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QUÍMICA PARA OS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: AVALIAÇÃO DE UMA EXPERIÊNCIA PEDAGÓGICA COM CRIANÇAS E PROFESSORES Maura Ventura Chinelli/ Universidade Federal Fluminense André Pinho de Oliveira Silva/ Universidade Federal Fluminense Daniela Maria dos Santos Lucena/ Universidade Federal Fluminense Resumo: Neste artigo busca-se debater o mérito e o impacto da inserção da Química nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Como ponto de partida tem-se a descrição de experiências didáticas realizadas com alunos e professores desta etapa da educação básica com o objetivo de, ao envolvê-los na observação e discussão de fenômenos relacionados a fatos cotidianos, propiciar a construção de conhecimentos científicos escolares nos quais se possam identificar, ressaltar e valorizar os conhecimentos químicos. E se encerra como pesquisa avaliativa, de modo a reconhecer a pertinência e a eficácia das intervenções pedagógicas empreendidas. A proposta se justifica pelas dificuldades observadas em estudantes, sobretudo no Ensino Médio, para aproximarem- se da Química - o que, de acordo com a teoria de David Ausubel, pode estar relacionado à falta de conhecimentos prévios sobre os quais venham a ancorarem-se conceitos novos (MOREIRA, 2011). A ludicidade da abordagem prática e o despertar da curiosidade em torno da observação de fenômenos foram as possibilidades investidas no sentido de promover aprendizagens significativas coerentes com este nível escolar, bem como de sensibilizar professores para o desenvolvimento de ações do mesmo tipo. Como resultados tem-se um grande envolvimento das crianças e dos professores, com a formação de conceitos fundamentais da Química correlacionados a fatos presentes em seu dia-a-dia. Nos professores, em específico, pode-se reconhecer a desmitificação da Química e o interesse em proporcionar experiências semelhantes, em suas aulas, mas também uma profunda insegurança em relação aos conhecimentos químicos da sua formação. O que leva a concluir que abordagens pautadas na Química são possíveis e interessantes para o ensino de ciências no início da escolarização, resultando em aprendizagens significativas às quais se poderá recorrer em ações educativas posteriores, o que, no entanto, vem a depender do investimento na melhoria da formação química dos professores da primeira fase do Ensino Fundamental. Palavras-chave: Ensino de Química; Ensino Fundamental; Pesquisa Avaliativa. Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola EdUECE- Livro 1 04009

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QUÍMICA PARA OS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL:

AVALIAÇÃO DE UMA EXPERIÊNCIA PEDAGÓGICA

COM CRIANÇAS E PROFESSORES

Maura Ventura Chinelli/ Universidade Federal Fluminense

André Pinho de Oliveira Silva/ Universidade Federal Fluminense

Daniela Maria dos Santos Lucena/ Universidade Federal Fluminense

Resumo:

Neste artigo busca-se debater o mérito e o impacto da inserção da Química nos anos

iniciais do Ensino Fundamental. Como ponto de partida tem-se a descrição de

experiências didáticas realizadas com alunos e professores desta etapa da educação

básica com o objetivo de, ao envolvê-los na observação e discussão de fenômenos

relacionados a fatos cotidianos, propiciar a construção de conhecimentos científicos

escolares nos quais se possam identificar, ressaltar e valorizar os conhecimentos

químicos. E se encerra como pesquisa avaliativa, de modo a reconhecer a pertinência e

a eficácia das intervenções pedagógicas empreendidas. A proposta se justifica pelas

dificuldades observadas em estudantes, sobretudo no Ensino Médio, para aproximarem-

se da Química - o que, de acordo com a teoria de David Ausubel, pode estar relacionado

à falta de conhecimentos prévios sobre os quais venham a ancorarem-se conceitos

novos (MOREIRA, 2011). A ludicidade da abordagem prática e o despertar da

curiosidade em torno da observação de fenômenos foram as possibilidades investidas no

sentido de promover aprendizagens significativas coerentes com este nível escolar, bem

como de sensibilizar professores para o desenvolvimento de ações do mesmo tipo.

Como resultados tem-se um grande envolvimento das crianças e dos professores, com a

formação de conceitos fundamentais da Química correlacionados a fatos presentes em

seu dia-a-dia. Nos professores, em específico, pode-se reconhecer a desmitificação da

Química e o interesse em proporcionar experiências semelhantes, em suas aulas, mas

também uma profunda insegurança em relação aos conhecimentos químicos da sua

formação. O que leva a concluir que abordagens pautadas na Química são possíveis e

interessantes para o ensino de ciências no início da escolarização, resultando em

aprendizagens significativas às quais se poderá recorrer em ações educativas

posteriores, o que, no entanto, vem a depender do investimento na melhoria da

formação química dos professores da primeira fase do Ensino Fundamental.

Palavras-chave: Ensino de Química; Ensino Fundamental; Pesquisa Avaliativa.

Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola

EdUECE- Livro 104009

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Introdução:

O caminhar da ciência e da tecnologia têm resultado em impactos sociais e ambientais

que nos chamam a refletir sobre nossa responsabilidade sobre o acompanhamento ou a

promoção de boas condições de vida e de desenvolvimento sustentável do planeta. Para

um ensino de ciências compatível com esta demanda, sobretudo no que diz respeito à

Química como componente curricular, os professores têm sido estimulados a

desenvolver novos métodos e a aplicar recursos atualizados que tragam contribuições

efetivas aos estudantes para participarem do mundo contemporâneo. O ensino de

Química tradicionalmente praticado, com a transmissão de informações que são quase

sempre memorizadas de forma passiva, mostra esgotamento, reconhecido no grande

desestímulo demonstrado pelos alunos.

A despeito de muitos esforços e iniciativas para que se renovem as aulas de Química,

permanece o sentimento de fracasso. Mesmo quando envolvidos e motivados podem-se

observar grandes dificuldades por parte dos estudantes em compreender conceitos

químicos, quase sempre abstratos e dependentes de modelização. Esta situação levou a

que se tomasse por hipótese que, uma vez que a Química só consta dos currículos

escolares brasileiros, formalmente, no Ensino Médio (BRASIL, 2000), os alunos só

estarão tomando contato com esta ciência, pela primeira vez, a partir do nono ano de

escolarização, visto que, por hábito e tradição tem sido comum que conhecimentos

químicos sejam abordados com ênfase e explicitamente apenas nesta etapa escolar.

De fato, o que em geral se pode observar na escola básica é que a Química é uma

ciência que os professores dos anos iniciais compreendem pouco e sobre a qual têm

muitos temores. Pode-se então supor que, em consequência, quando os estudantes são

levados a conhecer a Química com maior aprofundamento, estes estarão despreparados,

desprovidos de conhecimentos básicos, anteriores, o que irá contribuir com o insucesso

que se tem observado na Química do Ensino Médio.

É importante ampliar o espaço dado à Química nos anos iniciais da Educação Básica.

Santos e Schnetzler (1996) apontam que o estudo da Química exerce um papel

fundamental para o desenvolvimento do caráter crítico dos alunos. Segundo os autores,

isto requer que o ensino seja contextualizado e prepare o aluno para participar

ativamente da sociedade, tomando decisões conscientes quanto às consequências

socioambientais de seus atos. Para isso é necessário, entre outras condições, que o

material a ser aprendido seja significativo para ele - o que, segundo a Teoria da

Aprendizagem Significativa de David Ausubel, ocorre quando o conceito novo

Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola

EdUECE- Livro 104010

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relaciona-se com algum conhecimento prévio existente em sua estrutura cognitiva

(MOREIRA, 2011).

Considerando o exposto, esta proposta se realizou junto a crianças dos anos iniciais do

Ensino Fundamental e a professores desta etapa da Educação Básica com o objetivo de

auxiliar na construção de novos conhecimentos científicos identificando, ressaltando e

valorizando, entre estes, os conhecimentos químicos. A estratégia adotada contou com

atividades escolares dinâmicas e oficinas interativas em que experimentos de Química

foram realizados e relações desta ciência com questões sociais e ambientais foram

buscadas. Uma avaliação destas intervenções pedagógicas tornou-se, então, necessária,

de modo a identificar a eficácia da metodologia para a formação de conhecimentos

específicos bem como seu potencial para operar mudanças na relação dos participantes

envolvidos com a Química, de modo a contribuir também para melhorar as condições de

aprendizagem desta ciência no futuro, quando as crianças envolvidas estiverem no

Ensino Médio.

Fundamentação Teórica: teoria das aprendizagens significativas

De acordo com Moreira (2011), Ausubel enfatiza a necessidade de uma estrutura

anterior de conhecimento, denominada subsunçor, que serve como "âncora" para a

interpretação e incorporação de novos conceitos. Esta "ancoragem" a conhecimentos

anteriores dá sentido à nova informação, definindo assim o que Ausubel chama de

Aprendizagem Significativa.

Segundo o autor, Ausubel descreve dois tipos de aprendizagens: a primeira, chamada de

mecânica, compreende a aquisição de informações que possuem pouca ou nenhuma

associação com conceitos preexistentes e são armazenadas de forma arbitrária; a

segunda, aprendizagem significativa, consiste em um armazenamento altamente

organizado e hierarquizado, onde saberes mais específicos são relacionados a conceitos

mais gerais. Embora diferentes, estes modos de aprender estabelecem entre si uma

relação de continuidade, pois o início da aprendizagem se dá de uma forma em que a

criança aprende por associação ou por repetição para depois assimilar novas

informações que darão um significado mais amplo à informação antiga.

Moreira (2011) ressalta, neste processo, o papel dos organizadores prévios, presentes na

obra de Ausubel. São organizadores prévios os materiais introdutórios e assuntos de

interesse que sejam pontos de partida para uma discussão, cuja principal função é servir

Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola

EdUECE- Livro 104011

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de ponte cognitiva entre o que o aprendiz já sabe e o que vai ser assimilado de forma

significativa.

Podemos compreender, então, que quando aumentamos a relação dos novos conteúdos a

serem ensinados de maneira substancial e não arbitrária com algum conhecimento

prévio, mais próxima está a aprendizagem significativa. E, uma vez que a aprendizagem

foi significativa, o aluno terá maior facilidade, no futuro, para experimentar novas

aprendizagens.

Este é o sentido e a intenção deste projeto: levar o conhecimento químico às crianças e

preparar seus professores para que também o façam, de modo a promover a formação de

conceitos que, sendo significativos para elas, possam ser reconhecidos no futuro em

novas situações de aprendizagem que envolvam a Química.

Organização das Intervenções Pedagógicas

Esta proposta se realizou como pesquisa avaliativa. Teve o propósito de identificar o

impacto da inserção de debates de conteúdo químico e das abordagens práticas com a

observação de fenômenos, sobre a aprendizagem e o interesse de crianças e de

professores nas contribuições da Química para o conhecimento de temas

sociocientíficos e socioambientais. A metodologia consistiu no planejamento, execução

e avaliação de aulas de ciências para os anos iniciais do Ensino Fundamental em que

fenômenos químicos foram abordados em suas relações com a vida cotidiana e com o

currículo, de modo a proporcionar a compreensão de que a Química está presente em

muitos momentos da vida e está relacionada a vários outros conhecimentos escolares.

No planejamento das intervenções pedagógicas, a primeira etapa foi selecionar os

temas, dentro dos previstos para cinco anos do Ensino Fundamental. Para isto foram

feitas consultas aos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental

(1998) e a livros didáticos de ciências (PORTO; RAMOS; GOULART, 2011) usados

nesta fase da educação formal. Depois, foram preparadas as aulas, com experimentos

que buscaram contribuir com a aprendizagem dos conteúdos curriculares. A fim de

facilitar abordagens com crianças e promover nelas a aprendizagem significativa, na

fase de preparação das intervenções procurou-se identificar quais questões cotidianas

próprias da infância poderiam ser usadas como organizadores prévios.

A proposta se desenvolveu, com alunos, no COLUNI - Colégio Universitário Geraldo

Reis, da UFF - e em duas oficinas com professores, no Espaço Ciência Interativa

Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola

EdUECE- Livro 104012

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(campus Mesquita do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Rio de

Janeiro).

Os temas escolhidos para a realização das atividades foram: “As substâncias e suas

misturas”, para o 2º ano; “A Química e o ar”, para o 3º ano; e “Eletricidade no dia a

dia”, para o 4º ano. Nos encontros realizados, seja com crianças, seja com grupos de

professores, os participantes foram questionados sobre fenômenos do cotidiano,

promovendo um pequeno debate, para, em seguida, serem realizados os experimentos.

Estes foram apresentados de forma bem extrovertida e, dependendo das condições em

que os fenômenos ocorrem e de seu risco potencial, foram manipulados pelo

responsável pela atividade ou pelos próprios participantes. Por fim, foram discutidas as

justificativas para os fenômenos observados, de forma simples e adequada à

escolaridade dos alunos que são objeto da proposta.

O tema “As substâncias e suas misturas” foi abordado a partir de três questões

provocadoras, através das quais se procurou resgatar conceitos formados na vida

cotidiana e orientar a observação de experimentos: O que é substância? Onde

encontramos as substâncias? Todas as substâncias se misturam?. Na sequência, foram

realizados e debatidos os seguintes experimentos: 1. Testando misturas: preparação de

diferentes misturas com o objetivo de possibilitar que os alunos observassem que

algumas substâncias, quando adicionadas, formam misturas homogêneas e que em

outras adições as substâncias permanecem não misturadas; 2. Transformando dois em

um: adição de óleo à água com posterior adição de detergente, a fim de se observar que

em presença de detergente a mistura, antes com duas fases, torna-se homogênea; 3.

Limpando a água: adição de refresco em pó à água para, em seguida, fazer a mistura

passar por um sistema montado com carvão ativo colocado em filtro de papel para café.

Métodos para a separação de misturas e propriedades do carvão ativo foram discutidos;

4. Surpresa da ciência: adição da substância vinagre a conchinhas coletadas na praia,

observando-se a formação de um gás. O objetivo foi debater o fato de que algumas

substâncias, quando reunidas, se transformam.

Ao trabalhar o tema “A Química e o ar” procurou-se discutir que muitas são as situações

do nosso dia-a-dia em que percebemos a presença de ar. O objetivo destas atividades,

além de constatar a existência e as características do ar, foi proporcionar que os alunos

observassem que no ar há diferentes gases difundidos. Os experimentos abordados nesta

atividade foram: 1. O ar ocupa espaço?: um copo com uma folha de papel amassada no

fundo é emborcado sobre uma tigela contendo água. Após observação, debateu-se

Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola

EdUECE- Livro 104013

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porque a água não chegou até o papel. 2. Olfato cheiroso: um algodão sobre o qual foi

colocado um pouco de perfume é passado de mão em mão, para que seja sentido o odor

sem que o algodão seja aproximado do rosto das crianças. A pergunta provocadora é:

Como o cheirinho chegou ao nosso nariz?, ponto de partida para debater os conceitos

de mistura gasosa, volatilidade e difusão; 3. Produzindo oxigênio: fatias finas de batata

foram adicionadas a água oxigenada, sendo possível observar a formação de um gás. Ao

gás acumulado aproximou-se um palito em brasa, fazendo surgir uma chama. Em vista

do observado falou-se sobre o gás oxigênio, necessário à respiração e um dos

componentes do ar; 4. O oxigênio e a combustão: uma vela foi fixada em um prato com

um pouco de água no fundo. A vela foi acesa e se colocou um copo emborcado sobre

ela. Abordou-se a composição do ar até poder concluir que um dos gases presentes – o

oxigênio – foi consumido durante a combustão; 5. Teste do bafo: um copo contendo

água de cal foi entregue para que circulasse entre os presentes. Cada um recebeu

também um canudo de refresco, para que soprasse dentro da água de cal. Discutiu-se, a

partir do observado, o que haveria no sopro para provocar tal reação. O gás carbônico

foi então abordado como produto da respiração e como substância química presente no

ar.

O tema “Eletricidade no dia-a-dia” procurou tratar desta forma de energia com uma

abordagem que não fosse exclusivamente física, mas que mostrasse alguns dos seus

envolvimentos com as substâncias e com as transformações químicas. Os experimentos

usados foram: 1. Produção de energia elétrica com acerolas: pequenos equipamentos

constando de um pedaço de fio de cobre, um pedaço de arame galvanizado (ferro) e uma

lâmpada do tipo led foram fixados, em série, a quatro acerolas. Ao se fixar o último

arame à última acerola, os leds se acenderam. O fenômeno foi discutido com os alunos,

procurando-se concluir com eles que tanto nos metais como nas frutas há substâncias

químicas, e que entre as transformações que estas podem sofrer, algumas produzem

energia; 2. Água torta: uma garrafa de pet com um furo na tampa e uma caneta de corpo

plástico transparente foram usadas em um procedimento em que se fez correr um fino

fio de água a partir do furo, aproximando-se dele a caneta após ter sido atritada sobre

um pano. O fenômeno observado foi discutido, chegando-se à conclusão que a água é

uma substância que possui polaridade elétrica; 3. Misturas condutoras de eletricidade:

Três copos contendo líquidos aparentemente iguais foram apresentados: água da

torneira, água misturada com sal e água misturada com açúcar. Os três foram testados

mergulhando-se neles os terminais de fios conectados a uma lâmpada de lanterna e a um

Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola

EdUECE- Livro 104014

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kit de 04 pilhas comuns. Diferenças puderam ser observadas quanto ao que ocorreu com

a lâmpada. A pergunta provocadora foi apenas: Por quê?. Conhecimentos do senso

comum, como o que diz ser a água boa condutora de eletricidade puderam ser debatidos

a partir deste experimento.

Ao fim de cada encontro propôs-se uma avaliação pelos presentes, que será discutida

em seguida.

Fundamentos e Métodos da Pesquisa Avaliativa

A partir de extensa revisão de literatura, Champagne et al. (2011) definem avaliação

como um processo que

consiste fundamentalmente em emitir um juízo de valor sobre

uma intervenção, implementando um dispositivo capaz de fornecer

informações cientificamente válidas e socialmente legítimas sobre essa

intervenção ou sobre qualquer um de seus componentes, com o objetivo

de proceder de modo a que os diferentes atores envolvidos, cujos

campos de julgamento são por vezes diferentes, estejam aptos a se

posicionar sobre a intervenção para que possam construir individual

ou coletivamente um julgamento que possa se traduzir em ações (p. 44).

Este conceito é plenamente pertinente à natureza e objetivos deste trabalho, de modo

que orientou que se buscassem procedimentos que dessem oportunidade aos envolvidos

de emitirem julgamentos sobre os diferentes aspectos abrangidos pela intervenção

realizada.

Uma avaliação deste tipo é denominada pesquisa avaliativa, uma vez que depende de

um procedimento científico que permita interpretar as relações de causa e efeito em uma

intervenção. A pesquisa avaliativa visa a analisar a pertinência, a lógica, a

produtividade, os efeitos e a eficiência de uma intervenção, bem como as relações

existentes entre a intervenção e o contexto em que se desenrola (Champagne et al.,

2011, p. 54-55).

Na pesquisa avaliativa aqui abordada os objetivos foram fazer análise de mérito e de

impacto (SCRIVEN, 1967, apud WORTHEN; SANDERS; FITZPATRICK, 2004) das

intervenções pedagógicas. Por análise de mérito compreende-se a observação da

pertinência dos métodos e dos recursos empregados em relação aos objetivos das ações

empreendidas. Já a análise de impacto procurou identificar os efeitos das intervenções

pedagógicas, ou seja, sua eficácia, buscando perceber a ocorrência de mudanças na

Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola

EdUECE- Livro 104015

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aprendizagem e na disposição para realizar/participar de atividades como as que fizeram

parte dessas intervenções.

No que diz respeito à percepção das crianças, duas questões avaliativas nortearam esta

pesquisa:

1. A metodologia empregada nas intervenções pedagógicas é apropriada ao

aprendizado da Química por crianças?

2. É possível aprender conceitos químicos ainda no início da escolarização?

Quanto à percepção dos professores sobre a mesma proposta, foram três as questões

avaliativas:

1. A metodologia empregada nas intervenções pedagógicas é apropriada ao

aprendizado da Química por crianças?

2. É possível ensinar conceitos químicos ainda no início da escolarização?

3. Os professores mostram-se inclinados a incluir em suas aulas atividades como as

vivenciadas nas oficinas pedagógicas?

Como essas intervenções não são atividades rotineiras nos grupos objeto do estudo,

optou-se, com as crianças, por uma avaliação imediata, rápida e espontânea, o que se

deu com a colocação de cartazes contendo as perguntas “O que achamos da

atividade?” e “O que aprendemos com a atividade?”, nos quais deveriam escrever suas

conclusões e impressões.

Aos professores foi fornecido um questionário com três questões de repostas abertas: 1.

As atividades realizadas e os materiais fornecidos foram ..........; 2. Ensinar Química no

Ensino Fundamental é ..........; 3. A partir do que vi, ouvi e realizei, minhas aulas de

Ciências serão ...........

Ao todo, trinta e três crianças e trinta e cinco professores dos anos iniciais do Ensino

Fundamental participaram da experiência. Suas respostas foram categorizadas e

quantificadas com base na técnica da análise de conteúdos de Bardin (1977), de modo a

que se pudesse ter claro o significado latente das expressões registradas, a subjetividade

e os sentidos implícitos, para avaliar, através do que expressaram os envolvidos, a

pertinência e os efeitos das ações que fizeram parte da proposta.

Avaliação das Intervenções Pedagógicas

Em vista das características dos materiais de análise, bem simples e diretos, a descrição

de seu conteúdo também pode ser bastante objetiva. Seguindo as orientações de Holsti

Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola

EdUECE- Livro 104016

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(HOLSTI, 1969, apud BARDIN, 1979, p. 104), a codificação levou a escolher como

unidades de registro palavras e expressões curtas que retratassem as opiniões e

conhecimentos que estavam sendo buscados. Estas foram interpretadas, em sua

importância, em função da frequência com que aparecem nos escritos das crianças e dos

professores. A categorização desses resultados levou em conta os sentidos comuns que

aquelas expressões assumem no contexto em que foram usadas. Com isto, apresentam-

se, a seguir, os resultados da pesquisa avaliativa que procurou identificar a

potencialidade de uma abordagem que teve como referência pedagógica a Teoria das

Aprendizagens Significativas de Ausubel, para a inserção, com mais vigor, de

elementos da Química nos currículos dos primeiros anos do Ensino Fundamental.

Avaliação de mérito

As respostas das crianças, escritas nos cartazes, atestam ampla aceitação, interesse e

envolvimento na atividade (Tabela 1).

Quanto aos professores, as respostas à questão que procura conhecer como estes

avaliam as atividades e os materiais empregados ultrapassam as manifestações de

aceitação e interesse e mostram envolvimentos emocionais que remetem à alegria e ao

prazer (Tabela 2). O julgamento de valor sobre as atividades realizadas as qualificam

não apenas como adequadas, satisfatórias, mas remetem a diferenças em comparação

com atividades mais tradicionais, avaliando-as como inovadoras, acessíveis e

enriquecedoras, por exemplo.

Na questão em que se procura conhecer como os professores avaliam a possibilidade de

ensinar conceitos químicos às crianças, as intervenções foram qualificadas, mas as

categorias julgamento de valor e emoção também estão presentes (Tabela 3).

Estas avaliações apontam possibilidades, mas também dificuldades - um resultado que

não surpreende. Ao contrário, confirma a hipótese inicial de que há fragilidades no

conhecimento químico dos professores, o que os impede de reconhecer a forte presença

da Química nos temas científicos e ambientais presentes nos currículos dos anos

iniciais. No entanto, em razão dos julgamentos positivos, das manifestações mais

emocionais – com surpresa, satisfação e alegria -, e do indicativo de que percebem que

ações como essas estão associadas a novas possibilidades para o ensino de ciências,

pode-se dizer que a avaliação sugere que se deve investir na melhoria da formação

química dos professores da primeira fase do Ensino Fundamental.

Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola

EdUECE- Livro 104017

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Avaliação de impacto

Na apreciação das aprendizagens conquistadas pelas crianças, a avaliação mostrou a

ocorrência de aprendizagens relacionadas à vida cotidiana, potencialmente

significativas. Essas aprendizagens podem ser exemplificadas pelas seguintes

expressões: o detergente mistura o óleo; o filtro segura a sujeira; o nosso ar que nós

respiramos é oxigênio; para obter fogo nós precisamos de oxigênio; o sal passa mais

energia que água doce; é mais perigoso estar na praia com chuva porque tem sal. E

ainda, na turma de maior escolaridade, foi possível observar que alguns alunos

conseguiram níveis mais abstratos de compreensão, se aproximando de alguns conceitos

químicos: alimentos possuem energia; a água tem carga.

O fato de terem aprendido conceitos científicos abstratos, com compreensão de sua

aplicação em situações conhecidas, indica que é apropriado ampliar as inserções da

Química nos currículos da fase inicial da escolarização, o que seria de capital

importância para preparar os estudantes para aprendizagens futuras neste campo do

conhecimento.

Por fim, no que diz respeito à inclinação dos professores para incluírem em suas aulas

atividades como as vivenciadas nas oficinas (Tabela 4), tem-se que sua apreciação, em

que reconhecem que atividades como as que foram vivenciadas trazem um diferencial

de qualidade para o ensino de ciências e podem gerar impactos muito positivos para as

crianças no início da Educação Básica, sugere o sucesso da iniciativa e a importância de

que se intensifiquem os debates sobre o tema da inserção da Química nos primeiros

anos do Ensino Fundamental.

Conclusões

As respostas obtidas nos instrumentos de avaliação apontam para a pertinência e a

eficácia da metodologia empregada ao trabalho com crianças dos anos iniciais do

Ensino Fundamental – tanto sob o olhar dos alunos quanto sob o olhar dos professores.

Pode-se concluir, em vista dos sentimentos e das opiniões manifestos e também das

aprendizagens formadas, que a interpretação de fenômenos conhecidos das crianças, à

luz dos conhecimentos químicos e com metodologia que se proponha à construção de

aprendizagens significativas, é possível e interessante no início da escolarização. A

disposição dos professores em realizar atividades do mesmo tipo sugere ainda que, se

adequadamente formados, se pode esperar por abordagens que reconheçam e valorizem

Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola

EdUECE- Livro 104018

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as contribuições da Química para o desvendamento dos temas científicos e ambientais

que são propostos para os anos escolares iniciais.

Em consequência, pode-se supor que mudanças curriculares que ampliem a inserção de

conhecimentos químicos escolares desde a etapa inicial da Educação Básica irão

contribuir com a formação de conceitos a serem retomados pelos estudantes em novas

etapas de sua vida escolar, de modo a evitar o amplo fracasso que hoje se observa na

aprendizagem da Química no Ensino Médio. Uma hipótese a ser investida enquanto um

campo permanente de pesquisa e extensão acadêmicas.

Referências Bibliográficas

BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1979.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Parâmetros

Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Brasília: MEC/SEB, 2000.

______ . Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros

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CHAMPAGNE, F.; CONTANDRIOPOULOS, A. P.; BROUSSELLE, A.; HARTZ, Z.;

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A.; CHAMPAGNE, F.; CONTANDRIOPOULOS, A. P.; HARTZ, Z. (org.). Avaliação:

conceitos e métodos. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2011.

MOREIRA, M. A. Aprendizagem Significativa: A teoria e textos complementares.

São Paulo: Livraria da Física, 2011.

PORTO, A. P. B.; RAMOS, L. M. P.; GOULART, S. M. G. Asas para voar: ciências.

Rio de Janeiro: Ática, 2011. v2, v.3. v.4.

SANTOS, W.L.P.; SCHNETZLER, R.P. Função social: O que significa ensino de

Química para formar o cidadão? Química Nova na Escola, n.4, p. 28-29, 1996.

WORTHEN, B. R.; SANDERS, J. R.; FITZPATRICK, J. L. Avaliação de programas:

concepções e práticas. São Paulo: Gente, 2004.

Apêndices

Tabela 1: respostas à pergunta “O que achamos da atividade?”

Categorias Palavras e expressões representativas Frequência nos

registros

Aceitação e interesse Legal, interessante, boa, gostei. 24

Prazer e envolvimento Divertida, gargalhante, especial, maravilhosa,

super-mega-legal, “manera”, energizante. 8

Apreciação com julgamento de

valor Inovadora 1

Fonte: Os autores (2013)

Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola

EdUECE- Livro 104019

Page 12: QUÍMICA PARA OS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: …uece.br/endipe2014/ebooks/livro1/463-_QUÍMICA_PARA_OS... · 2015-06-22 · que se tem observado na Química do Ensino Médio

12

Tabela 2: respostas à pergunta “As atividades realizadas e os materiais fornecidos foram ..........”

Categorias Palavras e expressões representativas Frequência nos

registros

Aceitação, apreciação positiva Excelentes, criativos, bons, ótimos, interessantes 18

Apreciação com julgamento de

valor

Motivadores, práticos, importantes, úteis, de

fácil manuseio, acessíveis, enriquecedores,

adequados, satisfatórios

12

Envolvimento, emoção Gratificantes, estimulantes, sensacionais 3

Respostas não avaliativas Conhecidos, experimentos e apostila 2

Fonte: Os autores (2013)

Tabela 3: respostas à pergunta “Ensinar Química no Ensino Fundamental é ..........”

Categorias Palavras e expressões representativas Frequência nos

registros

Qualificação quanto às

condições de realização

Prático, fácil, possível, útil, complicado,

desafiador 12

Apreciação com julgamento de

valor

Fundamental, importante, proveitoso,

interessante, significativo, imprescindível,

primordial

10

Envolvimento, emoção Prazeroso, surpreendente, divertido, estimulante,

fabuloso, fantástico, uma delícia 7

Significação com indicação de

consequência

Mostrar o sentido das coisas, formar conceitos

de vida, instigar, provocar 4

Fonte: Os autores (2013)

Tabela 4: respostas à pergunta “A partir do que vi, ouvi e realizei, minhas aulas de Ciências serão ....”

Categorias Palavras e expressões representativas Frequência nos

registros

Qualificação quanto à metodologia, à

didática

Dinâmicas, criativas, aprimoradas, práticas,

ricas, inovadoras, diferentes, aplicáveis no

dia-a-dia, interativas

16

Qualificação quanto ao impacto

esperado sobre os alunos

Estimulantes, motivantes, um sucesso,

produtivas, significativas, interessantes,

entusiasmantes, inesquecíveis

13

Apreciação com julgamento de valor Excelentes, melhores, importantes, ótimas 6

Fonte: Os autores (2013)

Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola

EdUECE- Livro 104020