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ESTADO DE GOIÁS MINISTÉRIO PÚBLICO
EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUÍZA DE DIREITO DA 2ª VARA
CÍVEL E DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE LUZIÂNIA- GO.
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS, por
intermédio da 3ª Promotoria de Justiça – Curadoria do Meio Ambiente – desta Comarca, com
fundamento nos art. 129, inciso III e art. 225, ambos da Constituição Federal; art. 117, inciso
III, § 3º, da Constituição do Estado de Goiás, art. 25, inciso IV, alínea “a”, da Lei Federal nº
8.625/93 (LONMP), art. 46, inciso VI, alínea “a”, da Lei Complementar Estadual nº 25/98
(LOEMP), nas Leis Federais de nº 9.605/98 (LCAmb), nº 8.078/90 (CDC), nº 6.938/81 (Lei
que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente), nº 7.347/85 (LACP), nº 4.471/65
(Código Florestal), nas Leis Estaduais de nº 8.544/78, nº 12.596/95, na Lei Municipal de nº
2.221/98, nas Resoluções Conama nº 001/86, 009/90, 010/90 e demais dispositivos aplicáveis
à espécie, vem, respeitosamente, propor a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
(com pedido liminar)
contra o MUNICÍPIO DE LUZIÂNIA, pessoa jurídica de direito público interno, com sede
na Praça Nirson Carneiro Lobo nº 34, Centro, Luziânia-GO, e
ODILON AIRES CAVALCANTE, brasileiro, inscrita no CNPJ sob o nº 48.540.421/0001-
31 e estabelecida na rua Deputado Vicente Penido, nº 25, Vila Maria, São Paulo-SP, com base
nos fatos e fundamentos jurídicos a seguir aduzidos.
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ESTADO DE GOIÁS MINISTÉRIO PÚBLICO
A presente ação tem por objeto impedir a continuidade dos danos
ambientais ocorrentes na Fazenda Águas Claras, zona rural, Luziânia-GO, em desobediência à
Constituição Federal e às normas legais e regulamentares sobre o licenciamento, bem como
visa a recuperação da área degrada.
DA LEGITIMIDADE DO AUTOR PARA ATUAR
NA PRESENTE DEMANDA
O Ministério Público do Estado de Goiás, legitima-se pelas
determinações contidas nos artigos 127 e 129 - III e 225 da Constituição Federal, no artigo 5º-
III – e, VII – c e XIV – d da Lei Complementar nº 75/93, bem assim no artigo 117 – III - § 3º
da Constituição do Estado de Goiás, artigo 25 – IV - a da Lei Federal nº 8.625/93 (LONMP) e
artigo 46 – VI - a da Lei Complementar Estadual nº 25/98 (LOEMP).
DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS QUE REGEM A MATÉRIA
A Constituição Federal dispõe que:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
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II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;
..............................................................................................................
IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;
..............................................................................................................
VII - proteger a fauna e a flora (...).
..............................................................................................................
§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados" (ênfases acrescidas).
1. Dos Fatos
Consta das peças anexas que instruem e integram a presente demanda que aos 28 de
agosto de 2002, às 17h50min., na Fazenda Águas Claras, Luziânia-GO, o Sr. Odilon Aires
Cavalcante, proprietário do imóvel, foi autuado em razão de ter destruído e danificado floresta
considerada de preservação permanente com infringência das normas de proteção (auto de
infração nº 000022).
Na oportunidade, foi aplicada uma multa de R$ 75.000,00 (setenta e cinco mil) reais e
apreendido um trator de esteira AD7B, utilizado como instrumento para a consecução dos atos
ilícitos. Os fiscais ambientais, em relatório de vistoria, instruído com diversas fotos aptas a
caracterizar os danos ambientais, assim se manifestaram:
“Aos vinte e oito do mês de agosto de dois mil e dois, constatou-se um
Desmatamento na Fazenda Águas Claras.
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Conforme fotos anexo (sic), o trabalho estava se realizando no momento em que
procedia-se o reconhecimento da área desmatada que corresponde
aproximadamente (pra mais ou pra menos) 50 hectares.
Nenhuma licença para a atividade fora apresentada, motivando a infração e o
embargo da atividade.
Justifica-se a advertência a medida que existe ainda um remanescente de vegetação
na propriedade, e que em virtude da exploração realizada deve enquadrar-se na
Legislação Ambiental.”(doc. anexo).
Instaurado o devido processo administrativo, em conformidade com o disposto no art.
70, parágrafo 4º, da Lei nº 9.605/98, o réu Odilon Aires Cavalcante apresentou sua defesa,
limitando-se a arguir aspectos meramente formais, ou seja, não contestou a existência dos
danos ambientais perpetrados.
Encaminhado, em seguida, o processo administrativo à Procuradoria-Geral do
Município para análise e parecer, estranhamente, e de forma censurável -- devido às razões
infundadas --, opinou-se pelo “acolhimento da Defesa apresentada tornando nulos de pleno
direito os autos de Infração juntados às fls. 01 e 02, dos autos, em face das irregularidades e
ilegalidades praticadas”, o qual foi desacertadamente acatado pelo prefeito municipal que
assim decidiu:
“Vistos, etc.,
Acolho o parecer da Procuradoria.
Em face das irregularidades existentes nos Autos de Infração de fls. 01 e 02 declaro
nulos os referidos atos administrativos.
Determino à Secretaria de Desenvolvimento que designe um topógrafo para proceder
o levantamento da área desmatada e apresentar relatório circustanciado informando
a exata área que foi objeto de desmatamento, bem como a espécie de vegetação ali
existente, a fim de que se possa tomar providências quanto a possível infração
ambiental.
Gabinete do Prefeito Municipal de Luziânia, aos 24 dias do mês de setembro de
2002”.
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Ao proceder dessa forma, querendo dar ares de legalidade a sua decisão, determinou
diligências descabidas e inoportunas, posto que ao anular o auto de infração, decidiu-se, por
força irresistível dos raciocínio lógicos, pela extinção do processo administrativo, cuja
instauração teve como razão de ser e primeira a lavratura do auto de infração.
Em verdade, ao anular o auto de infração e por fim ao processo administrativo, aqueles
que assim procederam deixaram de cumprir obrigação de relevante interesse ambiental, bem
como obstaram e dificultaram a ação fiscalizadora do próprio poder público no trato questões
ambientais.
Ante a escancarada inércia do poder público municipal, o Ministério Público
requisitou a elaboração de vistoria no local objeto do auto de infração, a fim de constatar a
veracidade e idoneidade da ação dos fiscais, o que, frise-se, foi efetivamente confirmado.
Instados, portanto, a produzir laudo sobre danos ambientais na Fazenda Águas Claras,
o Perito Ambiental e a Assessora Jurídica do CAO de Defesa do Meio Ambiente do
Ministério Público, depois de realizada vistoria técnica in locu, pelo primeiro, elaboraram no
dia três (03) de outubro de 2002, LAUDO TÉCNICO circunstanciado e pormenorizado
contendo 12 (doze) laudas e memorial fotográfico com 15 figuras enumeradas.
Constatada a voracidade da degradação ambiental (v.g. desmatamento e construção de
lagoa sem licença) assim discorreram:
“Na vistoria técnica pode-se observar, além do desmatamento, outra ação
predatória promovida pelo proprietário da referida fazenda, a construção de um
lago ao lado da sede.
2.DOS DANOS AMBIENTAIS
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Os danos ambientais observados no local são descritos a seguir:
3.1 Da construção do Lago
Na vistoria técnica realizada na Fazenda Águas Claras, pode-se observar a
existência de um lago artificial ao lado da sede, construído recentemente e,
conforme informação do Fiscal Ambiental Sr. Marizon Batista de Oliveira
Barreiros1, a mesma foi realizada sem a devida licença ambiental.
A sede da fazenda está localizada sobre as coordenadas 16º43’793”S e
48º09’383”W, e suas benfeitorias chegam bem próximo à margem do lago (Fig.
01) e neste trecho não preservou-se nada da vegetação nativa.
Há fartos indícios de que o referido lago teve sua construção em um passado
muito recente, como uma grande quantidade de árvores mortas na cabeceira do
lago (coordenadas 16º43’755” S e 48º09’347”, Fig. 02), o que evidencia que esta
região não era alagada e que o foi recentemente.
Outro indício da recente construção do lago é observado nas margens do mesmo.
Às margens da cabeceira, vê-se claramente indícios de desmatamento recente, com
troncos cortados, tocos, e uma rebrota intensa de arbustos. Toda margem
esquerda do lago está desprovida de vegetação arbórea, tendo apenas gramíneas,
herbáceas e sub-arbustos. Tratava-se de uma área de transição entre mata ciliar e
cerrado, pelas espécies observadas em rebrota: Matayba guianensis, Dipteryx alata
(baru), Zeyera montana (bolsa-de-pastor), Caryocar brasiliense Camb. (piqui),
Xylopia aromatica (Lam.) Mart. (pimenta-de-macaco), Erythroxillum suberosum,
Pseudobombax spp. entre outras).
A jusante do lago, na margem direita, preservou-se um trecho da vegetação nativa
(Figs 03 e 04), mas eliminou-a à margem do lago, construindo-se em seu lugar uma
estrada (Fig. 04).
1 Agência Ambiental de Goiás, convênio com Secretaria Municipal de Agricultura e Meio Ambiente, da Prefeitura Municipal de Luziânia
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A água do lago escorre por tubulação por baixo da estrada que o limita a jusante,
construída para tal fim, e abaixo desta há indícios de desmatamento recente, com
troncos, galhos, solo removido, e instalação de uma bomba d’água (Fig. 05).
3.2 Do desmatamento para formação de novas pastagens
A área desmatada, e que foi o motivo desta vistoria técnica, está parcialmente
delimitada por cerca de arame, tendo partes fazendo limites com pastagem
desprovidas de cerca.
A figura 06 mostra a área que o Perito Ambiental subscrito percorreu, desenhada a
partir dos pontos geográficos coletados com GPS, marca Garmin, modelo GPS II
plus. Em conseqüência da grande extensão da área desmatada, não foi possível
percorrê-la toda.
Para observação da área degradada partiu-se de um ponto onde há um poste de
madeira para cerca, em que a cerca tem forma de “T”, sobre as coordenadas
16º43’669”S e 48º08’610”W, este ponto será denominado ponto 1. A figura 07
ilustra a visão deste ponto em direção ao ponto 2.
O desmatamento segue, rente à cerca, deste ponto até o ponto 2, que está sobre as
coordenadas 16º43’367”S e 48º08’485”W (Fig. 08) e é o limite da área desmatada.
Daí o desmatamento segue em direção a leste.
Ao longo de todo este trecho (ponto 1 até ponto 2) existe grande quantidade de
vegetação removida, seca e alinhada, podendo-se observar folhas secas aderidas
aos ramos das árvores removidas – evidenciando sua recente remoção! (Figs 08,
09, 10 e 11).
A figura 09 em sua metade esquerda mostra uma vegetação de cerrado baixo, com
vegetação densa e cerca de 2,5-3m altura, enquanto na sua metade direita pode-se
observar a área desmatada com algumas árvores de maior porte preservadas, que
servem como testemunho da formação vegetacional do local.
A figura 11 (coordenadas 16º43’611”S e 48º08’307”W) mostra em segundo plano a
mata onde há uma nascente. O desmatamento chegou muito próximo desta
nascente, cerca de 10m, desrespeitando a legislação que determina um “raio
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mínimo de 50 (cinquenta) metros” (Lei 4771/65, art. 2º). A figura 12 mostra a
nascente, a mesma está sobre as coordenadas 16º43’621”S e 481º08’242”W).
Esta área encontra-se cercada com arame, e em seu interior foram observados
vários troncos cortados (a figura 13 ilustra um destes), além de um número muito
grande de troncos secos derrubados, indicando ação antrópica recente (em interior
de floresta úmida a ação de organismos saprófitos é intensa, levando a uma rápida
decomposição da matéria morta, não permitindo, portanto, o acúmulo de grande
quantidade de troncos como se pode observar no local).
A figura 14 mostra a floresta ciliar remanescente, limitada em parte por pastagens,
área recentemente desmatada e plantação de cana. No interior desta floresta existe
um córrego (Fig. 15). Aqui a vegetação florestal possui cerca de 10 (dez) metros de
largura, novamente infringindo a legislação visto que a lei 4771/65, em seu art. 2º
estabelece “30 (trinta) metros para os cursos d’água de menos de 10 (dez) metros
de largura”. A referida lei e artigo define esta vegetação como de preservação
permanente.
4. CARACTERIZAÇÃO DA FLORA LOCAL
A área da Fazenda Águas Claras está inserida no domínio cerrado, onde observa-
se uma predominância do bioma cerrado, apresentando também outras formações
vegetais, como florestas mesófilas de interflúvio e matas de galeria. Dentro do
bioma cerrado há predominância do cerrado sensu stricto, embora esteja presente
também áreas com campo cerrado e cerradão.
No local onde foi construído o lago a vegetação predominante é a Floresta
Mesofítica de Interflúvio, vegetação de solos bem drenados e um pouco mais ricos
em nutrientes que os solos do cerrado em geral (EITEN, 1994:36)2, ou , segundo a
classificação do IBGE3 Floresta Estacional Semidecidual (Floresta Tropical
Subcaducifólia).
2 EITEN, G. Vegetação do cerrado. In: PINTO, M.N. Cerrado: caracterização, ocupação e perspectivas. Brasília: Universidade de Brasília, 2ed, 1994.
3 FUNDAÇÃO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Manual Técnico da Vegetação Brasileira. Série Manuais Técnicos em Geociências, 01. Rio de Janeiro, 1992.
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Na margem esquerda da cabeceira do lago, toda desmatada atualmente, observou-
se a rebrota de muitas espécies de cerradão, podendo-se, assim, afirmar que ali era
um ecótono4.
Pela diversidade de biomas, e suas variações, existe uma grande riqueza florística
na área. A tabela 1 ilustra uma pequena relação de espécies observadas no local.
Muitas espécies foram identificadas apenas até o nível de gênero por encontrarem-
se sem flores ou frutos (estruturas de identificação).
Tabela 1: Relação das espécies vegetais observadas no área desmatada e no seu entorno.
Nome científico Nome popularAegiphila lhotzkyana Cham.Alibertia sp MarmeloAnadenanthera macrocarpa (Benth.) Brenan
angico
Anacardium humile St. Hil.
Cajuzinho
Andira spAnnona coriacea Mart. AraticumAspidosperma tomentosum Mart.Bauhinia aff. nitida Benth.Bauhinia sp 2Bauhinia sp 3Byrsonima aff nitida Benth.Byrsonima crassaByrsonima sp 3Caryocar brasiliense Camb.
piqui
Cochlospermum regium Vog.Croton urucurana Baill. sangra-d’água Curatella americana L. lixeira Dalbergia spDavilla elliptica
4 Ecótono: transição entre duas formações vegetais, no caso a transição entre a floresta mesofítica de interflúvio e o cerradão.
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Didymopanax morototoniiDimorphandra mollis Benth.
barbatimão-folha-miúda
Dipteryx alata Vog. baru Duguetia furfuracea (St.Hill.) Benth & Hook f.Eriotheca sp.Erythroxylum suberosum St. Hill.Eugenia spGuazuma ulmifolia Lam. mutambo Kielmeyera coriacea Mart.
pau-santo
Machaerium acutifolium Vog.Matayba guianensis Miconia spOuratea spPouteria aff. torta (Mart.) Radlk.Psidium spPseudobombax spQualea grandiflora Mart. pau-terra Tabebuia sp 1 ipêTabebuia sp 2 ipê-roxo Terminalia spTocoyena spVirola sebifera Aubl. ucuúba-do-
cerradoVochysia thyrsoidea Pohl Gomeira Xylopia aromatica (Lam.) Mart.
pimenta-de-macaco
Zeyera montana Mart. bolsa-de-pastor
Esta diversidade de espécies realça a importância ecológica da área, tanto para a
preservação da flora quanto para a fauna, que obtém abrigo e alimento junto a
esta.
Outra questão que aumenta a gravidade do dado destrutivo dos dois
empreendimentos observados na Fazenda Águas Claras (construção da represa e
desmatamento) é que, na vistoria técnica realizada, não se observou outras áreas
com vegetação que pudesse compreender a reserva legal da propriedade – muito
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provavelmente esta área desmatada constituía a referida reserva.” (ênfases
acrescidas)
Por todo o exposto, resta inegável a existência dos danos ambientais e da
responsabilidade e repará-los
DA NULIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO EXARADO PELO PREFEITO
MUNICIPAL ANULANDO O AUTO DE INFRAÇÃO
A par da existência dos danos ambientais e da conseqüente responsabilidade de repará-
los, evidenciam-se, equívocos, irregularidades e deficiências na decisão do chefe do poder
público municipal que anulou o auto de infração.
Em sua defesa, o réu Odilon Aires Cavalcante, alegou, em síntese, que: o “mandado de
citação/notificação” não continha prazo para defesa, conforme preceitua o art. 225, VI, do
CPC; “lavratura do relatório de vistoria do auto posteriormente a verificação da suposta
infração”; valor elevado da multa (R$ 75.000,00) e ausência de motivação legal e fática para a
lavratura do laudo.
Esses desarrazoados argumentos foram acolhidos desacertadamente pela Procuradoria
Geral do Município, que desqualificou, ainda, a atuação da própria ação fiscalizatória.
Destarte, em sua parecer, o procurador do Município afirmou que o auto de infração
não estava dotada da “devida precisão e clareza”, nem especificou a vegetação existente.
Mais, asseverou que não foi justificada a “legalidade da elevada multa”. Por fim, assim
concluiu:
“A conclusão a que se chega é que houve um despreparo total na ação perpetrada
pelos intitulados fiscais ambientais, razão porque opina-se pelo acolhimento da Defesa
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apresentada tornando nulos de pleno direito os Autos de Infração juntados às fls. 01 e
02, dos autos, em face das irregularidades e ilegalidades praticadas”.
Ad primum, é preciso esdarecer, caso levássemos à sério a conclusão da procuradoria
municipal, que se despreparo houve, foi da própria Prefeito Municipal, que, por meio da
Portaria Municipal nº 195 de 18 de abril de 2002, que designou os fiscais – desqualificados
pela Procuradoria Municipal – para “exercerem as atribuições de fiscalização da área
ambiental da Secretaria Municipal de Agricultura e Meio Ambiente –SAMA”.
Dessa maneira, a Procuradoria do Município está imputando fato desidioso ao
próprio chefe do poder executivo municipal, a quem deveria prestar assessoria jurídica.
Para sua sorte, contudo, os fiscais agiram com o devido denodo e retidão no exercício de
suas funções.
Os danos ambientais foram lavrados com correção e minuciosamente
confirmados pelo laudo técnico elaborado pela equipe do Ministério Público. Além disso,
a demonstrar a incorreção dos dizeres do Procurador do Município, um dos fiscais,
subscritor do laudo, Danil Correa Carvalho, é engenheiro agrônomo, com especialização
em fruticultura, gestão e manejo florestal.,
. A despeito da expressiva quantidade, vale mostrá-los ao Juízo, para uma melhor ponderação
acerca do objeto desta ação:
O Estado tem atribuição constitucional de defender o meio ambiente, entretanto não
apenas editando leis, mas cumprindo-a e fazendo que seja cumprida por todos, para tanto é
obrigação de todos e em especial do Poder Público preservar o meio ambiente para esta e as
futuras gerações, conforme art. 225, que em seu § 1º determina:
“§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:omissis...VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica,
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ESTADO DE GOIÁS MINISTÉRIO PÚBLICO
provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade (grifo nosso)”.
Neste mesmo artigo a Constituição de 1988 consagrou a responsabilização penal,
administrativa e civil daquele que degradou, provocou poluição visando a recomposição
ambiental, senão vejamos:
“§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados (grifo nosso)”.
A legislação infraconstitucional pátria existente anteriormente à promulgação da Carta
Magna de 1988, que dispunha sobre meio ambiente, foi em grande parte recepcionada pala
Constituição, de tal forma que seus dispositivos estão em vigor, com plena eficácia, podendo
ser citada a Lei 4.771 de 1965, Código Florestal, que conceitua área de preservação
permanente em seu artigo 2º:
“Art. 2º. Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:
omissis...b) ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d'água naturais ou artificiais
(grifo nosso)”.
Evidenciando-se a necessidade de estabelecer a plantação de espécimes da região no
local circundante das águas, independente de seu tamanho, se natural ou artificial, sendo que
qualquer tipo de vegetação existente esta deve ser preservada, neste caso o desmatamento não
observou as áreas de preservação permanente e ao implantar um lago não cuidou do replantio
em suas margens.
Segundo a vistoria constatou-se um grave dano provocado pelo empreendedor que ao
desmatar não observou nenhuma das determinações legislativas ambientais vigentes,
analisando primeiramente a questão do desmatamento próximo à nascente advinda da mata
(Fig.11), a legislação é clara quanto a esta área ser de preservação permanente, inexistindo
qualquer possibilidade de manejo ou destruição, conforme a alínea “c” do artigo acima:
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“Art. 2º. Omissis...omissis...c) nas nascentes, ainda que intermitentes e nos chamados "olhos d'água", qualquer que seja a sua situação topográfica, num raio mínimo de 50 (cinqüenta) metros de largura (grifo nosso)”.
A figura 14 mostra o que restou da mata ciliar do córrego, suprimida de forma
arbitrária ocorrendo a plantação de cana e pastagem florestal sem observância da Lei 4.771 de
1965, Código Florestal, que no mesmo artigo 2º em comento alínea “a”:
“a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d'água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima seja:
1) de 30 (trinta) metros para os cursos d'água de menos de 10 (dez) metros de largura”.
Conforme se depreende da vistoria realizada não se constatou a reserva florestal legal
exigida na legislação ambiental.
O Código Florestal, Lei 4.771/65, em análise exige que toda propriedade deve reservar
20% de sua cobertura vegetal com destinação de preservar as espécies e
espécimes locais, sendo denominada área florestal de reserva legal, de acordo
com o artigo abaixo transcrito:
Art. 16. As florestas de domínio privado, não sujeitas ao regime de utilização limitada e ressalvadas as de preservação permanente, previstas nos artigos 2º e 3º desta Lei, são suscetíveis de exploração, obedecidas as seguintes restrições:
a) nas regiões Leste Meridional, Sul e Centro Oeste, esta na parte sul, as derrubadas de florestas nativas, primitivas ou regeneradas, só serão permitidas desde que seja, em qualquer caso, respeitado o limite mínimo de 20% da área de cada propriedade com cobertura arbórea localizada, a critério da autoridade competente;
omissis...§ 2º. A reserva legal, assim entendida a área de , no mínimo, 20% (vinte por cento) de cada propriedade, onde não é permitido o corte raso, deverá ser averbada à margem da inscrição de matrícula do imóvel, no registro de imóveis competente, sendo vedada a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, ou de desmembramento da área.
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A legislação protegeu especificamente as áreas de nascentes editando Lei 7.754/89,
que determina:
“Art. 2º Para os fins do disposto no artigo anterior, será constituída, nas nascentes dos rios, uma área em forma de paralelograma, denominada Paralelograma de Cobertura Florestal, na qual são vedadas a derrubada de árvores e qualquer forma de desmatamento.§ 1º Na hipótese em que, antes da vigência desta Lei, tenha
havido derrubada de árvores e desmatamento na área
integrada no Paralelograma de Cobertura Florestal, deverá
ser imediatamente efetuado o reflorestamento, com espécies
vegetais nativas da região”.
Conforme se constatou na vistoria in loco o desmatamento e a construção da represa
aconteceram de forma totalmente arbitrária e ilegal, pois necessário seria para tais atividades a
apresentação dos estudos ambientais pertinentes a cada um dos casos para análise do órgão
estadual competente visando prévio licenciamento ambiental, conforme se depreende da letra
da Lei 6.938/81 em seu art. 10:
“Art. 10 - A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva e potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento de órgão estadual competente, integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, em caráter supletivo, sem prejuízo de outras licenças exigíveis”.
A Lei 12.596/95, Código Florestal do Estado de Goiás estabeleceu quanto ao
desmatamento a seguinte obrigatoriedade, vejamos:
“Art. 30 – As autorizações para desmatamento através de corte raso, para uso alternativo do solo em áreas de grande relevância ambiental, a juízo do órgão de controle ambiental competente, ou superiores a 500 ha (quinhentos hectares), em qualquer local do Estado, somente poderão ser concedidas depois de apresentados e aprovados tanto o Estudo de Impacto Ambiental quanto o respectivo Relatório de Impacto Ambiental – RIMA, elaborados conforme dispuser o regulamento dessa lei”.
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O artigo 8º do Decreto 4.593/95, que regulamenta a Lei12.596/95, Código Florestal do
Estado de Goiás, determinou:
“Art. 8º - Qualquer exploração da vegetação nativa e formações sucessoras dependerá sempre da aprovação prévia do órgão de meio ambiente, bem como da adoção de técnicas de condução, exploração, reposição florestal e manejo sustentado compatíveis com o respectivo ecossistema.omissis...omissis§ 3º - O proprietário, arrendatário ou comodatário formalmente autorizado, para obter a aprovação prevista neste artigo, deverá formalizar processo junto ao órgão de meio ambiente competente, iniciado com pedido de vistoria da propriedade (grifo nosso)”.
A atividade realizada pelo proprietário do imóvel rural vistoriado é, conforme fatos e
fundamentos apresentados, passível de responsabilização penal, civil e administrativa.
O Auto de Infração lavrado no local do cometimento do desmatamento e da construção
da represa, conforme assinatura da Senhora Neusa Maria Lopes Cunha e da testemunha
Elisvan Machado Chagas, não respeitaram a legislação pátria em vigência no país, posto
inobservância da necessidade de prévia autorização do órgão estadual competente, ademais as
áreas de preservação permanente e a reserva legal deveriam, por força de lei, ser preservadas e
registrada a reserva na margem da escritura pública.
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4. DISCUSSÃO E CONCLUSÕES
Diante da exposição da realidade observada na Fazenda Águas Claras, ficam
evidenciadas as seguintes infrações, que caracterizam crime ambiental:
- desmatamento irregular de duas áreas:
- para construção do lago (fig. 04, coordenadas 16º43’970”S, 48º09’383”W);
- para formação de pastagens (fig 07, coordenadas 16º43’669”S, 48º08’610”W);
- destruição de vegetação de preservação permanente (fig. 12, coordenadas 16º43’611”S,
48º08’307”W – nascente – e fig. 15, coordenadas 16º43’781”S, 48º08’069”W - córrego);
- corte de árvores em área de preservação permanente (coordenadas 16º43’621”S,
48º08’244”W, fig. 12).
4.1 Recomendações
O proprietário deverá, a título de reparação dos crimes ambientais cometidos:
1) fazer a recomposição da vegetação no entorno do lago, com espécies da flora nativa, esta
recomposição, além de envolver todo o entorno do lago deverá ter área mínima igual à
destruída para construção do lago;
2) recompor a vegetação no entorno da nascente, a fim de se manter os 50 (cinqüenta) metros
exigidos pela legislação;
3) recompor a vegetação no entorno do córrego, a fim de se manter os 30 (trinta) metros
exigidos pela legislação;
4) isolamento, com cerca de arame, de toda área de preservação permanente (na nascente e
ao longo do córrego), nos limites com pastagem, para impedir o acesso do gado;
5) replantar com espécies nativas da flora local, a área degradada para formação de
pastagens;
6) apresentar o registro das áreas que constituem a Reserva Legal, a fim de se confirmar se as
mesmas constituem os 20% da propriedade conforme exige a Lei;
7) caso a Reserva Legal não tenha área igual ou superior a 20% fazer o reflorestamento,
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conforme a legislação, a fim de se garantir a área mínima exigida legalmente.
Somente após referida autuação, e sem apresentar qualquer Plano de
Recuperação da Área Degradada – PRAD, estudo de impacto ambiental ou Plano de Controle
Ambiental – PCA, etc. ao Município -- situação que perdura até o presente momento --, como
que confessando os delitos cometidos.
o desconsiderou sem demonstrar e provar – certamente sabedor da
impossibilidade – a legalidade e moralidade de seus atos.
5. Do Direito
Diz o art. 225, caput, da Constituição Federal:
"Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao poder Público e à coletividade o
dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras
gerações.
Parágrafo Primeiro – Para assegurar a efetividade desse direito,
incumbe ao Poder Público:
I – preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o
manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
II – preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do
País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de
material genético;
(...)
IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade
potencialmente causadora de significativa degradação do meio
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ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará
publicidade;
(...)
V – proteger a fauna e a flora (...)
(...)
Parágrafo 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio
ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas e jurídicas, a sanções
penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar
os danos causados” (ênfases acrescidas).
A Lei Federal nº 6.938, de 31 de agosto de 1.981, que dispõe sobre a
Política Nacional do Meio Ambiente, dispõe em seu artigo 3º e incisos, o que se segue:
"Art. 3º - Para fins previstos nesta Lei, entende-se por:
I - meio ambiente: o conjunto de condições, leis, influências e
interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e
rege a vida em todas as suas formas:
II - degradação da qualidade ambiental: a alteração adversa das
características do meio ambiente;
III - poluição: a degradação da qualidade ambiental resultante de
atividades que direta ou indiretamente:
a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem estar da população;
b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;
c) afetem desfavoravelmente a biota;
d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;
e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões
estabelecidos.
IV – poluidor: a pessoa física ou jurídica, de direito público ou
privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade
causadora de degradação ambiental”. (grifamos).
No parágrafo 1º, do art. 14 da citada Lei está expresso:
19
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"Parágrafo 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas
neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência
de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente
e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da
União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de
responsabilidade civil e criminal por danos causados ao meio
ambiente." (grifamos).
A Lei Estadual nº 8.544, de 17 de outubro de 1.978, que dispõe sobre o
controle de poluição do meio ambiente, estabelece:
“Art. 2º. Considera-se poluição do meio ambiente a presença, o
lançamento ou liberação, nas águas, no ar, no solo, de toda e qualquer
forma de matéria ou energia, com intensidade, em quantidade de
concentração ou com características em desacordo com as que forem
estabelecidas em lei, ou que tornem ou possam tornar as águas, o ar
ou o solo:
I - impróprios, nocivos ou ofensivos à saúde;
II - inconvenientes ao bem-estar público;
III - danosos aos materiais, à fauna e à flora;
IV - prejudiciais à segurança, ou uso e gozo da propriedade e às
atividades normais da comunidade
(...)”
A Lei Federal nº 4.771/65 (Código Florestal), por sua vez, estabelece
em seu art. 2º e 4º, com a modificação deste último dada pela Medida Provisória n º 2.166-67,
de 24 de agosto de 2001:
“Art. 2º. Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito
desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:
(...)
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c) nas nascentes, ainda que intermitentes e nos chamados “olhos
d’água”, qualquer que seja a sua situação topográfica, num raio
mínimo de 50 (cinqüenta) metros de largura;
d) no topo dos morros, montes, montanhas e serras;
e) nas encostas ou partes destas com declividade superior a 45º,
equivalente a 100% na linha de maior declive;
(...)
g) nas bordas dos tabuleiros ou chapadas, a partir da linha de ruptura
do relevo, em faixa nunca inferior a 100 (cem) metros em projeções
horizontais”.
Art. 4º. A supressão de vegetação em área de preservação permanente
somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública ou de
interesse social, devidamente caracterizados e motivados em
procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa e
locacional ao empreendimento proposto.
Parágrafo Primeiro. A supressão de que trata o caput deste artigo
dependerá de autorização do órgão ambiental estadual competente,
com anuência prévia, quando couber, do órgão federal ou municipal
de meio ambiente, ressalvado o disposto no art. 2º deste artigo. (ênfase
acrescida).
A vistoria realizada por técnico ambiental, in loco, quando da lavratura
do auto de interdição/embargo (fls. ), bem como o parecer da Secretaria de Agricultura e
Meio Ambiente do Município (fls. ) e os RELATÓRIOS da Comissão de Agricultura e Meio
Ambiente da Câmara dos Vereadores (fls. ) e do Conselho Municipal de Defesa do Meio
Ambiente – COMDEMA (fls. ), não deixam dúvidas quanto ao fato da área objeto da
presente quoestio ser considerada de preservação permanente.
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Da mesma forma, e em consonância com a legislação federal, a Lei
Estadual nº 12.596/95, em vários incisos de seu art. 5º, considera a área licenciada e objeto da
certidão de Uso do Solo, como de preservação permanente. E estabelece, ainda, em seu art. 3º:
Art. 3º“Atividades exercidas no Estado de Goiás que envolvam, direta
ou indiretamente, a utilização de recursos vegetais, somente serão
permitidas se não ameaçarem a manutenção da qualidade de vida, o
equilíbrio ecológico ou a preservação do patrimônio genético, sempre
que observados os seguintes princípios:
I – função social da propriedade;
II – preservação e conservação da biodiversidade;
III – compatibilização entre o desenvolvimento econômico-social e o
equilíbrio ambiental;
IV – uso sustentado dos recursos naturais renováveis”.
Os parágrafos art. 6º do mesmo diploma legal, expressamente dispõem
que:
“A utilização de vegetação de preservação permanente, ou das áreas
onde elas devem medrar, só será permitida nas seguintes hipóteses:
I – no caso de obras, atividades, planos e projetos de utilidade pública
ou interesse social, mediante aprovação de projeto específico pelo
órgão ambiental competente, precedida da apresentação de estudo de
avaliação de impacto ambiental;
II – na extração de espécimes isolados, mediante laudo de vistoria
técnica que comprove o risco ou perigo iminente, obstrução de vias
terrestres ou fluviais, ou que a extração se dará para fins específicos,
aprovados pelo órgão ambiental competente.
Parágrafo segundo: O licenciamento para exploração de áreas
consideradas de vocação minerária dependerá da aprovação prévia de
projeto técnico de recomposição da flora, com essências nativas locais
ou regionais, que complementará o projeto de recuperação da área
degradada, previsto no Decreto nº 97.632, de 10 de abril de 1989.
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Parágrafo terceiro: Para compensação das áreas superficiais
ocupadas com instalações ou servidões de atividades minerais, na
forma do parágrafo anterior, deverão ser prioritariamente
implantados, em locais vizinhos, projetos de florestamento e
reflorestamento, contemplando essências nativas locais ou regionais,
inclusive frutíferas”.
Diante desse amplo e significativo arcabouço legal, é fácil concluir pela
invalidação da licença e certidão do Uso do Solo expedidas, pois, como vimos, a área
licenciada e objeto da certidão de Uso do Solo é considerada de preservação permanente, e
não foi adotada, também, nenhuma técnica de condução, exploração, reposição florestal e
manejo sustentado compatíveis com o respectivo ecossistema.
Por outra banda, a ré Serveng Civilsan, empreiteira sócia da Corumbá
Concessões S.A., aproveitando que está no local para construir a Usina hidrelétrica, adquiriu
essa área, gananciosamente, em benefício próprio, posto que está fora da área de
empreendimento da UHE Corumbá IV, não se enquadrando a atividade exercida, dessa
forma, em quaisquer dos incisos autorizadores do art. 3º da Lei Estadual nº 12.596/95.
Não se trata, também, de caso de utilidade pública ou interesse
social.
Dessa maneira, faz-se mister que as medidas urgentes elencadas nessa
exordial sejam tomadas, evitando-se, assim, que danos maiores venham a ocorrer. Isso
porque, necessário se faz harmonizar o desenvolvimento sócio-econômico de uma região com
as atividades de proteção da qualidade do meio ambiente, controlando-se adequadamente a
poluição ambiental.
O meio ambiente é um patrimônio a ser necessariamente assegurado e
protegido. Além disso, toda a sociedade é prejudicada pela supressão dos recursos ambientais.
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A licença ambiental, se presta justamente, a controlar preventivamente
atividades que seja potencialmente causadoras de significativo impacto ambiental e a
assegurar a incolumidade do direito (difuso) ao meio ambiente ecologicamente equilibrado
(cf. art. 10, caput, da Lei nº 6.938/81).
O devido processo legal ambiental impõe a observância de uma série
de princípios, dentre os quais, destaca-se o princípio da motivação (requisito de ordem formal
do ato).
A douta Procuradoria Municipal, por sua vez, não apresentou qualquer
justificação, fundamentação legal e fática acerca da desconsideração do parecer contrário da
Secretaria de Agricultura e Meio Ambiente.
Ademais, apesar da evidente ausência de documentos indispensáveis,
não houve qualquer enunciação de razões técnicas, lógicas e jurídicas a justificar a
dispensa das exigências legais, de molde a legitimar a expedição da aludida licença e da
certidão do uso do solo inquinadas de nulidade.
A censurável ausência de motivação, vem, aqui,
justamente a dificultar a análise pelo Poder Judiciário dos fundamentos de fato e de direito da
licença ambiental e certidão de uso do solo outorgadas em cotejo com os princípios e normas
constitucionais e legais referentes ao meio ambiente, posto que, a licença e a certidão, nos
moldes em que foram expedidos, são manifestamente ilegais.
A ilegalidade é manifesta: a motivação diz respeito às formalidades do
ato, que integram o próprio ato.
“Constitui garantia de legalidade, que tanto diz respeito ao
interessado como a própria Administração Pública; a motivação é que
permite a verificação, a qualquer momento, da legalidade do ato, até
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mesmo pelos demais Poderes do Estado” (DI PIETRO, Maria Sylvia
Zanella. Direito Administrativo. 12ª ed. São Paulo: Ed. Atlas, 2.000,
pág. 195).
3. Da necessidade da medida liminar
Em razão dos argumentos ora aduzidos, a concessão de medida liminar
é imprescindível para que se evitem danos e não acarrete maiores prejuízos ao meio ambiente
e à saúde da coletividade.
Visualiza-se, pois, pelo exposto, a urgência de solução da problemática
causada pela atividade exercida pela Serveng Civilsan S.A., estando presentes os requisitos
necessários para a concessão da medida pleiteada, quais sejam: fumus boni iuris, consistente
nos dispositivos fáticos e legais retro mencionados e o periculum in mora, presentes no
agravamento da situação e a ocorrência dos danos daí decorrentes, eis que a Serveng Civilsan
não tomou as medidas cabíveis para a supressão ou atenuação dos danos nocivos ao meio
ambiente, embora esteja em avançado processo de extração mineral na área.
A verossimilhança das alegações é visível e incontestável, conforme
fazem prova os pareceres da Secretaria de Agricultura e Meio Ambiente do Município e os
RELATÓRIOS -- todos adredemente reproduzidos -- da Comissão de Agricultura e Meio
Ambiente da Câmara dos Vereadores e do Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente
- COMDEMA, datados estes últimos, respectivamente, de 07 de agosto de 2002 e 26 de
agosto de 2002.
Trata-se, ainda, como vimos, de um ponto turístico, e a área explorada é
considerada de preservação permanente.
A relevância do fundamento da demanda se encontra na franca
manifesta irreversibilidade do dano, como são, por excelência, os de natureza ambiental, bem
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como na incúria da empresa ré Serveng Civilsan de apresentar medidas mitigadoras do
impacto ambiental.
Uma singela análise do processo administrativo é por demais suficiente
para a concessão da medida liminar ora requerida, pois a desídia do Município de Luziânia, ao
postergar a juntada de documentos importantíssimos e indispensáveis, certamente trará danos
sociais e, sobretudo, ambientais, irreversíveis.
A degradação ambiental, como regra, é irreversível. Eventual
responsabilidade civil, especialmente quando se trata de mera indenização (não importa o
seu valor), é sempre insuficiente e de utilidade duvidosa.
A tônica, nesta matéria, é a prevenção. É a melhor, quando não a única
solução (v.g. como reparar o desaparecimento de uma espécie ?).
Assim, a mera potencialidade lesiva justifica a tomada de medidas a
evitar danos ao meio ambiente, mediante a aplicação do princípio da precaução.
Trata-se de princípio básico do Direito Ambiental, haja vista que os
objetivos deste são primordialmente preventivos. Por conseguinte, volta-se para momento
anterior à da consumação do dano – o do mero risco.
Tal princípio, também denominado princípio da prevenção, consta
expressamente do princípio 15 da “Conferência da Terra” (ECO 92) que assim estabelece:
“Com o fim de proteger o meio ambiente, os Estados deverão aplicar
amplamente o critério de precaução conforme suas capacidades.
Quando houver perigo de dano grave ou irreversível, a falta de certeza
científica absoluta não deverá ser utilizada como razão para se adiar
a adoção de mediadas eficazes em função dos custos para impedir a
degradação do meio ambiente”.
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Para finalizar, repisamos a obrigatoriedade da observância do princípio
da precaução, tendo em vista que o mesmo foi inscrito expressamente na legislação brasileira
por intermédio da “Conferência sobre Mudanças do Clima”, acordada pelo Brasil no âmbito
da Organização das Nações Unidas por ocasião da ECO 92, e ratificada pelo Congresso
Nacional via Decreto Legislativo 1, de 3 de fevereiro de 1.994.
A infração ao princípio da precaução, implica ofensa a um princípio
que constitui uma verdadeira viga mestra do ordenamento jurídico ambiental.
Violar princípios é mais danoso do que violar normas positivadas, pois,
ocupam posição de preeminência e “exercem função importantíssima dentro do ordenamento
jurídico-positivo, já que orientam, condicionam e iluminam a interpretação das normas
jurídicas em geral, aí incluídos os próprios mandamentos constitucionais” (CARRAZA,
Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 14ª ed. São Paulo: Ed.
Malheiros, pág. 36).
Ressalte-se que a utilização do meio ambiente, por ser patrimônio
público, prescinde de ato do Poder Público, a quem compete protegê-lo, segundo normas
legais e constitucionais.
No mais, cumpre ressaltar que a tarefa da defesa do meio ambiente
alcança níveis notáveis de eficiência quando desenvolvida de forma a prevenir a ocorrência do
dano.
O que deve prevalecer na análise e apreciação da liminar é o fato de
estarmos diante de interesses considerados como difusos, pertencentes a todos, onde a saúde,
a dignidade e a vida são a lei suprema que deve prevalecer e se sobrepor sobre qualquer
argumentação.
Daí a presença indelével do "fumus boni juris" e do "periculum in
mora", realçando que o primeiro materializa-se na demonstração inequívoca do direito
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ESTADO DE GOIÁS MINISTÉRIO PÚBLICO
alegado e o segundo na inocuidade da imediaticidade do pedido, uma vez que a situação
requer medidas rápidas e salvaguardoras.
4. Do Pedido
Ante o exposto, o Ministério Público requer:
(i) a concessão da LIMINAR, inaudita altera pars, nos termos do artigo 12 da Lei nº
7.347/85, consistente na SUSPENSÃO da Licença de nº 0009/2002 e da certidão do Uso do
Solo, as quais autorizaram a extração de “xisto” na Fazenda Corumbá (Serra da Canastra e
Canstrinha), zona rural, nesta cidade, pela Serveng Civilsan S.A. – Empresas Associadas de
Engenharia, sob pena de cominação de multa diária no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil) reais;
(ii) a concessão da LIMINAR, inaudita altera pars, nos termos do artigo 12 da Lei nº
7.347/85, consistente em OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER ao Município de Luziânia para que
se abstenha de conceder a “Certidão do uso do Solo” e a “Licença para extração de substância
mineral”, as quais autorizaram a extração de “xisto” na Fazenda Corumbá (Serra da Canastra
e Canastrinha), zona rural, nesta cidade, pela Serveng Civilsan S.A. – Empresas Associadas
de Engenharia, sob pena de cominação de multa diária no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil)
reais;
(iii) a concessão da LIMINAR, inaudita altera pars, nos termos do artigo 12 da Lei nº
7.347/85, consistente na OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER à Serveng Civilsan S.A. para que se
abstenha de realizar qualquer atividade de pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais na
Serra da Canastra e Canastrinha, sob pena de cominação de multa diária no valor de R$
5.000,00 (cinco mil) reais;
(iv) caso V.Exa. entenda desnecessário o deferimento da medida liminar, seja determinada à
empresa-ré, com fulcro no art. 805 do CPC, o depósito de caução real no valor mínimo de R$
5.000.000,00 (cinco milhões) de reais para cobrir possíveis danos que estão ocorrendo e
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ESTADO DE GOIÁS MINISTÉRIO PÚBLICO
venham a ocorrer devido à extração de recursos minerais, considerando-se os argumentos
expostos nesta peça vestibular;
(v) a publicação de Edital para se dar conhecimento a terceiros interessados e à coletividade,
tendo em vista o caráter erga omnes da presente demanda;
(vi) a citação das rés, na pessoas de seus representantes legais, para, em querendo,
responderem a presente ação, sob pena de revelia e confissão;
(vii) a procedência, "in totum" do pedido liminar, e, ao final, da presente ação, convertendo-se
em definitivas as providências a serem deferidas em sede de cognição sumária, de modo a
satisfazer integralmente os objetivos perseguidos na presente peça vestibular,
principalmente os elencados nos itens supra (I, II e III), bem como a cominação de sanção
pecuniária, para o caso de descumprimento no prazo estipulado, nos termos do art. 11 da Lei
7.347/85;
Protesta provar o alegado por intermédio de todos os meios de
prova em direitos admitidos, notadamente a prova testemunhal, pericial e documental, bem
como depoimentos pessoais dos representantes das rés.
Embora seja de valor inestimável, dá-se a presente causa o valor
de R$ 15.000.000,00 (quinze milhões) de reais.
Luziânia, 20 de setembro de 2.002.
Ricardo Rangel de Andrade Robertson Alves de Mesquita Promotor de Justiça Promotor de Justiça
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