View
235
Download
1
Category
Preview:
Citation preview
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ FEDERAL DA ___ VARA CÍVEL
DA 1ª SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Ref.: Procedimento Administrativo nº 1.34.001.004782/2012-54
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por intermédio dos
Procuradores da República signatários, no exercício de suas atribuições constitucionais e
legais, com fundamento no art. 129, III, da Constituição da República de 1988, no art.
6º, VII, “a”, “b” e “d”, da Lei Complementar nº 75/93, e no art. 1º, IV e VIII, da Lei nº
7.347/85, vem, perante Vossa Excelência, propor a presente:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
com pedido liminar
em face de:
CENTRAL NACIONAL DE PRODUÇÕES LTDA., sociedade
empresária, inscrita no CNPJ sob o nº 03.055.182/0001-96, com
sede na Rua Armando Romani, nº 34, sobreloja, sala 05, Centro,
Piraquara-PR, CEP 83301-680, cujo representante legal é Oscar
1
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Martinez Neto;
CTV COMUNICAÇÕES E PRODUÇÕES LTDA., sociedade
empresária, inscrita no CNPJ sob o nº 67.716.001/0001-08, com
sede na Rua Purus, nº 31, Jardim São Roque, Americana-SP, CEP
13469-450, cujo representante legal é Flávio de Castro Martinez;
CNT RIO LTDA., sociedade empresária, inscrita no CNPJ sob o
nº 68.713.981/0001-58, com sede na Rua General Padilha, n. 118,
134 e 144, São Cristovão, Rio de Janeiro-RJ, CEP 20920-390, cujo
representante legal é Oscar Martinez Neto;
CNT BAHIA PRODUÇÕES LTDA., sociedade empresária,
inscrita no CNPJ sob o nº 12.086.498/0001-36, com sede na
Avenida Reitor Miguel Calmon, nº 221, piso térreo e mezanino,
Graça, Salvador-BA, CEP 40150-510, cujo representante legal é
Rodrigo Martinez;
RÁDIO E TELEVISÃO OM LTDA., sociedade empresária,
inscrita no CNPJ sob o nº 77.237.733/0001-79, com sede na Rua
Francisco Caron, nº 29, piso térreo, Pilarzinho, Curitiba-PR, CEP
82120-200, cujo representante legal é Flávio de Castro Martinez;
TV CARIOBA COMUNICAÇÕES LTDA., sociedade
empresária, inscrita no CNPJ sob o nº 61.317.095/0001-66, com
sede na Rua Purus, nº 31, Jardim São Roque, Americana-SP, CEP
13469-450, cuja representante legal é Mônica Martinez Bertagnoli;
2
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
TV CORCOVADO S/A, sociedade empresária, inscrita no CNPJ
sob o nº 54.313.531/0001-63, com sede na Rua General Padilha, n.
118, 134 e 144, São Cristovão, Rio de Janeiro-RJ, CEP 20920-390,
cujo representante legal é Oscar Martinez Neto;
TELEVISÃO CARIMÃ LTDA., sociedade empresária, inscrita
no CNPJ sob o nº 78.050.283/0001-73, com sede na Avenida Barão
do Rio Branco, nº 199, Pinheiros, Cascavel-PR, CEP 85802-210,
cuja representante legal é Beatriz Carolina de Magalhães Martinez;
IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS, organização
religiosa, inscrita no CNPJ sob o nº 29.744.778/0001-97, com sede
na Avenida João Dias, nº 1800, Santo Amaro, São Paulo-SP, CEP
04724-002, cujo representante legal é Maurício Cesar Campos
Silva;
UNIÃO (Presidência da República e Ministério das
Comunicações), pessoa jurídica de direito público interno, com
sede na Rua da Consolação, nº 1875, 5º andar, Cerqueira César, São
Paulo-SP, CEP 01301-100, na pessoa de seu representante legal;
OSCAR MARTINEZ NETO, brasileiro, empresário, inscrito no
CPF sob o nº 814.892.189-04, residente e domiciliado na Rua
Carlos Gelenski, nº 111, casa 12, São João, Curitiba-PR, CEP
82030-590;
FLÁVIO DE CASTRO MARTINEZ, brasileiro, empresário,
inscrito no CPF sob o nº 654.342.428-15, residente e domiciliado
3
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
na Rua Evaldo Wendler, nº 90, casa 40, São Lourenço, Curitiba-PR,
CEP 82200-180;
RODRIGO MARTINEZ, brasileiro, empresário, inscrito no CPF
sob o nº 023.893.519-13, residente e domiciliado na Rua Margarida
Dallarmi, nº 315, casa 19, Santa Felicidade, Curitiba-PR, CEP
82015-690;
MÔNICA MARTINEZ BERTAGNOLI, brasileira, empresária,
inscrita no CPF sob o nº 859.637.479-53, residente e domiciliada
na Rua José Kalinoyski, nº 136, Bom Retiro, Curitiba-PR, CEP
80520-470;
BEATRIZ CAROLINA DE MAGALHÃES MARTINEZ,
brasileira, empresária, inscrita no CPF sob o nº 838.932.459-87,
residente e domiciliada na Rua Evaldo Wendler, nº 90, casa 40, São
Lourenço, Curitiba-PR, CEP 82200-180; e
MAURÍCIO CESAR CAMPOS SILVA, brasileiro, empresário,
inscrito no CPF sob o nº 268.392.024-53, residente e domiciliado
na Rua Borba Gato, nº 331, apto 184, Santo Amaro, São Paulo-SP,
CEP 04747-901;
pelos fundamentos fáticos e jurídicos a seguir expostos:
4
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
I – DOS FUNDAMENTOS FÁTICOS
Instaurou-se perante a Procuradoria da República em São
Paulo o Procedimento Administrativo nº 1.34.001.004782/2012-54, com o objetivo de
sistematizar o debate contínuo entre os atores sociais e estatais sobre temas relacionados
às áreas da Comunicação e do Direito, incluindo especialmente radiodifusão sonora,
televisão e mídias digitais, consoante Despacho PR-SP-00048499/2012.
Dentre as inúmeras informações coletadas, chegou-se à
constatação de irregularidades cometidas pelos réus Central Nacional de Produções Ltda.,
CTV Comunicações e Produções Ltda., CNT Rio Ltda., CNT Bahia Produções Ltda., Rádio e
Televisão OM Ltda., TV Carioba Comunicações Ltda., TV Corcovado S/A, Televisão Carimã
Ltda., Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) e respectivos representantes legais, na
execução do serviço público de radiodifusão de sons e imagens outorgado pela União.
Inicialmente, cumpre destacar que as rés Central Nacional de
Produções Ltda., CTV Comunicações e Produções Ltda., CNT Rio Ltda., CNT Bahia
Produções Ltda., Rádio e Televisão OM Ltda., TV Carioba Comunicações Ltda., TV
Corcovado S/A e Televisão Carimã Ltda. formam o “Grupo CNT”, conforme se infere do
contrato em anexo (“Anexo I”).
O aludido instrumento contratual demonstra, ainda, que a
Igreja Universal do Reino de Deus e o Grupo CNT celebraram contrato de
comercialização de tempo de programação (contrato de arrendamento) com vistas a
conjugar esforços “para a produção de programas de cunho religioso e cultural de
autoria da IURD (…), visando à sua exibição e transmissão pelo Grupo CNT” (Cláusula
2.1), de segunda-feira a segunda-feira, entre 0h e 22h (Cláusula 2.3), de forma
ininterrupta (Cláusula 2.5), pelo prazo de 8 (oito) anos, a contar de 10/06/2014 (Cláusula
8.1).
Saliente-se, desde logo, que o Ministério Público Federal não
5
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
logrou, até o presente momento, obter os valores pactuados entre as partes, uma vez que
a IURD e o Grupo CNT escusam-se, de forma reiterada e peremptória, do dever de
apresentá-los extrajudicialmente ao Parquet (“Anexo II”),1 o que afronta prerrogativas
constitucionais e legais do órgão ministerial (art. 129, VI, CR/88; art. 8º, IV e §3º, LC nº
75/93; art. 10, Lei nº 7.347/85).
O referido contrato viola, frontalmente, diversas normas de ordem
pública que disciplinam a prestação do serviço de radiodifusão, consoante será
pormenorizadamente demonstrado nos itens abaixo.
Diante desse contexto, o objeto da presente ação civil pública
é a obtenção de provimento jurisdicional que imponha:
a) A invalidação das outorgas do serviço de radiodifusão
conferidas às pessoas jurídicas integrantes do Grupo CNT,
com a declaração de caducidade, na forma do artigo 27,
artigo 35, inciso III, e artigo 38, § 1º, incisos I e II, todos da
Lei nº 8.987/95;
b) A suspensão temporária de participação em licitação e
impedimento de contratar com a Administração, além da
declaração de inidoneidade de todas as pessoas jurídicas
integrantes do Grupo CNT e dos respectivos representantes
legais, assim como da Igreja Universal do Reino de Deus e
de seu representante legal, na forma do artigo 87, incisos III
e IV, da Lei nº 8.666/93, o que, por implicação lógica,
acarreta:
1 A propósito, a jornalista Keila Jimenez noticia que os valores pactuados seriam de R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais) por mês, o que totalizaria R$ 480.000.000,00 (quatrocentos e oitenta milhões de reais) durante todo o período de vigência do contrato . Nesse sentido, vide: “Universal aluga duas redes de TV por R$ 12 milhões”. Folha de S. Paulo, 22 mai. 2014. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrada/167055-universal-aluga-duas-redes-de-tv-por-r-12-milhoes.shtml>. Acesso em: 11.11.2014.
6
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
(i) a decretação judicial para que sejam impedidos de
participar de procedimento licitatório que verse sobre a
delegação de serviços de radiodifusão, ainda que por
intermédio de pessoas jurídicas das quais sejam sócios;
e
(ii) a decretação judicial para que sejam impedidos de
receber novas outorgas de serviços de radiodifusão,
ainda que por intermédio de pessoas jurídicas das quais
sejam sócios;
c) A condenação das pessoas jurídicas integrantes do Grupo
CNT e dos respectivos representantes legais, assim como da
Igreja Universal do Reino de Deus e do seu representante
legal, a indenizarem solidariamente a União por danos
materiais, em valor a ser apurado na fase de liquidação de
sentença (art. 286, III, CPC);
d) A condenação das pessoas jurídicas integrantes do Grupo
CNT e dos respectivos representantes legais, assim como da
Igreja Universal do Reino de Deus e do seu representante
legal, a compensarem os danos morais difusos, em valor a
ser oportunamente fixado por Vossa Excelência e revertido
para o Fundo previsto no art. 13 da Lei nº 7.347/85;
e) A condenação da União (Presidência da República e
Ministério das Comunicações) a se abster de conceder
futuras outorgas de radiodifusão às pessoas jurídicas
integrantes do Grupo CNT, à Igreja Universal do Reino de
Deus e aos respectivos representantes legais, ainda que por
7
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
intermédio de pessoas jurídicas das quais sejam sócios; e
f) A condenação das pessoas jurídicas integrantes do Grupo
CNT e da Igreja Universal do Reino de Deus às sanções
arroladas nos arts. 6º e 19 da Lei nº 12.846/13.
II – DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL
O art. 109, I, da Constituição da República (CR/88), dispõe
que compete à Justiça Federal processar e julgar as causas em que a União, entidade
autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés,
assistentes ou oponentes, exceto as de falências, as de acidente de trabalho e as sujeitas à
Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho.
A Constituição Federal prevê, ainda, que:
“Art. 21. Compete à União: (…)
XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou
permissão:
a) os serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens;”
Em sentido semelhante, a Lei nº 4.117/62, denominada
Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT), expressamente dispõe competir à União
a exploração direta ou indireta do serviço de radiodifusão:
“Art. 32. Os serviços de radiodifusão, nos quais se compreendem os de
televisão, serão executados diretamente pela União ou através de
concessão, autorização ou permissão.”
8
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Nessa mesma linha, confiram-se as disposições dos arts. 2º e
6º, caput, do Decreto nº 52.795/63, denominado Regulamento dos Serviços de
Radiodifusão:
“Art. 2º. Compete, exclusivamente, à União dispor sôbre qualquer
assunto referente aos serviços de radiodifusão.”
“Art. 6º. À União compete, privativamente, autorizar, em todo território
nacional, inclusive águas territoriais e espaço aéreo, a execução de
serviços de radiodifusão.”
Aliás, a Lei nº 4.117/62 e o Decreto 52.795/63 incumbiam ao
CONTEL (Conselho Nacional de Telecomunicações) amplos poderes gerenciais quanto
ao sistema nacional de telecomunicações, conferindo-lhe, inclusive, atribuição para
outorgar ou renovar permissões e autorizações de caráter local, bem como para fiscalizar
o cumprimento, por parte das emissoras, das finalidades e obrigações de programação
(art. 29, alíneas “x” e “af”, do CBT).
Entretanto, com a edição do Decreto-Lei nº 200/67, o
CONTEL passou a integrar a estrutura do Ministério das Comunicações, órgão
diretamente vinculado à União (art. 165). Em seguida, o art. 1º do Decreto nº 70.568/72,
já revogado, determinou a inclusão das atribuições cometidas ao CONTEL na
competência geral do Ministro das Comunicações.2
Posteriormente, a Lei nº 9.472/97, denominada Lei Geral de
Telecomunicações (LGT), reforçou, em seu art. 1º, que a titularidade do serviço público
2 “Art. 1º. As atribuições cometidas ao Conselho Nacional de Telecomunicações, na forma da Lei nº 4.117, de 27 de agosto de 1962, alterada pelos Decretos-leis nºs 200, de 25 de fevereiro de 1967, e 236, de 28 de fevereiro de 1967 e Lei nº 5.535, de 20 de novembro de 1968, são incluídas na competência geral do Ministro das Comunicações.”
9
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
de radiodifusão é da União. Ademais, dispôs expressamente que a outorga desse serviço
está excluída da jurisdição da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL),
permanecendo, assim, no âmbito das atribuições do Poder Executivo (Presidência da
República e Ministério das Comunicações), senão vejamos:
“Art. 211. A outorga dos serviços de radiodifusão sonora e de sons e
imagens fica excluída da jurisdição da Agência, permanecendo no
âmbito de competências do Poder Executivo, devendo a Agência
elaborar e manter os respectivos planos de distribuição de canais,
levando em conta, inclusive, os aspectos concernentes à evolução
tecnológica.”
Por fim, o Decreto nº 7.670/12 procedeu a alterações no
Decreto nº 52.795/63, objetivando, em síntese, reservar à Presidência da República
precipuamente as atribuições relativas aos serviços de radiodifusão de sons e imagens, e
não mais aquelas vinculadas à radiodifusão sonora:
“Art. 6o, § 1o Compete ao Presidente da República outorgar, por meio
de concessão, a exploração dos serviços de radiodifusão de sons e
imagens.”
“Art. 10. A outorga para execução dos serviços de radiodifusão será
precedida de procedimento licitatório, observadas as disposições legais
e regulamentares. (…)
§ 2º A decisão quanto à abertura de edital é de competência exclusiva do
Ministério das Comunicações.”
“Art. 30, § 5o No caso de serviços de radiodifusão de sons e imagens,
10
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
será publicado decreto de outorga pelo Presidente da República, após a
indicação pelo Ministério das Comunicações do licitante apto à
contratação.”
“Art. 31, § 2o O contrato será assinado pelo dirigente da entidade e pelo
Ministro de Estado das Comunicações que, no ato, representará o
Presidente da República no caso de serviços de radiodifusão de sons e
imagens, devendo ser publicado em extrato no Diário Oficial da União.”
“Art. 31-A. Após a celebração do contrato a que se refere o art. 31, o
Ministro de Estado das Comunicações fará publicar, em observância
ao parágrafo único do art. 61 da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993,
portaria que conterá as seguintes informações: (...)
§ 1o A portaria a que se refere o caput será enviada ao Congresso
Nacional, por meio de mensagem do Presidente da República, para
deliberação.”
§ 2o A deliberação do Congresso Nacional, da qual resultará decreto
legislativo acerca da aprovação da outorga, é condição de eficácia da
portaria. (...)
§ 4o Após a publicação do decreto legislativo, o Ministério das
Comunicações emitirá autorização de funcionamento em caráter
provisório, que será válida até a data de emissão da respectiva licença de
funcionamento.
§ 5o Caso a outorga não seja aprovada pelo Congresso Nacional, o
licitante receberá os valores pagos ao FISTEL em razão da outorga,
corrigidos pela taxa SELIC, sendo facultado ao Ministério das
Comunicações convocar os licitantes remanescentes para assinatura do
contrato, em igual prazo e nas mesmas condições propostas pelo
11
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
primeiro classificado, inclusive quanto aos preços atualizados de
conformidade com o ato convocatório, ou revogar a licitação,
independentemente da aplicação das multas previstas no edital.”
“Art. 113, § 2o Compete à Presidência da República decidir sobre o
pedido renovação (sic) das concessões de serviços de radiodifusão de
sons e imagens, que serão previamente instruídos pelo Ministério das
Comunicações.” (grifos nossos)
Diante do evidente interesse da União (Presidência da
República e Ministério das Comunicações) nas questões relativas ao serviço público de
radiodifusão, a competência para o processo e julgamento da presente causa é da Justiça
Federal (art. 109, I, CR/88), sendo este o entendimento pretoriano:
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROGRAMA DE TELEVISÃO.
VIOLAÇÃO A DIREITOS CONSTITUCIONAIS FUNDAMENTAIS.
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. LEGITIMIDADE ATIVA
DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL.
O uso ilegal da outorga de serviço de competência da União remete
à necessidade deste ente compor a lide, atraindo, portanto, nos
termos do art. 109, I, da CF, a competência para a Justiça Federal.
Configurada a legitimidade ativa do Ministério Público Federal
para ajuizar ação civil pública visando a evitar a ofensa de toda a
coletividade exposta a programas nocivos que incitam práticas
criminosas e desrespeito a direitos constitucionais fundamentais. As
programações de televisão sub judice atentam contra os direitos
fundamentais, uma vez que, abusando do poder de titular de concessão,
e em nome de índices crescentes de audiência (leia-se maiores verbas
publicitárias), atiram-se livremente contra a imagem e a dignidade de
pessoas, invariavelmente pobres, envolvidas em episódios policiais,
12
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
tudo sob o manto e apoio da autoridade policial.” (TRF-4, 4ª Turma,
Apelação Cível 2003.04.01.008945-8, Rel. Des. Federal Edgard Antônio
Lippmann Júnior; j. 21/03/2007) – Grifos nossos.
“ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. UNIÃO. ANATEL.
MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES. CONCESSÃO DE
PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE RADIODIFUSÃO E TELEVISÃO.
DECRETO LEGISLATIVO DE CONCESSÃO. FINALIDADE
EDUCATIVA DA EMISSORA. VEICULAÇÃO DE MATÉRIA
UNICAMENTE EDUCATIVA. (...)
2. Preliminarmente, afasta-se a ilegitimidade da União, frente a sua
competência constitucional de fiscalizar a prestação de serviço de
radiodifusão sonora e de sons e imagens, nos termos do art. 221 da
CF, a despeito da competência concorrente da ANATEL, à qual ficou
delegada a atribuição de efetuar as fiscalizações, mediante celebração de
convênio.
3. A delegação de função administrativa não é causa para se
reconhecer a ausência de interesse processual do poder delegante, o
qual permanece com sua função constitucional inabalada, visto que
cabe ao Ministério das Comunicações, além da função fiscalizadora,
fazer concessão de funcionamento para emissoras de rádio e
televisão, podendo, de forma justificada, suspender o ato concessivo.
(…)” (TRF-5, 4ª Turma, Apelação / Reexame Necessário 27.666/RN,
Rel. Des. Federal Margarida Cantarelli, j. 02/07/2013) – Grifos nossos.
Além disso, a pretensão ora deduzida visa a reparar danos de
âmbito nacional, razão pela qual há competência territorial concorrente entre os foros
das Capitais de todos os Estados-membros, nos termos do art. 93, II, Lei nº 8.078/90,
aplicável ao presente caso por força do princípio do microssistema processual
13
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
coletivo (art. 21, Lei nº 7.347/85; art. 90, Lei nº 8.078/90):
Lei nº 8.038/90:
“Art. 93. Ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente
para a causa a justiça local: (...)
II - no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal, para os
danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do
Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente.”
(grifos nossos)
Portanto, é inquestionável que as Varas Cíveis da 1ª Subseção
Judiciária do Estado de São Paulo possuem competência para processar e julgar a
presente causa.
III – DA LEGITIMIDADE ATIVA E PASSIVA
É induvidosa, no ordenamento jurídico vigente, a
legitimidade ativa do Ministério Público para a promoção de ação civil pública na
defesa do patrimônio público e social, como se observa pelas prescrições do art. 129, III,
CR/88, do art. 6º, VII, “b”, LC nº 75/93, e do art. 1º, VIII, Lei nº 7.347/85.
Considerando que compete à União explorar, direta ou
indiretamente, os serviços de radiofusão (art. 21, XII, “a”, CR/88; art. 21, CBT; art. 6º,
Decreto nº 52.795/63), a legitimidade do Parquet federal para a causa ressoa clara,
sendo este o entendimento da jurisprudência:
14
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
“PROCESSUAL CIVIL - MEDIDA CAUTELAR DE BUSCA E
APREENSÃO PROPOSTA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO
FEDERAL - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL -
LEGITIMIDADE DE ATUAÇÃO DO ‘ PARQUET ’ FEDERAL NA
DEFESA DOS CIDADÃOS PERANTE SERVIÇO PÚBLICO
CUJA OUTORGA CABE À UNIÃO.
1 - A competência do juízo federal é fixada quando o Ministério Público
Federal propõe ação na qual tem legitimidade para atuar, mesmo porque
a ele falece atribuição para oficiar perante a Justiça Estadual ou
Distrital.
2 - A presente cautelar é acessória de ação principal a ser proposta
perante o juízo federal, na qual pretende o ‘parquet’ federal discutir
violação de direito fundamental, constitucionalmente garantido, por
emissora televisiva concessionária de serviço público federal, cuja
outorga cabe exclusivamente à União, conforme leitura do artigo 21, XI
(sic), “a” da Constituição Federal.
3 - O Ministério Público Federal tem legitimidade para atuar na
defesa dos cidadãos perante concessionários de serviço público
federal, nos termos do artigo 39, III da Lei Complementar nº 75/93 (Lei
Orgânica do Ministério Público da União).
4 - Agravo Provido.” (TRF-3, 3ª Turma, Agravo de Instrumento
0005509-14.2005.4.03.000, Rel. Des. Federal Cecília Marcondes,
j. 02/08/2006) – Grifos nossos.
“CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. PEDIDO DE DECLARAÇÃO DE NULIDADE DA
PORTARIA Nº 401/01 DO MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES E
DO RESPECTIVO PROCESSO ADMINISTRATIVO DE OUTORGA
DE AUTORIZAÇÃO DE EXECUÇÃO DE SERVIÇO DE
RADIODIFUSÃO COMUNITÁRIA NO MUNICÍPIO DE
15
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
BARRETOS/SP. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO
FEDERAL EM FACE DA NATUREZA MANIFESTAMENTE
INDISPONÍVEL DO INTERESSE PÚBLICO PRIMÁRIO
TUTELADO NA QUALIDADE DE CUSTOS LEGIS. CASSAÇÃO DA
SENTENÇA. APELAÇÃO PROVIDA.
1. O Ministério Público Federal ostenta legitimidade para ingressar
com ação civil pública cujo objeto é a declaração de nulidade da
Portaria nº 401/01 do Ministério das Comunicações e de todo
processo de outorga de autorização de execução de serviço de
radiodifusão comunitária no Município de Barretos/SP.
2. Não merece (sic) prosperar os fundamentos da sentença recorrida no
sentido de que no caso concreto ‘não há interesse difuso ou coletivo a
ser protegido por meio desta ação, mas tão-somente interesse individual
da associação não contemplada pela Portaria, cuja nulidade é
pretendida’. Sem embargo, é imperioso ressaltar que qualquer indício
que leve à suspeita de ilegalidade de um procedimento administrativo de
outorga de autorização de rádio comunitária autoriza o Ministério
Público, na qualidade de custos legis, postular judicialmente a sua
nulidade, tendo em vista a existência de manifesto interesse público
primário na presente lide.
3. Sentença extintiva sem resolução do mérito cassada e apelação
provida para que a causa tenha regular prosseguimento.” (TRF-1, 4ª
Turma Suplementar, Apelação Cível 0025511-78.2004.4.01.3400, Rel.
Juiz Federal Márcio Barbosa Maia, j. 19/06/2012) – Grifos nossos.
Além disso, a Lei Complementar nº 75/93 conferiu ao
Ministério Público Federal o múnus de garantir a observância dos princípios
constitucionais relativos à comunicação social, assim como o respeito dos meios de
comunicação social aos direitos e garantias constitucionais (art. 5º, II, “d”, e IV).
16
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Do mesmo modo, não restam dúvidas quanto à legitimidade
passiva das pessoas jurídicas integrantes do Grupo CNT e dos respectivos representantes
legais, uma vez que eles extrapolaram os limites da concessão do serviço de
radiodifusão, infringindo, assim, inúmeros dispositivos da Constituição da República, do
Código Brasileiro de Telecomunicações e do Regulamento dos Serviços de
Radiodifusão, conforme restará cabalmente demonstrado nos itens a seguir.
A legitimidade passiva da Igreja Universal do Reino de Deus
e de seu representante legal está configurada, já que, em conluio com o Grupo CNT e
seus representantes legais, eles afrontaram diversas normas que disciplinam o serviço de
radiodifusão, tais como os arts. 34, 38, “d” e 124, da Lei nº 4.117/62, e os arts. 3º, 10, 28, §12,
“d”, 90 e 94, do Decreto nº 52.795/63, consoante será comprovado abaixo. Em outras palavras,
tendo a IURD participado do contrato que infringe o regime jurídico da concessão, a entidade
religiosa tornou-se corresponsável solidária pelos danos advindos de tal violação.
Por derradeiro, a legitimidade passiva da União também está
demonstrada. Primeiro, porque se busca com a presente ação invalidar ato
administrativo de outorga exarado pelo Poder Público federal. Ademais, incumbindo à
União o múnus de outorgar e de fiscalizar o serviço público de radiodifusão, impõe-se-
lhe o dever de se abster de conceder futuras delegações às pessoas jurídicas integrantes
do Grupo CNT, à Igreja Universal do Reino de Deus e aos respectivos representantes
legais, uma vez que será reconhecida judicialmente a inidoneidade dos réus.
IV – DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS
A Igreja Universal do Reino de Deus e o Grupo CNT
celebraram contrato de comercialização de tempo de programação com vistas a conjugar
esforços “para a produção de programas de cunho religioso e cultural de autoria da
IURD (…), visando à sua exibição e transmissão pelo Grupo CNT” (Cláusula 2.1), de
17
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
segunda-feira a segunda-feira, entre 0h e 22h (Cláusula 2.3), de forma ininterrupta
(Cláusula 2.5), pelo prazo de 8 (oito) anos, a contar de 10/06/2014 (Cláusula 8.1).
Consoante restará exaustivamente demonstrado nos subitens
abaixo, não restam dúvidas de que tal prática viola frontalmente o art. 124 da Lei nº
4.117/62 e o art. 28, §12, “d”, do Decreto nº 52.795/63, que determinam que o tempo destinado
à publicidade comercial não poderá exceder 25% (vinte e cinco por cento) do tempo total de
programação. Verifica-se, igualmente, afronta ao art. 34 da Lei nº 4.117/62 e aos arts. 10, 90 e
94 do Decreto nº 52.795/63, que disciplinam o procedimento de concessão e de transferência
das outorgas de radiodifusão.
IV-A) DA REMUNERAÇÃO DO SERVIÇO DE RADIODIFUSÃO E O
DESRESPEITO AO LIMITE DE 25% DO TEMPO TOTAL DE PROGRAMAÇÃO:
Ao qualificar determinadas utilidades ou comodidades
materiais como “serviços públicos”, a Constituição da República de 1988 confere-lhes
relevo ímpar, atribuindo ao próprio Estado o dever de assumi-las como pertinentes a si
próprio e, em consequência, colocá-las sob uma disciplina jurídica peculiar: o regime
jurídico-administrativo.3
Nessa linha, o art. 175 da Constituição Federal dispõe que
incumbe ao Poder Público a prestação dos serviços públicos, seja diretamente, seja
mediante concessões ou permissões. Ainda que o Estado opte por prestá-los
indiretamente, o regime jurídico-administrativo continuará a ter incidência, retirando,
deste modo, os serviços públicos do domínio econômico privado. Ora, a lógica privada
da incessante busca pela maximização dos lucros não se coaduna com a prestação de
serviços públicos, porquanto, não há, nesta última, livre concorrência tampouco livre
3 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 30 ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 686-687; CARVALHO FILHO. José dos Santos. Manual de direito administrativo. 26 ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 375.
18
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
iniciativa, mas sim uma efetiva limitação da autonomia privada, a fim de salvaguardar o
interesse público.4 Percebe-se que a outorga para a prestação de serviços públicos impõe
ao delegatário um “condicionamento intenso por parte do Estado” sobre a sua esfera de
liberdade, uma vez que o seu compromisso maior passa a ser com a realização de
“determinados resultados em prol da coletividade”.5
Aliás, uma das principais facetas desse peculiar regime
jurídico de Direito Público é justamente a disciplina da forma de remuneração dos
prestadores de serviços públicos. Em se tratando de delegatários do serviço de
radiodifusão, a principal fonte de receita não é a cobrança direta de tarifas de seus
usuários, mas sim a comercialização de tempo de programação, motivo pelo qual salta
aos olhos a importância da rígida observância das normas jurídicas sobre o assunto.
Diante desse contexto, o art. 124 da Lei nº 4.117/62 e o art. 28,
§12, “d”, do Decreto nº 52.795/63, dispõem expressamente que o tempo destinado na
programação das estações de radiodifusão à publicidade comercial não poderá exceder de 25%
(vinte e cinco por cento) do total. Sendo tais dispositivos centrais para a fundamentação jurídica
da presente ação, vale transcrevê-los:
Lei nº 4.117/626
“Art. 124. O tempo destinado na programação das estações de
radiodifusão, à publicidade comercial, não poderá exceder de 25% (vinte e
cinco por cento) do total.”
4 ARAÚJO, Bráulio Santos Rabelo de. “A transferência de outorgas de radiodifusão e a comercialização de tempo de programação”. Revista de Direito Administrativo, p. 20. No prelo.5 BITTENCOURT, Marcus Vinicius Corrêa. Controle das concessões de serviço público. Belo Horizonte: Fórum, 2006, p. 77.6 Trata-se do Código Brasileiro de Telecomunicações, que foi parcialmente revogado pela Lei nº 9.742/97. Anote-se que o art. 124 da Lei nº 4.117/62 refere-se à radiodifusão e, portanto, não foi revogado, conforme ressalva do art. 215, I, da Lei nº 9.742/97.
19
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Decreto nº 52.795/63
“Art. 28 - As concessionárias e permissionárias de serviços de
radiodifusão, além de outros que o Governo julgue convenientes aos
interesses nacionais, estão sujeitas aos seguintes preceitos e obrigações:
(…)
12 - na organização da programação: (...)
d) limitar ao máximo de 25% (vinte e cinco por cento) do horário da sua
programação diária o tempo destinado à publicidade comercial;”
A fixação do limite de tempo para a publicidade comercial possui
dupla finalidade: de um lado, impedir que o particular preste o serviço público focando
exclusivamente na busca indiscriminada por lucros; de outro, coarctar o delegatário a cumprir
os princípios que norteiam a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão,7
princípios esses que se encontram delineados no art. 221 da CR/88, senão vejamos:
“Art. 221. A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão
atenderão aos seguintes princípios:
I - preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;
II - promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção
independente que objetive sua divulgação;
III - regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme
percentuais estabelecidos em lei;
IV - respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.”
7 ARAÚJO, Bráulio Santos Rabelo de. Ob. cit., p. 21.
20
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Além dessa previsão constitucional, os objetivos da prestação do
serviço de radiodifusão também constam expressamente da Lei nº 4.117/62:
“Art. 38. Nas concessões, permissões ou autorizações para explorar
serviços de radiodifusão, serão observados, além de outros requisitos, os
seguintes preceitos e cláusulas: (…)
d) os serviços de informação, divertimento, propaganda e publicidade das
emprêsas de radiodifusão estão subordinadas (sic) às finalidades
educativas e culturais inerentes à radiodifusão, visando aos superiores
interesses do País;”
De igual modo, o Decreto nº 52.795/63 explicita as finalidades
dos serviços de radiodifusão:
“Art. 3º. Os serviços de radiodifusão tem finalidade educativa e cultural,
mesmo em seus aspectos informativo e recreativo, e são considerados de
interêsse nacional, sendo permitida, apenas, a exploração comercial dos
mesmos, na medida em que não prejudique êsse interêsse e aquela
finalidade.” (grifos nossos)
Sendo assim, tendo em vista que a prestação dos serviços de
radiodifusão deve objetivar a concretização do interesse público, mediante a promoção de
atividades informativas, educativas, artísticas, culturais etc., permitir que o concessionário
utilize a sua outorga com intuito estritamente lucrativo representa inequívoco desvio de
finalidade.
No mais, é oportuno ressaltar que, antes da edição do Decreto
nº 1.720/95, o Regulamento dos Serviços de Radiodifusão não estabelecia expressamente que a
delegação desses serviços pressupunha a realização de procedimento licitatório e o pagamento
21
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
pela outorga,8 o que, fatalmente, acarreta o aumento exponencial (e desproporcional) da
lucratividade dos contratos de arrendamento celebrados por emissoras cuja outorga antecede
1995. Ora, nesse contexto, os valores auferidos pelas referidas emissoras caracterizam,
indubitavelmente, enriquecimento sem causa,9 o que é proscrito pelo art. 884, caput, do Código
Civil (CC/02), e enseja, inclusive, a pretensão de repetição do indébito, senão vejamos:
“Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem,
será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização
dos valores monetários.”
Considerando que o contrato em anexo prevê a veiculação de
publicidade comercial durante 22 (vinte e duas) horas diárias – i.e., durante 91,66% (noventa e
um inteiros e sessenta e seis décimos por cento) do tempo total da programação –, conclui-se
que o Grupo CNT e a IURD, por intermédio dos respectivos representantes legais, violaram, a
um só tempo, normas constitucionais (arts. 175 e 221) e infraconstitucionais (arts. 38, “d”, e
124, Lei nº 4.117/62; arts. 3º e 28, §12, “d”, Decreto nº 52.795/63), bem como deram ensejo a
evidente enriquecimento sem causa em prol do Grupo CNT (art. 884, caput, CC/02).
IV-B) DA INTERPRETAÇÃO DO TERMO “PUBLICIDADE COMERCIAL”:
Na literalidade do art. 124, Lei nº 4.117/62, e do art. 28, §12, “d”,
Decreto nº 52.795/63, o limite de 25% atinge a veiculação de publicidade comercial. Ocorre
que esses diplomas normativos não trazem a definição de “publicidade comercial”, razão pela
qual coube à doutrina especializada a incumbência de delinear objetivamente o aludido
conceito.
8 Nesse sentido, vide a antiga redação do art. 3º do Decreto nº 52.795/63: “Art. 3º Constitui ato de livre escolhida (sic) do Presidente da República a outorga de concessão, e do Ministro de Estado das Comunicações a outorga de permissão, para exploração de serviço de radiodifusão” (redação dada pelo Decreto nº 91.837/85). Grifou-se.9 ARAÚJO, Bráulio Santos Rabelo de. Ob. cit., p. 8.
22
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Nessa toada, Bráulio Santos Rabelo de Araújo esclarece que “o
termo publicidade comercial refere-se ao caráter comercial que a operação tem para o
concessionário ou permissionário de radiodifusão e não ao caráter comercial ou não do
conteúdo ou da instituição que contrata determinado tempo de programação” (grifos nossos).
Logo, o termo designa “toda e qualquer operação de comercialização de tempo de programação
realizada por todo e qualquer concessionário e permissionário de radiodifusão,
independentemente do caráter comercial ou não do contratante e da caracterização ou não do
conteúdo como publicidade comercial strictu sensu”. O doutrinador prossegue trazendo
exemplos pragmáticos que demonstram a exatidão de sua tese, uma vez que a emissora de rádio
ou televisão pode:
“(i) comercializar tempo de programação com uma instituição comercial –
como, por exemplo, um banco, uma empresa de cosméticos, uma rede
varejistas de eletrodomésticos – que pague pela veiculação de conteúdo de
caráter comercial, caracterizado como publicidade comercial strictu sensu –
como uma propaganda em intervalo comercial, um merchandising que se
realize dentro da própria programação ou um programa todo voltado à
publicidade de uma instituição, como, v.g., programas de meia hora ou uma
hora vendidos para redes de farmácias ou academias promoverem suas
atividades; ou
(ii) comercializar tempo de programação com uma instituição não comercial –
como, por exemplo, a União, os Estados e os Municípios, organizações
religiosas, associações, partidos políticos, sindicatos e universidades públicas
ou privadas sem fins lucrativos – que pague pela veiculação de conteúdo de
caráter não comercial, não caracterizado como publicidade comercial strictu
sensu – v.g. (a) propaganda institucional de ações governamentais, (b)
comunicações de caráter informativo a respeito, por exemplo, de campanhas de
vacinação, cuidados com saúde ou obrigações com a justiça eleitoral, (c)
mensagens de interesse de sindicatos, como a promoção de atividades sindicais
(v.g. festa do dia do trabalho), comunicações a respeito de uma greve ou
manifestações favoráveis ou contrárias a determinada medida governamental,
23
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
(d) mensagens promovendo a imagem institucional de universidades públicas,
universidade privadas sem fins lucrativos ou associações sem fins lucrativos
como, v.g., a AACD, e (d) a transmissão de programas religiosos, tão
difundidos na atualidade.”10
Independentemente da natureza da instituição que figure nos
contratos de arrendamento, a comercialização do tempo de programação sempre estará
abarcada pelo conceito de “publicidade comercial”, já que resultará, invariavelmente, na
percepção de receita pelo concessionário ou permissionário de radiodifusão. Do mesmo modo,
é absolutamente irrelevante a espécie de programação que será veiculada pelo arrendatário, haja
vista que a Lei nº 4.117/62 e o Decreto nº 52.795/63 disciplinam a atividade do delegatário e,
na óptica deste, os contratos de arrendamento representam inequívoca publicidade comercial.
Em outros termos: a limitação trazida pela Lei nº 4.117/62 e pelo
Decreto nº 52.795/63 abrange toda e qualquer comercialização de tempo de programação
perpetrada pelo prestador do serviço de radiodifusão, uma vez que, na perspectiva do
concessionário, não há qualquer distinção relevante entre celebrar contratos com
instituições comerciais (e.g., concessionárias de veículos) ou com instituições sem fins
lucrativos (e.g., organizações religiosas). De um lado, inexiste diferença de ordem econômica,
pois, em ambos os casos, o concessionário estará alienando a mesma mercadoria (tempo de
programação) e, em contrapartida, percebendo o pagamento equivalente; de outro, tampouco se
verifica qualquer distinção jurídica, visto que o conteúdo da programação não influencia a
qualificação jurídica da operação.
Aliás, interpretação diversa esvaziaria por completo o conteúdo
das normas em questão, pois acabaria permitindo que o delegatário comercializasse a
integralidade do tempo que lhe foi concedido, sob a alegação de que a instituição contratada
não possuiria finalidade comercial e, por conseguinte, não seria apta a veicular “publicidade
10 Ob. cit., p. 23-25.
24
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
comercial stricto sensu”.11
Assim sendo, é descabida qualquer alegação de que os programas
produzidos e veiculados pela IURD nos canais outorgados ao Grupo CNT não se enquadrariam
no conceito de publicidade comercial (art. 124, Lei nº 4.117/62; art. 28, §12, “d”, Decreto nº
52.795/63), porquanto, conforme demonstrado acima, o conteúdo da programação e a natureza
do arrendatário não possuem o condão de alterar a qualificação jurídica da operação de
arrendamento.
IV-C) DO CARÁTER EXTRA COMMERCIUM DO SERVIÇO DE RADIODIFUSÃO:
Não restam dúvidas de que a Constituição da República de 1988
qualifica a radiodifusão como serviço público (art. 223, caput), atribuindo à União a
competência material para prestá-lo direta ou indiretamente (art. 21, XII, “a”).12
Ademais, é assente o entendimento doutrinário e pretoriano
no sentido de que concessões, permissões e autorizações para a prestação de serviço
público constituem modalidades de descentralização por delegação. Assim sendo, a
titularidade do serviço permanece sob a égide do Estado e somente a sua execução é
transferida ao particular. Nesse sentido, traslada-se o ensinamento de Celso Antônio
Bandeira de Mello:
“Em rigor, por ser público e privativo do Estado, o serviço é res extra
commercium, inegociável, inamovivelmente sediado na esfera
pública, razão por que não há transferência de titularidade do
serviço para o particular.
11 ARAÚJO, Bráulio Santos Rabelo de. Ob. cit., p. 25.12 Nesse sentido, vide, a título meramente exemplificativo: MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Ob. cit., p. 702; e COMPARATO, Fábio Konder. Parecer sobre ato, formal ou informal, de cessão ou arrendamento a terceiros de serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens, efetuado por um concessionário. Outubro de 2009, p. 1. Disponível em: <http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed673_omissao_do_congresso_desprezo_dos_concessionarios>. Acesso em: 29.10.2014.
25
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Só as pessoas de natureza pública podem ser titulares, ter como próprias
as atividades públicas. Um particular jamais poderá reter (seja pelo
tempo que for) em suas mãos, como senhor, um serviço público. Por
isso, o que se transfere para o concessionário - diversamente do que
ocorre no caso das autarquias - é tão e simplesmente o exercício da
atividade pública. (…)
O Poder Público, em razão de suas funções, tem sempre disponibilidade sobre
o serviço público e sobre a utilização de um bem público; inversamente, o
particular jamais pode tê-la, pois está envolvido na questão um bem extra
commercium. O contrato jamais seria via idônea para propiciar a
um administrado senhoria, conquanto parcial, sobre um interesse público.
(...)
Não seria possível que o interesse público ficasse vergado ao interesse
particular.” 13
Ora, radiodifusão é serviço público e, portanto, res extra
commercium, o que inviabiliza a sua apropriação particular e, por conseguinte, impede a
comercialização da posição de delegatário. Nesse exato sentido, leciona Fábio Konder
Comparato:
“Não há nem pode haver alienação de funções públicas a particulares. (...)
O direito de prestar serviço público em virtude de concessão administrativa não
é um bem patrimonial suscetível de negociação pelo concessionário no
mercado. Não se trata de um bem in commercio. O concessionário de serviço
público não pode, de forma alguma, arrendar ou alienar a terceiro sua
posição de delegatário do Poder Público.”14 (grifo nosso)
13 Ob. cit., p. 727 e 635.14 Ob. cit., p. 3-4.
26
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
No caso em tela, é evidente que o Grupo CNT alienou a sua
posição de delegatária à Igreja Universal do Reino de Deus, haja vista ter comercializado 22
(vinte e duas) horas de sua programação diária em prol da entidade religiosa, conforme contrato
em anexo. Tal prática, além de desconsiderar o caráter extra commercium do serviço de
radiodifusão, afronta também a exigência constitucional de prévio procedimento licitatório para
a concessão de serviços públicos (arts. 37, XXI, e 175, caput), a natureza intuitu personae
dessa delegação,15 os princípios constitucionais da legalidade, da impessoalidade e da eficiência
administrativa (art. 37, caput), bem como importa em desvio de finalidade da concessão de
radiodifusão,16 acarretando, ainda, o enriquecimento sem causa do Grupo CNT e de seus
representantes legais (art. 884, caput, CC/02).
IV-D) DA NULIDADE DO CONTRATO POR ILICITUDE DO OBJETO:
Como se não bastassem as irregularidades demonstradas nos
subitens acima, as negociações entabuladas entre o Grupo CNT e a Igreja Universal do Reino
de Deus padecem, ainda, de nulidade por ilicitude do objeto (art. 166, II, CC/02).
Independentemente de a parcela da programação comercializada
ser superior ou inferior a 25%, o delegatário jamais poderá, sem a anuência do poder
concedente, transferir ao contratante a execução em si do serviço de radiodifusão. Na realidade,
o que a Lei nº 4.117/62 e o Decreto nº 52.795/63 permitem é que a emissora comprometa-se a
veicular a programação indicada pelo terceiro, o que não se confunde com a cessão (total ou
parcial) do direito de uso e gozo sobre o bem público concedido ao delegatário (o canal no
espectro de radiofrequências). Em suma: a transmissão da programação sempre deverá ficar a
cargo do concessionário, sob pena de nulidade do contrato por flagrante violação à
15 Reconhecendo a natureza personalíssima do contrato de concessão de serviço público, vide, por todos: CARVALHO FILHO, José dos Santos. Ob. cit., p. 180; DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 276; JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 14 ed. São Paulo: Dialética, 2010, p. 838; MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 39 ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 460-461. 16 ARAÚJO, Bráulio Santos Rabelo de. Ob. cit., p. 26.
27
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
inegociabilidade do serviço de radiodifusão (res extra commercium) e à natureza
personalíssima de sua delegação.17
Ao emitir parecer sobre o tema, Fábio Konder Comparato adota
idêntica fundamentação (caráter extra commercium do serviço público de radiodifusão e
natureza intuitu personae da concessão) e conclui:
“O concessionário de serviço público não pode, de forma alguma,
arrendar ou alienar a terceiro sua posição de delegatário do Poder
Público”, de modo que “tenho por nulos e de nenhum efeito os atos de
arrendamento de concessão de serviços públicos de radiodifusão sonora e
de sons e imagens, bem como toda e qualquer transferência, expressa ou
oculta, formal ou informal, do status de concessionário desses serviços
públicos.”18 (grifos nossos)
No presente caso, é inegável que o contrato de arrendamento
transfere à Igreja Universal do Reino de Deus os poderes de uso e gozo sobre o espectro de
radiofrequência outorgado ao Grupo CNT, uma vez que competirá à entidade religiosa a
efetiva execução do serviço público. Aliás, tal como se infere da Cláusula 11.1.1, em regra, a
divulgação dos programas televisivos não conterá nem mesmo a marca, a imagem ou o
logotipo do Grupo CNT.
De igual modo, nos termos da Cláusula 1.2, a própria IURD
será responsável por produzir e exibir os programas televisivos, limitando-se a utilizar a
estrutura e o know-how do Grupo CNT. Igualmente, infere-se das Cláusulas 2.1.1 e 6.1
que compete à IURD tanto a produção quanto a transmissão dos programas.
Nos termos da Cláusula 4.1, “a comercialização de espaços
publicitários, ações de merchandising e testemunhais somente poderão ser realizados desde que
17 Nesse sentido: ARAÚJO, Bráulio Santos Rabelo de. Ob. cit., p. 27.18 Ob. cit., p. 4-5.
28
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
assim for (sic) prévia e expressamente acordado pelas Partes” (grifos nossos). Pois bem. No
ponto, o arrendamento da outorga torna-se ainda mais patente, visto que o instrumento
contratual prevê expressamente que a concessionária do serviço público (Grupo CNT)
dependerá de anuência da contratante (rectius: arrendatária, cessionária) para poder
comercializar espaços publicitários no canal de radiofrequência que lhe foi concedido.
A impossibilidade de o concessionário de radiodifusão transferir a
outorga a terceiro advém da natureza pública e personalíssima de tal serviço, cuja execução
pela iniciativa privada só pode ocorrer após procedimento licitatório que garanta igualdade na
concorrência, consoante preceituam o art. 34 da Lei nº 4.117/62 e o art. 10 do Decreto nº
52.795/63.
Lei nº 4.117/62:
“Art. 34. As novas concessões ou autorizações para o serviço de
radiodifusão serão precedidas de edital, publicado com 60 (sessenta)
dias de antecedência pelo Conselho Nacional de Telecomunicações,
convidando os interessados a apresentar suas propostas
acompanhadas de: (…)” (grifos nossos)
Decreto nº 52.795/63:
“Art. 10. A outorga para execução dos serviços de radiodifusão será
precedida de procedimento licitatório, observadas as disposições
legais e regulamentares.
§ 1º O processo de outorga, nos termos do edital, destina-se a garantir
tratamento isonômico aos participantes e observará os princípios da legalidade,
da moralidade, da impessoalidade e da publicidade.” (grifos nossos)
29
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
No caso em tela, a outorga do serviço de radiodifusão foi
conferida às pessoas jurídicas do Grupo CNT, as quais promoveram a sua transferência à Igreja
Universal do Reino de Deus, sem a observância de qualquer certame licitatório que garantisse
igualdade de acesso a outros interessados, o que afronta o teor dos preceptivos legais transcritos
acima. Tal prática viola o dever de licitar o serviço público, pois a concessão da radiodifusão
acabou sendo atribuída a entidade que não participou da concorrência pública.
Aliás, ainda que se admitisse a transferência da outorga sem
prévio procedimento licitatório – o que se faz apenas a título de argumentação –, a transferência
realizada pelo Grupo CNT também seria ilegal, uma vez que ocorreu sem a anuência do poder
concedente, o que transgride o art. 38, “c”, da Lei nº 4.117/62, e desconsidera o rito
estabelecido pelos arts. 90 e 94 do Decreto nº 52.795/63, caracterizando, assim, as infrações
tipificadas no art. 122, itens 16 e 34, do Regulamento dos Serviços de Radiodifusão:
Lei nº 4.117/62:
“Art. 38. Nas concessões, permissões ou autorizações para explorar serviços de
radiodifusão, serão observados, além de outros requisitos, os seguintes
preceitos e cláusulas: (...)
c) a alteração dos objetivos sociais, a modificação do quadro diretivo, a
alteração do controle societário das empresas e a transferência da concessão,
da permissão ou da autorização dependem, para sua validade, de prévia
anuência do órgão competente do Poder Executivo;” (grifos nossos)
Decreto nº 52.795/63:
“Art. 90. Nenhuma transferência, direta ou indireta de concessão ou
permissão, poderá se efetivar sem prévia autorização do Govêrno Federal,
sendo nula, de pleno direito, qualquer transferência efetivada sem
observância dêsse requisito.” (grifos nossos)
30
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
“Art. 94. O requerimento de transferência direta de concessão e permissão será
apresentado ao Ministério das Comunicações.
§ 1o O pedido de que trata o caput será formulado em conjunto pela entidade
detentora da concessão ou permissão e por aquela para a qual a outorga será
transferida, e será instruído com os formulários e documentos estabelecidos em
ato do Ministro de Estado das Comunicações. (...)
§ 4o Compete ao Presidente da República a decisão sobre os pedidos de
transferência direta de concessão de serviços de radiodifusão de sons e
imagens, que serão previamente instruídos pelo Ministério das
Comunicações.” (grifos nossos)
“Art. 122. Para os efeitos deste Regulamento são consideradas infrações na
execução dos serviços de radiodifusão os seguintes atos praticados pelas
concessionárias ou permissionárias: (…)
16. Efetuar a transferência direta ou indireta da concessão ou permissão,
sem prévia autorização do Govêrno Federal; (...)
34. Executar os serviços de radiodifusão em desacordo com os termos
da licença ou não atender às normas e condições estabelecidas para essa
execução;” (grifos nossos)
Acrescente-se, ainda, que o contrato celebrado entre o Grupo
CNT e a Igreja Universal do Reino de Deus retrata verdadeira subconcessão do serviço de
radiodifusão, o que não é admitido pelo ordenamento jurídico pátrio.
É verdade que o art. 26 da Lei nº 8.987/95 permite a
subconcessão dos serviços públicos em geral. Ocorre que esse diploma normativo não se
aplica à delegação do serviço de radiodifusão, por ressalva expressa do seu art. 41.19 A
19 Lei nº 8.987/95: “Art. 41. O disposto nesta Lei não se aplica à concessão, permissão e autorização para o
31
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Lei nº 4.117/62 (Código Brasileiro de Telecomunicações), por sua vez, não autoriza a
subconcessão. Por conta da incidência do princípio da legalidade, o Poder Público (ou quem
lhe faça as vezes) somente pode adotar comportamentos que a lei, expressa e antecipadamente,
autorize, de modo que a omissão da Lei nº 4.117/62 há de ser interpretada como inequívoca
vedação à subconcessão dos serviços de radiodifusão.
À luz do princípio da eventualidade, ainda que se admitisse a
incidência do art. 26 da Lei nº 8.987/95 à radiodifusão, não restam dúvidas de que o Grupo
CNT não observou os requisitos legais da subconcessão, a saber: a) previsão contratual; b)
prévia autorização do poder concedente; e c) realização de licitação na modalidade
concorrência.20 Ora, a fixação desses requisitos possui o nítido intuito de concretizar a
supremacia do interesse público, evitando, assim, favorecimentos indevidos, que violariam,
entre outros, os princípios da moralidade, da impessoalidade e da igualdade. Ao discorrer sobre
o assunto, Celso Antônio Bandeira de Mello ensina:
“Uma vez que a subconcessão deve ser precedida de concorrência, deve-se
concluir que a escolha do subconcessionário não é ato pertinente ao
concessionário, pois concorrência é procedimento de Direito Público, só
efetuável por entidades governamentais. Assim, tudo que o concessionário
poderá fazer, na matéria, é postular do concedente seu inequívoco direito à
exoneração de responsabilidade em relação à parte do serviço suscetível de ser
subconcedida, na conformidade da autorização do concedente” (grifos
nossos).21
No presente caso, o Grupo CNT não apenas escolheu,
arbitrariamente, o subconcessionário sem a observância de qualquer certame licitatório como
também não obteve prévia aquiescência do poder concedente, o que demonstra o completo
descaso dos réus para com as normas jurídicas incidentes na espécie.
serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens.”20 “Art. 26. É admitida a subconcessão, nos termos previstos no contrato de concessão, desde que expressamente autorizada pelo poder concedente. § 1o A outorga de subconcessão será sempre precedida de concorrência.”21 Ob. cit., p. 740. No mesmo sentido: CARVALHO FILHO, José dos Santos. Ob. cit., p. 395.
32
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Diante do exposto, é inquestionável a ilicitude do objeto
contratado, o que, nos termos do art. 166, II, do CC/02, inquina de nulidade o contrato em
anexo, seja em decorrência da transferência da execução do serviço sem procedimento
licitatório tampouco anuência do poder concedente, seja em decorrência de a situação
caracterizar verdadeira subconcessão simulada do serviço de radiodifusão.
IV-E) DAS SANÇÕES APLICÁVEIS:
No âmbito administrativo, a Lei nº 4.117/62 elenca como sanção
máxima a cassação da outorga do serviço de radiodifusão, penalidade a ser aplicada pelo
Presidente da República a partir de representação formulada pelo Ministério das
Comunicações.22 Ocorre que, no caso em tela, o Ente Político restou inerte, motivo pelo qual é
necessário que o Poder Judiciário promova a invalidação das outorgas conferidas a todas as
pessoas jurídicas que integram o Grupo CNT (Central Nacional de Produções Ltda., CTV
Comunicações e Produções Ltda., CNT Rio Ltda., CNT Bahia Produções Ltda., Rádio e
Televisão OM Ltda., TV Carioba Comunicações Ltda., TV Corcovado S/A e Televisão Carimã
Ltda.).
Impositiva também é a decretação judicial de inidoneidade das
pessoas jurídicas que compõem o Grupo CNT e dos respectivos representantes legais (Flávio
de Castro Martinez, Oscar Martinez Neto, Rodrigo Martinez, Beatriz Carolina de Magalhães
Martinez e Mônica Martinez Bertagnoli), bem como da Igreja Universal do Reino de Deus e de
seu representante legal (Maurício Cesar Campos Silva), na forma do artigo 87, incisos III e IV,
da Lei nº 8.666/93, medida essa que se faz imprescindível haja vista o teor dos arts. 33, § 3º, e
34, “a”, ambos da Lei nº 4.117/62:
“Art. 33. Os serviços de telecomunicações, não executados diretamente pela
União, poderão ser explorados por concessão, autorização ou permissão,
22 “Art. 60. A aplicação das penas desta Lei compete: (…) b) ao Presidente da República: cassação, mediante representação do CONTEL (rectius: Ministério das Comunicações) em parecer fundamentado.”
33
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
observadas as disposições da presente lei. (...)
§ 3º Os prazos de concessão e autorização serão de 10 (dez) anos para o serviço
de radiodifusão sonora e de 15 (quinze) anos para o de televisão, podendo ser
renovados por períodos sucessivos e iguais se os concessionários houverem
cumprido todas as obrigações legais e contratuais, mantido a mesma
idoneidade técnica, financeira e moral, e atendido o interesse público (art. 29,
X).” (grifos nossos)
“Art. 34. As novas concessões ou autorizações para o serviço de radiodifusão
serão precedidas de edital, publicado com 60 (sessenta) dias de antecedência
pelo Conselho Nacional de Telecomunicações, convidando os interessados a
apresentar suas propostas em prazo determinado, acompanhadas de:
a) prova de idoneidade moral;” (grifos nossos)
Consoante os dispositivos acima, a consequência lógico-
normativa da declaração de inidoneidade é a condenação da União (Presidência da República e
Ministério das Comunicações) a não admitir a participação em licitações tampouco a concessão
de novas outorgas de radiodifusão a pessoas jurídicas de que participem os demais réus da
presente ação.
Ademais, deve-se responsabilizar o Grupo CNT, a IURD e os
seus representantes legais pelos prejuízos que causaram à União, pois, de acordo com as
prescrições do art. 927, caput, do CC/02, “aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica
obrigado a repará-lo”. Desse modo, é imperiosa a condenação das pessoas jurídicas que
integram o Grupo CNT e de seus respectivos representantes legais, bem como da IURD e de
seu representante legal, a indenizarem solidariamente a União pelos lucros obtidos pelo
concessionário com a transferência ilegal da outorga de radiodifusão, sendo cabível, inclusive, a
decretação liminar da indisponibilidade de seus bens, consoante dicção do art. 273 do Código
34
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
de Processo Civil.
V – DA COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL DIFUSO
Conforme minudentemente exposto, o Grupo CNT e a IURD, por
intermédio dos respectivos representantes legais, vêm atuando à margem da lei, explorando
serviço público da União de forma totalmente desbordante do ato autorizativo e, com isso,
obtendo vultoso retorno financeiro. Tal postura de desrespeito à lei, violando preceitos
normativos balizadores da exploração de serviço público, gera dano extrapatrimonial, passível
de ser compensado no bojo desta relação jurídica processual.
A presente postulação tem amparo constitucional, uma vez que a
indenização pelo dano moral coletivo extrai o seu fundamento de validade do art. 5º, X, da
CR/88, que não está adstrito ao pretium doloris, abrangendo perfeitamente qualquer ofensa ao
nome, à imagem, à honra etc. O referido dispositivo constitucional possui amplo espectro de
incidência, pois consagra uma garantia fundamental que tutela, concomitantemente, pessoas
naturais, pessoas jurídicas (Súmula nº 227, STJ; art. 52, CC/02) e a própria coletividade.
O dano moral coletivo configura-se com a ofensa a bem jurídico
não patrimonial da sociedade, i.e., verifica-se quando a lesão a direitos extrapatrimoniais
exorbita o limite subjetivo e passa a atingir a própria esfera transindividual (moralidade difusa).
Nessa perspectiva, é desnecessária a vinculação do dano às noções de dor e de sofrimento
psíquico individual, até porque essas noções são incompatíveis com a própria
metaindividualidade dos interesses em questão.
Nesse exato sentido, são as lições de Hugo Nigro Mazzilli:
“Não se justifica o argumento de que não pode existir dano moral coletivo uma
vez que o dano moral estaria vinculado à noção de dor ou sofrimento psíquico
individual. De um lado, os danos transindividuais nada mais são do que um
35
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
feixe de lesões individuais; de outro, mesmo que se recusasse o caráter de soma
de lesões individuais para o dano moral coletivo, seria necessário lembrar que
hoje também se admite a função punitiva na responsabilidade civil, o que
confere caráter extrapatrimonial ao dano moral coletivo.”23
A função pedagógica e preventiva da responsabilidade civil deve
incidir em situações como a presente, consideradas de extrema importância dentro da
sociedade, uma vez que diversos interesses transindividuais restaram gravemente lesados.
Vale destacar, ainda, o ensinamento do Procurador Regional da
República André de Carvalho Ramos, que, em análise ao dano moral coletivo, disserta:
“Assim, é preciso sempre enfatizar o imenso dano moral coletivo causado
pelas agressões aos interesses transindividuais. Afeta-se a boa-imagem da
proteção legal a estes direitos e afeta-se a tranqüilidade do cidadão, que se vê
em verdadeira selva, onde a lei do mais forte impera.”24
Prossegue o nobre e respeitado jurista, membro do Ministério
Público Federal:
“Tal intranqüilidade e sentimento de desapreço gerado pelos danos coletivos,
justamente por serem indivisíveis, acarretam lesão moral que também deve ser
reparada coletivamente. Ou será que alguém duvida que o cidadão brasileiro, a
cada notícia de lesão a seus direitos não se vê desprestigiado e ofendido no seu
sentimento de pertencer a uma comunidade séria, onde as leis são cumpridas?
A expressão popular ‘o Brasil é assim mesmo’ deveria sensibilizar todos os
operadores do Direito sobre a urgência na reparação do dano moral coletivo.”25
23 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 25 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 151.24 “A ação civil pública e o dano moral coletivo”. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, n. 25, p. 83.25 Ob. cit., p. 83.
36
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Nessa linha, o art. 6º, VI, da Lei nº 8.078/90 – aplicável ao
presente caso em virtude do princípio da integratividade (art. 21, Lei nº 7.347/85; art. 90, Lei nº
8.078/90) –, dispõe expressamente que o ordenamento jurídico deverá promover a “efetiva
prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos”
(grifos nossos).
A fim de conferir coerência ao microssistema processual coletivo,
a Lei nº 8.884/94 alterou a redação do art. 1º, caput, da Lei nº 7.347/85, de modo que este
último passou a prever expressamente que a ação civil pública instrumentaliza tanto a
responsabilidade por danos patrimoniais quanto a responsabilidade por danos morais, senão
vejamos:
“Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular,
as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: (...)
IV - a qualquer outro interesse difuso ou coletivo; (...)
VIII - ao patrimônio público e social.” (grifos nossos)
Nessa linha de intelecção, inúmeros precedentes do Superior
Tribunal de Justiça encamparam o entendimento doutrinário sobre o assunto e passaram a
admitir a compensação dos danos extrapatrimoniais difusos e coletivos. É oportuna a
transcrição de trechos das respectivas ementas:
“(...) DANO MORAL COLETIVO - DESNECESSIDADE DE
COMPROVAÇÃO DA DOR E DE SOFRIMENTO - APLICAÇÃO
EXCLUSIVA AO DANO MORAL INDIVIDUAL (…).
1. O dano moral coletivo, assim entendido o que é transindividual e atinge uma
classe específica ou não de pessoas, é passível de comprovação pela presença
de prejuízo à imagem e à moral coletiva dos indivíduos enquanto síntese das
individualidades percebidas como segmento, derivado de uma mesma relação
37
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
jurídica-base.
2. O dano extrapatrimonial coletivo prescinde da comprovação de dor, de
sofrimento e de abalo psicológico, suscetíveis de apreciação na esfera do
indivíduo, mas inaplicável aos interesses difusos e coletivos.” (STJ, 2ª
Turma, REsp 1.057.274/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe 26/02/2010) –
Grifos nossos.
“ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
REBELIÃO EM CENTRO DE ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO.
EXISTÊNCIA DE INTERESSES DIFUSOS OU COLETIVOS
RELATIVOS A ADOLESCENTES. MINISTÉRIO PÚBLICO.
LEGITIMIDADE. INTELIGÊNCIA DO ART. 201 DO ECA.
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. EXISTÊNCIA DE DANOS
MORAIS DIFUSOS. (...)
1. O Tribunal de origem, a partir dos elementos de convicção dos autos,
condenou a recorrente ao pagamento de indenização por danos morais
difusos ao Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, por
tratamento desumano e vexatório aos internos durante rebeliões havidas
na unidade. Insuscetível de revisão o referido entendimento, por demandar
reexame do conjunto fático-probatório dos autos, providência vedada pela
Súmula 7/STJ. (…) Agravo regimental improvido.” (STJ, 2ª Turma, AgRg no
REsp 1.368.769/SP, Rel. Min. Humberto Martins, DJe 14/08/2013) – Grifos
nossos.
“AMBIENTAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO
CIVIL PÚBLICA. PROTEÇÃO E PRESERVAÇÃO DO MEIO
AMBIENTE. (...) DANOS MORAIS COLETIVOS. CABIMENTO. (...)
3. O dano ao meio ambiente, por ser bem público, gera repercussão geral,
impondo conscientização coletiva à sua reparação, a fim de resguardar o direito
38
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
das futuras gerações a um meio ambiente ecologicamente equilibrado.
4. O dano moral coletivo ambiental atinge direitos de personalidade
do grupo massificado, sendo desnecessária a demonstração de que a
coletividade sinta a dor, a repulsa, a indignação, tal qual fosse um
indivíduo isolado. (...)” (STJ, 2ª Turma, REsp 1.269.494/MG, Rel. Min.
Eliana Calmon, DJe 01/10/2013) – Grifos nossos.
“(...) AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. CONDENAÇÃO A
DANO EXTRAPATRIMONIAL OU DANO MORAL COLETIVO.
POSSIBILIDADE. (...)
2. A Segunda Turma recentemente pronunciou-se no sentido de que, ainda que
de forma reflexa, a degradação ao meio ambiente dá ensejo ao dano moral
coletivo.
3. Haveria contra sensu jurídico na admissão de ressarcimento por lesão a
dano moral individual sem que se pudesse dar à coletividade o mesmo
tratamento, afinal, se a honra de cada um dos indivíduos deste mesmo
grupo é afetada, os danos são passíveis de indenização. (...)” (STJ, 2ª
Turma, REsp 1.367.923/RJ, Rel. Min. Humberto Martins, DJe 06/09/2013) –
Grifos nossos.
“RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - EMPRESA DE
TELEFONIA - PLANO DE ADESÃO - LIG MIX - OMISSÃO DE
INFORMAÇÕES RELEVANTES AOS CONSUMIDORES - DANO
MORAL COLETIVO - RECONHECIMENTO - ARTIGO 6º, VI, DO
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR (...).
1.- A indenização por danos morais aos consumidores, tanto de ordem
individual quanto coletiva e difusa, tem seu fundamento no artigo 6º, inciso VI,
do Código de Defesa do Consumidor.
39
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
2.- Já realmente firmado que, não é qualquer atentado aos interesses dos
consumidores que pode acarretar dano moral difuso. É preciso que o fato
transgressor seja de razoável significância e desborde os limites da
tolerabilidade. Ele deve ser grave o suficiente para produzir verdadeiros
sofrimentos, intranquilidade social e alterações relevantes na ordem
extrapatrimonial coletiva. Ocorrência, na espécie. (REsp 1221756/RJ, Rel.
Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em
02/02/2012, DJe 10/02/2012).
3.- No presente caso, contudo restou exaustivamente comprovado nos autos
que a condenação à composição dos danos morais teve relevância social,
de modo que, o julgamento repara a lesão causada pela conduta abusiva da ora
Recorrente, ao oferecer plano de telefonia sem, entretanto, alertar os
consumidores acerca das limitações ao uso na referida adesão. O Tribunal de
origem bem delineou o abalo à integridade psico-física da coletividade na
medida em que foram lesados valores fundamentais compartilhados pela
sociedade.
4.- Configurada ofensa à dignidade dos consumidores e aos interesses
econômicos diante da inexistência de informação acerca do plano com redução
de custo da assinatura básica, ao lado da condenação por danos materiais de
rigor moral ou levados a condenação à indenização por danos morais coletivos
e difusos.” (STJ, 3ª Turma, REsp 1.291.213/SC, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe
25/09/2012) – Grifos nossos.
“(...) COMPETÊNCIA PARA O PROCESSAMENTO E JULGAMENTO
DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO
FEDERAL OBJETIVANDO INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS
COLETIVOS EM DECORRÊNCIA DE FRAUDES EM LICITAÇÕES
PARA A AQUISIÇÃO DE MEDICAMENTOS PELO ESTADO
MEDIANTE A UTILIZAÇÃO DE RECURSOS FEDERAIS. (…)
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. (...)
40
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
2. À luz dos artigos 127 e 129, III, da CF/88, o Ministério Público Federal
tem legitimidade para o ajuizamento de ação civil pública objetivando
indenização por danos morais coletivos em decorrência de emissões de
declarações falsas de exclusividade de distribuição de medicamentos
usadas para burlar procedimentos licitatórios de compra de medicamentos
pelo Estado da Paraíba mediante a utilização de recursos federais.” (STJ, 1ª
Turma, AgRg no REsp 1.003.126, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe
10/05/2011) – Grifos nossos.
No caso em tela, não restam dúvidas de que as condutas do
Grupo CNT e da IURD violaram, de forma de grave e intolerável, direitos
extrapatrimoniais da coletividade, ensejando significativa intranquilidade social e
relevante abalo na moralidade difusa, razão pela qual é imperioso condenar os réus à
compensação dos danos morais metaindividuais verificados na espécie, haja vista o teor
do art. 5º, X, CR/88, do art. 1º, caput, Lei nº 7.347/85, do art. 6º, VI, Lei nº 8.078/90, e
do art. 927, caput, Lei nº 10.406/02.
VI – DAS SANÇÕES DA LEI Nº 12.846/13
Consoante restou exaustivamente comprovado na presente
exordial, os réus atentaram contra o patrimônio público nacional e desconsideraram
incontáveis normas jurídicas sobre a prestação do serviço de radiodifusão. Diante da
flagrante violação ao interesse público, o Grupo CNT e a Igreja Universal do Reino de
Deus hão de sujeitar-se às sanções trazidas pelo diploma normativo em epígrafe.
A Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, dispõe sobre a
responsabilização objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos
contra a Administração Pública (art. 1º, caput), estipulando que:
41
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
“Art. 5º. Constituem atos lesivos à administração pública, nacional ou
estrangeira, para os fins desta Lei, todos aqueles praticados pelas pessoas
jurídicas mencionadas no parágrafo único do art. 1º, que atentem contra o
patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da
administração pública ou contra os compromissos internacionais assumidos
pelo Brasil, assim definidos: (...)
IV - no tocante a licitações e contratos: (...)
d) fraudar licitação pública ou contrato dela decorrente; (...)
f) obter vantagem ou benefício indevido, de modo fraudulento, de
modificações ou prorrogações de contratos celebrados com a administração
pública, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação pública
ou nos respectivos instrumentos contratuais;” (grifos nossos)
“Art. 6º Na esfera administrativa, serão aplicadas às pessoas jurídicas
consideradas responsáveis pelos atos lesivos previstos nesta Lei as seguintes
sanções:
I - multa, no valor de 0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do
faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo
administrativo, excluídos os tributos, a qual nunca será inferior à vantagem
auferida, quando for possível sua estimação; e
II - publicação extraordinária da decisão condenatória.
§ 1º - As sanções serão aplicadas fundamentadamente, isolada ou
cumulativamente, de acordo com as peculiaridades do caso concreto e com a
gravidade e natureza das infrações.
§ 2º - A aplicação das sanções previstas neste artigo será precedida da
manifestação jurídica elaborada pela Advocacia Pública ou pelo órgão de
assistência jurídica, ou equivalente, do ente público.
42
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
§ 3º - A aplicação das sanções previstas neste artigo não exclui, em qualquer
hipótese, a obrigação da reparação integral do dano causado.
§ 4º - Na hipótese do inciso I do caput, caso não seja possível utilizar o critério
do valor do faturamento bruto da pessoa jurídica, a multa será de R$ 6.000,00
(seis mil reais) a R$ 60.000.000,00 (sessenta milhões de reais).
§ 5º - A publicação extraordinária da decisão condenatória ocorrerá na forma
de extrato de sentença, a expensas da pessoa jurídica, em meios de
comunicação de grande circulação na área da prática da infração e de atuação
da pessoa jurídica ou, na sua falta, em publicação de circulação nacional, bem
como por meio de afixação de edital, pelo prazo mínimo de 30 (trinta) dias, no
próprio estabelecimento ou no local de exercício da atividade, de modo visível
ao público, e no sítio eletrônico na rede mundial de computadores.”
“Art. 18. Na esfera administrativa, a responsabilidade da pessoa jurídica não
afasta a possibilidade de sua responsabilização na esfera judicial.”
“Art. 19. Em razão da prática de atos previstos no art. 5o desta Lei, a União, os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios, por meio das respectivas
Advocacias Públicas ou órgãos de representação judicial, ou equivalentes, e o
Ministério Público, poderão ajuizar ação com vistas à aplicação das seguintes
sanções às pessoas jurídicas infratoras:
I - perdimento dos bens, direitos ou valores que representem vantagem ou
proveito direta ou indiretamente obtidos da infração, ressalvado o direito do
lesado ou de terceiro de boa-fé;
II - suspensão ou interdição parcial de suas atividades;
III - dissolução compulsória da pessoa jurídica;
IV - proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou
43
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras
públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de 1 (um) e
máximo de 5 (cinco) anos.
§ 1º - A dissolução compulsória da pessoa jurídica será determinada quando
comprovado:
I - ter sido a personalidade jurídica utilizada de forma habitual para facilitar ou
promover a prática de atos ilícitos; ou
II - ter sido constituída para ocultar ou dissimular interesses ilícitos ou a
identidade dos beneficiários dos atos praticados. (...)
§ 4º - O Ministério Público ou a Advocacia Pública ou órgão de representação
judicial, ou equivalente, do ente público poderá requerer a indisponibilidade de
bens, direitos ou valores necessários à garantia do pagamento da multa ou da
reparação integral do dano causado, conforme previsto no art. 7º, ressalvado o
direito do terceiro de boa-fé.”
“Art. 20. Nas ações ajuizadas pelo Ministério Público, poderão ser aplicadas as
sanções previstas no art. 6º, sem prejuízo daquelas previstas neste Capítulo,
desde que constatada a omissão das autoridades competentes para promover a
responsabilização administrativa.”
“Art. 21. Nas ações de responsabilização judicial, será adotado o rito previsto
na Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985.
Parágrafo único. A condenação torna certa a obrigação de reparar,
integralmente, o dano causado pelo ilícito, cujo valor será apurado em posterior
liquidação, se não constar expressamente da sentença.”
44
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
No caso em tela, o Grupo CNT e a IURD desvirtuaram os
contratos administrativos de concessão de serviço público, fraudando a sua execução e
obtendo vultosos benefícios indevidos. À evidência, tais condutas caracterizam-se como
atos lesivos ao patrimônio público nacional e aos princípios da Administração Pública
(legalidade, impessoalidade, moralidade, eficiência, exigência de licitação, natureza
personalíssima e extra commercium do serviço público etc.), nos termos do art. 5º, IV,
“d” e “f”, da Lei nº 12.846/13.
Assim sendo, além das sanções da Lei nº 4.117/62 e da
compensação por danos extrapatrimoniais coletivos, o Grupo CNT e a IURD também
estão sujeitos às consequências específicas trazidas pela Lei nº 12.846/13, sendo
cabível, inclusive, a decretação de indisponibilidade de seus bens, consoante a dicção do seu
art. 19, § 4º.
VII – DO PEDIDO LIMINAR
Almejando assegurar a utilidade e a efetividade do provimento
jurisdicional pleiteado nesta relação jurídica processual, e estando presentes o fumus boni iuris
e o periculum in mora, é imperiosa a concessão de liminar, a fim de que:
a) Seja suspensa a execução do serviço de radiodifusão
conferido às rés Central Nacional de Produções Ltda., CTV
Comunicações e Produções Ltda., CNT Rio Ltda., CNT Bahia
Produções Ltda., Rádio e Televisão OM Ltda., TV Carioba
Comunicações Ltda., TV Corcovado S/A e Televisão Carimã
Ltda.;
b) A União abstenha-se de conceder novas outorgas de serviço
de radiodifusão aos réus Central Nacional de Produções Ltda.,
45
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
CTV Comunicações e Produções Ltda., CNT Rio Ltda., CNT
Bahia Produções Ltda., Rádio e Televisão OM Ltda., TV Carioba
Comunicações Ltda., TV Corcovado S/A, Televisão Carimã
Ltda., Igreja Universal do Reino de Deus e respectivos
representantes legais; e
c) Seja decretada a indisponibilidade dos bens dos réus Central
Nacional de Produções Ltda., CTV Comunicações e Produções
Ltda., CNT Rio Ltda., CNT Bahia Produções Ltda., Rádio e
Televisão OM Ltda., TV Carioba Comunicações Ltda., TV
Corcovado S/A, Televisão Carimã Ltda., Igreja Universal do
Reino de Deus e respectivos representantes legais, com a
finalidade de assegurar o ressarcimento dos danos (materiais e
morais) e a efetividade das sanções da Lei nº 12.846/13.
O fumus boni iuris encontra-se devidamente demonstrado
pelas circunstâncias fáticas e jurídicas explicitadas ao longo desta exordial. Com efeito, o
contundente material probatório acostado à petição inicial demonstra, de forma insofismável,
que a IURD e o Grupo CNT, por intermédio dos respectivos representantes legais, vêm
cometendo gravíssimos ilícitos na prestação do serviço de radiodifusão, tornando imperiosa a
concessão da medida liminar pleiteada pelo Parquet.
O periculum in mora, por sua vez, encontra-se consubstanciado
no risco de que seja dada continuidade aos abusos relacionados aos meios de comunicação,
bem como de que os réus dilapidem os seus bens patrimoniais, impossibilitando, assim, o
ressarcimento integral dos danos e a incidência das sanções pecuniárias trazidas pela Lei nº
12.846/13.
46
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Ante o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
requer a Vossa Excelência a concessão de liminar inaudita altera parte, decretando as medidas
arroladas acima, porquanto se encontram presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora.
VIII – DOS PEDIDOS
Após deferir a medida liminar pleiteada, o MINISTÉRIO
PÚBLICO FEDERAL requer que Vossa Excelência determine a citação dos réus, nos
endereços declinados no introito, para, sob pena de revelia, apresentarem contestação.
No mérito, com fundamento em todo o exposto, e
considerando os contundentes elementos de prova já produzidos, o MINISTÉRIO
PÚBLICO FEDERAL requer:
a) A invalidação das outorgas do serviço de radiodifusão
conferidas às rés Central Nacional de Produções Ltda., CTV
Comunicações e Produções Ltda., CNT Rio Ltda., CNT Bahia
Produções Ltda., Rádio e Televisão OM Ltda., TV Carioba
Comunicações Ltda., TV Corcovado S/A e Televisão Carimã
Ltda., com a declaração de caducidade, na forma do artigo 27,
artigo 35, inciso III, e artigo 38, § 1º, incisos I e II, todos da Lei nº
8.987/95;
b) A suspensão temporária de participação em licitação e
impedimento de contratar com a Administração, além da
declaração de inidoneidade da Central Nacional de
Produções Ltda., da CTV Comunicações e Produções Ltda., da
CNT Rio Ltda., da CNT Bahia Produções Ltda., da Rádio e
Televisão OM Ltda., da TV Carioba Comunicações Ltda., da TV
47
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Corcovado S/A, da Televisão Carimã Ltda. e dos respectivos
representantes legais (Flávio de Castro Martinez, Oscar
Martinez Neto, Rodrigo Martinez, Beatriz Carolina de Magalhães
Martinez e Mônica Martinez Bertagnoli), bem como da Igreja
Universal do Reino de Deus e de seu representante legal
(Maurício Cesar Campos Silva), na forma do artigo 87,
incisos III e IV, da Lei nº 8.666/93, o que, por implicação
lógica, acarreta a decretação judicial para que sejam
impedidos de:
(i) Participar de procedimento licitatório que
verse sobre delegação de serviços de
radiodifusão, ainda que por intermédio de pessoas
jurídicas das quais sejam sócios; e
(ii) Receber novas outorgas de serviços de
radiodifusão, ainda que por intermédio de
pessoas jurídicas das quais sejam sócios ;
c) A condenação da Central Nacional de Produções Ltda., da
CTV Comunicações e Produções Ltda., da CNT Rio Ltda., da
CNT Bahia Produções Ltda., da Rádio e Televisão OM Ltda., da
TV Carioba Comunicações Ltda., da TV Corcovado S/A, da
Televisão Carimã Ltda. e dos respectivos representantes legais
(Flávio de Castro Martinez, Oscar Martinez Neto, Rodrigo
Martinez, Beatriz Carolina de Magalhães Martinez e Mônica
Martinez Bertagnoli), bem como da Igreja Universal do Reino
de Deus e de seu representante legal (Maurício Cesar
Campos Silva), a indenizarem solidariamente a União por
danos patrimoniais no valor total do contrato celebrado
48
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
entre o Grupo CNT e a IURD;
d) A condenação da Central Nacional de Produções Ltda., da
CTV Comunicações e Produções Ltda., da CNT Rio Ltda., da
CNT Bahia Produções Ltda., da Rádio e Televisão OM Ltda., da
TV Carioba Comunicações Ltda., da TV Corcovado S/A, da
Televisão Carimã Ltda. e dos respectivos representantes legais
(Flávio de Castro Martinez, Oscar Martinez Neto, Rodrigo
Martinez, Beatriz Carolina de Magalhães Martinez e Mônica
Martinez Bertagnoli), bem como da Igreja Universal do Reino
de Deus e de seu representante legal (Maurício Cesar
Campos Silva), a compensarem os danos morais difusos
verificados na espécie, em valor a ser oportunamente fixado
por Vossa Excelência e revertido para o Fundo previsto no
art. 13 da Lei nº 7.347/85;
e) A condenação da Central Nacional de Produções Ltda., da
CTV Comunicações e Produções Ltda., da CNT Rio Ltda., da
CNT Bahia Produções Ltda., da Rádio e Televisão OM Ltda., da
TV Carioba Comunicações Ltda., da TV Corcovado S/A, da
Televisão Carimã Ltda. e da Igreja Universal do Reino de
Deus às sanções estabelecidas pelos arts. 6º e 19 da Lei nº
12.846/13;
f) A condenação da União (Presidência da República e
Ministério das Comunicações) a se abster de conceder
futuras outorgas de radiodifusão aos réus Central Nacional
de Produções Ltda., CTV Comunicações e Produções Ltda., CNT
Rio Ltda., CNT Bahia Produções Ltda., Rádio e Televisão OM
Ltda., TV Carioba Comunicações Ltda., TV Corcovado S/A,
49
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Televisão Carimã Ltda. e aos respectivos representantes legais
(Flávio de Castro Martinez, Oscar Martinez Neto, Rodrigo
Martinez, Beatriz Carolina de Magalhães Martinez e Mônica
Martinez Bertagnoli), bem como à Igreja Universal do Reino
de Deus e a seu representante legal (Maurício Cesar Campos
Silva), ainda que por intermédio de pessoas jurídicas das
quais sejam sócios; e
g) A condenação dos réus nos ônus da sucumbência.
Protestando provar o alegado por todos os meios de prova
admitidos em Direito, sobretudo mediante pedido incidental de exibição de documento
(arts. 355-363, CPC), dá-se à causa o valor de R$ 480.000.000,00 (quatrocentos e
oitenta milhões de reais).
Termos em que,
pede deferimento.
São Paulo, 24 de novembro de 2014.
ELIZABETH MITIKO KOBAYASHI JEFFERSON APARECIDO DIAS
Procuradora da República Procurador da República
PEDRO A. DE OLIVEIRA MACHADO STEVEN SHUNITI ZWICKER
Procurador da República Procurador da República
50
Recommended