ou o conflito central do trabalho daquele grupo”
(CABRAL, 2006, p. 60) ou “[...] como forma de, a um sinal do professor,
ser interrompido e fixado o momento da apresentação para sua
observação ou análise” (CABRAL, 2006, p. 60), mostrando a reação do
grupo a determinado estímulo ou seu imaginário acerca de uma situação.
Desgranges indica outra possibilidade: “[...] um participante
pode criar uma ou mais esculturas, valendo-se do corpo de outros
integrantes, com o objetivo de mostrar como uma situação poderia ser
apresentada teatralmente” (2006, p. 129). Pode-se solicitar a criação de
159
uma imagem, por exemplo: cada um vai ao centro da roda e cria uma
imagem sobre um tema, os outros observam e comentam ou um esculpe
uma imagem no corpo do outro e depois analisam as imagens esculpidas.
Os quadros congelados podem também partir da reprodução de imagens
e fotografias. Um grupo apresenta a imagem aos demais inicialmente de
forma congelada e, aos poucos, vai dando-lhe movimento, sons e falas.
Essa estratégia é uma atividade improvisacional que tem o
potencial de incentivar a conscientização das possibilidades expressivas
do corpo, explorando a comunicação física e a linguagem corporal, assim
como uma maneira de os participantes expressarem seus sentimentos e
experiências, representando corporalmente conflitos, atitudes e emoções.
O risco, entretanto, é usá-la de forma mecânica, para obter silêncio ou
preencher espaço e tempo da sessão. A frequência com que essa
estratégia aparece nas estruturas de Drama inglesas, leva a crer que nem
sempre ela é utilizada como uma maneira de gerar engajamento físico na
proposta ou como forma de aprofundar as diferentes representações
corporais acerca de um foco de interesse.
O professor pode utilizar as imagens ou quadros congelados para
incentivar as crianças a demonstrarem fisicamente a aprendizagem de um
conceito ou a percepção de ideias contrastantes ou pontos de vista
diferentes sobre um assunto ou situação. Essa mediação é realizada a
partir de questionamentos que o professor lança tanto para quem realizou
a ação como para quem assistiu, destacando pontos de vista e percepções
diferentes, apontando detalhes, guiando o olhar das crianças de acordo
com seus objetivos pedagógicos e com a criação dos participantes.
No contexto da Educação Infantil, dada a existência de dois
profissionais atuando conjuntamente com um mesmo grupo, é
interessante dividir o grande grupo em proporções menores e cada
professor orientar a composição de um quadro congelado a partir de uma
mesma imagem, por exemplo. Cada condutor pode orientar para a criação
de uma solução distinta ou uma interpretação diferenciada para as
imagens produzidas ampliando-se o quadro de possibilidades e
referências.
3.4.12 Registro
Para encerrar este capítulo e a exposição teórica acerca do Drama
e das estratégias selecionadas e utilizadas na realização dos processos da
Trupe, gostaria de tecer algumas considerações sobre o registro dos
160
processos e de como ele pode servir como uma ferramenta para a
manutenção do Drama e para a avaliação do professor acerca dos
significados que estão sendo elaborados pelas crianças.
Nas Orientações Curriculares para a Educação Infantil de
Florianópolis o registro á apresentado como um meio que “[...] possibilita
a ampliação dos conhecimentos sobre as crianças com as quais atuamos e
suas experiências” (2012, p. 235). Ao organizar, analisar e refletir sobre
os registros, o professor tem materiais concretos para avaliar o que foi
proposto e para planejar as suas próximas ações.
O mesmo acontece com um processo de Drama. Para que o
professor consiga encadear uma sessão na outra, perceber as maneiras
como as crianças estão reagindo às proposições, as contribuições que elas
trazem, as novas curiosidades que são despertadas pela experimentação
dramática, é importante que ele, ou outro profissional que esteja
acompanhando o processo, registre as falas, as expressões, as maneiras
como as crianças reagiram, o conteúdo de suas discussões, os momentos
de tensão. Esse registro vai permitir que o condutor identifique o que pode
ser aprofundado e o que foi assimilado.
Além do registro ser útil para a avaliação do processo e o
planejamento das próximas sessões, ele servirá como um meio para
retomar com os participantes o que aconteceu na sessão anterior,
principalmente quando o processo é realizado com certa distância de
tempo entre uma sessão e outra. No âmbito da Educação Infantil a
rememoração do processo auxilia também a criança a desenvolver a
noção de passado, presente e futuro, estabelecendo conexões de tempo e
percebendo as possibilidades de se imaginar e antecipar ações.
O professor pode desenvolver diversas maneiras de registrar o
que aconteceu. A maneira mais comum é a realização de desenhos após a
vivência dramática, para ver o que a criança assimilou e como percebeu
o que foi experimentado, esta pode ser uma possibilidade a ser ampliada
utilizando-se de outros suportes além de folhas comuns e lápis de cor ou
giz de cera, tais como: carvão, tinta, terra e cola, folhas, pinturas coletivas
em grandes papéis, nas paredes, no chão, entre outros.
Considero, entretanto, mais interessantes as formas de registro
que são realizadas dentro do contexto dramático, como por exemplo: as
crianças como detetives fotografam as pistas, o professor como
entrevistador pede para cada participante relatar para a câmera o que
aconteceu na viajem que realizaram, cartas podem ser escritas no final de
uma sessão e a resposta ser lida no início da sessão seguinte estabelecendo
uma conexão entre os dois momentos. Pode-se construir um mural onde
serão colocadas pistas encontradas ou fotos dos lugares por onde
161
passaram, objetos podem ser construídos no final de uma sessão (um
mapa, um relógio, um amuleto, entre outros) e serem retomados na sessão
seguinte com uma rememoração dos fatos guiada pelo condutor, entre
outras possibilidades.
O registro no processo de Drama vai além da coleta de
informações sobre o desenvolvimento das crianças ou o trabalho do
professor. Ele tem a função de alinhavar os acontecimentos dentro da
narrativa dramática em construção. Serve como suporte material das
situações e acontecimentos criados, retratando os elementos e criações
que foram incorporadas no processo. A partir do registro o condutor
poderá refletir sobre os futuros encaminhamentos assim como avaliar
quais estratégias funcionaram com cada grupo e quais não. O registro é o
acervo de conhecimentos do professor, que lhe possibilita tanto recuperar
o que foi criado, quanto avaliar o que foi proposto e realizado.
163
4 EXPERIMENTOS COM CRIANÇAS: APRESENTAÇÃO DOS
PROCESSOS DE DRAMA
O Drama com crianças mais novas pode abranger todas as áreas do currículo.
Além do óbvio desenvolvimento das habilidades criativas, físicas e de
comunicação por meio do compartilhamento de atividades teatrais, o
desenvolvimento da matemática e conhecimento e compreensão do mundo
podem ser facilmente estimulados através da escolha de canções e histórias
apropriadas e uso criativo do espaço. Mas é nas áreas de desenvolvimento
pessoal, social e emocional que muitas crianças ganham mais, à medida que
crescem em confiança e autoestima e aprendem a trabalhar em conjunto com os
outros.
(Debbie Chamers)
Neste capítulo dedico-me a apresentar os processos de Drama
realizados durante o segundo semestre de 2013 pelos membros da Trupe
da Alegria, grupo teatral apresentado anteriormente. Foram realizados 09
experimentos com 12 profissionais da Trupe participando diretamente de
sua estruturação e proposição junto às crianças e outros 03 como
personagens nos processos dos colegas, portanto, 15 membros se
envolveram com a proposta.
Os experimentos foram estruturados de forma coletiva, sob
minha orientação, com a colaboração dos outros 09 membros que não
atuariam no desenvolvimento das propostas. A organização dos episódios
e a escolha das estratégias partia dos contextos, ideias e problemas
trazidos ao grande grupo pelos condutores dos processos. Esses processos
foram desenvolvidos entre os meses de maio e outubro de 2013, alguns
duraram 03 meses enquanto outros, 05 meses. Cada episódio acontecia,
geralmente, com o intervalo de 15 dias, para que conseguíssemos analisar
o que aconteceu e prepararmos os materiais para o próximo episódio. Não
há uma regra específica para o tempo entre um episódio e outro.
No encontro semanal do grupo, dedicávamos um tempo à
discussão, avaliação e estruturação dos processos de Drama em
andamento. Os condutores expunham suas experimentações e os demais
membros lançavam ideias e questionamentos, auxiliando no encaminhando dos futuros episódios. Eu trabalhei em conjunto com os
condutores, organizando os materiais, escolhendo as estratégias,
avaliando as sessões. Acompanhei em torno de 02 sessões de cada
processo na unidade educativa, nas quais coletei imagens e pude observar
as crianças e os condutores em ação.
164
Como uma maneira de organizar meu olhar e estruturar minha
análise do material coletado, decidi dividir os experimentos em três
blocos de acordo com as seguintes faixas etárias: 02 a 03 anos (03
experimentos), 04 a 05 anos (03 experimentos) e 05 a 06 anos (03
experimentos). Essa organização não se deu de forma aleatória, foi
pautada na nossa percepção de que em cada um desses períodos a maneira
como as crianças lidavam com as proposições dramáticas e os diferentes
aspectos da linguagem teatral exigia que as estratégias fossem pensadas
de maneira particular e o trabalho desenvolvido de acordo com tais
particularidades.
Para que a leitura não se tornasse morosa, escolhi, em cada bloco,
um processo para apresentar com mais detalhes – dados do processo,
relações com os núcleos de ação pedagógica apresentados no início deste
trabalho, estrutura do processo com detalhamento por episódios e
estratégias propostas, imagens, observações das crianças e algumas falas
dessas, avaliação da professora que conduziu o processo – seguido de um
resumo com imagens dos demais processos realizados com a mesma faixa
etária.
4.1 EXPERIMENTOS COM CRIANÇAS DE 02 A 03 ANOS
4.1.1 Processo 01
Dados Gerais
Coordenadora do processo: Maria Sônia Silva de Souza (membro da
Trupe há 04 anos).
Função na unidade: professora.
Outras profissionais envolvidas diretamente:
02 auxiliares de sala (período matutino e vespertino).
Outras profissionais envolvidas em alguns episódios:
01 professoras de outro grupo (como Abelha e Dona Julinha41),
01 professora de Educação Física (como Borboleta42),
01 auxiliar de sala de outro grupo (como Lobo Só Arroz43).
41 Representadas pela professora Juliana Lira. 42 Representada pela professora Luísa Aguiar. 43 Representado pela professora Michele Ferreira.
165
Unidade Educacional: Núcleo de Educação Infantil Barreira do
Janga.
Localização: Bairro Saco Grande (região norte da ilha).
Número de crianças: 16.
Dados Iniciais do Processo44
Tema: A natureza e o ser humano.
Contexto: A leitura das histórias “O Corvo de Pearblossom”, de
Aldous Huxley e Beatrice Alemagna, e “A gralha azul”, de Luciana
Garcia, despertou o interesse das crianças sobre os pássaros. Deste
interesse buscamos realizar uma aproximação entre o processo de
desenvolvimento e crescimento dos pássaros (e outros animais) como
uma metáfora para explorar o desenvolvimento das crianças, assim
como tentamos aproximar as crianças da natureza. A utilização de um
tecido azul para representar o pássaro na contação da história originou
o personagem Pássaro Azul.
Nome do Processo: O Pássaro Azul e seus amigos.
Contexto Ficcional: O Pássaro Azul é um amigo das crianças e as
visita com frequência. A cada visita ele traz materiais para as crianças
explorarem, apresenta outros animais e ainda as convida para suas
viagens, mas para poderem viajar com o Pássaro Azul elas precisam se
transformar em pássaros também.
Pré-texto: “O corvo de Pearblossom” e a “Gralha Azul”.
Papel das crianças: Pássaros (papel principal) e outros ao longo do
processo.
Aspectos teatrais trabalhados: Potencialização do faz de conta,
imitação, expressividade corporal e fruição.
Duração do processo: 05 meses – desdobrado em projeto anual (após
o término do processo de Drama a professora continuou trabalhando
com a temática).
Relações com os NAPs45
Relações sociais e culturais: a família das crianças x a família dos
animais, habitação x ninho, diferenças físicas x diferenças de espécies,
fases da vida, hábitos de higiene, interação com os parceiros x
interação com o bando.
44 Os dados dos processos foram descritos pelos professores condutores. 45 Os Núcleos de Ação Pedagógica (NAPs) foram apresentados no primeiro capítulo referente
ao contexto da pesquisa. Referem-se às áreas temáticas indicadas pela Diretoria de Educação Infantil de Florianópolis para serem trabalhas nos projetos pedagógicos desenvolvidos pelas
unidades e pelos profissionais da rede municipal.
166
Linguagem oral e escrita: exploração de contos e histórias de bichos
de diferentes espécies e lugares, trabalhar a imitação dos sons dos
animais.
Linguagem visual: imagens de ninhos, flores, sementes, árvores,
diferentes espécies de animais, observar o voo dos pássaros, as cores.
Linguagem corporal e sonora: imitação dos movimentos e dos sons
dos animais, ouvir sons de pássaros, sons da natureza.
Relações com a natureza: interação das crianças com os animais e
com a natureza, perceber e respeitar as plantas e os animais.
Relações com a matemática: criação e uso de brinquedos com
animais – dominó (sapo), encaixes e quebra cabeças de imagens de
animais, quantificação de filhotes.
Resumo do processo
O processo do Pássaro Azul iniciou com a utilização de um objeto
(canga azul) atrelada à contação de uma história envolvendo pássaros.
Depois da canga surgiu o personagem Pássaro Azul que passou a fazer
parte da rotina das crianças, trazendo materiais, motivando e
incentivando situações de aprendizagem a partir de objetos como
máscaras, binóculos, martelos, espantalho, entre outros, traçando um
paralelo entre a vida dos animais e o desenvolvimento das crianças. O
processo se vinculou à experimentações dramáticas e despertou
diversas emoções nas crianças: medo, surpresa, curiosidade, amor a
natureza, vontade de imitar, fingir ser bicho. Buscamos explorar
materiais que contribuíssem com a criação de situações de faz de conta,
nas quais as crianças imergiam e ampliavam suas experiências nutrindo
sua imaginação, assim como inserindo personagens no cotidiano das
crianças, iniciando um processo de assimilação de aspectos da
linguagem teatral.
4.1.1.1 Estrutura do processo
O Pássaro Azul
Episódio 01: Saindo do livro: o Pássaro Azul aparece para as
crianças
Objetivos:
Etapa 01: Ambientação sonora – “Valsa dos Sonhos”. Professor no
personagem – Pássaro Azul.
Etapa 02: Imitação – movimentos
e sons de pássaros.
167
Criar o código de que a música
“Valsa dos Sonhos” (de Marcus
Vianna) prepara a entrada do
Pássaro Azul. Apresentar o
personagem “Pássaro Azul” para
as crianças. Interagir com as
crianças utilizando diferentes
movimentos e sons. Incentivar a
imitação trabalhando variações
de melodias e ritmos corporais e
sonoros. Deixar material para ser
explorado. O Pássaro falará em
“blablação” (emissão de sons
sem nexo).
Comentários da professora46:
É comum nesta faixa etária
estranhamento e reações de
choro, o que não aconteceu. No
máximo alguns se escondiam do
Pássaro, ficavam olhando de
longe. A mediação da auxiliar foi
bem proveitosa, dando
significado às ações do pássaro,
interpretando-as junto com as
crianças.
Ao longo da semana trabalhamos
com os materiais deixados pelo
Pássaro.
Etapa 03: Estímulo composto – uma caixa será entregue às crianças
contendo a história “O Corvo”, o
filme “Ovos e ninhos”, sementes e
alpiste. Os comentários das
crianças serão escritos em mural.
Episódio 02: O Pássaro Azul, a
Abelha e a Borboleta.
Objetivos: Desenvolver a interação entre as
crianças e o personagem e dessas
Etapa 01: Ambientação sonora –
“Valsa dos Sonhos”. Professor no personagem – Pássaro Azul.
Leitura dos comentários das
crianças no mural criado no
primeiro episódio.
46 Os comentários foram retirados das avaliações escritas realizadas pelos profissionais
condutores dos processos após cada episódio.
168
com as crianças do outro grupo.
Envolver outras turmas no
processo. Propiciar a fruição de
uma cena teatral. Trabalhar as
imagens dos pássaros, a imitação
desses e a vivência dramática e
corporal.
Comentários da professora: O Pássaro Azul é um amigo da
turma que cria situações nas
quais as crianças podem lidar
com seu mundo imaginário e
ampliá-lo. Além disso, ele serve
como metáfora para as crianças
perceberem seu próprio
desenvolvimento. Neste
episódio a Borboleta deu uma
rosa mágica para o Pássaro Azul
e com a ajuda das crianças ele
começou a falar, imitando as
palavras que as crianças diziam e
depois começando a dizer suas
próprias palavras. Ensinamos as
crianças do outro grupo a bater
asas, a voar, pular, piar, etc. As
crianças assistiram atentas à cena
e gostaram de se maquiar.
Etapa 02: Material – recebimento
de um convite para irem visitar
outra turma. Imitação –
movimentos e sons de pássaro.
Etapa 03: Professor personagem
(convidadas) – como Abelha e
Borboleta. Apresentar uma cena
para as crianças.
Etapa 04: Material – imagens de
pássaros.
Etapa 05: Vivência – maquiar as
crianças do pássaro que elas
escolherem (a partir das imagens).
Episódio 03: O Pássaro Azul e
os pássaros filhotes.
Objetivos:
Explorar a corporeidade
individual a partir da relação das
crianças com o pássaro que tem
seu nome. Incentivar as crianças
a se expressarem corporalmente
Etapa 01: Ambientação sonora –
“Valsa dos Sonhos”. Professor no
personagem – Pássaro Azul.
Material – mostrar as imagens dos
pássaros da sessão passada.
Etapa 02: Estímulo composto – uma caixa com um texto sobre
pássaros, filhotes de passarinho
feitos de pano com o nome de cada
169
e vocalmente. Perceber as
relações entre os pássaros
grandes e os pequenos, como
uma metáfora para as relações
familiares.
Comentários da professora:
As crianças estão bastante
familiarizadas com o Pássaro
Azul e sempre que toca a Valsa
dos Sonhos arregalam os olhos e
apontam pra cima dizendo: “_
oh, Pássaro Azul”. A música
serve como instituição do faz de
conta. A árvore com os pássaros
fica na sala e, ao longo da
semana, é possível perceber as
crianças imitando pássaros,
procurando o seu pássaro,
criando situações de faz de conta
que envolvam a temática do
processo.
criança e uma cor diferente.
Exploração do texto e objetos.
Etapa 03: Improvisação – cada
criança explorará o movimento e o
som do seu passarinho e o levará
para a árvore que estará na sala.
Episódio 04: O Pássaro Azul e
as máscaras.
Objetivos:
Utilizar a máscara como uma
forma de trabalhar, ainda que de
forma sutil, a noção de papel
ficcional. Explorar a máscara
como um estímulo para as
crianças trabalharem o corpo e a
voz em conjunto com uma
música, criando o voo dos
pássaros.
Comentários da professora:
Etapa 01: Ambientação sonora – “Valsa dos Sonhos”. Professor no
personagem – Pássaro Azul.
Etapa 02: Imitação – quando o
Pássaro Azul pegar o passarinho da
criança da árvore e disser seu
nome, cada criança fará os
movimentos e sons de um pássaro.
Etapa 03: Material – Pássaro Azul
entregará uma máscara para cada
criança e juntos experimentarão
um voo de pássaros. Ambientação sonora – sons de natureza.
170
Neste episódio, em meio as
improvisações, surgiu a ideia de
criar um mágica que
transformasse as crianças em
pássaros: “_ Pir lim pim pim,
criem asas para mim”. O Pássaro
Azul desenvolveu esse poder
mágico que ajuda a expandir as
explorações dramáticas das
crianças.
Episódio 05: O Pássaro Azul, o
comedouro e os binóculos.
Objetivos:
Incitar o olhar sobre os maus
tratos para com a natureza por
meio da presença do “Pássaro
Mal” na horta existente na
unidade educacional. Construir
um comedouro para tentar atrair
pássaros para a creche. Usar o
binóculo para observar pássaros
e para estimular a imaginação.
Comentários da professora: Colocamos o comedouro em
frente à janela da nossa sala,
assim podíamos acompanhar o
movimento dos pássaros reais e
imaginados lá fora. Percebemos
um jogo entre real e ficcional: a
horta e o comedouro são reais,
mas os pássaros, as vezes vem
comer, outras vezes as crianças
os imaginam, nesse sentido o
binóculo serviu tanto para as
crianças observarem pássaros
reais, quando para criarem
Etapa 01: Estímulo composto –
materiais para construírem um
comedouro de pássaro (madeira,
martelo, pregos, imagens de um
comedouro) e binóculos (de papel).
Um carta do Pássaro Azul.
Etapa 02: Produção material –
construção do comedouro e
binóculo.
Etapa 03: Vivência – crianças
observarão pássaros. Professor no papel – Pássaro Mal. O Pássaro
Mal circulará a horta, maltratará as
plantas e derrubará a comida do
comedouro. Convencer as crianças
a escreverem para o Pássaro Azul e
pedir a ajude dele.
171
pássaros que elas viam com os
“olhos da imaginação”. Percebo
que o processo tem alimentado a
fantasia delas. A presença do
“Pássaro Mal” levou-nos a
conversas sobre a proteção à
natureza e também sobre a
necessidade dos animais de
sobreviverem em meio às
cidades e à ocupação do homem.
Claro que essas conversas se
deram dentro do limite etário das
crianças.
Episódio 06: O Pássaro Azul e o
espantalho.
Objetivos:
Construir o espantalho. Realizar
uma vivência corporal – na busca
pelo “Pássaro Mal”.
Comentários da professora:
Na construção do espantalho
pude fazer um paralelo com o
corpo das crianças. Elas
percebiam a si mesmas e aos
colegas e diziam as partes do
corpo do espantalho que
estávamos construindo e quais
partes faltavam. As crianças
gostaram tanto do espantalho
que iria pra horta que decidimos
construir um outro espantalho
Etapa 01: Material – carta do
Pássaro Azul (resposta). Estímulo composto – materiais para a
construção de um espantalho
(ráfia, roupas, chapéu, cordas,
martelo, pregos e desenho de um
espantalho).
Etapa 02: Produção material – construção do espantalho para a
horta.
Etapa 03: Vivência – observar os
pássaros. Procurar o Pássaro Mal.
Explorar formas de se deslocar no
espaço (em câmera lenta,
escondendo-se, rastejando-se,
entre outras).
172
para ser amigo das crianças e
visitar as suas casas.
Episódio 07: O Pássaro Azul, o
Lobo Só Arroz e a Dona Julinha.
Objetivos:
Explorar o universo ficcional
criando o ritual que convoca o
Pássaro Azul. Oferecer um
momento de fruição teatral para
as crianças por meio da
apresentação de uma peça curta
criada por três profissionais da
unidade. Unir o projeto de sala
ao da unidade “horta e
alimentação saudável”.
Comentários da professora: O Pássaro Azul trouxe uma bolsa
(batizada de “bolsa viajante”)
com um espantalho dentro
(nomeado pelas crianças de
Espantalho Talho). Esta bolsa
iria cada final de semana para a
casa de uma criança
acompanhada de algum legume
ou verdura da horta da creche e
um caderno onde os pais
registrariam o que fizeram com o
alimento mandado e o que o
Espantalho fez no fim de
semana. As crianças estão mais
acostumadas a assistirem uma
cena teatral, percebo que elas
prestam atenção, reagem e
interagem. Há uma formação à
linguagem teatral. Ao longo da
semana trabalhamos com as
Etapa 01: Professor personagem –
(convidado) como Lobo – pedirá
ajuda para as crianças.
Etapa 02: Ritual – voo dos
pássaros para chamar o Pássaro
Azul para vir ajudar.
Etapa 03: Ambientação sonora –
“Valsa dos Sonhos”. Professor no
personagem – Pássaro Azul levará
as crianças para outro espaço para
conhecerem a Dona Julinha –
professor personagem (convidado)
Etapa 04: Apresentação – o Lobo,
o Pássaro Azul e Dona Julinha
apresentarão uma peça curta para
as crianças.
Etapa 05: Caixa de estímulos – o
Pássaro Azul deixará um
espantalho de presente para a
turma, uma “bolsa viajante” e
imagens de animais e seus filhotes.
173
imagens de animais e seus
filhotes (jacaré, galinha,
tartarugas, borboletas, joaninhas,
formigas) traçando relações com
a vida das crianças.
Episódio 08: O Pássaro Azul, o
barco e a floresta.
Objetivos:
Experimentar as situações
dramáticas que serão sugeridas.
Explorar o ambiente ficcional da
floresta e a imitação dos animais.
Comentários da professora: Os animais explorados nos
últimos dias foram
confeccionados em tecido para
serem manipulados pelas
crianças. Confeccionamos
também os filhotes desses
animais. Aqueles que nascem de
ovos foram colocados dentro de
cascas de ovos e os demais,
próximos dos animais adultos no
ambiente criado. Além da
exploração dramática que
envolveu chegar ao local, os
animais foram explorados pelas
crianças. Elas tem ampliado o
uso da imitação e percebo que os
materiais são ferramentas que
incentivam a criação de
brincadeiras de faz de conta.
Etapa 01: Ambientação sonora –
“Valsa dos Sonhos”. Professor no personagem – Pássaro Azul levará
as crianças de barco para
conhecerem uma floresta cheia de
animais.
Etapa 02: Vivência – as crianças
navegarão de barco, feito de pano,
guiadas pelo Pássaro Azul que
proporá movimentos (remar, reagir
as ondas, navegar em câmera lenta,
entre outros).
Etapa 03: Vivência – voo dos
pássaros para as crianças chegarem
à floresta (espaço da creche).
Etapa 04: Ambientação cênica e
sonora – ambiente composto com
bichos e seus filhotes (feitos de
diversos materiais), ovos (com
filhotes dentro), sementes, sons de
pássaros. Tempo para as crianças
explorarem os objetos e o espaço.
Estimular a imitação de sons e
movimentos.
Etapa 05: Vivência – voo dos
pássaros para as crianças chegarem
ao barco e retornarem à sala.
Episódio Final: Socialização com a creche.
174
Objetivo:
A professora, no personagem Pássaro Azul, contará, em forma teatral,
as “aventuras” que o seu grupo experimentou na realização do processo
de Drama. As crianças participarão apresentando o voo dos pássaros –
exploração de movimentos e sons de pássaros realizada em vários
momentos do processo. A ideia é uma vivência dramática com plateia.
Comentários da professora:
Nesses momentos em que conseguimos socializar com o grupo um
trabalho que foi construído em conjunto com as crianças, em que elas
experimentam com prazer as situações propostas, que elas não se veem
inibidas pala presença de uma plateia, estamos trabalhando na
formação de um outro olhar sobre o trabalho com a linguagem teatral
na Educação Infantil. O foco da apresentação foi jogar diante da plateia
com situação vividas na sala e não mostrar um produto criado para uma
apresentação.
4.1.1.2 Imagens do processo
Figura 1 - Livro “O Corvo” – pré-
texto.
Figura 2 - Pendurando o pássaro
que tem seu nome.
175
Figura 3 - Explorando as máscaras
de pássaros.
Figura 4 - Construindo o
espantalho.
Figura 5 - Chamando o Pássaro
Azul.
Figura 6 - Apresentação teatral “O
Lobo Só Arroz”.
Figura 7 - Livro de registros.
Figura 8 - Experimentando a
navegação.
176
4.1.1.3 Observando as crianças
(Episódio: o Pássaro Azul e os pássaros filhotes)
Profa. – Olá pessoal. Cheguei... ué, tem algo diferente, o que aconteceu?
Cri01 – O passarinho, ele veio! Cri02 – É... trouxe presente.
Cri03 – Tu era o passarinho!
Cri04 – Olha, eu ganhei. Profa. – Ai que pequenos. São filhotes? E pra onde ele foi? Onde ele
mora?
Cri0 – Lá longe, na árvore!
(Episódio: O Pássaro Azul, o barco e a floresta)
(A auxiliar prepara a chegada do Pássaro Azul que vai trazer um barco
hoje!) Auxil. – Quem sabe nadar? Quem já andou de barco?
Todos – EU! Cri01 – Já mergulhei! Assim ó! (tapa o nariz e se abaixa).
(As crianças deram alpiste para os pássaros e couve para a galinha) Cria02 – O jacaré gosta de comer peixe!
(As crianças pegam os passarinhos com seus nomes da árvores) Cri03 – O vovô do meu papai me deu um passarinho!
Eu – E ele canta? Cri03 – Assim ó: piu, piu, piu!
(Menino dá um beijo em todos os bichos antes de voltar pro barco.)
4.1.1.4 Avaliação da professora Maria Sônia47
Eu vejo que o ganho das crianças foi muito grande, foi aquilo que
eu pude planejar né. Agora o meu ganho foi enorme (risos) [...] foi um
47 Trechos da entrevista por mim realizada no dia 30 de janeiro de 2014.
177
trabalho muito intenso, não é pouca coisa, é um trabalho bastante
profundo eu acho, sério, muito sério, muito bacana poder fundamentar as
ações do planejado e mais bacana ainda é ter a fonte, acho que é isso, e
também um grupo para discussão, da gente poder trocar ideias com os
colegas e ver que eles tem também um caminho percorrido e estão
também traçando essa experiência do Drama, foi bem bacana, muito
bacana! [...] Os momentos mais bacanas eu acho que foram as atividades
da criança, eu acho que quando a gente consegue fazer com que as
crianças se tornem... quando a gente consegue dar a elas ações também,
de fazedores, de desbravadores, então eles voavam ou pegavam material
daquela caixa e tentavam fazer algo... ou mesmo como plateia, tentando,
eles tentavam, como se diz, interpretar os movimentos e os sons do
pássaro, os trejeitos, muito lindo isso, esses momentos foram muito
importantes até para replanejar.
4.1.2 Processo 02
Resumo dos Dados
Condutora: Danielle Jorge Horn (membro da Trupe há 01 ano).
Função na unidade: professora.
Outras profissionais envolvidas:
02 auxiliares de sala (matutino e vespertino48),
01 professora de outro grupo (como Fada em uma sessão49),
01 atriz convidada (como Pedrinho em uma sessão50),
Unidade Educacional: Creche Morro da Queimada.
Localização: Bairro José Mendes (região central de Florianópolis).
Número de crianças: 15.
Nome do processo: A chegada do Pedrinho.
Resumo do processo
A chegada de Pedrinho teve como finalidade trabalhar questões
relacionadas ao afeto, ao cuidado com o próprio corpo, com o corpo do
outro e a exploração da expressividade corporal. Buscamos construir
com as crianças um aprendizado acerca da importância de cuidar dos
amigos e da percepção de sua expressividade a partir de proposições
48 A auxiliar do período vespertino, Marta Honorata, representou a mãe de Pedrinho – Dona
Tibúrcia. 49 Representada pela professora Karina Conrat. 50 Representado pela atriz Drica Santos.
178
lúdicas e de brincadeiras de faz de conta que partiam da situação de
tratar o Pedrinho, que era um boneco, como uma criança de verdade.
O Pedrinho teve um envolvimento com as famílias também pois, a cada
semana, ele visitava a casa de uma das crianças e os pais relatavam o
que acontecera em sua visita. Essas informações serviam também para
alimentar o processo de Drama. Além de trabalhar as questões
referentes ao projeto de sala (“Valores e vivências por um mundo
melhor”), um dos nossos objetivos era abordar também o tema dos
projetos coletivos da Unidade (“Valores” e “Diferentes culturas
brasileiras”) e isso ocorreu principalmente através dos personagens
(familiares de Pedrinho) que vinham visitá-lo na sala. O final do
projeto se deu com a “transformação” de Pedrinho em menino de
verdade, utilizando a trama de “Pinóquio” como pré-texto.
Aspectos teatrais trabalhados: Situações de faz de conta, contato
com personagens, sensorialidade, expressividade corporal e
exploração da imaginação.
Principais estratégias utilizadas: Estímulos materiais (envio de
cartas para as crianças, imagens de crianças brincando coletivamente,
cada personagem trazia objetos de sua cultura, entre outros), professor
personagem (Dona Tibúrcia – mãe do Pedrinho, Tio Jorge – tio de
Pedrinho, Fada madrinha, Pedrinho – boneco e criança), cadeira
quente (questionando os personagens), ambientação sonora
(brincadeiras cantadas de diferentes culturas, músicas dos personagens,
músicas relacionadas a situações de interação – abraço, carinho, rodas,
etc.) e ritual (transformação do boneco em crianças de verdade).
179
4.1.2.1 Imagens do processo
Figura 9 - Chegada do Pedrinho na
caixa.
Figura 10 - Dona Tibúrcia e
Pedrinho.
Figura 11 - Fada preparando ritual
de transformação.
Figura 12 - Pedrinho criança
interagindo com o grupo.
4.1.2.2 Observando as crianças
(Episódio: Pedrinho vira menino de verdade)
Profa. – Acho que vi alguém passar!
Cri01 – É a fada!
Cri02 – Lá na rua! (Alguém bate na porta – crianças em silêncio, atentas, parecem ansiosas)
Todos – É a fada! É a fada!
Fada – É aqui a creche do Pedrinho?
180
Cria01 – Eu tenho uma madrinha!
Fada – E ela é fada?
Cri01 – Não é. Cri04 – Minha vó é minha fada!
Fada – Pra fazer a mágica eu vou precisar de uma varinha, de uma roda e da ajuda de todos vocês! (Coloca Pedrinho boneco dentro da caixa).
Preciso de uma luz mágica (acende-se um foco de luz e apaga-se a luz da sala, fazem um ritual e transformam Pedrinho em criança de verdade. A
atriz Drica Santos representa Pedrinho, diz gostar de teatro e sai da caixa
com uma mochila cheia de objetos para as crianças experimentarem – maquiagem, máscara, nariz de palhaço, plumas, caixinha de música,
entre outros que remetem ao teatro).
4.1.2.3 Avaliação da professora Danielle51
[...] por ser uma turma com uma faixa etária menor a gente não
sabia como ia ser o desenrolar desse processo, mas de qualquer maneira
a gente ofereceu para esperar a resposta né e foi a mais positiva possível.
Como as crianças tiveram esse contato com o Pedrinho de uma maneira
muito carinhosa, de uma maneira muito generosa eu diria [...] a
finalização com o Pedrinho se tornando criança de verdade né, foi o
momento mais mágico, por mais que todo o processo tinha sido
maravilhoso e a gente percebia que as crianças tavam [sic.] dando uma
resposta positiva, mais nada se compara a finalização do projeto quando
a gente teve a presença da Drica e se transformou no Pedrinho em pessoa
e pode brincar e trouxe vários outros materiais que as crianças puderem
estar interagindo com esses materiais também e foi muito rico aquele
momento, passou tempo e as crianças viram as fotos e lembravam do
Pedrinho, lembravam daquele momento, então foi um momento muito
mágico mesmo.
51 Trechos da entrevista por mim realizada no dia 10 de fevereiro de 2014.
181
4.1.3 Processo 03
Resumo dos Dados
Condutora: Zely Mara da Rocha Duarte (membro da Trupe há 04
anos).
Função na unidade: auxiliar de sala.
Parceira na estruturação do processo: Rosetenair Feijó Scharf
(membro da Trupe há 04 anos).
Função: assessora pedagógica na Diretoria de Educação Infantil.
Outras profissionais envolvidas:
02 professoras do grupo (matutino e vespertino).
Unidade Educacional: Núcleo de Educação Infantil Dra. Zilda Arns
Neumann.
Localização: Bairro Carianos (região sul de Florianópolis).
Número de crianças: 15.
Nome do processo: O baú mágico.
Resumo do processo
O processo se desenvolveu em torno de um baú mágico que trazia
objetos para as crianças explorarem e propunha situações dramáticas
para elas experimentarem a partir da narração das histórias que surgiam
desse. Instrumentos musicais foram utilizados como forma de criar
ambientações sonoras para as histórias. Adereços e figurinos foram
enviados para as crianças explorarem os papéis que as histórias
sugeriam. Uma das histórias (“Marieta quer falar”, de Ducarmo Paes)
trata de uma boneca que deseja falar como as crianças. Esse enredo
despertou o interesse do grupo em confeccionar uma boneca e dar-lhe
vida. O baú mágico tratou de enviar uma boneca de pano (batizada
pelas crianças de Maria Cecília). Maria Cecília visitou outras turmas e
participou dos momentos de faz de conta criados pelas crianças. Um
dia a boneca sumiu, as crianças construíram cartazes procurando-a, a
intenção era transformar Maria Cecília em pessoa, mas isso não foi
possível devido a uma série de contratempos.
Aspectos teatrais trabalhados: Experimentações dramáticas,
narração de histórias e expressividade sonoro-corporal.
Principais estratégias utilizadas: Narração (histórias contadas pela
professora), imitação (dos sons, vozes e movimentos propostos a partir
das histórias), materiais (baú, instrumentos musicais, boneca,
construção de cartazes) e ambientação sonora (criação de sons para as
histórias).
182
4.1.3.1 Imagens do processo
Figura 13 - Contação de histórias e
o baú mágico.
Figura 14 - Boneca Maria Cecília.
Figura 15 - Criando ambientação
sonora.
Figura 16 - Atriz52 e a boneca
Maria Cecília.
52 Seria representada pela professora (membro da Trupe) Rosetenair Feijó Scharf.
183
4.1.3.2 Avaliação da professora Zely53
[...] foi assim um processo gratificante, um processo que pra mim
com as crianças foi importante por uma boneca estar interagindo junto
com elas e fazendo parte dos momentos [...] a Maria Cecília para aquela
turminha ficou forte e importante, muito bom. O mais marcante foi
quando a Maria Cecília apareceu e triste para eles não tentar encontrar a
Maria Cecília, que terminou o ano letivo e não encontraram [...] o Drama
faz a gente viajar, viajar na imaginação, viajar no lúdico, viajar com as
crianças [...].
4.1.3.3 Comentários da professora Rosetenair54
[...] planejar essa ação com ela e poder pensar em cada passo, não
como algo fechado né, porque a gente praticamente dava pistas pra depois
ir trabalhar com as crianças e, com certeza, isso mudou bastante [...] eu e
ela meio que pensamos assim um caminho pra chegar no que a gente
queria com as crianças [...] percebemos o quanto cada elemento que ela
levava isso resultava uma outra ação pras [sic.] crianças [...]. Eu penso
que esse conhecimento que eu e a Zely tivemos e trabalhamos e tal, ajuda
muito na questão do dia a dia com a criança porque eu penso que não é só
chegar: “_ah eu vou fazer teatro pras [sic.] crianças”, não é isso, mas
planejar algumas ações, algum caminho e que, nesse caminho então, as
crianças vão poder ter o espaço delas, a forma delas, nessa evolução
mesmo do trabalho.
53 Trechos da entrevista por mim realizada no dia 10 de fevereiro de 2014. Cabe ressaltar que
devido a paralizações e greves ocorridas no final do ano de 2013 e a um problema de saúde com
a professora Zely, não foi possível realizar o último episódio previsto que seria a transformação
da boneca em pessoa, essa seria a sessão que eu iria coletar os comentários das crianças, por conta desses fatos não apresentei a observação das crianças deste processo. 54 Trechos da entrevista por mim realizada no dia 15 de março de 2014. A professora Rosetenair,
como apontado, foi parceira de Zely na estruturação do processo.
184
4.2 EXPERIMENTOS COM CRIANÇAS DE 04 A 05 ANOS
4.2.1 Processo 04
Dados Gerais
Coordenadora do processo: Elizabete Maria Eleotero (membro da
Trupe há 03 anos).
Função na unidade: auxiliar de sala.
Parceira na estruturação do processo: Leonara de Souza (membro
da Trupe há 03 anos).
Função na unidade: auxiliar de sala55.
Outras profissionais envolvidas diretamente:
02 professoras (manhã e tarde).
Outros profissionais envolvidos em alguns episódios:
01 professora (membro da Trupe – como Pirata Invasor)56.
01 ator convidado (como Pirata Pão Duro)57.
04 professoras de outros grupos (como espanhola, alemã, italiana,
chinesa e bruxa)58.
01 professora de Educação Física (como Pirata Pão Duro no último
episódio)59.
01 estagiário de Biologia (como Pirata da horta)60
Unidade Educacional: Creche Machado de Assis.
Localização: Bairro Capoeiras (região continental de Florianópolis).
Número de crianças: 36 (18 em cada grupo).
Dados Iniciais do Processo
Tema: A vida dos piratas.
Contexto: A leitura da história “O tesouro do pirata Pão Duro”, de
Atílio Bari, despertou o interesse das crianças pela vida dos piratas.
55 O projeto inicial surgiu na turma de Leonara de Souza e por pertencer a mesma creche que
Elizabete começaram a desenvolver o processo de Drama em conjunto. Entretanto, devido a mudança da professora regente da turma de Leonara e essa decidir não dar continuidade ao
processo, o grupo de Leonara não participou de todos os episódios. Por conta disso, o projeto
inicial teve continuidade no grupo de Elizabete, contando com o apoio de Leonara. 56 Representado pela professora Vanessa Philippi Cecconi. 57 Representado pelo ator e acadêmico do curso de Licenciatura em Teatro da UDESC Felipe
Schaitel. 58 Representadas, respectivamente, pelas professoras Iracema da Silva, Eliane Hoffman, Juciana
Folster e Elite Castilho (ambas personagens). 59 Representado pela professora Ana Paula Freitas. 60 Representado pelo estudante de Biologia André Ganzarolli Martins.
185
Como a turma era bastante ativa e criativa e estava iniciando o processo
de alfabetização, decidimos criar um processo de Drama que pudesse
envolver as crianças no mundo dos piratas, proporcionar
experimentações dramáticas, utilizar de diferentes linguagens na
construção de saberes e ao mesmo tempo ampliar o repertório literário
das crianças. Surgiu então o projeto “Literarteando no mundo dos
piratas” que dialogaria com o processo de Drama.
Nome do Processo: O tesouro perdido.
Contexto Ficcional: O Pirata Pão Duro enviará um pacote para as
crianças contendo um mapa e objetos de navegação (bússola, luneta,
faixas para a cabeça) instigando as crianças a navegarem em busca de
um tesouro. As crianças, como piratas, terão de enfrentar os desafios e
as descobertas que o processo incitará.
Pré-texto: “O tesouro do pirata Pão Duro”.
Papel das crianças: Piratas.
Aspectos teatrais trabalhados: Imersão em contextos ficcionais,
vivência de situações dramáticas e papéis, exploração corporal,
interação com professores personagens.
Duração do processo: 03 meses – desdobrado em projeto anual após
o término do processo de Drama.
Relações com os NAPs
Relações sociais e culturais: interação com outro grupo, a vida
nômade dos piratas, conhecimento de outras culturas, apropriação do
Boi de Mamão no processo.
Linguagem oral e escrita: leitura e escrita de cartas, criar, ouvir e
contar histórias (“Carolina e os Piratas”, autor não encontrado e “Os
pequenos piratas” de Rosa Curto e Aleix Cabrera), explorar poesias
(“O pirata”, de Andra Valladares “Um colar de conchas”, de Rangel
Alves da Costa) ao longo do processo.
Linguagem visual: criação de objetos para o processo (chapéu, tapa
olho, espada), utilização de imagens e vídeos de piratas. Utilizar
imagens e vídeos de manifestações culturais diversas e de animais de
diferentes países.
Linguagem corporal e sonora: trabalho corporal aliado à músicas
(“Os piratas” de Álamo Oliveira e Luís Gil, “Você é um pirata”, de
Lazy Town), exploração e criação do corpo dos piratas, vivência de
sensações corporais (dentro de um navio, em um pântano, num lugar
escuro, etc.) a partir de ambientações cênicas. Exploração de desejos,
necessidades, sentimentos e gestos das crianças.
186
Relações com a natureza: desenvolver alguma proposta junto ao
estagiário de Agronomia em relação à horta. Realizar alguma trilha
com as crianças. Estudos dos animais de cada país por onde passaram.
Relações com a matemática: explorar noções de distância, tempo,
peso, deslocamento, contagem, ritmo, etc.
Resumo do processo
Partindo da história “O tesouro do Pirata Pão Duro” as crianças foram
desafiadas a emergirem no mundo do piratas. O que encontrariam?
Haveria um tesouro? Quem seria o Pirata Pão Duro? Muitas perguntas
surgiram ao longo do processo. As respostas foram criadas pelas
próprias crianças que, experimentando o papel da piratas, descobriram
um tesouro enterrado, viajaram para diferentes países, salvaram o
Pirata Pão Duro e o Boi de Mamão que haviam sido raptados.
Conduzidos pelo Capitão Amedrontador as crianças embarcaram nessa
viagem, ampliando seu imaginário e construindo conhecimentos sobre
a linguagem teatral.
4.2.1.1 Estrutura do processo
O tesouro perdido
Episódio 01: Mapa do tesouro.
Objetivos:
Instaurar o contexto dramático
do processo. Verificar os
conhecimentos das crianças
sobre navegação e instigar seu
imaginário sobre a temática da
proposta.
Comentários da professora:
Após a instauração do contexto
dramático partimos para a nossa
viagem. No caminho,
encontramos um grupo de
piratas que também buscavam
Etapa 01: Estímulo composto – o
grupo receberá uma carta de um
pirata junto com objetos de
navegação, indicando a existência
de um tesouro.
Etapa 02: Manto do perito –
verificar o que sabem sobre piratas,
o que entendem de navegação, criar
o contexto de ficção.
Etapa 03: Vivência de papéis e situação – iniciar uma navegação
como piratas. Encontrarão com
outro grupo de piratas no meio do caminho.
Etapa 04: Material – criação da
ilha deserta (desenhar com as
187
por um tesouro e eles, assim
como nós, não sabiam bem ao
certo onde estaria. Ao se
encontrarem, os grupos de
piratas começaram um batalha
entre eles. Descobriram que ao
invés de inimigos poderiam ser
amigos em busca do tesouro. As
crianças falavam que iriam
encontrar um baú.
crianças), discutir o que poderiam
encontrar como tesouro.
Episódio 02: Preparando a
viagem.
Objetivos:
Dar materialidade ao processo a
partir de objetos que possam
auxiliar a imersão na proposta e
a vivência de papéis.
Comentários da professora:
Na sala preparamos músicas,
selecionamos os suprimentos,
organizamos a viagem que será
uma grande aventura. Nossos
colchões viraram navios,
pintamos o rosto. Papéis
viraram chapéu de pirata e a
aventura no mar foi muito
divertida. Os corpos tomam
formas, são ações e reações
produzidas pelas próprias
crianças vivenciando o faz de
conta com mediação do
professor.
Etapa 01: Material – usar o
desenho da ilha deserta para
rememorar o que aconteceu no
episódio anterior.
Etapa 02: Material – produzir
chapéus, tapa olho e espada para a
aventura.
Etapa 03: Vivência de papéis –
explorar a criação corporal dos
piratas e possíveis músicas para a
navegação.
Etapa 04: Professor no papel – professor como capitão organizará
os itens que serão levados para a
viagem. Apresentará um mapa do
tesouro mandado pelo Pirata Pão
Duro.
Episódio 03: Viajando pelos
continentes.
Etapa 01: Material – analisar o
mapa enviado pelo Pirata.
188
Objetivos:
Desafiar as crianças a
analisarem os materiais e a
criarem situações que possam
ser apropriadas na proposta.
Viajar para diferentes países
conhecendo um pouco sobre a
cultura desses.
Comentários da professora:
Ao analisar o mapa do Pirata Pão
Duro descobrimos que se tratava
de um mapa do mundo e que
indicava alguns lugares que
deveríamos visitar para chegar a
ilha deserta. Ao encontrarmos o
baú descobrimos que a roupa de
pirata transformaria qualquer
um, que se atrevesse a vesti-la,
no Pirata Amedrontador. As
crianças começaram a dizer que
não tinham coragem e que era
melhor um adulto fazer
primeiro. Entrando no
imaginário das crianças eu
comecei a colocar a roupa e me
transformar. Vozes, gestos e
expressões foram me
transformando no Pirata
Amedrontador.
Etapa 02: Improvisação – como
piratas viajar a alguns países
indicados no mapa para procurar
pistas sobre a ilha deserta e os
piratas. Experimentar situações de
navegação. Professor personagem – como capitão do navio pirata.
Etapa 03: Professor personagem –
professores convidados
representarão uma espanhola, uma
italiana, uma alemã e uma chinesa
e farão desafios para as crianças
descobrirem alguma pista.
Etapa 04: Material – encontrar o
baú enterrado na creche, dentro
estará uma roupa de pirata, um
livro com códigos a serem
desvendados, fotos de lugares e
uma história de piratas.
Episódio 04: A invasão dos
piratas.
Objetivos:
Proporcionar um momento de
interação das crianças com um
Etapa 01: Professor personagem – (convidado) como Pirata Pão Duro.
Cadeira quente – crianças farão
perguntas ao Pirata. Mostrar baú e
os pertences encontrados. O pirata
falará da necessidade de criação de
189
personagem representado por
um ator convidado. Nutrir o
imaginário a partir da fruição da
cena ensaiada.
Comentários da professora:
Partindo de um livro de literatura
infantil que continha um código
de piratas que dizia como cada
pirata deveria se comportar
durante uma viagem
coletivamente, criamos o código
de conduta do grupo 4/5. Surgiu
de uma necessidade do contexto
real diante de algumas situações
de agressividade e
desobediência. [...] A presença
de um personagem representado
por uma pessoa de fora (que não
seja o professor) atrai muito as
crianças e parece fazer com que
acreditem mais no processo.
um código de conduta pirata para as
crianças. Criar o código com elas.
Etapa 02: Cena – outros piratas
(professores da creche) invadirão a
sala e raptarão o Pirata Pão Duro
(cena ensaiada).
Etapa 03: Material – durante a
cena cairá do bolso dos piratas um
mapa que levará a um navio
abandonado (possível local onde
levarão o Pirata sequestrado).
Incentivar as crianças a analisarem
o mapa e decidirem ir salvar o
pirata ou não.
Episódio 05: O pirata e a horta.
Objetivos:
Estabelecer uma relação com os
projetos da unidade, neste caso,
o da horta. Dentro do contexto
dramático a ideia era fortalecer
os corpos com alimentos
saudáveis para o resgate do
pirata.
Comentários da professora:
Todas as quintas André
(estagiário de Biologia) chegava
para mexer na horta com as
crianças. Depois de participar
com as crianças em uma de
Etapa 01: Professor no papel –
como capitão incentivar as crianças
a fortalecerem seus corpos para a
viagem. Vivência de papéis – crianças como piratas realizando
atividades corporais.
Etapa 02: Professor no papel (convidado – estagiário de
Biologia) – apresentará para as
crianças alimentos que podem
ajudar a ampliar a força e atenção
delas.
Etapa 3: Vivência – preparar os alimentos.
190
nossas aventuras o grupo o
apelidou de o Pirata da horta. E
quem disse que ele não se tornou
o tal? Neste dia, como pirata da
horta, ele ensinou receitas para
as crianças se tornarem piratas
fortes.
Episódio 06: Resgate do pirata
Pão Duro.
Objetivos:
Resgatar o Pirata Pão Duro.
Relembrar os episódios.
Encaminhar o processo para
uma finalização.
Comentários da professora:
A sala se transformou em um
grande navio abandonado, tudo
foi preparado minuciosamente
para que aparecessem ali várias
sensações. Medo, choros, gritos
e coragem foram aparecendo
conforme as crianças entravam
na sala. E o pirata foi salvo. E as
crianças? Bom, as crianças
pareceram se deliciar ao
experimentar tal aventura.
Etapa 01: Material – explorar o
mapa que caiu do bolso do pirata
que raptou Pão Duro. Relembrar os
fatos ocorridos. Reafirmar o desejo
de viajar.
Etapa 02: Vivência de papéis e exploração corporal – construção
do corpo dos piratas (fortes e
corajosos). Colocar as faixas na
cabeça para “vestir” o papel.
Professor personagem –
caracterizar-se de capitão (Pirata
Amedrontador) na frente das
crianças.
Etapa 03: Improvisação –
situações de uma viagem de barco.
Etapa 04: Ambientação cênica –
navio abandonado. Professor
personagem – (convidada, de outro
grupo – como bruxa) tentará
impedir as crianças de entrarem no
navio. Ritual – dar força e coragem
para as crianças e ajudar a achar o
Pirata Pão Duro.
Etapa 05: Improvisação – procurar
pistas que levem ao Pirata Pão
Duro, interagir com o personagem,
improvisar situações relativas à
proposta. Professor personagem
(convidada, professora de
Educação Física – como Pirata Pão
191
Duro). Material – encontrarão o
Boi de Mamão que teria sido
raptado junto com o Pirata.
Etapa 06: Improvisação – comemoração do resgate.
Episódio 07: Os piratas e o Boi
de Mamão.
Objetivos:
Fazer uma releitura da dança do
Boi de Mamão, misturando
situações vivenciadas no
processo de Drama com a
estrutura dessa dança.
Comentários da professora: E nossa releitura ficou assim:
“Um pirata mal raptou o Boi.
Com a ajuda de um mapa, um
grupo de crianças-piratas
conseguiu salvar o Boi. Então, o
Pirata Amedrontador pede para
o Boi dançar pra todos e a dança
começa. Ao ver todos os
personagens do Boi um pirata se
apaixona pela Maricota, moça
tão bonita que parece um pau de
fita, e os dois viram namorados”.
Etapa 01: Improvisação – propor
às crianças uma releitura da dança
do Boi de Mamão, misturando o
processo dos piratas com os
personagens do Boi.
Episódio Final: Relendo o Boi de Mamão.
Objetivo: Experimentar com plateia momentos vividos nos episódios
do processo de Drama, aliando algumas propostas desenvolvidas com
a dança do Boi de Mamão.
Comentários da professora:
192
A ideia de uma vivência dramática com plateia além de ser um
momento em que as crianças podem se colocar como atores,
apresentando o que foi criado de forma conjunta, oferece para outras
crianças a possibilidade de verem um trabalho artístico, servindo
também como uma maneira de socializar com a unidade o processo
desenvolvido. Foi um momento bastante prazeroso poder compartilhar
e contaminar outras pessoas com o nosso trabalho.
4.2.1.2 Imagens do processo
Figura 17 - Explorando o mapa.
Figura 18 - Baú do Pirata Pão
Duro.
Figura 19 – Visita dos piratas à
Alemanha.
Figura 20 - Capitão Amedrontador
e seu ajudante.
193
Figura 21 - Professor personagem
(capitão) organiza a viagem.
Figura 22 - Cadeira quente com o
Pirata Pão Duro.
Figura 23 - Boi de Mamão e os
Piratas.
Figura 24 - Registro do processo.
194
4.2.1.3 Observando as crianças
(Episódio: Resgate do Pirata Pão Duro)
Profa. – Temos que ser corajosos para salvar o pirata. Vocês são Corajosos?
Todos – SIM! Profa. – Alguém está com medo?
Todos – NÃO!
Profa. – Eu vou me transformar no Pirata Amedrontador, deixa eu colocar a minha roupa!
(A condutora veste-se de Pirata e retoma o corpo e a voz do seu
personagem já apresentado para as crianças em outro episódio).
(Na porta da caverna uma bruxa. As crianças não aparentam temer. Ela
diz ser amiga do Pirata, tenta impedir as crianças de entrarem porque é
muito perigoso. As crianças decidem continuar, a Bruxa oferece uma poção para tornar as crianças mais fortes e corajosas, as crianças
tomam). Cri01 – Você viu o pirata?
Cri02 – Ele tem um chapéu.
Bruxa – Sim. Ele está preso na caverna. Profa. – O que podemos fazer para soltá-lo?
Bruxa – Eu tenho uma magia, mas vocês tem que repetir comigo, pode
ser? TODOS – Sim!
Magia: “Para o oeste terá de navegar, durante sete dias sem parar. No meio do oceano, além do mar, sete ilhas há de encontrar. A quinta é cheia
de ossos de piratas proscritos, e deles ainda se escuta o grito61”.
(Ouve-se o grito do Pirata Pão Duro e as crianças vão ao encontro dele).
61 Retirado do livro “Caça ao Tesouro” de A. J. Wood com ilustração de Maggie Downer.
195
4.2.1.4 Avaliação da professora Elizabete62
Para mim foi uma experiência assim bem interessante né,
enquanto educadora. Pras [sic.] crianças eu acho que foi muito mágico
assim, e pra creche inteira foi uma novidade porque a gente acabou
envolvendo todos, mesmo aqueles que não tinham uma percepção do que
que era o processo de teatro dentro da creche ou pra criança. Por que a
gente tem sempre aquela noção do teatro [...] de ir lá apresentar o
“teatrinho” e nesse processo não foi assim. [...] Claro, teve os conflitos,
os nossos mesmos de educadores, de não querer, de ter a resistência, mas
foi um processo assim que acabou se tornando algo assim mágico pras
[sic.] crianças e pra gente também. Por que eu, a Leo e as outras que
vestiram esse processo [...] como algo importante pras [sic.] crianças,
acabaram ficando surpresas com a reação das crianças, com o movimento
das atividades que foram feitas, que eles pediam mais e que não ficou só
naquilo, “não acabou”, apresentou a peça e acabou, não foi assim, foi cada
coisa que a gente trazia pra eles se criava um outro episódio, uma outra
cena [...] pra mim foi uma experiência e tanto e um aprendizado muito
importante.
4.2.1.5 Comentários da professora Leonara63
O processo foi muito rico pra mim e pras [sic.] crianças porque a
gente começou a buscar várias informações além de só brincar ou só
cantar. A gente começou a buscar informações concretas mesmo,
informações sobre o mar, informações sobre os países, sobre como se
construíam os barcos, como que funcionava uma bússola, o que eram os
piratas, se realmente existiram os piratas, a gente foi em busca e descobriu
que existiam duas piratas mulheres. E pras [sic.] crianças isso foi muito
rico assim, eles começaram a entender várias coisas que as vezes a gente
só fica na... superficialidade [...]. Tudo isso com a parceria das crianças,
não foi nada partindo somente de mim, da minha vontade ou do que eu
queria, tudo eles foram perguntando e a gente foi buscando, isso com a
ajuda da internet principalmente [...] foi muito divertido, foi bem
prazeroso pra eles assim, essa descoberta, essa busca.
62 Trechos da entrevista por mim realizada no dia 20 de março de 2014. 63 Trechos da entrevista por mim realizada no dia 20 de março de 2014.
196
4.2.2 Processo 05
Resumo dos Dados
Condutor: Rafael Spinelli (membro da Trupe há 02 anos).
Função na unidade: professor de Educação Física.
Outras profissionais envolvidas:
01 professora readaptada64 como Bruxa65.
01 professora readaptada como Maricota66.
01 professora regente da turma
02 auxiliares (da turma e de Educação Especial).
Unidade Educacional: Núcleo de Educação Infantil Tapera.
Localização: Bairro Tapera (região sul de Florianópolis).
Número de crianças: 15.
Nome do processo: A bruxa na ilha da magia e os animais.
Resumo do processo
Uma brincadeira cantada que falava sobre uma bruxa despertou o
interesse das crianças em torno dessa figura. Elas diziam que a bruxa
era malvada e que comia crianças. Diante desses comentários,
levantando alguns questionamentos com as crianças, resolvemos
preparar uma festa e convidar uma bruxa para tentar tirar a má
impressão que tinham sobre ela. Nesse contexto, surgiu a proposta de
fazermos um processo de Drama entorno da bruxa. Pelo fato de
estarmos trabalhando com um projeto na unidade sobre a região Sul do
Brasil, resolvemos unir a personagem da bruxa à cultura da ilha, dado
que essa figura pertence ao imaginário ilhéu, e, desta forma,
contemplaríamos as duas propostas. A bruxa apareceu para as crianças
dizendo que precisava viajar e deixou sua aranha (de brinquedo) para
as crianças cuidarem. A partir do envolvimento com a aranha,
ampliamos o processo para a exploração de outros animais, tanto os do
Boi de Mamão – manifestação cultural da ilha – quanto dos peixes e
insetos que povoam o nosso meio. As crianças assumiram os papéis de
animais – como forma de incentivo à imitação e expressão corporal, de
64 O termo readaptação refere-se à situação jurídica que envolve o profissional que não se
encontra na capacidade laborativa plena para exercitar as tarefas de seu cargo, nesse caso, as
tarefas de ensino. Trata-se de uma pessoa que não está clinicamente apta a fazer o trabalho rotineiro, relacionado à sua função, mas também não é considerada, pela perícia médica,
clinicamente inapta para receber uma licença ou se aposentar por invalidez. Em geral, assumem
outras funções nas unidades. 65 Representada pela professora Maria Isabel Andrade Tomaz.
66 Representada pela professora Maria de Fátima Patrício Dalago.
197
detetives – que precisavam encontrar as pistas que levariam ao
encontro de todos os animais do Boi de Mamão, de navegadores –
viajando a procura do pescador perdido. O uso de vídeos enviados pela
e para a bruxa foi um diferencial no processo. A finalização do
processo se deu com uma vivência dramática em que o Boi de Mamão
foi apresentado para uma plateia. A construção do Boi partiu da
maneira como as crianças se envolveram com esse folguedo e o
adaptaram ao seu imaginário.
Aspectos teatrais trabalhados: Exploração corporal e vocal,
interação com personagens, exploração de situações dramáticas, uso de
objetos e adereços e vivência dramática com plateia.
Principais estratégias utilizadas: Professor personagem (professor
condutor do processo como Mateus – figura típica do Boi de Mamão),
Bruxa (professora da unidade convidada) e Maricota (personagem do
Boi de Mamão representada por uma professora convidada), professor no papel (especialista em insetos), vivência de papéis (detetives,
navegadores e animais), imitação (corpos e sons dos animais e dos
papéis ficcionais), material (cartas da bruxa, pistas, mapas, animais do
Boi de Mamão, badanas de navegador, vídeos, entre outros), ritual
(iniciação em navegação, transformando-os em navegadores
destemidos).
4.2.2.1 Imagens do processo
Figura 25 - Procurando as pistas
dos animais desaparecidos.
Figura 26 - Como aranhas na teia
gigante.
198
Figura 27 - Como navegadores à
procura do pescador.
Figura 28 - Experimentando o Boi
de Mamão.
4.2.2.2 Observando as crianças
(Episódio: Procurando os animais)
(Professor lê a pista mandada pela bruxa)
Prof. - “Como detetives deverão procurar um mapa que ao Boi os
levará”
(Após todo o percurso chegam a um saco pendurado no teto) Prof. – Como podemos pegar o saco?
Cri01 – Com uma cadeira.
(Testam a cadeira, mas não alcançam) Cri02 – Com uma corda.
(Testam a corda, mas não conseguem laçar)
Cri03 – Uma escada! (Com a escada conseguem tirar).
(Episódio: A dança do Boi)
Diferente de uma apresentação ensaiada, as crianças experimentam a dança do Boi de Mamão com plateia. O professor conduz o processo,
lembrando cada etapa da dança do Boi. Pergunta quem quer ser cada um dos personagens. Os que não querem ficam tocando os instrumentos
musicais. O professor como personagem transforma alguns momentos
da dança em brincadeiras, como vários cachorros e vários urubus e um brinca de pegar o outro (Que sons os cachorro fazem? Como os urubus
se movimentam? – questiona o professor). As crianças da plateia
199
participam também como animais. Percebo que a dança do Boi,
bastante utilizada em várias unidades da Educação Infantil como forma
de apresentação (marcada, rígida, imposta) se transformou numa grande brincadeira, numa improvisação, numa vivência com plateia.
4.2.2.3 Avaliação do professor Rafael67
Gostei assim, pela primeira experiência assim né, foi um projeto
bastante interessante. Eu gostei bastante porque eu vivenciei essa questão
da Educação Física inserida realmente no processo da turma [...] a gente
tem essa questão mais pendente em relação à Educação Física de inserir
mais durante a proposta que não seja uma coisa muito quebrada [...] eu
trabalhei muito o corporal. Teve um dia que a gente era os animais, que a
gente vivenciava os animais corporalmente [...] eu trouxe esses bichos
que eles conheceram pro corpo [...]. Teve vários elementos que foram
interessantes. Um deles, que eu achei legal, foi a questão do vídeo. Isso
foi bem interessante porque as crianças mandaram... eu filmei eles
conversando, falando pra bruxa pra ela voltar e a bruxa depois respondeu
perguntando pra eles o que que eles estavam fazendo, se eles estavam
gostando das coisas que a bruxa tava [sic.] mandando, se eles tavam [sic.]
cuidando bem da filha dela, a aranha, e daí, depois, as crianças
responderam também com um vídeo. Então teve essa comunicação assim
com a bruxa, de longe, foi bem legal. [...] outro elemento que foi legal
também foi a vivência que a gente foi até a praia de barco [...] e foi
filmado, a gente filmou umas partes e colocou no DVD final que foi pra
casa e daí teve até os pais que falaram dos vídeos que eles assistiram, foi
bem interessante essa dia também.
4.2.3 Processo 06
Resumo dos Dados
Condutora: Roseli Helena Heinen Freire (membro da Trupe há 03
anos).
Função na unidade: professora.
67 Trechos da entrevista por mim realizada no dia 17 de fevereiro de 2014.
200
Parceira na estruturação do processo: Ana Lúcia de Albuquerque68.
Função: professora readaptada (atualmente na Secretaria de
Educação).
Outros profissionais envolvidos:
02 auxiliares de sala,
Diretor da unidade.
Unidade Educacional: Creche Waldemar da Silva Filho.
Localização: Bairro Trindade (região central da ilha).
Número de crianças: 20.
Nome do processo: Os brinquedos e suas histórias.
Resumo do processo
O projeto surgiu da maneira descuidada como as crianças lidavam com
seus brinquedos e os brinquedos da creche. A partir desse contexto,
criamos a personagem Analiz Brinquesempre da Esperança, dona de
uma fábrica de brinquedos que viaja o mundo conhecendo as crianças
e suas maneiras de brincar. Analiz é apaixonada por brinquedos feitos
de diferentes materiais (madeira, sucatas, papel, porcelana, entre
outros). O contexto ficcional foi instituído quando a personagem
Analiz enviou uma carta para o grupo dizendo que gostaria de conhecê-
los, pois tinha uma proposta a lhes fazer. Junto com a carta ela mandou
o endereço de um site da internet para as crianças verem os brinquedos
que ela fabricava e conhecerem crianças de diferentes países e seus
brinquedos. As imagens das crianças e seus brinquedos foram
exploradas, assim como foram discutidos, com as crianças, os
diferentes contextos socioculturais. Analiz visitou então a turma,
trouxe uma mamuska (brinquedo tradicional da Rússia) e contou a
história de sua origem e apresentou sua proposta ao grupo: convidou
as crianças para se transformarem em ajudantes na sua fábrica pois
precisava produzir brinquedos para as crianças de um orfanato
ganharem no dia das crianças. Juntos escolheram quais brinquedos
iriam fabricar. Viajaram de avião para a fábrica de Analiz, que fica na
Rússia, produziram os brinquedos, colocaram em uma caixa por eles
decorada, junto com outros brinquedos que trouxeram de casa para
doar. O processo encerrou com as crianças do grupo entregando
brinquedos para as crianças do orfanato da CERTE (no bairro Ponta
das Canas, em Florianópolis) e apresentando uma dança que criaram
conjuntamente.
68 Membro da Trupe da Alegria há 04 anos representou a personagem Analiz, dona de uma
fábrica de brinquedos.
201
Aspectos teatrais trabalhados: imaginação (situações ficcionais),
dramatização, jogo entre real e ficcional, interação com o personagem,
vivência de papéis e criação de histórias.
Principais estratégias utilizadas: narração (criação e contação da
história dos brinquedos), materialidade (cartas, imagens de brinquedos
e crianças brincando, histórias dos brinquedos, ferramentas para
construção dos brinquedos), professor personagem (convidada),
vivência de papéis (construtores de brinquedos), ambientação cênica
(avião, fábrica de brinquedos).
4.2.3.1 Imagens do processo
Figura 29 - Primeira visita de
Analiz ao grupo.
Figura 30 - Fabricando brinquedos.
Figura 31 - Dançando para as
crianças do orfanato na entrega dos
brinquedos.
Figura 32 - Registro das crianças e
a história dos seus brinquedos.
202
4.2.3.2 Observando as crianças
(Sessão: Visita de Analiz)
Cri01 – O que é que você tem dentro dessa mala aí? Profa. – Vocês querem saber o que eu tenho na mala?
Todos – SIM! Cri02 – Eu pensei que você era pequena!
Profa. – É? E vocês sabem de onde eu sou?
Todos – NÃO! Cri01 – Do Paraná?
Profa. – Não, da Rússia! E eu não posso ver um brinquedo quebrado
que eu tenho que consertar! Vocês cuidam dos brinquedos de vocês?
(Sessão: Na fábrica de brinquedos)
Profa. – Como conversamos no outro dia, vamos construir brinquedos
pra dar de presente pras [sic.] crianças do orfanato! Que brinquedos vocês escolherem construir?
Profa. Regente – Escolhemos o robô de caixinha de leite e a flor de garrafa pet. Né crianças?
Todos – SIM!
Profa. – Então vamos começar a produção! (A personagem Analiz apresenta os materiais e as crianças escolhem
qual dos dois brinquedos querem produzir. A professora regente e as
auxiliares ajudam as crianças no processo de construção).
4.2.3.3 Avaliação da professora Roseli69
Olha, eu acho que foi bem positivo, porque a gente trabalhou
temas bem significativos com as crianças né. Essa questão de que tem
crianças que tem muitos brinquedos e que não valorizam, que estragam,
que é importante a gente valorizar [...] porque que outros não tem, porque
as vezes os pais não tem condições de comprar por isso a gente tem que
ter um cuidado nosso, pra não estragar, que se um dia a gente puder doar
pra alguém é importante. As crianças também tinham essa coisa de não
69Trechos da entrevista por mim realizada no dia 25 de fevereiro de 2014.
203
saber o que era um orfanato né, porque que as crianças estavam nesse
orfanato. Tudo isso foi trabalhado com as crianças [...] elas ficaram
bastante emotivas e envolvidas. O momento mais marcante foi quando o
personagem Analiz chegou na sala e eles puderam conhecer, porque eles
conheciam só por carta. Ela chegou contou a história da mamuska e
também proporcionou o momento da construção dos brinquedos [...] o
momento da entrega e o contato com as crianças da instituição que a gente
visitou, toda a viagem e a preparação foi muito importante pra elas.
4.2.3.4 Comentários da professora Ana70
Eu já tava bastante tempo afastada da sala né [...] então foi bem
interessante assim, foi bem legal tá com eles novamente, conversando; e
eu entrei como personagem e eles já estavam me esperando, então foi bem
interessante [...] eles me receberam como a Analiz, gostei bastante de ser
professor-personagem. [...] Eu acho que elas se envolveram bastante, o
trabalho da Roseli em sala antes acho que foi bem interessante porque ela
já estava trabalhando e elas interagiram com a proposta.
4.3 EXPERIMENTOS COM CRIANÇAS DE 05 A 06 ANOS
4.3.1 Processo 07
Dados Gerais
Coordenadora do processo: Márcia Mesquita de Andrade (membro
da Trupe há 04 anos).
Função na unidade: professora.
Outras profissionais envolvidas diretamente:
01 auxiliar de sala (período matutino),
01 auxiliar de Educação Especial.
Outras profissionais envolvidas em alguns episódios:
01 coordenadora pedagógica como funcionária da alfândega71,
70 Trechos da entrevista por mim realizada no dia 02 de julho de 2014. 71 Representada por Greicy Mery Oliveira.
204
01 professora de Educação Física como instrutora americana de
basquete72,
01 professora de outro grupo como chinesa73
02 professoras (membros da Trupe) como Pedro Álvares Cabral e
gênio da lâmpada74,
01 dançarina de dança egípcia.
Unidade Educacional: Creche Celso Pamplona.
Localização: Bairro Jardim Atlântico (região continental de
Florianópolis).
Número de crianças: 25
Dados Iniciais do Processo
Tema: Formas de comunicação escrita e falada.
Contexto: A existência no grupo de uma criança cega que seria
iniciada no trabalho com braille despertou a curiosidade das outras
crianças sobre diferentes formas de comunicação escrita e falada. O
discurso familiar de que as crianças precisam aprender a ler e escrever
porque entrarão no Ensino Fundamental no próximo ano aparece nas
falas das crianças, despertando seu interesse pela escrita.
Nome do Processo: Os exploradores: viajando pelo mundo.
Contexto Ficcional: Viajantes do tempo e do espaço são convocados
para explorarem diferentes tempos históricos e diferentes culturas a fim
de descobrirem as formas de comunicação dos habitantes dos lugares
para onde viajarão, assim como obterem respostas as suas curiosidades
sobre os lugares por eles selecionados.
Pré-texto: História da escrita.
Papel das crianças: Exploradores (principal) e outros ao longo do
processo.
Aspectos teatrais trabalhados: Imersão em contextos ficcionais,
discussões sobre realidade e ficcionalidade, envolvimento com
ambientes cênicos, vivência de papéis, improvisação e fruição.
Duração do processo: 03 meses – desdobrado em projeto anual após
o término do processo de Drama.
Relações com os NAPs
Relações sociais e culturais: costumes e hábitos de diferentes culturas,
alteração das formas de escrita ao longo da História, respeito pela
diferença.
72 Representada por Caroline Hubert. 73 Representada por Rosane de Souza. 74 Representados, respectivamente, por Isabel Terezinha Bragagnolo e Roseli Schutel.
205
Linguagem oral e escrita: histórias ligadas ao contexto dos países
“visitados”, idiomas e diferentes formas de escrita.
Linguagem visual: Pinturas e obras de arte de cada lugar, criação de
trabalhos visuais usando como referência as manifestações de cada país
visitado, uso de figurinos característicos dos lugares visitados.
Linguagem corporal e sonora: criação dos corpos e vozes dos papéis
explorados, músicas tradicionais dos países, diferentes ritmos e sons na
criação dos ambientes.
Relações com a natureza: (não preencheu).
Relações com a matemática: cálculo de distâncias e horas de viagem,
uso de mapas, globo terrestre, bússola e rotas de navegação.
Resumo do processo
No papel de exploradores as crianças viajaram no tempo e espaço.
Inicialmente foram convidadas para experimentarem episódios da
História da escrita, descobrindo as diferentes formas de comunicação
do passado. Foram para a Idade das Cavernas (conhecer as escrituras
rupestres), para o Egito (conhecer o papiro e a matemática) e China
(conhecer o mandarim e o tangram75). Após uma viagem (no contexto
real) a um planetário, pediram para viajar para a Lua, discutiram as
implicações e necessidades. Selecionaram então outros países e as
línguas que desejavam conhecer: Portugal (origem da língua
portuguesa), Turquia (cavernas da capadócia e o turco) e EUA
(basquete e o inglês). Em cada sessão havia uma mensagem a ser
decifrada ou algum desafio que as levava à próxima viagem. O
processo se pautou no uso de diferentes fontes materiais (mapas,
códigos de escrita, objetos característicos dos lugares), contos literários
dos diferentes países, ambientações cênicas (com imagens, objetos,
vídeos de pessoas falando diversas línguas), ambientação sonora
(músicas populares de cada lugar visitado) e presença de professores
representando personagens.
75Tangram é um quebra-cabeça chinês formado por 07 peças. Com essas peças podemos formar
várias figuras, utilizando todas elas sem sobrepô-las.
206
4.3.1.1 Estrutura do processo
Os exploradores: viajando pelo mundo
Episódio 01: Homens das
cavernas.
Objetivos:
Vivenciar o papel de homens das
cavernas, conhecendo a origem
da escrita, os hábitos e costumes
do homem primitivo. Decifrar
uma pintura deixada na parede
que indica um caminho onde
encontrarão um mapa com uma
rota para o Egito.
Comentários da professora:
Ao longo da semana discutimos
como fazer a viagem para o
Egito e o que levar. Decidimos ir
de navio. Confeccionamos um
passaporte.
Etapa 01: Narração – história da
origem do fogo. Professor no papel – homem das cavernas.
Etapa 02: Estímulo composto –
escritas rupestres, imagens de
homens das cavernas, objetos
rudimentares.
Etapa 03: Vivência de papéis – crianças como homens das
cavernas.
Etapa 04: Ambientação cênica – caverna feita com uma barraca e
papel pardo. Improvisação – realização de pinturas nas paredes
da caverna com carvão e criação de
objetos em argila.
Etapa 05: Material – decifrar os
desenhos na caverna que levam a
descoberta de um mapa para o
Egito.
Episódio 02: O misterioso
Egito.
Objetivos:
Escolher os objetos que são
necessários para uma viagem e
justificar essa escolha. Conhecer
sobre a escrita egípcia, os
desenhos nas paredes das
pirâmides, traçando um paralelo
com as pinturas rupestres e a
cultura egípcia. Experimentar
serem navegadores e
Etapa 01: Material – mapa do
Egito descoberto na sessão passada
(rememorar).
Etapa 02: Manto do perito –
revelar o que as crianças sabem
sobre navegação.
Etapa 03: Vivência de papéis –
crianças como navegadores
arrumarão o que vão levar para a
viagem de navio, mostrar e justificar a escolha (cada criança
trará um objeto de casa).
Etapa 04: Professor no papel (convidada – coordenadora
207
improvisarem situações dentro
do navio.
Comentários da professora: Nas atividades em sala o foco de
discussão foi sobre se a viagem
era de mentira ou de verdade.
Oportunidade de trabalhar essa
convenção do teatro. Chegamos
ao consenso de que era uma
viagem na qual usaríamos a
imaginação, que poderia ser de
mentira ou de verdade, cada um
escolheria.
As crianças levaram pra casa
uma cópia da escrita que
receberam no Egito para os pais
ajudarem a descobrir a origem
daquela escrita e mandarem
imagens do local, quando e se
descobrissem.
pedagógica) – como funcionária da
alfândega autorizará a viagem das
crianças, uma a uma dirá porque
quer viajar, o que imagina
encontrar.
Etapa 05: Ambientação cênica e
sonora – navio e telão com mar
projetado a frente das crianças.
Professor no papel – capitão do
navio. Improvisação – situações de
uma viagem de navio (tempestades,
monstros marinhos, dormir no
navio). Materiais – mapas, bússola,
cálculo da distância e duração da
viagem.
Etapa 06: Ambientação cênica e
sonora – imagens das pirâmides,
músicas egípcias. Personagem
(convidado) – bailarina de dança
egípcia dançará, servirá quitutes
para as crianças e entregará um
livro que conterá uma escrita
diferente da egípcia para as
crianças descobrirem a origem.
Episódio 03: Uma lenda
Chinesa.
Objetivos:
Conhecer um pouco sobre o
mandarim (língua com o maior
número de falantes) e a cultura
chinesa, assim como jogar com a
possibilidade de criarmos uma
máquina de tele transporte que
as levará para os lugares que elas
querem conhecer. Trabalhar a
fruição a partir do contato com o
Etapa 01: Material – coletar as
imagens que as crianças trouxerem
sobre o país da escrita diferente
(China). Oferecer imagens da
China no passado e no presente.
Confeccionar um mural com as
imagens.
Etapa 02: Narração – leitura de
um conto chinês. Ambientação sonora – crianças serão convidadas
a criarem os sons da história.
Etapa 03: Professor personagem
(convidada – professora de outro
208
professor personagem
convidado.
Comentários da professora: Passamos alguns dias
trabalhando na construção da
máquina de tele transporte, que
seria criada com canos de PVC e
tecido. Internamente ela teria um
relógio no qual colocaríamos o
ano para o qual viajaríamos.
Neste período as crianças
fizeram um passeio ao planetário
da UFSC e voltaram com o
desejo de conhecerem a Lua.
Decidimos ir à Lua. Discutimos
a questão da gravidade e da
inexistência de oxigênio.
Construímos capacetes e
“mochilas” de oxigênio que
seriam utilizadas em duplas na
Lua.
grupo) – como chinesa, trará
palavras em mandarim, apresentará
o tangram e falará sobre o tele
transporte. Cadeira quente – crianças poderão fazer perguntas à
chinesa. Ambientação sonora – músicas chinesas.
Etapa 04: Material – as crianças
desenharão possíveis máquinas de
tele transporte e apresentarão para
os colegas que escolherão qual
máquina fabricar. Vivência de papéis – ao longo da semana como
cientistas e engenheiros construirão
uma máquina de tele transporte.
Episódio 04: Conhecendo a
Lua.
Objetivos:
Explorar a corporeidade,
movimentos de leveza
associados a “falta de
gravidade”. Vivenciar a situação
de viajaram de espaçonave e de
serem astronautas. Discutir os
conhecimentos construídos na
viagem ao planetário.
Comentários da professora:
Etapa 01 – Manto do perito –
descobrir o que as crianças sabem
sobre os astronautas. Discussão.
Etapa 02: Professor no papel –
condutora como piloto da aeronave
e auxiliares como aeromoças
explicarão as regras da viagem –
uso de oxigênio e o cuidado com o
colega que usará a mesma mochila
de ar, colocar cintos de segurança e
capacete (Material).
Etapa 03: Ambientação cênica –
aeronave, construída com cadeiras
do lado de fora da sala. Vivência de papéis – astronautas. Improvisação
209
A cada nova viagem as crianças
“embarcam” mais nas situações
fictícias e exploram mais sua
imaginação e criatividade. Ao
viajarem para a Lua imaginaram
os outros planetas, apontando
para “marte”, “netuno”,
“júpiter”, planetas que eles
conheceram no passeio à UFSC.
Uma questão interessante foi o
compartilhamento de mochilas,
a responsabilidade em estar
sempre perto do colega, por
conta da divisão de oxigênio.
– situações de uma viagem espacial
(contagem regressiva para
lançamento, observar os planetas
ao longo da viagem, meteoros
batendo na nave, aterrissagem).
Etapa 04: Ambientação cênica e
sonora – sala escura, estrelas
penduradas, chão forrado com
plástico bolha, trilha sonora
futurista. Vivência corporal –
leveza (como se estivessem sem
gravidade).
Etapa 05: Material – Construir
uma bandeira do Brasil para deixar
na Lua. Cada criança dirá uma frase
sobre a experiência para deixar
escrita na bandeira. Improvisação –
retorno para a Terra.
Episódio 05: Portugal descobriu
o Brasil?
Objetivos:
Viajar no tempo (usar a máquina
de tele transporte). Descobrir se
há diferença entre o português de
Portugal e o do Brasil. Saber se
o Brasil tinha sido descoberto ou
já havia alguém aqui. Encontrar
Pedro Álvares Cabral. Trabalhar
a vivência dramática e a fruição.
Comentários da professora: Como professora instigo as
crianças a perguntarem, a se
colocarem no papel de
Etapa 01: Estímulo composto – imagens do “descobrimento”,
primeira missa no Brasil, imagens
de caravelas, mapas antigos, relatos
de viagem (lidos pela professora).
Significado das cores da bandeira
brasileira (rememorando a que
deixaram na Lua).
Etapa 02: Narração – contar a
história do “descobrimento”. Abrir
para discussões sobre a existência
de habitantes quando os
portugueses chegaram no Brasil.
Etapa 03: Ritual – na máquina de
tele transporte escolher o ano de
1500 e todos juntos devem dizer
porque querem viajar para
210
exploradores, observar todos os
detalhes e, ao longo da semana,
realizamos atividades a partir
das curiosidades e descobertas
que elas fazem nas sessões de
Drama. Uma questão
interessante que surgiu nessa
sessão, foi a relação com objetos
e hábitos do passado
comparados aos do presente. As
crianças falaram sobre televisão,
geladeira, celular, máquina
digital, computador, coisas que
Pedro Álvares Cabral não
conhecia.
Portugal. Vivência de papéis – exploradores.
Etapa 04: Professor personagem
(convidado – da Trupe) – como
Pedro Álvares Cabral. Cadeira
quente – crianças farão perguntas
ao personagem. Materiais –
(trazidos pelo professor
personagem: bacalhau, luneta,
registros da navegação para o
Brasil, fado, palavras em português
que tem outro significado em
Portugal, curiosidades da língua
portuguesa). Dará um mapa para
encontrar uma lâmpada mágica na
Turquia.
Etapa 05: Ritual – na máquina de
tele transporte voltar ao presente.
Episódio 06: Em busca do gênio
turco.
Objetivos:
Conhecer um pouco sobre as
cavernas da Capadócia na
Turquia, a escrita, fala e música
turcas. Encontrar o gênio da
lâmpada e explorar essa
interação com o personagem.
Comentários da professora:
As crianças desejaram conhecer
as cavernas da Capadócia por
influência da novela, aproveitei o desejo para ampliar o
conhecimento delas sobre
algumas manifestações culturais
da Turquia. Ao longo da semana
Etapa 01: Ritual – Tele transporte
para a Turquia com o mapa que
ganharam de Pedro Álvares Cabral.
Etapa 02: Material – exploração
do mapa (que contém a planta baixa
da creche mas com o indicativo das
cavernas da capadócia) onde
encontrarão a lâmpada. Vivência de papéis – exploradores.
Etapa 03: Ambientação cênica e
sonora – caverna com um tapete,
almofadas, lâmpada mágica e
música turca. Material – explorar a
lâmpada.
Etapa 04: Professor personagem
(convidado – da Trupe) – como
gênio da lâmpada. Cadeira quente
– crianças questionarão o gênio.
Improvisação – crianças farão dois
211
trabalhei com eles a história do
gênio da lâmpada, eles já
possuíam algumas referências
dos desenhos animados e sabiam
que poderiam fazer três pedidos.
Discutimos quais seriam os
desejos coletivos nos quais todos
fossem beneficiados. Foram
escolhidos: 1 – geladinho, 2 –
chocolate e 3 – sorvete. Os dois
primeiros foram atendidos pelo
gênio, no momento do terceiro
eu fingi passar mal e o gênio
negociou com as crianças trocar
o terceiro desejo pela minha
“cura”.
pedidos que serão realizados, no
terceiro terão que escolher entre o
pedido ou “curar” a professora.
Etapa 05: Material – o gênio
entregará às crianças um livro com
palavras em inglês para as crianças
desvendarem seus significados e
usarem em sua viagem para os
EUA.
Etapa 06: Ritual – tele transporte
para a creche.
Episódio 08: O basquete norte-
americano.
Objetivos: Perceber as palavras em inglês
que usamos no nosso cotidiano e
as marcas de empresas norte-
americanas com as quais
convivemos. As crianças
desejaram aprender mais sobre o
basquete e queriam conhecer a
Disneylândia.
Comentários da professora:
Em parceria com a professora de
Educação Física da unidade,
trabalhamos a história do
basquete com as crianças.
Discutimos as palavras em
inglês que usamos no cotidiano e
as marcas norte-americanas.
Etapa 01: Ambientação cênica –
avião (construído na sala).
Professor no papel – como
comissária de bordo. Viagem para
os EUA. Utilização das palavras
em inglês. Improvisação –
situações de uma viagem de avião.
Etapa 02: Ambientação cênica –
quadra de esportes da escola
vizinha (como se fosse uma quadra
nos EUA). Professor no papel –
(convidada – professora de
Educação Física) – como instrutora
americana de basquete ensinará as
crianças a jogar basquete e jogará
com elas.
Etapa 03: Professor no papel –
como guia turística apresentará imagens de lugares famosos dos
EUA e por último levará as
crianças a um parque com piscina
de bolinhas e cama elástica.
212
Encontramos, no dicionário, os
significados das palavras do
livro que o gênio deixou para
usar na viagem aos EUA.
Discutimos a questão de real e
ficcional novamente, pois as
crianças queriam ir pra
Disneylândia e nós decidimos
criar o “nosso” parque, com
cama elástica, piscina de
bolinhas e outros jogos (como
fechamento do processo). Eles
queriam fazer a viagem de avião,
tentei contato com a
INFRAERO para realizar um
visita, mas não consegui.
Etapa 04: Brincadeira livre no
parque criado.
Etapa 05: Ambientação cênica e
improvisação – retorno para casa
de avião.
Episódio Final: Rememorando as viagens.
Objetivos:
Relembrar as situações vivenciadas. Discutir a questão de realidade e
ficcionalidade e sua relação com o teatro. Relembrar os personagens
que encontramos e os papéis que experimentamos. Pontuar as
descobertas de diferentes linguagens e formas de comunicação. Traçar
um paralelo entre as línguas que conhecemos, o braille e a língua de
sinais.
Comentários da professora: Nós criamos um mapa do mundo no qual colocamos as bandeiras dos
países que desejávamos conhecer. Esse mapa ficou pendurado na sala
e utilizávamos dele para estabelecer nossas rotas, perceber as distâncias
que teríamos que percorrer e quais países ainda faltavam conhecer.
Utilizei-me desse mapa para relembrar as viagens que realizamos
nesses três meses. As crianças desejaram conhecer outros países como:
Argentina e Austrália, mas estas viagens ainda não foram realizadas.
213
4.3.1.2 Imagens do processo
Figura 33 - Mapa com os países
que queriam conhecer.
Figura 34 - Construção da máquina
de tele transporte.
Figura 35 - Preparação para a
viagem à Lua.
Figura 36 - Cadeira quente com
Pedro Álvares Cabral.
Figura 37 - Ambientação cênica da
Turquia.
Figura 38 - Explorando a lâmpada.
214
Figura 39 - Assistindo ao gênio
da lâmpada.
Figura 40 - Jogando basquete nos
EUA.
4.3.1.3 Observando as crianças
(Episódio: Conhecendo a Lua)
Profa. – A viagem é de verdade?
Cri01 – É de imaginação! Profa. – E quando é de imaginação não é de verdade?
Cri02 – Pra quem quiser é.
Cri03 – Eu imaginei que tava voando.
Cri04 – Eu vi num filme que a Lua é bem assim.
Profa. – Vocês gostaram de viajar?
Todos – SIM! Cri01 – Eu fui com uma super meia.
Cri02 – Eu fui com uma super bota.
Profa. – Quem viu os planetas?
Cri05 – Eu vi Netuno!
215
Cri06 – Eu fiquei preso no planeta, o Pedro me salvou!
Cri07 – Eu queria morar na Lua!
4.3.1.4 Avaliação da professora Márcia76
O processo dessas viagens começou tudo com a necessidade que
eles trouxeram pra sala, a ideia de descobrir novas escritas, de saber
escrever. Daí surgiu a ideia de fazer essas viagens até pra gente ter um
outro olhar de como trabalhar essas questões na Educação Infantil, não
ser uma questão fechada de aprender as letrinhas, os números, mas de ter
um outro olhar de como a gente poderia explorar esta escrita [...] o
processo eu acho que como qualquer processo tem as coisas que acontece,
as coisas que a gente não consegue fazer acontecer, mas no todo, assim,
eu acho que foi muito legal, tanto pra mim quanto pras [sic.] crianças. Eu
pude aprender com eles muita coisa e eu acho que eu também pude trazer
muitos subsídios das necessidades que eles queriam descobrir. [...] O mais
marcante foi a gente viver esse real e imaginário, foi muito legal. Por
serem crianças já de 06 anos, então eles são maiores, tem um
entendimento maior do que é real [...] outra coisa foi, enquanto
profissional, eu poder experimentar possibilidades diferentes que o teatro
traz pra mim lá no dia a dia da Educação Infantil, enquanto professora né.
A gente tem uma proposta, uma perspectiva enquanto professora e eu
acho que o teatro traz essa contribuição de ter outros olhares de como
trabalhar ali no dia a dia.
4.3.2 Processo 08
Resumo dos Dados
Condutora: Maria da Luz Ribeiro (membro da Trupe há 03 anos).
Função na unidade: professora auxiliar (assume as turmas nas horas-
atividades das professoras regentes).
Outras profissionais envolvidas:
02 auxiliares de sala (matutino e vespertino).
01 professora regente (que acompanhou alguns episódios).
Unidade Educacional: Creche Franklin Cascaes.
76 Trechos da entrevista por mim realizada no dia 20 de janeiro de 2014.
216
Localização: Bairro Ponta das Canas (região norte de Florianópolis).
Número de crianças: 25
Nome do processo: Pequeno Príncipe e o mundo das cobras.
Resumo do processo
O processo surgiu da junção de dois projetos: o projeto da turma
(“pequenos herpetólogos conhecedores de cobras”77) e o projeto de
contação de histórias da condutora do processo de Drama. Uma das
histórias selecionadas – e que serviu de pré-texto para o processo – foi
“O Pequeno Príncipe”, de Antoine de Saint-Exupéry. Entretanto, ao
invés de viajar para diferentes planetas, neste processo o Pequeno
Príncipe viajou com as crianças para lugares onde existiam muitas
cobras ou onde as pessoas se relacionavam de alguma maneira com as
cobras. Viajaram ao Egito (para conhecer Cleópatra, Tutankamon e a
cobra naja), Índia (encantadores de cobras), Austrália (aborígenes e a
cobra mais venenosa do mundo – a taipan) e Amazônia (índios, cobras
sucuri e coral) e, por fim, uma cobra picou o Pequeno Príncipe para
que ele retornasse ao seu planeta – discutindo então a questão da morte.
Como herpetólogos eles conheciam as cobras de cada lugar e como
outros papéis, vivenciavam situações e dramatizavam histórias de cada
país visitado; um gênio da lâmpada (professor personagem) serviu de
guia nessas viagens. Ao final foi realizada uma vivência dramática com
plateia, na qual as crianças escolheram os papéis que desejam
representar.
Aspectos teatrais trabalhados: Dramatizações, criação de histórias,
imersão em situações ficcionais, improvisação, fruição e vivência
dramática com plateia.
Principais estratégias utilizadas: Manto do perito (explorar seus
conhecimentos sobre cobras, colocando-os no papel de herpetólogos),
professor personagem (como gênio – guia e como índia), vivência de
papéis (criação corporal dos papéis), narração (introdução aos locais
onde iam visitar e contação das histórias das cobras daqueles locais,
incentivando a imersão), materialidade (criação de objetos que
auxiliavam as crianças a vivenciarem os papéis; uso intenso de
acessórios, figurinos e maquiagens; uso de imagens na narração de
histórias), quadros congelados (acontecimentos das histórias eram
transformados em quadros congelados para as crianças analisarem e
discutirem as situações, reações aos acontecimentos também geravam
imagens congeladas).
77 Projeto desenvolvido pela professora regente da turma, Sirlei de Oliveira.
217
4.3.2.1 Imagens do processo
Figura 41 - Interagindo com a índia
Capotira (professor personagem).
Figura 42 - Quadro congelados
(Cleópatra e Tutankamon).
Figura 43 - Experimentação
corporal (como cobras).
Figura 44 - Espaço para vivência
dramática com plateia.
4.3.2.2 Observando as crianças
(Episódio: Vivência dramática com plateia).
Profa. – Vamos fazer uma dramatização e precisamos usar esses objetos pra gente se transformar nas pessoas da história! O que será que tem no
rosto do gênio? Cri01 – Ele tem o rosto azul, igual o do Aladim!
Profa. – Como podemos fazer ele diferente?
Cri02 – Ele podia ter um bigode! Profa. – Quem quer ser o gênio?
218
Cri02 – Eu!
(A professora entrega-lhe um lápis ele vai até o espelho e desenha um
bigode) Cri02 – Eu tenho um bigode. Finalmente!
(Quando ele volta pra roda as outras crianças reagem)
Todos – AHHHHHHHH! Que legal! Bigodão! (A turma fica eufórica assistindo à caracterização de cada papel).
(Após a experimentação a professora e as crianças fazem uma conversa
em roda)
Profa. – Como foi a história? Fazer a história? Cri01 – Foi legal!
Cri02 – Eu fiquei com vergonha.
Cri01 – Eu não tenho vergonha. Cri03 – Foi engraçado!
Profa. – O que foi engraçado? Cri03 – A sua voz!
Profa. – Mas quando eu faço um personagem eu posso mudar minha voz.
Cri02 – Eu vou ficar com minha voz mesmo.
4.3.2.3 Avaliação da professora Maria78
Eu acho que foi um processo muito rico assim sabe, essa tua
proposta de trazer pra Educação Infantil vivenciar esse momento né, a
criança tá vivenciando isso. Ela já tem essa dramaticidade nela, mas
assim, é legal quando alguém está com ela, coordenando ela, fazendo ela
se apropriar desses elementos que a gente traz né, nas Artes Cênicas, pra
eles verem por um outro ângulo né. [...] Uma coisa que eu falava muito
com eles era a questão da fantasia né, não gente a gente não vai usar
fantasia agora, a gente vai usar figurino. Esse é o figurino da Cleópatra,
esse é o figurino do Pequeno Príncipe, são os elementos que, quando a
gente coloca a gente se transforma num outro ser. [...] Era legal que
quando eu colocava eles já sentiam que havia uma certa mudança, então
houve uma apropriação, naquele momento eu senti que eles se
apropriavam. [...] Quando eu apareci como índia eles entenderam que
naquele momento eu não era a Maria, mas um personagem.
78 Trechos da entrevista por mim realizada no dia 20 de novembro de 2013.
219
4.3.3 Processo 09
Resumo dos Dados
Condutora: Franciele Carminatti (membro da Trupe há 03 anos).
Função na unidade: professora.
Outras profissionais envolvidas:
01 auxiliar de sala (matutino).
01 professora convidada (membro da Trupe – como Catarina na última
sessão)79.
Unidade Educacional: Núcleo de Educação Infantil Retiro da Lagoa.
Localização: Bairro Lagoa da Conceição (região leste de
Florianópolis).
Número de crianças: 24
Nome do processo: Viajando com Catarina.
Resumo do processo
Catarina foi uma personagem criada para trabalhar com o imaginário
das crianças, ampliando o repertório cultural e incentivando a
construção de conhecimentos sobre a linguagem teatral. Catarina é uma
personagem que viaja pelo mundo atrás de aventuras, curiosidades,
histórias e lendas. Ela mandava cartas para as crianças contando suas
experiências, apresentando um pouco dos costumes e histórias dos
países por onde passava, incentivando as crianças a vivenciarem
diferentes situações, transformarem-se nos papéis ficcionais das
histórias e lendas dos países que ela visitava ou propondo mistérios a
serem desvendados pelas crianças, criando, dessa forma, diferentes
situações e desafios a serem explorados no contexto ficcional.
Aspectos teatrais trabalhados: Criação de histórias, imersão em
situações ficcionais, improvisação e explorações corporais.
Principais estratégias utilizadas: Narração (contação das histórias
enviadas por Catarina, exposição dos mistérios a serem desvendados),
vivência de papéis (colocando-se como os papéis ficcionais da história,
construindo novas histórias a partir das que eram narradas, explorando
o papel de detetives em busca de pistas para a resolução dos mistérios
de Catarina), materialidade (cartas de Catarina, fotos, mapas, objetos
enviados para serem analisados).
79 Representada pela professora Rosetenair Feijó Scharf.
220
4.3.3.1 Imagens do processo
Figura 45 - Carta de Catarina.
Figura 46 - A caveira mexicana.
Figura 47 - Os apitos peruanos.
Figura 48 - Encontrando Catarina.
4.3.3.2 Observando as crianças
(Episódio: O encontro com Catarina)
(Catarina espera as crianças em um trapiche na Lagoa da Conceição,
usando uma sombrinha colorida que chama a atenção das crianças logo que elas chegam no espaço).
221
Cri01 – Olha lá, tem uma sombrinha colorida!
Cri02 – Vamo perguntar se ela é a Catarina. Profa. – Dois de vocês vão lá perguntar, quem quer ir?
(alguns ficam com medo, outros se habilitam, dois são selecionados).
Cri03 – É ela! É ela! Ela é a Catarina! Cri04 – Ela é loira!
(As crianças devolvem alguns objetos mandados por Catarina, ela traz
um mapa apontando os lugares por onde passou e decide contar uma
história para as crianças, após a história, anuncia que lhes dará um presente)
Cri01 – Pra sala?
Catarina – Sim. Cri02 – Pra escola?
Catarina – Também. Cri03 – Para o diretor?
Catarina – Serve pra todo mundo!
Cri04 – Pros meus irmão? Catarina – Sim! É um livro. E assim como eu contei essa história, vocês
podem contar a história do livro pra muitas pessoas!
4.3.3.3 Avaliação da professora Franciele80
Foi muito legal. As crianças entraram no clima, uma no início
ficava na dúvida se realmente existia a Catariana, se não existia, quem
era. Uns achavam que ela era bruxa, outros achavam que ela era uma
velha, daí ficava aquela curiosidade. Depois, com o passar do processo,
com o recebimento das cartas, daí eles acreditaram mais e quando viram
a Catarina mesmo, tinha uns que ainda ficavam na dúvida daí começaram
“_ela existe, ela é de verdade!” [...]. As crianças entraram mesmo nesse
processo, gostaram de conhecer a Catarina, ficavam curiosas com cada
carta que chegava, o que tinha de novidade, se tinha história, se ela
mandava alguma coisa. [...] Quando ela chegou foi o momento mais
marcante.
80 Trechos da entrevista por mim realizada no dia 02 de dezembro de 2013.
222
Como apontado no início deste capítulo, os processos foram
divididos em 03 grupos etárias por percebermos que em cada período (02
a 03 anos, 04 a 05 e 05 a 06 anos) as crianças reagiam de maneiras
diferentes às atividades planejadas para cada episódio. No capítulo
seguinte, farei uma análise dos processos de acordo com essas divisões
propostas relacionando-as com a teoria vygotskiana, sobretudo com os
conceitos que tratam do desenvolvimento infantil.
223
5 REFLEXÕES PEDAGÓGICAS SOBRE AS POSSIBILIDADES
EXPERIMENTADAS
Como retratado nos capítulos anteriores, o Drama se fundamenta
na experiência ativa do participante com o processo de construção de uma
narrativa dramática. Nessa experimentação e exploração de temas e
materiais, as crianças constroem conhecimentos sobre o teatro e sobre
outros assuntos, de acordo com a proposta do condutor, mediante as
interações que ocorrem entre si, com os materiais usados como estímulos
e com o próprio condutor.
Durante a realização desta pesquisa, o estudo das convenções e
estratégias do Drama levou-me a aproximá-lo de conceitos e pressupostos
da abordagem sócio interacionista do desenvolvimento humano proposta
por Vygotsky e seus colaboradores. Discussões acerca da relação entre
desenvolvimento e aprendizagem, a influência e importância do contexto
histórico e cultural na formação dos sujeitos, o papel da mediação no
processo de construção de conhecimentos, a interação como fator
primordial à conquista de formas mais complexas de pensamento e
linguagem, dialogam com as proposições metodológicas apresentadas
neste estudo.
Ao pontuar os aspectos que corroboraram com a proposição do
Drama como uma possibilidade metodológica de inserção da linguagem
teatral na Educação Infantil que se aproxima das propostas pedagógicas
destinadas a esse segmento de ensino, finalizarei o presente trabalho
buscando aliar as convenções do Drama aos pressupostos da teoria
histórico-cultural de Vygotsky. Tratarei também de analisar os processos
apresentados no capítulo anterior a partir da teoria da periodização infantil
desenvolvida por esse autor e seus colaboradores. Por fim, discuto e
avalio a proposta desta tese em diálogo com entrevistas realizadas com os
profissionais que conduziram os processos de Drama utilizados como
objeto de análise deste trabalho.
5.1 TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL E DRAMA
A teoria histórico-cultural (também conhecida como sócio
histórica ou sócio interacionista) teve início com as obras de Lev
Vygotsky (1896-1934), desenvolvidas em meio à revolução socialista
russa, ocorrida em 1917, e à ditadura socialista da União Soviética.
224
Rego (2013) cita as palavras de Vygotsky para apontar o objetivo
central dos estudos desse autor: “[...] caracterizar os aspectos tipicamente
humanos do comportamento e elaborar hipóteses de como essas
características se formaram ao longo da história humana e de como se
desenvolvem durante a vida de um indivíduo” (2013, p. 38). A abordagem
vygotskiana, portanto, vai definir o sujeito como um ser construído a
partir da apropriação e reelaboração de ações, conceitos e signos
historicamente e socialmente construídos, nessa concepção, a cultura
integra a natureza humana.
Divergindo das concepções inatista, segundo a qual as
capacidades humanas se encontrariam prontas desde o nascimento,
necessitando apenas do amadurecimento natural, e ambientalista, que
atribui ao meio a responsabilidade pela construção do ser, como a
metáfora que compara a criança a uma “folha em branco” que vai ser
“preenchida” ao longo do seu desenvolvimento, Vygotsky defenderá que
ambos, organismo e meio, são reciprocamente influentes no processo de
construção do psiquismo humano.
A concepção histórico-cultural foi influenciada pelos princípios
teóricos do materialismo histórico de Karl Marx (1818-1883) e Friedrich
Engels (1820-1895). Segundo Facci: “[...] os fundamentos marxistas
enfatizam que mudanças históricas na sociedade e na vida material
produzem mudanças na consciência e no comportamento humano” (2004,
p. 65). O desenvolvimento da criança, portanto, necessita ser
compreendido como algo orgânico, em permanente construção, ligado a
um determinado contexto. Nesse sentido, a tentativa da psicologia em
definir características e leis universalmente válidas para o
desenvolvimento infantil foi objeto de crítica de Vygotsky.
O autor diferencia as funções psicológicas elementares, comuns
a homens e animais (tais como: atenção e memória involuntária) das
funções exclusivamente humanas, denominadas funções psicológicas
superiores (tais como: controle consciente do comportamento, atenção e
memória voluntária, memorização ativa, pensamento abstrato, raciocínio
dedutivo, capacidade de planejamento). As funções superiores, para
Vygotsky, tem origem cultural e não biológica, pois, segundo o autor, elas
se originam a partir das relações estabelecidas entre os indivíduos e desses
com o meio, a partir da internalização de comportamentos, conceitos e
signos. Como aponta Vygotsky: “a internalização das atividades
socialmente enraizadas e historicamente desenvolvidas constitui o
aspecto característico da psicologia humana; é a base do salto quantitativo
da psicologia animal para psicologia humana” (1996, p. 58). O sujeito é,
portanto, um ser histórico.
225
Ao dialogar com o método dialético de Marx e Engels, o
pesquisador russo buscou identificar como as mudanças qualitativas que
ocorrem no comportamento humano, ao longo de seu desenvolvimento,
estão relacionadas com o contexto social e com as atividades criadas para
estruturar as relações, sendo o trabalho a mais importante.
Marx afirma que:
[...] a existência [...] de cada elemento da riqueza
material não existente na natureza, sempre teve de
ser mediada por uma atividade especial produtiva,
adequada a seu fim, que assimila elementos
específicos da natureza a necessidades humanas
específicas. Como criador de valores de uso, como
trabalho útil, é o trabalho, por isso, uma condição
de existência do homem, independente de todas as
formas de sociedade, eterna necessidade natural de
mediação do metabolismo entre homem e natureza
e, portanto, da vida humana. (MARX, 1985, p.50)
Segundo a teoria marxista, o homem transforma a natureza por
meio do trabalho, buscando satisfazer suas necessidades e, nesse
processo, cria instrumentos para ampliar sua intervenção sobre o meio,
assim como formas de comunicação. A linguagem surgiu da necessidade
de troca de informações e experiências no processo de trabalho, como
sistema mediador entre pensamento e ação. A partir dos instrumentos e
da linguagem o homem passou a transformar a si mesmo e sua realidade.
Nesse sentido, o sujeito é ativo no processo de construção de sua história
psíquica e social. Como afirma Vygotsky: “[...] o controle da natureza e
o controle do comportamento estão mutuamente ligados, assim como a
alteração provocada pelo homem sobre a natureza altera a própria
natureza do homem” (1996, p. 55). Vygotsky atribui aos instrumentos a
função de regular as ações do homem sobre o meio.
No processo de construção de conhecimentos, o estabelecimento
de relações com parceiros mais experientes passa a ser fundamental.
Dessa forma, relacionando sua teoria à questão educacional, Vygotsky
atribuiu a escola uma grande importância, uma vez que será no espaço
escolar que a criança passará boa parte de sua infância e adolescência,
estabelecendo relações com seus pares, apropriando-se dos
conhecimentos historicamente acumulados e constituindo-se como
sujeito – tanto na sua individualidade quanto nos aspectos que a fazem
pertencer a um determinado grupo.
226
No espaço educacional as necessidades serão outras. Não será o
trabalho que guiará às ações da criança sobre o meio, mas sim a
necessidade do desenvolvimento de habilidades motoras e cognitivas,
assim como a construção de novos saberes. A apropriação da linguagem
permitirá a criação de oportunidades de aprendizagem que levarão à
assimilação de novos conhecimentos e os brinquedos e materiais
escolares funcionarão como instrumentos facilitadores dos processos de
desenvolvimento. O processo de ensino/aprendizagem na perspectiva
histórico-cultural, portanto, não ocorre a partir de um acúmulo entre
fatores biológicos e fatores sociais, mas sim, da interação dialética que se
dá entre eles.
Nos tópicos seguintes buscarei relacionar conceitos e
pressupostos da teoria vygotskiana com as convenções e estratégias do
Drama apresentadas nos capítulos anteriores. Como reflexões finais deste
trabalho, pretendo reafirmar a proximidade do Drama com as teorias que
fundamentam atualmente a prática pedagógica na Educação Infantil.
5.1.1 O contexto sociocultural como ponto de partida
Vygotsky não intencionava criar uma teoria do desenvolvimento
humano. Seu interesse pela infância surgiu da compreensão de que nesse
período iniciava-se a construção do sujeito e, como apontado
anteriormente, o uso de instrumentos e o desenvolvimento da linguagem,
para ele, eram aspectos fundamentais de serem estudados para se entender
o desenvolvimento das funções psicológicas superiores. Entretanto, na análise do autor, a psicologia tradicional estudava
a criança e o desenvolvimento de suas funções psíquicas desconsiderando
o meio social e cultural em que ela estava imersa, assim como as formas
de pensamento predominantes nesse meio. Ao citar o trabalho de Piaget,
por exemplo, Vygotsky afirma:
As uniformidades de desenvolvimento
estabelecidas por Piaget aplicam-se ao meio dado,
nas condições em que Piaget realizou seu estudo.
Não são leis da natureza, mas sim leis histórica e
socialmente determinadas. Piaget já foi criticado
por Stern81 por não ter dado a devida importância à
situação social e ao meio. [...] De nossa parte,
81 Wilhelm Stern (1871-1938) – psicólogo alemão, fundador da psicologia diferencial.
227
estamos convencidos de que o estudo do
desenvolvimento do pensamento em crianças em
um meio social diferente, e em especial de crianças
que, ao contrário das estudadas por Piaget,
trabalham, levará com certeza a resultados que nos
permitirão formular leis com uma esfera de
aplicação muito mais ampla (VYGOTSKY, 1993,
p. 28-29).
Ainda que Vygotsky e seus colaboradores tenham concebido a
existência de um processo de maturação das funções psicológicas, como
destacado no capítulo anterior no qual analisei cada faixa etária de acordo
com as concepções vygotskianas, os estágios de desenvolvimento, para
esses autores, ainda que possuam uma certa sequência, não são imutáveis.
Como retrata Wertsch, “[...] Vygotsky não separa os indivíduos da
situação cultural em que se desenvolvem. Este enfoque integrador dos
fenômenos sociais, semióticos e psicológicos tem uma capital
importância hoje em dia [...]” (1988, p. 34).
As fases apontadas por Vygotsky, portanto, dependem das
condições concretas nas quais ocorre o desenvolvimento da criança. As
condições socioculturais exercem influência tanto sobre o conteúdo
concreto de um estágio individual do desenvolvimento como sobre o
curso total do processo. Os limites de idade de cada estágio também
dependem das condições históricas, logo, esses limites se alteram com a
mudança das condições socioculturais.
A Pedagogia se apropriou desses pressupostos para conceber
propostas de ação que percebessem e considerassem o contexto sócio
cultural das crianças envolvidas em um processo de
ensino/aprendizagem, sobretudo na Educação Infantil, em que as
exigências pelo cumprimento de um currículo não são acentuadas.
Sabemos que cada criança chega na creche/escola com uma bagagem
cultural singular. Cada criança é diferente da outra e é preciso levar esses
fatores em consideração pra que se estabeleça um processo efetivo de
construção de saberes. Penso que na heterogeneidade do grupo, na busca
por ampliar seus repertórios, partindo dos seus interesses, incitando a
interação das diferenças, que a ação pedagógica deveria se desenvolver.
Nesse sentido, percebo a proximidade do Drama com as
propostas pedagógicas da Educação Infantil. Ao convencionar que um
processo necessita partir do contexto real dos participantes para depois se
desdobrar em um contexto ficcional, o Drama busca abarcar as diferenças
e respeitar as especificidades socioculturais. Isso não significa limitar as
228
crianças aos seus objetos de interesse e aquilo que conhecem, mas
estabelecer conexões entre conhecimentos existentes e aqueles que
podem ser construídos através de um processo dramático, ampliando o
horizonte de experiências e referências das crianças.
Como apontado nos capítulos anteriores, quanto maior
ressonância tiver o contexto ficcional no contexto real dos participantes,
maior será a probabilidade de que as crianças imerjam na situação
proposta. Quando mais próximas estiverem as estratégias utilizadas pelo
professor das especificidades apresentadas pelas faixas etárias, maiores
serão as apropriações das crianças do material oferecido pelo condutor.
Portanto, um diálogo efetivo entre a proposta dramática e o contexto dos
participantes faz-se necessário para que o Drama seja relevante para o
grupo e o instigue a se engajar na construção da narrativa.
Smolka, ao tratar da teoria de Vygotsky, afirma que:
O desenvolvimento da criança, encontra-se [...]
intrinsecamente relacionado à apropriação da
cultura. Essa apropriação implica uma participação
ativa da criança na cultura, tornando próprios dela
mesma os modos sociais de perceber, sentir, falar,
pensar e se relacionar com os outros (SMOLKA,
2009, p. 08).
Assim como a cultura existente em determinado contexto não é
algo acabado e imutável, sendo construída e reconstruída pelas condições
do meio e pelas relações estabelecidas pelos membros de um determinado
grupo, o processo de Drama também não existe a priori, ele se constrói
na intervenção direta dos participantes que fornecem materiais e se
apropriam daqueles oferecidos, construindo e descontruindo os estímulos
trazidos pelo condutor do processo.
Dialogando com Rego que afirma: “[...] o ser humano não só é
um produto de seu contexto social, mas também um agente ativo na
criação deste contexto” (2013, p. 49); percebo que o Drama, ao ser
apropriado pela Educação Infantil, configura-se como um
encaminhamento metodológico que pode contribuir com a ampliação da
capacidade criativa das crianças, ao fornecer-lhes materiais, ao desafiá-las, ao colocá-las em situações diferentes do cotidiano, ao questionar suas
respostas, ao incentivar a construção de saberes e alteração de suas
percepções, podendo modificar, dessa forma, seu meio cultural.
229
5.1.2 O papel das interações na construção de conhecimentos
A teoria histórico-cultural aponta que há uma ação recíproca
entre o aparato biológico – hereditariamente herdado – e o meio
sociocultural no qual a criança está imersa; nas palavras de Vygotsky:
[...] de um lado, os processos elementares, que são
de origem biológica; de outro, as funções
psicológicas superiores, de origem sociocultural. A
história do comportamento da criança nasce do
entrelaçamento dessas duas linhas (VYGOTSKY,
1996, p. 52).
Nesse sentido, há uma unidade entre os processos de
aprendizagem e os de desenvolvimento. O aprendizado escolar, por
exemplo, produz novas estruturas de pensamento e exige que processos
internos sejam elaborados a fim de que novos conhecimentos sejam
internalizados, portanto, para que o aprendizado ocorra é necessário o
desenvolvimento de novas estruturas mentais. Como Vygotsky afirma:
“[...] o aprendizado é um aspecto necessário e universal do processo de
desenvolvimento das funções psicológicas culturalmente organizadas e
especificamente humanas” (1996, p. 103), portanto, o processo de
desenvolvimento progride em função da aprendizagem.
A aprendizagem, entretanto, não se dá de forma autônoma, ela
ocorre a partir das relações que a criança estabelece com outras pessoas
(parceiros mais experientes). Na interação com o outro a criança é capaz
de movimentar processos de desenvolvimento que, sem ajuda, seriam
impossíveis de ocorrer.
Na teoria vygotskiana a interação social tem um papel central
como ação promotora de processos de aprendizagem e desenvolvimento.
Essas interações se dão, primeiramente, com os adultos (geralmente os
pais) que procuram iniciar a criança na sua cultura e mediar a relação dela
com os objetos, instrumentos, códigos e signos do mundo. E, num
segundo momento, as relações serão estabelecidas com os novos pares
que a criança encontrará pelo caminho – crianças mais experientes,
professores, familiares. Nesse processo de incorporação cultural, a
criança desenvolve processos psicológicos mais complexos,
internalizando-os a partir da prática social.
Rego afirma que:
230
[...] ao internalizar as experiência fornecidas pela
cultura, a criança reconstrói individualmente os
modos de ação realizados externamente e aprende
a organizar os próprios processos mentais. O
indivíduo deixa, portanto, de se basear em signos
externos e começa a se apoiar em recursos
internalizados (imagens, representações mentais,
conceitos etc.) (REGO, 2013, p. 62).
A construção da individualidade dá-se, portanto, a partir das
relações sociais. É através das interações que as funções superiores,
tipicamente humanas, desenvolver-se-ão, do social para o individual.
Nessa construção do ser, a apropriação da linguagem possui um papel
central, ao permitir que, através dos signos e palavras, as crianças
consigam entender o que o outro lhe quer comunicar, assim como,
consigam expressar o que sentem, pensam, imaginam, percebem, etc.,
inicialmente através da fala e, na sequência, através da linguagem escrita.
Corroborando com as ideias anteriormente expostas, percebo a
proximidade da estrutura do Drama com a teoria vygotskiana ao propor,
justamente, que o processo de construção do conhecimento teatral se dê
através das interações estabelecidas no ambiente ficcional. Ao
participarem de uma atividade teatral, por exemplo, os participantes
utilizam de seus conhecimentos e se apropriam das respostas de seus
pares, ampliando os saberes prévios. Quando o professor lança um
questionamento ou um desafio, ele pode perceber em que grau se encontra
o desenvolvimento de seu grupo e quais conhecimentos os participantes
possuem e, dessa forma, mediar a aprendizagem e torná-la instigante e
significativa.
Como Chalmers aponta,
[...] o Drama é, essencialmente, uma atividade
social. Quando as pessoas atuam, cantam, dançam
ou performatizam de qualquer forma, elas
raramente o fazem sozinhas, são geralmente
membros de um grupo ou equipe que trabalham em
conjunto para criar uma experiência coletiva.
(CHALMERS, 2010, p. 76, tradução nossa).
As propostas pedagógicas para a Educação Infantil, apresentadas
no primeiro capítulo, enfatizam a necessidade de que as crianças
interajam no espaço de aprendizagem, que tenham oportunidades de se
comunicar e construir conhecimentos de forma conjunta. Quanto mais
231
oportunidades as crianças tiverem de interagir, discutir, questionar,
trabalhar coletivamente, dividir tarefas, maiores serão as possibilidades
de ampliarem seu repertório de experiências. Percebeu-se, com os
experimentos práticos, que o Drama necessita que os participantes se
apropriem da situação criada e, a partir das interações, criem respostas
para o encaminhamento da narrativa, apropriando-se, dessa forma, das
estruturas da linguagem teatral.
Ficou evidente, na realização dos experimentos, que com as
crianças mais jovens as respostas não eram expressas, prioritariamente,
através da linguagem falada, mas por meio das reações, expressões, da
linguagem corporal como um todo, diferente das crianças mais velhas
que, por se apropriarem mais da fala, realizavam intervenções mais
diretas no processo, expressando suas opiniões e lançando
questionamentos. O condutor irá dosar, a partir de sua percepção sobre o
grupo, quais estratégias poderão ser usadas com cada faixa etária. Na
relação estabelecida com o professor (parceiro mais experiente) as
crianças terão a oportunidade de ampliarem suas formas de comunicação
e expressão, seja pela linguagem corporal ou falada.
Vygotsky criou uma abordagem diferenciada para tratar da
relação entre aprendizagem e desenvolvimento permitindo que os
profissionais da educação identifiquem o contexto de seu grupo antes de
lhes propor uma ação pedagógica, que, dialogando com a proposta do
Drama, serve também aos condutores de processos. Essa abordagem,
central à teoria vygotskiana, parte da compreensão do conceito de zona de desenvolvimento próximo82.
82 PASQUALINI (2011) em nota afirma que: “o conceito zona blijaichego razvitia tem sido
traduzido para o português de maneiras diversas: zona de desenvolvimento próximo, proximal,
potencial, imediato. Zoia Prestes, em sua tese de doutoramento defendida em 2010 na Universidade de Brasília e intitulada ‘Quando não é quase a mesma coisa: Análise de traduções
de Lev Semionovitch Vigotski no Brasil: Repercussões no campo educacional’, esclarece os
equívocos contidos na escolha dos termos proximal, potencial e imediato para tradução do conceito. O termo blijaichego significa, em russo, o adjetivo próximo no grau superlativo
sintético absoluto, portanto: o mais próximo, proximíssimo. Zoia Prestes defende que a tradução
que mais se aproxima do termo russo é zona de desenvolvimento iminente, cuja característica essencial, em suas palavras, é a das ‘possibilidades de desenvolvimento’”. Em seu artigo,
Pasqualini opta pelo uso do termo “próximo”, pela familiaridade com pesquisadores, estudantes
e professores brasileiros, e que, ao mesmo tempo, não conduz a equívocos. Dado esse contexto, optei pela utilização do termo “próximo” neste trabalho, ainda que em algumas citações o
conceito apareça com outro termo.
232
5.1.3 Zona de desenvolvimento próximo
Na teoria vygotskiana são apontados dois níveis de
desenvolvimento infantil: nível de desenvolvimento real ou efetivo –
conhecimentos que a criança possui, ações que ela consegue realizar
sozinha, ciclos de desenvolvimento completados – e o nível de desenvolvimento próximo – o que ela poderá realizar ou aprender através
da mediação de parceiros mais experientes, interagindo com esses.
Vygotsky define a zona de desenvolvimento próximo (ZDP)83 da
seguinte maneira:
Ela é a distância entre o nível de desenvolvimento
real, que se costuma determinar através da solução
independe de problemas, e o nível de
desenvolvimento potencial, determinado através da
solução de problemas sob a orientação de um
adulto ou em colaboração com companheiros mais
capazes (VYGOTSKY, 1996, p. 97).
Antunes complementa: “[...] seria o espaço no qual, graças à
interação e ajuda de outros, uma determinada pessoa pode realizar uma
tarefa de uma maneira e em um nível que não seria capaz de alcançar
individualmente” (2011, p. 28), ou seja, a ZDP é o espaço entre os níveis
real e próximo do seu desenvolvimento.
Vygotsky ressalta que “[...] a zona de desenvolvimento próximo
tem um valor mais direto para a dinâmica da instrução que o nível atual
de seu desenvolvimento” (1993, p. 239). Nesse sentido, o ensino deveria
incidir sobre a ZPD, o que significa que as atividades pedagógicas
necessitariam ser organizadas com a finalidade de conduzir o estudante à
apropriação de novos conceitos. Tal apropriação dar-se-ia mediante
descobertas conduzidas e da tomada de consciência dessa apropriação,
como agentes no processo de construção dos saberes. Desse modo,
realizar-se-ia uma aprendizagem efetiva e não uma mera reprodução de
conteúdos.
O Drama, ao trabalhar com perguntas e desafios, incitando a
colaboração de todos na construção da narrativa, na descoberta de pistas,
na resolução de problemas, levantando hipóteses, propondo momentos de imitação e recriação de imagens e movimentos, criando mistérios a serem
83 A partir desse momento, tratarei a conceito de zona de desenvolvimento próximo usando a
sigla ZDP.
233
desvendados, entre outras estratégias, parece-me incidir justamente nesse
“entre lugar” apontado por Vygotsky, nessa zona de aprendizagem.
Ao afastar-se da reprodução de modelos tradicionais do ensino
do teatro, principalmente da separação entre palco e plateia, da utilização
de textos dramáticos, da divisão de personagens etc., o Drama busca um
diálogo constante com as percepções e respostas das crianças, estando
atento às suas contribuições e ampliando as experiências teatrais das
crianças para além da criação de espetáculos. Ao desenvolver uma
experiência teatral compartilhada e uma aprendizagem sobre o teatro, o
Drama propõe que os conhecimentos prévios sejam revistos e
desdobrados por meio da ficção.
Vygotsky coloca a imitação como uma ação central no processo
de aprendizagem por ZDP, nas palavras do autor:
As crianças podem imitar uma variedade de ações
que vão muito além dos limites de suas próprias
capacidades. Numa atividade coletiva ou sob a
orientação de adultos, usando a imitação, as
crianças são capazes de fazer muitas coisas. Esse
fato, que parece ter pouco significado em si
mesmo, é de fundamental importância na medida
em que demanda uma alteração radical de toda a
doutrina que trata da relação entre aprendizagem e
desenvolvimento em crianças (VYGOTSKY,
1996, p. 101).
Ao indicar a imitação como ação promotora de desafios às
crianças, parece-me haver uma relação direta com a linguagem teatral que
se utiliza da imitação para promover situações nas quais as crianças
percebem que estão fazendo de conta, fingindo ser outro ser, mimetizando
ações de outras pessoas (ou outros seres), explorando situações fictícias.
Esse fato pode ser observado nos processos apresentados no capítulo
anterior, os quais desafiaram as crianças às mais diversas ações e
situações: voar como pássaros, viajar a diferentes períodos da História,
navegarem como piratas, explorarem a Lua, fingirem ser animais, etc.
Planejar ações a partir do conceito de ZDP requer um processo
contínuo de observação das conquistas do grupo e a percepção de quais
novos desafios podem ser postos para que uma nova aprendizagem se
efetue, tendo consciência dos limites impostos pelo aparato físico e
psicológico da criança que se encontra em desenvolvimento. Como
afirma Vygotsky, “[...] aquilo que é zona de desenvolvimento proximal
hoje será o nível de desenvolvimento real amanhã [...]” (1996, p. 98), ou
234
seja, quando a criança de fato aprender, quando se apropriar de um
conhecimento, esse será internalizado e comporá seu repertório.
A experiência escolar, de uma maneira geral, oferecerá às
crianças a possibilidade de construírem conhecimentos diferentes
daqueles que elas aprendem no cotidiano. Esses conhecimentos
desenvolvidos no ambiente escolar são nomeados por Vygotsky de
conceitos científicos; são aqueles historicamente acumulados e
sistematizados e que, de maneira geral, não pertencem a esfera cotidiana
das relações estabelecidas pela criança.
O teatro como linguagem, em geral, não se encontra na esfera
cotidiana de nossas crianças como prática, seja de expressão, seja de
fruição. Acredito, então, que é papel da escola gerar oportunidades para
que esse conhecimento seja construído, considerando os saberes prévios
do grupo e tornando-os mais elaborados à medida em que as crianças
avancem nos processos de experimentação teatral.
Na esfera da Educação Infantil penso que o teatro necessita ser
inserido de forma cuidadosa, respeitando os limites de desenvolvimento
físico e psíquico da criança, assim como através de situações de
experimentação dramática prazerosas, que coloquem a criança como
centro do processo e não como mera reprodutora de textos, expressões,
marcações, entre outras práticas que restringem a capacidade da criança
de criar. Cabe ao professor, como parceiro mais experiente, conduzir suas
crianças num processo conjunto de construção de novos conhecimentos,
gerando situações que intervenham nas zonas de desenvolvimento próximo, desafiando-as a criar ao invés de impor modelos.
5.1.4 A importância da mediação
Como apontado nos tópicos anteriores, a construção de
conhecimentos e o desenvolvimento das função psicológicas superiores
são ações mediadas, tanto por instrumentos (objetos do cotidiano,
ferramentas, máquinas, brinquedos) quanto por sistemas sígnicos
(fenômenos, gestos, figuras, sons, entre outros, que representam algo
diferente de si mesmo).
Rego aponta que “a linguagem é um signo mediador por
excelência, pois ela carrega em si os conceitos generalizados pela cultura
humana” (2013, p. 42) e, portanto, ela é fundamental em todos os grupos
humanos, pois, entre outras funções, permite a apropriação de estruturas
235
comunicativas (palavras, números e seus significados, por exemplo)
assim como a troca de informações e experiências.
O acesso a esses signos, entretanto, será possível se houver uma figura
que promova o contato da criança com o objeto de conhecimento. Para
Vygotsky “o caminho do objeto até a criança e desta até o objeto passa
através de outra pessoa” (1996, p. 11). Esse papel, no âmbito escolar, será
exercido pelo professor, que como mediador, intervirá nas zonas de
desenvolvimento próximo das crianças e, dessa, forma, criará situações
para que a aprendizagem ocorra.
Oliveira, ao citar as teorias de Vygotsky, aponta que: “a
mediação em termos genéricos é o processo de intervenção de um
elemento intermediário numa relação; a relação deixa, então, de ser direta
e passa a ser mediada por esse elemento” (1997, p. 26), que, como
apontado, pode ser um instrumento, um signo ou outra pessoa.
A mediação realizada pelo professor necessita considerar o
indivíduo historicamente e socialmente localizado, perceber sua evolução
biológica em relação aos meios oferecidos para seu desenvolvimento
intelectual e cultural. Cabe ao educador fornecer instrumentos para que a
criança amplie suas ações, criando e recriando de forma própria sua
maneira de agir, sentir e ver o mundo. Nesse contexto, o papel do
professor ganha destaque como parceiro mais experiente, mediador na
construção de saberes e incitador de oportunidades de interação.
No que diz respeito à apropriação da linguagem teatral por meio
do Drama, o professor condutor assume, constantemente, a função de
mediador, o que exige dele observar quais conhecimentos as crianças
possuem, como elas respondem as suas intervenções e quais outros
desafios podem ser postos para que o processo se desenrole e as crianças
se apropriem do conhecimento teatral e criem os rumos da narrativa. Essa
mediação ocorre tanto dentro do contexto ficcional, quanto no
planejamento do episódio.
As estratégias professor personagem e professor no papel, por
exemplo, buscam justamente colocar o professor em um lugar mediador
dentro da ficção. Como personagem inserido no contexto ficcional,
parceiro das crianças na experimentação dramática, o professor deixa de
ser um instrutor e intervém diretamente na construção da narrativa.
Essa estratégia do Drama, originada no trabalho de Heathcote e
que ganhou novos contornos (principalmente artísticos) quando utilizada
pelos estudantes e professores de Teatro, mostrou-se fundamental no
trabalho com a Educação Infantil. A transformação do professor em
personagem na frente das crianças foi um fator central para iniciá-las no
processo de compreensão do espaço ficcional do jogo e como forma de
236
incentivá-las a experimentarem os papéis propostos. As mais jovens não
distinguiam a realidade da ficção, mas por meio da imitação eram levadas
a explorar materiais, sensações, objetos, sons, etc. As mais velhas
colocavam em discussão os limites entre realidade e ficção, exigindo que
o professor mediasse a construção desse conhecimento.
Quando se trata de um conhecimento específico, como é o caso
do trabalho com a linguagem teatral, penso que seja necessário que o
condutor possua uma real experiência para que possa mediar a
aprendizagem de suas crianças. Por esse fato que propus aos professores
da Trupe da Alegria que conduzissem os experimentos, justamente
porque eles estavam em um processo contínuo de formação na linguagem
teatral e possuíam um olhar diferenciado sobre o trabalho com essa
linguagem na Educação Infantil.
A apropriação do teatro como experiência em processo e não
como produto artístico altera a relação da criança com essa arte e
relaciona-se diretamente à maneira como o professor promoverá esse
contato. Como afirma Chalmers:
[...] se você se levantar e se lançar no primeiro
acontecimento na história com entusiasmo, todo
mundo deverá se sentir inspirado a segui-lo! Narrar
a história de forma apropriada desdobrando-a em
ações e expressões, encorajará todos a copiar o que
você está fazendo, mas não necessariamente
imitando-o exatamente. (CHALMERS, 2010, p.
79, tradução nossa).
Ao se colocar como mediador de um processo, acredito ser
necessário que o professor se questione quanto ao seu repertório cultural,
suas experiências com a arte, suas visões de mundo, a maneira como lida
com as diferenças, os preconceitos que possui. Como mediador, ele será
o promotor das ações que desencadearão no desenvolvimento de suas
crianças. Essas, pelo menos em um primeiro momento, irão se apropriar
dos materiais, conceitos e conteúdos fornecidos por seu professor. É
importante refletir sobre o que se está oferecendo.
Nesse sentido, a ação mediadora pressupõe intencionalidade, o
que exige planejamento, avaliação, registro do processo, considerando as
diferenças existentes no grupo. Uma atividade livre pouco contribui para
que criança desenvolva algo além do que conhece – do seu nível de
desenvolvimento real. Em uma atividade livre ela tenderá a utilizar o
repertório que possui e, se esse for escasso, suas criações também serão
237
escassas e limitadas. Se ela ouve sempre as mesmas histórias, seu
repertório de histórias e os papéis ficcionais que povoarão suas
brincadeiras de faz de conta serão sempre os mesmos. Rego aponta que
“[...] é necessário que o professor se disponha a ouvir e notar as
manifestações infantis” (2013, p. 116) e, a partir daí, conduza o processo
de ensino/aprendizagem possibilitando a experimentação de novas
atividades e a aquisição de novos significados.
A condução de um processo de Drama exigirá do mediador uma
postura questionadora. Essa atitude necessita permear todo o processo;
inquerir os participantes sobre suas opiniões, sobre experiências
anteriores, sobre como podem resolver um problema, quais as
possibilidades que eles imaginam para desvendar um mistério, o que eles
pensam, sentem a cada nova tarefa ou atividade. O mediador necessita
perceber e avaliar tanto as respostas verbais como as não verbais (as ações
realizadas pelas crianças nas situações, as relações que estabelecem com
os outros participantes, a maneira como interagem, suas criações
corporais, seu engajamento físico e emocional, etc.).
Ao coletar as respostas do grupo o professor fornecerá os
materiais que darão encaminhamento ao processo. Incentivará à reflexão
dos participantes avaliando com eles os acontecimentos. Buscará quebrar
com julgamentos de valor de certo ou errado, construindo conhecimentos
sobre os significados das suas ações e reações. Checará os fatos que foram
marcantes e a repercussão de alguma estratégia utilizada ou de algum
acontecimento. Direcionará o foco de atenção das crianças para um ponto
que seja importante dentro do seu planejamento. Estabelecerá novas
situações ampliando, dessa forma, as discussões sobre possíveis dilemas.
Coletará informações dos participantes, com o objetivo de perceber as
relações que eles estabelecem entre as experiências realizadas no contexto
dramático e no contexto real.
Como aponta Cabral,
[...] o sucesso ou fracasso do drama como método
de ensino ou aprendizagem reflete a habilidade do
professor para coordenar as interações dos alunos
em diferentes níveis a fim de equilibrar fazer e
apreciar e de introduzir situações, informações
e/ou desafios na hora certa de acordo com os
diferentes papéis e ações (CABRAL, 2006, p. 31).
Percebemos, portanto, através da experiência de realização dos
processos que é de fundamental importância o papel do professor como
238
condutor da experimentação e construção da linguagem teatral pela
criança. Do contato inicial mediado por esse profissional, dependerá, em
grande parte, a relação futura dessa criança com o teatro.
5.1.5 A brincadeira como espaço de aprendizagem
Um último ponto de diálogo que gostaria de propor entre as
convenções do Drama e a teoria histórico cultural diz respeito ao modo
como essa trata a questão da brincadeira, colocando-a como um espaço
para promoção da aprendizagem, aspecto esse que se aproxima da ideia
de criação de um espaço ficcional proposta pelo Drama.
Em 1996, quando a Prefeitura municipal de Florianópolis passou
a apoiar-se na teoria histórico cultural para elaborar sua proposta
pedagógica, a seguinte afirmação foi posta no documento daquele ano:
A brincadeira é local privilegiado para diagnosticar
os níveis de conhecimento e desenvolvimento
infantis, porque enquanto brincam as crianças
expressam livremente e tornam estáveis os
diferentes saberes, atitudes, conceitos,
comportamentos, características e particularidades
do acervo sócio-afetivo e cultural com o qual se
defrontam diariamente, seja de forma sistematizada
ou ocasional (SME, 1996, p. 38).
É possível constatar que, na citação acima, a brincadeira é
indicada como uma zona de desenvolvimento próximo, na qual o
professor, atento aos processos de desenvolvimento de suas crianças, é
capaz de perceber o repertório que elas possuem e quais ações ele
necessita empreender para que o conhecimento delas se amplie.
Vygotsky afirma:
[...] a brincadeira cria uma zona de
desenvolvimento iminente na criança. Na
brincadeira, a criança está sempre acima da média
da sua idade, acima de seu comportamento
cotidiano; na brincadeira, é como se a criança
estivesse numa altura equivalente a uma cabeça
acima da sua própria altura. A brincadeira em
239
forma condensada contém em si, como na mágica
de uma lente de aumento, todas as tendências do
desenvolvimento; ela parece tentar dar um salto
acima do seu comportamento comum.
(VYGOTSKY, 2008, p. 35).
Na Educação Infantil tem-se compreendido a brincadeira como
um espaço de construção de conhecimentos, no qual a criança age em
função daquilo que imagina e pensa, como aponta Vygotsky, “a criação
de uma situação imaginária não é algo fortuito na vida da criança, pelo
contrário, é a primeira manifestação da emancipação da criança em
relação às restrições situacionais” (1996, p. 117). Nessa criação
imaginária, que se realiza em um tempo/espaço real, a criança pode
experimentar diferentes situações, desafiando-se, interagindo, realizando
desejos irrealizáveis na esfera do real, ressignificando a função dos
objetos de acordo com sua imaginação.
Na medida em que a criança se desenvolve, a brincadeira torna-
se a atividade central de sua relação com o meio. Penso, então, que as
propostas de trabalho realizadas nesse segmento de ensino necessitam
considerar que a criança aprende brincando e que essa brincadeira pode
ser “séria”.
No senso comum, o conceito de brincadeira é relacionado à ideia
de uma atividade descomprometida e desarticulada da construção de
conhecimentos e ampliação de experiências que contribuam com o
desenvolvimento da criança. Portanto, pensar a brincadeira como
atividade séria é compreender que essa atividade é um dos meios pelos
quais a criança se apropria da cultura, amplia sua capacidade expressiva,
sua subjetividade, compreende outras realidades e efetua, na realidade
concreta, seus desejos e pulsões interiores.
Atividades dramáticas desenvolvidas a partir de uma brincadeira
de faz de conta podem trabalhar a expressão, motricidade, afetividade,
cognição, desenvolvimento linguístico, além de ampliar o repertório
cultural da criança. Como enfatiza Oliveira [et. al], “[...] as brincadeiras
infantis nem sempre são bem entendidas por certas pessoas, incluindo
alguns professores que costumas dizer ‘as crianças estão só brincando’,
como se ali nada acontecesse!” (2011, p. 66); sabe-se que há uma série de
processos físicos e psíquicos se realizando no ato de brincar. Articulando a importância da brincadeira, apontada por
Vygotsky, com a criação de um contexto ficcional para a uma
experimentação dramática – proposta pelo Drama – percebo que há uma
proximidade metodológica entre essas abordagens por ambas indicarem
240
a situação imaginária como um espaço propício à construção de
experiências diversificadas.
Tanto na brincadeira como no Drama a criança transfere para a
esfera ficcional as ações que gostaria da realizar se estivesse, de fato, em
condições de realizá-las de “verdade”. Em uma brincadeira de faz de
conta ela joga com questões reais desconstruindo-as, construindo novos
significados, assimilando novos saberes do mundo real, imaginando e
criando. Nesse espaço ela pode tanto ser a mãe ou a professora, quanto
navegar como pirata, viajar no tempo e espaço ou conhecer outros
planetas. A imitação, novamente, tem papel fundamental nesse processo,
ao desafiar as crianças a descobrirem outras ações possíveis de serem
realizadas84 a partir daquelas que elas realizaram ao imitarem outras
pessoas.
Vygotsky afirma que,
A brincadeira da criança não é uma simples
recordação do que vivenciou, mas uma
reelaboração criativa de impressões vivenciadas. É
uma combinação dessas impressões e, baseada
nelas, a construção de uma realidade nova que
responde às aspirações e aos anseios da criança.
Assim como na brincadeira, o ímpeto da criança
para criar é a imaginação (VYGOTSKY, 2009, p.
17).
Se levarmos em consideração que a base da criação para
Vygotsky é a “capacidade de fazer uma construção de elementos, de
combinar o velho de novas maneiras” (2009, p. 17), podemos
compreender que quanto mais experiências as crianças dispuserem em
seu repertório para serem acessadas e recombinadas em um ato de criação,
maiores serão as possibilidades de criarem.
Nesse sentido, é possível concluir que o conhecimento se amplia
e se desenvolve a partir das interações com o meio material, social e
cultural. Uma criança aprenderá sozinha a sustentar o corpo, a pegar
objetos, a caminhar, a correr (salvo se ela tiver alguma deficiência
motora) e caso seu professor não queira intervir nesse processo, ela “dará
um jeito”. Entretanto, se o professor dispuser de materiais de diferentes
texturas pra que ela toque, se ela engatinhar ou andar em diferentes
84 Cabe ressaltar que ao tratarmos da imitação não estamos nos referindo às atividades que pressupõem “cópia” de “modelos”, pelo contrário, é contra o modelo reprodutivo e mecânico de
teatro que estamos discutindo este trabalho.
241
espaços (dentro e fora da sala, reais e ficcionais), se ela correr dentro de
uma proposição lúdica, se ela imaginar diferentes soluções para um
problema, se ela imitar um animal, se ela fingir ser outra pessoa, entre
outras tantas possibilidades, acredito que seu desenvolvimento será mais
prazeroso, desafiador, estimulante e conectado com uma ampliação da
imaginação e criatividade.
Ao considerar o fato de que este trabalho propõe defender o
Drama como um encaminhamento metodológico para inserção da
linguagem teatral na Educação Infantil, percebo que ele pode se apropriar
desse espaço lúdico facilmente acessado pela criança e eixo das propostas
voltadas a esse segmento de ensino – a brincadeira – e, aos poucos,
promover uma aproximação com a linguagem teatral. Partir da
brincadeira de faz de conta, criando um contexto ficcional, ampliando a
materialidade que subsidiará o processo, propondo papéis e situações,
parece-me ser um caminho que respeita as especificidades dos processos
de desenvolvimento e aprendizagem infantis e insere o teatro como uma
linguagem prazerosa e instigante.
Penso que um professor comprometido com o fazer pedagógico
e que deseja que a criança se muna de experiências, promoverá uma
descoberta “de si” – criança – e “do mundo” por meio da ampliação de
proposições sensoriais, expressivas, corporais, artísticas que auxiliem no
desenvolvimento da subjetividade e do senso de coletivo, que respeitem
os ritmos e desejos da criança, favorecendo, desse modo “[...] a imersão
das crianças nas diferentes linguagens e o progressivo domínio por elas
de vários gêneros e formas de expressão: gestual, verbal, plástica,
dramática e musical [...]” (BRASIL, 2010, p. 25), como apontam as
diretrizes nacionais para a Educação Infantil.
5.2 REFLEXÕES SOBRE OS PROCESSOS
Para a análise dos processos realizados e reflexão sobre esses,
partirei das resposta que observei, nos períodos etários selecionadas, às
estratégias utilizadas com cada grupo etário no desenvolvimento das
experimentações. Essas respostas serviam para balizar a organização dos
futuros episódios os quais eram estruturados de acordo com a percepção
dos modos com as crianças interferiam e se envolviam nas propostas.
Como aporte teórico para refletir sobre cada período, utilizarei
os fundamentos da periodização do desenvolvimento infantil na
perspectiva histórico-cultural a partir de Vygotsky (2009, 2008, 1996,
242
1995, 1993) e seus colaboradores. Apropriar-me-ei também dos escritos
de Chalmers (2010), professora inglesa de Drama que trabalha com
crianças na faixa etária correspondente a da Educação Infantil brasileira,
propondo um diálogo com seu olhar sobre o Drama com crianças mais
novas.
5.2.1 Com crianças de 02 a 03 anos
A Psicologia histórico-cultural ou sócio histórica, com a qual
dialogo para refletir sobre as especificidades do trabalho com a linguagem
teatral nas etapas da Educação Infantil, nega a possibilidade de se analisar
o desenvolvimento psicológico da criança como um processo meramente
natural, caracterizado por fases ou estágios que se sucedem em uma
ordem fixa e universal. Autores como Vygotsky, Luria, Leontiev e
Elkonin possuem uma visão historicizadora do psiquismo humano. Tal
negação, entretanto, não os levou a abandonar a discussão sobre a
periodização do desenvolvimento85, ainda que, segundo Rego (2013), a
preocupação de Vygotsky não era elaborar uma teoria do
desenvolvimento.
Vygotsky explicita a subordinação dos processos biológicos ao
desenvolvimento cultural, demonstrando que “[...] a cultura origina
formas especiais de conduta, modifica a atividade das funções psíquicas,
edifica novos níveis no sistema do comportamento humano em
desenvolvimento” (1995, p. 34). Cada etapa do desenvolvimento infantil,
para esse autor, é caracterizada por uma atividade central que desempenha
a função de principal forma de relacionamento da criança com a
realidade86. Essa atividade será melhor desenvolvida e ampliada de
acordo com o entorno social da criança, por meio de práticas e
instrumentos que irão mediar as relações entre o sujeito e o objeto de sua
atividade, pois, para Vygotsky, “[...] a realidade social é a verdadeira
fonte de desenvolvimento [...]” (1996, p. 264) e, portanto, é por meio das
85 Suas proposições partem da análise do contexto sócio histórico da União Soviética no início
do século XX e, portanto, não devem ser transpostas de forma linear à realidade brasileira, o que
seria contrário aos pressupostos das obras desses autores. 86 Cabe ressaltar que as proposições de Vygotsky sobre a periodização do desenvolvimento
psíquico tem caráter inacabado devido a sua morte prematura, sendo essas discussões ampliadas
por seus companheiros de pesquisa citados anteriormente.
243
interações com essa realidade que a criança apreende a cultura e constrói
conhecimentos.
Na primeira infância, por exemplo, a função psicológica básica
é, para Vygotsky (1996), a percepção. Esse será o período propício,
segundo o autor, para o desenvolvimento, principalmente, da percepção
verbal, justamente por conta da linguagem se encontrar em processo de
maturação. Há também uma relação direta com a materialidade na busca
pela compreensão do significado dos objetos e das funções sociais desses.
Elkonin (1987) trata o período da primeira infância como o da
atividade objetal manipulatória, na qual tem lugar a assimilação dos
procedimentos elaborados socialmente de ação com objetos. Para que
ocorra essa assimilação, é necessário que os adultos mostrem essas ações
às crianças. A comunicação emocional do primeiro ano de vida da criança
cede lugar a uma colaboração prática em prol da ampliação da percepção
e do uso de objetos.
Há, nesse período, uma unidade entre a percepção afetiva (o que
a criança vê) e a ação. Os objetos induzem-na a ação – a porta a querer
abrir e fechar, a escada, a querer subir, o sino a querer tocá-lo. Segundo
Vygotsky, “[...] nas atividades da criança na primeira infância, a força
impulsionadora provém dos objetos e determina o comportamento dela”
(2008, p. 29), ou seja, a percepção dos objetos e suas funções são o
estímulo para a atividade.
A partir dessas duas referências – percepção e manipulação de
objetos – como atividades primordiais para a organização da atividade
psíquica, corporal e cultural da criança nesse período, teço algumas
reflexões sobre as escolhas das estratégias utilizadas na estruturação dos
processos de Drama com as crianças dessa faixa etária.
A percepção da criança se relaciona de forma direta com os
objetos contidos na esfera do real, e, portanto, a materialidade foi uma
estratégia central para os processos anteriormente apresentados, um
suporte para os trabalhos. O envio de cartas, o uso de caixas de estímulos
(contendo objetos, máscaras, instrumentos musicais), o trabalho com
músicas, adereços, figurinos, maquiagens, ambientações cênicas (com
diferentes luzes, sons, cheiros, texturas) contribuiu com a ampliação e
alteração da percepção das crianças e a criação de um vínculo entre esses
elementos e a linguagem teatral.
Ao explorarem os materiais e ambientes criados, incentivávamos
o surgimento de diferentes reações, emoções, interações e um primeiro
contato com a linguagem do teatro. Chalmers pontua que “auxílios visuais
[...] podem incentivar os mais tímidos e as crianças que não cooperam
244
muito a participar” (2010, p. 40, tradução nossa) pois, como indicado, a
percepção e exploração material induzem à ação.
Um ponto de partida comum a esses processos foi o uso da
contação de histórias, as quais desencadeavam curiosidades, comentários
e temas para a organização dos próximos episódios. Cabe perceber,
portanto, a estratégia da narração, prática comum na Educação Infantil,
como um suporte interessante para a vivência de atividades dramáticas e
sensoriais nesse período de formação da consciência. Como afirma
Vygotsky, o “[...] pensamento da criança evolui em função do domínio
dos meios sociais do pensamento, quer dizer, em função da linguagem”
(1993, p. 116). Ao propiciar, portanto, às crianças essa relação direta entre
linguagem, percepção e ação por meio do Drama – que buscava
materializar elementos da história narrada – o professor possibilitava a
aquisição de diferentes repertórios o que poderá ocasionar as evoluções
de pensamento, apontadas por Vygotsky.
A diferenciação do “eu” é também um processo que a criança
passa nesse período da vida. Acreditamos que ao trabalhar com os
bonecos (Espantalho, Pedrinho e Maria Cecília) em contato direto com as
crianças, visitando suas casas, interagindo nas atividades, contribuímos
também com essa diferenciação. Ao perceber o corpo do boneco, a
criança visualizava seu corpo, ao ver o professor cuidando do boneco e
interagindo com ele, as crianças alteravam a maneira como interagiam.
Ao utilizar os bonecos, buscávamos também incentivar a percepção da
diferença entre realidade e ficcionalidade – o boneco de mentira que na
brincadeira se transformava em boneco de verdade, porque as crianças
interagiam, cuidavam, conversavam, imaginavam situações utilizando-se
dele.
Outra questão importante de ser destacada no trabalho com essa
faixa etária foi a busca pela ampliação da expressividade infantil.
Chalmers aponta que “as crianças mais novas são naturalmente muito
expressivas e prontamente exibirão suas emoções para que todos possam
ver, particularmente quando estão animadas, descontentes ou tristes!”
(2010, p. 31, tradução nossa). Buscamos, portanto, explorar as
manifestações corporais de diferentes emoções e sensações que as
crianças sentiam.
Percebemos que o trabalho com a imitação, com a percepção de
sons e movimentos e as tentativas de reprodução desses geravam novas
criações. A partir da observação de imagens, buscando criar
movimentações, ambientes sonoros e situações ficcionais, gerou-se
momentos de interação e afetividade. Portanto, percepção, atividade
motora e afetiva mostraram-se interligadas nos processos.
245
A vivência de papéis, uma das convenções do Drama, foi
trabalhada também com ênfase na estratégia da imitação. A questão de se
colocar no lugar do outro, imaginando possibilidades para se resolver um
problema ou refletir a partir do ponto de vista do papel assumido,
obviamente não condiz com essa faixa etária. Para trabalhar com essa
convenção as propostas buscaram incentivar as crianças a imitarem
(animais, movimentos da natureza – ar, água, fogo –, caminhar como
bonecos, produzir os sons, entre outros). A vivência de papéis, portanto,
foi trabalhada a partir da imitação, da sensorialidade e do conhecimento
das possibilidades corporais.
Chalmers afirma que:
Na fase inicial de suas vidas, as crianças passam
grande parte do seu tempo aprendendo a controlar
o seu próprio corpo e explorando o que podem
fazer com ele. É importante que elas tenham tempo
suficiente e oportunidades para trabalhar e jogar
com seu corpo inteiro e desenvolver gradualmente
suas habilidades motoras. (CHALMERS, 2010, p.
41, tradução nossa).
Percebemos que dentro de uma proposta de Drama a questão
corporal pode ser acentuada porque ele permite a criação de um tempo e
espaço nos quais a criança, imersa em um ambiente de brincadeira e
ficcionalidade, pode explorar seu corpo de forma prazerosa e criativa.
Um aspecto central ao desenvolvimento da linguagem teatral que
me parece necessário focalizar com crianças de 02 a 03 anos é o espaço
para a fruição. Ao utilizarem das estratégias professor no papel ou
professor personagem os condutores dos processos contribuíam com a
percepção desse espaço de ficcionalidade que é instituído quando da
presença de um ser ficcional. Se o professor “veste” o papel ou
personagem na frente das crianças ele põe em evidência a relação entre
real e ficcional, tão necessária à assimilação da linguagem do teatro.
Além dessas estratégias, o professor pode construir cenas com
seus parceiros da unidade ou mesmo convidar atores para representar uma
cena para as crianças, o que aconteceu em alguns episódios dos processos.
Ao experimentarem ser plateia e interagir com esses seres ficcionais no
dia a dia, a possibilidade dessas crianças se habituarem a assistir, a fazer
de conta, a construir suas experiências dramáticas será, com certeza,
ampliada.
246
Por fim, utilizar-me-ei das opiniões das professoras condutoras
dos processos acima destacados para enfatizar as possibilidades do
trabalho com o Drama com crianças mais novas, justificando o trabalho
com essa faixa etária. Nas palavras de Maria Sônia (2014):
[...] o Drama pra mim é uma modalidade educativa
de empenho e planejamento intenso e que traz
experiências significativas em todas as faixas
etárias, não é só para o Ensino Fundamental e
crianças maiores de quatro anos. Eu acho que as
crianças pequenas também ganham muito com o
Drama [...]87.
E Danielle (2014) completa:
[...] por mais que a gente tenha feito numa faixa
etária menor e as coisas acontecem muito rápido,
são muito mais instantâneas, a gente conseguiu
fazer um processo, conseguiu dar uma sequência e
eu vi que o teatro acontece dessa forma também na
Educação Infantil, a gente tem que proporcionar
que as crianças tenham essa vivência, não pensar
no produto final, pensar na experiência como um
todo [...]88.
Pelas reflexões apresentadas sobre as práticas desenvolvidas,
pode-se perceber a ênfase dada a ampliação das percepções das crianças,
incentivando-as a tocar, a olhar, a sentir, a escutar, a provar, a cheirar,
aliando essas percepções à exploração da expressividade. A materialidade
utilizada buscava instigar as crianças à ação, à vivência de propostas
lúdicas estruturadas a partir do pré-texto tomado como referência, nas
quais desenvolviam-se habilidade motoras, de linguagem e pensamento.
Ao interagir com seres ficcionais diversos as crianças tiveram a
oportunidade de ampliar o contato com a linguagem teatral.
87 Trechos da entrevista por mim realizada no dia 30 de janeiro de 2014. 88 Trechos da entrevista por mim realizada no dia 10 de fevereiro de 2014.
247
5.2.2 Com crianças de 04 a 05 anos
Segundo Vygotsky (2008), o jogo ou a brincadeira como
atividade principal de relacionamento da criança com a realidade no
período pré-escolar, em torno de 03 a 06 anos. No jogo ou brincadeira,
ocorre a criação de uma situação imaginária na qual os participantes
dessas atividades relacionam-se de forma a sustentarem esse espaço
ficcional, interagindo por meio de um acordo comum (explícito ou
implícito) de que o que se passa nesse espaço pertence à esfera da ficção.
O que não significa, como aponta Vygotsky “[...] que a criança entenda
por si mesma os motivos pelos quais a brincadeira é inventada e também
não quer dizer que ela o faça conscientemente” (2008, p. 24), ou seja, em
muitos momentos a criança brinca sem ter consciência dos motivos que
geraram a brincadeira, agindo de forma a organizar desejos irrealizáveis
na esfera do real.
Segundo Vygotsky,
Na idade pré-escolar, surgem necessidades
específicas, impulsos específicos que são muito
importantes para o desenvolvimento da criança e
que conduzem diretamente à brincadeira. Isso
ocorre porque, na criança dessa idade, emerge uma
série de tendências irrealizáveis, de desejos não-
realizáveis imediatamente. Na primeira infância, a
criança manifesta a tendência para a resolução e a
satisfação imediata de seus desejos (VYGOTSKY,
2008, p. 25).
Elkonin (1987) aponta que uma das principais categorias de
jogos realizadas nesse período é o jogo de papéis, nos quais as crianças,
de uma maneira geral, fazem de conta que são outras pessoas. Ao brincar,
vivenciando papéis que a criança encontra no seu cotidiano (real ou
mediado por materiais como livros, filmes, imagens), ela pode buscar a
realização de atividades dos adultos, as quais não poderia por conta de
sua idade – como dirigir, ser mãe, professora; ou experimentar situações
que pertencem apenas ao universo da ficção – como ser super-herói, príncipes e princesas, voar, viajar à Lua.
Nesse espaço de ficção ela busca também assimilar ações sociais
ligadas à realização de tarefas – estudar, cuidar da casa, trabalhar; e
compreender as relações sociais, mediante a reprodução das formas como
os adultos se relacionam – trocando carícias, brigando, discutindo,
248
estabelecendo hierarquias e relações de poder. Como aponta Leontiev, a
criança tenta “[...] integrar uma relação ativa não apenas com as coisas
diretamente acessíveis a ela, mas também com o mundo mais amplo, isto
é, ela se esforça para agir como um adulto” (2001, p. 121), por isso a
vivência de papéis é fundamental nesse período tanto para a
experimentação de ações irrealizáveis quanto para a assimilação dos
códigos sociais.
O meio social e cultural no qual a criança se desenvolve, será,
portanto, a matéria-prima para suas brincadeiras. Se esse meio oferece
relações interpessoais de afeto, cuidado e respeito, essas relações
aparecerão nas brincadeiras infantis. Se o entorno cultural oferece
referências diversificadas no que diz respeito ao contato com
manifestações culturais, a partir de um repertório variado de músicas,
filmes, objetos, histórias, livros, apresentações artísticas, entre outros,
maior será o quadro de referências que a criança poderá se apoiar para o
desenvolvimento de suas brincadeiras.
Chalmers afirma que:
[...] a dramatização com papéis pode ajudar na
preparação ou recuperação de experiências difíceis
ou preocupantes, dando-lhe [à criança] a
capacidade de ‘seguir em frente’ e utilizar as novas
habilidades para lidar com essas situações mais
facilmente no futuro (CHALMERS, 2010, p. 13,
tradução nossa).
Essa questão, apontada pela autora, pode ser observada, por
exemplo, quando um familiar de alguma criança falece e percebe-se que
há uma alteração no comportamento dela. Um processo de Drama pode
se apropriar dessa situação e buscar maneiras de discuti-la dentro de sua
estrutura. Ajudando, dessa forma, a criança a lidar com o ocorrido e
expressar seus sentimentos.
No que diz respeito à linguagem teatral, percebe-se na
brincadeira, principalmente com papéis, um terreno profícuo para o
estabelecimento de propostas de vivência dramática que auxiliem as
crianças a compreender esse espaço da ficção e do fazer de conta que é
outra pessoa, como uma convenção do teatro. Além da vivência de papéis, nesse período do desenvolvimento
infantil a criança deixa, aos poucos, de se relacionar com o cotidiano
imediato, para agir a partir de suas ideias e de sua crescente imaginação,
como aponta Vygotsky, “[...] a ideia separa-se do objeto e a ação
249
desencadeia-se da ideia e não do objeto [...]”. (2008, p. 30). Os objetos
deixam de ser explorados em busca da compreensão de sua utilidade,
como acontecia no período anterior, mas, por exemplo, “[...] um pedaço
de madeira começa a ter o papel de boneca, um cabo de vassoura torna-
se um cavalo [...] (VYGOTSKY, 2008, p. 30)”, ou seja, a ideia separa-se
do objeto e a ação da criança é motivada mais por seu pensamento do que
pelo próprio objeto.
Esses foram os pontos principais que nós apoiamos na realização
dos processos de Drama com as crianças com idades entre 04 e 05 anos:
a vivência de papéis (pelas crianças e pelos professores) e o uso de
materiais que contribuíssem com a instauração dos contextos de ficção.
Os processos de Drama, com essa faixa etária, buscaram
estruturar vivências dramáticas mais elaboradas, que pudessem provocar
uma maior imersão nos contextos ficcionais propostos. No experimento
04, por exemplo, pode-se observar o engajamento das crianças ao se
transformarem em piratas, suas contribuições para o desenrolar do
processo, suas curiosidades e sua imaginação agindo de forma ativa no
encaminhamento da proposta.
Por possuírem mais referências culturais, as crianças conseguiam
tomar mais decisões e preencher as propostas com suas criações, além de
discutirem com os demais as diferentes percepções e opiniões sobre um
desafio. Elkonin (1987) aponta que o principal significado do jogo é
permitir que a criança modele as relações entre as pessoas. Dentro do
Drama, portanto, além da assimilação da linguagem teatral, a questão da
interação e respeito à opinião do outro, pode ser acentuada.
Diferente dos mais jovens, que lidam de forma real com os
objetos e personagens, nessa faixa etária é possível perceber o
desenvolvimento da compreensão de que é o professor quem está vestindo
um personagem, mas isso não impede que a criança embarque na proposta
e brinque de fazer teatro.
A mediação dos condutores como professores no papel ou
professores personagens foi de fundamental importância para a
construção dessa convenção teatral. Nas observações que realizei
constatei que ao perceberem o professor alterando sua imagem, sua voz,
seu corpo, as crianças passaram a explorar também seus corpos e vozes e
a vivenciar de forma mais intensa e consciente os papéis propostos no
Drama. Nas avaliações descritivas realizadas pelos condutores, eles
também apontaram a percepção dessa ação mediadora (construção do
papel/personagem na frente das crianças) como um aspecto que
contribuía com a criação de seres ficcionais por parte das crianças.
250
A corporeidade, portanto, continuou evidenciada, mas para além
da imitação, como acontecia nos primeiros experimentos com crianças de
02 a 03 anos. No experimento 05, por exemplo, o condutor – professor de
Educação Física – buscou criar situações nas quais as crianças pudessem
explorar seu corpo, realizar uma atividade corporal, mas dentro do
contexto ficcional do Drama, fazendo com que o trabalho com a Educação
Física não fosse algo deslocado da realidade da Educação Infantil,
distante da brincadeira e da ludicidade.
Ainda que eu tenha pontuado o trabalho da Educação Física, não
significa que os demais profissionais não possam trabalhar a questão da
corporeidade em seus processos. A criança movimenta-se o tempo todo,
seu corpo é o canal de percepção do mundo e o meio de expressão de suas
ideias. Ao propor a vivência de papéis, naturalmente pode-se explorar a
corporeidade: como um pirata fala? Como a aranha se desloca? O que os
detetives fazem para encontrar pistas? Como uma tripulação se comporta
em uma viagem de barco? Essa é, também, uma contribuição do teatro
para a Educação Infantil: incentivar o uso expressivo e criativo do corpo.
A questão da materialidade foi ampliada com esta faixa etária.
Enquanto com as crianças mais novas (02 e 03 anos) os materiais eram
utilizados com ênfase na ampliação das percepções sensoriais e da
manipulação dos mesmos, com os grupos de 04 e 05 anos a materialidade
era um suporte para o engajamento na ficção. As cartas e vídeos que eram
enviados para as crianças, os objetos dos personagens, as pistas
encontradas, os adereços, as ambientações cênicas e sonoras, auxiliavam
a imersão das crianças no contexto dramático e a concentração na
realização das atividades.
Como aponta Chalmers:
As crianças mais novas podem se concentrar por
longos períodos de tempo se eles estão interessados
no que estão fazendo e apreciando explorar uma
atividade, mas sua capacidade de atenção pode ser
breve e, se eles ficarem entediados, eles serão
incapazes de aprender ou desenvolver habilidades
ou manter o tipo e nível de comportamento que
permita ao grupo trabalhar de forma conjunta.
(CHALMERS, 2010, p. 48, tradução nossa).
Assim como a criança se utiliza do brinquedo como um suporte
para a brincadeira, ela se apropria dos materiais oferecidos pelo professor
como elementos que desencadeiam a criação do faz de conta, e, no caso
251
do Drama, do contexto ficcional, não usando necessariamente o objeto na
sua real função, mas a partir da imaginação que se projeta no objeto. A
qualidade do material oferecido contribuirá com a concentração e
engajamento das crianças na proposta.
Neste período do desenvolvimento infantil a capacidade da
criança de criar situações fictícias possibilita ao professor desenvolver
processos com os mais diversos temas, propondo diferentes experiências,
ampliando as referências culturais, linguísticas, literárias, imagéticas, da
criança. Por conta da linguagem oral estar também em um processo mais
amadurecido, a criança consegue exprimir suas opiniões, dúvidas,
curiosidades e se colocar de forma mais ativa na investigação além de
facilitar as interações. Como afirma Chalmers, “[...] inventar uma
história, fingir ser um personagem ou um animal, participar de uma dança
ou música conjuntamente e compartilhar risadas são coisas amigáveis
para fazer” (2010, p. 21, tradução nossa), essas atividades, quando
colocadas no contexto do Drama, ampliam o estabelecimento de relações
entre as crianças.
O espaço fictício da brincadeira, a vivência de papéis, o uso dos
objetos de forma lúdica, a crescente expressividade e a capacidade de
comunicação são aspectos que, por um lado contribuem com a
assimilação da linguagem teatral e por outro, podem ser ampliados por
meio do uso consciente e adequado dessa linguagem a favor de um
desenvolvimento mais criativo e expressivo das crianças. Como afirma
Vygotsky, “[...] do ponto de vista do desenvolvimento, a criação de uma
situação imaginária pode ser analisada como um caminho para o
desenvolvimento do pensamento abstrato” (2008, p. 36), esse pensamento
abstrato é tão importante para a assimilação de diferentes linguagens,
quanto para o amadurecimento psíquico e intelectual da criança.
5.2.3 Com crianças de 05 a 06 anos
As crianças de 05 a 06 anos encontram-se num momento de
transição, deixando o espaço da Educação Infantil e direcionando-se para
o Ensino Fundamental, no qual, é sabido, os conhecimentos encontram-
se distribuídos em disciplinas específicas. Começam as aulas “de” cada
disciplina; nos primeiros anos ainda com uma professora e nos anos
posteriores com profissionais das linguagens específicas que, em geral,
não dialogam seus saberes, seguindo, cada um, o seu conteúdo
programático.
252
Ao entrar na escola, a atividade principal da criança deslocar-se-
á, segundo Leontiev (2001) da brincadeira para o estudo. A brincadeira
não será completamente abandonada, mas a atividade organizadora da
relação da criança com o mundo, passará a ser o estudo. Por um lado,
porque a própria estrutura da escola exigirá isso da criança e, por outro,
porque a pressão familiar girará em torno de saber o que a criança está
aprendendo na escola.
Essa pressão por uma preparação para o Ensino Fundamental
acaba repercutindo no espaço da Educação Infantil. Ainda que, cada vez
mais, a Educação Infantil busque se afirmar como um segmento
diferenciado daquele, superando a visão compensatória que
tradicionalmente carrega, os profissionais da Educação Infantil,
sobretudo aqueles que trabalham com crianças maiores, criam, muitas
vezes, um dilema entre trabalhar com conteúdos ou com atividades
lúdicas, como se esses espaços não pudessem se complementar e construir
uma experiência mais significativa para as crianças.
No experimento 07 temos justamente esse contexto apresentado
pela condutora do processo – de que as crianças queriam aprender a ler e
a escrever. Como tenho defendido neste trabalho, a experiência com o
Drama pode se utilizar de diversos conteúdos, sobretudo aqueles de
interesse das crianças para construir o processo dramático. Aproveitar o
interesse pessoal e social pela descoberta de novos conhecimentos, que
fica latente nesse período, é uma possibilidade.
Como este estudo desenvolve-se a partir do terreno do teatro
busco enfatizar as questões teatrais quando do trabalho com o Drama,
entretanto, corroboro com as preocupações de que, no espaço da
Educação Infantil, os saberes não sejam trabalhados de forma
fragmentada e busco, justamente, aliar os conhecimentos teatrais àqueles
advindos das demais áreas.
Questões como a história da escrita, as diferentes formas de
comunicação, lendas de diferentes países, alfabetização, distâncias
geográficas, conhecimentos sobre diversos animais e plantas, contato com
obras visuais, com manifestações artísticas e culturais de outros povos,
foram trabalhados de forma conjunta com a experiência dramática e com
a assimilação de aspectos da linguagem teatral, em todos os processos,
mas, sobretudo, naqueles realizados com as crianças de 05 a 06 anos.
Vygotsky aponta a perda da espontaneidade infantil na medida
em que a criança é inserida no contexto escolar. Segundo ele, “a perda
da espontaneidade significa que incorporamos à nossa conduta o fator
intelectual que se insere entre a vivência e o ato direto” (1996, p. 378), ou
seja, na medida em que envelhecemos passamos a racionalizar mais
253
nossas atitudes e expressões frente a uma vivência – dramática, artística,
corporal, social – do que a criança.
A incorporação do fator intelectual leva, por exemplo, muitos
profissionais a usarem o discurso de que a criança é mais criativa do que
o adulto. A criança é, em geral, mais espontânea, mas, como a criatividade
está diretamente relacionada a quantidade de referências – visuais,
literárias, vivenciais, relacionais, de experiência de vida –
consequentemente, o adulto possui maior capacidade criativa do que a
criança.
Essa ideia é ratificada por Vygotsky ao afirmar que “[...] a
imaginação se apoia na experiência; como a experiência se apoia na
imaginação [...]” (2009, p. 09), ou seja, quanto mais experiências
possuirmos, maior será nossa capacidade de imaginar; e quanto mais
imaginamos mais experiências podemos desenvolver. Se a imaginação é
a base de toda atividade criadora, como afirma Vygotsky (2009), quanto
mais trabalhamos com a imaginação, maiores as possibilidades de criação
artística, científica ou técnica.
Como a criança entre 05 e 06 anos possui mais referências do que
as crianças das faixas etárias anteriores, as questões teatrais puderam ser
trabalhadas de forma mais aprofundada com essa faixa etária. Ficou
evidente a consciência, por maior parte das crianças dessa idade, de que
as propostas do Drama eram realizações do universo ficcional e que,
portanto, elas estariam fazendo de conta, imaginando as situações e papéis
propostos pelos condutores. Essa consciência fez com que aspectos da
linguagem teatral, como a improvisação das situações propostas,
ganhassem maiores dimensões, justamente porque as crianças
conseguiam emergir no universo ficcional apropriando-se desse lugar. A
questão dos limites entre real e ficcional pode ser discutida e apropriada
pelas crianças nesse período do desenvolvimento.
Muitas crianças aos 05 ou 06 anos possuem alguma referência de
apresentação teatral, por terem assistido a um espetáculo no espaço da
creche ou com suas famílias, ou mesmo, os pais lhes falaram que o filme
ou a novela “é de mentira” e, portanto, elas utilizam esse conhecimento
sobre ficcionalidade ao se apropriarem do teatro. Em muitos momentos,
consequentemente, as crianças aliam o trabalho com elementos teatrais
com a questão da apresentação e muitas pedem para se apresentar para
outras crianças – este é outro aspecto que pode ser trabalhado com essa
faixa etária, desde que a ideia de apresentação tenha sido compreendida
pelo grupo de crianças.
Se as crianças possuem referências teatrais elas conseguem
acessá-las em discussões sobre o teatro caso elas não possuam, o
254
professor necessita proporcionar essa experiência para que possa, em um
outro momento, analisá-la com as crianças e construir essa dimensão da
linguagem teatral que é a comunicação com uma plateia.
Sei que em muitas Unidades de Educação Infantil (e em outros
segmentos também) tem-se a dificuldade de levar um grupo teatral para
se apresentar ou de levar as crianças a um teatro – ressaltando que são
experiências totalmente diferentes, estar num teatro e assistir a um
espetáculo na própria creche, penso que ambas sejam necessárias à
criança. Por meio do Drama, entretanto, a utilização da estratégia do
professor personagem, contribui, em parte, com a construção desse
espaço de interação da criança com o ser ficcional, de fruição de uma
atividade artística e da ampliação das referências da criança sobre teatro.
Outros aspectos que ficam mais evidentes com crianças mais
velhas é a utilização de desafios e problemas para serem resolvidos. As
crianças, por sua maturação psicológica, conseguem imaginar possíveis
ações, escolher opções, discutir possibilidades e tomar decisões
conjuntas; uma vez que a linguagem oral está em pleno desenvolvimento,
elas conseguem comunicar suas percepções, trazer suas vozes para o
processo, contribuindo de forma mais efetiva com a construção da
narrativa em processo e com a experiência dramática como um todo.
Sobre este aspecto, Chalmers aponta algumas posturas necessárias ao
condutor:
[...] aceite e destaque todas as ideias de forma igual,
mesmo se uma criança é ajudada por um adulto a
pensar ou falar, mas perceba especialmente quais
as crianças que pensam coisas novas e quais
tendem a copiar a criança do lado ou a ideia da
criança mais popular ou ainda de sua melhor amiga.
Encontre oportunidades para destacar e estimular
as crianças mais imaginativas e espere que cada vez
mais o grupo possa gradualmente tentar imitá-las
trazendo novas ideias. (CHALMERS, 2010, p. 74,
tradução nossa).
Um situação ocorrida no processo 07 pode exemplificar a
questão da tomada de decisões. As crianças, antes de encontrarem com o
gênio da lâmpada, decidiram coletivamente sobre os 03 pedidos que
fariam para ele (por suas referências anteriores elas sabiam que teriam
direito a 03 pedidos quando encontrassem o gênio). A condutora, que
estava grávida, teve a ideia de, no momento do terceiro pedido, fingir
passar mal, para ver se alguma criança sugeriria trocar o terceiro pedido
255
pela “melhora” da professora. Foi o que aconteceu, ao verem a professora
passando mal uma criança pediu para o gênio “curá-la” e o gênio fez um
acordo com as crianças que esse seria o terceiro pedido. Por mais simples
que seja esta situação, houve um dimensão ética sendo trabalhada com as
crianças e que foi discutida posteriormente. A partir de desafios como
esse outras questões éticas, políticas, sociais, podem ser exploradas nos
processos de Drama.
O uso da linguagem evidencia-se também nas propostas que
trabalham com contação e criação de histórias. As crianças entre 05 e 06
anos, por possuírem mais referências como apontado anteriormente,
tornam-se menos passivas na construção dos universos ficcionais e
trazem mais contribuições à narrativa, além de conseguirem discutir,
posteriormente, as situações que ocorreram no processo e suas percepções
sobre essas.
Nos 05 anos de trabalho dos profissionais da Trupe da Alegria
com a linguagem teatral, desenvolvendo projetos e ações nas unidades,
temos percebido que se o processo de trabalho com a linguagem teatral
inicia-se com as crianças mais novas vivenciando diferentes percepções,
manipulando objetos, depois assistindo personagens, construindo papéis
ficcionais, no período final da Educação Infantil, elas passam a se
apropriar da linguagem teatral e participam de forma mais ativa e
autônoma em processos de criação artística.
As crianças entram na Educação Infantil com diferentes
habilidades desenvolvidas, possuidoras de diversos níveis de referências
e experiências. Como aponta Chalmers, “[...] nossa tarefa é garantir que
cada uma tenha a oportunidade de progredir um pouco mais antes de
passar para a próxima etapa do ensino” (2010, p. 75). Penso que as
crianças que experimentarem a linguagem teatral de forma prazerosa na
Educação Infantil terão menos resistência ao teatro no Ensino
Fundamental e poderão, ao menos, tornarem-se espectadores que
valorizem essa arte, ou, quem sabe, usem essa linguagem como forma de
expressão.
5.3 ANÁLISE GERAL DOS PROCESSOS
Em Imaginação e criação na infância (2009), Vygotsky, ao tratar
do ato criativo da criança, aponta a dramatização e a criação verbal como
os tipos de produção infantis mais frequentes e difundidos. Nesse sentido,
pode-se compreender a experiência com a linguagem teatral como uma
256
ação intimamente relacionada com a capacidade expressiva e
comunicativa da criança.
Nos 09 processos de Drama apresentados nesta tese e nas
reflexões realizadas sobre cada grupo etário apresentado, busquei abordar
as possíveis relações entre os processos de desenvolvimento infantil e os
diferentes aspectos da linguagem teatral trabalhados em cada período.
Nos processos com crianças de 02 a 03 anos, a linguagem teatral
se aproximou do desenvolvimento da percepção, propondo vivências que
pudessem afetar as sensações das crianças, oferecendo-lhes diferentes
materiais (visuais, sonoros, táteis) para serem manipulados e
experimentados, gerando situações de imitação e expressão corporal e
vocal. A presença de papéis ficcionais em conjunto com a narração de
histórias contribuiu com a iniciação das crianças no processo de
assimilação do espaço ficcional próprio do Drama e do teatro.
Segundo Vygotsky, “[...] o drama baseado na ação – na ação
realizada pela criança – é mais íntimo, mais ativo e relaciona de maneira
direta a criação artística com a vivência pessoal [...]” (2009, p. 97),
justamente porque ao dramatizar, a criança se utiliza das impressões
coletadas do ambiente circundante, por meio da imitação, transpondo-as
a situações e ambientes que a vida não lhe apresenta, ou seja, imaginando
tais situações e recriando-as em suas brincadeiras. Aproveitar o espaço de
dramatização e construir em conjunto com a criança um ambiente
propício à vivência da linguagem teatral foi um aspecto fundamental para
o trabalho.
Com as crianças de 04 a 05 anos a ênfase foi colocada na vivência
de papéis e na criação de situações que buscassem ampliar o repertório
expressivo, criativo e cultural das crianças. Aproveitamos as brincadeiras
de faz de conta para construir com as crianças o conhecimento sobre a
semelhança dessas com a linguagem teatral. A construção de papéis
ficcionais na frente das crianças evidenciando justamente este lugar
fictício no qual o professor/condutor se transforma em um papel ou
personagem foi percebido como uma estratégia primordial para a
apropriação da linguagem teatral por essas crianças.
Além da ação direta realizada pela criança no momento em que
dramatiza, outro motivo que a aproxima da criação dramática, segundo
Vygotsky, é a relação de tal criação com a brincadeira. O autor ratifica
essa ideia ao afirmar que “[...] o drama está diretamente relacionado à
brincadeira, mais do que qualquer outro tipo de criação. Por isso, é mais
sincrético, ou seja, contém em si, elementos dos mais variados tipos de
criação” (2009, p. 99), pois nessa brincadeira dramática, a criança
congrega, numa só pessoa, segundo essa autor, “[...] o artista, o
257
espectador, o autor da peça, o decorador e o técnico.” (2009, p. 100) e
portanto, o Drama, ao se utilizar de outras linguagens e conhecimentos e
do espaço da brincadeira, pode ser um eixo estruturante dos projetos
pedagógicos da Educação Infantil.
A relação com os diversos conteúdos e linguagens evidencia-se,
ainda mais, nos experimentos desenvolvidos com crianças entre 05 e 06
anos, grupos nos quais, como apontado anteriormente, há uma maior
pressão social quanto a passagem das crianças ao Ensino Fundamental.
Como acentuado ao longo do texto, o Drama pode agregar diferentes
temáticas e eixos curriculares dentro de sua estrutura. O foco central é o
trabalho com a linguagem teatral, mas os demais conhecimentos e
linguagens interagem com a experiência dramática de acordo com os
objetivos pedagógicos do professor. O Drama como encaminhamento
metodológico, portanto, possibilita o trabalho interdisciplinar, típico
desse espaço da educação.
Nesse sentido, para não distanciar este trabalho das discussões
realizadas pelos profissionais da Educação Infantil quanto à segmentação
de conhecimentos, busquei me apropriar das indicações contidas nos
Núcleos de Ação Pedagógica (NAPs) propostos pela Diretoria de
Educação Infantil de Florianópolis. Nos processos que abrem cada bloco
de experimentos apresentei as relações com as áreas das linguagens, das
relações sociais e culturais, com a natureza e matemática, porque julgo
importante não ignorar a caminhada que esse segmento de ensino tem
feito em direção a estruturação de um currículo para a Educação Infantil
que respeite as especificidades da infância. A ideia é agregar, colocando
a linguagem teatral como um conhecimento que possa dialogar com os
demais conhecimentos.
Um aspecto importante de ser destacado é a exploração da
expressividade infantil, a ampliação do repertório corporal e vocal das
crianças. Em alguns processos de Drama que pude acompanhar no
National Drama International Conference 2013 em Londres e em outros,
desenvolvidos na Inglaterra, dos quais li relatos e analisei as estruturas89,
percebi a ênfase dada aos aspectos intelectuais: a análise da história, a
escolha de alternativas para a resolução de um problema, tomada de
posição, a construção de um discurso, entre outras. As dimensões que o
89 Drama – a handbook for primary teachers (1994), de Geoff Readman e Gordon Lamont; Drama Pathways (1991), de Jill Harris; Stimulating Drama – Cross Curricular Approaches to
Drama in the Primary School (1991), de Patrice Baldwin; Reaching out through Drama (1991),
de Wendy Alcock; Drama Strategies – new ideas from London Drama (1991), de Ken Taylor; Drama Works (1989), de Trevor Freeborn e alguns exemplares da National Drama’s magazine
of professional practice.
258
Drama tomou no Brasil, ao ser apropriado por cursos de licenciatura em
Teatro e por pesquisas na área teatral, acabaram criando uma ênfase na
criação corporal e vocal dos papéis tanto dos participantes quanto dos
professores.
No âmbito da Educação Infantil, no qual a assimilação do mundo
perpassa o corpo da criança e as percepções, sensações e emoções das
crianças são os mecanismos de construção de conhecimento sobre o
mundo e sobre si, penso que a dimensão corporal necessita ser observada
e trabalhada pelo condutor de qualquer atividade pedagógica. No caso
específico da linguagem teatral, buscamos enfatizar o corpo em todos os
processos de Drama desenvolvidos. Como aponta Vygotsky, “[...] a
imagem criada com elementos da realidade encarna-se e realiza-se de
novo na realidade [...]” (2009, p. 98), pois o corpo é o lugar de exercício
e realização das ações imaginadas pelas crianças.
Em relação ao trabalho corporal, Chalmers aponta que: “[...]
através do Drama, as crianças podem vir a conhecer seus corpos e o que
podem fazer com eles muito bem” (2010, p. 28, tradução nossa). Dentro
de suas propostas os condutores podem desafiar as crianças a descobrirem
seu corpo, como observa a autora, elas podem aprender “[...] a andar,
correr, saltar, pular, andar na ponta dos pés, deslizar, dar passos gigantes
ou pequenos, dançar, rastejar, engatinhar, rolar, parar e congelar” (2010,
p. 28, tradução nossa) e esse é um aprendizado importante, ligado à
expressão corporal, ao teatro e a própria descoberta de si.
É importante destacar que o trabalho pedagógico com as
linguagens artísticas não visa a formação de artistas ou o desenvolvimento
técnico de habilidades, como acaba acontecendo quando muitos
profissionais encaminham suas atividades para a criação de produtos ou
reproduções estereotipadas de modelos tradicionais de teatro, mas para
que a criança construa conhecimentos sobre o teatro enquanto forma de
expressão artística e utilize tais conhecimentos de acordo com seus
desejos. Chalmers afirma:
Se as crianças são acostumadas a se colocarem
diante dos outros com frequência a partir de uma
idade muito jovem, seja falando, cantando,
dançando ou atuando de qualquer outra forma, elas
serão capazes de usar essas habilidades em
qualquer situação em que se encontrarem mais
tarde [...] (CHALMERS, 2010, p. 17, tradução
nossa).
259
Ainda que o foco do Drama não esteja no produto, a
improvisação de situações diversas leva as crianças a construírem
experiências sobre o teatro e essas podem ser compartilhadas,
posteriormente, com uma plateia. É possível, segundo O’Neill, com base
em algum tipo de registro, viabilizar a reutilização do “texto latente do
Drama-Processo” (1995, p. 32, tradução nossa) como tema gerador de
outros eventos improvisados. O desafio do condutor é, em uma vivência
compartilhada com uma plateia, manter a autonomia da criança, o prazer
em realizar a atividade dramática com a presença do outro.
Pode-se, a partir dos fatos ocorridos em cada episódio ou em um
episódio específico que fora mais marcante para as crianças, organizar-se
uma espécie de roteiro, com esboços de situações experimentadas
anteriormente pelas crianças, e propor uma nova experimentação
dramática, mas desta vez, compartilhando com uma plateia. Essas
vivências dramáticas com plateia, como denominamos, podem ser
seguidas de conversas sobre o que aconteceu, discutindo-se a ideia de
apresentação de um produto gerado a partir de uma experiência concreta
da criança expressando-se através da linguagem do teatro.
Os experimentos 01, 04, 05 e 08 propuseram, ao final dos seus
processos, uma vivência dramática com a presença de uma plateia, o que
foi bastante interessante por conta de percebermos as crianças como
protagonistas da atividade, mantendo o mesmo entusiasmo que tinham ao
experimentarem as situações durante o processo. Essas vivências
compartilhadas também foram importantes por terem gerado discussões
entre os profissionais das unidades sobre novas possibilidades de
trabalharem com a linguagem teatral.
No que diz respeito às temáticas abordadas nos processos, muitas
delas tiveram relação direta ou indireta com o espetáculo que a Trupe
produziu no ano de 2013 – Navegando a terras distantes – no qual as
crianças eram convidadas a navegarem pelos 05 continentes, encontrando
diferentes culturas e manifestações artísticas. A ideia era aproveitar, nos
processos de Drama, alguns materiais pesquisados para o espetáculo
(histórias, contos, músicas, danças) e mesmo os personagens (Gênio,
Boneca, Pedro Álvares Cabral, Índia, entre outros).
O processo de construção do espetáculo contribuiu também para
ampliar o repertório dos profissionais acerca dos temas de seus processos,
assim como sua experiência com a linguagem teatral. Esse trabalho
artístico tinha ressonância direta na maneira como trabalhavam com o
Drama. Percebemos a conexão existente entre a experiência artística dos
professores e seus projetos pedagógicos.
260
Tínhamos como objetivo também que as crianças participantes
dos processos de Drama ao assistirem o espetáculo da Trupe possuíssem
algumas referências (trabalhadas nos processos) que pudessem aproximá-
las das cenas, aproximando também a experiência estética da construção
de conhecimentos.
Outros temas partiram de um diálogo com os projetos existentes
nas unidades: sobre horta, alimentação saudável, literatura, manifestações
culturais brasileiras, cultura local, alfabetização, entre outros. É
interessante destacar que mesmo concluídos os processos de Drama os
seus temas permaneceram guiando as atividades pedagógicas ao longo do
ano, dando origem a outras atividades e mesmo a outros projetos. Isso se
deu por conta do interesse apresentado pelas crianças de explorarem ainda
mais os temas e por conta da estrutura diferenciada de construção de
conhecimentos que o Drama apresenta, fazendo os participantes
experimentarem as situações ao invés de aprenderem algo de forma
mecânica, distanciada da experiência vivencial.
Buscamos também, em alguns processos, quebrar certos
estereótipos em relação a figuras pertencentes ao imaginário infantil. No
processo 01, por exemplo, o Lobo não aparece com um ser malvado, mas
como um animal que está fraco porque só come arroz e ele pede ajuda às
crianças. No processo 05, a figura da Bruxa aparece também como
alguém que quer se aproximar das crianças e deixa sua aranha para ser
cuidada enquanto ela realizará algumas viagens.
Quebrar esses estereótipos é ampliar o olhar das crianças sobre a
própria humanidade e sobre os padrões de comportamento que
reproduzimos no ambiente educacional. Por que a Princesa deve ser
sempre a “mais bonita”, qual o padrão de beleza instituído e reproduzido?
Por que os meninos são sempre os mais corajosos e as meninas as
“donzelas” em perigo? Que padrão de gênero estamos instituindo com
frases como: “menino não chora” e “menina não sobe em árvores, menina
brinca de casinha”? Penso que o educador necessita estar atento aos
conteúdos, ocultos ou não, que permeiam seu trabalho pedagógico e que
influenciam na construção da identidade e caráter da criança, para isso, o
professor necessita refletir sobre suas opiniões e preconceitos.
Alguns aspectos quantitativos podem ser destacados acerca dos
09 experimentos:
A distribuição geográfica das creches – houve uma preocupação
com a distribuição dos processos em diferentes regiões. Foram
02 creches do norte da ilha, 02 da região central (incluindo
periferia), 02 na região sul, 02 na parte continental e 01 no leste
261
da ilha. Ao distribuir os processos tínhamos como intenção
disseminar também a proposta de trabalho com o Drama na rede
de Educação Infantil e “contaminar” o máximo de instituições e
profissionais com o nosso trabalho.
O número de crianças envolvidas – nos processos com a faixa
etária entre 02 e 03 anos 45 crianças participaram; entre 04 e 05,
71 crianças e na faixa dos 05 a 06 anos, foram 74 crianças. Ao
total, 190 crianças tiveram a experiência de trabalhar com a
linguagem teatral, de acordo com as especificidades de suas
faixas etárias. Com certeza o olhar das crianças para a teatro foi
ampliado e construído de maneira respeitosa, participativa e
criativa.
O número de profissionais envolvidos – além dos 15 membros da
Trupe (09 condutores dos processos, 03 parceiros na estruturação
e 03 representando personagens) foram envolvidos diretamente
19 profissionais que atuavam nos grupos com os quais os
processos foram desenvolvidos, 15 profissionais das unidades
foram envolvidos de forma indireta representando papéis ou
personagens e 05 pessoas (atores, dançarinos, estagiários) foram
convidados a participar de algum momento dos processos. Ao
todo, 54 profissionais participaram desta pesquisa e puderam
ampliar também seu repertório de possibilidades de trabalho com
a linguagem teatral na Educação Infantil.
Tempo de participação na Trupe – a maior parte dos membros
da Trupe que conduziram processos tinha um experiência com a
linguagem teatral de cerca de 03 anos, apenas uma professora
estava na Trupe a 01 ano. Ou seja, os profissionais que
conduziram os processos estavam munidos de experiências
teatrais e discussões sobre o trabalho com essa linguagem na
Educação Infantil por conta de sua participação nesse grupo de
teatro e estudo. Assim, a formação em serviço ou continuada
ganha destaque como um meio para o professor poder ampliar
seu repertório e sua experiência, principalmente sobre as
linguagens específicas e mais ainda sobre as linguagens das
Artes, que sabemos, são pouco trabalhadas na sua formação
inicial.
Um último ponto que gostaria de abordar diz respeito à
apropriação de manifestações da cultura local, no caso específico dos
experimento 04 e 05, o diálogo com a dança do Boi de Mamão –
262
manifestação popular de origem açoriana, difundida especialmente na
região litorânea de Santa Catarina, semelhante à outras manifestação
brasileiras com o Boi Bumbá nordestino, por exemplo.
Como destacado ao longo do trabalho, o Drama busca se
apropriar de questões, temas e situações do contexto dos participantes. O
Boi de Mamão é uma manifestação que encontra-se bastante difundida
nas unidades de Educação Infantil de Florianópolis seja porque muitas
comunidades possuem grupos que apresentam o Boi, uma vez que os
familiares das crianças participam desta dança e elas encontram-se
imersas nessa cultura ou porque deseja-se resgatar tal manifestação
naquelas unidades onde essa manifestação da cultura local não seja
trabalhada.
Minha crítica a alguns projetos de trabalho com o Boi de Mamão
baseia-se nos mesmos argumentos que uso para tratar das criações de
produtos artísticos com as crianças sem o devido cuidado com a sua
participação efetiva, sem o prazer da brincadeira. Acaba-se, muitas vezes,
distribuindo os personagens do Boi, obrigando-se as crianças a cantar e
dançar, colocando-se um CD para ser seguido, preocupando-se,
exclusivamente, com a apresentação e não com o processo de apropriação
e recriação dessa manifestação cultural de acordo com as percepções das
crianças. Destaquei os dois processos que trabalharam com o Boi para
pontuar que é possível apropriar-se de uma manifestação cultural e manter
a participação ativa da criança, despertando seu interesse pelo processo,
construindo conhecimento e experimentando ao invés de reproduzir um
modelo que muitas vezes encontra-se distante de sua realidade física e
psíquica.
Por corroborar com a ideia anteriormente exposta destaco as
palavras de Vygotsky:
[...] a lei principal da criação infantil consiste em
ver seu valor não no resultado, não no produto da
criança, mas no processo. O importante não é o que
as crianças criam, o importante é que criam,
compõem, exercitam-se na imaginação criativa e
na encarnação dessa imaginação. [...] tudo – desde
as cortinas até o desencadeamento final do drama –
deve ser feito pelas mãos e pela imaginação das
crianças, e somente assim a criação dramática
adquire para elas todo o seu significado e toda a sua
força (VYGOTSKY, 2009, p. 101).
263
Meus desejos, ao incentivar o trabalho com o Drama na
Educação Infantil, são de que as crianças possam criar, imaginar,
experimentar; os educadores possam se perceber como mediadores do
processo de construção cultural e artísticas; as brincadeiras infantis sejam
compreendidas como um caminho para a ampliação dos repertórios das
crianças; os professores estejam nutridos de novas experiências e
busquem sempre ampliá-las para, dessa forma, poderem ampliar o
repertório de suas crianças e, por fim, que a linguagem teatral possa ser
apropriada pela Educação Infantil como um conhecimento que explora as
potencialidades da criança de forma global – corpo, mente, voz,
construção de conhecimentos diversos, interação, linguagem, entre outros
aspectos, que acredito possíveis de serem trabalhados por meio do teatro.
5.4 A EXPERIÊNCIA DOS PROFESSORES
O ambiente que envolve a criança e as condições oferecidas para
que ela construa saberes e experimente novas situações e desafios é
conceituado por Vygotsky (1996) como “situação social do
desenvolvimento”. Essa situação oferece possibilidades para que ocorra
uma identificação entre as necessidades do indivíduo e as ofertas do
ambiente. Vygotsky propôs a “experiência” como o resultado psicológico
do relacionamento que se constrói entre sujeito e meio. Segundo o autor:
A experiência da criança é o tipo de unidade
simples da qual é impossível dizer que é a
influência do ambiente sobre a criança ou uma
característica da própria criança. A experiência é
uma unidade de personalidade e ambiente na
medida em que ambos existem no desenvolvimento
[...] a experiência deve ser entendida como o
relacionamento interno da criança enquanto
indivíduo com um aspecto da realidade
(VYGOTSKY apud DANIELS, 2002, p. 57).
A noção de experiência como “relacionamento”, apontada pelo autor, não trata de uma relação passiva, de simples percepção ou
processamento de estímulos exteriores, mas um relacionamento definido
a partir dos interesses da criança, possível através da prática social que a
põe em relação direta com o ambiente objetivo, gerando novas percepções
e significados sobre esse. A experiência, nesse sentido, abarca tanto a
264
subjetividade individual quanto as relações intersubjetivas e é identificada
como o resultado interiorizado da relação estabelecida.
Sem intenção de esgotar ou aprofundar o conceito de
experiência, apoio-me na ideia vygotskiana de “resultado de um
relacionamento” – sujeito com sujeito, sujeito com objeto, sujeito com o
mundo, sujeito com um conceito – por considerá-la adequada às reflexões
que pretendo traçar e por dialogar com o conteúdo exposto ao longo deste
trabalho.
Vygotsky aponta que a experiência social acumulada é
culturalmente mediada, ou seja, disponível às pessoas por meio da prática
social. Nesse sentido, tanto a cognição quanto a comunicação no e com o
mundo social são necessárias ao desenvolvimento histórico cultural. A
participação ativa do sujeito na relação com o ambiente constrói sua
experiência; ao negociar e renegociar significados, conceitos, práticas,
ações, conhecimentos, a subjetividade se amplia. É necessário, entretanto,
que o sujeito reconheça as práticas, os conteúdos ou conceitos que foram
incorporados aos seus conhecimentos para que a experiência se torne
concreta na sua vida.
Voltando-me para a experiência com a linguagem teatral
construída com os profissionais da Trupe da Alegria que conduziram os
processos de Drama, vejo como relevante perceber como a construção de
uma prática pedagógica de inserção da linguagem teatral na Educação
Infantil foi nutrida pela prática artística desses educadores. Esses
profissionais experimentaram processos de criação, vivenciando no seu
corpo a arte teatral, construíram uma experiência artística como ação
formadora do ser artista e do ser educador.
Ao lidarem com a formulação e constante avaliação dos
processos de Drama realizados, os condutores viam-se construindo uma
experiência com a linguagem teatral, num processo de retroalimentação
no qual o profissional formava as crianças e se formava na sua atuação
junto a elas e na consequente reflexão sobre a sua prática.
Com o intuito de apontar a maneira como os profissionais que
conduziram os processos refletem sobre sua experiência como
professores/artistas, sem me deter em análises profundadas, pois não é
esse o foco deste trabalho, transcrevo trechos das entrevistas realizadas
com os 09 condutores e 03 colaboradores dos processos de Drama
apresentados no capítulo anterior.
Pesquisador: Sua experiência com a Trupe e com o Drama alterou sua
forma de conceber o trabalho com a linguagem teatral? Se mudou, em que aspectos? Como era antes e como é hoje?
265
Ana Lúcia – A Trupe ela vem pra colaborar muito com o dia a dia de
todos, assim. Eu vejo pelas outras meninas que estão em sala [...] eu vejo
que elas aplicam muito do que a gente aprende lá na Trupe contigo, elas
colocam no dia a dia delas. [...] Eu acredito que todo professor de
Educação Infantil deveria ter essa experiência de participar, se não
atuando como a gente faz, mas pelo menos ter todas as informações que
tu traz pra gente. Eu acho que colabora muito com a dia a dia dos
professores em sala de aula, eu acho que é muito importante. [...] As
crianças, algumas, tem oportunidade, outras não tem oportunidade
nenhuma de assistir uma peça de teatro se não for na creche né, na escola,
mas a experiência com a Trupe ela traz, ela trouxe pra mim, assim, outras
novidades que eu não percebia na hora de tá fazendo teatro [...]. Eu acho
que colaborou pra mim muito, mudou minha visão nesse aspecto, do
improviso, da generosidade com o outro, de saber que todos estão ali
participando juntos e que vamos além.
Danielle – Minha percepção mudou depois que eu entrei na Trupe né.
Porque eu tinha uma percepção diferente de teatro, de drama, de teatro
para as crianças [...] hoje em dia eu já vejo de uma outra forma na
Educação Infantil, não só na Educação Infantil mas eu acho que na
educação em si. Eu tenho uma outra visão com o Drama no processo
educativo. Eu percebo assim que constantemente a gente trabalha com
isso, mas as vezes a gente não sabe. A gente trabalha com isso nas
brincadeiras de faz de conta. Nosso dia a dia com crianças pequena é
assim [...] é importante que os professores tenham, cada vez mais, essas
vivências pra que possam proporcionar isso pra essas crianças também
[...] os professores deveriam ter mais interesse em procurar porque pra
mim o teatro na Educação Infantil é primordial. [...] Eu via o teatro como
aquela pecinha pronta que a gente prepara as crianças, a gente prepara, os
professores, e apresenta na creche, num determinado momento, numa
data festiva, num dia especial. Hoje eu percebo que o teatro é uma
vivência direto.
Elizabete – Nossa, contribuiu bastante! Pro meu aprendizado, assim, pra
entender, claro que ainda tem muitas coisas, que eu tenho que ler muito,
tenho que clarear mais né, que o processo que a gente vivenciou de
formação, foi muito importante, mas foi pouco, parece que a gente precisa
de mais. Aí eu vejo assim, que é como se fosse um vício, a gente tem que
tá lá pra vivenciar e pra entender o processo que tá vivenciando aqui
dentro da creche. Pra mim foi um aprendizado e tanto. Eu comecei a
266
perceber com outros olhares o que as crianças nos traziam, como era feito
os teatros antes nas unidades, como a gente pensava e como é pensado
hoje, totalmente diferente, apesar da gente ter ainda uma certa resistência
de algumas companheiras de ter medo de se expor. [...] Esse processo de
formação que eu passei com a Trupe pra mim foi um momento muito
importante, assim, de vivência e de troca de experiência dentro da
unidade. [...] Hoje a gente percebe que o grupo já respeita quem traz esse
tipo de trabalho com teatro pra dentro da unidade, na sala. [...] E o
processo que eu vivenciei na Trupe não foi só pro meu trabalho também,
foi pra mim, enquanto pessoa, tinha um grupo de amigos que a gente
vivenciava, se respeitava, se sentia, se percebia, foi um processo
importante, assim, muito importante mesmo.
Franciele – Com certeza. Profissionalmente, as vezes, a gente via o teatro
como uma forma, ah, pegar um livro e transformar num teatro, até
inventar uma outra história e tal, e agora, com a Trupe, a gente vê outras
possibilidades como essa do Drama, de todo mundo junto, ao mesmo
tempo, sem ser “_fulano vai ser tal personagem, ciclano vai ser outro”, dá
pra todos juntos ser a mesma coisa. [...] No caso desse processo foi uma
brincadeira, eles se transformaram num personagem, eles dramatizaram
aquele personagem, mas todos juntos, ao mesmo tempo, todos se
transformaram em caveira mexicana cada um do seu jeito e eles curtiram
aquele momento. Daquele personagem já surgia uma brincadeira partindo
das crianças [...].
Leonara – Com certeza, alterou muito. Hoje a gente consegue entender
esse movimento das crianças, que elas tem, que elas necessitam, e o teatro
ele traz isso pra gente, ele mostra que a gente pode fazer da sala um palco,
que a gente pode tá sempre brincando, pode tá sempre transformando,
sempre trazendo fantasias, maquiagem e fazendo de conta que a gente é
uma princesa, um príncipe, um monstro e a Trupe trouxe isso pra gente
né, junto com o Drama também, que a gente pode tá sempre encenando e
as crianças podem tá sempre se divertindo com isso. E a gente também,
como professor, [...] pode tá se transformando, pode virar uma boneca e
tá brincando com eles, contado uma história pra eles e mexendo com a
imaginação das crianças.
Márcia – A gente pensa assim: o que que é o teatro? Ah é ir lá, tem o
roteiro, a gente ensaia aquelas falas e apresenta com eles e isso a gente
faz muito na creche, [...] quando a gente começa a se apropriar um pouco
do Drama, de como funciona, a gente acaba percebendo que aquele
267
teatrinho que a gente faz, não tem nada a ver com a realidade da crianças.
E a nossa proposta do dia a dia tem muito mais a ver com o teatro na
questão de experimentar, da criança curtir aquilo que tá fazendo. As vezes
não tem um roteiro, uma história fechada, a gente pode até se utilizar de
histórias, mas a própria criança vai construindo isso na fala, no corpo, no
movimento, então eu acho que se apropriar do Drama é também entender
um pouco isso, que o teatro não é aquela coisa de decorar as falas, mas é
muito mais próximo do que gente faz no dia a dia, de construir, de
vivenciar com eles.
Maria – Eu acho que esses anos todos que eu estou na Trupe me fez ver,
pedagogicamente, uma outra forma de teatro. Eu acho que todas essas
aulas, essas oficinas que nós tivemos, essa vivência que a gente teve com
as crianças nessas apresentações, me fez ver um outro lado, o lado criança
mesmo. [...] E o teatro me ajudou muito a ver isso né, na questão das
brincadeiras, na questão de estar passando pra eles essa questão do teatro
né. [...] Como a gente pode fazer tanta coisa na Educação Infantil através
do teatro, nessa imensidão de cores, de fantasias.
Maria Sônia – Antes da experiência já havia muito presente no meu fazer
com as crianças o teatro. Essa maneira de trazer um personagem, já fazia
isso, mas não tinha dimensão, não tinha a percepção do que as crianças
estavam colhendo, do que eu podia estar enriquecendo, de como construir
com as crianças ou mesmo com os meus colegas um espetáculo né. E
geralmente tinha narrador e a ambientação cênica era bem reduzida,
enfim, o ganho foi muito grande porque a gente agora tem noção dos
elementos, de quais elementos são importantes na narrativa teatral, de
que, com a criança, o importante não é o produto final, mas sim o processo
de construção de toda a narrativa e o Drama traz isso, essas reflexões
todas, assim. A gente acaba, no exercício do planejamento de cada
episódio, refletindo sobre muitos aspectos e ressignifica, elabora de forma
diferente, acaba trazendo e somando muito pra Educação Infantil, porque
na Educação Infantil a gente não pode pensar em produto e a formação
que a gente tem, o pouco que a gente teve nessa linguagem, enquanto
estudante na licenciatura é muito pobre, muito reduzido, porque é arte em
geral. A gente só sabe como não pode fazer, mas não sabe como fazer de
outra forma. Com o estudo do Drama e a vivência do Drama e a
construção e a experiência que a Trupe nos trouxe foi enriquecedor,
inesquecível. Acho que eu sou uma pessoa diferente, acho que sim. [...]
Fundamentar a prática desta forma foi enriquecedor e a gente continua.
268
Rafael – Faltava, principalmente na Educação Infantil, eu via, ou era os
professores que se apresentavam pras [sic.] crianças ou as crianças
apresentavam mas sem um processo, as vezes é muito ‘_ah vamos fazer
o teatro da Branca de Neve!’, então pegava lá as crianças e ‘_você vai ser
tal, tal, tal’ e colocava, as vezes, pra fazer né, sem trabalhar o processo da
dramatização, de conhecer o personagem, perceber esse personagem [...]
acabavam sendo forçadas, as crianças não queriam, ‘_mas porque a
criança não quer?’, por isso, porque ela não vivenciou isso durante um
tempo, assim. Essa questão do Drama me ajudou, assim, nesse sentido,
de perceber mais né, o tempo, a questão da criança, da gente trabalhar
mais isso.
Roseli – Sim, com certeza. Quando tu participa e vivencia e vê que tem a
possibilidade né... porque antes a gente também não tinha conhecimento
né. Tu tem que estudar, tu tem que pesquisar, mas tu ler é diferente do tu
participar ou então tu realizar, [...] a forma de trabalhar em sala de aula o
teatro, que até agora me ajudou muito a entender, a fazer a leitura, a
compreender a forma como eu trabalho, como eu planejo, pra conseguir
conquistar a atenção né, porque muitas vezes as crianças não querem
ouvir uma história, mas se você tá num personagem, você coloca um
chapéu, você coloca um adereço diferente, naquele dia, eles já param pra
te olhar, então, pelo menos o primeiro impacto da atenção você já
conseguiu. [...] O Drama ajuda a gente a conseguir desenvolver o teu
trabalho do dia a dia né, as coisas do currículo né [...] a experiência com
a Trupe me deu mais opções de trabalho, mais informação, mais
conteúdo, como trabalhar, enriqueceu muito meu próprio planejamento,
com sugestões, com exercícios que a gente fazia nos encontros da Trupe
e que podem ser feitos em sala de aula com as crianças também.
Rosetenair – Eu penso que eu não passei de professora pra artista, eu acho
que eu fiquei uma professora melhor diante de todo esse trabalho que vem
acontecendo por muitos anos. [...] Eu me vejo uma professora que hoje
reflete mais sobre a questão do movimento, a questão do corpo, a questão
da sonoridade. Então, as minhas ações hoje, na contação de histórias, nas
performances literárias, hoje elas são mais pensadas, não são feitas de
qualquer jeito, elas são planejadas, elas tem sempre um reflexo da aula
que eu tive de teatro. Então eu digo que o teatro ajudou a ser uma melhor
professora, um melhor adulto pra trabalhar com criança. [...] O que eu
gosto e o que eu aprendi foi isso assim, o quanto a gente não pode estar
tão fechado, tão limitado nessa ação [...], poder fazer com que as crianças
participem, elas são ativas nesse processo [...], ela vai entrando na história
269
e vai construindo junto com a professora, com esse adulto que se propõe
a fazer isso e, ao mesmo tempo sem uma rigidez de roteiro, que eu acho
que é isso que nos prende, principalmente numa Educação Infantil que a
gente trabalha com crianças pequenas não dá pra ter uma certa rigidez. Eu
vejo que esse tipo de trabalho faz com que a criança tenha mais espaço,
nesse processo.
Zely – [...] Eu sempre fui uma pessoa muito tímida, com muito medo de
falar as coisas, porque poderia falar errado, porque ia falar coisa que não
devia [...] hoje eu sou uma pessoa mais... ainda com medo de certas
coisas, não vou dizer que não, medo do desconhecido, mas tem que
arriscar. [...] Antes eu era, devido talvez a própria timidez, antes eu não
tinha coragem de chegar e propor alguma coisa pras crianças, antes.
Depois que eu entrei na Trupe eu vi que eu fiquei mais confiante, fiquei
mais detalhista, não que queira assim as coisas tudo prontinhas, não, tem
que elaborar, tem que criar e tem que fazer o melhor pras [sic.] crianças
participarem. Eu fiquei mais, como eu que eu posso explicar, não aceitar
as coisas, esperar que as crianças também tragam alguma coisa pra mim,
algum elemento, alguma criação que a criança traz, não é só nós levarmos
pra eles. Eu fiquei mais observadora, nesse momento, com as crianças, na
parte teatral. A criança ela tem muito a nos dar, nós damos, mas também
nós recebemos.
5.4.1 Reflexões
Algumas questões podem ser pontuadas a partir das respostas dos
professores:
Mudança de percepção acerca do fazer teatral com e para
crianças – nas respostas os profissionais apontam o quanto a
experiência com a Trupe lhes permitiu conceber novas maneiras
de trabalhar o teatro na Educação Infantil, quebrando com as
formas tradicionais pautadas nas escolhas do professor, na
rigidez da busca por um produto, na história pré-concebida,
desvinculando o teatro das datas comemorativas, focalizando o
trabalho no processo e não no produto.
Experimentação de possibilidades de trabalho com o teatro – os
professores apontam como a pesquisa com o Drama lhes permitiu
270
buscar novos caminhos, fundamentar seu trabalho com o teatro,
planejar atividades teatrais colocando-as no dia a dia, dialogando
com o cotidiano e os interesses da criança, tornando a experiência
teatral das crianças mais elaborada, descobrindo novas
estratégias de ação que se aproximassem da criança,
experimentando diferentes materiais que servissem de estímulo
à experiência dramática.
Novas percepções acerca das criações infantis – são apontadas
como descobertas do processo as novas relações estabelecidas
com as crianças no fazer artístico: a parceria entre professor e
criança, a experimentação coletiva de papéis sem eleição de
“personagens principais”, maior abertura para as criações e
proposições das crianças, o prazer da criança em experimentar
sem ser pressionada a repetir e ensaiar, a construção coletiva no
processo de Drama.
A importância da formação continuada – em muitas respostas os
profissionais apontam a importância da formação que partilham
na Trupe da Alegria, o quanto a experiência com a Trupe altera
seu trabalho, amplia seu repertório, alimenta sua prática, oferece-
lhe conhecimentos mais precisos e fundamentados sobre a
Pedagogia do Teatro, subsidiando seus planejamentos. Indicam
também a necessidade de que outros profissionais tenham acesso
a formações semelhantes, uma vez que o conhecimento sobre
teatro na formação inicial é incipiente.
Diálogo com as questões da Educação Infantil – os profissionais
apontam suas percepções acerca da proximidade da proposta do
Drama com aspectos relativos à Educação Infantil. A apropriação
do espaço da brincadeira como um lugar onde a linguagem teatral
pode se desenvolver, a possibilidade de trabalhar com múltiplas
linguagens no processo de Drama, assim como dialogar com
conteúdos diversos, sem fragmentações.
Desenvolvimento pessoal – alguns profissionais apontam a
importância do trabalho teatral para conquistas pessoais:
capacidade de colocar-se diante de um grupo, superação da
timidez, experimentar um personagem diante das crianças e de
outros adultos sem medo, aprender a trabalhar coletivamente,
superar as dificuldades de se apresentar, entre outros aspectos.
Ao observar os apontamentos de Vygotsky, percebo que o desejo
dos professores de ampliarem seus conhecimentos sobre a linguagem
271
teatral aliado à possibilidade de participarem de um grupo de formação,
gerou uma nova experiência para cada membro do grupo. Vygotsky
afirma que “quanto mais rica a experiência da pessoa, mais material está
disponível para a imaginação dela” (2009, p. 22). Nesse sentido, quanto
mais oportunidades os profissionais da Educação Infantil tiverem de
ampliar sua experiência com a linguagem teatral, maiores serão as
possibilidades de transpor esses conhecimentos às suas práticas
pedagógicas.
Vygotsky (1996) aponta que a experiência conquistada é o
processo de internalização das ações realizadas no mundo exterior. Penso
que, ao vivenciarem as oficinas teatrais e criarem espetáculos e processos
de Drama, os professores se apropriaram desse conhecimento,
internalizaram esse aprendizado mediante a reflexão sobre suas práticas,
alteraram sua forma de trabalhar o teatro com suas crianças.
Acredito que uma experiência (tanto pessoal quanto coletiva) foi
desenvolvida e essa experiência é realimentada e reelaborada a cada nova
proposta de trabalho e pesquisa da Trupe, a cada nova proposta de Drama
realizada com as crianças, a cada nova discussão que o grupo realizava
sobre teatro. A experiência pessoal é ampliada na apropriação da
experiência do outro, na construção coletiva de saberes. Este é o princípio
vygotskiano de que o aprendizado se dá a partir das interações.
5.5 O DRAMA COMO POSSIBILIDADE
Finalizo este trabalho com a percepção dos profissionais que
conduziram os processos de Drama, sobre a possibilidade de explorar esse
método como um dispositivo pedagógico que possa inserir o teatro na
Educação Infantil, respeitando as peculiaridades dessa etapa do ensino.
Em entrevista realizada com os professores, propus duas
questões. A primeira relativa ao modo como compreendiam o trabalho
com o Drama na Educação Infantil e a segunda, quais elementos teatrais
eles, conscientemente, perceberam serem trabalhados nos processos
desenvolvidos.
Pesquisador: Você acredita que o Drama seja um fazer teatral possível de ser apropriado pela Educação Infantil? Por que?
Ana – A criança se envolve muito com tudo se o professor chega com
uma proposta assim [...]. Quando ele sabe o que tá fazendo, é muito
272
interessante. A criança participa junto com o professor quando o professor
propõe uma coisa e sabe o que ele tá propondo. Eu acho que a criança ela
vai junto contigo sempre, e o Drama é mais uma faceta que a gente vai
usar dentro da sala da Educação Infantil pra ajudar no trabalho do dia a
dia né, é mais uma colaboração pro trabalho, pra gente poder até tá
diferenciando os trabalhos [...] porque a criança adora novidades né. Tudo
que tu traz de novo ela já embarca junto com a gente e vai embora [...]. A
gente tá lá pra isso, pra ampliar o repertório deles.
Danielle – É possível, muito possível. Até porque a gente já tem essa
prática, já faz isso, só que não em formato de formação, porque as pessoas
ainda não tem esse conhecimento. Assim como eu tinha essa visão de
teatro, acredito que a maioria tenha uma outra visão, uma visão diferente
de teatro na Educação Infantil e que essa experiência que eu tive com a
Trupe me proporcionou ter uma outra visão e que eu percebi que é
diferente daquilo que a gente pensa.
Elizabete – Eu acho que tem tudo a ver com a Educação Infantil. [...] Não
‘pode’ ser, eu acho que ele ‘deve’ ser um processo que tenha que tá na
Educação Infantil, porque tudo que passa pela Educação Infantil, todos os
momentos que tem que ser vivenciados, esse momento do brincar, da
literatura, da contação de história, o Drama tem isso, querendo ou não,
subentendido ali, tá ali dentro mesmo do processo de Drama, na
metodologia, então eu acho que tem que tá .[...] Hoje eu entendo assim,
claro que teve um momento que eu nunca pensei que o teatro pudesse ser
esse elo de proposta pedagógica pra Educação Infantil.
Franciele – Com certeza. A gente já vem fazendo isso né, mas eu acho
que é com outro olhar. Quem não conhece esse processo que tu tá fazendo
com a gente de Drama, não olha com esse olhar de Drama né. A gente já
vem fazendo isso na Educação Infantil, a gente se transforma em
personagem e outras coisas, eles fazem o faz de conta, só que muitas
pessoas que não conhecem esse processo não olham dessa forma.
Leonara – Eu acho que o Drama deveria ser divulgado para todas as
professoras né, pra começar a tomar consciência realmente do nosso
trabalho e até pra ter uma estrutura de trabalho, porque muitas vezes a
gente fica perdida, fica solta, cada uma faz um projeto de uma forma,
como aprendeu, mas tem umas que se formaram há vinte anos, outras há
dez, outras há cinco. E o Drama ele traz uma estrutura de como que a
gente vai montar esse projeto, que passos a gente pode estar seguindo. Eu
273
acho que é muito importante assim, se todos tivessem esse discernimento
que a gente teve, que a gente teve a oportunidade de ter na Trupe né.
Márcia – Com certeza. Porque eu acho que tem tudo a ver com a linha de
trabalho da Educação Infantil. O Drama ela traz o problema e aí a gente
vai construindo o processo e desvendando esse processo né e eu acho que
a Educação Infantil é isso. Quando a gente vai se apropriar desse
conhecimento com eles não é uma coisa pronta e acabada, é também
assim, tem um problema, uma questão que a gente levanta, seja pela
necessidade da criança, seja pela faixa etária que a gente tá trabalhando e
isso vai sendo construído. [...] Hoje eu não vejo meu trabalho distante
assim, a Educação Infantil distante das coisas que o Drama traz, eu acho
que o Drama ajudou a entender melhor a própria proposta da Educação
Infantil assim.
Maria – Eu não vi dificuldade porque não traumatiza, porque você traz a
proposta de uma maneira que é acessível pra criança entender. [...] Eu
trouxe uma proposta próxima daquilo que elas estavam trabalhando no
dia a dia, que era a questão das cobras, dessa forma não foi um choque,
uma proposta que tivesse distante delas. O Drama propõe essa
proximidade com o contexto né e isso é a realidade da Educação Infantil.
Maria Sônia – Nossa, muito! Acredito que o Drama possibilita o
planejamento diferenciado diante da especificidade dessa faixa etária de
0 a 03. E nós temos uma dificuldade muito grande de estarmos nos
distanciando da escolarização porque aprendemos a planejar segundo, nós
temos até conteúdos muito fechados. Se a gente quer ampliar para
núcleos, pensar em experiências e não em conteúdos dados e se a gente
quer que a criança tenha uma aprendizagem ativa, que o lúdico esteja
presente e tudo mais, eu acho que o Drama é um caminho.
Rafael – Com certeza. Eu acho que essa primeira experiência com Drama
mostrou bastante elementos pra trabalhar na Educação Infantil com o
teatro de forma mais contínua, porque as vezes a gente trabalha o teatro,
aqui a gente tem um projeto de teatro, que as vezes a gente acaba
mostrando, claro que são os professores as vezes que fazem, mas fazem
uma peça teatral e fica naquilo. [...] Acho que pode trazer os elementos
durante todo o ano, no dia a dia das crianças, trabalhando a questão
corporal, a questão do projeto da professora, então dá pra fazer um Drama
que consiga contemplar todos os elementos da Educação Infantil, até a
274
questão dos NAP’s90 também, a questão com a natureza, a questão do
próprio currículo, o Drama consegue costurar até o próprio currículo,
todos os elementos que se trabalha no currículo, durante o próprio
processo.
Roseli – Eu creio que é uma oportunidade assim, um instrumento que
pode ser utilizado e muito bem aproveitado dentro daquilo que a própria
secretaria propõe como proposta curricular. Se aproveita muita coisa.
Você aproveita a questão da imaginação, do criar situações novas, de se
ambientar em lugares diferentes, então, quanto mais informação pra
criança, mais conteúdo nessa área, a criança vai se envolver, vai ficar mais
significativo pra ela. E assim, o Drama é uma forma de tu tá conseguindo
colocar uma realidade diferente, uma situação diferente, que não do
cotidiano dela, que faz ela pensar, faz ela questionar e que faz ela também
achar uma solução praquilo. Isso é muito interessante pra criança.
Rosetenair – Possível sim. Eu acho que o que precisa é o professor aceitar
essa possibilidade. [...] Eu acredito que é um trabalho possível, é um
trabalho que dá condições pra alargar junto com outros professores, eu
acredito que mais pessoas deviam poder estar estudando isso né. Esse
grupo leva muita coisa para o outro, mas eu acho ainda que faltam muitos
‘outros’ saberem desse trabalho, dessa possibilidade de trabalho [...]. Tem
que estudar um pouco, tem que ter conhecimento, não é só querer fazer,
mas eu acho que tem que estudar, tem que perceber todo esse
conhecimento e ao mesmo tempo se abrir pras [sic.] possibilidades.
Zely – Na minha visão realmente é possível. Como eu fiquei com a faixa
etária de G3 e eles tinham de 02 anos e meio a 03 anos vi que realmente
é possível, não importa a idade. [...] O Drama traz uma diversidade de
possibilidades para trabalhar entre uma idade e outra. Acredito que é
possível, ele tem que ser mais aproveitado nas creches de Educação
Infantil.
90 Núcleos de Ação Pedagógica propostos pela Diretoria de Educação Infantil e apresentados no
primeiro capítulo.
275
5.5.1 Análise da questão 01
Foi unânime a resposta dos profissionais acerca da possibilidade
de trabalho com o Drama na Educação Infantil. Todos afirmaram
acreditar na proximidade desse encaminhamento metodológico com as
propostas pedagógicas relativas a esse segmento da educação. Alguns
pontos podem ser destacados de suas respostas:
A estrutura do Drama auxilia o professor a planejar
intencionalmente suas ações, gerando a necessidade de
compreender a atividade que irá propor dentro do processo em
desenvolvimento;
A proposta traz um diferencial para a Educação Infantil,
alargando as possibilidades de trabalho com a linguagem teatral
nesse segmento;
Por meio do processo consegue-se ampliar o repertório das
crianças, mediante o diálogo com diferentes áreas e
conhecimentos – interdisciplinaridade;
Proximidade com a proposta da Educação Infantil ao partir do
contexto dos participantes, ao fugir da fragmentação do saber, ao
dialogar com as especificidades de cada faixa etária, ao se
apropriar do faz de conta;
Ao trabalharem com o Drama os professores relatam a mudança
de olhar sobre os modos de experimentar o teatro com suas
crianças;
Apontam, novamente, a necessidade de que outros profissionais
tenham acesso a esse conhecimento e desenvolvam experiências
com o Drama;
A criança é colocada como sujeito ativo no processo;
A experiência dramática é construída coletivamente, por meio do
fazer;
Apontam o Drama como um encaminhamento que não trata de
uma experiência isolada, mas que se insere no cotidiano
pedagógico;
Indicam a necessidade de formação para que os conhecimentos
sobre possibilidades de trabalho com o teatro sejam renovados.
276
Pesquisador: Quais aspectos da linguagem teatral você percebe ter
trabalhado por meio do Drama?91
Danielle – Na verdade, dentro do que a gente tem como orientações da
Educação Infantil, a gente trabalhou praticamente tudo; a linguagem
corporal muito, na verdade a linguagem corporal foi a que mais chamou
a atenção, linguagem oral e escrita, momentos de musicalização,
expressão corporal, tudo a gente conseguiu contemplar dentro desse
processo.
Elizabete – Eu penso que essa coisa de representar, de trabalhar o corpo,
do sentir o outro, do perceber o movimento do outro, e isso tá no teatro.
[...] Se eu ver o Drama como teatro também, essa ligação que tem, os dois
tão muito juntos, mesmo que eu não tenha que tá num palco eu posso tá
lá dentro da minha sala e fazer dela um palco e fazer o processo de Drama,
e fazer o processo de sentir o outro, de perceber, isso foi muito trabalhado.
Franciele – Os movimentos corporais, transportar eles pra um outro
mundo, mudar a sala para um outro cenário, onde eles fazem parte
daquele momento todos juntos.
Leonara – O movimento, a percepção do outro, que você não caminha
sozinho, você precisa do outro, você tá sempre né... É um grupo que
precisa se ver, se enxergar, a descoberta, que a todo momento eu falei
disso, porque tu descobre, tu busca, tu pesquisa e o Drama ele te
possibilita isso, né.
Márcia – Nós, professores, enquanto personagens, a gente tá podendo ter
essa possibilidade de vivenciar diferentes personagens que a gente até faz
mas não tem essa noção de que tem relação com o teatro, e aí agora,
quando a gente usa o Drama e tem esse entendimento a gente consegue
fazer essa ponte dessas possibilidades, do que que o teatro traz.
Maria – Eu vejo que a questão da própria linguagem corporal né, que eu
vejo que a criança ela tem muito essa questão de dramatizar né, de
apresentar com o corpo. [...] Quando a gente dramatiza alguma coisa, a
gente tem a questão corporal que apresenta pra eles. Então quando eu vejo
que eles estão nos imitando eles transmitem isso através do corpo e
91 Devido a um descuido, essa questão não foi proposta a professora Ana Lúcia, e, portanto, não
houve resposta da referida professora a esta questão.
277
através da fala também né, porque eles tentam imitar aquilo que eles estão
ouvindo, vendo, então eu acho que está muito presente dentro da própria
expressão corporal deles né.
Maria Sônia – A percepção sonora, espacial, de organização dos
ambientes, muitas vezes eu convidava as crianças a organizar o espaço
para receber o Pássaro Azul. De ser plateia, eu acho que esse objetivo é
muito interessante, é muito importante também porque as crianças
precisam aprender, aprendem com o adulto a sentar e escutar o outro né,
a sentar e aplaudir né. A leitura da gestualidade, do corpo, enfim. Ficar
atento ao seu derredor. Eu acho que o teatro tem isso, assim, de trabalho
intenso que é muito importante.
Rafael – O principal, assim, é essa questão de dramatizar, sair do lugar
comum, sair da pessoa comum e aí se colocar em outro ambiente, se
colocar como outro elemento, outra pessoa, no caso a gente foi navegar
de barco, a gente colocou faixa na cabeça pra ser piratas. “_Então todos
agora vão ser piratas e a gente vai navegar nesse barco, todos de pirata”.
Naquele momento as crianças saíram da questão da criança e eu acredito
que a criança já tem muito isso da imaginação e se transportar pra outro
lugar ou ser outra pessoa. Isso é muito forte, a questão da dramatização.
Roseli – A questão do professor personagem que é um professor que
chega de uma forma diferente na sala de aula, que ele transforma uma
situação que cotidianamente é de uma forma mas que, naquele dia que ele
vem de personagem, é diferente [...]. A questão das crianças vivenciarem,
por exemplo, você trabalha uma situação, uma floresta, elas imaginarem
que estão na floresta, você vai contando uma história e eles vão sentindo
o perfume, eles sentem o ar, conforme você envolve as crianças na
situação, na história que você conta, elas podem ser também personagens.
[...] Você cria um ambiente diferente, foi utilizado por exemplo uma
fábrica, “_Mas como se chega nessa fábrica?”. [...] Tem uns que não
acreditam que ficam assim: “_ah vocês tão me enganando, não é assim”,
mas ele quer participar, ele quer estar junto, ele pergunta pro personagem,
mas ao mesmo tempo ele questiona: “_será mesmo?”, mas você oferece
a oportunidade. Isso é importante, a criança ter esse contato. Quando ele
for, por exemplo, assistir um espetáculo, ele já vai ver de outra forma,
diferente de uma criança que nunca viu, nunca vivenciou, nunca foi um
personagem.
278
Rosetenair – Eu penso assim ó, quando tu estas trabalhando com essa
linguagem eu penso que outras linguagens aparecem né, aparece a
linguagem musical, a corporal, a sonora, então eu vejo, com isso, uma
possibilidade de trabalho com as linguagens, não só com a linguagem
teatral. Eu acho que ela abre a possibilidade de outras áreas. [...] Quando
se fala em teatro se fala em arte, quando se fala em arte está se falando
em vários eixos [...]. É uma linguagem que te dá muitas possibilidades
com a expressão, com o corpo, com o movimento, com o som, então, eu
acredito muito nesse trabalho né. [...] Eu penso nessa linguagem cênica,
que eu acho que é um exercício né, de trabalhar com as crianças, pra elas
irem percebendo isso, pra elas irem percebendo esse lugar, percebendo
esse corpo, as possibilidades que tem esse corpo, as possibilidades de
trabalhar com o outro né, com as outras crianças, com o outro adulto, de
poder alterar esse espaço, de poder transformá-lo, de poder apresentar pra
outras crianças, assim, de um jeito muito tranquilo, sem aquela
preocupação que tem que fazer certo ou errado. [...] Que a criança possa
realmente se colocar, do jeito que ela sente, naquele espaço, das coisas
que ela vivencia, [...] que a criança possa recriar, brincar com aquilo,
porque a brincadeira traz muito a questão do faz de conta, daí sim, eu
penso que isso pode se transformar em experiência.
Zely – A criança fica mais segura, mais criativa, vivencia mais outras
coisas, a criança fica mais independente.
5.5.2 Análise da questão 02
O enfoque dado ao corpo, pelos professores, foi o que mais se
destacou nas respostas. A relação que o teatro estabelece com a questão
da expressividade corporal, da imitação, da comunicação por meio de
movimentos, de sons, parece ser percebida pelos profissionais como o
aspecto mais importante dos processos. Destaco alguns pontos de suas
respostas:
Ampliação da expressividade corporal da criança;
Uso da imitação como uma ação promotora da aprendizagem;
Incentivo às crianças para comunicarem o que pesam, sentem e
vivenciam;
279
Estabelecimento de relações interpessoais através do
desenvolvimento de um trabalho coletivo;
Drama como uma experimentação teatral em processo focalizado
na experiência de representar, de se colocar em uma outra
situação;
Criação de contextos ficcionais diversos a partir de estímulos
oferecidos ou dos desejos pessoais das crianças;
Exploração de materiais na criação dos contextos ficcionais, das
ambientações cênicas, de objetos para os papéis a serem
experimentados;
Trabalho com o conceito de personagem, seja pela observação
do professor no personagem, seja por meio da experimentação de
papéis;
Diálogo com outras linguagens artísticas (música, dança, artes
visuais);
Formação de público mediante as possibilidades de fruição
dentro do próprio processo;
Incentivo ao desenvolvimento da imaginação e da criatividade;
Apropriação, recriação e construção coletiva de histórias;
Discussão, a partir da experiência prática, dos conceitos de real e
ficcional;
Liberdade de expressão e criação dentro da proposta;
Desenvolvimento pessoal: segurança em falar diante dos colegas,
independência de criar, exploração e desenvolvimento da
expressividade corporal.
Julguei importante apresentar as percepções dos profissionais
que conduziram os processos de Drama, uma vez que, como enfatizado
ao longo do trabalho, este estudo se apoia no diálogo entre as áreas do
Teatro e da Pedagogia e o trabalho desses profissionais foi fundamental
para que eu conseguisse experimentar diferentes maneiras de propor a
linguagem teatral nessa etapa do ensino.
Por meio do Drama buscamos ampliar as possibilidades de
trabalho com a linguagem teatral na Educação Infantil, por acreditarmos
na necessidade de que as linguagens artísticas estejam presentes no cotidiano das crianças e sejam trabalhadas de forma fundamentada e em
acordo com as especificidades da infância. Desse contato inicial da
criança, dependerá, em grande medida, seu contato posterior com as
diferentes linguagens, seja como forma de expressão ou como
necessidade de fruição.
280
Ao observar as palavras de Vygotsky, percebemos:
[...] a necessidade de ampliar a experiência da
criança, caso se queira criar bases suficientemente
sólidas para a sua atividade de criação. Quanto
mais a criança viu, ouviu e vivenciou, mais ela sabe
e assimilou [...] mais significativa e produtiva será
a atividade de sua imaginação. (VYGOTSKY,
2009, p. 23).
Ao trabalharmos a linguagem teatral na Educação Infantil,
portanto, estamos gerando novas experiências, possibilitando às crianças
ampliarem seu repertório de conhecimentos e, dessa forma, alimentando
os materiais subjetivos que ela poderá dispor quando realizar atividades
de criação e expressão. Defender o teatro como linguagem expressiva
necessária nessa etapa da Educação é colocá-lo como área de
conhecimento, como forma de expressão pessoal e social, como
manifestação cultural e não apenas como suporte para outras “disciplinas”
ou “adereço” em festas e mostras.
Vejo a necessidade de ampliação do espaço das linguagens
artísticas em todas as esferas da educação, para que, de fato, possamos
começar a empreender a construção de novas propostas para a educação
brasileira; propostas que dialoguem com os novos desafios que o contexto
sociocultural impõe.
Rego afirma que os postulados de Vygotsky apontam a
necessidade da criação de uma “outra escola”. Nas palavras da autora:
[...] uma escola em que as pessoas possam dialogar,
duvidar, discutir, questionar e compartilhar
saberes. Onde há espaço para transformações, para
as diferenças, para o erro, para as contradições,
para a colaboração mútua e para a criatividade.
Uma escola em que professores e alunos tenham
autonomia, possam pensar, refletir sobre o seu
próprio processo de construção de conhecimentos
e ter acesso a novas informações. Uma escola em
que o conhecimento já sistematizado não é tratado
de forma dogmática e esvaziado de significado
(REGO, 2013, p. 118).
Penso que o Drama como fazer teatral e encaminhamento
metodológico para o ensino do teatro, propõe justamente que o espaço de
281
aprendizagem seja dotado de significado para os participantes, que o
processo de construção de saberes parta de seus interesses e dê voz à sua
expressão, que transforme a experiência dramática em um espaço de
respeito aos diversos pontos de vista e que o conhecimento artístico seja
construído de forma compartilhada. Inseri-lo na Educação Infantil,
portanto, é possibilitar esse conhecimento no início da formação do ser,
e, talvez, gerar uma necessidade de permanência do contato da criança
com a linguagem teatral ao longo de sua vida, tanto na escola quanto fora
dela. Esse é meu desejo como professor e artista.
283
6 ALGUMAS PALAVRAS
Iniciei este trabalho retratando o crescente número de estudos
voltados à criação de uma identidade para a Educação Infantil que a afaste
tanto do viés assistencialista, historicamente a ela atrelado, quanto da
fragmentação de conhecimentos, própria ao atual formato curricular do
Ensino Fundamental. Dentro desse quadro de novas buscas e perspectivas
para o trabalho pedagógico nessa etapa da Educação Básica, a presente
pesquisa tomou como problema discutir uma possibilidade metodológica
de iniciação à linguagem teatral com crianças entre 02 e 06 anos de idade.
Busquei desenvolver uma abordagem para o ensino do teatro que
estivesse fundamentada em atuais discussões da pedagogia teatral que
respeitasse tanto as especificidades desse segmento da educação quanto o
processo de desenvolvimento físico e psíquico que as crianças
apresentam.
Na teoria histórico-cultural, da qual me utilizei para refletir sobre
os aspectos próprios ao desenvolvimento da criança assim como para
problematizar as propostas pedagógicas e metodológicas utilizadas pela
Educação Infantil, o aprendizado é considerado um aspecto fundamental
para que as funções psicológicas superiores se desenvolvam e para que a
criança seja inserida nas práticas sociais e culturais de seu grupo. O
aprendizado, portanto, é o caminho para que novos conhecimentos sejam
construídos e o meio pelo qual o sujeito desenvolverá novas experiências.
No ensino da arte, os conhecimentos sobre diferentes
manifestações e linguagens artísticas para que sejam apropriados pela
criança dependem de parceiros mais experientes no assunto que
promovam o contato com esses conteúdos. No caso específico do
ambiente educacional, é necessário que os profissionais envolvidos no
processo de ensino/aprendizagem ofereçam à criança a possibilidade de
entrar em contato com tais conhecimentos e experimentá-los,
desenvolvendo, dessa forma, um aprendizado sobre a arte. Esse
aprendizado será mais eficaz se for coerente com o contexto social,
histórico, cultural, físico e psicológico no qual a criança se encontra.
Dentre as possibilidades metodológicas difundias no contexto
brasileiro do ensino do teatro, o Drama pareceu-me a abordagem que mais
se aproximava das especificidades pedagógicas da Educação Infantil e
dos processos de desenvolvimento que as crianças dessa etapa da
educação apresentam. Estudos anteriores, como os apresentados no
primeiro capítulo, que se debruçaram sobre o ensino do teatro para a
primeira infância, não apresentaram ou discutiram esse método como um
284
dispositivo pedagógico possível de ser trabalhado com as crianças desse
contexto. Havia, portanto, um objeto de estudo a ser explorado.
Como exposto ao longo deste trabalho, o Drama propõe a
experimentação de situações diversas a partir da exploração de um
determinado tema ou conteúdo advindo do contexto dos participantes, por
meio da instauração de um contexto ficcional. O grupo imerge no
processo ao invés de criar um produto artístico, experimentando
situações, desafios e papéis ficcionais, focando na utilização da
linguagem teatral como forma de comunicação e expressão.
A partir dessa perspectiva, defendi a apropriação do Drama como
uma forma possível de inserir a linguagem teatral na Educação Infantil,
sendo esse o ineditismo desta pesquisa, uma vez que esse método não fora
teorizado como proposta metodológica para essa etapa da Educação
Básica brasileira.
A realização dos experimentos práticos envolveu alguns
profissionais que trabalham diretamente com crianças entre 02 e 06 anos
estabelecendo uma relação de complementariedade e
interdisciplinaridade entre as áreas do Teatro e da Pedagogia, que,
acredito eu, necessitam dialogar para que o contato da criança com essa
linguagem artística seja prazeroso e cuidadosamente estruturado.
Buscamos ampliar a abrangência etária da proposta, por
compreender que em cada período de seu desenvolvimento a criança
responde de maneiras diferentes aos estímulos do meio, por este fato
trabalhamos com grupos etários diversos, 03 grupos com crianças de 02
a 03 anos, 03 entre 04 e 05 anos e outros 03 entre 05 e 06 anos. A partir
dessa distribuição foi possível investigar diferentes estratégias do Drama,
adaptando-as e revendo-as frente às limitações físicas e de maturação
psicológica apresentadas, naquele momento, por cada um dos grupos.
As descobertas feitas com a realização dos processos atestaram
o pressuposto apresentado como questão norteadora do trabalho. De fato,
o Drama mostrou-se como um dispositivo pedagógico que dialoga com
as especificidades indicadas pelas diretrizes pedagógicas voltadas à
Educação Infantil, sobretudo àquelas que se fundamentam na teoria
histórico-cultural de Vygotsky. O Drama oferece também ferramentas e
subsídios teóricos para que a linguagem teatral seja iniciada de forma
coerente com o desenvolvimento infantil.
Dentre as relações propostas entre Drama e Educação Infantil,
foram destacadas e comprovadas, por meio deste estudo:
O diálogo proposto com o contexto dos participantes,
apropriando-se de seus desejos, curiosidades, interesses,
285
atribuindo valor às suas manifestações, à cultura infantil,
ampliando seus horizontes e conhecimentos a partir do que lhes
era mais próximo, desafiante e instigador. Temas e assuntos do
seu cotidiano puderam ser abarcados pelos processos e tiveram
seus significados ampliados pelas experimentações dramáticas.
Nesse sentido, a iniciação à linguagem teatral não se mostrou
distante das possibilidades apresentadas pelos grupos, pelo
contrário, as limitações encontradas e os interesses manifestados
foram a base para estruturarmos propostas específicas de ação
com cada grupo de crianças.
O trabalho desenvolvido no formato de processo, construído de
forma coletiva, aberto às mudanças de rumo naturais de uma
prática de ensino/aprendizagem na qual os sujeitos são
considerados ativos na construção de seus saberes, como propõe
Vygotsky. As indicações e questionamentos das crianças
serviram como meio para a realimentação do processo e criação
de novas situações e desafios. Como o foco do Drama não é a
criação de um produto artístico, o professor tinha liberdade para
experimentar sem a projeção antecipada de um resultado
artístico.
A importância da mediação realizada pelos condutores dos
processos, que, em sua maioria, vivenciaram papéis e
personagens, na busca por uma construção mais orgânica da
experiência dramática. Ao desafiarem-se como artistas-
professores, apropriaram-se desse aspecto da linguagem teatral,
servindo de referência e suporte para que as crianças desejassem
também experimentar e viver diferentes papéis. A mediação do
professor se mostrou como o fator essencial para que a criança
ampliasse seu conhecimento sobre o teatro e desejasse
experimentar. Como o teatro encontra-se distante do cotidiano da
criança, a ação mediadora, realizada por um profissional
comprometido com a construção de uma experiência prazerosa e
instigante, mostrou-se como primordial no processo de iniciação
à linguagem teatral.
A interação proposta como base para a construção da experiência
coletiva e individual, seja entre as crianças ou dessas como seus
professores ou profissionais convidados. Na perspectiva de que
os conhecimentos são construídos mediante a parceria
estabelecida com os membros mais experientes do grupo social
e cultural, o Drama propicia que o fazer e o refletir sobre o teatro
286
se efetive não como “transmissão” de saberes, mas como
experiência construída de forma dialógica. Nesse diálogo,
criança e adulto aprendem, pois cada grupo com sua
especificidade, exige que o professor estruture procedimentos
para que a aprendizagem ocorra de forma contextualizada.
Privilegiar a experiência como forma de descobrir o mundo e de
ter acesso ao conhecimento, a partir da tentativa, do tateio, da
dúvida, do questionamento, do desafio, do medo, da imitação, da
expressão, da descoberta com seu corpo inteiro. Elementos da
linguagem teatral foram experimentados e, aos poucos, passaram
a compor o repertório das crianças. Retomando a ideia
vygotskiana de que a experiência é construída a partir do
“relação” estabelecida entre os sujeitos e desses com diferentes
estímulos do meio, buscamos incentivar as crianças a
experimentarem, a se engajarem na busca de respostas e a se
perceberem como construtoras do conhecimento teatral.
A interdisciplinaridade como busca por um conhecimento
global, que não apresente às crianças um saber fragmentado, mas
que se utilize das diversas áreas e linguagens para tornar a
aprendizagem integralizadora, lidando com os aspectos social,
cultural, afetivo, físico, sexual e linguístico da criança. Os
experimentos, como apresentado, conseguiriam promover
interlocuções com outras áreas e auxiliar o professor a pensar em
maneiras de trabalhar um determinado tema a partir de
contribuições diversas, procedimento esse indicado nas
propostas para a Educação Infantil – o trabalho a partir de
projetos.
Na busca por perceber e discutir a proximidade entre a proposta
metodológica do Drama e as indicações pedagógicas para a
Educação Infantil, constatamos a necessidade de que fossem
concebidas estratégias específicas para lidar com cada faixa
etária na instauração dos processos. Para essa investigação foram
encontradas referências na periodização do desenvolvimento
infantil apresentada por Vygotsky e seus colaboradores. Alguns
aspectos foram percebidos como fundamentais em cada faixa
etária:
Com crianças de 02 a 03 anos, que, segundo Vygotsky, tem como
atividade central a manipulação de objetos, optamos pelo uso de
diferentes materialidades com o intuito de ampliar a percepção
sensorial, gerando diferentes sensações, sentimentos e respostas.
287
O estímulo à imitação, ao uso do corpo e da voz como forma de
expressão, comunicação e desenvolvimento da linguagem
corporal e oral, mostrou-se como um aspecto central para
promover uma iniciação ao teatro com crianças dessa faixa
etária. O contato com diferentes personagens e papéis para
trabalhar uma iniciação a questão da fruição artística também foi
acentuada e mostrou-se profícua.
Com crianças de 04 a 05 anos, que encontram-se na fase da
experimentação de papéis, segundo a teoria histórico-cultural,
focalizamos no incentivo a vivência de seres ficcionais como
forma de estimulá-las à criação de diferentes situações fictícias.
A brincadeira de faz de conta ganhou novos contornos a partir da
oferta de diversas materialidades (objetos, figurinos, imagens,
músicas, maquiagens, contação de histórias, entre outras) e ao
explorar as criações realizadas pelas crianças, criações essas que
retornavam nos episódios seguintes. A corporeidade também foi
acentuada, mas como um meio para ampliar a percepção das
crianças acerca da diferenciação entre as esferas do real e do
ficcional utilizando-se, como estratégia, a construção corporal
dos seres ficcionais experimentados. Ao se colocarem em
personagens as crianças construíam a convenção de que, como
seres ficcionais, estariam agindo no espaço do faz de conta e que
esse fazer de conta orientado, era teatro.
Com as crianças entre 05 e 06 anos, para as quais a descoberta de
novos saberes, através do estudo, passa a organizar sua relação
com o mundo, foi possível ampliar sua experiência com a
linguagem teatral através vivência de papéis, da fruição de
diferentes personagens, da experimentação de situações
dramáticas, da resolução de mistérios e desafios e da
apropriação de diferentes áreas do conhecimento como forma
de ampliar o universo ficcional proposto e o conhecimento das
crianças. Como nessa faixa etária a compreensão da existência
do teatro está, em geral, construída, o trânsito entre uma atividade
e outra deu-se de forma mais facilitada.
Cabe ressaltar que em todas as faixas etárias houve propostas de compartilhamento da experiência dramática com outras crianças.
Atestamos, dessa forma, a possibilidade do Drama de gerar uma
apresentação para um outro grupo a partir do que foi vivenciado pelos
participantes de um processo, sem, entretanto, criar-se um produto
288
acabado e reproduzível. O compartilhamento com uma plateia ou vivência
dramática com plateia, como denominamos, pressupôs expressar para o
outro o que elas criaram de forma conjunta durante o processo.
Para a vivência dramática com plateia, o condutor propunha um
roteiro aberto, criado a partir da rememoração dos acontecimentos
ocorridos no processo e, diante de um outro grupo, conduzia as crianças
a experimentarem novamente algumas situações. Novas criações podiam
ocorrer durante o compartilhamento, porque, também nesses momentos,
propúnhamos que as crianças estivessem experimentando, libertando-as
da exigência de reproduzirem ações de forma mecanizada.
Esse fato pode ser observado nas palavras da professora Roseli
Freire, em entrevista concedida para a pesquisa:
Muitas vezes uma brincadeira vira uma
apresentação para as outras crianças, que não é uma
coisa assim de que tem que sentar e ensaiar, vira
uma brincadeira né [...]. A gente tinha uma música
que a gente trabalhava com eles na sala que
começamos estudando os indígenas né, do projeto
viajando pelo mundo, e aí tinha uma música que os
índios cantavam, daí a gente confeccionou as
roupas [...], quando a gente viu estavam todas as
crianças da creche cantando e tocando aquela
música. Mas foi uma coisa que as crianças
gostavam de apresentar, eles ficavam envolvidos
[...], mas foi porque foi uma brincadeira, porque foi
significativo pra eles. Eles entraram no
personagem, eles foram os índios, eles
confeccionaram o material, eles pintaram as
roupas, eles tiveram uma participação bem efetiva.
(FREIRE, 2013).
Ao investigar o Drama como dispositivo pedagógico para propor
o trabalho com o teatro nessa etapa da educação, constatei que os
educadores/condutores/mediadores, precisam estar atentos às
peculiaridades do desenvolvimento psíquico nas diferentes etapas
evolutivas da criança. Eles precisam perceber como elas respondem a
cada nova proposição, quais conhecimentos apresentam, como as crianças nutrem a experimentação dramática, para que, dessa forma, os
profissionais possam estabelecer diferentes estratégias que favoreçam a
apropriação da linguagem teatral.
289
Como discutido ao longo do trabalho, acredito que não cabe
apenas indicar o trabalho com “dramatização de histórias” ou “ampliação
do faz de conta infantil”, como ocorre em grande parte das diretrizes
pedagógicas voltadas à infância, para que esse profissional compreenda
os procedimentos e possibilidades de realizar uma ação educativa que
tenha o teatro como foco de aprendizagem e investigação. São necessárias
experiências nas quais o professor possa vivenciar o teatro e perceber a
diferença entre conceber uma iniciação à linguagem teatral focalizada
num processo de construção de saberes e propor uma prática de
construção de produtos artísticos. Penso que essa diferença necessita ser
compreendida pelos profissionais que desejam desenvolver um projeto
que envolva o teatro.
Na Educação Infantil inexiste, até o presente momento, um
profissional específico do teatro, seja para trabalhar diretamente com as
crianças, seja para subsidiar o trabalho realizado pelo Pedagogo. Como
pesquisador e professor da área, acredito que a presença de um
profissional específico seria o ideal e ampliaria as discussões e práticas
com o essa linguagem nessa etapa da educação.
Acredito que não caiba no espaço da Educação Infantil uma “aula
de teatro” como nos moldes tradicionais na qual, em geral, trabalha-se
com jogos de improvisação ou interpretação teatrais ou mesmo com a
montagem de espetáculos. Assim como penso não caber qualquer outra
“aula” que “encaixote” um conhecimento e o desvincule da prática, do
cotidiano, da brincadeira – essa colocada como eixo das atividades
pedagógicas nesse segmento de ensino.
O trabalho de iniciação à linguagem teatral se configura para
além da questão de “ensinar” ou “transmitir” um conteúdo ou ainda
“aplicar” um jogo ou exercício, como muitos professores
equivocadamente se referem às ações pedagógicas que realizam. O
caminho, ao meu ver, é experimentar o teatro de forma contextualizada,
dentro de um planejamento estruturado em diálogo com o contexto dos
participantes, tornando o ensino do teatro uma atividade
pedagogicamente qualificada, desvinculada do pensamento de que
trabalhar com arte orienta-se a partir de propostas de “livre expressão”
sem um objetivo claro e definido pelo professor.
O trabalho de iniciação ao teatro apresentado neste trabalho
pautou-se na ampliação das experiências das crianças com essa
linguagem. Ressaltando aspectos como: a relação entre espaço real e
ficcional, a experimentação lúdica coletiva, a fruição artística, a criação e
improvisação de propostas que permitissem às crianças vivenciarem
outros tempos, espaços, papéis, ampliando seu conhecimentos sobre o
290
teatro, além de outros aspectos como a expressividade, subjetividade,
sensorialidade, coletividade, ludicidade, entre outros.
Cabe ressaltar que os experimentos aqui apresentados foram
possíveis devido ao comprometimento dos membros da Trupe da Alegria
que desenvolveram um trabalho além do comumente esperado no seu
planejamento, desafiando-se a experimentar, a errar, a buscar novas
perspectivas para o ensino do teatro. Esse grupo representa uma demanda
por experiências que possam ampliar o repertório dos profissionais da
Educação Infantil em relação ao trabalho com as linguagens artísticas,
assim como gerar novas abordagens metodológicas que contribuam com
suas práticas pedagógicas e de outros profissionais.
Penso ter construído com a Trupe da Alegria meios pelos quais
eles, e outros profissionais interessados, possam propor às crianças
oportunidades interessantes, desafiantes e enriquecedoras de
desenvolverem aprendizagens sobre elas mesmas, sobre o mundo e sobre
a arte teatral.
Reafirmo meu pensamento de que formações isoladas, realizadas
com um pequeno número de profissionais, não possibilitam ampliar a
discussão sobre a necessidade de se explorar as linguagens artísticas nessa
etapa da educação. Acredito que são necessárias formações in loco,
realizadas nas unidades educativas, onde as “maneiras de fazer”
encontram-se enraizadas, para que, de fato, possamos vislumbrar
mudanças no que diz respeito à apropriação da arte.
Defendo que a formação atue com todos os profissionais,
auxiliando-os na elaboração de propostas, ajudando-os a pensar caminhos
e metodologias, acompanhando suas práticas para que, desse modo, a
formação tenha ressonância na realidade e a prática seja desenvolvida a
partir de um constante diálogo com a teoria, num processo de
retroalimentação. Para que propostas como essa se efetivem, é necessário,
entretanto, um investimento em formação continuada assim como uma
mudança de percepção dos gestores acerca da importância das linguagens
artísticas como saberes indispensáveis à formação da criança.
Penso que a Universidade como um todo deva estar aberta ao
diálogo com os profissionais da Educação Básica e preocupada com sua
parcela de contribuição para com a sociedade, parcela essa que não se
restringe à formação acadêmica, sobretudo nos cursos de licenciatura,
mas ao estabelecimento de parcerias que contribuam com as mudanças
tão necessárias ao atual sistema educacional brasileiro.
A construção da experiência dos professores com a arte, portanto,
é necessária para que o olhar sobre as práticas artísticas com crianças seja
alterado, para que esse profissional possa sentir o que a arte lhe causa,
291
seja como espectador, seja como “experimentador” dela. Acredito que,
dessa maneira, ele poderá conduzir suas crianças a se expressaram através
de outras linguagens e, dessa forma, descobrir novos procedimentos para
trabalhar o teatro, a dança, a música, as artes visuais.
Desejo que material levantado nesta pesquisa possa servir de
inspiração para outros profissionais que quiserem iniciar suas crianças
num processo de assimilação e aprendizagem da linguagem teatral.
Constatei que o trabalho com o Drama é possível na Educação Infantil,
que pode ser apropriado, ampliado e transformado em proposta para esse
segmento, a partir da formação de outros profissionais. Acentuo a
necessidade de que os professores tenham a oportunidade de vivenciar a
linguagem teatral e criar em si uma memória viva da experiência
dramática, para que compreendam a proposta do Drama e para que as
práticas apresentadas neste trabalho não sejam tomadas como um modelo
e tratadas de forma descontextualizada.
Por ser uma referência metodológica que parte do contexto dos
participantes, o Drama se apresenta como uma possibilidade de trabalho
que estabelece um diálogo constante com a realidade e, nesse sentido,
com o contexto artístico e educacional contemporâneo não isolando a arte
produzida fora dos muros da escola, podendo dialogar com as
transformações artísticas, políticas, sociais, culturais e histórias. Por se
apropriar das falas, desejos e curiosidades dos sujeitos ele se coloca como
uma referência atual e em constante renovação que consegue se utilizar
das brincadeiras de faz de conta infantis transpondo-as a um fazer teatral
paulatinamente tornado consciente pela criança.
Ainda que a atual LDB regulamente a oferta da disciplina Artes
em todas as esferas da Educação Básica e que saibamos que essa não é a
realidade de grande parte das unidades de Educação Infantil, que, assim
como muitas escolas de Ensino Fundamental e Médio, não possuem um
profissional específico para o ensino das linguagens artísticas, espero que,
um dia, todas as crianças tenham a possibilidade de experimentar a arte
em todas as suas possibilidades. Na atual conjuntura política do nosso
país, na qual, supostamente, a Educação é a prioridade, possamos
vislumbrar mudanças significativas nas estruturas humana, física,
curricular, ofertando um ensino contextualizado, com professores
capacitados e valorizados, que se preocupem com a formação integral dos
futuros sujeitos que darão continuidade a esse país. Que as linguagens
artísticas e, sobretudo o teatro, possam ocupar o lugar que lhes cabe para
a formação de pessoas sensíveis, críticas, conhecedoras e apreciadoras de
arte. Insisto em acreditar que novos caminhos são possíveis.
293
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