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Sem se preocupar com estilo, o “DO QUE FICA DAQUI PARA FRENTE” é um “relato” visual daquela experiência vivida com os Xerente, hoje carregada de boa dose de nostalgia velada e expressa, sobretudo, por meio das imagens. Geraldo fala-nos de um povo que sofre pelos impactos causados por estar próximos à comunidade dita “branca”.
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Raymundo Aires FilhoUm amigo
Geraldo morreu em Madri no dia 25 de novembro de 2008 e ressuscitou no dia seguinte. Não fosse a ressur-reição, jamais saberíamos das peripécias desse filósofo
que se embrenhou no cerrado do Norte de Goiás, hoje Tocantins, para se instalar, de mala-e-cuia em Tocantínia, trabalhar nas aldeias Xerente e “banhar-se” no Tocantins,
embalado por sonhos antropológicos de quem voltava ao país.
Sua aventura teve início no Jardim Lídia, Jardim Lusitana, Jardim Rosana e Vila Remo, periferia da capital paulista,
quando atuava nas Comunidades Eclesiais de Bases, no trabalho de organização e de formação política nos anos
de chumbo da vida brasileira. Sem se preocupar com estilo, o “DO QUE FICA DAQUI PARA FRENTE” é um “relato” visual daquela experiên-
cia, hoje carregada de boa dose de nostalgia velada e expressa, sobretudo, por meio das imagens. Geraldo fala-
nos de um povo que sofre pelos impactos causados por estar próximos à comunidade dita “branca”. Fala-nos
sobre um líder nato que conduziu seu povo em diáspora pelo micro-mundo Xerente. Esteve presente na ocupação da terra prometida. Participou do processo de organiza-ção e presenciou a construção de um novo aldeamento: da hierarquização política ao estabelecimento dos meios
de produção para a sobrevivência. “DO QUE FICA DAQUI PARA FRENTE” é mais que um
simples relato de um ressuscitado, é parte do testemunho da luta de um povo para manter suas crenças, seus rituais,
suas tradições e a sua vida simples, pura e sábia.
DO QUE FICA DAQUI PARA FRENTE
Imagens guardadas, sentidas e vividas com os Xerente
Geraldo da Silva Gomes
1ª edição
Palmas-TOEdição do Autor2012
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Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e ou quaisquer meios (eletrônicos ou mecâni-cos, incluindo fotocópia e gravação) ou
arquivada em qualquer sistema de banco de dados sem permissão do autor.
Geraldo da Silva Gomes1ª edição: março de 2012
Ilustração e Projeto Gráfico: Rogério Adriano Ferreira da Silva
Foto da capa: Geraldo da Silva Gomes
Todos os Direitos Reservados
B869.3G633d Gomes, Geraldo da Silva.Do que fica daqui para frente: imagens guardadas, sentidas e vividas com os Xerente⁄Geraldo da Silva Gomes; Ilustração de Rogério Adriano Ferreira da Silva. – Palmas : Geraldo Gomes da Silva, 2012.
88 p. : il. color. ; 10x18 cm. ISBN 978-85-912250-1-9
1.Literatura portuguesa. 2. Literatura brasileira-contos. I.Título. II. Gomes, Geraldo da Silva. III. Rogério Adriano Ferreira da.
DO QUE FICA DAQUI PARA FRENTE
Imagens guardadas, sentidas e vividas com os Xerente
Geraldo da Silva Gomes
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Uma primeira conversaEntre os anos 87 a 92 tive a oportunidade de estar mais em contato com os Xerente. Trabalhava junto a instituição missionária, que por sua vez era anexa à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. As atividades de apoio educativo, de conscientização política e direitos humanos possibilitaram grandes encontros com pessoas importantes nos cenários nacional e internacional, daqueles tempos turbulentos da queda do muro de Berlim, de uma economia brasileira extremamente instável e de novos sujeitos a se imporem como agentes sócio-políticos no País, na América Latina e no panorama mundial como um todo.
Com Sílvia-Sibaká Thekla Wewering, Valber Kontxa, José Eduardo Leão, Lúcia Scalabrin, Antonio Brand, Bernard e Marielle Colombe, Monika Germann, Edni Gugelmin, Johannes Gierse, Antonieta Papa e tantas outras pessoas tive condições de aprender muito, e a compartilhar o que sabia. Parte desse grupo de pessoas estava ora próximo ora distante das comunidades indígenas e lidavam com outras atividades. Entretanto a interlocução mantida foi enriquecedora, crítica e de extremo apoio nas decisões tomadas. Vivíamos às voltas com os desafios do apoio aos povos Xerente e Krahô, buscando conectar-nos, também, mais estreitamente com os Apinajé, Javaé-Karajá e Tapuia do Carretão.
Recordo do estudioso Fernando Mires, em suas publicações da década dos 90 que defendia a emancipação dos povos ameríndios a partir deles mesmos. Tive oportunidade de contribuir,
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com pequenos grãos de areia para edificar algumas bases desse processo. Tempos depois desse período de trabalho, rompimentos e crescimentos ocorreram.
Outros agentes de apoio à causa indígena surgiram no cenário tocantinense, estudos, artigos, teses, macro-projetos foram realizados. Nos dias de hoje, 20 anos depois, sei que são várias os organizações de apoio e associações que representam os Xerente, bem como os demais povos indígenas nessas terras ditas araguaias e tocantinas.
As novas gerações ameríndias falam por si mesmas, e se fazem representar politicamente na arena do poder frente aos demais grupos e campos sociais. Vibro com suas conquistas, entristeço com seus fracassos. Mas são agentes socioistóricos e a cada um o seu quinhão de gozos e responsabilidades. Assim, o mundo segue sua rota.
Depois dos anos de trabalho mais intensos com as comunidades xerente, poucas acabaram sendo as visitas e contatos. Seguimos caminhos distintos. O respeito e a memória de tempos de dureza e alegria solidária continuaram para alguns de nós, como Raimundo Sompré e sua família.
Na última visita que fiz a eles, no ano de 2008, foi muito marcante. Realizamos inúmeras fotografias. Num dos momentos, Hesuká, um dos filhos de Sompré trouxe uma foto que fiz dele no final dos anos 80. Hesuká está adulto, agente de saúde, casado com filhos, inclusive com um recém nascido naqueles dias.
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Hesuká me disse que não se recorda de mim, mas lembra que seu pai sempre lhe dizia dos assuntos que discutíamos ao pé da fogueira no pátio da aldeia, à noite. Isso o ajudava a tomar decisões, a pensar no futuro dos filhos e a querer continuar como Xerente. Fiquei emocionado com sua fala, porque temos uma pretensão educadora de ensinar a geração presente, mas o que plantamos sempre fica para quem vem pela frente.
O momento em que Hesuká portava seu retrato junto a sua esposa, filhos e eu. Foi capturado em fotográfia. Incrível é a percepção que parte da minha história também está fincada ali.
Fotos feitas e cobranças posteriores de enviá-las foram realizadas por Sompré os dias passaram, muita coisa ocorreu em minha vida. não cumpri o prometido. Ao remexer em meu passado localizei negativos de tomadas de imagens realizadas nesse período. Com os avanços da tecnologia digital consegui reproduzir os negativos e slides em fotografias. Alguns desses materiais devem se encontrar em arquivos da instituição missionária anterior. Outros são em parte inéditos, como também, a novidade de olhá-los mais de 20 anos depois.
Decidi realizar a edição desse material, com alguns comentários ou apenas indicação de créditos de autores das fotos. Outras fotos falam por si. A edição é limitada e se destina a essas pessoas citadas e aos Xerente. Para mim ela não possui fins lucrativos, os direitos de uso coloco-os sob custódia de Raimundo Sompré.
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Os originais, anteriormente em diapositivos e negativos de filmes, agora registrados digitalmente em um DVD, repassei a Raimundo Sompré. Compete a ele distribuir parte dos exemplares, enviar aos grupos organizados entre os Xerente e compartilhá-los com Waldemar Soîti, Ranulfo do Funil, Pedro Mirkopte, Bonfim Wdêkruen, Vitorino Krunomrin, Neusa Assakré, filhos do falecido Benilson Wakrenro, Roberto Sukê, Bonfim Sisdazê e tantos outros descendentes dos Xerente que se encontram junto a Waptokwá.
Com Rogério, o infodesenhista, decidimos trabalhar uma formatação textual e das imagens que permita aos Xerente escreverem suas observações, anotar nomes das pessoas que recordam, colocar datas e locais, ou seja, se apropriarem do livro, de o transformarem em algo de uso cotidiano. A fotografia eterniza um momento, mas os diálogos que nascem sobre esse instante preservado, penso que auxiliam a refrescar e manter as memórias e histórias vivas. Talvez, um dia, antes que eu, Wahinê, também parta ao encontro de Waptokwá possa me reunir com todos aqueles que participaram desses momentos ao redor da fogueira, e conversemos sobre o que sempre fica daqui para frente.
Geraldo Wahiné da Silva Gomes
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As imagens
Aquele é o momento, era o momento. Este é o momento. O coração pulsa mais rápido e o clique assegura(va) perdurar
o instante do olhar, do movimento, do riso, da tristeza, da seriedade, da pose, do instantâneo do cotidiano. Nos anos
passados, esperava-se os insuportáveis dias de curiosidade para recebimento do
pacote com as fotos já reveladas. Surpresa e decepção caminhavam juntas. Em
algumas o instante perdurou, em outras serviam apenas para recordar que um
instante existiu e não se soube captá-lo. Depois, no laboratório básico se pode viver
os momentos rituais da revelação das fotografias.
Hoje, com as máquinas digitais e possibilidades de retoques variam-se
os sentimentos e expectativas. Mas o instante que se deseja perdurar
permanece o mesmo: deliciosamente misterioso e grávido de significações para quem está com o aparelho fotográfico em
mãos. É coisa de olhar que se prolonga pela máquina. Muitos já disseram, e
muito melhor, as considerações que tracei acima. É melhor ir direto para as imagens.
O caminho está organizado: terra e paisagens, crianças e idosos, trabalho e cerimônias. Tudo em preto e branco. Ocorreu, se viveu, passou. Foi psê-di.
Ficou.
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TerraO nascimento de uma aldeia, Tkaité (Terra
Nova) entre 1989-1990. Ainda se sente o acampamento no meio da mata – transição para a terra a ser ocupada - cheiro do mato roçado, da palha batida para as coberturas das primeiras casas, do espaço demarcado
para a roça de arroz.Pequena história para contextualizar: um
grupo de jovens xerente e suas famílias viveu um momento de dissidência com uma das
grandes aldeias. O movimento era tenso pois envolvia pelejas entre a autoridade dos mais idosos e a necessidade de marcar espaços de
representação política pelos mais jovens. A “diáspora” ocorreu.
Os mais jovens e suas famílias já traziam em idéia o local para ser estabelecida a nova
aldeia. Critérios estabelecidos: local plano possível para construção das casas; algo de novidade pairava no ar – a aldeia seria
em semi círculo (em formato de um grande “U”) com abertura para o sol. As casas se
disporiam ao redor dessa linha invisível com o pátio ritual central. Ao lado oposto da
abertura deveria ficar o caminho para a água.Nos primeiros dias, o grupo passou acampado
na mata, sob sol e chuva, com poucas provisões. Eles queriam uma terra nova, Tkaité, assim se chamou nos primeiros
tempos a aldeia.
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Capturei imagens iniciais do acampamento, de alguns momentos de receio do movimento feito
por parte dos mais experientes à luz da fogueira, das pessoas que estavam juntas, e dos trabalhos para fazer a picada para a nova aldeia e a grande
plantação a ser realizada.
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A roça/GSG
A casa improvisada/GSG
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Ozana e Sibaká/GSG
Valdevino Kresu/GSG
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Raimundo Sompré sempre teve uma personalidade marcante. Isso se fazia sentir nas questões que ele mesmo se colocava frente à empreitada de fundar
uma nova aldeia com seus companheiros mais novos ou da mesma idade. Suas preocupações iam
desde a criação dos filhos, o futuro e a garantia de que as terras xerente continuariam a ser
respeitadas frente à unidade federativa que se
Raimundo Sõmpré e Demétrio Srêkrumñe/GSG
Demétrio Srêkrumñe/GSG
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criava naquela região. Ele também se preocupava com o índice
de alcoolismo de seus parentes xerente, na dependência dos produtos das cidades próximas.
Não se podia impedir o contato, mas como estabelecer bases para se ter um equilíbrio? Até
hoje, com o passar dos anos, o menino que tirou a foto ao lado do pai, já como um cacique da nova
aldeia, continua com essas questões.A nova aldeia, a Tkaité (Terra Nova), começava
a tomar forma. Escolhido o local, o processo de dar forma a aldeia foi muito difícil. Carpir,
cortar, dar cara de casa e comunidade ao mesmo tempo. Consegui realizar as tomadas fotográficas
necessárias para registrar aqueles momentos.
A fase dois, depois da queimada e limpeza da área, esboçava o que viria a ser a Tkaité.
Do alto de um morro para registrar a terra p/ a nova aldeia/GSG
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No prazo de um mês, entre o bater das palhas, cortar na medida certa as tabocas para a
estrutura da cobertura e as madeira certas para sustentação das casas, a Tkaité surgiu.
A grande invernada se foi. Agora viria pela frente altas temperaturas, forte sol e noites frias pela
frente. O primeiro teste de sobrevivência para a aldeia.
Espaço para nova aldeia/GSG
Primeiras casas da Tkaité/GSG
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Vista geral da Tkaité/GSG
Uma casa de quem era?/GSG
A vida tomou o seu ritmo. As famílias traziam seus pertences do acampamentos e iniciavam
o dia a dia. Homens e rapazes nas roças, as mulheres cuidando das casas e da segurança das
crianças.
18A casa de Sibaká/GSG
A vida sempre se concretiza com a transparência das crianças/GSG
Nelci Hirêki, mãe de Assakredi, agora casada com Benilson Wakrenro, habitou tranquilamente na
Tkaité. Os dias e noites passaram a ter outros
significados tanto para a comunidade nascente quanto para nós, estrangeiros naquela terra e em
preparação de nossos trabalhos em educação e atentos com segurança e defesa de direitos desse
povo-nação.
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Ver arco-íris em preto e branco na Tkaité/GSG
A casa de Sibaká/GSG
A luz da juventude do lampião/GSG
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Sol forte, movimento se inicia/GSG
Trabalho duro/GSG
Por sua vez, os homens e os mais moços nas roças tratavam de colher e preparar o arroz. Embora tenha fundado uma nova aldeia, as roças que possuíam na aldeia anterior lhes pertenciam.
Assim, ninguém, nada perdia. Acompanhei Pedro Mirkopté, Ricardo Wairokrã,
Bonfim Wdekruen e tantos outros na dura empreitada de colher e bater o arroz para obtenção
dos grãos.
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Arroz bom para colheita/GSG
Movimento continua/GSG
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Fotogramas e alegria/GSG
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Arroz, comida e vida II/GSG
Arroz, comida e vida I/GSG
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"A Muda"/MC
Vozinha Krukwañe/GSG
Luzia Sipredi/GSG
Assakré/GSG
Não me recordo de seu nome, todos a
chamavam de “Muda”, junto com Luzia Sipredi
(mulher de Demétrio, pai de Sompré) bem como
Krukwañe e Assakré contribuíam, cada qual com suas habilidades –
roça e artesanato.
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Cortejo do casamento/MC
O primeiro casamento na Tkaité ocorreu entre Neusa Assakré e Ricardo Wairokã. Tudo muito
diferente daquela visão dos casamento pequeno-burguês do qual somos herdeiros. A preocupação não estava no vestido da noiva e no buffet real a
ser servido.A noiva com seu cortejo sai de uma das casas
acompanhada pelo pajé e comitiva de mulheres e crianças. A mãe leva um prato de comida como
oferenda.
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O cortejo segue seu destino até a casa na qual está hospedado o ancião.
A pintura corporal/GSG
O Cortejo/MC
Bernaldo Dabâzarkwa, tio ancião responsável é preparado com pintura corporal de seu clã para
proferir o grande discurso de união das duas pessoas e das famílias.
Os noivos se encontram. Sentados numa esteira da casa escutam o longo discurso. O ritual
prossegue. Aqui paro, porque ele pertence aos Xerente.
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A roça de KrunomriVitorino Krunomri sempre foi um xerente muito
especial. Quando jovem era daquela rama de gente quieta, pensativa, com dor de estômago
como Sompré, pois compartilhavam as mesmas incertezas, medos e sonhos para com seu povo.
Vitorino não era o líder da bodurna para proferir grandes discursos. Ele era líder guerreiro que
aprendeu a usar a palavras para continuar sua luta por melhores condições de vida para seu
povo. Mas sempre com muita calma.Krumonri também era ciumento, porque na
fundação da Tkaité ele tinha receio de que todas as nossas atenções nossas ficassem com o grupo
que se articulava. Isso não ocorreu, é claro. Mas ele sempre trazia um agrado, uma palavra pequena para descrever seus trabalhos, ria do
número de filhas que tinha e sempre esperando um menino. Riso tímido, olhar observador, fala
pensada e contida.De longa data nos convidava para visitar sua
V. Krumonri/SGG
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roça. A visita ocorreu, um dia, de bicicleta por entre as trilhas do cerrado e da mata fechada.
Roça de milho, espigas grandes. Tudo verde, Waptowá colaborou com dia ensolarado mas com
céu azulado anil.Krunomri mostrou riso, satisfação, queria exibir as melhores espigas, os mais altos pés de milho.
Foi dia especial. No final da visita, ainda na roça, algo estranho contornava nossos pés. Abaixei a vista, era uma jiboia. Ele riu, deixou-a passar,
afinal não precisava provocá-la, cada um com seu espaço e direito de viver. Tentei tirar foto dela,
negativo se perdeu. Restou imagem na memória.
O milho e a alegria/GSG
Mãos fortes/SGG
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RituaisSem análises antropológicas ou “virtuoses”
discursivas teológicas, os Xerente tinham uma forma especial de lidar com a esfera do sagrado,
embora a força intoxicante da tradição cristã, nas vertentes católica e protestante, e a penetração
da salvação instantânea das seitas de influência neo-pentecostal fossem cativantes.
Os mais velhos procuravam mostrar aos mais jovens datas especiais ligadas aos movimentos da
natureza (ciclo de plantação e colheita, períodos de caça, de acampamentos nas matas), do
respeito à memória de seus ancestrais e a aceitar a morte como passagem para outro momento de
continuar a viver, fosse de crianças, adultos e idosos.
No sincretismo forçado com o catolicismo interiorano conservaram o hábito da visita ao
túmulo da pessoa falecida no sétimo dia. Embora túmulo decorado com cruz e visita de sétimo dia
fossem revestidos de neo-cristandade, havia a tática xerente ao mesclar ao pesado ritual cristão
da perda o toque litúrgico dos guerreiros, com sua marcha, lanças, bordunas, discursos, pintura corporal evidenciando os clãs existentes. O ritual xerente evidenciava uma luta dos guerreiros para
espantar a morte daquelas terras e para deixar quem participasse a continuar seu caminho. A
língua xerente possui vocabulário extremamente concreto, não possui termos para nossas
divagações abstratas. No lugar dos grandes sermões consoladores, os
pajés e guerreiros desafiavam as forças negativas que poderiam estar presentes a deixarem a
comunidade.
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Participei de algumas cerimônias dessa natureza. São impressionantes, porque eles se revestem de
uma força interior que os dignifica como homens, mulheres, seres humanos e divinos ao mesmo
tempo.
Início do ritual de visita de sétimo dia/GSG
Orgnização do Clãs/GSG
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Entre os guerreiros dos clãs dominantes pode se encontrar a presença de representantes das mulheres/GSG
A marcha e a dança/GSG
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A marchaAo fazerem o caminho de volta para a aldeia da pessoa falecida, os guerreiros encontram toda a comunidade reunida à espera para o momento
do choro ritual. Aos olhos e ouvidos de um curioso ignorante esse momento seria de histeria coletiva, no entanto, nada disso ocorre entre eles.
O momento do choro coletivo é justamente o pacto oficial de que a pessoa falecida passou para
outro plano, vive em outra história, não existe mais fisicamente entre os vivos ali presentes. Ela deve ser lembrada, a partir desse agora,
como alguém que não mais está. O choro ritual também é motivo de alegria, não somente de
tristeza. Quantas vezes assisti a visita de parentes distantes dos Xerente e a alegria do reencontro era representada pelo choro das mulheres, agachadas, cabeça entre os olhos e aquele pranto que não era
de tristeza, sim de pura alegria.
A marcha e a luta para defesa dos vivos/GSG
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Espera de chegada de todos os guerreiros/GSG
A espera I /GSG
A espera continuada/GSG
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O choro/GSG
A tristeza/GSG
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Turés e Tarês
Os melhores professores para ensinar um vocabulário básico xerente são as crianças.
Muitas vezes, me peguei utilizando termos, sons, expressões que a eles pertenciam. Os adultos
caiam na gargalhada. Em muitas tardes, sentava nos arredores da casa que morávamos na aldeia,
com um grupo de meninos (turés) e meninas (tarés) ao redor. Carvão, pedaço de tábua ou
ponta de galho para imitar lápis, eu desenhava e ficava observando os nomes que davam.
Logo, compreenderam meu jogo. Dos desenhos passamos para a mímica. Ainda me lembro
dos risos daquelas tardes. Não me preocupava em ensinar português, queria mais é que eles
guardassem sua primeira língua, o xerente. Os projetos educativos governamentais e equipes de pesquisadores linguístas se encontravam ávidos e de plantão para ensinar a língua portuguesa. ou semear um bilinguismo a partir de projetos
das universidades, Além disso, turés e tarês desde novinhos já tinham contato com as cidades
próximas, a língua portuguesa não era coisa estranha. Cada coisa a seu tempo.
Nas próximas páginas, deixo algumas imagens daqueles tempos. Em algumas cito apenas a
aldeia na qual estava o turé ou a tarê, espero que todos estejam vivos. Os espaços embaixo de cada
imagem se destina para que seja escrito o atual nome de cada um deles.
Roça quando era perdida por chuva excessiva ou calor extremo se trazia fome. Pior momento do dia, amanhecer em dias úmidos pós-chuva e pouca comida. As crianças ficavam ao redor
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Aldeia Bela Vista/GSG
das fogueiras em suas casas à espera de algum quebra-jejum que nunca aparecia. Às vezes, as
mães lhes davam um chá bem doce de folha de carne e um pouco da farinha de mandioca empubada que restava. Esta imagem da Bela
Vista me lembra concretamente desses períodos e dos rostos da fome que ficaram em minha
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Aldeia Bela Vista/GSG
Tkaité/GSG
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TkaitéSrêzê/GSG
Tkaité/Srêzê/GSG Tkaité/Srêzê/GSG
Tkaité/Srêzê/GSG
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Tkaité/GSG
Bela Vista/GSG
Bela Vista /GSG
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Bela Vista/GSG
Bela Vista/GSG
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Bela Vista/GSG
Entretanto, em meio à fome, a alegria perdura/GSG
Tkaité, Célio Karnase, filho de Demétrio Srêkrurmñe/GSG
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memória.Ela esta adulta agora, filha de
Binoca e Jacinto. Os pais eram funcionários da Funai, viviam na aldeia Bela Vista. Seus três filhos
eram bilíngues (português-xerente).
Bela Vista/Brasil
Bela Vista/Brasil
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Juventude e AnciãosO ciclo da vida continua. Muitos anciãos
morreram pela senescência natural; jovens de outrora hoje são pais e mães trafegando entre
Tocantínia e as aldeias como uma só extensão. As novas gerações usam corte contemporâneos nos cabelos, camisetas multicoloridas e "pen-drives" pendurados nos pescoços. Outros tempos, mais
outras maneiras de continuar a existência xerente.
Bela Vista/GSG
Bela Vista/GSG
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Uma vez, Raimundo Hesukámekwa à beira da fogueira me contava sobre suas preocupações
com os Xerente. Recordava histórias de tempos anteriores, parte delas falava com saudade triste
e melancólica de um passado distante. Ele queria que o passado voltasse. No dia seguinte, cantou
com muita vitalidade no pátio, inclusive fez discurso bonito. Ele queria desabafar porque não
sabia como voltar ao passado.
Barco da Aldeia Bela Vista subindo o rio Tocantins para chegar à Miracema e Tocantínia/GSG
Os Anciãos/GSG
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Tempos depois, na semana da tinguizada da Aldeia Bela Vista, tive oportunidade de encontrar com o Velho Jacinto. Um dos xerente mais idosos
daquela época, pelas contas de quem dele cuidava já passava dos 90 anos. Cego, poucos dentes
restantes na boca, andava firme com apoio de seu cajado. Ele me contou histórias dos tempos
das disputas de poder pelas terras com os Krahô, as idas e vindas dos Xavante, como recebiam os
missionários.
Jacinto/Bela Vista/GSG
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O chinelo com cordas improvisadas, roupas rotas, tosse seca pelo cigarro de palha, assim o Velho
Jacinto se apresentava. Não sei se tinha sua aposentadoria, perdi contato com sua vida. Talvez não se encontre mais nessas terras humanas, tive orgulho em escutá-lo, em estar com ele, privilégio
para poucos.
Jacinto/Bela Vista/GSG
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TEMPO DE TINGUIAos ecologistas e protetores do meio ambiente peço perdão, mas o período da tinguizada era extremamente delicioso. A gente sabia que o
tingui expelia uma substância que entorpecia os peixes, contudo o momento de reunião dos Xerente com seus familiares, a unidade tribal
para a preparação do tingui, a escolha dos melhores porretes para bate-lo na beira do rio, os convidados não xerente. Tudo era motivo de
expectativa, embora em alguns casos a tinguizada disfarçasse período de longa estiagem e fome
Não sei seu nome mais, mas ele ficou toda uma tarde contando-me histórias na Aldeia Rio Sono. Quem se lembra?/GSG
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pairando no ar. O peixe recolhido era salgado e guardado como prevenção para dias de possível
escassez de alimentos.A primeira tinguizada participei junto com Sibaká
e o grupo de Raimundo Sompré. Ficamos às margens do rio Preto, água gelada, alguns locais
pareciam que era a primeira vez que se colocavam os pés, tal era o estado intocavelmente selvático. Em 1990, fomos para uma tinguizada na Aldeia
Bela Vista. Por lá estava Sebastião colega de trabalho. A tinguizada exigiria deslocamento para uma queda d’água, creio eu que desapareceu com a construção da UHE-Lajeado. Fomos para a mata
próxima à queda d’água montar acampamento.Construir cabanas improvisadas para dormir à
noite e descansar nas horas mais quentes do dia. Durante o dia, todos os que podiam na aldeia
iam bater tingui e se colocavam à espera para recolher os peixes.
Nem todas as cabanas improvisadas ficaram prontas. No segundo dia, caiu uma tempestade
que varou a noite.
Inprovisação de abrigo/Bela Vista/GSG
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Bela Vista/por-rete/GSG
A dança, a luz e o movimento/Bela Vista/GSG
A dança e a correnteza/Bela Vista/GSG
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A partilha ocorria após a coleta dos peixes. Às vezes, não se conseguia muitos peixes, mas o
espírito de estar juntos deixava a todos felizes.
Tomada geral/Bela Vista/GSG
Partilha/Bela Vista/GSG
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Num desses momentos, me deixei pintar o corpo. Foi diversão geral de todos. O pau de leite era
uma cola que me dava alergia, até hoje, sinto a coceira que provocou.
Geraldo/Bela Vista/Sebastião/(?)
A pintura/Bela Vista/GSG
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ACAMPAMENTOMarco deverá se recordar desse acampamento que
realizamos com parte da comunidade da aldeia Tkaité. Foram mais de cinco horas caminhando entre cerrado e mata fechada para chegar até a
margem ideal do rio Sono. Lugar paradisíaco.O acampamento trazia todo um processo
educativo que hoje tenho condições de analisar. No momento, quando estava ali vivendo não se
percebia toda a sua dimensão pedagógica. O acampamento era o ambiente dos mais jovens
aprenderem a caçar, a pescar, a conversar mais diretamente com seus pais e tios, de escutar o
tempo que passava pelo rio.Quantas vezes, à noite os turés maiores de Sõpre
não avisavam que um barco a motor qualquer estaria passando dali a algumas horas. Dito e
acontecido. Não sabia como conseguiam fazê-lo, depois vi que era treino de sentidos.
Um médico e filósofo – Marco e eu – nos metemos nessa empreitada.
A experiência serviu para aprendermos a brigar, a reconhecer diferenças culturais, a ser mau humorados um com o outro e ao final nos respeitarmos. Sõpre observava e ria de nossas
discussões. Ele era mais novo que nós dois, mas tinha uma visão mais clara das coisas.
Krukwané ria quieta dos “brancos” que discutiam por qualquer coisa, mas na hora de dormir se embolavam na mesma barraca dividindo
fraternalmente cobertores pelo frio da madrugada. Continuamos, Marco, cada um em seu canto com
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Rio do Sono/GSG ou MC?
Alguém ao Longe/Rio Sono/GSG ou MC?
O acampamento/GSG ou MC?
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Não sei se fui eu ou Marco a tirar essa foto de Assakré/GSG ou MC?
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suas histórias e lutas, esse período nos ensinou muito a ser solidários e a ter esperança de que
todo vir a valer a pena.
Acampamento/Rio do Sono/?
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Pátio
Pátio de aldeia quando não possui prédio de escola, campo de futebol ou postinho de saúde
como lugar de atenção, a imitar praças de interior, é lugar sagrado.
Pátio é lugar de cantoria, de chamar para reunião, de discussão, de tomada de decisão. Pátio é
espaço do riso, da alegria das crianças quando seriamente o pajé entona seu canto e toca sua
maracá, e elas riem convulsivamente porque alguém peidou e fez barulho. Ninguém ralha com elas, ser feliz é regra e não exceção. Tenho várias
passagens por pátios, cantos e discursos dos mais idosos ficaram em meus ouvidos e mentes.
Acredito que cada um dos que se encontrarem fotos reconhecerão nomes e lugares. Prefiro que as fotos a seguir, sem legenda, convidem a cada akwén a se localizar naquele tempo e a colocar
seu nome.
__________________/GSG
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_______________________/GSG
Bela Vista/GSG
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Bela Vista/GSG
Bela Vista/GSG
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Bela Vista/GSG
________________________/GSG
___________________/GSG
60
_____________________/GSG
___________________/GSG
61
Partilha I/GSG
Partilha II/GSG
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OrganizaçãoEra tempo de defesa da causa indígena, se bem
que poucos traziam quais eram as questões indígenas principais a serem respondidas.
Autonomia ou autodeterminação, inculturação x aculturação x integração(?), proteção dos direitos indígenas a partir da Constituição de 1988, o que
significava de fato a expressão respeito às terras imemoriais?
Como realizar um trabalho de aprendizagem para responder questões dessa natureza tanto
para os Xerente quanto para nós mesmos? Eram desafios, porque não existem receitas
prontas. Alguns colegas de trabalho se afiliavam incontinentes à concepção metodológica dialética
como fórmula mágica ou a escritos de teólogos da libertação. A violência e o desrespeito com os grupos indígenas eram muito recorrentes. Uma grande incompreensão pairava no ar, porque se
defendia os direitos dos índios, mas eles deveriam aprender a fazê-lo e nesse movimento construírem suas relações com os demais agentes dos diversos
grupos da sociedade. Nessa época, o estado do Tocantins foi criado pela
Constituição Federal de 1988. Grande desafio para as várias populações que ocupavam a região
norte goiana. Elas tiveram de enfrentar grandes levas migratórias para o que se prenunciava como
nova fronteira de desenvolvimento e progresso em um país pauperizado e descrente de si mesmo naquele momento pós-ditadura e titubeante com
sua economia inflacionada.Entre os vários segmentos organizados existentes
no seio Xerente, um se destacou mais, liderado por Raimundo Sõmpre, Valdemar Sõiti, Vitorino
Krunomñri, Bonfim Dkruen e que mais tarde contou com as presenças de Ranulfo do
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Cercadinho (hoje no Funil), Reinaldo do Funil.Parte desse grupo teve condições de participar representando aos Xerente no grande encontro
de Altamira-PA sobre a preocupação e defesa das terras indígenas frente aos Projetos de Grande Escala prenunciadores de usinas hidrelétricas.
Nesse momento histórico, graças a força dos meios massivos de comunicação, a questão
ambientel entrou na pauta do dia, sobretudo pela realização próxima da Eco 92 no Rio de Janeiro.
Artistas internacionais e nacionais adotaram bandeiras ecológicas e os grupos indígenas tornaram “pop”, isto é, vistos como exóticos
xamãs de algum cantor famoso, conseguiram se definir como agentes políticos e falando por si
mesmos e suas organizações.Esse movimento tendeu a crescer. Creio que
daí muitas organizações de apoio aos indígenas ficaram órfãs, pois seus protegidos conseguiram escapar do conceito de índio que lhe fora criado.
As sementes estavam lançadas.Com os Xerente ocorreu movimento semelhante,
ao participarem de movimentos políticos externos e no aprendizado de se fazerem organizar para
discutir e resolver problemáticas que iriam se avolumar com a implantação do estado do
Tocantins.
Reunião em Tocantínea/
GSG
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Os tempos passaram, os problemas continuam. Muito se logrou, eles ainda têm bastantes
processos a estabelecer, entretanto, os Xerente estão falando mais por si mesmos.
A preocupação com a defesa das terras e a preservação da língua e da cultura fazem parte da
grande bandeira dessas jovens lideranças.Como a distância entre as aldeias era grande, parte das vezes se reuniam em Tocantínia ou
faziam revezamento de encontros por aldeia. No ano de 1990, graças aos trabalhos realizados nas comunidades krahô, apinajé, tapuia do carretão
e contatos com karajá-javaé se realizou em Porto Nacional, nas dependências da Escola Agrícola,
o primeiro encontro dos povos indígenas no Tocantins. Poucas pessoas guardam esse dado
histórico na cabeça, não havia interesse naquele momento esse tipo de organização.
Reunião em Tocantínea/GSG
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Anos depois, vários eventos ocorreram e com várias frentes de organizadores e agências de fomento. Mas já era uma conjuntura de globalização, de “pop” os grupos indígenas
deveriam aprender a ser globalizados.
Reunião na Boa Vista/GSG
Ranulfo e seu discurso/Tocantínea/GSG
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CaminhosO caminho. Quantas vezes ao cair da noite,
vento frio prenunciando temperatura baixa na madrugada, Sibaká não sei se perguntava a si
mesma ou a mim sobre a vida e o futuro do modo de viver dos Xerente.
Era uma resposta difícil de ser dada, porque não dependia somente de nós, pelo menos, membros
dos grupos que prestavam acompanhamento solidário e cooperativo. Como qualquer grupo
de trabalho, carecíamos de mais pessoas para estar junto nas empreitadas assumidas.
Tivemos a presença de algumas delas que deixaram riquíssima contribuição com seus
questionamentos (chatos na época, visionários ou prenunciadores quando repensados anos mais
tarde). Em geral, éramos vistos como pessoas exóticas
que teimavam em estar junto com grupos étnicos “condenados” aos encantos assimiladores da
sociedade de consumo, e naquela época, mais forte com as possibilidades de desenvolvimento
pela modernização tecnológica advindas da criação do estado do Tocantins.
Sibaká e Valber Köntxa ensinaram a necessária prudência para o aprendizado da escuta com
os grupos indígenas e o respeito às famílias dos “cristãos” (população envolvente das cidades e fazendas fronteiriças). Era clima tenso, ainda
persistem feridas mal cicatrizadas entre ambas as partes. Não existe esquecimento (in) voluntário, memória de violências, mortes, invasões e dores
persistem entre ambos os lados. Nesses caminhos nos manejávamos. Pessoas que rotulávamos sob
nossos critérios ideológicos foram também me ensinando a complexidade das relações inter-étnicas, que as angulações que possuía eram
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por demais estreitas pelas técnicas utilizadas para analisar e manejar-me nessa sociedade
caleidoscópica.Corriam-se riscos. Eram outros tempos. Os riscos
de hoje são mais sofisticados. Os relatórios de violência no campo e nas áreas próximas às comunidades indígenas ainda o comprovam anualmente. Mas naqueles tempos, as balas
não eram perdidas, possuíam códigos de endereçamento precisos.
Uma mística mantinha membros dos grupos de apoio reunidos. Não se tinha vergonha em
expressá-la pela opções tomadas.Nesses caminhos realizados, posso mencionar
com saudade as presenças de Sebastião na Aldeia Bela Vista, das irmãs Antonieta Papa e Fátima na Aldeia Cercadinho, da irmã Edni Gugelmin
e seu eterno inconformismo questionador que a todos chateava, mas carregado de sinceridade,
boas intenções e prenhe de uma mística franciscana. Irmã Edni ensinou-me, muitos anos
antes, a apreciar as lacunas ricas de vozes nos interespaços dos poemas de Fernando Pessoa.
Das presenças de Irmã Anastácia, Suyane, Zico, Valmir, Leonarda, Fatíma (é assim mesmo que a chamamos), Marco, Bárbara, (Ana) Messias,
Gulinha, Pedro Galdino e Magna, Davi e Marilda.Outras pessoas existiram nesse processo. As imagens seguintes são lembranças de
momentos importantes, fragmentos de nossas histórias vividas.
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Caminho para Bela Vista, Sibaká e Wahiné/?
Sábado de brincadeira com balões doados por não sei quem, dia de riso/?
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Ida para nova comunidade de Sõpre quando Tkaité deixou de existir, rota pelo Rio Sono, no
ano de 1994.
Canoa, canoeiro I/?
Canoa, canoeiro II/?
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Uma das últimas viagens que fiz à Aldeia Bela Vista/GSG
Dia de chuva, frio e rede na aldeia. Tkaité/GSG
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Cada criança sempre representava a garantia de continuidade dos Xerente/SSW
Bela Vista/Dia vai ou vem/
GSG
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Por onde anda Sebastião?/GSG
Ir. Antonieta Papa e turé do Cercadinho/GSG
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Fatíma e Antonieta na Aldeia Cercadinho/GSG
Antonieta num país que não era de Alice de Lewis Carroll/GSG
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Com aqueles que ficamosPor onde Krukwanê estava Hesuká junto ficava.
A avó fazia questão de desenhar em seu corpo as marcas do clã ao qual pertenciam na sociedade
xerente. O cabelo lembrava um menino xavante. Krukwanê, em poucas palavras, explicava a
razão do corte do cabelo: “Os Akwe são parentes dos Xavante.” Verdade dita. Pelo pátio da
aldeia, Hesuká circulava com sua irmã Kuzadi. Krukwanê com olhos de águia cuidava deles.
Num entardecer de longa estiagem, Krukwanê e Kuzadi chegaram. Estavam querendo alguma
coisa, andava de um lado para o outro, queriam mostrar algo. Sibaká me falou baixinho que
Krukwanê tinha renovado a pintura no corpo deles. Chamei-os. Junto a mim, Sibaká aproveitou
e fez uma fotografia.Hesuká continuou ali. Ele se sentou no toquinho
Tkaité/com Hesuka/SSW
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do bate-papo. Aproveitei o momento e bati a foto. De revelada, ela foi para um pôster e não sei como
acabou parando nas mãos de Hesuká.
Um jovem rapaz, casado com três filhos e esposa
Hesuka/GSG
Hesuka/GSG
Não me importa como encontrei o estado do pôster. Encontrá-lo junto
a Hesuká 17 anos depois foi emocio-
nante.
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me trazia o pôster com seu nome já de adulto – Hesukámekwa.
Depois de muitos anos, estava em visita à nova área que Sômpré havia escolhido para viver com
sua família. Esta agora com filhas e filhos adultos, com seus genros e noras e uma nova geração de
crianças. Eu que buscava as imagens me senti bem
em fazer parte delas como história agora. Hesukámekwa (agora seu nome completo) era
monitor da escola. A fala de seu pai era histórica e de lutas vividas.Hesukámekwa possuía a fala das
novas gerações.Ele dizia recordar apenas algumas coisas de
Hesuká/GSG
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mim, palavras engraçadas, risos, brincadeiras e desenhos. Mas, acrescentou algo que me arrebatou. Ele não se lembrava de minha
imagem, mas seu pai sempre que podia lembrava de algumas coisas que eu tentava passar de informação sobre o mundo, as políticas, as
possibilidades de viver com qualidade melhor. A emoção foi muito grande, porque por anos pensei
que nada de mim ali ficara. E justamente com essa nova geração, mais crítica junto à sociedade
envolvente e realizando objetivamente suas escolhas, ali estava um "cadinho" de mim. Pura
emoção. Reunimos a nova geração da criançada para
fotografias. De praxe não guardei os nomes, deixo para eles, agora, três anos e meio depois, se
reconhecerem nas fotos.
Com as novas gerações/M.G.
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Muito ainda se tem a construir para o bem estar de seu povo, contudo as reivindicações e
negociações devem ocorrer com representações dos grupos étnicos, das associações existentes e com as demais instituições e organizações da
sociedade envolvente.Não serei eu a ensinar o como fazer, graças a
O que ficará de nós para a criança mais nova de Hesuká?/MG
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Como estará a criança mais nova
hoje?/GSG
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______________/GSG
______________/GSG
______________/GSG
______________/GSG
______________/GSG
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Sipri /GSG
/GSG
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Teresinha Smika, esposa de Raimundo Sôpre, força e companhia, minha comadre/GSG
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Waptokwá, embora parte da essência do pote possa parecer estar desaparecida, porque ele tem vazamentos e trincados, eles se mantêm unidos.
Não digo pelo número pulverizado de aldeias, sim porque encontram maneiras de teimosamente se fazerem presentes como agentes sociais no
cenário tocantinense e não apenas como figuras decorativas de um passado exótico ou folclórico.Paro por aqui. Meus caminhos apontaram para
outras direções, ficam o carinho e a solidariedade. Para os que continuam a labuta, deixo imagens
do que ficou para trás mas não se perdeu.
Geraldo Wahiné da Silva Gomes
Com Sõpré numa conversa séria sobre presente e futuro, necessidades e conquistas, sonhos e trabalho pela frente/GSG
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Fotografias:
GSG - Geraldo da Silva GomesMC - Marielle ColombeSSW - Sílvia Sibaká WeweringMG - Monika Germann
rogerdesing@gmail.comhogerdesigner.blogspot.com
Geraldo da Silva Gomesgefigo@gmail.com
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Krunomri mostrou riso, satisfação, queria exibir as melhores espigas, os
mais altos pés de milho. Foi dia especial. No final da visita ainda na roça algo
estranho contornava nossos pés. Abaixei a visita, era uma jiboia. Ele riu, deixou-a passar, afinal não precisava provocá-la,
cada um com seu espaço e direito de viver.
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