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ENSINO MÉDIO INTEGRADO À EDUCAÇÃO PROFISSIONAL: EXPANSÃO
E DESAFIO PARA OS INSTITUTOS FEDERAIS
Francisco das Chagas Silva Souzai
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFRN)
RESUMO
Desde princípios deste século, o governo federal brasileiro vem investindo numa política
de expansão da Educação Profissional e Tecnológica (EPT), cujo fortalecimento se deu
com a Lei nº 11.892/08, que criou os Institutos Federais de Educação, Ciência e
Tecnologia (IFs). De acordo com essa Lei, os IFs podem ofertar a EPT, em todos os seus
níveis e modalidades, destinando no mínimo 50% de suas vagas para cursos técnicos de
nível médio, prioritariamente na forma integrada. A integração é bem vista pelos IFs haja
vista que ela possibilita a superação da dualidade histórica da educação brasileira: para
uns, a elite dirigente, uma formação propedêutica com o objetivo de preparar para o nível
superior; para os demais, a maioria da sociedade, uma educação voltada para a formação
de mão-de-obra destinada a atender as necessidades do mercado capitalista. A intensão é
não apenas preparar adolescentes, jovens e adultos para o mundo do trabalho, mas
também proporcionar a estes uma formação humana, tendo o trabalho como princípio
educativo. Entretanto, apesar das expectativas positivas que a política de expansão dos
IFs tem gerado, os avanços na EPT são acompanhados por um conjunto de desafios como:
1- a ausência de uma política de formação docente para atuar nessa modalidade educativa;
2- as dificuldades de se trabalhar na perspectiva da integração e da totalidade quando o
que ainda predomina na formação acadêmica é a fragmentação e a hierarquização dos
conhecimentos. Este artigo é um ensaio no qual discutimos a proposta da formação
integrada e problematizamos os limites para a sua implantação de forma coerente com as
finalidades e objetivos dos IFs presentes na Lei nº 11.892/08.
Palavras-chave: Educação Profissional e Tecnológica, Ensino Médio Integrado,
Currículo.
INTRODUÇÃO
Os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFs) têm assumido um
papel relevante na formação de cidadãos-profissionais. Embora sua atual denominação
seja recente (criada em 2008), a história dessa instituição coincide com a história do
ensino profissional público no Brasil, que teve o seu início em 1909, quando o então
presidente da República Nilo Peçanha criou dezenove Escolas de Aprendizes Artífices
marcando oficialmente a implantação do ensino técnico no nosso país.
Durante a maior parte de sua existência, esse conjunto de instituições federais de
Educação Profissional e Tecnológica (EPT) sofreu várias alterações em sua denominação
e esteve concentrado principalmente nas capitais dos estados e em cidades de grande
porte. Contudo, na década em que essas instituições completariam um século de história,
Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade
EdUECE - Livro 301942
verificamos uma expansão destas pelo interior dos estados como uma política pública do
governo federal brasileiro.
A política de expansão da EPT é vista com bons olhos pela sociedade,
principalmente porque representa uma oportunidade de desenvolvimento social e humano
para áreas conhecidas como os rincões dos estados brasileiros. Agora, essas populações
veem ampliadas as oportunidades de realizar um curso técnico de nível médio e/ou de
tecnologia em nível superior.
Para os cursos técnicos de nível médio são destinadas, no mínimo, 50% das vagas
abertas pela instituição. Esses cursos devem ocorrer prioritariamente na forma integrada
(BRASIL, 2008). Com isso, os IFs visam não só preparar adolescentes, jovens e adultos
para o mundo do trabalho, mas também proporcionar a estes uma formação humana,
tendo o trabalho como princípio educativo.
Neste artigo, objetivamos discutir o que vem a ser a proposta da integração e
levantar questões acerca das limitações que acompanham essa ideia de
complementaridade entre o ensino médio e a educação profissional. Destacamos duas
delas: 1- a ausência de uma política de formação docente para atuar nessa modalidade
educativa; 2- as dificuldades de se trabalhar na perspectiva da integração e da totalidade
quando o que ainda predomina na formação acadêmica é a fragmentação e a
hierarquização dos conhecimentos.
A expansão da Rede de Educação Profissional e Tecnológica no Brasil
A história da EPT no Brasil é marcada por datas e legislações que se tornaram
verdadeiros divisores de água no que diz respeito ao debate sobre educação e trabalho no
nosso país. A última grande mudança ocorreu em fins de 2008, quando o então presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, por meio da Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008, instituiu
a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica e criou os Institutos
Federais de Educação, Ciência e Tecnologia.
Os Institutos Federais (IFs), de acordo com o artigo 2º da referida lei, são vistos
como:
[...] instituições de educação superior, básica e profissional,
pluricurriculares e multicampi, especializados na oferta de
educação profissional e tecnológica nas diferentes modalidades
de ensino, com base na conjugação de conhecimentos técnicos e
tecnológicos com as suas práticas pedagógicas, nos termos desta
Lei. (BRASIL, 2008).
Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade
EdUECE - Livro 301943
A criação dos Institutos Federais insere-se numa política voltada para a EPT
iniciada pelo governo Lula e que se caracterizou pela expansão de unidades dos CEFETs.
Aliás, é importante destacar que até a posse desse presidente, em 2003, havia apenas 140
unidades dessas escolas em todo Brasil. Durante os seus dois mandatos, entre 2003 e
2010, o Ministério da Educação criou 214 unidades previstas no plano de expansão da
Rede Federal de EPT. Além disso, algumas escolas técnicas foram federalizadas.
(BRASIL, 2009)
O plano de expansão da EPT se deu em três fases. A primeira, lançada em 2005,
após a publicação da Lei nº 11.195/05, anunciou a criação de 64 unidades de ensino. Entre
2007 e 2010 ocorreu a segunda fase da expansão, a qual teve como slogan “Uma escola
técnica em cada cidade-polo do país”. Nesta etapa, foram instaladas 150 novas unidades,
que somadas às 64 da Fase I, atingiu o total de 214 anunciado pelo Presidente Lula no
início do seu mandato. Ou seja, em 2010, quando terminou o governo Lula, o Brasil
possuía um número de 354 unidades de ensino de EPT, haja vista que às 214 criadas
durante esse governo, devemos somar as 140 escolas já existentes.
Em agosto de 2011, a Presidenta Dilma Rousseff anunciou a Fase III da expansão.
Na época, planejou-se que até 2014 o Brasil viria a ter mais 208 unidades dos IFs,
chegando a um total de 562 escolas em 512 municípios. (CONSELHO..., 2011).
Como não poderia ser diferente, a criação dos Institutos Federais e a política de
expansão da EPT pelos governos Lula e Dilma Roussef abriram uma série de debates.
Nestes se destacam aqueles que veem essas instituições como uma “revolução” na EPT
brasileira (PACHECO, 2011) e outros intelectuais que os percebem apenas como uma
imposição de um mercado capitalista sedento de mão-de-obra qualificada.
A discussão é polêmica e está longe de ser vista de forma simplista e reducionista.
Se é inegável que a política de expansão da EPT no Brasil nas suas variadas formas
atendem aos interesses do sistema capitalista no seu atual contexto em escala global,
também não podemos negar a capacidade de inclusão social e de desenvolvimento
regional que os Campi dos IFs trazem para as áreas mais remotas do nosso país. Da
mesma forma, não podemos desconsiderar a elevação do número de jovens de baixo
poder aquisitivo que conseguem se matricular num curso técnico ou tecnológico nos IFs
por meio da política de cotas, um número, aliás, ainda baixo se tomarmos como referência
a realidade nacional.
Os limites desse texto e a complexidade do tema nos impedem de adentrar mais
densamente nesse debate. Assim, iremos restringir a nossa discussão a um aspecto que
Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade
EdUECE - Livro 301944
não pode ser esquecido neste espaço: a integração entre a “formação geral” e a “formação
profissional” nos cursos técnicos de nível médio. Perguntamos: o que é esse ensino médio
integrado? O que é necessário para que ele aconteça satisfatoriamente nas instituições de
EPT?
Ensino Médio Integrado à Educação Profissional e Tecnológica: histórico e
princípios
Como observa Ciavatta (2012, p. 83), continuamente são criados novos termos
para expressar novas realidades ou para projetar ideologicamente novas ideias que
esperamos se tornar realidade. Formação integrada é um exemplo disso. Com relação à
EPT, o referido termo está presente no Decreto nº 5.154, de 23 de julho de 2004, que
regulamenta o parágrafo 2º do artigo 36 e os artigos 39 a 41 da Lei nº 9.394/96, que
estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.
Conforme o artigo 4º do Decreto nº 5.154/04, “a educação profissional técnica de
nível médio (...) será desenvolvida de forma articulada com o ensino médio”. O parágrafo
1º desse Artigo define as formas pelas quais se dará essa articulação: “integrada,
oferecida somente a quem já tenha concluído o ensino fundamental (...)” ou
“concomitante, oferecida somente a quem já tenha concluído o ensino fundamental ou
esteja cursando o ensino médio (...)” (BRASIL, 2004, grifo nosso).
Mas o que significa integrar? Nos dicionários da língua portuguesa, o verbo
integrar é considerado como o mesmo que completar, inteirar, incorporar, unir-se
formando um todo harmonioso, fazer entrar num conjunto ou num grupo.
No âmbito da educação, o termo é comumente usado quando nos referimos às
múltiplas mediações históricas que concretizam os processos educativos. Para Ciavatta:
No caso da formação integrada ou do ensino médio integrado ao
ensino técnico, queremos que a educação se torne geral se torne
parte inseparável da educação profissional em todos os campos
onde se dá a preparação para o trabalho: seja nos processos
produtivos, seja nos processos educativos como a formação
inicial, como o ensino técnico, tecnológico ou superior (2012, p.
84).
Dessa maneira, a concepção de formação integrada possibilita a superação da
dualidade histórica da educação brasileira: para uns, a elite dirigente, uma formação
propedêutica preparatória para o nível superior; para os demais, a maioria da sociedade,
uma educação voltada para a formação de mão-de-obra destinada a atender as
necessidades do mercado capitalista. Temos, assim, uma divisão social do trabalho que
Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade
EdUECE - Livro 301945
separa a ação de executar (o trabalho manual) das de pensar, dirigir ou pensar (o trabalho
intelectual).
A integração entre o ensino médio e a EPT sugere um rompimento com o dualismo
estrutural da educação brasileira e fundamenta-se na concepção de trabalho como
princípio educativo no sentido de que este forma trabalhadores capazes de atuar como
dirigentes e cidadãos. Pode-se afirmar que a ideia de ensino médio integrado tem como
alicerce uma literatura cujos expoentes são Marx, Gramsci, Lukács dentre outros.
Portanto, é na educação socialista que encontramos a origem remota da formação
integrada como destaca Ciavatta (2012, p. 86).
No Brasil, o fortalecimento da ideia de integração entre a formação geral e a EPT
se dá no cenário político dos anos 1980, marcado pelas críticas ao tradicional dualismo
da sociedade e da educação brasileira e pelas lutas em prol da democracia e em defesa da
escola pública. É nesse quadro que ocorre a elaboração da Constituição de 1988 e, alguns
anos após, a criação da nova LDB que respalda a possibilidade de integração.
Os anos 1990 foram marcados por uma política educacional que estabeleceu o
divórcio entre o ensino médio e a educação profissional (MOURA, 2013, p. 152), porém,
o novo século se inicia com mudanças políticas trazidas pela eleição do Presidente Lula
que, em 2004, através do Decreto nº 5.154/04, não apenas tornou possível a integração,
mas também revogou o Decreto nº 2.208/97, que impedia essa prática.
Após esse breve histórico sobre a ideia de formação integrada na educação
brasileira, torna-se necessário apresentarmos as concepções e princípios dessa integração
que, segundo Ramos (2007; 2010) seriam: 1- a formação omnilateral; 2- a
indissociabilidade entre educação profissional e educação básica; 3- a integração de
conhecimentos gerais e específicos como totalidade. São pressupostos que se
“diferenciam significativamente do que se vem configurando como uma natureza
profissionalizante dessa etapa da educação básica”. (RAMOS, 2010, p. 54)
O primeiro sentido expressa uma concepção de formação humana, com base na
integração de todas as dimensões da vida no processo formativo, quais sejam: o trabalho,
a ciência e a cultura:
A integração, no primeiro sentido, possibilita formação
omnilateral dos sujeitos, pois implica a integração das dimensões
fundamentais da vida que estruturam a prática social. Essas
dimensões são o trabalho, a ciência e a cultura. O trabalho
compreendido como realização humana inerente ao ser (sentido
ontológico) e como prática econômica (sentido histórico
associado ao respectivo modo de produção); a ciência
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EdUECE - Livro 301946
compreendida como os conhecimentos produzidos pela
humanidade que possibilita o contraditório avanço produtivo; e a
cultura, que corresponde aos valores éticos e estéticos que
orientam as normas de conduta de uma sociedade. (RAMOS,
2007, p. 04)
O trabalho é percebido como parte do processo de formação e de realização
humana e não apenas como uma prática econômica que se vende, tal qual ocorre na
sociedade capitalista. Ele é a ação humana de interação com a realidade para a satisfação
de necessidades e produção de liberdade. Nesse sentido, trabalho não é emprego, mas
produção, criação, realização humanas. Compreender o trabalho nessa perspectiva é
compreender a história da humanidade, as suas lutas e conquistas mediadas pelo
conhecimento humano. (RAMOS, 2007; 2010)
Ao agir sobre o meio material o homem se diferencia dos animais pois, ao
contrário destes últimos, ele “faz da sua atividade vital um objeto de sua vontade e
consciência. (...) reproduz a natureza, o que lhe confere liberdade e universalidade”. Ao
assim proceder, o homem produz conhecimento que “sistematizado sob o crivo social e
por um processo histórico, constitui a ciência”. (RAMOS, 2010, p. 48-49)
Essa concepção de formação omnilateral vê a cultura num sentido ampliado,
como a articulação entre o conjunto de representações e comportamentos e o processo
dinâmico de socialização, constituindo o modo de vida de uma população determinada.
(RAMOS, 2010, p. 49)
O segundo princípio da integração, a indissociabilidade entre educação
profissional e educação básica, aponta para a necessidade de profissionalizar jovens e
adultos para o mundo do trabalho.
Simões (2007) destaca que diante do cenário brasileiro do trabalho informal e do
subemprego, a formação técnica, mesmo subordinada aos interesses do capital, tem
assumido uma importância para a emancipação e o desenvolvimento pessoal e coletivo
de jovens trabalhadores. Na sua pesquisa sobre jovens de camadas populares que
realizaram cursos técnicos, esse autor conclui que:
O Ensino Técnico articulado com o Ensino Médio,
preferencialmente Integrado, representa para a juventude uma
possibilidade que não só colabora na sua questão da
sobrevivência econômica e inserção social, como também uma
proposta educacional, que na integração de campos do saber,
torna-se fundamental para os jovens na perspectiva de seu
desenvolvimento pessoal e na transformação da realidade social
que está inserido. A relação e integração da teoria e prática, do
Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade
EdUECE - Livro 301947
trabalho manual e intelectual, da cultura técnica e a cultura geral,
interiorização e objetivação vão representar um avanço conceitual
e a materialização de uma proposta pedagógica avançada em
direção à politecnia como configuração da educação média de
uma sociedade pós-capitalista. (SIMÕES, 2007, p. 84)
Para Ramos (2007, p. 10-11), enquanto o Brasil for um país marcado pela
exploração capitalista da mão-de-obra dos trabalhadores, estes não podem aguardar a
conclusão dos seus estudos para só depois ingressar em uma atividade econômica. Para
ela, “a forma integrada do ensino médio à educação profissional na sociedade atual
apresenta-se como condição necessária para a travessia em direção ao ensino médio
politécnico e à superação da dualidade educacional, em busca da efetiva transformação
da estrutura social”. Ademais, afirma Ramos (ibidem, p. 11):
O ensino técnico é uma experiência na qual os jovens, ao se
relacionarem com a técnica e a tecnologia – ciência materializada
em força produtiva – apreendem o significado formativo do
trabalho, não no sentido moralizante que sustentou as políticas
educacionais no início no século XX, mas sob o princípio
ontológico de que a plena formação humana só pode ser
alcançada à medida que o ser desenvolve suas capacidades de
decisão e ação sustentadas pela unidade entre trabalho intelectual
e manual.
O terceiro sentido da formação integrada, a integração de conhecimentos gerais e
específicos como totalidade, rompe com a fragmentação do conhecimento e a
hierarquização deste impostas pelo paradigma positivista.
Uma visão cartesiana da ciência leva-nos a compreender que disciplinas como
história, geografia, física, química, biologia, dentre outras, fornecem-nos as teorias,
enquanto que as disciplinas especificamente técnicas as aplicam na prática. Assim, teoria
e prática tornam-se campos separados e até oponentes.
(...) nenhum conhecimento específico é definido como tal se não
consideradas as finalidades e o contexto produtivo em que se
aplicam. Queremos dizer ainda que, se ensinado exclusivamente
como conceito específico, profissionalizante, sem sua vinculação
com as teorias gerais do campo científico em que foi formulado,
provavelmente não se conseguirá utilizá-lo em contextos distintos
daquele em que foi aprendido. Neste caso, a pessoa poderá até
executar corretamente procedimentos técnicos, mas não poderá
ser considerado um profissional bem formado. (RAMOS, 2007,
p. 14)
Como afirma Ramos (2007, p. 15-16), a historicidade dos fenômenos e do
conhecimento dá vida aos conteúdos de ensino e representa o movimento da humanidade
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em busca do saber. Ela expressa a capacidade humana de produzir conhecimentos e tomar
decisões quanto ao seu próprio destino, tornando-se sujeito e não objeto de uma trama
social que desconhece. Além disso, permite-nos ver a nós mesmos como intelectuais e
como potenciais dirigentes dos rumos que nossas vidas e que a sociedade pode vir a
tomar. Essas reflexões são necessárias no ensino médio porque ele é uma etapa
fundamental na formação dos sujeitos, haja vista a relação que se manifesta entre ciência
e forças produtivas. É no ensino médio que os sujeitos estão fazendo escolhas, dentre
estas, está a formação profissional.
Considerações finais e recomendações
Realizada uma síntese do histórico da formação integrada e dos princípios pelos
quais ela é pensada, faz-se necessário levantarmos algumas considerações com vistas a
fomentar o debate acerca dessa integração entre ensino médio e EPT nos Institutos
Federais de Educação, Ciência e Tecnologia.
A expansão dos IFs para o interior dos estados e para as áreas periféricas dos
grandes centros urbanos tem sido acompanhada de muitos entusiasmos, o que não poderia
ser diferente graças à reconhecida importância dos seus campi para a promoção do
desenvolvimento local. Além disso, como destaca o documento base do ensino médio
integrado, elaborado pelo MEC, “a ampliação da oferta do ensino médio integrado nas
instituições públicas de educação pode contribuir para uma efetiva (re)construção de uma
identidade própria e, ao mesmo tempo, significativa, para a vida de seus grupos
destinatários” (BRASIL, 2007, p. 27).
Todavia, não são poucos os desafios que essa instituição enfrenta internamente
para manter a qualidade do seu ensino e promover um ensino médio integrado à educação
profissional, o maior dos seus objetivos, uma vez que, segundo o artigo 8º da Lei nº
11.892/08, no mínimo 50% das vagas ofertadas em cada exercício deverão ser destinadas
a essa modalidade.
Destacaremos aqui dois dentre os vários desafios que os IFs enfrentam quanto à
formação integrada: 1- a ausência de uma política de formação de professores para a
educação profissional; e 2- a dificuldade de se pôr em prática um currículo baseado na
integração entre as disciplinas ditas como de formação geral, propedêuticas, e aquelas de
formação específica, técnicas.
No que tange à formação de professores para a educação profissional esta é uma
“ilustre desconhecida” e pouco tem ocupado as atenções da academia (URBANETZ,
2012). Historicamente, essa formação tem se dado por ações pontuais e por projetos
Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade
EdUECE - Livro 301949
pouco consistentes e descontínuos (MACHADO, 2008). Isso é preocupante, pois como
afirma Moura (2008, p. 30): “os professores, técnico-administrativos e dirigentes das
instituições de EPT, principais sujeitos envolvidos juntamente com os estudantes,
necessitam ser muito bem formados e qualificados profissionalmente”.
Se um diploma em cursos de licenciatura é o requisito mínimo para o exercício da
docência na educação básica, o mesmo não ocorre no ensino superior e na EPT. Para
Moura (2008, p. 31), esse é um problema estrutural do nosso sistema educacional, haja
vista que, se para exercer qualquer profissão liberal no Brasil é preciso uma formação
profissional, esse rigor não ocorre no magistério superior e na EPT. Para esse autor, se
essa exigência não existe para o exercício da docência da mesma maneira que ocorre nas
outras profissões, isso demonstra que a profissão docente “não tem reconhecimento social
e do mundo do trabalho compatível com sua importância para a sociedade” (ibidem, p.
31).
Entretanto, é importante destacar que a posse de um diploma de licenciatura não
significa que esse professor tenha o perfil desejado para lecionar na educação profissional
dadas as especificidades dessa modalidade educativa. Para Machado (2008, p. 18), esse
perfil profissional “engloba, além das especificidades das atividades pedagógicas
relativas ao processo de ensino-aprendizagem neste campo, as dimensões próprias do
planejamento, organização, gestão e avaliação desta modalidade educacional nas suas
íntimas relações com as esferas da educação básica e superior”.
Na verdade, a educação profissional e outras modalidades de ensino como a
educação de jovens e adultos e a educação especial não têm recebido maiores atenções
nos cursos de licenciatura. Logo, um grande número de licenciados concluem seus cursos
sem nunca terem recebido uma preparação pedagógica para atuar na educação
profissional, por exemplo.
Ora, se os professores licenciados têm essas limitações, o que podemos dizer
daqueles egressos de cursos de bacharelado e que não tiveram a formação pedagógica
mínima para o exercício da docência? A literatura sobre a formação de bacharéis ressalta
a forte presença da educação bancária a que estes são submetidos (SOUZA; OLIVEIRA,
2013). A situação torna-se mais grave quando lembramos que é comum na prática docente
a reprodução de modelos.
Diante desse problema, algumas soluções são apontadas. Uma delas é a criação
de cursos de licenciatura para a educação profissional “absolutamente essenciais por
serem o espaço privilegiado da formação docente inicial e pelo importante papel que
Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade
EdUECE - Livro 301950
podem ter na profissionalização docente (MACHADO, 2008, p. 15). Moura (2008)
concorda com a ideia de criação de uma licenciatura para essa modalidade e também
sugere a criação de cursos de formação continuada para os professores que já estão
atuando na EPT.
Quanto à dificuldade de colocarmos em prática um currículo integrado, composto
por disciplinas propedêuticas e técnicas, isso ocorre em função da nossa formação ainda
ser muito influenciada pelo paradigma positivista, que divide e hierarquiza o
conhecimento, dificultando-nos pensar em termos de totalidade. Sobre esse aspecto,
analisa Ramos (2007, p. 16-17):
Essa concepção não se confunde com tornar as disciplinas da
formação geral somente como instrumentais à formação
profissional, tal como era típico dos cursos profissionalizantes
organizados sob a égide da Lei n. 5.692/71 e também como
sugerem as atuais diretrizes curriculares nacionais da educação
profissional técnica. É uma outra postura epistemológica (...) que
se exige, recorrendo a princípios e pressupostos da
interdisciplinaridade e da visão totalizante da realidade. Não se
trata de somatório, superposição ou subordinação de
conhecimentos uns aos outros, mas sim de sua integração na
perspectiva da totalidade. (Grifo nosso)
Essas observações nos reportam aos sentidos da integração que mencionamos em
páginas anteriores e nos estimulam revisar nossas práticas pedagógicas enquanto
professores da EPT:
1- A fragmentação do conhecimento por meio das disciplinas de “formação geral” e
“formação especifica” limitam a proposta de formação humana omnilateral. É
necessário saímos da nossa zona de conforto que é a disciplina e nos aventurarmos
por outras áreas do conhecimento até então estranhas a nós.
2- É preciso romper com uma noção solidificada de ciência como verdade absoluta
e vê-la como um conhecimento historicamente construído.
3- Urge que pensemos o par C&T de forma mais realista e humanizante.
4- Necessitamos religar saberes considerados oponentes, a exemplo de ciência e
senso comum, verdade e mito, teoria e prática...
É óbvio que executá-las é uma tarefa difícil pois, parafraseando Morin (2008),
isso exige não só repensar a reforma, mas também reformar o pensamento. Na EPT isso
se torna um desafio ainda maior haja vista que grande parte dos seus professores são
bacharéis egressos de cursos nas áreas das ditas “ciências duras”. Muitos acreditam que
para ser professor, basta conhecer o conteúdo e ter o conhecimento prático.
Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade
EdUECE - Livro 301951
O debate é longo e exaustivo mas não menos importante e necessário, pois os IFs
precisam se empenhar na formação humana e “garantir ao adolescente, ao jovem e ao
adulto trabalhador o direito a uma formação completa para a leitura do mundo e para a
atuação como cidadão pertencente a um país, integrado dignamente à sua sociedade
política”. (CIAVATTA, 2012, p. 85)
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