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2 Vida às margens Histórias guardadas ao longo da BR-470 Júlia Benthien Paniz

Vida às margens: Histórias guardadas ao longo da BR-470

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Livro-reportagem fotográfico realizado em forma de Trabalho de Conclusão de Curso como pré-requisito para a conclusão do curso de Jornalismo da Univali. Institulado Vida às margens: Histórias guardadas ao longo da BR-470 ele retrata e registra a vida de pessoas que estão diariamente na rodovida federal.

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Vida às margensHistórias guardadas ao longo da BR-470

Júlia Benthien Paniz

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Júlia Benthien Paniz2012

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Livro-Reportagem FotográficoProdução: Júlia Benthien PanizOrientação: Laura SeligmanProjeto gráfico e diagramação: Felipe Fernando AlcântaraAno: 2012/1

Universidade do Vale do Itajaí - UnIValIceciesA - comunicação, Turismo e Lazercurso de comunicação social - Habilitação em JornalismoDisciplina: Produção Técnica e científicaTrabalho de conclusão de curso

Vida às Margens: Histórias guardadas ao longo da BR-470 À minha mãe, por tudo e mais um pouco. Ao meu pai, por ter me inspirado

a chegar até aqui. Aos meus irmãos, que mesmo longe, estão sempre comigo. Aos meus avós, que são a base de tudo. Aos amigos, que foram compreensivos e me deram força. E, principalmente, às diversas histórias que encontrei nesta caminhada, expostas ao longo da BR-470.

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Sumário

1. estrada para o litoral.......................................................................................... 112. Novidade Ultrapassada..................................................................................... 173. Km 33 – Um sonho realizado às margens da 470............................................ 204. A sorte sobre duas rodas................................................................................... 245. Km 59 – Árvore da esperança........................................................................... 286. Km 36 – A estrada como companhia................................................................ 347. Km 58 – Procura-se: sucesso no anonimato.................................................... 408. Km 34 – A rua da infância.................................................................................. 429. Km 53 – Farda da segurança............................................................................. 5010. Km 61 – esperando o desconhecido................................................................. 5711. Km 31 – Na linha cinza, os pontos amarelos..................................................... 58

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A linha cinza, sinuosa e seus pontilhados brancos e amarelos hoje são acompanhados por campos alaranjados, ou muitas vezes verdes, das plantações de arroz. casas, ferros-velhos, restaurantes, postos de abastecimento, empresas e a predominância de distantes horizontes cobertos pelo verde da vegetação, complementados com os vales e montanhas em todas as direções. A estrada, que recebe diariamente rodas que seguem para os mais diversos destinos, é a mesma que há alguns anos, e durante muito tempo, foi palco das obras que ligariam o Planalto e o Oeste ao litoral catarinense. A história de uma das rodovias mais importantes do estado teve início em 1973 e, apesar de ter toda a sua extensão concluída em 1995, possui muitas páginas em branco a serem escritas. Há muitas histórias nas entrelinhas, escondidas ao longo desta estrada, em lugares inimagináveis. A BR-470 possui 472,3 quilômetros de extensão, que vão da portuária cidade catarinense de Navegantes, até o município gaúcho de camaquã. No trecho que vai de Navegantes até a divisa de santa catarina com o Rio Grande do sul, recebeu o nome de rodovia ingo Hering.

Estrada para o Litoral

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Tudo iniciou em Blumenau, em 1856, quando o ambicioso Hermann Bruno Otto Von Blumenau, seis anos após a instalação no município, considerou necessária uma ligação entre a cidade e a serra, mais especificamente com Lages. A partir daquele momento, teve partida uma longa viagem com sete pessoas a bordo de três mulas. com o apoio e a supervisão do engenheiro e amigo emílio Odebrecht, Dr. Blumenau abriu uma estrada que seria composta por diversos capítulos. Muitos anos se passaram e durante mais de um século, o chão de areia e de terra era o caminho utilizado para o transporte de mercadorias e de pessoas. Na década de 1970, o segundo capítulo desta história começou a ser escrito com a pavimentação do percurso, considerado um desafio pela extensão e, principalmente, pelos altos valores de investimento necessários. Não demorou muito para que surgisse a primeira barreira ao sonho de concluir a rodovia. Finalizado o trecho do Planalto até Blumenau, o principal problema estava entre Gaspar e Navegantes. A região, caracterizada por banhados e solos pouco firmes, exigia um investimento muito alto e se tornou um desafio para a engenharia rodoviária. Após todos os impasses, aqueles que aguardavam ansiosamente pelas próximas etapas tiveram mais um motivo para acreditar que em breve a rodovia estaria pronta. seria um novo caminho a facilitar o escoamento da produção catarinense para outras cidades e até mesmo outros estados. era 1973, quando o deputado federal Abel Ávila dos santos incluiu a obra no projeto de lei 1143, criando

o Plano Nacional de Viação do Governo Federal. isso garantiu o investimento para a pavimentação dos 25,2 quilômetros restantes. Até então, aquela estrada sem pavimento continuava sendo uma tentativa frustrada de ligação entre o Planalto e o Litoral. Além disso, não era bem vinda pelos moradores da região. Mas, àquela altura, eles já sabiam o projeto da estrada que não tinha volta. Na época, consideravam que a chegada de potentes e grandiosas máquinas seria prejudicial para todos. Também estavam conscientes da dualidade daquela situação: se a estrada representava o fim da tranquilidade, ao mesmo tempo, iria movimentar a economia. essa contradição iria se arrastar ainda por muito tempo, sem que houvesse um desfecho. De um lado, o temor da novidade e de outro, o desconforto de viver em meio a um canteiro de obras. O impasse, iniciado no governo do General emílio Garrastazu Médici, ainda passaria por mais cinco presidentes até a entrega da pavimentação total da rodovia, o que resultaria em outra longa história, que deixaremos para ser contada mais à frente. cerca de três anos se passaram e a 470 não evoluíra. Foi em uma visita a Blumenau, em 1976, que o então Presidente ernesto Geisel decretou como obra preferencial daquele governo, a conclusão da rodovia. O prazo de 24 meses para a entrega, no entanto, esbarrou em novas dificuldades: além da composição do solo, havia a demora na liberação da verba e a necessidade da construção de pontes. O projeto foi paralisado mais uma vez. só que esta pausa foi, de todas, a que durou mais tempo. iriam transcorrer 16 anos até a retomada das obras. e desta vez, a responsabilidade saiu das mãos da União e foi parar no comando do estado. No ano de 1993, Vilson Pedro Kleinübing, governador de santa catarina, bateu o martelo sobre a continuidade da rodovia: a partir daquele momento, recursos do estado passaram a ser investidos, mesmo que judicialmente a obra estivesse sob a responsabilidade federal. Quando finalmente o trabalho ganhou ritmo, eis que uma nova nuvem negra pairou sobre a BR 470. Kleinübing se candidatou a senador e deixou o governo, o que resultou em nova paralisação.

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Quem assumiu o cargo foi o vice, Antônio carlos Konder Reis, que não deu muita esperança a quem ansiava pela ligação que levaria até o litoral. Unidos, os prefeitos dos municípios de Blumenau, Gaspar e Navegantes, já previam o destino da rodovia ingo Hering. Renato Vianna, responsável pela cidade blumenauense, defendia a conclusão da 470 para que ela dividisse o fluxo de tráfego com a Jorge Lacerda. A expectativa era de que a nova estrada facilitasse o movimento para o litoral e atraísse mais turistas durante a tradicional festa alemã de outubro, a Oktoberfest. O anseio em expandir a região Norte seria garantido com a construção das pontes prometidas para o município. Para o prefeito de Gaspar, Luiz Fernando Poli, não havia outra solução: a rodovia era a única possibilidade de crescimento para a cidade, que recebia constante fluxo de carga pesada; a opção seria utilizar a margem esquerda do rio, promovendo o desenvolvimento local. Já para Darci Nertan, o principal objetivo com a conclusão da rodovia era incentivar o turismo em Navegantes. em 1995, a União retomou o que seria seu por dever: a responsabilidade em concluir uma extensa novela que parecia não ter mais fim. entre muitas idas e vindas, mais uma parada, pois o corte de gastos da União cortou também a esperança dos catarinenses. A verba foi redistribuída a outra obra e por mais algum tempo, santa catarina permaneceu sem uma resposta concreta do desenrolar desta história.

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Após o fim do mandato de Antônio carlos Konder Reis, quem assumiu o comando do governo estadual foi Paulo Afonso Vieira e o vice José Augusto Hülse, ainda em 1995. A prioridade era a conclusão do trecho no ano da posse. Anunciada como o que havia de mais moderno em tecnologia, o valor gasto na obra foi de quase um milhão e meio de dólares por quilômetro. No trecho mais crítico e sinuoso, foram necessárias escavações de até 255 metros de profundidade para a substituição do solo arenoso por colchões de areia que dariam sustentabilidade à via. No total, foram 22 anos de espera que separaram o sonho da ligação entre o litoral e Gaspar pela 470. essa rodovia é extensa, mas vamos lançar um olhar para o trecho entre o litoral e Blumenau. A luta foi vencida quando o presidente Fernando Henrique cardoso inaugurou a estrada em cerimônia na localidade do Baú Baixo, no município de Gaspar. era 2 de outubro de 1995. Quando finalmente a história da conclusão da BR-470 chegou ao fim, uma nova preocupação surgiu, dando início a uma batalha que até então não há previsão para encerrar.

Foi naquele mesmo dia em que era comemorada a entrega da extensão final da rodovia, completamente pavimentada, que a necessidade de duplicação da BR foi anunciada. Na presença de prefeitos e integrantes da Associação dos Municípios do Médio Vale do itajaí (Ammvi), Fernando Henrique cardoso recebeu o pedido de duplicação do trecho que iria de Gaspar até indaial. Pouco tempo depois, outros municípios que eram cortados pela estrada também compraram a briga. Antes de ser concluída, pensava-se que aquela seria a rodovia capaz de trazer mais conforto e segurança aos motoristas. Tudo o que havia de mais inovador na tecnologia da engenharia rodoviária estaria sendo investido naquele trecho. Porém, após três anos da conclusão, em 1997, as manchetes dos jornais já anunciavam a 470 como a segunda rodovia mais perigosa do estado, ficando atrás apenas da BR-101. Todo o investimento feito naquele local já estava ultrapassado para as necessidades que a rodovia apresentava. em pouco tempo, a estrada já estava saturada, recebia um número de veículos maior do que a sua capacidade poderia comportar e as mortes nas pistas cresciam a cada ano. esta é uma realidade que perdura até os dias de hoje. A nova batalha dependeria da força política da comunidade, informavam os noticiários.

Novidade Ultrapassada

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Afirmava-se então que uma das obras rodoviárias mais caras do país foi prejudicada pela falta de planejamento. Durante anos, após muita insegurança e principalmente mortes, parece que um novo rumo está sendo traçado nesta história. Para o ânimo de autoridades e comunidade, a duplicação da BR-470 foi anunciada. O plano executivo está agora em fase de conclusão e deve ser finalizado entre julho e setembro deste ano. Após esta etapa, serão abertas as licitações para as obras, que serão divididas em quatro lotes, para facilitar a conclusão do processo. O cronograma contempla o trecho que vai de Navegantes até indaial, totalizando 74 quilômetros. A duplicação da estrada entre ilhota e Gaspar é considerada a mais crítica, pelo solo argiloso e irregular. esse deve ser o último trecho a receber a duplicação.

É impossível falar de uma das rodovias mais importantes do estado sem falar de acidentes, estrutura e, principalmente, de segurança. Mas apesar de esses serem pontos importantes a destacar, a rodovia que se revela aqui é antes de tudo feita de gente. Foi construída por pessoas e para pessoas. e por isso, acumula sonhos, batalhas, lutas, angústias, alegrias e diversos sentimentos que caberiam em uma infinita lista. são pessoas que utilizam a rodovia, de alguma forma, todos os dias e que fazem com que a linha cinza crie vida e conte histórias. A partir daqui, o relato será desses personagens que muitas vezes não são vistos, mas que guardam grandes histórias de vida e até mesmo envolvendo a rodovia.

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com a agenda em mãos, ele anda para lá e para cá. A caneta no bolso, os olhares para todos os lados, de quem não está vigiando, mas conferindo. em dia de casa cheia, perto da uma hora da tarde, ele não para um segundo. De mesa em mesa, cumprimenta os conhecidos e até mesmo quem acha que nunca viu na vida. sem dúvida alguma, naquele lugar, a simpatia é a alma do negócio.

Os olhos, de cor azul, brilham ao contar a história de alguém que ama o que faz. ele marca presença e gosta mesmo é do movimento, das pessoas e das conversas. O sucesso parece mesmo ser uma consequência de tudo isso, do zelo pelo bom atendimento e pela satisfação.

Km 33 Um sonho realizado às margens da 470

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Antônio Osni Woleck é o nome dele. Mas na fala do povo, ele é mesmo o Toni da churrascaria. É também o Toni político, ex-vereador de Gaspar e amigo da cidade. O Toni humilde, que conta a história de uma das churrascarias mais movimentadas da BR-470 da forma mais simples possível. Tudo começou quando Toni tinha ainda 29 anos, em 1989. Junto ao pai Raimundo Woleck e ao irmão Vilmar Woleck, vendeu um terreno de propriedade da família para comprar uma lanchonete. Pelo valor aproximado de dois mil reais, adquiriram o ponto onde hoje está localizado o restaurante estrela. Foi naquele mesmo ano que Toni e Vilmar perderam o pai, que veio a falecer. Mas o sonho, construído junto ao patriarca, não foi interrompido ali. Ainda havia muita história para ser contada e construída às margens da rodovia. Aos poucos, a batalha foi resultando em conquistas e a pequena lanchonete, começou a se transformar no empreendimento que traria bons frutos à família Woleck. Após muitos anos acompanhando a transformação da BR 470, foi em 2008 que a churrascaria Toni mudou de lugar. Aos olhares de quem passava pelo km 33, mais de 600 m² receberam as instalações do restaurante. Hoje, o local está em reforma para ser ampliado em sua estrutura. O terreno que antes contemplava o estacionamento e o restaurante, agora passou a abranger mais do que isso.

O tamanho, duplicou, passando para um terreno de 1000 m². O estacionamento será ampliado, a casa que fica atrás da churrascaria será transformada em um local de recreação para as crianças. Os banheiros e a cozinha também receberão mudanças. Os sonhos continuam sendo concretizados. Atendendo apenas durante o almoço, Toni também gosta de realizar eventos e promover a alegria dentro daquela que é a segunda casa dele. sobre a duplicação da rodovia, é mais um daqueles que exalta a voz ao falar do assunto. Já viu clientes perderem suas vidas em frente ao restaurante e conhece um número infinito de pessoas que tenham sofrido um acidente, perderam parentes ou amigos na perigosa rodovia. Mas mesmo assim, reconhece a importância. Junto à estrada, estão o desenvolvimento, a mobilidade e o acesso para outros municípios. Os clientes da churrascaria utilizam a rodovia para chegar até ali e este é um dos motivos pelos quais Toni pede a aceleração no processo da duplicação, além da melhoria na segurança. sobre o intenso movimento, afirma que “não há mais como escolher um horário, não tem mais hora pra ir e vir. É uma região muito rica e tudo passa por aqui”. Toni tem uma convicção forte sobre o aumento do movimento na região. Acha que tudo está ligado, principalmente, à facilidade na compra de carros, ao aumento do salário mínimo, moradias e até mesmo ao programa bolsa família. Pontos que auxiliaram o desenvolvimento das pessoas e das regiões. Mas, sobre a obra da BR 470, pensa que não foi feita conforme o projeto. “O dinheiro veio e sumiu”, alega. ele explica que o objetivo da rodovia era a construção de vias marginais e ruas paralelas que facilitassem também o deslocamento local, mas que isso foi esquecido junto com o planejamento.ele aponta diversos defeitos e possíveis melhorias no local, como a falta de pontes para travessias de pedestres, o precário trevo de Gaspar – um dos locais onde mais acontecem acidentes -, e por aí vai.

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Acha também que Gaspar deveria receber um posto da Polícia Rodoviária Federal. Assim como outros moradores, sente-se inseguro e inclusive acha que a presença da PRF inibiria a presença de criminosos. com a caneta preta na mão, utiliza o papel que cobre uma das mesas para desenhar, rabiscar e mostrar fatos antigos ou até mesmo o que acontece em determinadas partes da rodovia. conhece a extensa linha cinza da 470 como poucos e tem a esperança de que tudo pode melhorar. Para isso, vai se candidatar novamente a vereador do município. essa é uma das formas que ele vai utilizar para continuar acreditando em mudanças e melhorias na via que leva a um de seus sonhos já realizados: a famosa churrascaria Toni.

A sorte sobre duas rodas

entre motos, carros, ônibus e caminhões, pessoas andando nos acostamentos chamam a atenção. isso acontece com frequência em algumas localidades onde há grande número de empresas e moradores. As duas rodas que precisam ser movidas por duas pernas também estão lá. As magrelas andam de um lado a outro e são utilizadas como meio de transporte por muitos que circulam pela região. Por ali, encontram-se atletas que pedalam em um ritmo frenético durante o treinamento e até mesmo trabalhadores, que utilizam o transporte como meio de locomoção para o serviço. Maurício Fernandes é um destes. Garçom da churrascaria Toni, ele anda tranquilamente pelas margens da 470. sem pressa, pois está adiantado, chega e estaciona a bicicleta nos fundos do restaurante. Maurício já havia trabalhado na churrascaria, afastou-se e estava voltando para um novo primeiro dia de serviço no local. Antes era encontrado em outra lanchonete que fica próximo a sua casa. ele costuma trabalhar também como pizzaiolo no período noturno. Naquele domingo tranquilo de sol, o garçom parecia mais estar a passeio do que a trabalho.

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era o primeiro dia que ia trabalhar de bicicleta. Antes, fazia o trajeto de aproximadamente cinco quilômetros de moto. Por ser domingo, dia de menor movimento, resolveu alternar o meio de locomoção. ele garante que não tem medo, está acostumado com a rodovia. “As principais dificuldades são os motoristas e a imprudência. Mas ainda acho a 470 mais segura do que a BR-101”. isso porque na BR-101, que já é duplicada em quase todo o trecho catarinense, muitos caminhões ultrapassam o tempo inteiro, o que a torna perigosa.

Maurício, que trabalha das 10h30min até às 16h na churrascaria, mostra tranquilidade e confiança sobre a bicicleta. Assim como outros ciclistas, está exposto aos perigos da rodovia. Mas, por não ter outra forma de chegar ao destino, continua seguindo pelos perigosos acostamentos da estrada, confiando principalmente na sorte de não se deparar com nenhuma imprudência ou acaso do destino.

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Abaixo da gigante copa de uma árvore, eles esperam. Olham para os lados, esperam. cumprimentam um ou outro que passa. e esperam. No chão, alguns bancos improvisados, outras cadeiras quebradas, deitadas, encostadas. eles são apenas em dois, mas naquele local ficam mais uns oito. Momento raro de se ver é essa espera. Antes disso, quem esperava encontrá-los, era eu. Passei por vários pontos, mas encontrava apenas cadeiras e locais vazios. Aquele momento foi raro. em frente ao posto, riscada na grande árvore, em letras garrafais a palavra “cHAPA”. eram eles, finalmente. Ao longo da estrada, diversos pontos daqueles, dos mais variados tipos. casinhas construídas de madeira, sempre anunciando que aquele é o local. Algumas simples, arrumadas de qualquer forma, adaptadas do jeito que é possível. Outras mais requintadas, com televisão e tudo. Mas na maioria, não funcionam, é só pra fazer um charme mesmo.

A afirmação é de Fredi Raulino, chapa há mais de 13 anos. Natural de Blumenau, é em frente ao posto, localizado no km 59, que ele trabalha com os colegas. Mas o serviço, na maioria das vezes, é feito individualmente. Naquele horário, próximo às 16h, o trabalho foi praticamente cumprido. ele começa cedo, mas não tem horário certo. costuma trabalhar no período comercial. A função inicia cedo e por este motivo, no final da tarde, fica ali para garantir que nada mais vá aparecer. O dinheiro do dia já está no bolso.

Km 55Árvore da Esperança

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A função de carregar e descarregar carretas e caminhões é pesada e rende calos nas mãos. Mas para ele, isso parece não importar. Antes, era servente de pedreiro, mas com a proposta para trabalhar como chapa, desistiu ao ver que valia mais a pena ficar às margens da BR-470 e trabalhar neste ramo. Ali, ele ganha uma média de R$ 150 por dia. O trecho de atuação vai de Gaspar até Rio do sul e o ponto de espera fica entre as duas cidades. Fredi acha que há 10 anos o fluxo de trabalho era melhor. Hoje, as empresas já possuem funcionários para isso. Muitos chapas também já são de confiança e são contratados sempre pelos mesmos cargueiros ou empresas responsáveis pelo transporte. A volta é negociada com o motorista. Normalmente, eles voltam para a cidade de onde a carga saiu ou então pagam a passagem para o chapa.

sobre drogas e os perigos da rodovia, Fredi é tranquilo. Naquele local, muitos utilizam e sabem onde encontrar. A maioria é usuário e quando alguém para perguntando – o que acontece frequentemente -, eles sabem informar aonde ir. Mas, que fique claro, ele diz não utilizar nem se envolver com “esse tipo de coisa”. em 2005, dois chapas morreram atropelados na região, fora do trabalho. estavam drogados e alcoolizados. Os chapas não são homens que aparentam força. Têm um porte físico normal, mas parecem carregar muito mais do que pisos, madeiras e peso. Na companhia dos parceiros, passam momentos em silêncio, só observando. eles continuam ali, esperando. Mas parece que a espera não é só pelo trabalho. Talvez eles estejam na espera de dias melhores, dias em que eles não precisem ficar às margens da esperança.

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Longe de casa, a viagem é solitária. A estrada passa a ser a amiga fiel de todos os dias. O caminho é longo e leva sempre a lugares distantes. essa é a vida do caminhoneiro, que escolheu trabalhar nas rodovias para ganhar a vida. A bordo de uma carreta, Loimar carlos Baroncello vive na estrada há 18 anos. começou auxiliando motoristas e depois passou a comandar o volante de um gigante do asfalto. Natural de Videira, cidade localizada no Meio-Oeste de santa catarina, ele faz trajetos que vão desde itajaí, no litoral catarinense, até os estados do Rio de Janeiro, espírito santo e Goiás. Loimar é contratado pela Perdigão, empresa de alimentos frigoríficos do município de Videira. Por este motivo, ele tem uma vantagem: possui horário determinado para iniciar e finalizar o transporte da carga. Diferente de outros motoristas que, muitas vezes, precisam ficar noites em claro para chegar ao destino ou até mesmo voltar dele.

Km 36A estrada como companhia

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Loimar começa a viagem às cinco horas da manhã e para às onze da noite. Neste dia, voltava de itajaí e parou em Gaspar para um lanche. O caminhoneiro de fala mansa e tranquila diz não utilizar nada para ficar acordado, já que não precisa. conhece muitos motoristas que consomem os chamados rebites (anfetaminas) e outros remédios, mas diz que com a fiscalização, aumentou a dificuldade para encontrar. “Antes, meus amigos e companheiros compravam em farmácias e mercados. Hoje, precisam rodar muito para comprar alguma coisa”. Para Loimar, a melhor forma de aguentar o “tranco”, é mesmo descansando. Quando sente necessidade e acha que precisa parar, ele não teima em continuar. Prefere garantir sua segurança e dos demais motoristas que estão na estrada. Por falar em segurança, para o grande movimento que a BR 470 tem diariamente, ele considera boas as condições da rodovia. Mas sem dúvidas, o trecho entre itajaí e Rio do sul é o mais perigoso na visão de Loimar, e para ele, nada disso vai mudar até a duplicação.

A fiscalização de cargas no trecho é ineficiente. “Aqui nessa parte, ninguém fiscaliza nada”. Mas, apesar da falta de monitoramento e até mesmo policiamento, Loimar leva junto consigo, a sorte. Até hoje, nunca se envolveu em acidentes, além de pequenas batidas que não chegaram a resultar em perdas materiais. Diferente de outros caminhoneiros, nunca foi assaltado. Mas diz que frequentemente acontece com colegas. No mínimo, uma vez por mês recebe a notícia de algum conhecido ou até mesmo carga de caminhão da empresa que foi roubada. O salário é através de comissões. com uma média de R$ 3,5 mil por mês, Loimar consegue pagar as contas. O que sobra é pouco, pois todo o gasto na estrada é por conta dele. só nisso, gasta aproximadamente mil reais por mês. Mas o caminhoneiro se orgulha e gosta muito do que faz. Não valeria a pena trocar a profissão que tem por uma vaga no comércio, por exemplo. com a renda da mulher, sustenta três filhos que moram com a esposa em Videira.

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e é pela família que os olhos chegam a marejar. com saudades e quase sempre longe, não acha fácil ficar tanto tempo distante. No período de férias da esposa e dos filhos, aproveita para lea família nas viagens. Mas, aos 39 anos, já está acostumado a ficar fora de casa. sabe que o rumo que precisa tomar é nas rodovias. A vida é no asfalto, e ela precisa seguir. A estrada continuará sendo a companheira fiel, para os mais diversos destinos.

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Percorrendo a BR 470, de tudo pode acontecer. Há muita diversidade à beira da rodovia. Os campos de arrozais com a serra montanhosa enfeitando ao fundo. em Gaspar, casas, restaurantes, empresas. em Blumenau, o enorme trecho do comércio automotivo. Uma ao lado da outra, diversas lojas de carros anunciam descontos, ofertas e modelos para todo o tipo de gosto e bolso. Os vendedores ambulantes aparecem próximos àquele trecho. Vendem objetos, brinquedos, alimentos e ficam com suas barraquinhas à beira da BR-470. Alguns já conquistaram clientes fieis, outros ainda estão apenasno começo. O número de barracas chama a atenção de quem passa. No sentido Blumenau–Gaspar, a primeira barraca é a de um casal. “Podemos conversar, mas não queremos fotos. Te passo informações, mas não acho legal aparecer”, diz a moça. Márcia e José também não querem identificados os sobrenomes. Preferem manter-se no anonimato. eles vêm de Joinville para tentar melhorar a qualidade de vida. Mas, parece que até agora, as mudanças ainda são somente ilusões. Há quatro meses morando na região, o casal está decepcionado com o custo de vida do município. Os ganhos são muito inferiores. Após tentarem a vida no Vale, ele como guincheiro e ela trabalhando na cozinha de restaurantes, decidiram mais uma vez arriscar. Para buscar autonomia e independência, assumiram o ponto de um conhecido que estava endividado.

Km 58Procura-se: Sucesso no anonimato

Há apenas quatro dias, mudaram de vida e agora vendem pinhão, água de coco e tangerina. O movimento ainda é muito fraco e a aventura pode ter riscos. Porém, a esperança é de formar boa clientela e, quem sabe, ampliar a variedade de produtos. Márcia se mostra um pouco insegura quanto ao futuro financeiro. O investimento de aproximadamente R$ 2 mil por enquanto só resultou no medo de não ter retorno do valor aplicado. Os outros vendedores garantem que a barraca dá resultados, é só saber esperar. Mas, além da questão financeira, a segurança também é algo que preocupa o casal. O local, que é envolto por mata, já teve diversos registros de assalto. A barraca de Márcia e João já foi destruída por vândalos que ainda roubaram uma placa na região. Por enquanto, o que eles querem mesmo são os resultados e o sucesso financeiro. Mas, que isso venha acompanhado do anonimato, sem divulgação de quem eles realmente são, além de pessoas buscando uma melhoria de vida, como quaisquer outras.

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Km 34A rua da infância

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eles brincavam sobre as enormes pedras que transformavam o local em um terreno de obras. A rua da infância daquelas crianças era na verdade, uma futura rodovia de intenso movimento. Para os pequenos, tudo aquilo soava mesmo como uma diversão. eles não entendiam muito bem o que faziam aquelas máquinas gigantes e a montoeira de pedras espalhadas. Não imaginavam que ali estava sendo plantada a evolução. Mas os adultos já tinham conhecimento do que representavam as obras. Na época, a pavimentação da BR-470 se aproximava. Ficou parada por muito tempo, sem ter um rumo certo. e era o pai de Andréia quem incentivava ela, os irmãos e os primos a tentarem impedir. ele sabia o perigo que aquilo representava, mas ao mesmo tempo tinha a consciência de que seria bom, para facilitar a vida de todos. Há 35 anos morando às margens da rodovia, desde que nasceu, Andréia Hostin Ortiz diz não temer o que vem da linha cinza. O terreno onde está a casa que mora hoje, faz parte da herança de bens da família com ascendência belga. Uma entrada estreita e que requer atenção para entrar, leva à casa onde Andréia mora com a família – o marido, uma filha e dois simpáticos cachorrinhos. A principal reclamação é quanto à falta de iluminação e de segurança. Ultimamente, diversos assaltos têm ocorrido na região e Andréia já pensou até em se mudar dali. Mas não quer largar o que é da família há tantos anos.

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Para Andréia, a estrada é uma ligação entre a vida pessoal, profissional e o lazer. sem a BR 470, seria complicado ir para diversos locais. Mesmo assim, ela considera importante a duplicação. Pensativa, lembra que há os prós e os contras, assim como no início, quando era criança. Quando volto para fazer o registro de toda a família, sou recebida também pelo sogro, cunhados e pai de Andréia. eles estão com pressa, precisam correr para a festa que vai ser realizada no centro da cidade. Após posarem para algumas fotos, a família segue pela rodovia, que leva a todo e qualquer lugar que precisem ir. ela é como uma ponte, que liga um ponto da vida a outro, da família de Andréia e de muitas outras que por ali moram.

Ao lado da casa em que moram, já estão iniciando outra construção que será a futura casa da família. O terreno que fica à frente da parte construída é extenso. Porém, uma cerca de arame divide o que futuramente será parte da duplicação da BR-470. A divisão já foi feita, mas a indenização ainda não foi acertada com a família de Andréia. Por enquanto, eles esperam: tanto pela duplicação como pelo valor que deverá ser pago pelo governo. A rotina dela inicia cedo. Às 6h, leva a filha de quase dois anos para a creche, onde a menina permanece das 7h ao meio dia. A escola fica a 200 metros da casa dela e depois de deixar Keitlyn Débora, ela segue para seu emprego. Andréia trabalha em uma empresa de telemarketing, próxima ao trevo de Gaspar, que presta serviços para uma das fábricas de fios da cidade, a enovelar. Apesar de já ter visto alguns acidentes naquele trecho, ela não demonstra medo algum. “Muita gente acha perigoso, mas eu já me acostumei e tenho confiança quando estou ao volante”.

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O braço levanta. A mão aponta o sinal de pare. Os passos firmes devem mostrar tranquilidade ao seguir na direção do inesperado. Olhares atentos a qualquer tipo de movimento. e a cordialidade, que não pode ser deixada de lado, unida sempre à desconfiança. A atuação deve ser cautelosa. estes são os momentos que antecipam uma abordagem na fiscalização realizada pela Polícia Rodoviária Federal. “Um jogador de futebol, para acertar, precisa treinar muito. Os policiais, também”. A fala do agente policial rodoviário federal celso Tirollo soa como um desabafo. como maior dificuldade, a incerteza do que está por vir: o motorista abordado pode, ao mesmo tempo, ser um cidadão comum como até mesmo o pior dos bandidos. em ambos os lados dois pontos a considerar. O psicológico daquele que aborda e de quem é abordado e a reação que pode, muitas vezes, ser adversa.

Km 53Farda da segurança

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Fazer parte da Polícia Rodoviária Federal é dar adeus aos dias tranquilos. Não há mais espaço para a distração. e na atuação, a tensão aumenta. É neste sentido que vem o segundo desabafo: “Nas ocorrências envolvendo criminosos, eles conseguem acertar muito mais. A lei protege melhor o bandido do que o cidadão comum.”, declarou Tirollo. A polícia sempre representou a parte forte da sociedade. Mas também há margem para erros. Atuando na defesa da comunidade, ali estão também cidadãos, fardados para defender. As vestimentas passam a impressão de força, perfeição e superioridade. Porém, há muitos sentimentos escondidos sob a roupa policial. Pessoas que também estão expostas aos riscos da profissão, principalmente quando se fala de uma rodovia de grande circulação. Atuando no único posto da Polícia Rodoviária Federal da região, os efetivos de Blumenau se deparam não só com a difícil realidade do trânsito. são cabíveis a eles também questões policiais envolvendo crimes. Desde a constituição de 1988, os agentes rodoviários federais também cuidam de questões de segurança, sem limitações. Os policiais ficam restritos apenas a entrar nos bairros dos municípios que atuam.

são 100 quilômetros e apenas um posto. Por parte da população, a reclamação constante é a falta de segurança no trecho. Já para a polícia, não há necessidade de um segundo posto. Para cada instalação, é feito um estudo em que são incluídas questões como criminalidade, fluxo, ocorrências, acidentes e diversos outros fatores. se já há falta de efetivos com apenas um posto, onde atuam hoje 18 policiais, uma nova estrutura poderia defasar ainda mais a atuação já existente. Para Tirollo, o ideal seria a execução do projeto de reforma da sede localizada em Blumenau, para melhorias em infraestrutura e a contratação de um novo quadro de agentes, reforçando o policiamento. entre os mais diversos problemas, envolvendo estrutura, segurança e sinalização, um tem destaque na visão de Tirollo: a imprudência do motorista. A polícia está ali para fiscalizar e orientar, mas as pessoas são responsáveis por quase tudo o que acontece nas rodovias. sem a consciência da importância de cuidar da sua vida e da vida do próximo, muitas tragédias ainda podem acontecer. O agente policial reforça: “não podemos fazer nada sem a colaboração de cada um. estamos aqui apenas para não permitir que tudo descambe de uma vez”.

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Talvez seja um homem rico. Talvez nem tanto. Talvez alguém que esteja carente e só precise tirar o atraso. Ou até mesmo alguém que tenha em casa todo dia, mas que não está satisfeito. O que vem, é lucro garantido, mas ela nunca sabe pelo que ou por quem espera. sentada em um ponto de ônibus, ao lado de uma simpática senhora, ela conversa sobre o tempo, que naquele dia, era de sol. com 26 anos, ela trabalha com a profissão mais antiga do mundo há 15 anos. Atendendo pelo nome artístico de Andréia, foi ainda adolescente que entrou na prostituição, obrigada pelo namorado na época, que era cafetão. sem saber os perigos que este mundo guardava e impedida de lutar por seus direitos, engravidou aos 16 anos daquele que chamava de namorado e empresário. Para mudar de vida, saiu de campos Novos e se mudou para Blumenau, fugida. Aqui, começou a trabalhar por conta e viu que a profissão poderia render o suficiente para manter-se estável e ainda conquistar bens materiais que sempre sonhou. Hoje possui um carro, que fica sempre próximo ao ponto onde costuma esperar os clientes.

Km 61Esperando o desconhecido

Quando o carro está ali, é porque Andréia está em horário de trabalho. De sandália de salto alto branca, calça jeans e uma blusa que deixa a barriga à mostra, ela espera sentada no ponto de ônibus aqueles que queiram pagar por algumas horas de prazer. A maioria dos clientes tem muito dinheiro e são casados. Muitos são fixos. ela diz não se importar nem um pouco. Acha normal e não mudaria de profissão. Faz o que gosta e considera receber bem. Já trabalhou em fábricas e em outros locais e nunca teve o salário que tem agora. Por dia, chega a tirar R$ 600 e os programas são em média de duas a quatro horas. O motel escolhido, normalmente é o mais próximo, de confiança de Andréia. Os programas são feitos sempre de dia. À noite, os travestis não deixam que as mulheres permaneçam à beira da rodovia. chegam a tirá-las usando a força. chega a hora de ir, ela já ficou desconfiada o suficiente e já ganhou o dia com três programas. Não quer se expor, pois teme a família, que não sabe a profissão que tem. Para os conhecidos, ela trabalha como corretora de imóveis. Na escola do filho, que já tem 10 anos, ela mal aparece.

Quem trabalha na escola, sabe o que ela faz, mas as mães e os alunos, nem imaginam. ela, que não é Andréia na vida real, vive os dias entre ganhar a vida com a prostituição e esconder de outras pessoas, a verdadeira profissão. sem perceber, é uma desconhecida. esperando sempre por outros desconhecidos.

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Km 31Na linha cinza, os pontos amarelos

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eles estão sempre ali. Até parece que ficam em todos os lugares ao mesmo tempo. Por onde passamos, em todas as viagens feitas pela rodovia, encontrávamos os mesmos pontinhos amarelos e alaranjados, sempre acompanhados de um cone de “segurança”. De pouco em pouco, no melhor estilo “serviço formiguinha”, é às margens da rodovia em que batalham todos os dias, por dois motivos: realizar a manutenção das extremidades da 470 e ir atrás do ganha pão. sempre trabalhando juntos, passam horas carregando ferramentas, transferindo o cone de “segurança” de um quilômetro a outro e capinando, lentamente.

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se as enxadas, que retiram o verde que cobre as valas das marginais, tivessem vida, teriam vivido muito mais do que bater contra o concreto e o mato. e aqueles homens, também. O perigo parece estar presente, sentado ao lado de José Pedro Gonçalves – o Gaúcho-, e de Aderbal, seu colega de trabalho. contratados pela empresa Planaterra, responsável pela manutenção da BR-470, diariamente são levados do alojamento que moram, em Blumenau, para a rodovia. A vida deles é isso mesmo. Gaúcho desistiu da profissão de pedreiro para trabalhar às margens do perigo. e hoje, não se imagina fazendo outra coisa. sabe que não é seguro, que cada dia é uma incógnita do que pode acontecer. Já passou por situações de risco e o colega Aderbal, quase morreu em um acidente em que um carro capotou no acostamento. Diz ter um pouco de medo, mas já está acostumado a viver com ele. Afinal, “alguém precisa pegar no pesado e fazer o serviço. e este alguém, somos nós”.

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