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EDUCAÇÃO HISTÓRICA E O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (ECA): possibilidades e desafios para a cidadania
Autora: Cleuza Ferri Freitas1
Orientador: Márcio Santos de Santana2
Resumo
Este artigo busca fazer uma reflexão sobre o estudo dos direitos e deveres das crianças e adolescentes, tal como estabelecido no Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) Pensando nisso, desenvolveu-se um projeto de intervenção em sala de aula realizada no Colégio Estadual Professor Dr. Heber Soares Vargas, em consonância com o Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE),como um dos quesitos para a finalização do projeto PDE permeada por novas perspectivas que podem ser utilizadas pelo professor no ensino de História. O projeto partiu da avaliação diagnóstica sobre o ECA para saber o que os alunos sabiam sobre o assunto, aulas expositivas dialogadas, leitura de textos diversos, atividades escritas, círculo de debates, uso do laboratório de informática e dramatizações. Tudo isto sem perder de vista, o grande objetivo de demonstrar a importância do ECA como instrumento de construção da cidadania, junto à realidade escolar, objetivando a formação da consciência histórica.
Palavras-Chave: Direitos e deveres; Educação Histórica.
1 Introdução
Buscando um recorte da história recente sobre o Estatuto da Criança e do
Adolescente (1990), a intenção é a de contribuir com uma reflexão da política
social ao longo da história, para a formação de cidadãos conscientes, críticos e
que possam pensar e agir como sujeitos e agentes da história. Priorizando os
estudos sobre os direitos e deveres dos cidadãos ancorados, na Declaração
Universal dos Direitos Humanos (1948), nos princípios fundamentais da Atual
Constituição Brasileira (1988) e no Estatuto da Criança e do Adolescente – 1 Especialista em Ensino de História pela Universidade do Oeste Paulista, professora no Colégio Estadual Prof. Dr. Heber Soares Vargas – Ensino Fundamental e Médio, Londrina, PR.
2 Doutor em História Econômica pela Universidade de São Paulo; professor do Departamento de História, Centro de Letras e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Londrina, Londrina, PR.
ECA (1990) que são documentos importantes como embasamento teórico-
metodológico para problematizar historicamente o nosso tempo, e
compreendê-lo na perspectiva da transformação social.
Este artigo pretende fazer uma reflexão acerca do trabalho realizado,
levando em conta a preparação dos alunos em relação aos direitos dos outros,
suas responsabilidades e compromissos para o convívio social.
2 Cidadania no Brasil
O conceito de cidadania é da maior grandeza no que se refere aos direi-
tos humanos, realizou-se ao longo da história na medida em que os homens
foram criando, produzindo condições sociais, políticas, econômicos e jurídicos
para viver em sociedade. Oficialmente adotada pela ONU em 1948, A Declara-
ção Universal dos Direitos Humanos, tornou mais claro acerca da defesa dos
direitos fundamentais dos seres humanos, com base na liberdade da justiça e
da paz. No artigo I da presente Declaração explica-se que “Todos os homens
nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consci-
ência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”
(GONÇALVES & GARCIA, 2007, p.43). Nasce a partir da Declaração Universal
dos Direitos Humanos (DUDH) uma referência jurídica internacional contra to-
das as formas de discriminação aos direitos humanos.
Ainda para o autor mencionado “a universalidade dos direitos humanos,
a xenofobia, o racismo, o direito das mulheres e das minorias étnicas, direitos
dos indígenas, os crimes de tortura, a proteção da infância e outros”. Muitos
desses direitos não são cumpridos nos dias atuais.
Já Gilberto Dimenstein (2002, p. 21), informa que na área de educação,
dados da UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância), que o Brasil
“ainda tem 1,3 milhão de meninos e meninas sem estudar” e que “o grande
desafio para as crianças brasileiras que estão na escola é aprender bem como
permanecer até o fim do curso”. Segundo o mesmo relatório, “em cada 100
crianças, um total de 41 não deve terminar o ensino fundamental, fato esse
que compromete o ensino e a aprendizagem das crianças, necessitando a
ampliação das políticas sociais nessa área”. Esses dados revelam o estágio de
cidadania na sociedade brasileira,
Conforme a Carta Magna (CF/88) o artigo 227 assegura:
é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
A partir desse artigo, juridicamente restabelecem a valorização dos
valores individuais e do Estado de Direitos em favor da criança e do
adolescente, fato esse de maior importância ao longo da história, criando e
elaborando as condições sociais, políticas, econômicas e jurídicas para a
sociedade brasileira. No artigo 1º da Constituição se estabelece a cidadania
como segundo princípio fundamental, logo depois da soberania nacional. No
entanto, para que realize tais princípios depende da conquista da sociedade
brasileira, firmado no artigo 3°, a saber:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; III – - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas de discriminação.
Ao encontro desses objetivos também há o Estatuto da Criança e do
Adolescente para se compreender como o mesmo se constituiu ao longo dos
anos.
3 História do Estatuto da Criança e do Adolescente (1990)
Com o fim do Regime Militar (1985), o Brasil mergulhou numa das mais
graves crises da história: dívida externa e interna assombrosa, inflação
elevada e um déficit público interno e externo maior que a arrecadação. A
sociedade brasileira reivindicava a redemocratização no país, a campanha em
favor das eleições diretas para Presidente da República reuniu milhões de
pessoas nas ruas e praças, comícios, multidões. Após meses de trabalho,
debates e discussões, é promulgada a Nova Carta Magna do país, em 5 de
outubro de 1988 é promulgada a Constituição da República Federativa do
Brasil, pela primeira vez na história do país, trata-se a questão da criança e do
adolescente, como absoluta prioridade.
[...] foi sancionada a atual Constituição Brasileira, elaborada por um Congresso eleito pelo voto direto, com a finalidade de restaurar o Estado democrático de direito, pondo fim a um período de vinte anos de ditadura, a nova Carta foi apelidada de “Constituição Cidadã”, pelo que deveria representar para os direitos humanos e de cidadania (MARTINEZ, 2000, p. 6).
A década de noventa, foi um marco na luta pelos direitos humanos, com
a aprovação do documento necessário às crianças e dos adolescentes que é o
Estatuto da Criança e do Adolescente em 13 de julho de 1990. Neste sentido
argumenta Catelli (2009, p.14):
Estudar a história dos direitos e deveres da própria criança e do adolescente é uma forma de buscar diálogo entre o sujeito presente na sala de aula e a história. Vários textos e documentos nos permitem refletir sobre a história das crianças e adolescentes no passado, ao mesmo tempo em que podemos trazer a tona os direitos desses no presente, registrados, entre outros documentos, no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)
O percurso histórico do Estatuto da Criança e do Adolescente, durante
esses 23 anos de existência de implantação na sociedade brasileira, que não
foi um processo fácil e sabemos que antes do ECA a criança era tratada como
objeto e com a legislação passa a ser cidadã de direitos e deveres.
Para Gisella Werneck (2007) no Brasil, a primeira Santa Casa de
Misericórdia foi fundada em 1543, na Capitania de São Vicente (Vila de
Santos), estas instituições atuaram tanto com os doentes quanto com os
órfãos e desprovidos. Através do sistema de Roda, prática de recolhimento de
crianças, vindo da Europa no século XVIII, com objetivo de amparar as
crianças abandonadas e de recolher donativos, estimulava a caridade da moral
da Igreja Católica assistencialista com o auxílio dos fiéis para cuidarem destas
“pobres” criancinhas.
A estrutura física da Roda mantinha-se o anonimato das mães, que na
condição e mães solteiras não podiam, pelos padrões da época, assumir seus
filhos. Durante os períodos Colonial e Imperial (séculos XV - XIX) a infância
pobre foi sinônimo de abandono, o acesso aos direitos sociais, como saúde,
educação permanece restrito. O empobrecimento da população à margem de
qualquer direito social e econômico, mesmo com o fim da escravidão (1988) e
a Proclamação da República (1889), o Estado brasileiro não se constituiu nem
Estado Democrático e tampouco assumiu responsabilidades sociais e de
políticas públicas com os ex-escravos, com o segmento infanto-juvenil,
perdurando até as primeiras décadas do século XX, propiciando uma dupla
exclusão dos direitos sociais.
Em 1927, o primeiro documento legal para a população menor de 18
anos foi o Código de Menores que proibiu o Sistema de Rodas, garantindo a
obrigatoriedade do registro das crianças. O ensino obrigatório, regulamentado
em 1854, porém era negado aos escravos, aos que não tivessem sido
vacinados, àqueles que sofressem de moléstias contagiosas.
Quanto ao trabalho, houve um decreto em 1891, Decreto nº 1313 - com
12 anos a idade mínima para se trabalhar. Segundo alguns autores, na prática
não aconteciam, pois o processo iniciante das indústrias e agricultura contava
com a mão de obra infantil. O Código de Menores definia, no artigo 1º,
diretrizes claras àquelas crianças estando em “situação irregular”, o trato da
infância e juventude excluídas. “O menor, de um ou outro sexo, abandonado
ou delinquente, que tiver menos de 18 anos de idade, será submetido pela
autoridade competente ás medidas de assistência e proteção contidas neste
Código” (grafia original). Código de Menores - Decreto nº 17 943A - de 12 de
outubro de 1927. Questões como trabalho infantil, tutela e pátrio poder,
delinquência e liberdade vigiada, enfim o destino de muitas crianças e
adolescentes sobre a total decisão do julgamento era o juiz que tinha quase
um poder absoluto.
Vigorou entre 1930 a 1945 o Estado Novo de Getúlio Vargas, período
considerado autoritário e repressivo. Foi criado nesta época o Serviço de
Assistência ao Menor - SAM (1942). Funcionava como um sistema
penitenciário para a população menor de idade. O sistema previa atendimento
diferente: para o adolescente autor de ato infracional eram os internatos,
reformatórios e casas de correção; para o menor carente e abandonado, eram
os patronatos agrícolas e escolas de aprendizagem de ofícios urbanos.
Entidades federais de atenção à criança e ao adolescente ligadas à figura da
primeira dama Dona Darcy Vargas, alguns destes programas visava o campo
de trabalho, sendo todos assistencialistas, a saber:
• LBA - Legião Brasileira de Assistência - de assistência social,
atendimento de crianças órfãs da guerra;
• Casa do Pequeno Jornaleiro: programa de apoio a jovens de baixa
renda;
• Casa do Pequeno Lavrador: programa de assistência e aprendizagem
rural, para crianças filhos de camponeses;
• Casa do Pequeno Trabalhador: programa de capacitação e
encaminhamento ao trabalho de crianças e adolescentes urbanos de
baixa renda.
• Casa das Meninas: programa de apoio e sócio-educativo a adolescentes
do sexo feminino com problemas de conduta.
Os períodos entre 45 e 64 foram marcados por uma sociedade civil mais
organizada e um cenário internacional pela Guerra Fria, em que parecia estar
de um ou outro lado. Em 1950, instala-se o primeiro escritório da UNICEF no
Brasil, na Paraíba, iniciativas de proteção à saúde da criança e da gestante em
alguns estados no nordeste do país. Perante a opinião pública, o SAM passa a
ser desumanizante, repressivo como “universidade do crime”.
De 1964 a 1979 a presença autoritária tornou-se uma realidade e recuo
no campo dos direitos sociais os Atos Institucionais como nova ordem trazidos
pelo Golpe Militar. Durante os governos militares, dois documentos para a área
da infância foram significativos: a lei nº 4 513 de 1/12/64 que criou a Fundação
Nacional do Bem-Estar do Menor; e também, o Código de Menores de 79 -
FUNABEM, lei nº 6 697 de 10/10/79 que foi uma revisão do Código de
Menores de 1927, com foco assistencialista e repressão à população infanto-
juvenil e passa a lidar com as chamadas “crianças em situação irregular”, os
que não eram de boa família, que eram abandonados, que viviam na rua, os
filhos ilegítimos, eram “postos para fora”. Alguns autores denominam infância
em “perigo” e “perigosa”.
Em meados da década de 70, pesquisadores acadêmicos preocupados
em trazer essa problemática nas universidades em plena ditadura militar no
país, apresentou-se com uma novidade em discussão das políticas públicas e
direitos humanos.
Durante a década de 80, lançada as bases do Estatuto da Criança e do
Adolescente, com a participação fundamental dos movimentos da sociedade
civil na construção deste amparo legal que temos hoje. Como exemplo, o
Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua (1985) sai do centro
sindical de São Bernardo do Campo (SP) e a Pastoral da Criança (1983), em
nome da CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, com forte
influência vinda dos movimentos sociais da igreja católica. Neste cenário de
desigualdade social, discriminação da pobreza infanto-juvenil e autoritarismo
do poder público que o século XX irá construir legislação social.
A década de 80 foi histórica com a abertura política e a difícil
redemocratização do país e a aprovação da Convenção Internacional dos
Direitos da Criança, não só para o Brasil, mas também, para a América Latina.
Na cidade de Benge - região do Caribe em 1986, a discussão das diretrizes, a
nível mundial, onde ficassem garantidas as regras mínimas para a Justiça de
Menores.
Ao mesmo tempo, que a década de noventa apresenta mudanças
democráticas no campo político, compromete-nos às reflexões e desafios de
fato sobre a implementação das leis de proteção aos direitos humanos como o
ECA (1990). Atualmente, existem iniciativas maravilhosas como o Portal Pró-
Menino que busca instrumentalizar o professor auxiliando-o no ensino do ECA,
bem como, o papel da escola na sua implementação.
4 Papel da Escola e do Ensino de História
Ao delinear o papel da instituição escolar não se está buscando uma
uniformização dos estabelecimentos escolares, uma vez que cada escola tem
sua história, suas peculiaridades e sua identidade. A escola, ao tomar para si o
objetivo de formar cidadãos capazes de atuar com competência e dignidade na
sociedade, que esteja em consonância com as questões sociais, cuja
aprendizagem e assimilação são consideradas essenciais para que os alunos
possam exercer seus direitos e deveres, a escola assumindo e valorizando a
cultura de seu próprio grupo, proporcionando às crianças e jovens de
diferentes grupos sociais o acesso ao saber.
A escola ganha sentido quando há interação permanente entre equipe
escolar, alunos, pais e outros agentes que visam a formação completa dos
estudantes: entre o saber escolar e os demais saberes, entre o que o aluno
aprende na escola e o que ele traz para a escola. É imprescindível que a
escola utilize múltiplas produções de conhecimentos científicos e tecnológicos,
não perder de vista a autonomia moral e intelectual, finalidades básicas da
educação ela é responsável pela construção de conhecimentos e valores. A
função da escola, também é de contribuir para que os alunos se apropriem de
conteúdos sociais e culturais de maneira crítica e construtiva e ao mesmo
tempo, busque os limites entre o acesso ao saber no que diz respeito aos
conhecimentos socialmente relevantes da cultura brasileira.
Arendt (2005, p. 234-235) destaca:
A educação está entre as atividades mais elementares e necessárias da sociedade humana, que jamais permanece tal qual é, porém se renova continuamente através do nascimento da vinda de novos seres humanos. Esses recém-chegados, além disso, não se acham acabados, mas em estado de vir a ser. Assim, a criança, objeto da educação, possui para o educador um duplo aspecto: é nova em um mundo que lhe é estranho e se encontra em processo de formação; é um novo ser humano e é um ser humano em formação.
Contudo, os pais, não apenas trouxeram seus filhos à vida, os
introduziram em um mundo, assume na educação a responsabilidade ao
mesmo tempo pela vida e desenvolvimento da criança e pela continuidade
desse mundo.
... do lar a criança é introduzida ao mundo pela primeira vez através da escola, em que o comparecimento não é exigido pelos pais e sim pelo Estado, isto é, o mundo público. Essa responsabilidade não é imposta arbitrariamente aos educadores; ela está implícita no fato de que os jovens são introduzidos por adultos em um mundo em contínua mudança. (ARENDT, 2005, p. 238-239)
A mesma autora enfatiza que a educação é o ponto em que decidimos
se amamos o bastante para assumirmos a responsabilidade como educadores;
e também, chama a atenção que ambas as instituições família e escola são
responsáveis pela formação da criança e do adolescente. A autora não faz aqui
um discurso ou denúncia, pelo contrário, ela leva a pensar com cuidado todo o
processo de desenvolvimento do ser humano, daí o sentido da importância de
procurar entender a família e a escola, como instituições formadoras e
responsáveis pela formação integral, incentivados pelo limite, pelo amor,
dignidade, fatores indispensáveis que irão dar qualidade à vida de crianças e
adolescentes.
Quanto ao ensino de história, podemos apontar que um dos objetivos da
disciplina é a formação da Consciência Histórica. Para esse debate, buscamos
ancorar nas reflexões de Jorn Rüsen (2005, p. 57) que explica que a
consciência histórica é uma condição da existência do pensamento histórico e
que os indivíduos se constituem a partir das relações sociais. Portanto, para o
autor a consciência histórica é inerente à condição humana em toda sua
diversidade e também é o “modo pela qual a relação dinâmica entre
experiência do tempo e intenção no tempo se realiza no processo da vida
humana”, para que os indivíduos possam orientar sua vida prática (RÜSEN,
2001, p. 58).
Ensinar história buscando o exercício da cidadania por meio de uma
consciência histórica é compreender que o disciplina busca a compreensão da
experiência humana do tempo, entendida por meio de uma relação entre teoria
e prática social, construída por diversos sujeitos e em várias dimensões da
sociedade. Nas palavras de Rüsen (2006, p.16), a “aprendizagem histórica é
uma das dimensões e manifestações da consciência histórica” que fornece os
subsídios necessários para o aluno compreender o passado a fim de construí-
la um sentido de orientação que incorpore seu presente e suas expectativas de
um futuro possível. Sendo assim, o ensino e aprendizagem da história estão
constantemente relacionados com o passado, presente e o futuro e que deve
ser valorizado pelo professor bem como as experiências de vida dos
educandos.
Também a aprendizagem histórica possibilita ao aluno construir a
identidade humana que se forma nas relações com os múltiplos sujeitos e
diversos espaços-temporais. Entretanto, RÜSEN (2001) ressalta que o aluno
adquire a consciência histórica, compreendendo e incorporando no seu modo
de viver a experiência e a intenção; ou seja, a união do que fomos e do que
pretendemos ser no futuro é que contribui para os indivíduos a localizar-se no
tempo para agir.
Partindo desse pressuposto, foram realizadas intervenções na sala de
aula no intuito de contribuir para a preparação do aluno em relação ao direito
do outro, suas responsabilidades e compromisso para o convívio social. Na
unidade I, trabalhou-se o conhecimento e a compreensão do ECA (1990), de
forma prática e ilustrativa onde a aprendizagem se deu com a participação e
cooperação dos alunos, referente aos marcos históricos sociais vistos
explícitos nas ilustrações da arte digital do Portal Pró-Menino, a Cidade dos
Direitos, no laboratório de informática, como instrumento para ensinar a
História do ECA (1990), em uma perspectiva lúdica e descontraída. Também
como incentivo para a construção do conhecimento do aluno, que segundo
seus relatos apreciaram muito tal atividade.
Promoveu-se a reflexão, o diálogo sobre em que as medidas sócio-
educativas do ECA se faz presente em nosso cotidiano. Os exercícios são
referentes à leitura e estudos dos marcos históricos de diferentes décadas. A
proposta se deu em três momentos:
• O grupo A defendeu a ideia da redução da idade penal no Brasil;
• O grupo B fez a defesa contrária à diminuição da idade penal dos jovens
brasileiros;
• O grupo C apenas ouviu o debate e pontuou o que faltou e as ideias
mais convincentes nas explanações.
A proposta de avaliação se deu na confrontação do Grupo A, do Artigo
228 do Código Penal da Constituição Brasileira e do Grupo B o Artigo 112
definido pelo ECA. Os alunos compararam as duas leis, estabelecendo as
particularidades de cada uma delas e debateram o caso com o que diz o
Estatuto da Criança do Adolescente (ECA).
Os alunos se empenharam, ficaram motivados e após o término, pedem
para voltar ao laboratório de informática. Nas atividades escritas, alguns
alunos gostaram e outros não como podem ser observados na fala dos
educandos A, B e C.
O aluno A disse que:
A primeira vista, eu achei bem chato, depois eu comecei a interagir no portal com os meus colegas e gostei. É bem educativo e recomendo a todos participarem. Antes de conhecer o ECA eu não respeitava muito as pessoas; depois, através do site PROINFO eu comecei a respeitar os meus colegas e até publiquei o site no meu FACEBOOK para que outros pudessem acessar.
Enquanto o aluno B achou:
Primeiro eu achei meio chato e depois, foi ficando melhor e no final, foi bem legal, principalmente os jogos sobre o que pode e o que não pode para as crianças e adolescentes no Brasil. Achei também, diferente as atividades que mostravam a preocupação com a realidade atual das crianças e adolescentes.
E o aluno C concluiu:
Eu aprendi que antes do ECA os adolescentes não eram punidos pelos seus erros, também, não tinham direitos, apanhavam muito e havia prostituição de menores. Depois do ECA, os adolescentes são punidos pelos seus atos, tem direitos, opiniões e podem se expressar e até os pais são punidos se usarem de violência contra as crianças e adolescentes.
Por ser uma atividade lúdica, tendo como ferramenta o computador, a
ideia era que se interessariam e realmente, assim foi. O mais importante é que
conseguiram assimilar os conteúdos trabalhados e aprenderam. Por tudo isso,
a atividade foi válida e os objetivos das aulas foram atingidos.
Na proposta da Unidade II foi utilizado o ilustrativo documentário “A
Invenção da Infância”, escrito pela diretora Liliana Sulzbach, com a intenção de
fazer com que os educandos fizessem uma reflexão sobre o que é ser criança
no mundo contemporâneo. A discussão central foram os depoimentos dos
infantes pertencentes a diferentes grupos socioeconômicos, moradores de
centros urbanos e de regiões agrárias brasileiras, com e sem direito à
educação de qualidade, crianças e adolescentes exploradas como força de
trabalho, hiperestimuladas pelos pais que as afastam de viver a infância como
uma fase especial da vida.
Após exibição do filme, o professor gradativamente anotou no quadro os
elementos reflexivos e críticos das cenas que marcaram os alunos e as que
ficaram confusas, assim como preconceitos ou tabus. Buscou-se na pesquisa
outras informações ou até respostas para as dúvidas nos assuntos do
documentário, transformados pelos alunos em forma de poema, desenho ou
texto. A TV e o vídeo em sala de aula exigiu um planejamento criterioso
sempre com a atuação do professor. Gadotti (2000), afirma que “a educação
sendo essencialmente a transmissão de valores, necessita do testemunho de
valores em presença”.
Por isso, os meios de comunicação e a tecnologia não podem substituir
o professor, daí a necessidade do professor diversificar e dinamizar linguagens
audiovisuais, de uma leitura crítica do mundo, do conhecimento popular e
científico. Percebeu-se com esta atividade que os sentimentos foram aflorados
como expressaram os alunos A, B e C.
A. “Hoje as crianças parecem adultas, usam muita coisa dos adultos
como celular, computador etc., então, praticamente não existe
infância”.
B. “Observei que o menino que trabalhava quebrando pedra tinha
um olhar triste e o outro magro, tinha uma vida muito sofrida sem
viver sua infância, pois só trabalhava para ajudar os pais”.
C. “Esse vídeo transmitiu como é a vida de uma criança pobre e de
outra rica. Enquanto umas têm tudo o que querem e até o que
não querem, outras não têm nada. A vida é injusta”.
Tendo em vista, que nesta unidade foram usadas as tecnologias: TV,
vídeo e computador, os alunos se interessaram muito e no final, conclui-se
que, infelizmente, as crianças, ainda hoje, não têm vivido plenamente a
infância.
Dando continuidade as atividades, na unidade III foram utilizados dois
textos: no texto I – “Quem roubou meu futuro?” que fala de um jovem
trabalhador, criativo, talentoso, artista, mais qualidades que defeitos. De um
passado abandonado, caminho para a marginalidade, falta de iniciativa de
políticas sociais para o adolescente e de um futuro com mais respeito,
autonomia, cidadania e esperança de uma vida com sucesso. No texto II “O
Menino” o texto se estrutura como um anúncio de desaparecido, ao considerar
a subnutrição como normal, o autor refere ás crianças que como ele, têm uma
infância difícil devido à condição social, com um tom de protesto, a insatisfação
com a vida, decorre da miséria a que se foi relegado. Como suporte teórico
tivemos alguns artigos da atual Constituição Brasileira e do Estatuto da
Criança e do Adolescente que orientou o trabalho pelo professor e alunos em
sala de aula e com base nos dois documentos, foi confeccionado cartazes com
a temática e expostos nos corredores do Colégio.
Esta unidade foi prazerosa e dinâmica, os alunos se envolveram,
manusearam os documentos e confeccionaram um mural com o assunto
estudado ressaltando a maioridade penal. No final, com base em suas
observações, fizeram as considerações abaixo, citadas por três alunos A, B e
C.
A. “Tem que baixar a idade para doze anos e ficar preso de três a
perpetuamente dependendo do crime”;
B. “Deve baixar para dezesseis anos a maioridade penal, porque se
eles podem votar também podem responder pelo que fazem”.
C. “Somos a favor de penas maiores e não diminuição da
maioridade penal. A pessoa tem que ficar presa até cumprir toda
a pena, não diminuir no caso de dias de trabalho e bom
comportamento. Somos contra o governo pagar salário mínimo
para a família do preso”.
Com base na conclusão dos alunos, observa-se que sendo o assunto
muito polêmico, os educandos ainda em formação, influenciados pela mídia,
embora orientados em sala de aula, continuam a repetir o pensamento que
ouvem dos meios de comunicação de massa, principalmente, da TV. O
trabalho foi gratificante, houve envolvimento, mas este assunto deve ser
retomado para que se possa esgotar todas as dúvidas e só depois poderemos
obter uma resposta amadurecida dos alunos sobre o assunto, se bem que, o
assunto maioridade penal ainda será fonte de muita discussão, pois envolve
interesses e valores intrínsecos na sociedade.
Concomitante as atividades realizadas em sala de aula com os alunos,
foi realizado um grupo de trabalhos em rede (GTR) com professores de
História, via plataforma Moodle, para discutir as atividades propostas aos
alunos, enriquecendo o meu trabalho em sala, onde busquei um recorte da
história recente sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Foi possível observar entre os professores participantes a existência de
uma crença na transformação de uma prática pedagógica mais significativa,
colocando o aluno, o maior número de vezes possíveis, em situação que ele
seja construtor do processo do fazer o conhecimento histórico.
Observou-se que mesmo entre os professores não há conhecimento do
ECA e isso precisa ser mudado com formação continuada e, também,
bibliografias sobre este assunto nas bibliotecas públicas para acesso e
consulta de alunos e professores.
5 Considerações Finais
Analisando todas as atividades realizadas durante o projeto de
intervenção na escola, chega-se à conclusão de que o trabalho com o Estatuto
da Criança e do Adolescente é muito gratificante, tanto para os professores
como para os alunos.
O trabalho realizado com os alunos atingiu seus objetivos, pois todas as
atividades levaram ao conhecimento e reflexão dos mesmos, dos direitos e
deveres dos cidadãos pautados na Declaração Universal dos Direitos
Humanos, na Constituição Brasileira e no Estatuto da Criança e do
Adolescente, despertando neles o interesse pelo assunto que está intrínseco a
sua idade e que eles não dominam.
É sabido que a educação brasileira ainda tem muito que melhorar,
contudo não podemos nos esquecer que os cidadãos estão em formação nas
salas de aula de todo o país, e que é muito importante para uma pessoa
conhecer seus deveres e exigir seus direitos frente a sociedade. A criança é a
promessa de que ainda há o que se fazer, então por que não começar dando a
elas as ferramentas necessárias para poder reivindicar o que é seu e melhorar
sua condição de vida?
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