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Avaliação da Implementação da Lei da Política Nacional da Mobilidade Urbana, 12.587/2012, nas Regiões Metropolitanas de São Paulo e da Baixada Santista
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Fortalecendo o Direito Urbanístico e a Mobilidade
Urbana para a Efetivação do Direito à Cidade
Avaliação da Implementação da Lei da Política Nacional
da Mobilidade Urbana, 12.587/2012, nas Regiões
Metropolitanas de São Paulo e da Baixada Santista
Coautores: Jose Leandro de Resende Fernandes e Diana Daste
Apoio de: Irene Quintáns e Pedro de Paula
São Paulo, Novembro de 2015
3
SUMÁRIO
SUMÁRIO EXECUTIVO ..................................................................................................................................... 4 1. MOBILIDADE URBANA E DIREITOS À CIDADE ................................................................................ 6 1.1 A lei e o Direito à Cidade ..................................................................................................................... 8 1.2 Critérios para avaliar a efetivação do Direito à Cidade ....................................................... 11 1.2.1 Governança pública .................................................................................................................... 12 1.2.2 Eficiência na escolha do investimento e do gasto público ........................................ 15 1.2.3 Oportunidades de interações econômicas, comerciais e sociais ............................ 18 1.2.4 Qualidade do sistema ................................................................................................................ 21 1.2.5 Meio ambiente e saúde ............................................................................................................. 23
1.3 Evolução normativa do direito à cidade e da mobilidade urbana no Brasil .............. 27 1.3.1 Política Urbana e o Estatuto da Cidade .............................................................................. 28 1.3.2 Lei de Mobilidade Urbana ....................................................................................................... 30 1.3.3 Pacto da Mobilidade ................................................................................................................... 34 1.3.4 Estatuto da Metrópole .............................................................................................................. 37
2. AGENDA PARA O DEBATE ...................................................................................................................... 39 2.1 Como influenciar o debate público? ............................................................................................ 39
3. A MOBILIDADE URBANA EM SÃO PAULO ....................................................................................... 41 3.1 São Paulo: padrões de viagem ........................................................................................................ 41 3.2 Instrumentos de Política Urbana .................................................................................................. 48 3.3 Mobilidade Urbana em São Paulo: avanços e desafios ........................................................ 55
4. A MOBILIDADE URBANA EM SANTOS ............................................................................................ 103 4.1 Santos: padrões de viagem ........................................................................................................... 103 4.2 Instrumentos de Política Urbana ............................................................................................... 108 4.3 Mobilidade Urbana em Santos: avanços e desafios ........................................................... 119
5. APONTAMENTOS CONCLUSIVOS ...................................................................................................... 146 Referências ...................................................................................................................................................... 151
4
SUMÁRIO EXECUTIVO
A efetivação do direito à cidade está diretamente relacionada à mobilidade urbana, pela
possibilidade dos cidadãos de se deslocarem, para aceder e se beneficiar das
oportunidades da vida nas cidades. Atualmente, mais da metade da população mundial
está concentrada em cidades e estima-‐se que esta proporção chegue a 70% em 2050.1
Aliás, a pobreza urbana vem crescendo, cada vez mais relacionada com à segregação
espacial. Das 3.49 bilhões de pessoas – 50,6% da população mundial – que vivem
atualmente em centros urbanos, 1 bilhão reside em assentamentos urbanos informais. A
distância física e o acesso limitado à equipamentos sociais e às áreas de geração de
emprego e renda, adicionalmente ao isolamento simbólico em relação às áreas de baixa
renda, ameaça a segurança humana dos habitantes urbanos em situação de pobreza, os
quais, por conta disso, enfrentam conflitos sociais, insegurança alimentar, riscos
ambientais, estigmas sociais e preconceitos.
Neste contexto urbano, a capacidade de pagamento de tarifas e de acessibilidade aos
sistemas de transporte público, convertem-‐se em temas essenciais a fim de garantir o
“Direto à Cidade” para todos.
As metrópoles de rápida urbanização, como é o caso das cidades brasileiras, sofrem com
congestionamentos no trânsito e rodovias lotadas, estações e terminais saturados,
insegurança no trânsito e altos níveis de poluição no ar, o que piora a qualidade de vida
dos cidadãos e dificulta seu aceso a espaços urbanos, impactando o desenvolvimento
social, econômico e urbano.
Além da situação para o cidadão, como usuário direto, há problemáticas para as cidades
no que se refere à administração pública e à geração de oportunidades comerciais,
econômicas e sociais. Os congestionamentos no trânsito e o uso ineficiente -‐ e não
democrático -‐ das vias impacta negativamente o meio ambiente, a saúde humana, e
custam centenas de bilhões reais em combustíveis e tempo produtivo perdido.
O transporte em sim mesmo, não é condição suficiente para o desenvolvimento. No
entanto, a ausência ou má qualidade do transporte pode efetivamente inibir tal
desenvolvimento. 2
1 Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-‐HABITAT), 2013. 2 International Energy Agency (IEA), 2013.
5
No Brasil, o acesso aos serviços públicos e sociais essenciais, tais como saúde, educação,
alimentação, trabalho, moradia e lazer foram garantidos pela Constituição Federal (CF)
de 1988 a título de direito constitucionalmente exigível. Porém, a mobilidade urbana
ganhou o mesmo caráter somente em setembro de 2015, com a promulgação pelo
Congresso Nacional da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 90/2011, que inclui
o transporte na lista de direitos sociais do cidadão previstos no Artigo 6º da CF.
O debate sobre a mobilidade urbana evoca, nesse sentido, a obtenção de condições
necessárias à fruição dos serviços, como também os conflitos e os obstáculos a essa
fruição. Neste debate, consolida-‐se a noção de mobilidade urbana como conceito integral
e multifacetado que, à diferença da noção isolada de transporte, compreende várias
frentes de desenvolvimento, tais como: a governança, o meio ambiente, a produtividade,
a eficiência e a equidade. A mobilidade urbana deixa de ser uma necessidade ou uma
condição urbana para se constituir em um direito, assim como em um meio para o
desenvolvimento pessoal, humano, social e urbano.
Com essa compreensão, e incorporando uma análise dos princípios, diretrizes e
instrumentos de política urbana e da lei nacional de mobilidade urbana, o projeto
“Fortalecendo o Direito Urbanístico e a Mobilidade Urbana para a Efetivação do Direito à
Cidade”, particularmente no subprojeto de Mobilidade Urbana, analisou a
implementação da lei nº 12.587/12, que institui as diretrizes da Política Nacional de
Mobilidade Urbana no Brasil, buscando mapear e monitorar as políticas públicas do
setor em São Paulo e Santos, tendo em vista sua adequação e concretização dos seus
preceitos, diretrizes e instrumentos, procurando mecanismos, projetos e políticas que
efetuem o direito à cidade por meio da melhoria das condições de mobilidade urbana.
Nesse contexto, este documento é um convite ao Brasil a refletir e agir em prol da
mobilidade urbana sustentável e de um transporte público que faça valer o direito à
cidade para todos.
6
1. MOBILIDADE URBANA E DIREITOS À CIDADE
O Brasil é, em sua grande maioria, urbano. Cerca de 85% da população vive em cidades,
sendo que tal tendência está cada vez mais generalizada e estável demograficamente.
Tendência adicional diz respeito à importância da metropolização na dinâmica
demográfica do País. Superada a etapa de expansão demográfica das cidades brasileiras
e de grande pressão sobre os sistemas urbanos, é necessário análise e ação para a
entrega de soluções à vida sustentável nas cidades, sobretudo com a melhora da
mobilidade urbana e à efetiva aplicação do direito à cidade.
Por direito à cidade, a "Carta Mundial pelo Direito à Cidade" de 2006 entende como o
"usufruto equitativo das cidades dentro dos princípios da sustentabilidade e da justiça
social." Para efetivação do direito à cidade é de fundamental importância que as pessoas
tenham acesso à cidade, portanto, a mobilidade urbana traduz-‐se como um instrumento
imprescindível para que as pessoas tenham ingresso e se conectem à cidade, aos seus
equipamentos sociais e às oportunidades produtivas, econômicas e comerciais
proporcionadas pela mesma.
A desigualdade e iniquidade no Brasil não é apenas relacionada à renda e
oportunidades, mas também está diretamente ligada à garantia dos serviços públicos
essenciais. Por conseguinte, a dificuldade de acessibilidade urbana através dos
transportes públicos contribui para a desigualdade e retroalimenta a segregação
espacial em regiões gerais das cidades.3 O aprimoramento e melhoria da oferta de
serviços de transporte coletivo e das condições gerais de acessibilidade urbana da
população tem função importante para a efetividade das políticas sociais, pois elas
contribuem para o acesso das pessoas aos equipamentos sociais básicos e para a
igualdade de oportunidades. Por exemplo, não resolve o problema oferecer atendimento
de saúde gratuito se um cidadão não tem condições de transporte para chegar ao
hospital.4
3 Villaça, 2011. 4 Gomide, 2006.
7
Nos últimos anos, a divulgação de estudos e pesquisas sobre as condições de mobilidade
urbana das populações de baixa renda e da iniquidade no acesso aos serviços de
transporte coletivo têm verificado que nas grandes cidades brasileiras as populações
com menor rendimento estão sendo privadas do acesso aos serviços de transporte
coletivo. Tal contexto contribui para a redução de oportunidades, na medida em que
impede essas populações de aproveitar os equipamentos e serviços que as cidades
oferecem, sobretudo as escolas, hospitais e centros de concentração do emprego.
Adicionalmente, constata-‐se que a mobilidade urbana das cidades brasileiras tem se
tornado um desafio cada vez maior. 5 A frota de automóveis e motocicletas tem crescido
exponencialmente nos últimos anos, e o transporte individual, que aparentemente se
traduzia como uma solução para o deslocamento nas cidades, passa a ser um problema
em razão das deseconomias geradas, seja através da paralisação do trânsito, da perda de
tempo e combustível, além dos problemas ambientais que estão se agravando. E
contraditoriamente, percebe-‐se que nas grandes cidades brasileiras 36% dos
deslocamentos são realizados a pé, 29% são realizados por transporte coletivo e apenas
31% são realizados por carros e motos. 6
Complementarmente, pesquisa CNI7 revela que em 2011, 26% dos brasileiros gastavam
mais de uma hora por dia em seu deslocamento para suas atividades rotineiras, como
trabalho e estudo. Entretanto, entre 2011 e 2013 tal percentual elevou-‐se em 5 pontos,
5 CNI, 2012; IBOPE-‐Rede Nossa São Paulo (2014); IPEA, 2011. 6 ANTP, 2014. 7 CNI, 2012.
A privação do acesso aos serviços de transporte coletivo e as inadequadas condições
de mobilidade urbana dos mais pobres reforçam o fenômeno da desigualdade de
oportunidades e da segregação espacial, que excluem socialmente as pessoas que
moram longe dos centros das cidades. Os principais impactos desta situação são
sentidos sobre as atividades sociais básicas: trabalho, educação e lazer.
Alexandre Gomide, 2006.
8
alcançando os 31%. Da mesma forma, o percentual que avalia o transporte público como
ruim ou péssimo passou de 28% em 2011 para 36% em 2013.
Foi nesse contexto, considerando os debates promovidos anteriormente, que a pesquisa,
interpretada por este documento, constituiu o quadro conceitual que será a lente
através do qual se analisará os processos de mobilidade urbana no Brasil.
Especificamente nas Regiões Metropolitanas de São Paulo e Santos.
Os critérios de avaliação da pesquisas tem como estrutura analítica cinco eixos centrais
a demonstrar as interconexões entre mobilidade urbana e direito à cidade. quais sejam:
• Governança pública e o embate regressividade e progressividade de investimentos e
das políticas públicas;
• Eficiência na escolha de investimento do gasto público;
• Oportunidades de interações econômicas, comerciais e sociais;
• Qualidade do sistema; e
• Meio ambiente e saúde.
As relações e interconexões entre estes eixos conformam o quadro analítico da pesquisa.
Mesmo tendo noções estreitamente interconectadas, cada uma dessas categorias
compreende componentes e definições específicas a serem consideradas na análise dos
casos e avaliação da implementação da lei 12.587/12 nas regiões metropolitanas
mencionadas.
1.1 A lei e o Direito à Cidade
A efetiva garantia de mobilidade aos cidadãos é uma liberdade em si (substantiva) mas
também é instrumental para a vivência de outras, como acesso ao trabalho, cultura,
educação, lazer, entre outros aspectos da vida em sociedade.
O crescimento horizontal dos centros urbanos, no Brasil, causando aumento de preço de
imóveis nas regiões centrais ou servidas de infraestrutura urbana, gera uma ampliação
da área a ser alcançada pela rede de transportes públicos e mobilidade urbana, entre
outros aspectos, que fazem com que os que mais necessitam do transporte público -‐
residentes nas periferias e majoritariamente detentores de baixa renda -‐ sejam os de
9
menor interesse econômico para os prestadores do serviço e, consequentemente, os
primeiros prejudicados quando da ocorrência de deficiências na oferta do mesmo. Não
bastasse tal fato, a apropriação do espaço público e os gastos com infraestrutura pública
para transportes privados versus transportes públicos também ocorrem de forma
fortemente desigual.8
No contexto urbano brasileiro, a cidade é o principal campo onde as desigualdades se
concretizam e onde elas se tornam ainda mais latentes e severas. Inevitavelmente, a
busca pela redução das desigualdades sociais passa pelo campo urbano. Não é outra a
constatação que levou Lefebvre9 a elaborar a ideia de direito à cidade, que seria o
direito: à vida urbana, à centralidade renovada, aos locais de encontro e de trocas, aos
ritmos de vida e empregos do tempo que permitem o uso pleno e inteiro desses
momentos e locais etc. [...]. A proclamação e a realização da vida urbana como reino do
uso (da troca e do encontro separados do valor de troca) exigem o domínio do
econômico (do valor de troca, do mercado e da mercadoria).
No entanto, autores como Trindade (2012)10, evocam a noção sociológica da questão
urbana, no sentido da necessidade de se instrumentar juridicamente, precisa se
“juridicizar”: o ordenamento legal desempenhou historicamente uma ação decisiva na
produção e na reprodução das desigualdades sociais na América Latina, incluindo-‐se aí o
padrão excludente e concentrador de riqueza da urbanização na região, cujos efeitos
gerais são bem conhecidos, segregação sócio-‐espacial, exclusão territorial e degradação
urbanístico-‐ambiental, punindo em especial as camadas empobrecidas da sociedade. Daí
a importância de se construir uma critica dessa ordem legal, já que uma ampla
reformulação da mesma é condição sine qua non para a produção de cidades mais justas
e menos desiguais do ponto de vista sócio-‐espacial.
Nesse sentido, pode-‐se argumentar que há um papel central para o direito na redução
das desigualdades sociais urbanas, impeditivas do pleno direito à cidade. Ele – o direito
– é o meio pelo qual se instrumentalizam as medidas de redução de desigualdades.
8 ANTP, 2014. 9 Henri Lefebvre, [1968] 2008, Le Droit à la ville, p. 139. 10 Trindade, 2012, p. 143-‐144.
10
Esse papel foi certamente reconhecido pela CF e outros diplomas normativos que a
sucederam, como o Estatuto da Cidade, a Lei 12.587/2012, a PEC90, o Pacto da
Mobilidade Urbana e outros.
Como se sabe, a redução das desigualdades sociais é um dos objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil, previsto no artigo 3º da CF. Como o acesso efetivo ao
direito à cidade é uma condição para a redução das desigualdades e como este acesso,
entre outros aspectos, passa por uma questão central de mobilidade urbana que – como
já mencionado anteriormente – consubstancia uma liberdade em si e um meio de acesso
a outras liberdades e direitos no ambiente urbano, é imperativo concluir-‐se que a CF
impõe a necessidade de garantir-‐se a efetiva mobilidade urbana aos cidadãos e que esta
é essencial para a redução das desigualdades sociais, não só de renda, mas também a
essa relacionadas.
Dessa forma, o direito à cidade e a busca pela redução de desigualdades se entrelaçam
na mobilidade urbana e alcançam o campo do direito público. O direito à cidade,
comumente materializado em questões jurídicas na “função social da propriedade” pode
ter outros desdobramentos em termos de políticas públicas e de criação de standards
interpretativos das diretrizes constitucionais caso seja pensado em termos de
progressividade e regressividade de gastos públicos.
Explica-‐se. Nos grandes centros urbanos brasileiros, onde os problemas de mobilidade
efetivamente afetam o acesso a condições equânimes de usufruir de direitos,
equipamentos e serviços, 60% da população se vê dependente de modais de transporte
coletivo para locomoção. No entanto, simultaneamente, dos custos totais com
mobilidade, 79% são despendidos com transportes individuais e 21% com coletivos. 11
Os dados acima mencionados, aliados ao fato de que o usuário de transportes privados é
detentor de maior renda média em comparação ao usuário de outros modais12, levam à
inevitável conclusão de que políticas públicas que não priorizam investimentos em
apropriação equânime dos espaços públicos e de mobilidade urbana por meio de
modais não motorizados e coletivos são flagrantemente regressivas.
11 ANTP, 2014. 12 ANTP, 2014.
11
A regressividade de tais investimentos e políticas, conforme concluído, culmina em
outra conclusão, de ordem jurídica: investimentos que reforçam as desigualdades
urbanas e não priorizam mobilidade urbana sustentável são inconstitucionais até o
momento em que se atinja níveis satisfatórios de acesso a bens, serviços, equipamentos
e direitos por toda a população.
Trata-‐se de afirmação genérica e de difícil concretização, mas o argumento, face aos
dados brevemente apresentados é inquestionável e merece detida reflexão jurídica no
tocante às formas e instrumentos de aplicação.
Por essas razões, faz-‐se necessário compreender a evolução do discurso da mobilidade
urbana nacional e suas implicações recentes. A lei nacional de mobilidade urbana
constitui um exemplo desta linha de pensamento. Esta lei tem como objetivos e
diretrizes centrais as noções de acessibilidade universal, a eficiência, eficácia e
efetividade na circulação urbana, o desenvolvimento sustentável das cidades, nas
dimensões socioeconômicas e ambientais, a priorização dos modos de transportes não
motorizados sobre os motorizados e dos serviços de transporte coletivo sobre o
transporte individual motorizado, assim como a mitigação dos custos ambientais, sociais
e econômicos resultado dos deslocamentos de pessoas e cargas na cidade, entre
outros.13
1.2 Critérios para avaliar a efetivação do Direito à Cidade
Em virtude da amplitude do tema, é necessário delimitar os objetos de estudo sob vários
aspectos: territorialmente, temporalmente e tematicamente.
(i) Territorialmente: a pesquisa se limitou – por uma série de razões específicas a cada
uma das regiões estudadas – às Regiões Metropolitanas de São Paulo e da Baixada
Santista;
(ii) Temporalmente: se analisou o atual estado da mobilidade e as políticas em curso e
planejadas;
(iii) Tematicamente: no que diz respeito às temáticas, os problemas da pesquisa
abrangem essencialmente os seguintes eixos:
13 Lei nº 12.587, de 3 de janeiro de 2012.
12
1. Governança pública;
3. Eficiência na escolha do investimento do gasto público;
3. Oportunidades de interações econômicas, comerciais e sociais;
4. Qualidade do sistema; e
5. Meio ambiente e saúde.
1.2.1 Governança pública
Os significados e valores de nossa vida em movimento estão mudando. Se o século XX foi
o império do automóvel, o século XXI se perfila como um concorrente forte para este
império, pressionando a sociedade à pensar em novos paradigmas que beneficiem o
acesso das pessoas a diferentes modos de transporte, sobre a expansão de rodovias
usadas por uns poucos. Os desafios trazidos pelo congestionamento, os impactos
ambientais, as demandas sociais e os critérios de eficiência, produtividade e
competitividade, começam a questionar os fundamentos e a sustentabilidade na
abordagem do transporte urbano atual.
O debate sobre o uso democrático do espaço urbano e a democratização das vias precisa
ser feito. Hoje, enquanto os automóveis ocupam em média 60% do espaço viário e
transportam 20% dos passageiros, os ônibus ocupam 25% do espaço viário e
transportam 70% dos passageiros.14 É urgente inverter esta relação através de medidas
que busquem o uso tanto justo como eficiente do espaço compartilhado da cidade.
Reduzir significativamente o tempo de viagem do transporte coletivo e dar condições de
qualidade para a circulação nos modos não motorizados são intervenções chaves neste
processo.
Ademais, é fundamental considerar os mecanismos através dos quais se alcançará
tarifas justas e acessíveis para a população, sem comprometer a qualidade dos sistemas
e das infraestruturas de transporte urbano. Para além da ocupação desproporcional e
não equitativo do espaço, há também desigualdades patentes no número e perfil
econômico dos usuários.
14 CNI, 2012.
13
A incipiente formulação jurídica da tese da regressividade política, consubstanciada pela
exclusão social de parte da população devido à priorização da apropriação privada de
espaços públicos, está no cerne das bandeiras políticas recentes no Brasil
(manifestações de junho de 2013) e reforçam a ideia de que a mobilidade urbana é o
catalisador das demandas de justiça social de uma sociedade que revolve, cada vez mais,
em torno da cidade. Em todo o mundo, o objetivo de sistemas mais equitativos e
socialmente inclusivos atravessa novos marcos conceituais para o planejamento, gestão
e monitoramento de projetos urbanos e de transporte.
Parte considerável dos novos discursos enfatiza noções sociais, tais como “o direto à
cidade”, a capacidade de “alcançar espaços de desenvolvimento e oportunidade” e as
“ruas para todos”. Novas concepções priorizam caminhar, usar a bicicleta e outros
modos não motorizados de viagem, bem como sistemas de transporte público,
sobrepondo-‐se aos modos de viagem individual motorizado.15
A noção de acesso como princípio central a guiar intervenções em mobilidade urbana é
uma grande mudança, a qual envolve também transformações no modelo de
desenvolvimento aplicado à análise das implicações da modelagem e planejamento do
transporte. O conceito de acesso, compreende as oportunidades e constrangimentos que
resultam de uma mobilidade ampla ou limitada nas vidas das pessoas. Ao lidar com
pessoas -‐ e os cenários previstos por seu movimento, assim como a previsão de
movimentação dos bens e serviços que impactam sua existência -‐, a falta de mobilidade
urbana pode resultar em exclusão social; exclusão relacionada com o transporte.16
A inclusão social é geralmente definida como um processo dinâmico de ruptura
multidimensional e progressiva do vínculo social, nos níveis individuais e coletivos. A
exclusão social impede a plena participação nas atividades normativamente
estabelecidas por uma determinada sociedade e nega o acesso a informações, recursos,
sociabilidade, reconhecimento e identidade, corroendo a autoestima e reduzindo as
capacidades para atingir objetivos pessoais.17 A exclusão social é um processo resultante
de um conjunto de condições e de relações, que pode ser reproduzido, contido ou
revertido.
15 ONU-‐Habitat, 2013; Brasil, Lei 12.587/12; Litman, 2003; OECD, 2010. 16 Urueta, 2008. 17 Silver, 2007:1.
14
Exclusão devido à falta de mobilidade é experimentada quando há fracas opções de
viagem ou nenhuma opção de viagem para alcançar os meios que proporcionam o
desenvolvimento ou a subsistência. Ter estas opções é essencial para superar
desvantagens ou prejuízos sociais. Os sistemas de transporte público são uma dessas
opções. Como tal, a partir de uma abordagem fundamentada em direitos, o Estado e os
governos devem responder às necessidades da maioria e considerar vários padrões de
viagem, condições econômicas e identidades sociais na implementação desses sistemas.
Desestimular o uso do automóvel (em propriedade de poucos e usado por poucos), para
desenhar ruas que acomodem modos de transporte massivo e não motorizado, é uma
medida progressiva que se deriva deste entendimento.
A recuperação de calçadas, entendendo estas como parte da infraestrutura do sistema
de transporte urbano, também resulta desta apreciação. Caminhar é usualmente o modo
mais utilizado e frequentemente a única opção de transporte para os mais pobres. Uma
quantidade importante de pessoas caminham porque não podem pagar nenhuma outra
alternativa – gerando uma grande porção de “caminhantes em cativeiro. 18 Por
conseguinte, o acesso a um ambiente de pedestres bem conectado e seguro é essencial
para satisfazer as suas necessidades diárias.”
Como responde o transporte público às necessidades sociais, e como devem ser
avaliadas às intervenções de transporte público ao abordar a inclusão social? Estas são
questões essenciais a serem atingidas ao examinar as relações entre inclusão social e
transporte público em avaliações de projetos de mobilidade urbana.19 Para examinar
tais questões, as noções de reconhecimento, representação e redistribuição devem ser
integradas à análise.
Fergusson20 oferece orientação clara para entender e definir essas noções.
1. Reconhecimento: entende e respeita a diversidade;
2. Representação: fornece capacidade substancial para influenciar a tomada de decisões
por meio de representação ou participação direta em espaços políticos;
3. Redistribuição: distribui uma porção correta dos recursos entre os indivíduos para
evitar disparidades socioeconômicas e fragmentação.
18 ONU-‐Habitat, 2013. 19 Daste, 2010. 20 Fergusson, 2008.
15
Com base na noção de representação substantiva, e considerando a responsabilidade
das autoridades na execução e prestação de contas, a análise também deve considerar os
mecanismos existentes para a participação social nos processos de tomada de decisão,
assim como mecanismos que mantenham seus governantes responsáveis por seus
atos. 21 Geralmente, as intervenções públicas incluem certo nível de participação,
normalmente identificado através das audiências e assembleias públicas, câmaras
municipais, conselhos temáticos e sessões de consulta.
No tocante à prestação de contas, refere-‐se à responsabilidade e responsabilização
esperada das autoridades públicas sobre o uso de sua autoridade.22 É importante
identificar a natureza da participação, a fim de entender, se determinada iniciativa de
participação efetivamente garante uma representação substantiva, ou se funciona como
um instrumento para legitimar a implementação de políticas “de cima para baixo”.
Adicionalmente, é importante identificar os espaços através dos quais as autoridades
devem ser responsabilizadas, a responder pelos compromissos que assumiram, e como
serão os meios de supervisão. Da mesma forma, se pensar em meios pelos quais se
possa valer as atividades de monitoramento por parte dos cidadãos e das organizações
não-‐governamentais. Outros espaços mais recentes desenvolvidos por processos de
inovação tecnológica, envolvem a participação e controle direto por meio de aplicativos
e redes sociais.
Os mecanismos de participação e de prestação de contas são fundamentais para
assegurar a representação, a transparência e a sustentabilidade do processo de
mudança para uma mobilidade urbana sustentável.
1.2.2 Eficiência na escolha do investimento e do gasto público
Nesta pesquisa entendemos eficiência em relação à escolha do investimento, em relação
ao gasto público, bem como através de uma eficiente integração com outras políticas
urbanas. Os fatores operacionais tempos de espera e frequências foram tratados na
categoria-‐eixo qualidade do sistema, entendendo-‐se que, desde uma perspectiva de
qualidade, o transporte urbano deve ser eficiente em sua operação.
21 Kabeer, 2005. 22 Moncrieffe, 2007.
16
Três grandes categorias de políticas englobam as recomendações gerais para abordar as
problemáticas da temática eficiência no transporte: (i) aquelas que permitem que o
trânsito seja evitado; (ii) aquelas que mudam para modos de transporte mais eficientes;
e (iii) aquelas que melhoram a eficiência do veículo e tecnologias de combustíveis.23 Tais
categorias devem ser analisadas em um contexto de transporte urbano, no qual o uso da
terra e as redes de transporte estejam conectados e onde o acesso às opções de
transporte dependam de estratégias a serem utilizadas, ou não, na gestão de demanda
de viagens.
Outro componente chave neste novo contexto de análise do transporte, centra-‐se na
coordenação institucional e espacial para gerar oportunidades a nível local: estimular o
uso misto do solo e integrar esquemas de viagens multimodais. A multimodalidade,
refere-‐se a padrões de viagem que considera vários modos (caminhar, andar de
bicicleta, automóvel, transporte público, etc.), e as conexões entre os modos. 24
De acordo aos paradigmas contemporâneos de planejamento e gestão de trânsito
urbano, a demanda de viagens pode ser reduzida por meio da geração de oportunidades
a nível local ou regional/por bairros, ligando pessoas à espaços (e oportunidades) com a
utilização do uso misto de terra.
O desenho das ruas juntamente às estratégias de requalificação urbana, devem também
facilitar o transporte multimodal quando as viagens sejam necessárias. O planejamento
urbano tradicional, que moldou o padrão urbanístico das metrópoles brasileiras,
desenvolveu, simultaneamente, áreas residenciais periféricas à cidade e áreas
comerciais e de serviços -‐ bem urbanizadas e de grande geração de empregos -‐ em
espaços majoritariamente centrais das cidades. Tal dinâmica tem provocado uma
expansão urbana desigual, aumentando a necessidade de viagens e, ao mesmo tempo,
orientando as viagens nas mesmas direções, em horários coincidentes.
O pendular movimento: no período da manhã, em horário pico, enormes fluxos de
pessoas viajam desde suas casas para seus postos de trabalho, gerando
congestionamento em uma direção e veículos e vias vazias na direção contrária. Hoje em
dia, esta abordagem é vista como bastante ineficiente. Tal padrão de desenvolvimento 23 IEA, 2013:8. 24 Litman, 2014b.
17
urbano torna custoso e difícil o estabelecimento de sistemas de transporte público
eficientes, assim como as possibilidades de deslocamento em bicicleta ou a pé, para o
cumprimento das atividades do cotidiano. Uma abordagem contemporânea procurará
gerar o desenvolvimento integral de bairros e moldar as áreas à acomodar diferentes
usos comerciais e residenciais e meios complementares de viagens.
Reduzir a necessidade de viagem, incentivar o transporte multimodal e desestimular o
uso de carros implica na integração de diversas políticas urbanas. Este tipo de
planejamento é conhecido por diferentes nomes e abordagens. “Crescimento
Inteligente” (Smart Growth), “Novo Urbanismo”, “Desenvolvimento Orientado ao
Transporte” (Transit Oriented Developent-‐TOD) ou “Ruas Completas” (Complete Streets),
são alguns.25 Em todos os casos, há a integração das políticas urbanas com foco na
maximização e otimização do uso de ruas e espaços para as pessoas, sobrepondo-‐se aos
automóveis, e à promoção de meios multimodais de viagem.
O propósito de TOD é concentrar a moradia e o comércio próximo da infraestrutura
instalada (existente ou projetada) de forma a prover alternativa que substituía as
viagens em automóvel.
O marco das “ruas completas” propõe que as ruas sejam desenhadas para acomodar
diversos modos, usuários e atividades, incluindo caminhar, a bicicleta, ou transporte
público motorizado e automóveis, assim como comércios e serviços na área,
adicionalmente aos residentes locais. Este tipo de desenho contribui na criação de
sistemas de transporte multimodal e de comunidades mais agradáveis.26
O principal benefício dos sistemas integrados multimodais é oferecer mecanismos de
ganho de eficiência no uso do espaço e dos recursos. Estratégias de Gestão da Demanda
de Viagens (GDV) podem melhorar as viagens através de uma utilização mais eficiente
do sistema de transporte existente. A GDV é uma forma de influenciar o comportamento
de viagem individual, proporcionando opções ampliadas para reduzir a demanda real,
ou o número de veículos inseridos em meios de transporte. O foco está no lado da
demanda de transporte, em vez de aumentar a oferta, ampliando ou construindo novas
ruas e avenidas. Especialmente em megacidades, não se deve permitir trabalhar apenas 25 Litman 2014a. 26 Litman 2014a:1.
18
com a oferta, há que lidar com a demanda para equilibrar o sistema. Estas estratégias
incluem o fomento ao uso de transporte público, caronas, vanpooling, ciclismo,
caminhadas e tele trabalho.
1.2.3 Oportunidades de interações econômicas, comerciais e sociais
No ano de 2012 o caderno técnico da Confederação Nacional da Indústria (CNI),
“Cidades: Mobilidade, Habitação e Escala, Um Chamado à Ação”, proclamava o bom
ambiente urbano, com especial atenção às condições de mobilidade urbana, como
situação que facilita e promove as relações e interações econômicas, comerciais e
sociais.
Dizia o estudo que “o bom ambiente urbano é tão determinante para as atividades
econômicas, no século XXI, como a proximidade à fonte energética e à matéria prima o
foi para a indústria, no século XIX. Por bom ambiente urbano entendam-‐se boas
condições de mobilidade, de habitação, de serviços públicos, inclusive o de segurança, de
modo a permitir que o trabalho e as demais grandes funções urbanas também possam
se desenvolver plenamente e a custos compatíveis. O conhecimento e a inovação
igualmente têm como lugar privilegiado a cidade aberta, segura, agradável, que ofereça
oportunidade de interação social e profissional. Poder circular com conforto e eficiência
na cidade, dispor de boas escolas, de bons serviços de saúde, de cultura e de lazer é
fundamental para os negócios mais avançados.”27
O bom ambiente urbano tem reflexos positivos em toda a sociedade. A posse de
moradia, de serviços públicos de qualidade, além do acesso aos sistemas de transporte
público, são condição fundamental para o pleno desenvolvimento e reprodução da força
de trabalho. Com a mesma importância, o bom ambiente urbano exerce condição
semelhante para a reprodução do capital.
As dinâmicas sociais e econômicas implicadas à cada território urbano geram efeitos de
desdobramento para a sociedade como um todo. A maior parte do empregos são
gerados nas cidades mais dinâmicas. A força do incremento produtivo na economia e na
geração de riquezas, tem sua origem majoritariamente relacionado ao universo
27 CNI, 2012:11-‐12.
19
produtivo estabelecido nas cidades e ambientes urbanos. Fatores locacionais positivos,
juntamente à uma boa infraestrutura de deslocamento e transporte é crucial para
qualquer circulação eficiente de pessoas e mercadorias, contexto este que favorece ou
inibe o desenvolvimento econômico local urbano28.
Um consenso define a noção de desenvolvimento econômico como um processo através
do qual a renda real per capita de um país aumenta durante um longo período de tempo,
enquanto, simultaneamente, a pobreza é reduzida e a desigualdade na sociedade é
geralmente diminuída. 29 A partir desta perspectiva, o desenvolvimento econômico
urbano, pode ser interpretado como um processo de crescimento e de mudança
estrutural, que fornecem mais bem-‐estar para os habitantes de um determinado
território, cidade ou região.30 Neste sentido, o desenvolvimento econômico, movido
através das oportunidades de interações econômicas, comerciais e sociais, é entendido
como as atividades em curso desenvolvidas para a promoção da qualidade de vida e do
progresso econômico dos países, regiões e cidades.
Os modos pelos quais o progresso econômico e social é engendrado tem sido foco de
atenção de reconhecidos autores.31 Parte da atenção está na investigação dos fenômenos
macroeconômicos relacionados à grande cidade e seu papel para o desenvolvimento à
luz das mudanças trazidas pelas novas tecnologias de informação. Atenção adicional é
dada às práticas de desenvolvimento pela concentração de infraestrutura, pessoas,
assim como de atividades econômicas, sociais e culturais, o que leva à benefícios
substanciais e eficiência, devido às economias da aglomeração e de escala.32
Nesse sentido, a gestão eficiente das deseconomias da aglomeração – incluindo o
congestionamento do trânsito e externalidades decorrentes, dentre as quais a maior
emissão de gases poluentes e o desperdício de tempo produtivo e dinheiro – permite
que a população e as empresas maximizem seu próprio potencial produtivo. Por outro
lado, a falta de infraestrutura adequada dificulta severamente a produtividade
estrutural das cidades, o que limita a sua capacidade para alcançar pleno potencial.
28 Fernández, 2012. 29 Meier, 2000:7. 30 OCDE, 1999; OIT, 2001; Vázquez-‐Barquero, 2002; Albuquerque, 2004; Fernández, 2012. 31 François Ascher, 1995; Saskia Sassen, 1991, 2006; Manuel Castells,1996, 1999, 2005. 32 ONU-‐Habitat, 2013.
20
É importante identificar quaisquer barreiras que impedem uma cidade de maximizar o
seu potencial de produtividade. A este respeito, a redução do congestionamento de
tráfego, aumentando as opções de transporte de massa com fornecimento eficiente e
serviços confiáveis são os principais determinantes em todas as cidades funcionais.33
As cidades funcionais, que induzem planejadamente as interações econômicas,
comerciais e sociais, buscam manter a qualidade do ambiente urbano através da
constante estruturação e adaptação das redes de ligação intra-‐urbanas.
A tradução pragmática desses conceitos na vida urbana das grandes cidades se faz
através do tempo de deslocamento de pessoas e bens (produtos finais e insumos para
outros negócios) nas cidades. Nas regiões metropolitanas brasileiras, consumir horas no
deslocamento casa-‐trabalho está cada vez mais comum. Só na cidade de São Paulo, o
tempo médio diário destinado a deslocamentos por motivos de trabalho está entre uma
hora e meia e duas horas; horas estas que, ao se considerar o tempo no transporte ser
tempo de trabalho, são desperdiçadas em termos de produção do trabalhador.
Assim, a eficiência do sistema de mobilidade urbana impacta diretamente no custo do
transporte, no período de descanso e de tempo de socialização, bem como no
comportamento de consumo do trabalhador. Adicionalmente, as deseconomias da
aglomeração geradas pela pouca eficiência no deslocamento de pessoas e mercadorias
na cidade de São Paulo, por exemplo, impacta sobremaneira no produto interno bruto
(PIB) e riquezas geradas pela cidade.
Consequentemente, um sistema de deslocamento mais eficiente, aliado ao estímulo de
proximidade entre a residência, o emprego e os locais de consumo, envolvem a
humanização das condições de vida, que adicionalmente estimularão a capacidade e a
produtividade do trabalhador, a impactar, complementarmente, na melhoria da relação
custo do transporte versus produtividade das pessoas, empresas e cidades.
Cada vez mais as cidades serão o motor de crescimento e desenvolvimento econômico,
sendo que as infraestruturas urbanas, em especial a de mobilidade, cumpre papel
fundamental nessa engendragem. Desse modo, não resta dúvida que um bom ambiente
urbano, dotado de um sistema de mobilidade eficiente, constitui-‐se como facilitador ou
33 ONU-‐Habitat, 2013.
21
dificultador das interações econômicas, comerciais e sociais. Sendo, por conseguinte,
condição para a produtividade e um melhor ambiente competitivo das cidades.
Para isso, é importante reduzir os tempos e custos de viagem, contar com
infraestruturas mais acessíveis, rotas e frotas mais eficientes, sistemas mais confiáveis
(aliados às tecnologias da informação e às redes sociais), limpos, seguros e confortáveis,
assim como espaços de discussão e prestação de contas mais transparentes.
Por fim, na passagem do professor Britânico Alan Penn à São Paulo em 2015,
categoricamente anunciou que as cidades dominadas por automóveis geram menos
oportunidades comerciais e sociais, e o que aconteceu em cidades chamadas de
‘planejadas ao estilo americano’, foi que lojas, cafés e estabelecimentos ativos foram
colocados em shoppings. Deixaram as ruas como espaços habitados somente por carros.
Não há nada para ver, nenhum lugar por onde passar, a experiência de andar não é
agradável. A interação é parte importante das grandes cidades, pois a principal
característica das cidades é que elas criam padrões de movimento, com as pessoas se
movendo do ponto A ao ponto B. O problema com a engenharia de tráfego, continua
Alan Penn, é que se pensa muito em tornar esses movimentos mais eficientes e não na
capacidade da população de parar, interagir, fazer transações.34
1.2.4 Qualidade do sistema
Pode-‐se considerar que no passado, o objetivo da engenharia de tráfego era de
maximizar a velocidade do tráfego, reduzir os congestionamentos e aumentar a
circulação de mercadorias e serviços, focando-‐se mais nas exigências técnicas da
operação, do que nas implicações da sua implementação às dimensões sociais e urbanas
das cidades.
Atualmente, as metas de transporte estão começando a incluir dimensões de qualidade,
também enquadradas ao conceito de acessibilidade. Como tal, não se preocupa apenas
com o acesso físico e econômico das pessoas ao sistema, mas também com a qualidade
apresentada e fornecida pelas opções de transporte. A qualidade do sistema inclui
34 Entrevista de Alan Penn à ANTP, São Paulo, setembro de 2015.
22
aspectos tais como: a sua eficiência, acessibilidade, confiabilidade, conforto, informações
e segurança ao usuário.
A qualidade do serviço de transporte público tem sido considerada como aspecto
crucial, não apenas para garantir o acesso e bom serviço aos usuários, mas também para
atrair os usuários tradicionais dos automóveis para o transporte público. Este último
objetivo serve também para reforçar a abordagem de um serviço de qualidade
equitativo, fornecido para todos os níveis e segmentos da sociedade.
“O desenho universal, o qual é fundamental para desenvolver sistemas de transporte
inclusivo, é ignorado frequentemente.”35 Isto se refere à capacidade de diferentes
identidades e padrões de viagem (por exemplo de mulheres, jovens e idosos) em
acessar e efetivamente aproveitar da infraestrutura. Em cidades de países em
desenvolvimento, a confiabilidade no sistema, entendida como a certeza de que o modo
de transporte chegará à estação no tempo e frequência projetadas, não é comumente
medida e, portanto, não é administrada36. O mesmo diagnostico é recorrente no que se
refere ao conforto do passageiro.
Em termos de segurança, esta inclui a segurança das infraestruturas e do material
circulante, bem como a segurança do cidadão no processo de acesso ao sistema (por
exemplo, andando de casa ao abrigo de ônibus ou estação de trem ou metrô). A
segurança no trânsito analisa as condições e gestões necessárias para reduzir a
violências que causa milhares de acidentes e mortes a pedestres, ciclistas, motociclistas,
motoristas e passageiros nas vias.
A insegurança rodoviária nas cidades tem causado acidentes de trânsito, resultando em
mais de 1,3 milhões de mortes37 e entre 20 e 50 milhões de feridos em todo o mundo
por ano38. Os acidentes rodoviários aumentaram exorbitantemente sem nenhuma ação
capaz de reduzir os números. Tais acidentes de trânsito são responsáveis por custos
econômicos de até 3% do Produto Interno Bruto de países, sendo que mais de 90% das
mortes em acidentes ocorrem em infraestruturas rodoviárias de países em
35 ONU-‐Habitat, 2013:18. 36 ONU-‐Habitat, 2013. 37 IEA, 2013. 38 ONU-‐Habitat, 2014.
23
desenvolvimento39. Os alarmes acionados pela insegurança rodoviária têm sido tão
fortes que a década de 2011-‐2020 foi definida pela Organização Mundial de Saúde como
"a Década de Ação para a Segurança Rodoviária." 40
No que se refere à integração entre os sistemas de transporte, esta ocorre em três
níveis: físico, operacional e tarifário. “A integração física permite conexões direitas entre
um serviço e outro, usualmente incluindo facilidades na transferência e terminais.” A
integração operacional, por sua vez, consiste na “coordenação de cronogramas e
frequências, para que o serviço possa ser garantido e para que os tempos de espera não
sejam excessivos.” Finalmente, a integração tarifaria “envolve transferências sem custo
ou com custos reduzidos”, usualmente através de sistemas de bilheteria avançados. Uma
integração adequada requer o “desenvolvimento de sistemas de informação que
coordenem os serviços e que forneçam informação aos usuários”.41
Neste sentido, os sistemas de transporte urbano de boa qualidade necessariamente
deverão incluir critérios de acessibilidade, confiabilidade e conforto, além de garantir
condições de segurança e eficiência na operação, mediante uma efetiva articulação
intermodal que represente benefícios para os usuários em termos de tarifas reduzidas,
ganhos de tempo, facilidade nas transferências e proteção contra a violência no trânsito.
1.2.5 Meio ambiente e saúde
No cenário atual, em que a população global e, em particular, a brasileira é cada vez mais
urbana, a problemática ambiental, a saúde pública e o desenvolvimento sustentável
serão cada vez mais associados às dinâmicas da cidade, aos modos de transporte e à
mobilidade urbana.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) das Nações Unidas declarou a poluição do ar
como o maior risco ambiental para a saúde atualmente. Só no ano 2012 cerca de 7
milhões de pessoas morreram -‐ um em cada oito do total de mortes globais -‐ como
resultado da exposição à poluição do ar42.
39 ONU-‐Habitat, 2014. 40 Pardo, 2013. 41 ONU-‐Habitat, 2013:79. 42 World Health Organization, 2014.
24
No mundo todo, há cada vez mais evidências de que o tráfego de veículos motorizados
contribui fortemente para as doenças respiratórias e cardiovasculares resultantes da
poluição do ar43. O não desestimulo ao uso de automóveis movidos por combustíveis
tradicionais e a ausência de instrumentos que fomentem à adoção de matrizes
energéticas mais limpas, tanto para o transporte individual como para o coletivo,
acentua o problema da poluição, causa danos à saúde e prejudica aos cofres públicos.
“Dados do Laboratório de Análise de Processos Atmosféricos (Lapat) da Universidade de
São Paulo (USP) mostram que o gasto anual do Sistema Único de Saúde (SUS)
relacionado com a não redução das emissões de poluentes no Brasil gira em torno de R$
1,5 bilhão, levando em conta o número de mortes, os custos de morbidade como o
tempo médio de internação e o custo dos procedimentos e dos medicamentos44.”
O aumento crescente das emissões de dióxido de carbono (CO2) e a elevação das
temperaturas globais insta alternativas que reduzam a dependência do petróleo como
matriz energética e a preeminência do automóvel no setor dos transportes. Este setor é
responsável por 13% de todas as emissões de gases de efeito estufa no mundo e três
quartos destas emissões são causadas pelo segmento de transporte rodoviário. Se essas
tendências continuarem, as projeções são que em 2050, as emissões globais de (CO2)
causadas pelo uso de veículos automotores poderão se triplicar em relação à níveis de
2010.45
A necessária transição de utilização dos modos de deslocamento poluentes para os
menos poluentes ou limpos e ambientalmente sustentáveis, vai exigir mais do que
avanços em tecnologias de veículos: uma melhoria da eficiência de combustível por si só
não deve atenuar as consequências de um padrão em que quase 70% de todos os
movimentos serão realizados por meio de viagens motorizadas por meio de mais de 3
bilhões de veículos em 205046. Em substituição desse modelo, a eficiência das viagens no
século XXI exige mudanças na forma como percebemos, desenhamos, operamos,
gerenciamos e avaliamos os sistemas de transporte em todo o mundo.
43 Gouveia, 2014. 44 Antenor, 2010. 45 ONU-‐Habitat, 2013. 46 Ibid.
25
A integração de politicas para reduzir e/ou evitar deslocamentos, a fiscalização de
veículos movidos por combustíveis tradicionais, a regulação das atividades industriais, a
adoção de modais “limpos” para o transporte coletivo, a optimização nas operações do
transporte coletivo e o estímulo no desenvolvimento de novas matrizes energéticas para
os diferentes tipos de veículos, incluindo tanto veículos leves como pesados, são
algumas estratégias chave para a gestão de uma mobilidade mais eficiente e
ambientalmente sustentável.
Há oportunidades consideráveis para a inovação tecnológica, nomeadamente no
desenvolvimento de combustíveis mais limpos, fontes alternativas de energia -‐ em
substituição aos combustíveis fósseis -‐ e design de veículos47. Ademias, há amplo espaço
para a inovação por meio da tecnologia e desenvolvimento de substitutos de viagens
através de dispositivos móveis e da expansão das aplicativos que conectam os usuários
às informações sobre viagens e funcionamento do sistema de transporte e locomoção de
pessoas.
As mudanças progressivas em matéria ambiental só poderão acontecer a partir de
compromissos políticos e sociais que tracem e cumpram ações concretas num projeto
contínuo. Pela urgência da problemática da contaminação do ar, que mata milhões de
pessoas por ano e põe em risco a saúde pública global, é crucial iniciar a execução deste
projeto de forma imediata. Assim, na análise dos componentes de meio ambiente e
saúde, torna-‐se fundamental avaliar o nível de engajamento das autoridades públicas e
sua coerência e presteza no planejamento e implementação de medidas que estimulem a
sustentabilidade e que resultem em cidades ambientalmente mais eficientes e
saudáveis.
47 OECD, 2013.
26
A mobilidade urbana desde a requalificação da cidade e o desenvolvimento social: o caso de Medellín, Colômbia
Desde uma perspectiva de cidade, é altamente desejável integrar estratégias de requalificação urbana como a gestão da mobilidade. "O transporte urbano envolve vários níveis de governo e instituições, que não sempre são bem coordenados, resultando na falta de integração entre os componentes do transporte público, outros modos de transporte e o ambiente construído" (ONU-‐Habitat, 2013:18).
Tradicionalmente, os projetos de infraestrutura nas cidades (principalmente dos países em desenvolvimento), abordaram questões de mobilidade desde o técnico e operacional, sem considerar ou integrar os problemas e as necessidades do desenho urbano (e vice-‐versa). Esta abordagem ignora os impactos e oportunidades que esta integração pode trazer para a transformação integral e substantiva, tanto no físico e operacional, como no simbólico e o social.
Um caso exemplar em alcançar esta integração são os projetos integrais urbanos (PUI por sua sigla em espanhol) desenvolvidos na cidade de Medellín, a segunda maior cidade colombiana, com população aproximada de 3,5 milhões. Para o caso de Medellín, os PUI ́s são definidos, entendidos e aplicados como um instrumento de intervenção urbana que compreende dimensões físicas, sociais e institucionais, visando a melhoria das condições de vida dos residentes de uma determinada área, resolvendo questões urbanas e sociais através da incorporação planejada, integrada e simultânea de obras públicas de infraestrutura com os mais altos padrões de qualidade, incluindo a dimensão social com a participação da comunidade, a garantir sua sustentabilidade (Dávila, 2012). O planejamento e implementação dos PUI começou após da abertura de uma estação de Metrô (a emblemática estação do teleférico -‐ MetroCable Linea k), no ano de 2004. A linha K do MetroCable localiza-‐se entre duas das localidades mais pobres e vulneráveis da cidade: as Comunas 1 e 2. A população residente nestas comunas (divisão administrativa que compreende vários bairros) são de renda majoritariamente baixa, com níveis básicos de escolaridade e empregos informais ou pouco qualificados.
A topologia destes territórios é montanhosa, com encostas e morros elevados, ruas estreitas e solos húmidos, o que dificulta a intervenção física por potencias riscos geológicos, altos níveis de desapropriação e impactos sociais decorrentes. O MetroCable, resolveu estas dificuldades a partir do uso de tecnologia de esqui, necessitando apenas da construção de pilares para vincular estas áreas ao sistema de metrô pelo alto.
A construção do MetroCable foi seguida por uma política urbana que integrou mobilidade, tecnologias limpas e infraestrutura social, numa intervenção focalizada no território, que através de uma abordagem transversal integrou áreas previamente isoladas ao tecido urbano da cidade. (Dávila; Daste, 2012).
Por meio da implementação dos teleféricos, como solução inovadora para as limitações de transporte em áreas vulneráveis, os usuários reduziram seu tempo nas viagens, que passou de ser de 1 hora e 40 minutos (em média), a 7 minutos (em média) (Dávila, 2012). O trabalho de campo e depoimentos também demonstraram um senso maior de pertencimento dos cidadãos de Medellin à sua cidade. Um residente da Comuna 2 (servido pela linha K do MetroCable) ilustra esta mudança ao dizer "anteriormente eu disse -‐ eu estou indo para Medellín – agora eu digo -‐ estou indo para o centro da cidade" (Dávila, 2012 )
27
Ainda que para o governo local fosse essencial implementar as linhas do MetroCable de forma a suprir as necessidades de uma área cidade com ausência de serviço formal de mobilidade, para a Empresa Metrô tal ação também era estratégica. O aumento no número de passageiros, que os mecanismos de inclusão social representaram, foi essencial para justificar melhorias na operação e os investimentos em um sistema metro ferroviário previamente subutilizado.
Pelo fato de tanto o metrô sobre trilhos como o MetroCable (teleférico) serem movidos por eletricidade, a empresa concessionária de Medellín, a EPM (Empresas Públicas de Medellín), foi igualmente um ator estratégico. Além de garantir o fornecimento eficiente da energia, a EPM desempenhou papel central com suas campanhas de Responsabilidade Social Empresarial (RSE), através das quais criou uma identidade de “cidade de intervenções eficazes, serviços responsáveis e governos para o povo”. Assim, desde o município e com o apoio empresarial, gerou-‐se o conceito de “Cultura Metro:” uma maneira de se relacionar com o sistema e uma forma de mostrar o respeito para com a cidade.
Espaços para a deliberação e participação comunitária também foram estimulados, aumentando o compromisso comunitário com o projeto. Algumas das novas infraestruturas construídas para fomentar a educação e a cultura, tais como os parques, biblioteca (a Biblioteca Espanha no caso da linha K do MetroCable nas Comunas 1 e 2), acolheram processos participativos e de tomada de decisão. Muitos projetos dentro do modelo de orçamento participativo foram decididos nesses cenários, produzindo dinâmicas de pertencimento, reconhecimento e empoderamento, fundamentais para o exercício substantivo da cidadania e a inclusão social. (Dávila; Daste, 2012)
O caso de Medellín tem sido bem sucedido uma vez que conseguiu integrar projetos de mobilidade com políticas de desenvolvimento urbano. Dita coesão, resultou na reconquista do território por parte do Estado e na melhora das condições de vida dos residentes. Uma operação mais eficiente, o reconhecimento das instituições locais e a transformação de uma cultura urbana em torno ao Metro, evidenciam alguns dos componentes chave para o sucesso deste projeto. Outros componentes importantes incluem a focalização dos investimentos em torno à integração urbana integral, a vinculação de diferentes instituições e níveis de governança e o estabelecimento de mecanismos para o monitoramento das intervenções públicas (Ibid).
O que podemos aprender desta experiência no atual processo de implementação da lei da política nacional da mobilidade urbana no Brasil? Será possível adaptar alguns destes componentes nos projetos desenvolvidos desde diferentes municípios e áreas metropolitanas brasileiras?
1.3 Evolução normativa do direito à cidade e da mobilidade urbana no Brasil
A mudança para uma mobilidade urbana sustentável nas cidades brasileiras demandará
à articulação do marco legal existente ao diagnóstico e problemática verificada, em
busca de encaminhamentos viáveis. Esta parte do trabalho, apresentará a normativa
legal da mobilidade urbana no Brasil, através da qual se estruturou à análise das
28
políticas, programas e projetos nas cidades e áreas metropolitanas de São Paulo e
Santos.
1.3.1 Política Urbana e o Estatuto da Cidade
O processo de redemocratização no Brasil, iniciado na década 80, cujo ápice se deu com
a promulgação da Constituição Federal (CF) de 1988, teve grandes repercussões
também no campo do transporte público e da mobilidade urbana.
A ordem jurídica instaurada pela CF trouxe inúmeras inovações, dentre elas novas
atribuições e divisão de competências entre os entes federados, repartição de receitas,
um extenso rol de direitos fundamentais e sociais, uma nova estrutura regulatória da
ordem econômica e social, e outras.
No que diz respeito, especificamente, à mobilidade urbana, ao direito à cidade e ao
transporte público, alguns pontos devem ser salientados. O artigo 30 da CF atribui aos
municípios a competência de organizar e prestar, direta ou indiretamente, o serviço de
transporte coletivo. Logo, a responsabilidade por organizar um sistema de mobilidade
urbana eficaz e eficiente cabe aos municípios. Contudo, boa parte dos municípios da
federação não possui capacidade orçamentária para gerir e prover um sistema de
mobilidade urbana adequado.
Outra importante questão trazida pela CF foi a constitucionalização da política urbana e,
em alguma medida, do direito à cidade. A evolução dessa conquista, que resultou na
necessidade da edição de um Estatuto da Cidade, pode ser sucintamente explicada.
Durante o processo de consolidação da CF, um movimento multissetorial e de
abrangência nacional lutou para a inclusão no texto constitucional instrumentos que
levassem à instauração da função social da cidade e da propriedade no processo de
construção das cidades. Retomando a bandeira da Reforma Urbana, este movimento
reatualizava, para as condições de um Brasil urbanizado, uma plataforma construída
desde os anos 1960 no País. As tentativas de construção de um marco regulatório a nível
federal para a política urbana remontam às propostas de lei de desenvolvimento urbano
elaboradas pelo então Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano nos anos 1970,
que resultaram no Projeto de Lei (PL) nº 775/1983.
Como resultado dessa luta, pela primeira vez na história, a Constituição incluiu um
capítulo específico para a política urbana, que previa uma série de instrumentos para a
29
garantia, no âmbito de cada município, do direito à cidade, da defesa da função social da
cidade e da propriedade e da democratização da gestão urbana (artigos 182 e 183).
No entanto, o texto constitucional requeria uma legislação específica de abrangência
nacional: para que os princípios e instrumentos enunciados na Constituição pudessem
ser implementados, era necessária, por um lado, uma legislação complementar de
regulamentação dos instrumentos; por outro, a construção obrigatória de planos
diretores que incorporassem os princípios constitucionais em municípios com mais de
20.000 habitantes.
Iniciou-‐se, então, na esfera federal, um período de mais de uma década de elaborações,
negociações, idas e vindas em torno de um projeto de lei complementar ao capítulo de
política urbana da CF. Esse projeto de lei (PL nº 5.788/1990), que ficou conhecido como
o Estatuto da Cidade, foi finalmente aprovado em julho de 2001, e está em vigência a
partir de 10 de outubro desse mesmo ano. A partir de agora, o capítulo de política
urbana da CF, em combinação com o Estatuto da Cidade e o texto da Medida Provisória
nº 2.220/2001, dão as diretrizes para a política urbana do País, nos níveis federal,
estadual e municipal.
Por outro lado, vários municípios não esperaram a promulgação desta lei federal para
instaurar práticas e implementar os princípios expressos na Constituição, de tal forma
que, durante a década de 1990, enquanto se discutia e construía o Estatuto, acontecia
em âmbito local, um amplo e valioso processo de renovação no campo da política e do
planejamento urbanos. A redação, finalmente aprovada e sancionada, de certa maneira,
incorpora esta experiência local, consagrando práticas e instrumentos já adotados, além
de abrir espaço para outros que, por falta de regulamentação federal, não puderam ser
implementados48.
Sendo assim, buscando regular os artigos 182 e 183, bem como o disposto no artigo 21,
incisos XIX e XX da CF, foi promulgada a lei 10.257 de 2001 que consagrou o direito à
cidade e à mobilidade urbana na ordem jurídica nacional. Como bem pontuado em um
guia a respeito da lei49: o Estatuto abarca um conjunto de princípios – no qual está
expressa uma concepção de cidade e de planejamento e gestão urbanos – e uma série de
48 Brasil, 2002:21. 49 Brasil, 2002.
30
instrumentos que, como a própria denominação define, são meios para atingir as
finalidades desejadas. Entretanto, delega – como não podia deixar de ser – para cada um
dos municípios, a partir de um processo público e democrático, a explicitação clara
destas finalidades. Neste sentido, o Estatuto funciona como uma espécie de “caixa de
ferramentas” para uma política urbana local. É a definição da “cidade que queremos”,
nos Planos Diretores de cada um dos municípios, que determinará a mobilização (ou
não) dos instrumentos e sua forma de aplicação. É, portanto, no processo político e no
engajamento amplo (ou não) da sociedade civil, que repousará a natureza e a direção de
intervenção e uso dos instrumentos propostos no Estatuto.
Muito embora essa lei tenha sido um marco do planejamento e gestão urbanos no
cenário jurídico brasileiro, as menções ao transporte público e à mobilidade urbana
permaneceram esporádicas e de pouca concretude.
1.3.2 Lei de Mobilidade Urbana
Foi somente em 2012 que o legislador federal cumpriu seu dever previsto no inciso XX
do artigo 21 e o artigo 182 da CF e estabeleceu uma Política Nacional de Mobilidade
Urbana, através da lei federal 12.587.
Esse diploma legal, aprofundando os avanços já iniciados no Estatuto da Cidade, busca a
prover instrumentos jurídicos para viabilizar cidades mais inclusivas no contexto
brasileiro. Aliás, não é outro o objetivo expressado no artigo 2º da referida lei, in verbis:
Art. 2º – A Política Nacional de Mobilidade Urbana tem por objetivo contribuir para o
acesso universal à cidade, o fomento e a concretização das condições que contribuam
para a efetivação dos princípios, objetivos e diretrizes da política de desenvolvimento
urbano, por meio do planejamento e da gestão democrática do Sistema Nacional de
Mobilidade Urbana.
Para alcançar esse objetivo, a lei trouxe conceitos específicos que nortearão sua
interpretação e outras leis em esferas federal, estaduais, distrital e municipais nos seus
artigos 3º e 4º. Não bastasse uma conceituação, e ainda mais importante, a lei expressa –
no artigo 5º -‐ que a Política Nacional de Mobilidade Urbana se pautará pelos seguintes
princípios: acessibilidade universal, desenvolvimento sustentável, equidade de acesso
31
ao transporte público coletivo, eficiência, gestão democrática, equidade no uso e
apropriação do espaço público, entre outros.
Importante destacar que por se tratar de norma geral atinente ao tema, ainda que leis de
outros escalões federativos venham a ser promulgadas, elas deverão respeitar os
conceitos, princípios e diretrizes da lei federal.
Por tratar detalhadamente do aspecto finalístico da Política Nacional de Mobilidade, vale
reproduzir integralmente o texto dos artigos 6º e 7º, que elencam as diretrizes e os
objetivos específicos da lei:
Art. 6º – A Política Nacional de Mobilidade Urbana é orientada pelas seguintes
diretrizes:
I -‐ integração com a política de desenvolvimento urbano e respectivas políticas setoriais
de habitação, saneamento básico, planejamento e gestão do uso do solo no âmbito dos
entes federativos;
II -‐ prioridade dos modos de transportes não motorizados sobre os motorizados e dos
serviços de transporte público coletivo sobre o transporte individual motorizado;
III -‐ integração entre os modos e serviços de transporte urbano;
IV -‐ mitigação dos custos ambientais, sociais e econômicos dos deslocamentos de
pessoas e cargas na cidade;
V -‐ incentivo ao desenvolvimento científico-‐tecnológico e ao uso de energias renováveis
e menos poluentes;
VI -‐ priorização de projetos de transporte público coletivo estruturadores do território e
indutores do desenvolvimento urbano integrado; e
VII -‐ integração entre as cidades gêmeas localizadas na faixa de fronteira com outros
países sobre a linha divisória internacional.
Art. 7º – A Política Nacional de Mobilidade Urbana possui os seguintes objetivos:
I -‐ reduzir as desigualdades e promover a inclusão social;
II -‐ promover o acesso aos serviços básicos e equipamentos sociais;
III -‐ proporcionar melhoria nas condições urbanas da população no que se refere à
acessibilidade e à mobilidade;
IV -‐ promover o desenvolvimento sustentável com a mitigação dos custos ambientais e
socioeconômicos dos deslocamentos de pessoas e cargas nas cidades; e
32
V -‐ consolidar a gestão democrática como instrumento e garantia da construção
contínua do aprimoramento da mobilidade urbana.
Contudo, como já demonstrado, ao se juridicizar, o direito à cidade e à mobilidade
urbana sustentável precisam de instrumentos para se concretizar. Por isso, acredita-‐se
ser crucial na efetivação dos direitos, princípios e objetivos propostos na Política
Nacional de Mobilidade Urbana o disposto no artigo 24 da lei.
Ao prever que todos municípios com mais de 20.000 habitantes deverão elaborar um
Plano Municipal de Mobilidade Urbana, o legislador instrumentalizou o planejamento
urbano calcado na mobilidade, o que a CF e o Estatuto da Cidade já previam, mas não
proviam de meios para efetivar suas previsões.
Complementarmente, a promulgação da Emenda Constitucional nº 90, de 15 de
setembro de 2015, que dá nova redação ao art. 6º da CF, para introduzir o transporte
como direito social, reforça a noção da instrumentalização da mobilidade urbana para o
acesso ao direito à cidade.
Nesse sentido, a vinculação da elaboração do Plano Municipal de Mobilidade Urbana, em
um determinado prazo, ao recebimento de repasses federais atinentes à mobilidade
urbana, traz efetividade ao instrumento uma vez que, como se verá no decorrer desse
estudo, as receitas originariamente municipais são parcas e os municípios dependem
dos repasses federais para implementar suas políticas.
Acredita-‐se que, com os instrumentos disponibilizados por essa lei, juntamente com as
propostas contidas na Emenda Constitucional nº 90 e com o comprometimento político
asseverado no Pacto da Mobilidade Urbana, o discurso político da mobilidade passará a
ter instrumentos e meios concretos de se implementar, gerando desenvolvimento e
inclusão sociais a partir da efetivação do direito à cidade e da mobilidade urbana
sustentável.
Por trás da ideia de mobilidade urbana sustentável há uma nova concepção sobre as
políticas de mobilidade urbana. Elas têm e terão como objetivos oferecer, melhorar e
fomentar as opções de transporte público e transporte não motorizado no Brasil, hoje
insuficientes e sem a qualidade suficiente; assim como minimizar o uso do veiculo
privado e suas externalidades negativas.
33
Espaço urbano, qualidade de vida, inclusão social e meio ambiente são temas
transversais às políticas de mobilidade urbana e desafios para a situação atual do País.
Referente aos pedestres, a situação é crítica: as calçadas perderam espaço físico para os
automóveis e foram esquecidas como um meio de circulação de pessoas. Na atualidade,
várias prefeituras estão tomando previdências para melhorar a situação da via pública.
O transporte público está começando a melhorar através de políticas de priorização do
transporte público e investimentos em infraestruturas de transporte. No que se refere
ao transporte sobre trilhos (metrô e trens regionais), no Brasil há portfolio de cerca de
20 projetos, que duplicariam a rede atual para 1.800 km50.
A mudança de paradigma na concepção da mobilidade urbana é explicitada no Art.182
da CF: “a política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder público municipal,
conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-‐estar de seus
habitantes”.
Nesse contexto, um sistema de transporte urbano sustentável requer o fortalecimento
de várias características do sistema a saber: acessibilidade, eficiência, qualidade e
sustentabilidade ambiental. Para o atingimento desses atributos, várias frentes têm de
ser abordadas. Isto inclui a redução da poluição atmosférica, a proteção da saúde
humana, a redução de acidentes de trânsito e a inclusão de diferentes identidades e
necessidades de viagem no planejamento e avaliação de sistemas de transporte e na
concepção do planejamento e desenvolvimento urbanos.
É chave entender a relação entre a mobilidade urbana e o direito à cidade: garantir o
acesso à equipamentos sociais e, por conseguinte, contribuir para à inclusão social. Para
tanto, é necessário gerar e pôr em prática medidas e iniciativas que resultarão em um
sistema mais eficiente e produtivo do ponto de vista do desenvolvimento urbano e
humano. Também é fundamental compreender a natureza multidisciplinar das políticas
de transporte e das políticas urbanas, para envolver diferentes instituições e níveis de
governança no desenvolvimento de soluções integradas e integrais.
50 ANPTrilhos, 2014.
34
1.3.3 Pacto da Mobilidade
Em decorrência das manifestações da sociedade nas principais cidades brasileiras, se
mobilizando por bandeiras contra o aumento das tarifas, pela melhoria da qualidade do
transporte coletivo, o direito à cidade e a ampliação de direitos sociais como saúde e
educação, a presidente Dilma Rousseff anunciou em junho de 2013 o Pacto pela
Mobilidade Urbana. Este Pacto é composto por ações em três eixos temáticos: menor
tarifa, mais qualidade do serviço de transporte público e maior controle social. No eixo
mais qualidade foram anunciados ainda investimentos de R$ 50 bilhões em obras de
mobilidade urbana.
Em um primeiro momento a discussão do Pacto da Mobilidade ocorreu no âmbito do
Conselho das Cidades (Concidades)51. Foram realizadas três reuniões do Comitê de
Trânsito, Transporte e Mobilidade Urbana (CTTMU) do Concidades contando com
convidados de órgãos e entidades atuantes no setor. Como produto destas reuniões foi
definida uma lista de propostas como referência para o pacto. Em setembro de 2013 os
principais itens da lista de propostas foram apresentados em reunião do Comitê de
Articulação Federativa, da Secretaria de Relações Institucionais (CAF/SRI).
Outras propostas elaboradas pelos municípios também foram apresentadas a esse
Comitê. Nesse mesmo período foram realizadas reuniões por parte do Governo Federal
para discutir possíveis medidas a serem adotadas. Essas reuniões contaram com
representantes do Ministério das Cidades; Ministério do Planejamento, Orçamento e
Gestão; Ministério da Fazenda e IPEA. Considerando a necessidade de maior diálogo
entre os diferentes atores foi instituído um Grupo de Trabalho (GT) Interfederativo com
o objetivo de recomendar um conjunto de medidas referentes ao Pacto pela Mobilidade
Urbana52.
Este GT foi composto de cinco representantes do Governo Federal, cinco representantes
dos Estados e cinco representantes dos municípios. A diretriz norteadora era que o
Pacto pela Mobilidade Urbana se constituísse também em um instrumento de
51 O Conselho Nacional de Cidades (Concidades) é um órgão colegiado de caráter consultivo e deliberativo, integrante da estrutura básica do Ministério das Cidades. O Conselho foi instituído em 2004, em convergência com a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano. 52 Brasil, 2014.
35
estruturação da Política Nacional de Mobilidade Urbana53. Desta forma, a coordenação
do GT ficou a cargo do Ministério das Cidades.
Mais tarde, o governo federal, por intermédio do Ministério das Cidades, publicou no
Diário Oficial da União a Resolução Recomendada nº 151, datada, nesta em sua versão
final, de 25 de julho de 2014, que aprova o encaminhamento ao Comitê de Articulação
Federativa (CAF) da Presidência da República das propostas para o Pacto Nacional de
Mobilidade Urbana elaboradas pelo CTTMU do Concidades. A elaboração das propostas
decorreu de um esforço que teve a participação direta de diversos movimentos sociais e
entidades sociais e de representação.
Em seu primeiro ponto, a resolução propõe a redução de no mínimo 50% das tarifas
pagas pelos usuários do transporte público através das medidas: (i) desoneração dos
tributos sobre o transporte público e seus insumos, mediante a aprovação do REITUP54;
(ii) redução em 75% no preço da energia elétrica e eliminação da tarifa horasazonal no
transporte público; (iii) redução de 50% do preço do diesel para o transporte público;
(iv) integração física e tarifária das redes de transporte; (v) criação de fontes
extratarifárias para custeio das gratuidades sociais nas passagens; (vi) priorização do
transporte coletivo no trânsito com a adoção de faixas exclusivas e com fiscalização; e
(vii) racionalização e integração das redes de transporte público.
Na sequencia, a resolução sugere a criação dos Fundos Nacional, Estaduais e Municipais
de Desenvolvimento Urbano para a garantia de melhorias, subvenções e investimentos
na política de mobilidade urbana, por meio de dotações orçamentárias e outras fontes. A
resolução ainda prevê a garantia dos direitos das comunidades ao priorizar o princípio
da não remoção das populações na implementação do Pacto Nacional de Mobilidade
Urbana; e a existência de linhas de financiamento especiais e contínuas para a garantia
dos investimentos públicos e privados no setor, através da aplicação de 100% da CIDE55
sobre a gasolina para o transporte público urbano.
O Controle social das propostas contidas na resolução está previsto para ser exercido no
plano Federal pelo Concidades por meio de seu CTTMU e, nos Planos Estaduais e
Municipais, pelos seus respectivos Conselhos das Cidades ou equivalentes. Para o 53 Lei nº 12.587/2012. 54 Regime Especial de Incentivos para o Transporte Urbano de Passageiros. 55 Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico.
36
controle e avaliação, deverá ser implementado um observatório com participação dos
entes federados, contemplando banco de dados, monitoramento de projetos,
transparência dos custos e contratos, para apoio aos Conselhos das Cidades e similares,
que atuem no controle social. Com respeito à gestão pública das propostas, sua
estruturação e capacitação, nas diversas esferas de governo, deverá ser realizada de
acordo com a Política Nacional de Mobilidade Urbana, de forma a garantir o
planejamento, projeto, execução e implantação dos programas de investimento em
mobilidade urbana.
Um item particularmente importante na resolução faz referencia à sistematização dos
serviços de transporte público urbano, que devem ser qualificados, racionalizados,
integrados física e tarifariamente e com acessibilidade. Sendo que os R$ 50 bilhões de
novos recursos anunciados para o Pacto Nacional de Mobilidade Urbana deverão ser
aplicados: (i) na qualificação dos órgãos gestores, operadores e sociedade civil para a
elaboração dos planos de mobilidade urbana; (ii) no planejamento, implantação e
operação de sistemas de transportes públicos e modais não motorizados nos âmbitos
federal, estaduais e municipais; (iii) na estruturação do Governo Federal para apoiar e
capacitar a implantação dos projetos dos Programas de Aceleração do Crescimento
(PAC), voltados aos transportes públicos e não motorizados, com assessoramento
técnico aos municípios; (iv) na qualificação das redes convencionais e vias de tráfego
dos transportes públicos, com aumento de velocidade comercial, implantação de um
sistema de informação aos usuários, construção de abrigos e veículos de transporte
coletivo de qualidade e com acessibilidade; (v) na implantação de programas de
investimentos em acessibilidade, calçadas, ciclofaixas e ciclovias; e (vi) em sistemas
estruturais de média e alta capacidade, consolidando a rede de transporte público como
direito social.
Adicionalmente, a resolução propõe o apoio e regulamentação da profissão e do regime
de trabalho no setor de transporte, prevista em diversos projetos em tramitação no
Congresso Nacional. Ainda é proposto que o processo da construção do Pacto Nacional
de Mobilidade Urbana seja a primeira parte da construção do Plano Nacional de
Mobilidade Urbana, a ser construído pelo Concidades por meio do CTTMU, que
acompanhará a implementação do Pacto, com a infraestrutura necessária para o
exercício desta função.
37
Finalmente, está declarado na resolução a criação de um GT permanente formado pelos
segmentos que compõem o CTTMU que ficará responsável por sistematizar as propostas
desenvolvidas pelo Comitê e subsidiá-‐lo em suas funções.
1.3.4 Estatuto da Metrópole
Em áreas conglomeradas e com o adensamento de atividades em municípios
geograficamente limítrofes, os fluxos e entregas de serviços desequilibrados deixam de
ter caráter municipal e passam à condição regional. Nesse contexto, cidades com
infraestrutura de serviços e equipamentos sociais mais relevantes e que concentram
maior atividade social, comercial e industrial, passam a receber fluxos cotidianos de
moradores de municípios menores em busca de serviços e recursos não encontrados
comumente em suas cidades de origem. Nesse cenário, um desafio imposto à estrutura
de gestão de áreas metropolitanas está na viabilização de articulação interinstitucional
que forneça auxílio à ação coletiva necessária ao enfrentamento de problemas comuns a
mais de um município56.
De forma geral, pode-‐se considerar pelo menos quatro principais desafios ao
desenvolvimento das regiões metropolitanas: (i) integração das políticas públicas e à
implementação e fortalecimento de sistemas de governança interfederativa de modo
horizontal e vertical ao sistema; (ii) integração de ações e iniciativas de investimentos
em desenvolvimento urbano – mobilidade urbana, ordenamento territorial, saneamento
básico, etc. – atividades que caracterizam a Função Pública de Interesse Comum
(FPIC)57, a promover a territorialização de investimentos e orçamento; (iii) instituição
de mecanismos para suporte financeiro e técnico para às regiões metropolitanas; e (iv)
gestão democrática e participativa.
Atualmente, o Brasil conta com 66 Regiões Metropolitanas (RM) instituídas -‐ com
população estimada de 100 milhões de habitantes – e 5 aglomerações urbanas (AU). A
característica transversal à estas áreas territoriais urbanas está na fragilidade de
56 Azevedo e Mares Guia, 2007:261. 57 As conferencias de regiões metropolitanas têm considerado a função pública de interesses comum como à atividade ou o serviço cuja realização por parte de um município, isoladamente, seja inviável ou cause impacto nos outros municípios integrantes de uma região metropolitana (Pré-‐Conferência da Região Metropolitana de Curitiba de 2005).
38
mecanismos de governança. Elas respondem por cerca de 50% da população brasileira,
concentrados em apenas 7% do território nacional e são responsáveis por 88,7% dos
domicílios em aglomerados subnormais.58
Para o estabelecimento de diretrizes para o planejamento, a gestão e a execução das
funções públicas de interesse comum nessas regiões foi promulgada a lei nº 13.089, de
12 de janeiro de 2015, denominada Estatuto da Metrópole. A intenção, com a vigência
do Estatuto, é de induzir e mobilizar áreas metropolitanas e aglomerações urbanas a
implementar normas gerais sobre o plano de desenvolvimento urbano integrado e
outros instrumentos de governança interfederativa. O Estatuto estabelece,
adicionalmente, critérios para o apoio da União a ações que envolvam governança
interfederativa no campo do desenvolvimento urbano.
O Estatuto entende por metrópole “o espaço urbano com continuidade territorial que,
em razão de sua população e relevância política e socioeconômica, tem influência
nacional ou sobre uma região que configure, no mínimo, a área de influência de uma
capital regional”. Já à aglomeração urbana é a “unidade territorial urbana constituída
pelo agrupamento de dois ou mais municípios limítrofes, caracterizada por
complementariedade funcional e integração das dinâmicas geográficas, ambientais,
políticas e socioeconômicas”. Tais definições são conforme os critérios adotados pelo
IBGE.59
O Estatuto apresenta normativa à regular o exercício das funções públicas de interesse
comum no âmbito do desenvolvimento do território metropolitano. De forma a
estruturar o esforço de planejamento, institui a exigência do Plano de Desenvolvimento
Urbano Integrado (PDUI) e outros instrumentos de planejamento e gestão
interfederativa, além de estabelecer critérios para apoio da União às RM nas temáticas
de desenvolvimento urbano.
Nesse sentido, um avanço do Estatuto é estabelecidos pela instituição de mecanismo da
gestão plena para a governança metropolitana e interfederativa, ao prever a
formalização de RM ou AU por meio de instrumento legal. Também, por intermédio das
instâncias técnicas, executivas, de controle social e dos mecanismos de articulação
58 IBGE, 2010. 59 Lei nº 13.089/2015.
39
orçamentária, financeira e de prestação de contas, o Estatuto prevê à estruturação da
governança dessas áreas além de viabilizar à existência do PDUI. Outros avanços
observados está na harmonização e integração das estratégias de planejamento e gestão
do território metropolitano, sobretudo pela articulação dos planos diretores municipais,
bem como as políticas setoriais de desenvolvimento urbano, entre elas os planos de
mobilidade urbana municipais.
Contudo, um dos principais desafios verificado no Estatuto é quanto à revisão da
legislação que instituiu as RM ou AU, que deverão estar de acordo às novas exigências de
forma a se habilitarem a receber recursos da União. Também, estabelece sanção na
forma de improbidade administrativa às autoridades políticas e agentes públicos que
não cumprirem os dispositivos da lei: (i) para as novas RM ou AU, devem aprovar o
PDUI em 3 anos a partir da data de sua instituição; e (ii) para as RM ou AU existentes,
devem aprovar o PDUI até 13 de Janeiro de 2018. Ainda estabelece improbidade aos
prefeitos que não adequarem seus planos diretores municipais ao PDUI, sendo que os
municípios de RM ou AU novas e existentes terão até 3 anos para se adaptarem após à
aprovação do PDUI. Adicionalmente, o Estatuto promove a articulação de alguns de seus
dispositivos à peças legais em elaboração, tais como o Sistema de Informações
Metropolitanas e SNDU.
Finalmente, a extensão de aplicabilidade do Estatuto se limita às políticas de
desenvolvimento urbano, não considerando outros instrumentos estratégicos, por
exemplo relacionados ao fortalecimento do setor privado e à aglutinação de cadeias
produtivas em áreas territoriais como vocações complementárias.
2. AGENDA PARA O DEBATE
2.1 Como influenciar o debate público?
Consideramos que influenciar o debate público – de modo qualificado, crítico e
propositivo -‐ seja de fundamental importância para à aplicação da Lei da Política
Nacional da Mobilidade Urbana.
40
Para tanto, a pesquisa utilizou de uma série de perguntas, embasadas pelos critérios de
avaliação e efetivação do direito à cidade, de forma a avaliar a real implicância da
implementação dos preceitos da lei nacional de mobilidade urbana nas regiões
estudadas.
Para o conceito de governança pública, as questões aplicadas foram: (i) as políticas
analisadas visam promover a mobilidade urbana como fator de inclusão social?; (ii)
como as políticas de mobilidade urbana se valem de instrumentos de desestímulo ao uso
do automóvel para democratizar o espaço viário e o uso das ruas?; (iii) quais
mecanismos têm sido usados e com qual efetividade?; e (iv) como se articulam
diferentes níveis territoriais para desenvolver ações e políticas progressivas, eficientes e
sustentáveis?
No que diz respeito ao conceito de eficiência na escolha de investimento e do gasto
público, as questões foram as seguintes: (i) em que medida e como estão as políticas de
mobilidade urbana integradas com as demais políticas públicas urbanas, habitacionais,
de desenvolvimento econômico e produtivo, entre outras?; (ii) de que forma os
investimentos dos últimos anos em infraestrutura têm articulado a intermodalidade dos
sistemas de mobilidade urbana?; (iii) os sistemas de transporte e mobilidade urbana
dialogam entre si?; e (iv) quais aspectos federativos avançaram e quais são óbices a uma
política integrada de mobilidade urbana nas regiões metropolitanas?
Para com o conceito que envolve a criação de oportunidades de interações econômicas,
comerciais e sociais, as seguintes questões foram utilizadas: (i) como as dinâmicas de
mobilidade urbana impactam na geração de oportunidades no território para a geração
de cidades e economias mais competitivas?; e (ii) que tipo de políticas estão
estimulando o desenvolvimento econômico nas regiões estudadas?
No que tange o conceito de qualidade do sistema, a pesquisa se baseou nas questões: (i)
qual o desempenho da segurança da infraestrutura e do material circulante nas políticas
de mobilidade urbana?; (ii) como se planeja melhorar os componentes de conforto,
frequência e confiabilidade nos sistemas?; (iii) são considerados e incorporados
elementos de acessibilidade universal no desenho, construção ou adequação de sistemas
de mobilidade urbana?; e (iv) há integração operacional, física ou tarifária entre os
sistemas de mobilidade urbana?
41
Por fim, para com o conceito de meio ambiente e saúde, a questão aplicada à pesquisa:
como a temática ambiental tem sido incorporada pelos projetos e as políticas
analisadas?
Nesse contexto, na sequencia se apresentará análise dos principais resultados da
pesquisa buscando-‐se responder as questões listadas acima. Tais perguntas resumem
esforço empregado a traduzir os principais desafios e pontos chave para as
problemáticas dos conceitos abordados e nortearão à apresentação dos diagnósticos e
identificação de boas práticas e recomendações decorrentes deste trabalho.
3. A MOBILIDADE URBANA EM SÃO PAULO
3.1 São Paulo: padrões de viagem
Cerca de 2 milhões de paulistanos utilizam veículos particulares diariamente ou quase
diariamente para se locomover. Destes, 65% declaram que deixariam de usá-‐lo se
houvesse uma boa alternativa de transporte60. O número de paulistanos dispostos a não
utilizar seus automóveis, caso haja uma boa alternativa de transporte público, aumentou
de 44%, em 2012, para 61% em 2014. De forma geral, as percepções sobre a
necessidade de mudanças imperativas nos esquemas de mobilidade urbana são cada
vez maiores. Consequentemente, há crescente maturidade na sociedade com respeito à
necessidade de priorização de investimentos no transporte coletivo.
De acordo com a pesquisa de mobilidade Metrô 201261, na Região Metropolitana de São
Paulo (RMSP) – Figura 1 -‐e, mais especificamente, no centro expandido da capital -‐ onde
a renda média é maior -‐, houve aumento no uso de metrô na ordem de 44%,
contrastando ao crescimento de 22% verificado na região norte, noroeste e oeste da
RMSP. Além das pesquisas de percepção, as tendências constatadas pelos padrões de
viagens é indicativo importante, pois revela que, se o transporte for acessível e lhe for
60 IBOPE–Rede Nossa São Paulo, 2014. 61 A pesquisa de mobilidade Metrô 2012 é uma atualização da última Pesquisa Origem-‐Destino (OD) de 2007. A cobertura e escala das atualizações são menores que os da pesquisas OD e o que se busca é identificar tendências gerais nos últimos 5 anos, assim como a evolução dos comportamentos e padrões de viagens no quinquênio. As pesquisas OD são aplicadas de dez em dez anos pelo Metrô (Companhia do Metropolitano de São Paulo).
42
agregado qualidade, as pessoas tenderiam a migrar para o transporte coletivo. Tal
cenário é altamente desejável, considerando os benefícios sociais, econômicos e
ambientais decorrentes da concentração da demanda de transporte articulado à adoção
de critérios coletivos e funcionamento eficiente.
Figura 1: Região Metropolitana de São Paulo.
Fonte: http//www.baixarmapas.com.br/são-‐paulo-‐rmsp/
Contudo, somente melhorar a qualidade do transporte não é suficiente. A análise
econômica é chave na transformação da decisão de utilização do modal de
deslocamento. Tal raciocínio parte do pressuposto que para estimular o uso do
transporte coletivo é necessário encarecer os custos de locomoção em veículo participar
e depreciar os custos da locomoção em modal coletivo. Mas é exatamente o contrário o
que está ocorrendo no Brasil. “Em 20 anos, a cotação das passagens do transporte
público brasileiro avançou 685%, contra 158% da alta do preço do carro, segundo dados
do IBGE.”62 Este diagnóstico significa que para os proprietários de automóveis resultou,
proporcionalmente, menos custoso se locomover com veículo próprio à usar ônibus,
62 Almeida; Batista; Fariello, 2014.
43
trem, metrô ou outros meios coletivos. Adicionalmente, as políticas de estacionamento
na cidade e na RMSP ainda são demasiadamente permissivas, oferecendo vagas sem
custo no espaço público urbano.
Nesse contexto, não surpreendente que a participação do transporte individual no total
de viagens diárias realizadas na RMSP voltou a crescer nos últimos cinco anos, segundo
dados da Pesquisa de Mobilidade do Metrô de 2012-‐2013. Ao todo, 54% das viagens
motorizadas da região são efetuadas por transporte coletivo. Em 2007, eram 56%.
Entretanto, considerando o histórico nas estatísticas sobre o uso de veículo privado, e a
despeito das porcentagens ainda serem altas, pode-‐se considerar avanços progressivos
nesta matéria. A excessiva utilização do veículo individual já atingiu níveis bem mais
altos, incluso superando o modal de transporte coletivo, como apresentado pela Figura
2. Mais recentemente, o aumento da frota de carros na ordem de 18% no período entre
2007 e 2012, é apontado como um dos principais motivos para o aumento das viagens
individuais.
Figura 2: Evolução do transporte motorizado individual versus coletivo.
Fonte: Metrô, Pesquisa OD (1967 a 2007). Prefeitura Municipal de São Paulo, texto base PlanMob, 2014.
As implicâncias da baixa atratividade do transporte coletivo atingem múltiplas
dimensões. Os impactos na qualidade de vida das pessoas, na produtividade das cidades
44
e na saúde pública são algumas das mais notórias. Nas últimas pesquisas da Rede Nossa
São Paulo (2014) e da ANTP (2013), os moradores da RMSP e da capital paulista
avaliaram como má a qualidade do transporte público, assim como o funcionamento dos
esquemas de mobilidade atuais. Dados oriundos da pesquisa ANTP (2013) alertam
categoricamente sobre a má qualidade dos serviços de transporte público na RMSP,
além de atribuir ao congestionamento as dificuldades de deslocamentos, sejam estes por
ônibus ou veículo particular.
Somente na capital, consome-‐se em média duas horas e meia em deslocamentos diários,
independentemente do meio de transporte utilizado; a superlotação nas estações e
veículos do Metrô e da CPTM faz com que tais tempos sejam uma realidade também
para o transporte metro ferroviário. Cerca de 1/3 dos moradores de São Paulo dedicam
uma hora e meia, ou mais, nos seus deslocamentos, somente para a realização de
atividade diária principal, o que para a grande maioria significa o trabalho ou estudo63.
“As consequências para o transporte coletivo, que não consegue absorver a demanda,
acarretam um deplorável círculo vicioso que custa à sociedade, a sua saúde física
(poluição) e mental (estresses do trânsito), além da baixa mobilidade urbana, um ônus
de mais R$ 40 bilhões por ano na RMSP64.“
A insuficiência da rede de alta capacidade sobre trilhos em São Paulo é apontada como
um dos fatores principais da baixa eficiência do transporte coletivo, especialmente,
embora não exclusivamente, na capital. O modelo atual de transporte coletivo por
ônibus requer muito espaço nas vias da RMSP para transportar cerca de 15 milhões de
pessoas diariamente. O ônibus é com folga o modal mais utilizado e, não obstante,
necessita compartilhar as vias com outros modos de transporte o que resulta em
congestionamentos, insegurança e saturação do sistema. Diante da supremacia dos
ônibus e da baixa capacidade dos trilhos -‐ 75 e 258 quilômetros de Metrô e vias férreas,
respectivamente, no âmbito metropolitano -‐, os incrementos nos números de viagens
realizadas pela CPTM e Metrô, acabam tendo efeito limitado. Entre os anos 2007 e 2012,
estes cresceram em 45% e 62% nessa ordem, conquanto, representam somente 12,4%
do total das viagens realizadas na RMSP65.
63 IBOPE-‐Rede Nossa São Paulo, 2014. 64 ANTP, 2013. 65 ANTP, 2014.
45
Dentre os resultados da atualização da pesquisa OD de 2012, é de se destacar o aumento
das viagens motorizadas e de forma individual na população de menor renda, ao tempo
que a população de renda elevada diminuiu suas viagens motorizadas e ampliou as
viagens não motorizadas e por modal coletivo. Segundo Jurandir Fernandes, ex-‐
secretário estadual dos Transportes Metropolitanos de São Paulo, “a explicação para o
aumento das viagens motorizadas nas faixas de renda baixa estaria ligada à política de
incentivos do governo federal e nas facilidades no financiamento de motocicletas e
automóveis dos últimos anos. Já a opção dos mais ricos pelo transporte coletivo e não
motorizado teria relação com uma tendência comportamental no mundo todo, em que o
carro se mostra incompatível com a qualidade de vida urbana e é associado à poluição
ambiental, acidentes, mortes no trânsito e perda de tempo66.” Este diagnóstico traz
alerta adicional sobre a importância da existência de campanhas a divulgar informação
sobre as vantagens sociais em se utilizar modos de transporte coletivos e as implicações
negativas e insustentáveis dos comportamentos individuais nas dinâmicas urbanas.
Desde uma perspectiva de planejamento, o recém aprovado Plano Diretor Estratégico de
São Paulo (PDE) de 2012, considera a importância estratégica da mobilidade
sustentável, adotando esta noção como eixo central. Os programas, ações e
investimentos públicos e privados no sistema de mobilidade urbana são orientados por
um conjunto de diretrizes (art. 228), dentre as quais podem ser destacadas a priorização
do transporte público coletivo, os modos não motorizados e os modos compartilhados,
em relação aos meios individuais motorizados de transporte; desenvolvimento da
bicicleta como modo de transporte; implantação de uma rede de transporte integrada;
promoção do uso mais eficiente dos meios de transporte com o incentivo das
tecnologias de menor impacto ambiental; redução do consumo de energia; e o
estabelecimento de instrumentos de controle da oferta de vagas de estacionamento em
áreas públicas e privadas.
Considerando a implantação progressiva desses preceitos é possível que as grandes
mudanças sejam visíveis em 20 ou 30 anos, mas pela situação atual, os processos de
transformação incremental devem começar o mais rápido possível, procurando o maior
impacto no menor tempo. Enquanto se dedica na implementação do PDE, outros
investimentos a curto prazo requerem ser feitos. A execução de projetos e políticas 66 Folha de São Paulo, 10/3/2014.
46
complementares para efetivar o desestimulo ao uso do automóvel, a qualidade e
acessibilidade do transporte coletivo e o estímulo à intermodalidade – o que dinamiza o
uso de diversos modos de locomoção e incentiva a utilização de modos não motorizados
–, são medidas urgentes a surtir impactos positivos no descongestionamento do
trânsito, na melhoria da oferta e qualidade nos serviços públicos e na eficiência e
competitividade das atividades produtivas.
Neste mesmo contexto, a crise refletida nas percepções e padrões de viagens denota
oportunidade para estas intervenções. Muitas medidas, necessárias mas impopulares,
têm ganhado aceitação nos últimos anos. Hoje, nove de cada dez paulistanos (88%) são
favoráveis às faixas exclusivas para ônibus. Entre os usuários de ônibus, o índice de
aprovação alcança 92%, enquanto entre os de automóveis, que costumam trafegar por
estas vias, a aprovação atinge 83%67. O governo municipal atual têm o compromisso de
gerar uma malha de 250 km de faixas exclusivas para ônibus -‐ à direita -‐, além de 150
km de novos corredores -‐ segregados à esquerda -‐ , metas estas a serem cumpridas até o
final do período, em 2016.
No que se refere ao estímulo de modos de transporte não motorizados, a prefeitura
incluiu em seu plano de metas a criação de rede de 400 km de "vias clicáveis" (ciclo-‐
faixas, ciclo-‐rotas, ciclovias e calçadas compartilhadas). Atualmente, a construção e
ampliação de ciclovias é medida aprovada por 88% dos moradores da cidade de São
Paulo. Entre os motoristas habituais, esse índice é ainda maior: 91%68. O crescimento
na utilização de bicicleta na RMSP é tendência crescente, mesmo com a infraestrutura
ainda deficiente e desconectada. Entre 1997 e 2007, na RMSP, o número de viagens
realizadas exclusivamente por bicicleta quase dobrou, saltando de 162 mil para 304 mil
viagens/dia. Considerando todas as viagens que envolvem algum trecho de bicicleta, o
número alcança os 310 mil deslocamentos; cerca de 6 mil viagens foram realizadas por
bicicletas, combinadas a outro modal: trem, metrô, ônibus ou automóvel69. Os padrões
de viagens e as percepções transcendem os argumentos de que não há suficientes
viagens em bicicleta para justificar o investimento nesse meio de deslocamento.
67 Datafolha, 2014. 68 IBOPE-‐Rede Nossa São Paulo, 2014. 69 Malatesta, 2014.
47
Outras medidas impopulares, como o rodizio e o pedágio urbano ainda geram
resistência entre os proprietários de veículo, dos quais apenas 17% aprovam o pedágio
urbano. Entre os motoristas habituais esta aprovação é ainda menor: 13%. O aumento
do rodízio de veículos no centro expandido para 2 dias, outra medida polêmica, tem
melhor aceitação: 37% dos entrevistados aceirariam está opção70.
A evidência demonstra que as decisões de mobilidade são em grande medida fundadas
em análises econômicas. Por esta razão, é fundamental implantar medidas que
encareçam o uso do automóvel, incrementando seus custos para utilização e circulação,
visando assim, desestimular seu uso e estimular a mudança a modos de transporte
coletivos e não motorizados. Cobrar ou proibir o estacionamento nas ruas, limitar a
utilização das vias e taxar os combustíveis, com destinação desses impostos a projetos
de mobilidade, são algumas alternativas.
Desde a perspectiva da participação social e representação, os processo de formulação e
aprovação do PDE e de formulação do plano de mobilidade (PlanMob) são valorizados
por facilitar a discussão entre a sociedade civil e o governo municipal, assim como por
gerar canais de comunicação inter-‐secretarial. O incentivo à participação tem sido uma
marca do processo, principalmente na etapa de desenho e aprovação do PDE. Tanto
representantes do setor público, como desde organizações não governamentais,
reconhecem a influência da sociedade civil e do governo federal no desenvolvimento e
implantação destes processos. O acúmulo de pressão, por parte da sociedade civil
organizada, teve grande ingerência em pautar, organizar e propor muitas das
intervenções contidas no PDE e discutidas no PLanMob.
Entretanto, o diálogo interinstitucional e interfederativo ainda constitui um dos
principais problemas para avançar em processos de mobilidade urbana sustentáveis na
RMSP. Esta situação é critica quando especialmente considera-‐se o movimento pendular
entre o centro e a periferia característica da RMSP. Tal processo é ocasionado
principalmente pela concentração de emprego em áreas específicas da capital. Somente
em um raio de 11Km a partir da área central de São Paulo, concentram-‐se 50% dos
empregos formais de toda à área metropolitana. Esta tendência tem se avolumado,
refletida pela expansão no número de pessoas que passaram a se locomover entre os
70 IBOPE-‐Rede Nossa São Paulo, 2014.
48
municípios da macro metrópole, que avançou de 2000 a 2010 na ordem de 2 a 3 milhões
de pessoas diariamente.
3.2 Instrumentos de Política Urbana
Plano Diretor Estratégico (PDE)
Importante por ser o principal instrumento de planejamento e ordenamento urbano
para os próximos 16 anos na cidade de São Paulo, o PDE -‐ lei 16.050/2014 -‐ foi
aprovado em segunda e última votação no parlamento municipal em 30 de junho de
2014 e sancionado pelo prefeito Fernando Haddad em 31 de julho do mesmo ano.
O projeto de lei de revisão do PDE -‐ PL 688/2013 – buscou aproveitar os avanços
estabelecidos pelas leis 13.430/2002 (PDE anterior) e 13.885/2004 (que instituiu os
Planos Regionais Estratégicos das Subprefeituras71), e aprimorar os processos de
planejamento e gestão urbana e ambiental no município. Articula propostas e
instrumentos para a regulação do processo de urbanização, definição de áreas para a
realização de projetos de intervenção urbana e ações prioritárias a serem realizadas em
sistemas que estruturam o espaço urbano.
71 Para a demarcação territorial das Subprefeituras a partir da divisão administrativa do município de São Paulo, ver Figura 3.
49
Figura 3: Divisão administrativa do município de São Paulo.
Fonte: São Paulo Transporte – DT/SPT.
Para tanto, o PDE propõe um conjunto de instrumentos e ações que refletem o objetivo
de equilibrar o funcionamento da cidade, combinando as seguintes estratégias:
– de preservação, conservação e recuperação urbana e ambiental, em especial nas áreas
com importantes recursos naturais onde a expansão urbana deve ser contida;
– de qualificação das áreas urbanas consolidadas localizadas nas porções centrais da
cidade, dotadas de sistemas de transporte público coletivo e servidas com boa oferta de
oportunidades de emprego, equipamentos e infraestruturas urbanas;
– de estruturação metropolitana que visa equilibrar a distribuição entre emprego e
moradia;
– de desenvolvimento de eixos de estruturação da transformação urbana que
pretendem otimizar o aproveitamento do solo urbano ao longo da rede de transporte
coletivo. São consideradas áreas de estruturação urbana aquelas que estão em um raio
de 400 metros das estações e terminais de transporte público e 300 metros de cada lado
50
do eixo de transporte (trem, metrô, monotrilho, VLT e BRT). Nestas áreas, o PDE prevê o
adensamento populacional vertical e a possibilidade de construção de até 4 vezes a área
do terreno;
– de redução da vulnerabilidade social e urbana a partir de investimentos que atendam
necessidades urbanas e sociais e de instrumentos que promovam a inclusão territorial.
Nesse sentido, o PDE busca aproximar as moradias dos locais de emprego e adensar as
áreas onde há oferta de transporte público de massa 0 chamadas de eixos de mobilidade
-‐, a exemplo das regiões onde serão instalados corredores exclusivos para ônibus e as
que já contam com linhas do metrô e da CPTM .
Figura 4: Infográfico – PDE de orientação do Crescimento da cidade nas proximidades do transporte público.
Fonte: São Paulo, 2014.
51
A estruturação do desenvolvimento municipal a partir de eixos de mobilidade urbana é
um dos componentes centrais do PDE. Já para à orientação geral dos sistemas de
transporte e a mobilidade urbana no âmbito intra-‐urbano, o plano preconiza medidas e
diretrizes especificas, entre as quais se destacam as seguintes:
-‐ Transporte público incentivado;
-‐ Ampliação e qualificação do sistema de transporte público coletivo, como os
corredores de ônibus, a fim de promover acessibilidade às diferentes regiões da cidade e
diminuir o tempo de deslocamentos cotidianos; tornando mais homogênea a macro
acessibilidade da área urbanizada, promovendo acesso aos serviços básicos e
contribuindo na redução das desigualdades sociais;
-‐ Verba do Fundo de Desenvolvimento Urbano (FUNDURB) para mobilidade: destinação
mínima de 30% dos recursos do FUNDURB para implantação de transporte público
coletivo, sistema cicloviário e de circulação de pedestres;
-‐ Calçadas largas: previsão de calçadas largas nas proximidades dos eixos de transporte,
com largura mínima de 5 metros nos corredores de ônibus e de 3 metros nas áreas de
influência. Promover a acessibilidade universal no passeio público e a prioridade aos
pedestres e aos modos não motorizados, incentivando a utilização destes modos;
-‐ Novos sistemas de mobilidade: reconhecimento de novos componentes do sistema de
mobilidade, tais como logística e cargas, hidroviário e de compartilhamento de
automóveis, para estruturação de uma matriz de deslocamentos articulada e eficiente,
garantindo o abastecimento e gestão integrada do trânsito, do transporte de pessoas e
do transporte de bens e serviços, aprimorando a logística do transporte de cargas.
Reduzir o número de acidentes e mortes no trânsito; reduzir emissões de poluentes;
-‐ Plano Municipal de Mobilidade Urbana: definição de diretrizes e prazo para elaboração
participativa do PlanMob, que contempla a análise das condições existentes, ações para
ampliação, qualificação e integração dos sistemas de transporte, mecanismos de
monitoramento e incentivo a ações de redução de impacto ambiental. Ampliar o uso do
coletivo na matriz de transporte da cidade e a prioridade para o transporte público e
reduzir o tempo médio das viagens.
52
Leis de Zoneamento
Além do PDE, há instrumentos de planejamento urbano específicos que definem as
regras para o uso e ocupação dos espaços da cidade tais como: (i) Lei de Parcelamento,
Uso e Ocupação do Solo; (ii) Planos Regionais Estratégicos; (iii) Leis Urbanísticas
Específicas; e (iv) Código de Obras e Edificações.
No município de São Paulo, as regras de parcelamento, uso e ocupação do solo foram
definidas pela Lei nº 13.885/04, a mesma lei que instituiu os Planos Regionais
Estratégicos.
Após à aprovação do PDE de São Paulo, a prefeitura teve 180 dias para iniciar o processo
de revisão da Lei de Zoneamento, que define as regras de parcelamento, uso e
desocupação do solo e estabelece normas complementares ao PDE, além de instituir os
Planos Regionais Estratégicos para as subprefeituras. A ação de planejamento de
parcelas territoriais incorporadas à cidade, coincidentes ao planejamento político
administrativo das subprefeituras, permite aproximar os instrumentos de planejamento
à esfera local, com suas particularidades e especificidades, atendendo aos pleitos
legítimos da população em rever os padrões de uso e ocupação de cada bairro,
quarteirão ou lote da cidade72.
O principal objetivo da revisão da Lei de Zoneamento foi consolidar essa temática, a
partir de seu arcabouço jurídico instrumental, como ferramenta para a efetivação do
direito à cidade, considerando as implicações do desenho e as regulamentações urbanas
na geração o superação de desigualdades sociais. O novo projeto de zoneamento
pretende desestimular o uso de automóveis no centro expandido de São Paulo, abrir
mais espaços para bicicletas e construir edifícios-‐garagens em áreas próximas às linhas
do Metrô e de trens nas periferias, a evitar viagens, através do transporte individual
motorizado, desde os bairros para o centro da cidade.
Estas medidas e seu impacto nos processos de mobilidade urbana na RMSP serão
analisados na seção seguinte, sobre os avanços e desafios da mobilidade urbana em São
Paulo, sendo um dos aspectos analisados na integração de diferentes políticas urbanas a
implantar medidas e consolidar esquemas de mobilidade urbana inclusiva, eficiente e
sustentável.
72 Site Gestão Urbana – Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano – SMDU.
53
Plano de Mobilidade Urbana
Conforme estabelecido pela Lei Federal 12.587, São Paulo encontra-‐se na elaboração do
seu Plano de Mobilidade Urbana (PlanMob -‐ São Paulo), com previsão de finalização do
documento para dezembro de 2015. Assim, o PlanMob/SP será o instrumento de
planejamento e gestão dos sistemas de mobilidade urbana do município abrangendo
entre seus princípios fundamentais a integração intermodal dentro do sistema
municipal de mobilidade urbana e a priorização do transporte público coletivo e dos
modos ativos não motorizados73. A prefeitura municipal, a partir da coordenação da
Secretaria Municipal de Transportes (SMT), estão à cargo de sua elaboração, contando
com suporte e adaptação de recomendações advindas da empresa pública SPTrans e da
Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) em todo o processo. No método de
elaboração, estabeleceram-‐se parcerias com as demais secretarias municipais afeitas
aos temas da mobilidade urbana, desenvolvimento urbano e parcelamento e uso do solo.
Para este fim, conformou-‐se complementarmente o grupo técnico intersecretarial
(Portaria 376 de 2014), a facilitar a discussão e retroalimentação desde diferentes
órgãos e secretarias.
No texto base do PlanMob 2015, consta que “um dos preceitos fundamentais que orienta
o desenvolvimento de uma nova política de mobilidade urbana no município de São
Paulo é a coordenação entre a política de transporte e circulação com a política de
desenvolvimento urbano. O desafio assumido com a proposta dos Eixos de Estruturação
da Transformação Urbana do PDE 2014, associa de maneira peremptória o desenho da
rede de transporte de média e alta capacidade com a delimitação de áreas destinadas ao
adensamento de atividades de emprego e moradia. Uma das decorrências em longo
prazo será a redução do número excessivo de viagens pendulares motorizadas no
âmbito municipal.”
73 Secretaria Municipal de Transportes – São Paulo. Plano de Mobilidade Urbana.
54
Figura 5: Definição da prioridade dos atores – PlanMob São Paulo, 2015.
Fonte: Prefeitura Municipal de São Paulo, PlanMob, 2015.
Adicionalmente, de forma categórica, o texto base do PlanMob 2015 declara, como
preceito fundamental que norteia esta política, à “adoção de uma necessária priorização
do uso do espaço viário urbano pelo transporte público coletivo, pelo transporte não
motorizado e pelos deslocamentos a pé.” A justificativa apresentada argumenta que “o
espaço viário urbano é escasso e essa priorização é fundamental para a eficiência do
transporte coletivo bem como a garantia de um deslocamento seguro e eficaz do
transporte não motorizado.” E de forma inovadora, o texto considera o deslocamento a
pé como prioritário sobre os demais modais, e conceituado “não apenas como um modo
mas como uma atividade básica do ser humano a ser plenamente assegurada.”74
Na figura 6, apresentam-‐se os princípios que norteiam o texto base plano de mobilidade
urbana do município de São Paulo
74 Texto base do PlanMob, 2015.
55
Figura 6: Definição da prioridade dos atores – PlanMob São Paulo, 2015.
Fonte: Prefeitura Municipal de São Paulo, PlanMob, 2015.
3.3 Mobilidade Urbana em São Paulo: avanços e desafios
O desenho participativo do PDE, a discussão na elaboração do PLanMob, a construção de
faixas exclusivas para ônibus (à direita), os projetos de corredores de ônibus (à
esquerda) e à ampliação da rede de ciclovias e cliclofaixas são conjunto de medidas que
traduzem os avanços conquistados resultado de intervenções progressivas, alinhadas
com os preceitos da lei da política nacional da mobilidade urbana. Tais medidas
ratificam esforços centrados na mobilidade inclusiva, representativa e redistributiva.
Além destes projetos, a implantação de novas modalidades temporais de “bilhete único”
(diário, semanal e mensal) e a institucionalização de benefícios e gratuidades -‐ tais como
o “passe livre” para alunos da rede municipal de ensino, estudantes de universidades
públicas com renda familiar per capita de até 1,5 salário mínimo, bem como
descapacitados e idosos -‐, são iniciativas que promovem à acessibilidade e inclusão
social, além de brindar eficiência e qualidade para os sistemas.
O dialogo interfederativo e os processos de execução e planejamento no âmbito
metropolitano, constituem alguns dos principais desafios para o município e RMSP.
Apesar dos avanços com a implantação de medidas para desestimular o uso do
automóvel, a aprovação de políticas para a proibição, regulação e encarecimento da
circulação de veículos particulares é ainda uma demanda a ser resolvida.
56
Governança pública
O detalhamento da a narrativa que traduz o diagnóstico sobre a governança pública em
torno da mobilidade urbana em São Paulo e na RMSP se baseou nas seguintes questões:
(i) as políticas analisadas visam promover a mobilidade urbana como fator de inclusão
social?;
(ii) como as políticas de mobilidade urbana se valem de instrumentos de desestímulo ao
uso do automóvel para democratizar o espaço viário e o uso das ruas?;
(iii) quais mecanismos têm sido usados e com qual efetividade?; e
(iv) como se articulam diferentes níveis territoriais para desenvolver ações e políticas
progressivas, eficientes e sustentáveis?
A aplicação de instrumentos de desestímulo à utilização do automóvel para a
democratização do uso do espaço viário parte de uma noção de justiça e equidade na
distribuição dos recursos, considerando que é a menor parte da sociedade -‐ 27% da
população -‐ os que utilizam este modal individual, ocupando mais do 60% do espaço das
vias. Neste sentido, investimentos e políticas progressivas devem ser priorizados em
coerência à demanda existente por modal -‐ medida em número de pessoas
independente de sua renda -‐, para assim garantir condições adequadas de acesso e
aproveitamento das oportunidades de participação e desenvolvimento oferecidas pela
cidade.
Através dos mecanismos de gratuidade, reconhece-‐se a diversidade das diferentes
identidades que precisam do sistema de transporte, respondendo com ações
redistributivas e representativas a garantir o aproveitamento dos sistemas por parte de
identidades com potenciais dificuldades de acesso ou tradicionalmente excluídas. Os
processos de participação cidadã, oferecem canais de representação e participação
direita para coletivos sociais organizados, permitindo elevar suas demandas ao nível
governamental.
Em se tratando da análise sobre a utilização de distintos modais para o deslocamento,
percebe-‐se, através da Figura 7, que há semelhanças entre o município de São Paulo
(MSP) e RMSP, com maior presença das viagens realizadas por meio do transporte
57
coletivo (37,1% no MSP e 36,5% na RMSP). Para efeito de interpretação, a análise da
divisão modal – pelo índice de mobilidade: quantidade de viagens por habitante, por dia
–, considera agregações modais segundo três grupos: (i) transporte coletivo (TC),
incluindo os serviços de transporte coletivo público (ônibus, micros e sistemas metro
ferroviários), e transporte coletivo privado (escolar e fretado); (ii) transporte individual
(TI), incluindo o transporte individual público (táxi) e o transporte individual privado
(automóvel e motocicleta); e (iii) transporte não motorizado (TNM), compreendendo os
modos bicicleta e a pé75.
Adicionalmente, viagens realizadas por transporte não motorizado também têm grande
relevância (32,3% no MSP e 33,9% na RMSP). Também, o transporte individual
motorizado, representando 30,6% no MSP e 29,5% na RMSP do todas as viagens
realizadas, apresenta-‐se como agregação modal não menos importante para o
deslocamento de pessoas na região. Complementarmente, constata-‐se que há maior
presença das viagens motorizadas no MSP (68% contra 66% da RMSP) e menor das não
motorizadas (32% contra 34% da RMSP)76.
Figura 7: Divisão modal da cidade de São Paulo e RMSP
Fonte: OD RMSP, 2007. Prefeitura Municipal de São Paulo, Secretaria de Transportes, 2015.
75 Secretaria Municipal de Transportes -‐ Editais para a Concessão do Serviço de Transporte Público sobre Pneus. Minuta do Edital ANEXO I – O Transporte Coletivo Público de Passageiros no Município de São Paulo. 76 Ibid.
58
No que tange o transporte coletivo rodoviário em São Paulo, verifica-‐se através do texto
base do PlanMob 2015 que a nova infraestrutura de corredores e terminais –
implementados ao longo dos últimos três anos – constitui programa especifico de
intervenções no âmbito da politica urbana municipal, centrado em “corrigir o panorama
atual do transporte por ônibus que, apesar de transportarem a maior parte dos
usuários, ainda não recebe a prioridade proporcional a sua importância no sistema
viário.” Ainda de acordo com o texto base, tal prioridade se traduz pela efetivação e
ampliação de medidas tais como a “separação de faixas de tráfego nas vias para uso
exclusivo dos ônibus; destinação de áreas da cidade para a construção de terminais;
determinação de prioridade para os ônibus em fases semafóricas e conversões e
viabilização de mais ultrapassagens nas paradas.“77
Claramente, esta aposta, contida no texto base e com grande possibilidade de ser sim a
estrutura transversal do PlanMob, visa reduzir as inequidades na qualidade e eficiência
do transporte, oferecendo opções com maior qualidade, conforto e confiabilidade aos
usuários de transporte coletivo que, no caso de São Paulo, são detentores de menor
renda média em comparação aos usuários de veículos particulares. Vale ressaltar que
tanto na cidade de São Paulo como na RMSP o transporte coletivo representa à
agregação de modais de transporte mais utilizado. Assim, a função redistributiva do
governo se expressa em propostas de recuperação e utilização coletiva do espaço viário,
visando melhorar as condições para os deslocamentos urbano e democratizar o uso das
ruas.
Contudo, a implantação dos corredores de ônibus constitui um dos grandes desafios
deste plano. Dos 150 km projetados apenas 36,6 km encontram-‐se em obras. Conta com
variados problemas, de ordem financeira, às dificuldades de aprovação das obras pelo
Tribunal de Contas do Município (TCM), além de erros em projetos. Em 2014 a
prefeitura conseguiu empenhar apenas 4,3% do orçamento do Plano Pluri Anual (PPA) –
2014 a 2017 – destinados à esta temática. Naquele mesmo ano o avanço físico das obras
foi nulo, já que parte considerável dos recursos empenhados foram destinados à
elaboração de projetos ou à arcar com as desapropriações. A previsão é de executar até
2017, por volta de R$ 6 bilhões para estas ações; no entanto em 2014 foram
empenhados somente R$ 271 milhões. 77 Texto base do PlanMob, 2015.
59
Algumas críticas apontam à falta de planejamento e transparência. Outras aludem à
possível recuo dos processos de participação cidadã – que eventualmente estariam mais
presentes nas discussões do PDE e não tão vigentes nas orquestradas no âmbito do
PlanMob –, para explicar os fatores responsáveis deste estancamento na execução. Uma
maior socialização sobre as vantagens e oportunidades do projeto, bem como o
fortalecimento de esquemas de controle são recomendações estratégicas para o avanço
nos projetos de corredores der ônibus.
Por outro lado, destaca-‐se o percentual elevado de ônibus que utilizam vias
compartilhadas. De um total de 4.360 quilômetros de vias por onde circulam estes
veículos, 4.240 quilômetros (97%) estão localizadas em vias compartilhadas com outros
modos. A limitada rede de vias exclusivas, resulta em velocidades reduzidas para o
transporte coletivo, ainda mais baixas que as do transporte individual, sendo este um
dos fatores que contribuem particularmente para a pouca atratividade do transporte
público.
Neste sentido, através da implantação de faixas exclusivas, o governo local paulistano
facilita a conquista de importantes avanços. Os 337 quilômetros em funcionamento
superam a meta inicial de 250 quilômetros, enquanto que a aceitação popular sobre a
iniciativa ratifica os resultados alcançados pela política. Segundo a CET, os ônibus em
São Paulo estão 68% mais rápidos após a criação das faixas exclusivas78. No entanto, as
faixas exclusivas exigem ampla fiscalização de modo a inibir o desrespeito pelos demais
veículos, sendo a educação dos motorista um dos principais desafios para a efetividade
da medida. Esta situação se faz evidente ao se constatar o incrementos no número de
infrações de trânsito passíveis de multa decorrentes da invasão -‐ por veículos
particulares -‐, às faixas exclusivas: de 2013 para 2014 houve incremento de 69,5%.
Assim “a ausência de fiscalização intensiva, seja pela indisponibilidade de tecnologia
adequada ou pelos recursos restritos para a fiscalização por agentes de trânsito,
constituiu seu principal desafio”79
No tocante ao transporte ferroviário, pode-‐se considerar que a insuficiência da rede de
alta capacidade sobre trilhos no município de São Paulo constitui-‐se como um dos 78 A pesquisa foi realizada em 66 trechos inaugurados entre janeiro e agosto de 2015, que somam 59,3 quilômetros. Segundo a companhia, a velocidade média dos ônibus nestes trechos passou de 12,4 km/h para 20,8 km/h. 79 Texto base do PlanMob, 2015.
60
principais fatores do congestionamento da cidade. Como bem apontado pelo texto base
do PlanMob, para a sua viabilidade, “São Paulo necessita de uma das maiores frotas de
ônibus urbanos do mundo (cerca de 15 mil ônibus operados pela SPTrans) justamente
pela insuficiência da rede de alta capacidade sobre trilhos.” Esta condição exige a
imperiosa necessidade em avançar na consolidação dos projetos ferroviários projetados,
tanto no âmbito territorial da capital paulista, quanto os de amplitude regional
metropolitana.
Desde sua concepção em 1968, a infraestrutura entregue para o funcionamento do
sistema Metrô avança a menos de 2 quilômetros por ano80. A expansão da operação do
metrô a cargo Companhia do Metropolitano de São Paulo, “ao ritmo médio de expansão
anual, precisaria de mais 172 anos para chegar à atual extensão do metrô de Londres. E
entre os metrôs latino-‐americanos, o da Cidade do México, inaugurado em 1969 com
226 quilômetros de rede, tem ritmo de expansão superior ao de São Paulo, com 5
quilômetros a mais por ano”81
Segundo o PPA de 2012 a 2015 do governo do estado de São Paulo82, “em 2015, a rede
de metrô planejada será de 91quilometros com 80 estações”, marca que não foi
alcançada ao se constatar que a região conta somente com 78 quilômetros. Contudo, é
importante frisar que para questões de cobertura metropolitana, São Paulo conta com
três empresas de transporte sobre trilhos (CPTM, Metrô e Via 4–APP, esta última
vinculada ao Metrô) que abrangem 260 quilômetros de extensão. Entretanto, os trens
metropolitanos (CPTM), transportam mais que o dobro do verificado há 10 anos,
operando com a capacidade máxima. Isto de fato representa um desafio, não somente
para a eficiência do sistema -‐ que por conta dessa operacionalidade máxima sofre
frequentes atrasos e superlotação -‐ como também para a segurança da infraestrutura e
dos passageiros.
Sobre a CPTM, é grave as percepções ressaltadas pelo engenheiro de tráfego Telmo
Porto acerca do contexto de operação no limite de sua capacidade e as limitações de 80 Wassermann, 2014. 81 Ibid. 82 A Companhia do Metropolitano de São Paulo (Metrô), entidade que opera o metrô na capital, é vinculada à Secretaria de Estado dos Transportes Metropolitanos do governo do estado de São Paulo. Além do Metrô, a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) e a Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos de São Paulo (EMTU) seguem esta mesma estrutura de gestão pelo Estado de São Paulo.
61
tempo de manutenção e de modernização que não são priorizadas83. Adicionalmente, é
importante destacar que dentre as tecnologias de transporte sobre trilhos de alta
capacidade, o metrô oferece condições bastante superiores que as da CPTM, o que
impacta na frequência dos veículos, segurança do material circulante e eficiência na
operação, o que reverbera positivamente por toda a cidade e região.
Ainda sobre o trem metropolitano operado pela CPTM, tal sistema utiliza praticamente a
mesma infraestrutura ferroviária existente no início do século XX, proveniente das
antigas linhas de subúrbio84. Dos 39 municípios da RMSP, a operação da CPTM atende
18 o que lhe imputa papel extremamente significativo no atendimento dos
deslocamentos metropolitanos. Entretanto, conforme apontado por documento da
ANTP (2013:56), ao funcionar “principalmente como trem de subúrbio, a ferrovia é
pouco utilizada para os deslocamentos internos ao município de São Paulo. Apesar dos
esforços empreendidos nos últimos anos, para a modernização da infraestrutura da
CPTM, e do surpreendente crescimento de sua demanda ocorrido nos últimos 10 anos, a
baixa frequência de trens que ainda prevalece na maioria de suas linhas, a falta de
conexão da maioria de suas estações com os polos de atividades e serviços da
metrópole, e ainda a falta de integração de seus serviços com o sistema municipal de
ônibus da cidade de São Paulo, que poderiam lhe atribuir melhor acessibilidade local,
restringem suas possibilidades de atendimento, mantendo o potencial da malha
ferroviária sub aproveitado.”
No que se refere ao transporte cicloviario, São Paulo tem vivenciado processo de
mudança de paradigma, ao se adotar e implementar a bicicleta como um outro modo de
transporte para o dia a dia. Conforme já comentado, a lei nacional da mobilidade urbana
estabelece como prioritários os modos de transporte não motorizados (pedestre e
bicicleta) e, em concordância com a lei e seguindo o conteúdo de seu plano de metas, a
Secretaria Municipal de Transportes (SMT), tem implantando a rede de ciclovias
urbanas.
83 Reportagem do Bom dia Brasil, edição de 28/01/2014. 84 Majoritariamente, a CPTM herdou as estruturas da antiga Estrada de Ferro Sorocabana (depois FEPASA), da The Sao Paulo Railway Company Ldt. (depois Estrada de Ferro Santos – Jundiaí, depois RFFSA e depois CBTU) e da Estrada de Ferro São Paulo – Rio de Janeiro, antiga Companhia Imperial de Estradas de Ferro (depois RFFSA e depois CBTU).
62
A priorização do transporte público e a construção de ciclovias, ciclo-‐faixas e ciclo-‐rotas
denotam avanços concretos em São Paulo. Os 255,1 quilômetros de vias clicáveis que
foram implantadas desde junho de 2014, somam quantidade superior ao realizado nos
últimos 33 anos. Até o ano 2009 haviam apenas 10 quilômetros de ciclovias na cidade;
no inicio de 2013 eram 63; atualmente são 477,8 quilômetros de infraestrutura
cicloviária, composta por 325,1 quilômetros de ciclovias, 31,9 quilômetros de ciclorrotas
e 140 quilômetros de ciclofaixas operacionais de lazer, habilitadas aos domingos e
feriados. “A Ciclorrota é um percurso já consagrado pelos ciclistas, onde a CET implanta
sinalização vertical com placas de regulamentação e advertência e pintura de solo,
indicando aos ciclistas e motoristas que a via é uma rota para bicicletas na qual a
atenção deve ser redobrada e a velocidade reduzida.”85
Da mesma forma, as políticas de obrigatoriedade de um número mínimo de vagas para
bicicletas em edifícios novos (desde 2012) e a existência de suportes para bicicletas em
veículos de transporte coletivo, fortalecem esta opção como modal de deslocamento
viável para a cidade. De acordo com dados da Pesquisa de Mobilidade do Metrô86, em
2012 realizaram-‐se na capital 333 mil viagens diárias em bicicleta durante os dias úteis.
Segundo a mesma pesquisa, 158 mil viagens são feitas de táxi diariamente, o que nos
leva à conclusão que as viagens de bicicleta somam mais que o dobro das realizadas por
táxi. Considerando tal tendência, não é descontextualizado afirmar que ao se oferecer
alternativas de trânsito mais seguro para ciclistas somado à expansão da infraestrutura
cicloviária – de forma sistemática e integrado a outros modais -‐, o uso da bicicleta
aumentaria. O objetivo desejado por especialistas, entidades de representação pelo uso
das bicicletas e texto básico do PlanMob, é de se alcançar uma distribuição modal na
qual as bicicletas representem de 10 a 12% do total das viagens realizadas em São
Paulo.
Contando com coletivos ciclistas bem organizados em entidades como a Ciclocidade
(Associação de Ciclistas Urbanos de São Paulo)87 ou o Instituto CicloBR88, o modal
bicicleta tem conseguido ocupar papel relevante nas políticas públicas. Com encontros a
85 CET-‐SP, 2015. 86 Metrô, 2012. 87 http://www.ciclocidade.org.br/ 88 http://www.ciclobr.org.br/
63
cada 3 meses com o prefeito, conquistaram um espaço institucional para acompanhar as
políticas de mobilidade urbana: a Câmara Temática de Bicicleta89.
Já no PDE, o capítulo dedicado à temática bicicleta foi elaborado em diálogo aberto, por
meio de audiências e reuniões promovidas pela Ciclocidade. Como atores impactados
pelo tema, a Ciclocidade encabeçou o processo de redação, que foi incorporado ao PDE
no momento de sua elaboração. O ponto significativo foi ter consolidado a bicicleta
como parte do sistema de mobilidade urbana. Adicionalmente, se compreendeu o
sistema cicloviário, dentre uma série de elementos que não se resumiu apenas às
ciclovias, incluindo paraciclos, sistemas de compartilhamento de bicicletas, campanhas,
etc.
As propostas da Câmara Temática de Bicicleta para o PlanMob versam sobre diretrizes
de conectividade, linearidade, intermodalidade e hierarquização da rede cicloviária
estrutural, seguindo a mesma hierarquia do sistema viário geral, ademais de ampliar o
sistema de bicicletas compartilhadas e estendê-‐lo à toda a cidade com maior garantia de
qualidade e confiabilidade para os usuários, e a criação de capítulos específicos
relacionados ao traffic calming e ao desestímulo a veículos individuais motorizados,
além do estabelecimento de metas para a diminuição da letalidade no trânsito.
Porém estas conquistas são susceptíveis de regressividade pois não há política que
institucionalize e garanta a sustentabilidade destas ações no tempo. É fundamental que
a cidade se aproprie dessas políticas, para também demandar de seus governantes
garantias institucionais, que evitem retrocessos.
Igualmente, a continuidade ou complementariedade metropolitana dos avanços
constatados em São Paulo deve ser uma prioridade estratégica da região. Os eixos
centrais estruturantes, especialmente em avenidas de fundo de vale, são os melhores
para pedalar, mas foram ocupados pelos automóveis a partir da estruturação de
avenidas de trânsito rápido. Os maiores índices de acidentes fatais com ciclistas estão
nesses lugares. Uma solução para obter um sistema cicloviário funcional seria a
existência de planos de bairro articulados aos eixos de alta capacidade.
89 Câmara Temática de Bicicleta do Conselho Municipal de Transporte e Trânsito (CMTT) – São Paulo.
64
A política pública de bicicletas...a quem pode beneficiar?90
Daniel Guth, da CicloCidade, traz uma interessante reflexão sobre a desigualdade social e a bicicleta como solução. Segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares (IBGE), realizada entre os anos 2008 e 2009, quase 40% dos brasileiros que adquiriram uma bicicleta para utilizar como meio de transporte tinham renda familiar de até R$ 1.200. Na média, de todos os brasileiros que compraram uma bicicleta, suas rendas eram quase 12% inferior à renda média dos brasileiros. Ou seja, quem compra e se utiliza da bicicleta como meio de transporte, seja no cenário urbano ou rural brasileiros, são aqueles/aquelas que mais necessitam deste veículo para seus deslocamentos. Seja como economia do vale transporte, seja como instrumento de trabalho, a bicicleta ainda é um dos principais modos de transporte inclusivo e justo socialmente.
Aludindo contemporaneamente aos conceitos de Henri Lefebvre, uma cidade orientada para ciclistas e pedestres é uma cidade que garante aos seus habitantes o pleno direito à cidade. Devolver a escala humana, tanto para a orientação urbanística do crescimento da cidade, quanto para a mobilidade urbana, deveria ser uma perseguição intransigente do poder público. Uma cidade onde as distâncias, a vida funcional e os serviços essenciais podem ser alcançados em algumas pernadas – a sapato, bicicleta, skate, etc – é uma cidade que pode se orgulhar de ver boa parte do sofrimento e da exclusão social de seus habitantes reduzidos drasticamente.
No que tange a mobilidade a pé, o papel do modal pedestre no Brasil passou a ter um
lugar importante a partir da instituição de diretrizes da Política Nacional de Mobilidade
Urbana. Nela, os modos de transporte não motorizados, pedestre e bicicleta, são
estabelecidos como prioritários no Artigo 6º: “II -‐ prioridade dos modos de transportes
não motorizados sobre os motorizados e dos serviços de transporte público coletivo
sobre o transporte individual motorizado”.
Analisando os investimento e projetos em curso voltadas para o modal pedestre, pode-‐
se concluir que ainda não se cumprem o estabelecido no Artigo 5º: “VII Justa
distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do uso dos diferentes modos e serviços”
e “VIII Equidade no uso do espaço público de circulação, vias e logradouros.” Apesar da
política de investimentos não estar centrada somente no automóvel, o emprego de
recursos em calçadas e rede de circulação de pedestres não são proporcionais à
demanda do modal. Segundo pesquisa da Rede Nossa São Paulo, 20% dos paulistanos
acessam o trabalho à pé transitando pelos passeios públicos; dados da ANTP (2012)
90 Guth, 2015.
65
mostram que as viagens a pé nas cidades com mais de um milhão de habitantes
respondem por aproximadamente 33% de todas as viagens diárias91.
No plano de metas da gestão atual da cidade de São Paulo, está prevista à acessibilidade
em 850 mil m² de passeios públicos do município. Desse total, 290 mil m² já foram
concluídos (112,5 mil m² em 2013 e 171,2 mil m² em 2014)92 e outros 100 mil m²
aguardam a fase de liberação de recursos para o início das obras. A nova meta
apresentada em maio de 2015 foi de readequar 320,5 mil m² em 2015 e 329,2 mil m²
em 2016. Assim, a cidade de São Paulo ganhará um milhão de metros quadrados de
novas calçadas93. A medida beneficia toda a população da cidade (as calçadas são a causa
de cerca de 20% das quedas atendidas no Hospital das Clínicas)94, em especial de
pessoas com deficiência e mobilidade reduzida.
O debate sobre a origem da cobertura dos custos da adequação e manutenção do
mobiliário urbano atravessam esta problemática, pois o plano de revitalização atual
obriga aos proprietários dos imóveis vizinhos a arcar com os custos da adequação. O
esquema consiste em multar o proprietário cuja calçada esteja em condições não
aceitáveis pela legislação. Tal situação parece constituir umas das causas da ineficiência
na execução desta meta. A fiscalização é fraca, grande parte dos reparos não são feitos e
as multas impostas, em muitos, casos não são cobradas. A nova proposta é avançar nas
obras e cobrar aos proprietários que não realizaram as alterações no tempo estipulado.
“Se dentro desse prazo a reforma não for efetuada, poderá haver nova multa e a
prefeitura fará a obra de recuperação e o proprietário será cobrado. Com isso, a gestão
Haddad poderá recuperar cerca de 85% do investimento inicial (R$ 34 milhões). Os
demais 15% de recursos serão investidos em logradouros públicos.”95
Para com a participação cidadã, é de se destacar que no aperfeiçoamento da proposta do
PDE, entregue pelo prefeito ao parlamento municipal em setembro de 2013, foram
realizadas mais de 50 audiências públicas – através das quais foram coletadas
contribuições e temáticas específicas de cada região da cidade, que abordaram temas
91 ANTP, 2012. 92 Ibid. 93 Ibid. 94 Dados da professora Julia Greve (FMUSP, 2010). 95 Valor Econômico, 2015.
66
como urbanização, meio ambiente, uso do solo, mobilidade, cultura e habitação, entre
outros.
Nesse sentido, salienta-‐se o processo aberto e participativo ocorrido na elaboração e
aprovação do PDE, assim como o averiguado nas discussões recentes acerca do
PlanMob. O papel dos modos de mobilidade não motorizados priorizados pela lei
nacional da mobilidade urbana ganharam representatividade através dos coletivos
sociais organizados, que começaram a influenciar e mobilizar a sociedade, assumindo
papel representativo nas políticas públicas urbanas.
Conforme comentado anteriormente, na elaboração do PlanMob, a Prefeitura constituiu
Grupo de Trabalho Intersecretarial (GTI/PlanMob) com representantes de diversas
secretarias municipais. Também se convidou ao Instituto de Energia e Meio Ambiente
(IEMA), instituição que proporcionou cooperação técnica nos componentes de saúde,
meio ambiente e alternativas de mobilidade urbana sustentável e eficiente.
A participação cidadã se efetivou através de vários eventos: audiências e rodadas de
reuniões sobre o PlanMob nas 32 subprefeituras, reuniões ordinárias do CMTT, ciclo de
reuniões na Câmara de Vereadores, reuniões temáticas dos 10 segmentos da sociedade
civil que compõem o CMTT e audiências públicas. Ademais, a prefeitura de São Paulo
lançou um site96 para receber sugestões focadas na melhoria de rede de transportes.
Estes processos, estimulados e implementados de maneira efetiva, tiveram como
resultado a geração ou consolidação de esquemas de participação, capazes de contribuir
e articular o diálogo entre o município -‐ e seu poder decisório -‐ e a sociedade civil. A
criação da Comissão Técnica de Mobilidade a Pé e Acessibilidade (criada no final de
2014)97 é um dos dispositivos adotados pela ANTP para discussão mais ampla sobre
variados temas que compõem a mobilidade urbana. A ANTP abriu um novo espaço para
tratar as questões relacionadas com a vida dos pedestres e, dentre estes, um espaço
destinado especialmente às pessoas com deficiência. A Comissão Técnica teve grande
colaboração98 na construção do PlanMob de São Paulo, coordenando a sala temática de
Mobilidade a Pé na frente de Debates Temáticos para a construção do PlanMob e
elaborando as diretrizes bases que complementavam o texto inicial a ser debatido.
96 São Paulo, PlanMob. 97 Nespoli, Luiz Carlos. ANTP cria a Comissão Técnica de Mobilidade a Pé e Acessibilidade. 98 Diretrizes da Mobilidade a pé – PlanMob SP.
67
Por sua vez, o coletivo de ciclistas organizados em entidades como a Ciclocidade ou o
Instituto CicloBR assumiram papel importante nas políticas públicas e consolidaram
espaço institucional para acompanhar essas políticas: a Câmara Temática de Bicicleta.
Os encontros realizados durante as discussões do PlanMob, reuniram centenas de
pessoas as quais foram divididas em vários eixos temáticos -‐ mobilidade a pé, ciclistas,
idosos, pessoas com deficiência, saúde, e grupos específicos para organizações da
sociedade civil, estudantes, trabalhadores, etc. -‐, de forma a organizar a discussão99.
Comunicação e educação foram pontos de destaque em praticamente todos os grupos de
discussão. Também houve consenso sobre a necessidade de implantação de campanhas
focadas na educação de motoristas, motociclistas, ciclistas e pedestres, de forma a
melhorar o convívio nas ruas e reduzir a violência no trânsito. O fato de haver
campanhas permanentes permeou os dialogo, sendo uma insistência dos participantes
que também de inclinaram por ampliar os canais de divulgação das mesmas: em rádios,
canais de televisão, internet, jornais e outros meios de difusão e comunicação, além de
programas de formação em escolas, empresas, repartições públicas e outras
organizações da sociedade. A redução das velocidade do tráfego em grande parte das
vias da cidade, fixando um teto de 50 km/h nas vias expressas e a ampliação do sistema
de bicicletas compartilhadas com maior garantia de qualidade e confiabilidade para os
usuários foram outras das principais recomendações dos grupos de discussão100.
Embora pouco divulgado pela mídia convencional, a atual administração (Hadad 2013-‐
2016), diversos e diferentes espaços de participação cívica, ativando instâncias
convencionais como os Conselhos (Conselho do Transporte, Conselho da Cidade,
Conselhos Participativos Municipais atuantes nos territórios das subprefeituras e o
Conselho de Planejamento e Orçamento Participativo) e criando canais de participação
de perfil digital (São Paulo Aberta, Gestão Urbana, Planeja Sampa), já considerado como
inovação na gestão pública municipal.
No que tange o âmbito metropolitano, há debilidades sérias com relação ao diálogo
intermunicipal e interfederativo na consolidação dos avanços, para toda a RMSP, das
medidas consideradas como boas práticas. Se identificaram uma gama de desafios para
a entrega dos planos de mobilidade urbana nos municípios parte da RMSP, assim como
99 Sousa, 2015. 100 Ibid.
68
na criação de conteúdos conforme com as diretrizes preconizadas pela lei da política
nacional da mobilidade urbana.
Em parte, tal problema ocorre devido ao despreparo do corpo técnico das prefeituras e,
em muitos casos, dos consultores contratados para tal fim, pois desconhecem os
preceitos e instrumentos contidos na lei; e, ademais, não está previsto pela lei nacional o
acesso à formação pelo quadro técnico permanente municipal para o devido
acompanhamento do processo de elaboração dos PlanMob. Mas também, devido à
ausência de articulação interinstitucional não somente entre governos, como também
entre governos e entidades de transporte (CPTM, EMTU, entre outras). Tal tema é um
extenso desafio, na medida que o precário diálogo interinstitucional e interfederativo
tem resultado em atrasos na implantação de projetos, refletindo a instabilidade de
acordos políticos. Diante deste cenário é imperativo buscar soluções jurídico-‐
institucionais para a garantia de continuidade dos processos a avanços percebidos em
São Paulo, mas também para externalizar tais avanços para o conjunto de municípios da
RMSP como um todo.
O Estatuto da Metrópole prevê a instituição do Plano de Desenvolvimento Urbano
Integrado (PDUI) da RMSP, além da efetiva concretização de outros instrumentos de
planejamento e gestão interfederativa. Contudo, o diálogo regional para este foco têm
sido esparsos e insuficientes. Majoritariamente, os governantes municipais e estadual
criticam suas próprias inabilidades em desenvolver a articulação metropolitana,
argumentando em torno da existência de temáticas mais prioritárias para resolução.
Entretanto, é de se considerar que pelo menos três aspectos impactam diretamente no
moroso processo atual.
1. O período da gestão governamental (municipal e estadual) não corresponde com os
tempos das infraestruturas; nesse aspecto é válido conceber a importância da
institucionalização dos planos diretores e planos de mobilidade de forma que a
sociedade se aproprie dos programas e projetos articulados por esses planos, de forma
que o período de governo não influa determinantemente na não implementação das
ações previstas por estes; pois é razoável considerar que os governantes municipais e
estadual tendem a executar seus próprios planos, não obedecendo, na maioria das
situações, os planos diretores existentes;
69
2. Há suficientes instrumentos de gestão urbana e metropolita preconizados
juridicamente; porém, há problemas na gestão técnico financeiros em projetos de
amplitude metropolitana, assim como a dificuldade de aplicabilidade jurídica de muitos
dos instrumentos previstos pelo Estatuto da Cidade; e
3. É necessário considerar esquemas institucionais que induzam e facilitem a
consolidação de processos de caráter metropolitano. Atualmente, o governo do Estado
de São Paulo poderia ser percebido como um potencial ente organizador deste projeto
metropolitano. No entanto, esta não é uma responsabilidade assumida desde a
legislação ou na prática. O fato de a CPTM, EMTU e Emplasa101 estarem sob sua
coordenação, parece prejudicar algumas iniciativas regionais, sobretudo aquelas
constituídas no âmago dos consórcios intermunicipais existentes. Assim, a consolidação
de uma institucionalidade que orquestre o debate interfederativo da região, criada com
a autoridade e capacidade para executar planos estratégicos e transcender interesses
governamentais e períodos eleitorais, se apresenta como uma necessidade prioritária
para a estruturação de um projeto metropolitano representativo e sólido
Eficiência da escolha do investimento e do gasto público
A explanação que aclara o diagnóstico sobre a eficiência da escolha do investimento e do
gasto público em torno da mobilidade urbana em São Paulo e na RMSP foi baseada nas
seguintes questões:
(i) em que medida e como estão as políticas de mobilidade urbana integradas com as
demais políticas públicas urbanas, habitacionais, de desenvolvimento econômico e
produtivo, entre outras?;
(ii) de que forma os investimentos dos últimos anos em infraestrutura têm articulado a
intermodalidade dos sistemas de mobilidade urbana?;
(iii) os sistemas de transporte e mobilidade urbana dialogam entre si?; e
(iv) quais aspectos federativos avançaram e quais são óbices a uma política integrada de
mobilidade urbana na RMBS?
101 Emplasa: Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano.
70
As dinâmicas de mobilidade, estão diretamente relacionadas à forma urbana e portanto,
uma gestão urbana eficaz só é possível através da efetiva articulação entre as mesmas. O
planejamento urbano e sua ligação com o planejamento dos sistema de transporte é de
fundamental importância para a indução de processos que resultem em cidades
socialmente mais justas e espacialmente mais eficientes. Assim, mecanismos como os
narrados anteriormente, sobretudo os que adotam enfoques para o desenvolvimento
urbano a partir de eixos de transporte (internacionalmente denominado como TOD -‐
Transit Oriented Development), apresentam boas alternativas para a gestão da
mobilidade urbana e a geração de deslocamentos mais eficientes.
O PDE de São Paulo – lei nº 16.050/2014 – é um bom exemplo de prática que se
enquadra neste enfoque. O PDE estrutura o desenvolvimento urbano a partir dos
chamados Eixos de Estruturação da Transformação Urbana, tendo como componente
central as redes de transporte coletivo. Tal abordagem é interpretada pela estrutura do
governo local como “uma estratégica de otimização da infraestrutura existente que visa
potencializar o aproveitamento do solo urbano ao longo da rede de transporte coletivo
de média e alta capacidade, bem como buscar a integração territorial das políticas
públicas de transporte, habitação, emprego e equipamentos sociais102.”
Promover o reequilíbrio das atividades urbanas e a redistribuição dos empregos, com
uma oferta maior fora do centro expandido. Este é o objetivo do PDE. A região conhecida
como centro expandido concentra 20,7% dos moradores e 68,6% dos empregos formais
da cidade de São Paulo. Para efeito de comparação, a região Norte possui 19,8% dos
moradores e 10,8% dos empregos, a região Sul 26,7% dos moradores e 10,7% dos
empregos e a região Leste conta com 32,6% dos moradores da cidade e 9,8% dos
empregos103. Entender à assimetria da distribuição espacial, medido a partir das
variáveis emprego e moradia, é fundamental para um entendimento mais abrangente da
situação atual deteriorada das viagens na metrópole. “Criou-‐se uma urbe que gera
viagens longas, demanda investimentos onerosos e custo alto para sua utilização104.”
Visando reverter dita situação, o PDE incentiva o uso misto do solo de forma a localizar a
população em áreas próximas da oferta de serviços urbanos, dos locais de trabalho,
102 Portal Gestão Urbana da Prefeitura Municipal de São Paulo. 103 Bonduki, 2012. 104 Secretaria de Estado dos Transportes Metropolitano de São Paulo, 2013:18.
71
estudo e lazer, a evitar a necessidade de viagens motorizadas ou possibilitando que
estas sejam realizadas por meio do transporte público. Entre os pontos mais
importantes dos 316 artigos na lei do PDE constam105:
-‐ o adensamento de imóveis próximos aos sistemas de transporte público;
-‐ o aumento em 117% das áreas voltadas para moradia popular com criação de Zonas
Especiais de Interesse Social para famílias que ganham até dez salários mínimos;
-‐ a destinação de 30% do Fundo de Desenvolvimento Urbano para obras de mobilidade;
-‐ a regulação do crescimento vertical máximo nos centros dos bairros;
-‐ a extinção do mínimo de vagas de estacionamento para novos empreendimentos;
-‐ a revitalização da zona rural da cidade e novas zonas de proteção ambiental;
-‐ além de 164 novos parques, que deverão aumentar para 82 milhões os atuais 42
milhões de metros quadrados de área verde na cidade.
Nesse sentido, o PDE se traduz como ferramenta estratégica, que desde o planejamento
urbano orienta a redefinição do desenho da cidade para impactar as dinâmicas do
ambiente construído, visando reduzir as desigualdades sociais e espaciais, atualmente
tão marcantes na cidade de São Paulo.
Como instrumento complementar chave para a efetivação destas estratégias, a lei de
Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo, também conhecida como Lei de Zoneamento,
está com sua atualização em curso. O projeto de lei (PL 272/2015) foi encaminhado ao
parlamento municipal em 2 de junho (2015) e aguarda aprovação. Algumas das
principais estratégias contidas na proposta, alinhadas com as premissas do PDE para a
gestão da mobilidade urbana em São Paulo, incluem:
-‐ Edifícios-‐garagem: estímulo à construção de edifícios-‐garagem ao redor das estações
de trem e metrô na periferia, visa evitar que automóveis particulares circulem no centro
expandido;
-‐ Tamanho máximo de lote: institui dimensões máximas de lotes e quadras. Lotes e
glebas com áreas superiores ao limite deverão ser objeto de loteamento, para permitir a
abertura de vias, criação de áreas verdes e reserva de áreas para equipamentos sociais.
105 Bonduki, 2014.
72
O conceito está em impedir a formação de grandes quadras como as formadas por
condomínios fechados, por exemplo, que geram descontinuidade do sistema viário e
resultam em grandes distâncias a serem percorridas, o que é incompatível com a escala
do pedestre e com os preceitos da mobilidade urbana sustentável;
-‐ Crescimento nos eixos de transporte público: o PDE definiu os Eixos de Estruturação
da Transformação Urbana, áreas em que se pretende aumentar a oferta de transporte
público e moradia, permitindo que mais pessoas morem perto dos grandes sistemas de
transporte. O PL 272/2015 demarca esses eixos como zonas, a Zona de Estruturação
Urbana (ZEU) e a Zona Eixo de Estruturação da Transformação Urbana Previsto (ZEUP);
-‐ Menos vagas de garagem: reduzir a exigência de vagas de automóveis nos novos
empreendimentos e, ao mesmo tempo, exigir o alargamento de calçadas, criação de mais
vagas para guardar bicicletas e estimular vestiários para ciclistas. Está prevista a
redução da exigência de número mínimo de vagas de estacionamento nos
empreendimentos, em especial, a não exigência de vagas de garagem em usos
residenciais.
Nesse contexto, um valioso preceito do PDE está na integração de políticas urbanas.
Sintetizando, as estratégias de planejamento urbano de São Paulo refletem o esforço
municipal para integrar diferentes políticas para a gestão da mobilidade. É entendida
também como instrumento para o desenvolvimento, ordenamento, crescimento,
governança e competitividade da cidade. O PlanMob tenderá a dialogar e complementar
estes princípios, integrando o planejamento de sistemas de mobilidade com o
planejamento da gestão urbana.
Nessa perspectiva, as expectativas para a mobilidade urbana, através dessas estratégias,
são: reduzir a necessidade de deslocamento a partir da geração de oportunidades locais,
estimular o uso de transporte coletivo orientado o desenvolvimento ao redor dos
sistemas de media e alta capacidade, tornar a cidade acessível para diferentes
identidades sociais e melhorar a cobertura e qualidade dos sistemas de transporte
massivo. É razoável frisar que o PDE também inclui o componente financeiro, indicando
uma destinação mínima de 30% dos recursos do Fundo de Desenvolvimento Urbano
(FUNDURB) para a implantação de transporte público coletivo, sistema cicloviário e de
circulação de pedestres. Com respeito especificamente à política de calçadas, o PDE
73
promove acessibilidade universal no passeio público e a prioridade aos pedestres e aos
modos não motorizados, incentivando a integração com outros modos de transporte.
Ainda no âmbito do PDE, se reconhece as condições para a elaboração participativa do
PlanMob, instrumento que norteará as políticas específicas para os próximos 10 anos.
No âmbito do planejamento metropolitano, desde 1996 a RMSP conta com o Programa
Integrado de Transportes Urbanos (PITU) que à época se focava no planejamento dos
transportes urbanos para 2020, na tentativa de incluir os projetos dos 39 municípios da
RMSP. Mais adiante, tal plano, adotado como prioridade do governo do Estado de São
Paulo, foi revisado para PITU 2025. Dentre suas principais propostas, estava a
consolidação de uma rede de transportes sobre trilhos com 446 quilômetros de
extensão, a partir da construção de mais de 172 quilômetros de metrô e 95 quilômetros
de VLT, além da revitalização e conversão de 100 quilômetros do leito ferroviário em
metrô, que resultariam em 367 quilômetros de linhas que se somariam às linhas
existentes. Poucas das iniciativas estão se desenvolvendo de modo que se permita
vislumbrar a realização de suas metas. A falta de transparência sobre os projetos, prazos
e encaminhamentos, insuficiente diálogo com a sociedades e com os municípios da
RMSP, além das dificuldades com licenciamentos e modelos financeiros de projetos,
marcam os processos de implementação das iniciativas previstas pelo PITU.
Adicionalmente, uma dificuldade crítica do governo do estado de São Paulo está em
articular os planejamentos individuais das empresas públicas do Estado que têm relação
direta com os transportes urbanos na RMSP, a exemplo da CPTM, Metrô e EMTU,
vinculadas à Secretaria de Estado dos Transportes Metropolitanos e a Emplasa,
vinculada à Secretaria de Estado da Casa Civil, e fomentar e induzir um planejamento
integrado e integral da região conjuntamente aos esforços praticados no âmbito dos 39
municípios da RMSP.
Um exemplo dessa debilidade de relações está no Programa de Corredores
Metropolitanos (PCM)106, na constatação, através dos projetos funcionais dos BRTs
Metropolitanos Alphaville-‐Cajamar, Itapevi-‐Cotia e Alto Tietê na RMSP (Figura 8), “que
indicaram à EMTU a necessidade de obter um conhecimento mais aprofundado sobre o
106 Elaborado pela EMTU a partir das diretrizes do PITU 2020, o PCM visa contribuir com a administração pública para a resolução do crescente desafio representado pelo transporte público na RMSP.
74
ambiente urbano em que seus projetos foram desenvolvidos e sobre as transformações
que estas intervenções potencializarão”; na medida em que o estabelecimento de uma
obra “traz consigo mudanças no entorno imediato do empreendimento, algumas
observadas durante o período de implantação, outras resultantes de sua finalização.” 107
Nesse sentido, pode-‐se considerar que à atenuada desproporção de atendimento de
transporte urbano metropolitano nos municípios da RMSP, em parte decorre pela falta
de articulação do planejamento do governo do estado de São Paulo a partir das
múltiplas empresas e, especialmente, pela débil orquestração regional promovida pela
Secretaria de Estado dos Transportes Metropolitanos. A ausência de planejamento
integral e integrado aos 39 municípios da região, a carência de política de investimentos
mais robusta, também associada aos municípios e à União, assim como dificuldades em
articular esquemas que considerem a amplitude técnica e à aplicabilidade jurídico
institucional de modelos, arranjos ou consórcios regionais metropolitanos, responde em
parte os motivos originários dessa problemática.
Figura 8: Localização dos BRTs da EMTU foco do estudo de impactos.
Fonte: EMTU, 2015; Oliveira e Taraciuk, 2015.
107 Oliveira; Taraciuk, 2015.
75
Nesse contexto, embora os PlanMob dos municípios da RMSP -‐ a exemplo do que tem
ocorrido no município de São Paulo -‐, considerem a imperiosa vinculação de suas
políticas de transporte aos diversos municípios conurbados da região, é importante que
o governo do Estado de São Paulo assuma responsabilidade de atuar mais incisivamente
na organização dos transportes urbano na região. Pois diferentemente de outras áreas
metropolitanas no mundo – como Londres no Reino Unido e Toronto no Canadá – em
que a organização da região está a cargo de uma autoridade metropolitana, no caso
brasileiro é o ente Estadual, em articulação com os municípios que integram áreas
metropolitanas, os responsáveis em ordenar e gerir o desenvolvimento da região.
Mais recentemente, o Conselho de Desenvolvimento da Região Metropolitana108 tem se
inclinado a trabalhar na elaboração de um novo plano diretor estratégico que integre
diretrizes de desenvolvimento para os 39 municípios da Grande São Paulo. Como
presidente do colegiado, o prefeito do município de São Paulo, Fernando Haddad,
assinou a deliberação que constitui o Comitê Executivo do Plano de Desenvolvimento
Urbano Integrado (PDUI), conforme previsto pelo Estatuto da Cidade.
Ainda assim, à época de conclusão deste estudo, a percepção conclusiva desde a
perspectiva de planejamento integrado, é de que a gestão metropolitana da RMSP
apresenta-‐se desconexa e incapaz de entregar à sociedade soluções em transporte
urbano à altura das complexidades vivenciadas.
Dado o exposto, embora São Paulo e sua região metropolitana sejam o principal polo
econômico do Brasil, profundas desigualdades econômicas e sociais marcam a região.
Tais desigualdades se expressam em formas altamente discriminatórias, através da
segregação urbana que se apresenta sob a forma de círculos concêntricos, com os mais
ricos no centro e os mais pobres na periferia mais distantes e carentes de
infraestrutura109.
Conforme observa-‐se através da Figura 9, a densidade populacional da RMSP, que já está
majoritariamente concentrada na periferia da mancha urbana, será intensificada nos
subúrbios ou franjas da RMSP, em cenário tendencial de 2025. Diametralmente, a 108 O Conselho de Desenvolvimento da Região Metropolitana de São Paulo é composto por 58 integrantes (17 do Estado, 2 da Assembleia Legislativa e 39 dos municípios). Cabe ao conselho deliberar planos, projetos, programas e obras estratégicas a serem executados na Grande São Paulo, com recursos do Fundo de Desenvolvimento Metropolitano, do governo estadual. 109 Flávio Villaça, 2011.
76
densidade dos empregos é maior na área central da RMSP, em comparação às regiões
mais afastadas do centro e de acordo com a previsão para 2025, este cenário será
acentuado (Figura 10). Assim, tal diagnóstico que caracteriza o movimento pendular
cotidiano pressiona a mobilidade urbana na RMSP, pois ao se concentrar a grande parte
do empregos, da região, em áreas centrais da área metropolitana (Figura 10), os
trabalhadores se veem compelidos a se deslocarem para o centro pelas manhãs e
retornarem às periferias no final do dia.
Figura 9: Densidade populacional das RMSP, cenário tendencial de 2025.
Fonte: Secretaria de Estado dos Transportes Metropolitano de São Paulo, 2013.
Nesse sentido, cada vez mais se imporá à mobilidade urbana da RMSP desafios que se
sobrepõem ao atual mecanismo de gestão fragmentada dos transportes urbanos na
região.
77
Figura 10: Densidade dos empregos na RMSP
Fonte: Secretaria de Estado dos Transportes Metropolitano de São Paulo, 2013.
O conflito interferedativo está presente tanto no planejamento quanto na execução de
planos integrados, entre eles os planos de mobilidade. Um dos problemas mais
presentes encontra-‐se nas formas de contratação e a coordenação interfederativa entre
modais de transporte urbano. Devido ao grande número de projetos e às características
particulares de cada um, se buscou neste estudo realizar uma análise crítica de
tendências a partir dos dados disponibilizados pelos órgãos governamentais
competentes.
Com respeito ao planejamento da expansão das operações do Metrô, e a partir dos 4
projetos -‐ de expansão e linhas novas -‐, 3 de monotrilho -‐ todos linhas novas -‐, e 5 de
trens urbanos -‐ expansão e linhas novas -‐, algumas questões podem ser levantadas nos
que diz respeito à essa modalidade de transporte sobre trilhos. Primeiramente, há uma
tendência em favorecer modelos de PPPs nos modais metrô e monotrilho, assim como
nos trens urbanos à cargo da CPTM. Isso se deve ao fato da ocorrência de modelos
deficitários no metrô e pela possibilidade na construção de arranjos atrativos a
parceiros privados110 . Já os trens urbanos, por contarem com menor número de
passageiros por quilômetro e por alcançarem áreas periféricas e municípios fora da
região metropolitana, possuem níveis mais altos de déficit financeiro operacional,
110 Paula, 2014.
78
dificultando arranjos jurídico-‐institucionais que viabilizem parcerias com o setor
privado na sua operação.
Outra questão a ser levantada é a tendência de utilização do modal monotrilho para
suprir altas demandas em áreas urbanizadas. À exceção das extensões de linhas já
existentes e da contratação da linha 6, projeto prometido às populações das regiões por
onde passa desde 2006, os novos projetos contratados ou em vias de contratação
consistem em monotrilhos. A escolha desse modal nem sempre é consensual. Os
argumentos favoráveis são no sentido que se trata de alternativa aos elevados custos
financeiros e ao prolongado tempo de implementação de linhas de metrô. Em tese, os
monotrilhos custam aproximadamente 50% do que os metrôs subterrâneos e possuem
capacidade de suporte de até 40.000 passageiros por hora por sentido.
No entanto, com respeito à decisão pelo modal monotrilho, além da capacidade ser
questionada, outras questões são levantadas, conforme relatado em relatório do
Economist Inteligence Unit111:
“Devemos acabar com a ideia de que existe uma solução única, que a
construção de um metrô é a única possibilidade,” declara Carlos
Henrique Ribeiro de Carvalho, pesquisador em transporte urbano do
Ipea. “É necessário ter um conjunto integrado de meios de transporte.
Não podemos esperar 30 anos até que a rede de metrô seja concluída.”
“Os metrôs só devem ser construídos se a demanda for realmente muito
alta”, acrescenta o Sr. Pires. “Se não for, é um desperdício de dinheiro
público.” Ele argumenta, por exemplo, que as cidades podem realizar
uma melhor relação custo/benefício ao aumentar o fornecimento de
transporte sobre trilhos através de investimentos em trens suburbanos,
implementando melhorias tecnológicas e reduzindo o tempo de espera
na plataforma. Em São Paulo, a CPTM possui 260 km de trilhos, alguns
dos quais são de boa qualidade e podem ser otimizados.
Outros tipos de transporte estão sendo adicionados ao conjunto. Bondes
(trens leves) e monotrilhos construídos. Entre outras vantagens está o
111 Economist Intelligence Unit, 2011:10.
79
custo: a linha 18 de monotrilho (trem elevado) de São Paulo custou
estimados US$ 100 milhões por km, metade do preço de um metrô na
cidade. A velocidade de implantação é outra vantagem.
No entanto, muitos especialistas estão céticos sobre a capacidade
projetada destas opções. Os bondes costumam transportar cerca de
20.000 passageiros por hora. No Brasil, os planos afirmam que alguns
bondes podem transportar mais de 40.000 passageiros por hora, mas os
especialistas duvidam da viabilidade de tais cargas.”
Há, de fato, uma redução de custo e facilidade de implantação do modal monotrilho.
Contudo, há problemas paisagísticos e de efetiva capacidade de absorção da demanda
por esses modais. As Figuras 11 e 12, extraídas de manual de BRTs112 elucidam os
números e as vantagens envolvidas.
A opção pelos monotrilhos, sob o argumento de custo e velocidade de implantação, se
traduz como alternativa imprecisa. Os corredores exclusivos de ônibus, com
características de BRT, que tendem a surgir como tendência em São Paulo e demais
países113 carentes de grandes intervenções de transporte público de média e alta
capacidade, apresentam melhores custos e velocidade de implantação, em comparação
aos monotrilhos.
112 ITDP, 2008: 79-‐99. 113 Bogotá na Colômbia, comprovou que o BRT é capaz de realizar desempenho de alta capacidade para as megacidades do mundo (ITDP, 2008).
80
Figura 11: Capacidade de passageiros e investimento para opções de transporte de massa
Fonte: ITDP, 2008.
Há 14 projetos relacionados ao modal BRT somente nos limites do município de São
Paulo. Tendo em vista a projeção de implementação do plano de metas da atual gestão, a
saber, 150 quilômetros de corredores exclusivos e 250 quilômetros de faixas exclusivas,
se faz importante a elucidação e análise sobre tais projetos.
Questão primária é em relação ao custo e ao tempo de implementação. Em ambos
aspectos, os BRTs -‐ ainda que se leve em consideração as modalidades mais pesadas e
estruturadas de BRT -‐ são menos custosos e capazes de transportar até 45.000
passageiros por sentido por hora. Dessa forma, se traduzem também como alternativas
de média a alta capacidade aos obstáculos financeiros e cronológicos enfrentados pelos
projetos do Metrô.
Entretanto, há, complementarmente, dificuldade de cunho federativo que envolve o
processo de decisão de modais. Problemas identificados abrangem desde a propriedade
das empresas estatais operadoras dos sistemas sobre trilhos à titularidade da concessão
ou da prestação direta de serviços de transporte público urbano. A titularidade de
concessão de sistemas sobre trilhos cabe ao Estado de São Paulo, ao passo que a
81
competência na prestação de serviços de ônibus, diretamente ou mediante concessões e
permissões, são dos Municípios.
Figura 12: Matriz de decisão der transporte público.
Fonte: ITDP, 2008.
Desse modo, ainda que governos municipais cheguem à conclusão que um VLT
integrado ao sistema de metrôs e monotrilhos seja a melhor alternativa em determinada
região; ou que o governo estadual vislumbre a necessidade de projeto de BRT no local
previsto para o monotrilho da linha 20 em São Paulo, nenhum dos entes –municipal ou
estadual -‐ possuem competência ampla para a escolha dos modais.
Tal problemática deve ser analisada em conjunto à tradicional ausência de articulação
interfederativa entre os órgãos, seja as empresas públicas do Estado, tais como Metrô,
CPTM e EMTU, ou mesmo a SPTrans, responsável pela orquestração do sistema de
transporte coletivo por ônibus do município de São Paulo.
82
Há inúmeras estações de metrô que poderiam estar melhor articuladas com terminais
de ônibus em São Paulo, incrementando a utilização multimodal dos usuários e
fornecendo-‐os maior conforto – por exemplo as estações de metrô Paulista e Consolação
e pontos de ônibus do corredor Consolação-‐Rebouças, entre tantos outros. No entanto,
essas articulações não são realizadas por falta de planejamento conjunto.
Tendo em vista a consagração da multimodalidade como imprescindível à promoção de
sistemas de mobilidade urbana eficientes e adequados, essa lacuna institucional
representa grande obstáculo às politicas no setor114.
Criação de oportunidades de interações econômicas, comerciais e sociais
A narrativa do diagnóstico sobre as oportunidades criadas de interações econômicas,
comerciais e sociais a partir dos projetos de mobilidade urbana em São Paulo e RMSP foi
fundamentado nas seguintes questões:
(i) como as dinâmicas de mobilidade urbana impactam na geração de oportunidades no
território para a geração de cidades e economias mais competitivas?; e
(ii) que tipo de políticas estão estimulando o desenvolvimento econômico nas regiões
estudadas?
A mobilidade urbana pode favorecer ou inibir as oportunidades de interações
econômicas, comerciais e sociais que impactam diretamente no desenvolvimento
econômico de cidades, regiões e países. O acesso facilitado ou dificultoso ao trabalho e
aos equipamentos sociais, tais como escolas, hospitais, etc., envolvem a humanização ou
não das condições de vida e promovem ou impedem o acesso das pessoas à cidade, o
direito de cada cidadão à cidade.
Conforme citado anteriormente, a concentração de infraestrutura, pessoas, assim como
de atividades econômicas, sociais e culturais leva a benefícios substanciais e eficiência,
devido às economias da aglomeração e de escala. Entretanto, o planejamento
desorganizado implica em uma série de problemas, como “a ocupação irregular, falta de
114 O fato do BRT Jacú-‐Pêssego, por exemplo, ter integração prevista com a linha 15 do monotrilho é uma das poucas exceções que justificam a regra.
83
segurança e deficiências de infraestruturas urbanas (saúde, educação, lazer e
mobilidade urbana, dentre outras).”115
No tocante à mobilidade urbana, os desafios são cada vez maiores em virtude do perfil
das cidades brasileiras que “durante seu processo de expansão econômica e territorial,
não foram planejadas para evitar a concentração de viagens em poucas vias troncais e
no mesmo sentido e horário”116. Essa problemática foi aprofundada com os anos de
ausência de investimentos nos transportes coletivos, entre 1980 até 2009
aproximadamente, com algumas exceções, o que fez com que a condição da mobilidade
nas cidades se tornasse um dos principais problemas sociais e urbano117.
Nesse contexto, a problemática referente à insuficiente mobilidade na cidade de São
Paulo tem reflexo na vida cotidiana da sociedade, sobretudo para o cidadão que se vê
obrigado aos deslocamentos pendulares diários, irracionais, provocados pelo
desequilíbrio entre o local de moradia e a localização dos empregos118. As Figuras 9 e 10
apresentaram o perfil da localização da concentração das pessoas na RMSP –
majoritariamente na periferia – e da densidade dos empregos, que estão, sobretudo, no
centro expandido da metrópole. Isto é, para um terço da população de São Paulo, o
tempo médio de viagem era de mais de 3 horas em 2012; para um quinto das pessoas,
era superior a 4 horas119, ou seja, “uma parte da vida é vivida nos transporte, seja ele um
carro de luxo, ou, o que é mais comum e atinge os moradores da periferia metropolitana,
num ônibus ou trem superlotados.120”
Adicionalmente, no âmbito dos fluxos de deslocamento de pessoas entre os municípios
da RMSP, o IBGE constatou121 que 1,7 milhão saem da cidade onde vivem para trabalhar
ou estudar; sendo que o maior fluxo entre municípios do País está entre Guarulhos e São
Paulo, na qual 146,3 mil pessoas se deslocam regularmente entre as duas cidades122,
115 Firjan, 2014. 116 Ibid. 117 Maricato, 2015:42. 118 No que tange à RMSP, há uma grande concentração da oferta de funções urbanas (principalmente de trabalho e estudo) na cidade de São Paulo. O centro expandido de São Paulo, em um raio de 11 quilômetros, concentra cerca de 50% dos empregos da cidade, o que faz com que 60% dos fluxos de transporte dentro da RMSP tenham como origem/destino (ou ambos) esta área da capital. 119 Maricato, 2015. 120 Maricato, 2015:42. 121 IBGE, 2015. 122 IBGE, 2010.
84
sendo que a grande maioria, 118.020 pessoas, se desloca de Guarulhos para trabalhar ou
estudar na capital e 28.310 fazem o sentido inverso. Outro deslocamento considerável
na RMSP acontece entre Osasco e São Paulo em que pouco mais de 91 mil pessoas saem
de Osasco com destino à capital para trabalhar ou estudar e 20.688 fazem o trajeto
contrário. Complementarmente, o maior fluxo que não inclui a capital está entre Santo
André e São Bernardo do Campo cujo deslocamento entre as duas cidades movem 69,7
mil pessoas, sendo que se deslocam de Santo André para trabalhar ou estudar em São
Bernardo 45.598 pessoas e pouco mais de 24 mil fazem o sentido inverso.
Assim, é de se considerar que as deseconomias da aglomeração na RMSP, resultado do
congestionamento das vias (custos do transporte), da insuficiente estrutura de
transporte urbano e perdas de tempo econômico e de vida social, impactam diretamente
na produtividade e competitividade da cidade, assim como nas oportunidades geradas e
aproveitadas em termos econômicos, comerciais e sociais.
Nessa perspectiva, a infraestrutura de transporte urbano é crucial para qualquer
circulação eficiente de pessoas. A ausência de alternativas baratas de transporte resulta
em importantes barreiras para o desenvolvimento da cidade de São Paulo e da região
metropolitana como um todo. Assim como, impede com que pessoas e empresas se
desenvolvam e expandam, de maneira que possam melhor aproveitar dos benefícios da
conectividade proporcionada pelos grandes centros urbanos.
É importante identificar os obstáculos que prejudicam São Paulo e a RMSP de maximizar
o seu potencial de produtividade. Sobre este tema, a redução do congestionamento de
tráfego, aumentando as opções de transporte de massa com fornecimento eficiente e
serviços confiáveis, são os principais determinantes a serem postos na agenda de
transporte urbano nos municípios da região.
O conjunto de instrumentos propostos pelo PDE de São Paulo para o equilíbrio do
funcionamento da cidade são um bom exemplo. A qualificação das áreas urbanas
consolidadas localizadas nas porções centrais da cidade, que são dotadas de sistemas de
transporte público coletivo e servidas de boas oportunidades de emprego,
equipamentos e infraestruturas urbanas, tenderão a fomentar as oportunidades
econômicas, comerciais e sociais nessa porção da cidade, composta de alguns territórios
degradados.
85
No entanto, sobre o PDE de São Paulo, talvez o melhor exemplo de propostas que
impactarão na economia da cidade, diz respeito à estruturação metropolitana, visando
equilibrar a distribuição entre emprego e moradia. Complementarmente, o
desenvolvimento de eixos de estruturação da transformação urbana em um raio de 400
metros das estações e terminais de transporte público e 300 metros de cada lado do eixo
de transporte -‐ trem, metrô, monotrilho, etc. -‐, em que se pretende fomentar o
adensamento populacional vertical, gerará novas centralidades econômicas, a impactar
na conveniência das relações econômicas, comerciais e sociais.
No que tange à conectividade em São Paulo e na RMSP, é necessário fortalecer a rede de
trilhos de forma a esvaziar os congestionamentos e superlotação das vias, impactando
diretamente na produtividade dos trabalhadores e gerando novas conectividades a
influenciar os fatores locacionais da metrópole. Deve-‐se apostar em esquemas de
articulação com o setor privado, aos moldes das parcerias público-‐privadas, na
expansão acelerada da infraestrutura de trilhos, estabelecendo ambientes de negócio
que permitam às empresas perceberem as oportunidades de retorno a partir da
exploração comercial de linhas de trem, por exemplo, tendo as sociedade e o governo a
garantia da obra executada dentro dos padrões do setor privado.
Independente dos esquemas de financiamento das iniciativas, é importante relatar as
experiências na metrópole que implicarão em maiores oportunidades econômicas,
comerciais e sociais.
Os corredores BRT Metropolitano ABD e Extensão Diadema-‐Morumbi, parte do
Programa de Corredores Metropolitanos da EMTU, é boa prática de conexão entre as
zonas leste e sul de São Paulo, atravessando as cidades de Santo André, São Bernardo do
Campo e Diadema, inseridas no ABC paulista. Ademais, há outras iniciativas em fase de
obras -‐ Corredor Guarulhos-‐SP e Corredor Itapevi-‐São Paulo -‐, e em fase de projeto
básico – Corredor Itapevi-‐Cotia, Corredor Perimetral Leste (Jacu-‐Pêssego), Corredor
Alphaville e Corredor Arujá-‐Itaquaquecetuba. No que tange ao Corredor Perimetral
Leste, será importantíssimo na ligação entre dois importantes polos industriais da
RMSP: o ABC e o município de Guarulhos, promovendo a conexão de uma área onde se
estabelece mais de 1,5 milhão de habitantes e se diferencia da grande maioria dos
corredores que, se originam ou terminam na região central de São Paulo, pois dessa
86
forma, a tendência é de ocorrer mudança gradual nos deslocamentos das pessoas ao
reduzir as viagens originárias em Guarulhos e ABC com destino à área central da RMSP.
Adicionalmente, com respeito ao corredor Guarulhos-‐SP -‐ que ligará Guarulhos à zona
norte de São Paulo -‐, valer comentar que a EMTU realiza estudos de impactos
socioeconômicos a avaliar os benefícios sociais e econômicos dos novos corredores de
ônibus metropolitanos. Este corredor impactará especialmente sobre Guarulhos, pois
contribuirá para o “aumento do bem-‐estar dos residentes (maior consumo real das
famílias), o aumento da receita fiscal financiando níveis mais elevados de gastos
públicos, e o aumento da competitividade internacional, como verificado pela melhora
do saldo comercial internacional após a sua implantação”123. Estes estudos exploram as
diferenças em termos de produtividade dos trabalhadores e do valor adicionado (PIB)
nos territórios metropolitanos associados às novas intervenções.
Já com respeito aos trens regionais, a CPTM opera 6 linhas que fazem ligação sobretudo
entre as periferias da RMSP e a cidade de São Paulo. Há outra linha em construção. A
linha 13, Jade, representará alternativa de ligação entre São Paulo e o Aeroporto
Internacional Governador André Franco Montoro, no Município de Guarulhos. É
importante ressaltar que a linha 9, Esmeralda, que atualmente conecta Osasco à região
Sul de São Paulo, Grajaú, será ampliada até o extremo sul da capital na região de
Varginha. Tal ampliação servirá de alento à população da zona Sul, que historicamente
sofre da intensa dificuldade de acessar as áreas centrais da cidade.
Adicionalmente, a linha 11, Coral "Expresso Leste", representa importante ligação entre
São Paulo e Mogi das Cruzes, fornecendo conexão a milhares de pessoas vivem no
extremo leste da RMSP e buscam acessar municípios limítrofes e São Paulo por motivos
de trabalho, além de beneficiar estudantes que se deslocam às universidades de Mogi
das Cruzes.
Sobre a cobertura dos trens regionais da CPTM, é de se considerar que representa,
sobretudo para os moradores das periferias da RMSP, um salto de qualidade na
infraestrutura de mobilidade, pois para muitos é o único meio de deslocamento ao
centro da metrópole, contando inclusive com o acesso à rede de metrô por meio da
complementariedade tarifária dos sistemas.
123 Regina; Oliveira, 2015:8.
87
No que tange às operações do Metrô de São Paulo, o fato mais relevante para esta parte
do trabalho diz respeito: (i) à expansão da Linha 5, Lilás, que integrará as áreas sul e
sudoeste da capital com as conexões centrais promovidas pelas Linhas 1, Azul e 2, Verde
do sistema, o que impulsionar o desenvolvimento das regiões de integração e ao longo
da própria linha; se traduz um importante aumento de capilaridade do metrô, além de
fomentar à multimodalidade e a integração das linhas; (ii) à construção da Linha 15,
Prata, no modelo de Monotrilho, proporcionará importante ligação entre a zona Leste da
capital paulista com o restante do sistema; especialmente importante para as pessoas do
Distrito de Cidade Tiradentes em São Paulo, que tradicionalmente vivem ilhados depois
que a SPTrans anulou a operação do ônibus circular que se traduzia como único meio de
transporte público da região. Contudo, é de se lastimar o comunicado recente do
governo do estado de São Paulo de paralização da construção de sete estações dessa
linha: Jequiriçá, Jacu-‐Pêssego, Érico Semer, Marcio Beck, Cidade Tiradentes e Hospital
Cidade Tiradentes.
Nesse esforço de geração e expansão de novas linhas, independente do modal, é válido
frisar o papel importante assumido pelas estações de transporte urbano em gerar
centralidades e oportunidades nos territórios sobre influência, o que proporciona novas
dinâmicas às áreas de implantação dessas infraestruturas. Pois fomentar novas
dinâmicas, a partir das centralidades das estações, tendem a contribuir para o
desenvolvimento econômico urbano e territorial da região.
Exemplo desse raciocínio, e que talvez representem a melhor boa prática em termos de
interpretação das premissas contidas na lei da política nacional da mobilidade urbana,
diz respeito à expansão das faixas exclusivas e corredores de ônibus em São Paulo
promovidas pela SPTrans. Tal prática tem reduzido os tempos de deslocamento,
aumentando a velocidade média de ônibus nas faixas exclusivas (à direita da via) -‐
aumentou de até 8,2% nos horários de pico de 2013 para 2015 -‐, além de contribuir com
a diminuição dos congestionamentos no horário de pico da tarde, de cerca de 10%. As
faixas exclusivas e corredores de ônibus têm provocado novas dinâmicas nas vias de
implementação, a partir da movimentação de pessoas que habitualmente não usavam o
sistema, o que acredita-‐se contribuir para novas interações e oportunidades comerciais
e econômicas, sobretudo para os estabelecimentos privados na cercania dos abrigos e
das linhas e corredores.
88
Qualidade do sistema
A exposição que narra o diagnóstico sobre a qualidade do sistema de mobilidade urbana
em São Paulo e na RMSP foi baseada nas seguintes questões:
(i) qual o desempenho da segurança da infraestrutura e do material circulante nas
políticas de mobilidade urbana?;
(ii) como se planeja melhorar os componentes de conforto, frequência e confiabilidade
nos sistemas?;
(iii) são considerados e incorporados elementos de acessibilidade universal no desenho,
construção ou adequação de sistemas de mobilidade urbana?; e
(iv) há integração operacional, física ou tarifária entre os sistemas de mobilidade
urbana?
Transporte Público Coletivo
Os investimentos na rede de transporte urbano por ônibus tem se caraterizado pela
necessidade de menores investimentos e prazos mais curtos de implantação do sistema
em relação às infraestruturas do sistema metro ferroviário. Conforme apresentado
anteriormente, no caso de São Paulo, a rede sobre trilhos, seja à operada pelo sistema
Metrô ou pela CPTM, está sob responsabilidade do governo do Estado. Também sob
responsabilidade estadual estão as linhas de transporte urbano metropolitano por
ônibus operadas pela EMTU. Fica a cargo das 39 administrações municipais da RMSP à
operação dos sistemas municipais de transporte urbano por ônibus que, na cidade de
São Paulo, é operada pela SP Trans.
Assim, a melhoria do serviço de ônibus no município de São Paulo deve ser objetivo
crucial para o desenvolvimento urbano de toda a cidade, de forma à assegurar a ótima
prestação de serviços públicos e à consolidação de condições estratégicas para torná-‐la
uma cidade mais dinâmica, produtiva, competitiva e capaz de administrar
eficientemente seu sistema de mobilidade urbana.
Desde 2013 a prefeitura está desenhando um novo modelo para melhorar a qualidade
do sistema de transporte municipal por ônibus, incluindo aspectos de conforto, tarifa e
89
eficiência a serem exigidos na concessão que operará a rede de ônibus na cidade pelos
próximos 20 anos. Com edital lançado em 2015, o novo modelo prevê aumento de 24%
da oferta de viagens aos usuários em comparação ao sistema atual e aumento de 13% de
assentos disponíveis nos coletivos, com a adoção de veículos maiores, como os
superarticulados, e redução da presença de veículos como miniônibus na frota.
Todos os ônibus deverão oferecer ar-‐condicionado e terão as partidas controladas
eletronicamente pelo Centro de Controle Operacional (CCO), a garantir melhor
frequência para os usuários. A lógica desta proposta está baseada na reorganização das
linhas, de forma que o trajeto das linhas será revisto, com a exigência de criação de
redes de acordo com as necessidade de demandas – menor demanda: entre-‐picos de dia
útil, madrugada, sábados e domingos e maior demanda: pico da manhã e tarde –, como
já ocorre com a rede de ônibus da madrugada. O plano é reformular o sistema para fazer
com que os veículos de grande porte, com maior demanda e capacidade no transporte
de passageiros, circulem em rotas estruturais não tendo que compartilhar as vias com
ônibus menores. No atual modelo, ônibus de todos os portes dividem as mesmas vias,
muitas vezes duplicando e sobrepondo linhas e rotas, o que resulta em grande
ineficiência, trânsito carregado e congestionamento do sistema.
No que se refere à cobrança de tarifa e à remuneração dos concessionários, a entrega de
qualidade no serviço será ainda mais determinante para o valor pago às empresas.
“Além de horas operadas, quilômetros percorridos e veículos disponibilizados para
compor a remuneração básica, o valor será ponderado ainda com fatores como o
cumprimento das viagens (40%), cumprimento na disponibilização da frota (10%) e os
passageiros transportados (50%). Além disso, para compor a remuneração do serviço,
entrarão a produtividade econômica e a qualidade, rateadas com o poder público, que
prevê as variações de custo do sistema e de passageiros pagantes e a satisfação por
indicadores. A medição do serviço será por sistema eletrônico, por meio do CCO124”
Ademais, no processo de revisão, foi ajustada e regulamentada a Taxa Interna do
Retorno (TIR), porcentagem ganha pelos operadores do sistema.
No tocante à tarifa, a cidade continua com sua política de subsídio – política de governo
que garante que o usuário não arque com o valor da tarifa apresentada pelas empresas
124 Prefeitura de São Paulo, 2015.
90
no processo de licitação. A tarifa, nesse sentido, é fixada pelo governo municipal e a
empresas concessionária deverá responder a esta condição prestando serviço de
qualidade.
Acessibilidade, multimodalidade e confiabilidade
Questões como acessibilidade universal e o fomento à multimodalidade são aspectos de
destaque na evolução do atual modelo de gestão da mobilidade urbana. Atualmente,
80% da frota de ônibus em São Paulo é acessível125. A CPTM avança na adequação de
suas dependências: das 92 estações, 45 são acessíveis e mais quatro estão em obras -‐
Suzano, Poá e Eng. Goulart. “As novas estações vão dispor de plataformas totalmente
cobertas, escadas rolantes e de todos os itens de acessibilidade (elevadores, rampas,
corrimãos, pisos e rotas táteis e mapas em braile), além de assentos na plataforma,
banheiros públicos comuns e sanitários exclusivos para pessoas com deficiência ou
mobilidade reduzida126.” Por sua parte o Metrô possui 8 veículos antigos modernizados,
além daqueles que foram implantados às linhas após 2008, que já cumprem com os
critérios de acessibilidade. “As composições modernizadas contemplam as normas
vigentes de acessibilidade, com espaços para cadeira de rodas e sinalização audiovisual
de abertura e fechamento de portas. O interior dos carros traz mapa dinâmico visual das
estações, comunicação em braile e dispositivos de emergência para comunicação com o
operador. Os investimentos na modernização da frota do Metrô são da ordem de R$ 1,75
bilhão127.”
Assim mesmo, a integração entre os sistemas de transporte público, demonstra
iniciativa clara na promoção da multimodalidade a garantir maior qualidade na gestão
da mobilidade urbana. Os esquemas de integração mais evidentes são observados por
meio de medidas de articulação física e tarifaria. O “bilhete único” é o cartão inteligente
com possibilidade de recarga a custear as tarifas do transporte público por percurso, ou
por esquemas de perfil diário, semanal e mensal. O bilhete permite a utilização do
metrô, trens metropolitanos e ônibus urbanos da cidade de São Paulo, muitas vezes com
benefícios tarifários para a transferência entre modais e gratuidade para transferências
125 De acordo com entrevista junto à SPTrans realizada em 1/4/2015. 126 CPTM, 2015. 127 Metrô, 2015.
91
entre o sistema metro ferroviário. A existência de bilhetes inteligentes, constituem um
importante indicador de quão integrados estão os modais. De fato, a integração facilita a
adoção de novas políticas tarifarias e de gestão dos sistemas, beneficiando diretamente
os usuários.
No âmbito metropolitano, o “cartão BOM”, fornecido aos usuários do transporte
intermunicipal da RMSP, se integra principalmente com os ônibus metropolitanos
administrados pela EMTU e encontra-‐se em processo de integração com a rede de
ônibus da Região Metropolitana de Campinas e de trilhos da RMSP. Na cidade de São
Paulo os equipamentos tradicionais das estações da CPTM e do Metrô foram
substituídos por aparatos que permitem a leitura do cartão BOM e do bilhete único. No
entanto, o BOM não dialoga com as catracas instaladas nos ônibus municipais, o que
resulta em usuários arcando com tarifas adicionais para completar seus trajetos que
incluam deslocamentos internos. Isso impacta especialmente a pessoas mais
desprovidas financeiramente, que pela localização de suas moradias, são obrigadas a
tomarem conduções de sistemas não integrados de transporte urbano, a exemplo da
desintegração existente entre os sistemas de ônibus intermunicipais metropolitanos e
os ônibus municipais da cidade de São Paulo.
A integração física se faz evidente nos terminais de integração, sejam eles metrô
ferroviários ou da rede de ônibus. Tal integração, porém, ainda carece de grandes
investimentos e projetos centrado a facilitar a transferência dos usuários entre modais,
particularmente entre ônibus e trilhos. Contudo, é importante destacar os esforços de
integração com modais não motorizados, a saber, a bicicleta, gradativamente mais
integrada aos sistemas de transporte público, seja pela disposição de espaço reservado à
elas nos veículos ou pela existência, cada vez mais difundida, de bicicletários nas
estações. Entendendo a lógica dos deslocamentos em bicicleta, que normalmente são
curtos e muitas vezes só cobrem parte do trecho completo, tal integração viabiliza o uso
deste modal e estimula hábitos de locomoção sustentáveis. Todavia, no que se refere à
integração com o modal pedestre, há vazios na compreensão dos limites físicos do
sistema. Pois, além de facilitar à acessibilidade universal deveria se integrar com as
calçadas e demais infraestruturas urbanas que facilitam o fluxo de pessoas desde a
origem do percurso até o acesso ao sistema. Os pontos e abrigos de ônibus situados em
calçadas em má condição, são um claro exemplo da ausência de integração entre estas
92
iniciativas políticas. O mesmo exemplo poderia se aplicar às calçadas vizinhas às
estações de trem e de metrô.
A integração operacional constitui o maior desafio da cidade e RMSP. Os sistemas ainda
necessitam dialogar no âmbito operacional de forma a ganhar eficiência e qualidade no
serviço. Os diferentes modais ainda preconizam este objetivo de maneira
independentemente e fragmentada. Neste sentido, ressalta-‐se o projeto para
funcionamento do ônibus municipal noturno (garantindo o acesso ao transporte público
durante as 24 horas diárias) e a instalação de sistemas de controle de operações no
âmbito da SPTrans, de maneira a monitorar a operação e buscar maior eficiência no
funcionamento e cobertura das linhas de ônibus. Assim, embora haja avanços, a
estratégia de integração operacional parece ainda não ser prioritária entre os diferentes
modais, deixando lacuna importante que impede a gestão integrada na mobilidade
urbana da RMSP.
Por outra parte, ainda há debilidades no uso de tecnologias da informação para o
usuário, assim como em veículos, estações e abrigos. O usuário se encontra muitas vezes
desorientado sobre qual linha utilizar, quais linhas operam em seu ponto de localização
e o tempo de espera na chegada de veículos aos abrigos e estações. Embora a maior das
queixas sejam em relação ao sistema de ônibus (municipal e metropolitano) a última
tem origem, adicionalmente, pelos usuários do Metrô e da CPTM, sendo uma das
reclamações mais frequentes.
Entretanto, é de se notar que esforços a implantar rede wi-‐fi tanto em veículos (ônibus
municipais de São Paulo), quanto em estações (várias do Metrô, CPTM e terminal
rodoviário Santo Amaro), constituem importantes avanços no que concerne ao uso de
novas tecnologias em matéria de mobilidade urbana, bem como no relacionamento com
usuários. Para os usuários metropolitanos do Corredor BRT ABD (São Mateus-‐
Jabaquara), o aplicativo do Google Maps lhes permite traçar sua rota ponto a ponto com
a opção de “como chegar ao destino desejado”, utilizando as linhas de ônibus do
corredor metropolitano.
No tocante à confiabilidade do sistema, é importante frisar que as faixas e corredores
exclusivos para ônibus são medidas que visam assegurar a frequência dos veículos em
93
pontos e estações, sendo a segregação de faixas de trânsito a única possibilidade para
efetivamente garantir velocidades médias e frequências constantes.
Segurança no trânsito
A brutalidade dos acidentes de trânsito da capital paulista, é um assunto que todavia
necessita de atenção e da integração efetiva de políticas públicas em torno da garantia
da segurança viária nas vias da metrópole.
As estatísticas sobre acidentes de trânsito divulgados pela CET no documento
“Acidentes de Trânsito Fatais – Relatório Anual – 2014,” acusaram incremento geral nos
índices de acidentes fatais no município. O relatório destaca a elevação do número de
acidentes fatais com motociclistas e, principalmente, com pedestres, os mais vulneráveis
usuários das vias.
Figura 13: Mortes por tipo de usuário das vias de São Paulo, 2014.
Fonte: CET, 2015.
Apontado pelo documento, “os pedestres totalizam quase 45% dos mortos em acidentes
de trânsito nas vias do município de São Paulo, ou seja, um índice desproporcional à sua
presença cotidiana nas ruas da cidade128”, deixando visível que as condições oferecidas
pela cidade, não conseguem garantir a segurança de aqueles que em nela circulam. No
estudo da CET, atropelamentos aparecem como o acidente que mais provoca mortes na
128 Malatesta, 2015.
94
cidade de São Paulo: 538 atropelamentos com 555 mortes, o que significa que mais de
uma pessoa foi morta em alguns deles.
Figura 14: Evolução de mortes de pedestres em São Paulo 2011-‐2014.
Fonte: Prefeitura de São Paulo, Infográfico Folha, 2015.
A proteção e a segurança viária são temáticas presentes no Plano de Metas da atual
gestão do prefeito Fernando Haddad, sendo a meta de “ampliar o Programa de Proteção
à Vida atendendo as 32 subprefeituras com ações de segurança e de educação” a
principal ação da meta 102. Tal meta, está alinhada às premissas da Década de Ação pela
Segurança no Trânsito 2011-‐2021, lançada pela Organização Mundial da Saúde (OMS)
das Nações Unidas, que advoga por ações e compromissos visando a redução em até
50% dos acidentes de trânsito neste período.
A redução das velocidades em todo o município de São Paulo é medida de extrema
importância que, embora considerado por críticos como tímida, já ostenta resultados
específicos. O número de acidentes com vítimas fatais caiu em 36% nas marginais
Pinheiros e Tietê desde que as velocidades foram reduzidas -‐ dados obtidos no período
de 20 de julho a 13 de setembro de 2015, oito semanas após a implementação da
medida129 . Além da política de redução de velocidades, cumprir a meta da OMS
demandará forte foco em intervenções e investimentos cujos objetivos estejam
centrados na entrega de efetiva segurança no trânsito. A educação, a difusão de
campanhas de segurança viária e a fiscalização são estratégias chave. O modo através
do qual é moldado o desenho urbano, tem papel fundamental nessas mudanças.
Adicionalmente, faixas exclusivas para motocicletas é medida utilizada em países como
Malásia e os Estados Unidos para a redução da vulnerabilidade de motociclistas,
demostrando resultados bem sucedidos. Outras alternativas para o desenho de cidades
à escala humana, incluem a revisão dos usos da rede viária e a hierarquização das vias,
129 São Paulo, 2015.
95
sob a ótica de sua relevância para os fluxos a pé, condicionando o desenho das
infraestruturas viárias à lógica que prioriza o pedestre.
Algumas propostas internacionais que adotam estes preceitos, incluem o programa
Vision Zero, projeto de segurança viária cujo objetivo é alcançar um sistema viário sem
fatalidades ou lesões importantes. O programa começou na Suécia (1997) e alcançou
amplo reconhecimento na cidade de Nova York, sobretudo na gestão do prefeito De
Blasio (eleito em 2003) que se esforçou, a partir das exigências da população, na luta
pela diminuição das mortes no trânsito. A principal demanda que moldou a iniciativa em
Nova York era para que a segurança viária fosse tanto uma meta como um parâmetro
fundamental a ser incluído nas políticas públicas de criação e melhora da infraestrutura
da cidade. O resultado: desde o ano 2005, quando a secretaria de transportes fez as
maiores mudanças de desenho urbano e implantou limites de velocidade de até 20km
por hora, os acidentes de toda a cidade diminuíram em 34%. Atualmente, Nova York é
considerada como referência internacional de uma cidade “humanizada”.
Figura 15: Mortes no trânsito – comparação São Paulo e Nova York.
Fonte: Malatesta, 2015; Mobilize-‐org.
Mobilidade a pé e ciclovias
Caminhar pela cidade é o único modo de transporte accessível a todas as classes sociais.
Melhorar as condições do sistema de circulação de pedestres democratiza o espaço
96
público e traz melhorias efetivas para toda a população. Dentre as políticas urbanas
promovidas pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano está a requalificação
do sistema de circulação de pedestres, uma das principais metas da atual gestão que
prevê a revitalização ou construção de mais 1 milhão de m² de calçadas130 e a reforma
dos chamados “calçadões”.
Os calçadões do centro surgiram nos inicio da década de 1970 como resposta às
dinâmicas de desenvolvimento urbano decorrentes da implantação de sistemas de
transporte de alta capacidade. Incrementos na quantidade e densidade na circulação de
pessoas, somado ao auge do comércio especializado e os atrativos do patrimônio
cultural, foram fatores que levaram à transformação das ruas, tradicionalmente
destinadas ao automóvel, em ruas exclusivas para pedestres. Esta consolidação de em
um espaço público de livre circulação “permitiu uma valorização e qualificação dos usos
cotidianos da região e uma circulação confortável com áreas de estar, espaços de
sombra durante o dia e boa iluminação à noite131.”
As funções, qualidades e os problemas atuais dos calçadões do centro da capital estão
relacionados com o sistema de mobilidade que envolve pessoas e mercadorias,
transporte coletivo e automóveis. “Diante desta condição, foram estudadas várias
soluções para a qualificação do calçadão, incluindo diversas soluções de piso, mobiliário
urbano, formas de distribuição de bens e produtos, iluminação e gestão do espaço.
Sempre a fim de promover o uso e a ocupação deste e de outros espaços públicos de
forma mais qualificada132.”
No que concerne à adequação e manutenção de calçadas, novas legislações estão sendo
propostas. Uma delas é o Projeto de Lei 01-‐00079/2013133, que altera dispositivos do
Código de Obras e Edificações e outras leis para estabelecer que a prefeitura deva
manter e conservar todos os 35 mil quilômetros de calçadas da cidade, a estimular o
transporte a pé, com mais segurança, especialmente para os idosos e pessoas com
deficiência. Seu grande objetivo é mudar a responsabilidade da manutenção das
calçadas dos proprietários privados para o governo municipal. Contudo, apesar do
caráter e intenção de reequilibrar os investimentos e responsabilidades dos espaços 130 Conforme condições já expostas na seção de governança pública desta sessão. 131 SMDU, Gestão Urbana, 2014. 132 Ibid. 133 Projeto de Lei 01-‐ 00079/2013.
97
públicos, há entraves e desafios para a sua efetividade. Por exemplo, definir as
secretarias responsáveis, as fontes de recursos, o plano estratégico de implantação, os
métodos e modelos de calçadas a serem implantados e a identidade visual envolvida em
todos o ambiente urbano.
Figura 16: Mapa de requalificação dos calçadões, 2015.
Fonte: SMDU–Gestão Urbana134.
Por sua parte, as ciclovias continuam se estabelecendo como projeto transformador na
cidade. A despeito da resistência política sobre a iniciativa, projetos como as ciclo faixas,
ciclovias e ciclo-‐rotas avançam, com cada vez mais legitimidade e apoio da sociedade
civil organizada. Algumas queixas se apresentam em relação à segurança do ciclista. As
recomendações neste sentido centram-‐se na promoção de melhor sinalização,
sobretudo em pontos de interseção e cruzamentos.
Entretanto e independentemente da movimentação mediática frente ao tema, as mortes
e acidentes fatais envolvendo ciclistas dentro das ciclovias implantadas são apenas duas,
dos 47 casos registrados em relatório apresentado pela CET135
134 Disponível em: http://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/requalificacao-‐dos-‐calcadoes 135 Malestesta, 2015.
98
Meio ambiente e saúde
A explanação do diagnóstico sobre meio ambiente e saúde e sua interação com a
mobilidade urbana em São Paulo e RMSP foi baseada na seguinte pergunta: como a
temática ambiental tem sido incorporada pelos projetos e as políticas de mobilidade
urbana em São Paulo e RMSP?
Em todo o estado de São Paulo, a poluição do ar tem sido citada como responsável pela
morte de cerca de 100.000 pessoas, entre 2006 e 2011, tendo como principal causa
doenças respiratórias. Em estudos realizados recentemente constatou-‐se que
anualmente se morre mais em São Paulo devido à poluição, que em acidentes de
trânsito, os quais matam em média 1.550 pessoas por ano. Somente na cidade de São
Paulo a mortalidade atribuível à poluição é registrada em 4,655 casos. Na RMSP são
quase 8.000 pessoas. A poluição em São Paulo mata três vezes e meia mais do que o
câncer de mama e quase seis vezes mais que a Aids136.
Antigamente a atividade industrial contribuía majoritariamente à poluição do ar, mas
devido às regulamentações e controles impostos a esta atividade, muitas destas
empresas se transferiram a outras regiões. Atualmente, a poluição emitida pela frota
veicular é a principal fonte de poluição atmosférica na cidade de São Paulo e RMSP,
sendo responsável por 90% deste tipo de contaminação137.
Diante desse cenário, as medidas adotadas para mitigar os efeitos adversos da
contaminação produzida pelo atual modelo de mobilidade urbana parecem tímidas e
insuficientes. Os critérios ambientais nas instituições e órgãos de transporte urbano
quando são abordados seu foco estão mais para o aumento da velocidade de circulação
dos veículos -‐ o que reduz a quantidade de emissões -‐, e não na adoção de combustíveis
e matrizes energéticas limpas. Nesse sentido, é de se considerar a ineficácia na
abordagem do tema.
Algumas exceções fogem à regra, como o observado, por exemplo, na iniciativa do EMTU
no Corredor ABD, onde circula ônibus protótipo do projeto “Ônibus Brasileiro a
136 MS-‐Data SUS. 137 Toledo; Cássia, 2011.
99
Hidrogênio". Os veículos movidos por hidrogénio tem como único resíduo de sua
operação o vapor d'água. “Lançado em novembro de 2006, o "Projeto Ônibus Brasileiro
a Hidrogênio" consiste na aquisição, operação e manutenção de até quatro ônibus com
célula a combustível a hidrogênio. A EMTU é a coordenadora nacional do projeto, que
tem direção do Ministério das Minas e Energia (MME) e conta com recursos do Global
Environment Facility (GEF), aplicados por meio do Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD) e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). O valor total
do projeto é de cerca de US$ 16 milhões. Contempla ainda a instalação de uma estação
de produção de hidrogênio por eletrólise a partir da água e abastecimento dos ônibus,
além do acompanhamento e verificação do desempenho desses veículos, que serão
utilizados no Corredor Metropolitano ABD (São Mateus-‐Jabaquara), no ABC paulista138.”
Em 2009 iniciaram-‐se os testes operacionais e em dezembro de 2010 o ônibus protótipo
passou a ser testado com passageiros, sendo o único dos veículos previstos no projeto
que encontra-‐se efetivamente em circulação.
Por outra parte, há esparsas análises de políticas que visem, através do desestimulo do
uso de veículos particulares, combater os poluentes emitidos pela frota veicular e os
impactos adversos para a saúde gerados pela mesma. Para o caso dos veículos
particulares, a promoção do uso de matrizes energéticas alternativas se traduz como
tendência global. Prática esta também observada no Brasil a partir da recente iniciativa
do governo federal em zerar o imposto de importação para automóveis movidos
unicamente a eletricidade ou hidrogênio. Tais categorias de veículos contavam com
alíquota de 35%, semelhante à de um automóvel tradicional.
Assim, veículos “verdes”, que incluem modelos híbridos, que trabalham em alguma
medida com propulsor elétrico -‐ combinado a outro motor de combustão tradicional -‐,
também disporão de parte do benefício. Para estes casos a vantagem será entre zero e
7%, dependendo da sua eficiência energética.
Tal contexto, embora positivo, expõe o debate sobre a credibilidade do transporte
urbano por ônibus coletivo frente ao argumento que sua adoção, em substituição ao
veículo particular, traria impactos mais limpos voltados à sustentabilidade de ambientes
urbanos. Ora, a capacidade de adaptação das frotas de ônibus -‐ movidas
138 EMTU, 2015.
100
majoritariamente à óleo diesel de origem fóssil -‐, com vistas à sua adequação às novas
matrizes energéticas limpas, não parece equiparar-‐se com a possibilidade que teriam os
veículos particulares de fazê-‐lo de forma mais acelerada. Contexto este, naturalmente
vislumbrado a partir dos incentivos e regulamentações existentes para estimular esta
mudança.
Medidas a fomentar dita evolução na adoção generalizada de tecnologias mais limpas,
tendem ser mais contínuas nos veículos privados do que nos de usos públicos. Na cidade
de São Paulo, os veículos elétricos e híbridos têm desconto de 50% no Imposto sobre a
Propriedade de Veículos Automotores (IPVA)139 e estão isentos do rodízio municipal,
que proíbe a circulação no centro expandido em determinados horários por um dia da
semana (Decreto nº 37085/1997).
Por outro lado, os editais municipais de São Paulo (inclusive o último, realizado em
2015) para a concessão do serviços de transporte urbano à empresas privadas – a
exemplo da municipalidade de Santos e da maioria de cidades brasileiras – não induzem
à obrigatoriedade, pelas empresas operadoras das frotas de ônibus, de adoção das
novas tecnologias limpas orientadas à sustentabilidade ambiental. Neste cenário, o
argumento ambiental pelos proprietários de automóveis movidos por energia limpa
poderia ameaçar o pressuposto democrático e do coletivo, justificando investimentos e
privilégios no uso do veículo privado sobre o ônibus público.
Pelas razões expostas anteriormente, é imperativo o estabelecimento de políticas que
exijam tecnologias limpas para o transporte urbano por ônibus coletivo. Induzir e
estimular à adoção pelos ônibus públicos de novas tecnologias e matrizes energéticas
orientadas à sustentabilidade ambiental, a partir dos editais de concessão de serviços, é
medida urgente.
São Paulo foi um dos primeiros Estados a referenciar suas políticas públicas em
conformidade com as metas preconizadas pela OMS focadas em novos padrões de
qualidade do ar. Devido a esta disposição, a qualidade do ar é monitorada e avaliada
frequentemente pela Cetesb 140 . Adicionalmente, se estabeleceram metas e
139 Outros 7 estados dão isenção de IPVA a modelos elétricos: Piauí, Maranhão, Ceará, Sergipe, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte e Pernambuco. Além de São Paulo, Rio de Janeiro e Mato Grosso do Sul também dão desconto de 50% no imposto para esses veículos. 140 Companhia Ambiental do Estado de São Paulo.
101
compromissos para reduzir os altos índices de contaminação que ainda estão presentes
em todas as regiões metropolitanas do Estado, como se ilustra nos seguintes Figuras 17
e 18.
Figura 17: Médias anuais de material particulado por Região Metropolitana, 2011.
Fonte: Instituto Saúde e Sustentabilidade, 2013.
Frente a esta situação, conectar as ações em prol do meio ambiente com políticas de
mobilidade urbana é condição necessária para à efetivação das políticas de saúde e a
concretização de estratégias para modelo de desenvolvimento sustentável. Importante
recomendar a manutenção e fortalecimento dos processos de controle e fiscalização das
emissões da frota veicular circulante. Para o caso da RMSP, o controle está
majoritariamente sob responsabilidade do âmbito estadual, através da Cetesb e
EMTU141.
141 Para maior descrição sobre os instrumentos e inciativas em curso, ver diagnóstico de Santos na seção 4.3 deste trabalho.
102
Figura 18: Média material particulado municípios de São Paulo, 2011.
Fonte: Instituto Saúde e Sustentabilidade, 2013.
No que concerne aos meios de locomoção não motorizados, há ampla sensibilização com
respeito ao uso de bicicletas para o deslocamento, constituindo cada vez mais
argumento ambiental a promover seu uso como modal de transporte. Porém, a
topografia e condições ambientais representam desafio adicional à sua ampla utilização
na cidade de São Paulo. Contudo, o incremento progressivo no número de viagens
realizadas por bicicleta tem demonstrado o quão viável é este modal para o
deslocamento, sobretudo em trechos curtos. Complementarmente, a promoção do seu
uso é estratégica desde uma perspectiva de meio ambiente, sustentabilidade e saúde.
103
4. A MOBILIDADE URBANA EM SANTOS
4.1 Santos: padrões de viagem
Com a maior população e PIB da Baixada Santista, o município de Santos abriga um dos
mais importantes complexos portuários da América Latina e concentra as principais
atividades empresarias, comercias e acadêmicas na região.
Responsável por cerca de um terço do comércio exterior brasileiro, o Porto de Santos
mobiliza diversos modais de transporte, como o rodoviário, ferroviário e hidroviário.
Santos está para sediar a principal base de operações da Petrobras, a viabilizar as
operações das plataformas de petróleo da Bacia de Santos no Pré-‐Sal142.
Este contexto econômico e político, no qual Santos tem uma crescente influência no
Estado de São Paulo e no País, explica em grande medida à atual situação da mobilidade
urbana no município e na Região Metropolitana da Baixada Santista (RMBS). Um forte
processo de elitização do espaço urbano, causada pelo incremento nos preços da terra e
da propriedade, expulsou as populações mais pobres para bairros periféricos, ou para
municípios vizinhos, o que deu forma às dinâmicas de ocupação na região, com impactos
negativos na mobilidade urbana143.
Apesar de presenciar estancamento ou limitação de seu crescimento demográfico, a
cidade de Santos ainda concentra mais de 50% das viagens realizadas na região,
principalmente deslocamentos intermunicipais por motivos de trabalho e estudo144.
Pelo caráter metropolitano e pelo poder de atração de viagens direcionadas ao núcleo
central do município de Santos – o que origina e expande a mobilidade pendular na
RMBS -‐, o desafio da mobilidade em Santos não se limita apenas ao território santista.
De acordo com a pesquisa de Origem-‐Destino145, em 2007 eram realizadas cerca de 2
milhões de viagens diárias na Baixada Santista. A maior parte relacionados à demandas
fundamentais: (49%) por trabalho, seguido por estudo (40%), lazer (6%) e saúde (3%).
Somente Santos e São Vicente respondem por 50% do total de viagens146. Diariamente
142 Polis, 2013. 143 Ibid. 144 Santos, 2015. 145 Santos, 2013. 146 Ibid.
104
40.226 santistas (10% da população) movem-‐se em retirada do município para
questões de estudo e/ou trabalho e 70.717 indivíduos deslocam-‐se somente por
questões de trabalho (17,1%). O equivalente à 28% da população santista (118.300
pessoas) adentram-‐se ao município para o estudo e/ou trabalho; 47,7% somente para o
trabalho. O percentual de saída e entrada sobre a população que trabalha e estuda
aumentou em 28,9% (2000) para 51,4% (2012), isto é, cada vez mais as viagens na
região são orientadas por motivos de trabalho e estudo.
A falta de alternativas à mobilidade urbana é um dos principais gargalos da RMBS. A alta
demanda e a insuficiência de atendimento dos sistemas de transporte, combinado à
escassa ampliação da capacidade do sistema viário e ao maciço processo de
deslocamento pendular levaram à área central da região a uma crise de mobilidade
urbana na última década. Neste processo, Santos foi especialmente afetada147.
O reflexo desta situação é claro nos padrões de viagens. O transporte coletivo comum
teve aumento em sua procura na ordem de 1,15% entre 2008 e 2012, enquanto o
transporte “seletivo,” cresceu mais que quatro vezes, em 4,7%. O aumento da renda da
população somado à má qualidade do transporte coletivo e uma melhor alternativa
acreditada ao transporte “seletivo” -‐ que oferece conforto, climatização e rapidez a um
custo maior -‐ , contribuíram para a elevação do uso deste último148.
Tal contexto se traduz em situação problemática tanto para a sustentabilidade nas
operações dos sistemas municipais e metropolitano de transporte, como para o projeto
de sociedade na entrega e cumprimento de direitos dos cidadãos, independente do nível
de renda. Essa problemática é aprofundada ao se constatar que a situação dos usuários
de transporte coletivo se deteriorou, enquanto que as ações públicas pareceram
favorecer aos usuários de automóveis particulares. Em Santos, onde a frota total de
veículos expandiu em 20,5% em 5 anos (2007-‐2012), o tempo médio de viagem dos
ônibus coletivos aumentou em torno de 6 minutos no mesmo período, o que equivale a
um decréscimo de 12% de sua velocidade em comparação com índice anterior; sendo
que as motocicletas e automóveis ganharam tempos de viagem em 5%149.
147 Ibid. 148 Ibid. 149 Santos, 2013.
105
Um dos grandes desafios do município está na democratização do uso do espaço
público, assim como o acesso à serviços de qualidade. Santos não possui corredores
exclusivos de transporte coletivo de média capacidade, o que resulta em uma
competição pelo uso de ruas e avenidas, prejudicando a maioria da população e
especialmente o segmento de pessoas que dependem do transporte público para se
locomoverem.
Com este panorama, não é de surpreender que aqueles que tiverem outras alternativas
na realização de seus deslocamentos, certamente se afastarão do transporte público.
Segundo a pesquisa de origem e destino de 2012150, a utilização do modo de locomoção
individual motorizada (30,6%) supera ao modo de viagem coletivo (28,9%).
Na prática, a possibilidade de renunciar ao uso do automóvel para à utilização do
transporte coletivo é amplamente desestimulada. O ônibus não é uma opção de
qualidade em termos de seu conforto, frequência, segurança e até mesmo em se
considerando o preço da tarifa, em um contexto de ausência de integração tarifária. O
alto valor das tarifas é uma questão essencial a ser enfrentada. A garantia da melhoria
das condições de mobilidade urbana em Santos deve estar amparada pelo estímulo ao
uso do transporte coletivo, ao desestímulo de utilização do transporte individual e à
maior fixação da população nas áreas dotadas de melhor infraestrutura urbana.
Neste contexto, o VLT (Veiculo Leve sobre Trilhos) se apresenta como opção à aliviar
dita situação e apoiar a integração metropolitana e entre bairros, sobretudo dos
municípios de Santos e São Vicente, a partir do transporte de passageiros por ônibus.
A alta renda per capita em Santos e a política de incentivo fiscal do governo federal para
a compra de veículos motorizados, além do subsídio ao valor da gasolina, têm grande
incidência no incremento da frota veicular no município. O número de veículos
adquiridos na região saltou de 143.454 para 235.282 em seis anos (2007-‐2013),
expansão de 64%, segundo o Denatran. Preocupa igualmente a constatação que o uso da
bicicleta como meio de transporte também caiu no período de 2007 a 2012, de 15%
para 11%151.
150 Ibid. 151 Diagnóstico Santos, 2013.
106
Portanto, reverter essa problemática significa aplicar de maneira efetiva os princípios
da Lei da Política Nacional de Mobilidade Urbana de modo a contribuir para um
processo de inversão dessas tendências nos padrões de viagens.
O transporte público é o principal serviço que deve ser universalizado de modo a
garantir o direto da mobilidade urbana e o amplo acesso à cidade. É também um tipo de
serviço que pode estar desenhado em forma de rede visando à garantia da mobilidade e
o deslocamento das pessoas.
Aumentos na renda, subsídios que impactam na redução dos custos de aquisição do
automóvel, elevação da taxa de motorização, são todos assuntos que os governos locais
não têm condição de controlar. No entanto, os prefeitos podem sim, em momentos de
congestionamento das cidades e de frota de veículos crescente, decidir qual o modal
deve se desencorajar e qual deve se estimular o uso.
Pode-‐se diferenciar, de maneira prática, a noção de propriedade e uso do automóvel.
Mesmo que a política de desenvolvimento da indústria automobilística gere desafios
urbanos referente à expansão da propriedade de veículos, ela não desvia a possibilidade
de regular o uso das vias nos municípios. Desde a promulgação do Estatuto da Cidade,
estão disponíveis um conjunto de instrumentos de gestão urbana que os prefeitos
podem e devem utilizar para à articulação do uso das vias e da democratização das ruas
ao planejamento e à política urbana das cidades. Os Planos Diretores e os Planos de
Mobilidade Urbana são os principais instrumentos de ordenação territorial de
municípios.
Neste sentido, os desafios que afrontam as cidades estão relacionados à ausência ou
debilidade do planejamento inclusivo, somado à carência de implantação efetiva de
instrumentos que visem o desestímulo do uso dos automóveis particulares, juntamente
à escassez de alternativas em termos de oferecimento de transporte público de
qualidade a preços justos. Os serviços de ônibus precisam “dignificar” as viagens,
particularmente em seu serviço “coletivo”. Assim mesmo, é importante fortalecer as
estratégias de integração e articulação multimodal entre sistemas de transporte. A
integração de modos não motorizados necessita de especial atenção.
Estão se apresentando avanços importantes referentes à qualificação de calçadas e
passeios públicos, com esforços e práticas ainda tímidos no que tange à qualidade da
107
malha cicloviária. Mais além da devida atenção para com a qualidade do serviço e das
infraestruturas para o transporte não motorizado, é importante a busca de soluções
permanentes no desenho de ações voltadas à integração destes modais aos sistemas
tradicionais de transporte municipal e metropolitano, especialmente junto ao SIM
(Sistema Integrado Metropolitano).
A integração operacional, física e tarifaria está se desenvolvendo a partir do projeto SIM.
A efetiva implantação do sistema resultará em grandes melhoras para a qualidade de
vida da população, de maneira que fornecerá mais e melhores alternativas de
transporte, com custos mais favoráveis para os usuários, resultado da integração
tarifária e da muti-‐modalidade entre o sistema VLT e os ônibus municipais e
metropolitanos. No entanto, é de se criticar os esquemas de participação cidadã e
socialização do projeto, que têm sido insuficientes e incapazes de gerar mobilização e
transparência, resultando em desconfiança e resistência por parte das comunidades
locais, em parte devido ao desentendimento sobre o processo de implementação, mas
também no que corresponde aos possíveis incrementos nos custos da terra e potenciais
desapropriações.
De fato, os esquemas de participação social e interlocução política com a comunidade e
entre os diferentes órgãos de governos (local e estadual/metropolitano) ainda
aparecem débeis. Santos criou o Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano
(CMDU) e a Comissão de Transportes (CT), entre outras instâncias, para garantir canais
de participação e representação cidadã. Porém, tais instâncias dispõem de latentes
problemas de representatividade, particularmente no caso da CMDU, assim como de
omissão da participação e da vinculação efetiva observado tanto para o CMDU quanto
para a CT.
Já no que se refere à articulação metropolitana, também há debilidades quando
analisado o padrão de diálogo entre níveis territoriais de governo. A planificação e
execução de plano de governo é concebido e implementado de maneira local – no
universo intra-‐urbano de cada municipalidade –, desconhecendo a pendularidade
característica da RMBS. A Agência Metropolitana da Baixada Santista (AGEM)
manifesta-‐se ativamente na realização de planos e estratégias, contudo sem força
vinculante a garantir a implantação dos mesmos. O município de Santos, por sua vez,
ainda não assumiu seu papel protagonista, de liderança, nos projetos de
108
desenvolvimento metropolitano. Demanda esta, implícita no íntimo da região que, por
conseguinte, exige maior responsabilidade do seu poder decisório santista, sobretudo
por ser o município mais bem equipado técnica e financeiramente da RMBS e de todo o
litoral paulista.
Nesse mesmo sentido, os plano de mobilidade urbana e sua integração com a Lei de Uso
e Ocupação do Solo (LUOS), representa uma exímia alternativa à Santos e, para os
demais municípios, que ainda se aprofundarão nesse debate, devem ter essa temática na
pauta das agendas locais. A gestão da demanda de viagens através da integração de
instrumentos e políticas urbanas é paradigma que tem estado presente em Santos,
visando importantes conquistas à apoiar a multimodalidade, o adensamento e o uso
misto da terra.
Santos também tem mostrado avanços importantes na agenda de segurança viária,
reduzindo todos os índices de acidentes e fatalidades no período compreendido entre
2010 e 2013. A cidade e região ainda encaram importantes desafios ambientais, com os
alto custos que isso representa para a saúde das pessoas e para os orçamentos de saúde
pública, locais, regional, estadual e federal.
4.2 Instrumentos de Política Urbana
Plano Diretor de Santos
O Plano Diretor (PD) de Santos passou por nova revisão em 2013. Aprovado pelo
parlamento municipal, a Lei Complementar 821 foi publicada no Diário Oficial do
Município em dezembro de 2013. O PD anterior de 2009 careceu de revisão por ser
considerado extremamente genérico e técnico, desconsiderando pontos específicos de
operação e omitindo as premissas de desenvolvimento humano que preconizam
comumente a função social deste importante instrumento de gestão urbana.
De forma geral, urbanistas e acadêmicos recomendam que planos diretores municipais
não se atêm ao demasiado detalhamento de ações, visando focar atenção em sua
operacionalização através dos planos executivos e da aplicação de leis complementares.
No entanto, o caso de Santos “provou-‐se que essa teoria não é muito acertada, sobretudo
109
a partir dos problemas ocorridos em Planos Diretores genéricos, como o do município
de Santos, que sofreu revisão em vista de sua extrema generalidade.”152
O processo de aprovação incluiu reuniões, debates e outros espaços de participação da
sociedade, sobretudo por meio da facilitação promovida pelo Conselho Municipal de
Desenvolvimento Urbano (CMDU) de Santos. Tal instância de participação foi criada
através da Lei nº 1776/1999 e tem realizado discussões importantes que reverberam no
desenvolvimento urbano santista. Compete ao CMDU estimular a participação da
sociedade nas diversas discussões relativas às diretrizes estabelecidas no PD,
tecnicamente chamado de Plano Diretor de Desenvolvimento e Expansão Urbana do
Município de Santos. Adicionalmente, outro canal de participação foi criado por meio
das novas tecnologias. Os santistas puderam deixar sugestões pela internet para a
revisão do PD através do portal Gestão Urbana, que transmitia informações sobre o
processo de atualização da legislação.
O PD define as metas a serem alcançadas pelo poder público e sociedade em questão,
incluindo as iniciativas a serem realizadas, entre outras atribuições. Especialmente,
estabelece diretrizes para o desenvolvimento e ordenamento urbano. No caso de Santos,
os setores mais envolvidos são o portuário, turismo, mobilidade urbana e habitação153.
Para que esta revisão de 2013 resultasse em uma resposta efetiva às dificuldades
confrontadas no PD anterior, a prefeitura realizou diagnóstico detalhado da situação e
necessidades prioritárias do município154. É de se reverenciar o senso pioneiro do
município na realização de diagnóstico para a revisão do PD. Tal documento contêm
principalmente os resultados da situação atual do município e sua relação com à área
metropolitana no que se refere à habitação, meio ambiente, desenvolvimento
econômico, demografia, território e mobilidade urbana. Nesse sentido, é de se
considerar que o procedimento de revisão do PD constitui-‐se em valioso avanço em
termos de concatenar os problemas, diretrizes e ações prioritárias confluídas no
documento revisado, relevante e alinhado com a realidade local. Por fim, o PD de 2013
tem se traduzido como insumo central dos grupos temáticos no processo de construção
dos diferentes planos executivos, entre eles, o de mobilidade urbana.
152 Salene e Silva, 2011. 153 Associação Comercial de Santos, 2015. 154 Santos, 2013.
110
O PD de 2013 tem por objetivo geral promover o desenvolvimento econômico
sustentável, a função social da cidade e da propriedade urbana, a equidade e inclusão
social e territorial, a gestão democrática e o direito à cidade. Complementarmente, entre
seus objetivos específicos estão: (i) assegurar o desenvolvimento econômico sustentável
do município, observando os planos nacionais, regionais, estaduais e metropolitanos, e a
universalização do uso dos espaços urbanos, visando à acessibilidade, à mobilidade e à
comunicação para toda a comunidade, à melhoria da qualidade de vida e ao bem estar
da coletividade, especialmente nas áreas com baixos índices de desenvolvimento
econômico e social; (ii) fortalecer a posição do município como polo da RMBS e na rede
urbana nacional; (iii) promover a cooperação e a articulação com a AGEM e os demais
municípios da RMBS, fortalecendo a gestão integrada; (iv) promover a integração entre
os sistemas municipais de circulação e transporte local e regional; (v) estabelecer as
normas gerais de proteção, recuperação e uso do solo no território do Município,
visando à redução dos impactos negativos ambientais e sociais; (vi) orientar as
dinâmicas de produção imobiliária, com adensamento e diversificação de usos ao longo
dos eixos de transporte coletivo público e nas áreas de centralidades com concentração
de atividades não residenciais; (vii) priorizar a participação e a inclusão social de toda a
população nos processos de desenvolvimento da cidade, em todos os setores.
Chama a atenção que no seu Título 5, “Inclusão Social”, a temática mobilidade urbana
não é mencionada, tampouco está considerada como direito público, a exemplo da
explícita ênfase adotada para os direitos à saúde e educação.
Nesse contexto, é importante ressaltar que um dos principais desafios para o município
está na articulação e fortalecimento da gestão metropolitana. Da mesma forma, o
fomento à políticas que estimulem o uso de diferentes modais para a facilitação do
deslocamento dentro do município e entre os municípios da RMBS, continua um
imperativo por fortalecer. O VLT está concebido como a principal alternativa de
integração modal metropolitana, assim como uma importante infraestrutura de conexão
entre os municípios da RMBS, sobretudo Santos e São Vicente. No entanto, ainda é
preciso o estímulo a outros modos de transporte coletivo e não motorizado. Para a
conquista de processo exitoso de regressão modal e desestímulo do uso do automóvel -‐
simultaneamente ao estímulo do uso de diferentes modais de tipo coletivo e não
111
motorizado -‐, é fundamental realizar investimentos que tenham como fim à integração
entre e dentro dos sistemas de transporte.
Em seu paragrafo único (Título X), o PD de 2013 dispõe sobre os alinhamentos de
mobilidade urbana no município, especificando que “a Política de Mobilidade e
Acessibilidade Urbanas devem atender ao previsto na Lei Federal nº 10.257/2001 –
Estatuto da Cidade, e na Lei Federal no 12.587/2012, que instituiu as diretrizes da
Política Nacional de Mobilidade Urbana, consubstanciada na implementação e constante
atualização do Plano Municipal de Mobilidade e Acessibilidade Urbanas.”
Adicionalmente, o PD considera como componentes do Sistema de Mobilidade e
Acessibilidade Urbanas: (i) sistemas viário e hidroviário; (ii) sistema de transporte
coletivo público; e (iii) sistema cicloviário155.
Complementarmente, o município de Santos destaca como instrumentos de legislação
urbanística os seguintes documentos:
• Plano Diretor (Anexos Macrozonas e Macroáreas);
• Lei de Uso e Ocupação do Solo -‐ Área Insular (anexos I, II, III, IV, V, VI, VII, VIII, IX, X);
• Lei de Uso e Ocupação do Solo -‐ Área Continental (Anexos I, II e III);
• Lei das Zeis (Zonas Especiais de Interesse Social) e (Anexos I, II a V, VI);
• Plano Municipal de Habitação;
• Lei Complementar, Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança (EIV);
• Decreto nº 6.401, que regulamenta a Comissão Municipal de Análise de Impacto da
Vizinhança – COMAIV;
• Código de Edificações;
• Lei Complementar nº 470/03 de regulamentação do Alegra Centro, programa de
Revitalização e Desenvolvimento da Região Central Histórica de Santos;
• Alegra Centro Habitação;
• Decreto nº 5.998 que regulamenta Edificações Verdes e Inteligentes;
• Decreto nº 6.044 que regulamenta a implantação dos sistemas de retenção de águas
pluviais;
• Lei Complementar nº 528 que disciplina os polos atrativos de trânsito e transporte;
• Lei complementar nº 551 que disciplina os instrumentos do Estatuto da Cidade;
• Lei Complementar nº 778 sobre os procedimentos de regularização fundiária; 155 Plano Diretor de Santos: Art. 86 – Titulo 1, Capítulo 5.
112
• Lei nº 2.956 que institui o Fundo de Desenvolvimento Urbano (Fundurb).
Destes instrumentos, são especialmente importantes para regulamentar ou facultar
processos de mobilidades urbana a lei de uso e ocupação de solo (LUOS) e o Fundurb.
Este último é vinculado à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano, e cumpre a
finalidade de captar recursos a serem aplicados nos projetos de desenvolvimento e
renovação urbana, bem como nas obras prioritárias do sistema viário, de saneamento,
de transporte coletivo e equipamentos públicos; sempre em consonância ao Estatuto da
Cidade.
Finalmente, o sistema de mobilidade urbana e o transporte público coletivo -‐ adequado
aos interesses e necessidades da população, assim como às características do município
de Santos -‐, são setores habilitados a receber investimentos, o que proporciona fluxo de
recursos a projetos dessa temática.
Lei de Uso e Ocupação do Solo de Santos
A lei de uso e ocupação do solo (LUOS) é orientada pelo PD e determina o processo
através do qual ocorrerá a ocupação territorial do município. A LUOS estabelece áreas
dos bairros e divide o território por zonas. A nova proposta da LUOS -‐ que modifica a lei
complementar nº 730/2011, que por sus vez foi alterada pela lei complementar nº
813/2013 -‐, encontra-‐se em processo de revisão.
No que tange às atividades de mobilidade urbana, o esforço de revisão centra-‐se na
geração de oportunidades de emprego e expansão do comércio em áreas previamente
residenciais, na promoção do uso misto do solo e no aproveitamento do terreno para
estimular novas “atividades comerciais e o desenvolvimento sustentável, especialmente
em regiões com grande carência de emprego, como a Zona Noroeste e os morros. A ideia
é que os moradores não precisem sair do seu bairro para trabalhar, proporcionando
oportunidade de trabalho nos locais próximos das residências, além de contribuir para
melhoria da mobilidade da cidade”156.
A proposta visa estimular a verticalização, incentivando a construção de habitação de
mercado popular (HMP) junto ao traçado do VLT. Segundo análise realizada pela
156 Santos, 2015.
113
Associação Comercial de Santos (ACS)157, o foco central da proposta de revisão da LUOS
está no adensamento e verticalização, com especial intensidade nas vias principais de
conexão das áreas centrais e noroeste da cidade.
Desde o planejamento, a proposta de revisão da LUOS apresenta um modo de urbanizar
funcional e com melhor resultado estético. Uma das novidades propostas está na criação
de áreas livres de uso público (Alups), de forma a exigir que novos empreendimentos
tenham recuo maior em relação à calçada, deixando espaço sem muro ou cerca voltado à
circulação pública. A medida seria obrigatória em áreas com mais de mil metros
quadrados, classificadas na lei como de adensamento sustentável, como o trecho por
onde se estabelece a infraestrutura do VLT. Nesses locais, 20% do lote seria destinado
para Alup.
De forma geral, resume-‐se a seguir as regras propostas na revisão da LUOS para a
construção civil no município de Santos:
1. Área Livre de Uso Público (Alup) -‐ obrigar os novos empreendimentos a ter um recuo
maior em relação à calçada, deixando um espaço, que seria privado, livre para pedestres.
3. Previsão de em áreas de adensamento sustentável, ou seja, em corredores viários,
como no trecho do VLT, esse total seja de 20% do lote;
4. Já no restante da Zona Leste, 10%. Nesses locais só seriam permitidas obras de
paisagismo, como jardins, bancos e espelhos d'água (1/3 de área verde);
5. Não poderiam ser cercados de nenhuma maneira;
6. Embasamento de edificações;
7. Para conter o aumento no tamanho das bases de estacionamentos, que são cada vez
mais comuns nos novos edifícios, a proposta quer limitar esse total a 10 metros de
altura;
8. As torres de apartamentos, que começam logo acima dos embasamentos, terão de ser
recuadas, não avançando sobre essa área;
9. A Prefeitura diz que não serão diminuídas as vagas de estacionamento porque a taxa
de ocupação permitida subirá de 60 para 70%;
10. Eixo para facilitar a circulação de ar na cidade, a proposta pretende limitar a
profundidade dos prédios de acordo com o eixo em que eles estão sendo construídos;
157 ACS, 2015.
114
11. Caso o empreendimento esteja alinhado ao eixo Leste-‐Oeste, a profundidade máxima
será de 60 metros, por ser esse o sentido que mais barra a ventilação;
12. Quanto mais a construção for alinhada na direção Norte-‐Sul, maior poderá ser a
profundidade. E quando estiver no centro dessa direção, não há limite;
13. Incentivar edifícios estreitos, mais finos e compridos, com mais recuo nas laterais,
que ajudem na melhora do clima do município.
Plano de Mobilidade Urbana de Santos
O crescimento da utilização do transporte coletivo nas cidades e a expansão da
participação dos diferentes modos de transporte requer que o esforço de planejamento
da mobilidade centre-‐se na ampliação da participação do transporte público na
proporção das viagens realizadas e no fomento da intermodalidade. Tais princípios e
outras diretrizes contidas na Lei da Política Nacional da Mobilidade Urbana devem ser
incluídos no texto de elaboração do Plano de Mobilidade Urbana de Santos.
A proposta do plano possui quatro princípios e 18 objetivos específicos, com base em 57
indicadores baseados em diagnósticos de mobilidade, demografia, desenvolvimento
econômico, habitação e população, concebidos de modo à alimentar o desenho do PD. A
proposta do plano inclui metas, prazos e ações. Para a sua realização, consideram-‐se
bases de dados com informações geo-‐referenciadas que incluem dados de população e
acesso aos centros empregadores, empreendimentos com vagas para bicicleta, entre
outros aspectos .
A Figura 19 ilustra os princípios legais, advindos da Lei da Política Nacional de
Mobilidade Urbana, adotados na proposta do plano de mobilidade urbana de Santos.
115
Figura 19: Princípios legais da proposta do plano de mobilidade urbana de Santos.
Fonte: Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano, Prefeitura Municipal de Santos, 2015.
Apesar de não ter cumprido como os prazos de elaboração do plano de mobilidade – de
acordo com a Lei da Política Nacional de Mobilidade Urbana – fato que tem acontecido
com a grande maioria dos municípios do País, o município de Santos tem avançado
razoavelmente em seu plano de mobilidade, cuja primeira proposta foi apresentada aos
integrantes do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano (CMDU) na Associação
Comercial de Santos (ACS) em 24 de junho 2015.
A estimativa da equipe de elaboração da proposta é de receber contribuições de grupos
técnicos de trabalho da Secretaria de Infraestrutura e Edificações (Siedi), assim como da
Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) e de instituições e órgãos que serão
contratados ou conveniados para a obtenção de levantamentos complementares.
116
Figura 20: Objetivos da proposta do plano de mobilidade urbana de Santos.
Fonte: Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano, Prefeitura Municipal de Santos, 2015.
A previsão de conclusão do documento está para o final de 2016 e terá validade de dez
anos, com possibilidade de atualização anterior à este prazo. Nele, estão previstas metas
a serem atingidas em períodos de curto prazo (até dois anos e meio), médio (cinco anos)
e longo prazo (dez anos).
Na Figura 20, apresenta-‐se os objetivos gerais do plano de mobilidade urbana de Santos,
e através da Figura 21, são pontuados os indicadores por dimensão previstos pela
proposta do plano de mobilidade urbana.
118
Fonte: Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano, Prefeitura Municipal de Santos, 2015.
Independentemente do movimento pendular característico das dinâmicas econômicas e
sociais entre os municípios da RMBS, e da forte atração de viagens tendo como
protagonista o município de Santos -‐ que ainda concentra cerca de 50% das viagens
realizadas por motivos de estudo e trabalho -‐, e mesmo que o plano de mobilidade
urbana de Santos contemple ações que visem endereçar tais problemáticas, o município
todavia carece de liderança para à abordagem da mobilidade urbana como tema de
responsabilidade compartilhada entre os municípios da RMBS.
O foco deve estar na integração do planejamento metropolitano de maneira a promover
à articulação entre as propostas de planos de mobilidade urbana, entre os diferentes
municípios da RMBS, e que estejam direcionados à resolver os problemas comuns às
cidades, tendo Santos, como município líder e indutor desse processo de diálogo e de
concertação de ações e diretrizes para o desenvolvimento da mobilidade em toda a
região.
119
4.3 Mobilidade Urbana em Santos: avanços e desafios
O alto preço das tarifas é uma questão essencial a ser enfrentada. A garantia da melhoria
das condições de mobilidade urbana em Santos está confiada no estímulo ao uso do
transporte coletivo, ao desestímulo ao uso do transporte individual e à maior fixação da
população nas áreas dotadas de melhor infraestrutura urbana.
Governança pública
A narrativa que traduz o diagnóstico sobre a governança pública em torno da
mobilidade urbana em Santos e na RMBS foi baseada nas seguintes questões:
(i) as políticas analisadas visam promover a mobilidade urbana como fator de inclusão
social?;
(ii) como as políticas de mobilidade urbana se valem de instrumentos de desestímulo ao
uso do automóvel para democratizar o espaço viário e o uso das ruas?;
(iii) quais mecanismos têm sido usados e com qual efetividade?; e
(iv) como se articulam diferentes níveis territoriais para desenvolver ações e políticas
progressivas, eficientes e sustentáveis?
O assunto relacionado à participação dos ônibus no deslocamento de pessoas e a
concorrência pelas ruas entre os diferentes modais é tema recorrente nos diálogos
sobre mobilidade urbana desenvolvidos na RMBS. Com 419 mil habitantes, Santos
possui frota superior a 300 mil veículos. Acredita-‐se que diariamente outros 70 mil
veículos participem do trânsito santista oriundos de outros municípios.
Santos todavia não possui corredores exclusivos de transporte público coletivo –
geralmente focados na entrega de serviços de média capacidade –, o que resulta em uma
grande concorrência pelo uso vias, prejudicando à maioria, especialmente as pessoas
que dependem do transporte público para se locomover.
Há apenas duas faixas exclusivas dentro da cidade de Santos, sendo que o foco está se
orientando ao estabelecimento de faixas preferencias. As faixas exclusivas tem
representado grande inconveniente dado os altos níveis de expropriação recorrentes de
sua implementação. Esta já delicada situação social e política é somada ao fato de que o
Programa Nacional de Aceleração do Crescimento (PAC Mobilidade) não destina
120
recursos para a desapropriação urbana no estabelecimento de infraestrutura de
mobilidade.
A percepção verificada junto aos governos locais da RMBS é traduzida pela ausência de
visão sobre o BRT (Bus Rapid Transit) ou mesmo clareza sobre a exclusividade da faixa
(corredor). A dúvida sobre este tema é resultado dos altos custos envolvidos, pois
considerando a ciclovia existente no município de Santos, seria necessário pelo menos
duas faixas de rolamento destinadas a um sistema segregado BRT, que permitiria
ultrapassagem, mas implicaria em altos custos de expropriação.
De modo geral, as ações para priorizar o transporte coletivo no município de Santos e na
RMBS estão se focando à implantação do Sistema Integrado Metropolitano, iniciativa do
governo do estado de São Paulo. Espera-‐se que tal sistema forneça alternativas de
locomoção pública com melhora na qualidade, sobretudo por meio da integração do VLT
com as redes de ônibus municipais em Santos e São Vicente e das linhas de ônibus
intermunicipais operadas pela EMTU. No entanto, o espaço viário ainda é
majoritariamente pensado e destinado ao automóvel de locomoção individual. Se
apresentam avanços tímidos na implantação de faixas preferenciais, mas as ações e
políticas não estão direcionadas à priorizar este sistema.
Umas das ações lideradas pela prefeitura de Santos que envolve a iniciativa embrionária
de política de estacionamento, está no desestímulo do uso do automóvel e
democratização do espaço viário através da proibição do estacionamento de veículos em
vários pontos da cidade. Tal medida começou a ser implantada em 2014 contando com
grande resistência por parte dos comerciantes e do setor imobiliário. A percepção dos
que se opõem, responde à percepção de que tirar as vagas disponibilizadas pela rua, por
exemplo, de fácil acesso para seus comércios, resultará em uma diminuição das vendas e
uma desaceleração das atividades comerciais. O argumento dos defensores da
recuperação deste espaço, aplica demonstrar as vantagens em acessar calçadas mais
amplas de forma que os pedestres possam percorrer os estabelecimentos a partir de
acesso mais tranquilo, evitando o estresse e os obstáculos que traz o congestionamento.
De fato, vias congestionadas por automóveis geram menos oportunidades comerciais e
sociais, pois a interação entre pessoas, promovido por ambientes como os que
caracterizam os passeios públicos ou calçadas dotadas de arborização e equipamentos
121
urbanos, contribui para a percepção de pertencimento a um determinado território, e
influi na dinamização de áreas favorecidas por esses atributos.
Contudo, as pressões advindas do setor imobiliário são ainda maiores. Este setor,
respondendo às dinâmicas do mercado, procura satisfazer seus potenciais clientes que
ainda não praticam a cultura do transporte público e que exigem a possibilidade de
estacionar seus veículos em seus edifícios, como condição para qualquer investimento.
Por seguir esta lógica de mercado, o setor imobiliário não está contribuindo com
projetos inovadores em termos de estruturação urbana, com critérios de planejamento
mais sustentáveis, entre eles os que adotam a mobilidade urbana como diretriz
fundamental.
Para o setor imobiliário, a iniciativa de estabelecer um máximo de vagas nas edificações
residenciais para assim desestimular o uso do automóvel não é discutida. De modo a
complementar tal problemática, está o fato que os edifícios antigos não possuem vagas
próprias e assim, requerem do espaço das ruas como estacionamento para seus veículos
particulares. Regulamentar estes espaços, desde uma primeira leitura, implicaria a
desvalorização dos edifícios e a perda de competitividade e das vendas do comércio e
mercado locais. No entanto, as medidas de proibição de estacionamento não
desconsideram estas necessidades, por outro lado, incluem critérios de regulamentação
mais amplos, como aqueles que permitem o estacionamento para moradores da área.
Estes, geralmente atendem algumas restrições de horário e exigem certificações de
residência local, com o que podem conceder espaços para estacionamento a partir de
condições estabelecidas.
Exemplo desta alternativa é o que foi proposto pela Companhia de Engenharia de
Tráfego de Santos (CET), para eliminar os estacionamento de rua na avenida Ana Costa,
na qual se faz exceção a política no período noturno, devido à ausência de garagens em
edifícios residenciais da via.
No que se refere à problemática do transporte cicloviário, é de se considerar que
“devido à consolidação do sistema viário da cidade e à complexidade da implantação dos
projetos em função das interferências existentes, o sistema cicloviário avançou
lentamente nas últimas décadas.”158
158 Polis, 2013:31.
122
O Plano Cicloviário de Santos estabelece uma extensão de 55,10 km na malha do
município. A totalidade da implantação está prevista para finalizar até 2026. Desde
1999, o município aprovou a Lei Complementar 346/1999, que dispõe sobre a
implantação de estacionamentos, ciclovias e ciclofaixas, e o fomento ao uso de bicicletas
no município. Nesse quadro regulatório se estabelece, por exemplo “a obrigatoriedade
dos equipamentos públicos culturais, de lazer ou de saúde, além de parques e praças
disporem de estacionamento para bicicletas (...) o porto, os parques públicos municipais
e o jardim da orla da praia deverão ser interligados através de um sistema de ciclovias e
ciclofaixas, (...) todos os estudos e projetos de obras viárias deverão contemplar,
obrigatoriamente, espaço destinado à implantação de ciclovias.”159
Entretanto, a malha cicloviária é ainda reduzida e não possui cobertura satisfatória.
Desde sua concepção em 1999 aos dias atuais, 30,4km foram implantados, com algumas
críticas em relação à segurança e condições técnicas do sistema. Considerando a
abrangência do plano cicloviario metropolitano, que projeta a consolidação 521
quilômetros de malha cicloviaria com cobrimento de todos os municípios da região até
2026160, sua conclusão representa excelente alternativa à viabilizar deslocamentos não
motorizados dentro do município e entre municípios da RMBS.
Por outro lado, a cidade conta com sistema de bicicletas públicas. O Bike Santos é uma
iniciativa do governo municipal que começou a funcionar em Junho de 2012. Desde que
esta política foi implantada, se alcançou resposta positiva por parte da população. O
sistema de empréstimo de bicicletas públicas Bike Santos completou em junho (2015),
mais de 1,2 milhão de viagens, com média de 40 mil deslocamentos mensais.
Atualmente, há 81.009 usuários cadastrados, o que equivale a 2.531 novos ciclistas
utilizando o serviço mensalmente161.
Por seu próprio sucesso, sugestões em torno da administração do sistema de bicicletas
públicas sugerem adaptá-‐lo a uma demanda maior em pontos específicos. Entre os
principais usuários estão os alunos de universidades.
No que tange aos processos de inserção da sociedade civil na discussão de temas
relevantes para a mobilidade urbana, atividades participativas têm sido realizadas no
159 Ibid. 160 Meneghello; Campos; Ferragi, 2015. 161 Santos, 2015b.
123
âmbito de avanços nos processos estratégicos na RMBS. O Plano Metropolitano de
Desenvolvimento Estratégico (2013) é um exemplo dessas iniciativas. O cronograma de
reuniões incluiu a realização de 35 encontros entre os municípios, secretarias de
governo do estado de São Paulo, órgãos de execução e/ou controle e atores multilaterais
e de caráter privado.
Dentre as várias instituições que têm aportado conhecimento nesse contexto, destaca-‐se
o Instituto Polis, que contribuiu na realização de diagnósticos no marco do projeto
“Litoral Sustentável,” que por meio de dinâmicas participativas e de pesquisa focalizada,
gerou aprofundado diagnóstico da RMBS ao detalhar as realidades de seus municípios
desde uma perspectiva de tendências, oportunidades e desafios econômicos, políticos e
sociais.
Em relação à discussão sobre o plano de mobilidade e plano diretor, boa parte destas
iniciativas e suas políticas complementares se discutem o âmbito de reuniões do
Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano (CMDU). O conselho é composto por
entidades governamentais e associações não governamentais, tais como universidades,
sindicatos e movimentos sociais entre outras, que nominam seus representantes de
modo que não há processo democrático de eleição. No caso do CMDU, os membros e
representantes não têm se renovado ativamente nos últimos anos, o que provavelmente
tem refletido em atitudes conservadoras frente a processos potencialmente
transformadores. A resistência em discutir a implantação de um coeficiente mínimo de
vagas, por exemplo, que permita que construtores ofereçam soluções habitacionais com
proporção menor de estacionamento por metro construído – ou com ausência de
estacionamento de uso privativo – , é modelo destas atitudes.
Preocupa também a falta de representação denotada por essas práticas, sendo evidente
ao contrastar as posições da maioria dos membros do CMDU com as opiniões da
sociedade civil. Exemplo clássico diz respeito à implantação de restrições de
estacionamento nas vias em período diurno – implementadas na avenida Washington
Luiz/Canal 3 –, quando por um lado, o setor dos comerciantes e, em grande medida, o
setor imobiliário geraram uma forte oposição frente à medida, por outro lado, pesquisas
revelaram que de cada quatro moradores do município, praticamente três (73,3%) eram
favoráveis à essa política de mobilidade urbana. Política esta que é bem-‐vinda
124
principalmente para o público cuja renda salarial mensal varia de R$ 725,00 a R$
2.172,00 (85%) contra 59,6% daqueles que superam os R$ 7.241,00.
Nesse sentido, é preocupante a distância entre população e Conselho, entendendo que
de acordo a lei nº 1776/1999 compete a este órgão estimular a participação da
sociedade nas diversas discussões relativas às diretrizes estabelecidas no Plano Diretor
de Desenvolvimento e Expansão Urbana do Município. Porém, as discussões parecem
não ter amplitude a muitos setores da sociedade e aparentar beneficiar os setores mais
ricos e politicamente influentes de Santos.
As campanhas para socializar o projeto do VLT parecem não ter chegado às
comunidades locais, de modo a demonstrar de maneira clara os benefícios do projeto, as
etapas do processo e os mecanismos de proteção para os residentes das localidades
impactadas. Tais comunidades costumeiramente questionam o projeto, motivados,
principalmente pelo temor da desapropriação ou por sofrerem o incremento nos custos
da terra e nos serviços públicos, situação que eventualmente os expulsaria desses
territórios.
Igualmente problemática, a integração das políticas e planos locais na dimensão
metropolitana é ainda débil. A AGEM se esforça no desenho de projetos e planos
estratégicos para a RMBS. Entretanto, tem dificuldades para efetivamente viabilizar
estas iniciativas. O FUNDO (Fundo de Desenvolvimento Metropolitano Da Baixada
Santista) da agência, constituído como ferramenta para o financiamento de propostas –
via inclusive operações de investimento de recursos não reembolsáveis –, não dispõe
instrumentos eficientes para se nutrir e captar recursos, o que torna sua capacidade de
alavancar iniciativas ainda mais enfraquecido.
Já no que tange o Conselho de Desenvolvimento da Região Metropolitana da Baixada
Santista (CONDESB), também se identificaram críticas para com a efetivação da
participação de diferentes setores da sociedade. As reuniões da CONDESB são
divulgadas através do website, mas as reuniões ocorrem em horário concorrente à
jornada de trabalho, o que dificulta a participação de uma ampla gama de trabalhadores
da sociedade regional.
125
Eficiência da escolha do investimento e do gasto público
A explanação que elucida o diagnóstico sobre a eficiência da escolha do investimento e
do gasto público em torno da mobilidade urbana em Santos e na RMBS foi baseada nas
seguintes questões:
(i) em que medida e como estão as políticas de mobilidade urbana integradas com as
demais políticas públicas urbanas, habitacionais, de desenvolvimento econômico e
produtivo, entre outras?;
(ii) de que forma os investimentos dos últimos anos em infraestrutura têm articulado a
intermodalidade dos sistemas de mobilidade urbana?;
(iii) os sistemas de transporte e mobilidade urbana dialogam entre si?; e
(iv) quais aspectos federativos avançaram e quais são óbices a uma política integrada de
mobilidade urbana na RMBS?
O plano de mobilidade urbana de Santos está sendo elaborado como um documento
abrangente e em sintonia com os princípios e diretrizes da lei da política nacional da
mobilidade urbana. Os esforços têm se centrado no desenho de um conjunto de
estratégias para responder às condições e necessidades identificadas no diagnóstico do
município. No entanto, de fato, os alinhamentos do plano só serão implementados com
ações políticas efetivas e estratégias complementares.
Neste sentido, as ações da prefeitura e da CET-‐Santos estão se focando em desestimular
o uso do automóvel, reduzir a demanda de viagens e fortalecer a provisão de transporte
público de qualidade, fundamentalmente através da complementariedade de ações a
partir da operação do VLT. Da mesma forma, o plano de mobilidade considera seu
desenvolvimento e aplicabilidade em conjunto à revisão da lei de uso e ocupação de solo
(LUOS) da área insular, que também não está concluída. Com isto, procura-‐se incluir
diretrizes e políticas orientadas à garantir o acesso dos munícipes a moradias, evitando
deslocamentos regionais e os aproximando dos locais de trabalho.
As estratégias de gestão da mobilidade urbana em Santos podem ser traduzidas pelo uso
de paradigmas que integram a mobilidade e à administração urbana por meio de
processos para a gestão na demanda das viagens (GDV). Em termos objetivos, o método
126
GDV visa reduzir a necessidade de deslocamentos através do planejamento, enquanto
busca a geração de centralidades e de oportunidades locais.
Uma das diretrizes está na criação de área de adensamento sustentável no entorno do
VLT, visando à diminuição de garagens nos novos edifícios próximos ao sistema,
procurando incentivar o uso do transporte coletivo, reduzindo o preço das unidades
habitacionais e contribuindo para o acesso à moradia dentro da cidade. Outras
propostas concretas incluem implantar ruas aptas a receber recreação infantil em áreas
com poucos espaços livres, estimular o uso de táxi compartilhado e as caronas e criar
Fundo de Mobilidade Urbana para financiar projetos e obras no setor162.
Projetos para o desestímulo do uso do automóvel, giram em torno às restrições e
proibições para o estacionamento de veículos e motocicletas em todos os canais e
grandes avenidas durante praticamente todo o período diurno. A saturação e limitada
circulação das grandes avenidas em Santos acrescenta a urgência para à implantação de
tais medidas que têm como foco principal facilitar mobilidade mais fluida, reduzindo o
número de veículos em circulação.
As propostas da LUOS e do plano de mobilidade urbana e sua integração para obter
resultados em termos de adensamento em áreas de eixos de mobilidade consolidadas, é
iniciativa de destaque. Contudo, preocupa o fato de ainda ser propostas que
permanecem susceptíveis à aprovação e institucionalização. As pressões por parte dos
setores comercial e imobiliário, somados à resistência de setores influentes da
sociedade santista que detêm restrições quanto à implantação dessas medidas
apresentam risco adicional à aprovação das propostas da LUOS e do plano de
mobilidade.
As estratégias de participação, sensibilização, mobilização e articulação
interinstitucional manifestam-‐se como fatores chave para o sucesso desses processos
que, a despeito de estarem ainda no papel e com prazo para se concretizarem -‐
especificamente no caso da LUOS até o final do 2015 -‐, merecem atenção especial de
todos os segmentos da sociedade que de alguma forma se preocupam com o futuro
sustentável do município e as implicâncias para toda a região.
162 Santos, 2015.
127
Criação de oportunidades de interações econômicas, comerciais e sociais
A narrativa explica o diagnóstico sobre a criação de oportunidades de interações
econômicas, comerciais e sociais a partir das iniciativas de mobilidade urbana em
Santos e na RMBS foi baseada nas seguintes questões:
(i) como as dinâmicas de mobilidade urbana impactam na geração de oportunidades no
território para a geração de cidades e economias mais competitivas?; e
(ii) que tipo de políticas estão estimulando o desenvolvimento econômico nas regiões
estudadas?
A mobilidade e os transportes urbanos podem estimular ou inabilitar as oportunidades
de interações econômicas, comerciais e sociais que vão determinar o padrão de
desenvolvimento econômico de cidades, regiões e países. Conforme já narrado, o acesso
facilitado ou dificultoso ao trabalho e aos equipamentos sociais, tais como escolas,
hospitais, etc., envolvem a humanização ou não das condições de vida e promovem ou
impedem o acesso das pessoas à cidade, o direito de cada cidadão à cidade.
O diagnóstico geral que determinam os fluxos de pessoas na RMBS e que moldam o
perfil da mobilidade urbana e a geração de oportunidade na região, diz respeito ao
esgotamento da urbanização, a partir da década de 1970, ocorrido na Ilha de São
Vicente, particularmente nos limites territoriais do município de Santos, encadeando
processo de expressiva migração para os municípios limítrofes. Este processo foi
acompanhado pela desaceleração do crescimento demográfico em Santos, mas todavia,
com a expansão da concentração dos empregos da região no território santista,
particularmente gerados pelo setor terciário regional. Nesse contexto, embora Santos
tenha limitado sua ampliação populacional, os municípios ao seu redor, e parte da
RMBS, continuam a crescer exponencialmente, característica esta responsável pela
formação do movimento pendular regional “entre as áreas atrativas de viagens,
localizadas na ilha de São Vicente e as produtoras, situadas nos municípios do
entorno163”, conforme demonstram as Figura 22 e 23.
163 Santos, 2013.
128
Figura 22: Áreas de produção de viagens na RMBS, 2012.
Fonte: Santos, 2013.
Figura 23: Áreas de atração de viagens na RMBS, 2012.
Fonte: Santos, 2013.
129
Tais fluxos pendulares “somam-‐se às com destino às indústrias de Cubatão e fora da
região, em especial no caso da RMSP, que se tornou a principal atratora de viagens fora
da RMBS164.”
O contexto apresentado pelo movimento pendular – graficamente apresentado pela
Figura 24 –, somado à problemática referentes à insuficiente mobilidade nas cidades da
RMBS tem reflexo na vida cotidiana das pessoas, sobretudo para aquelas que necessitam
se deslocarem devido aos desequilíbrios entre o local de moradia e a localização dos
empregos e local de estudo. As principais áreas atratoras de viagens apresentadas pela
Figura 23, são onde estão concentradas majoritariamente as oportunidades de emprego
e de ensino universitário na RMBS. Mas, diametralmente, cada vez mais a urbanização
da metrópole da Baixada Santista se expande em direção ao municípios mais periféricos,
em comparação ao centro expandido santista.
Figura 24: Mobilidade pendular na RMBS, 2010.
Fonte: Emplasa, 2010; Censo IBGE, 2010.
164 Ibid.
130
A partir dessa conjuntura, somada aos padrões de viagem, apresentados previamente na
seção 4.1 deste trabalho, pode-‐se considerar que o estabelecimento de infraestrutura do
VLT nos municípios de São Vicente e Santos trará benefícios em termos da ampliação
das oportunidades econômicas, comerciais e sociais na medida em que tenderá à
redução do tempo gasto nas viagens de acosso aos municípios de São Vicente e Santos.
Adicionalmente, prevê-‐se a redução do número de ônibus, influenciada pela revisão do
desenho e trajeto das linhas de ônibus de Santos – e provavelmente de São Vicente – que
deverão se integrar operacionalmente e tarifariamente com o sistema VLT.
Complementarmente, as novas estações do VLT, nas duas cidades, induzirão novas
dinâmicas produtivas nos territórios próximos, resultado das centralidades e economias
geradas pela aglomeração da urbanização nesses locais específicos. Tais dinâmicas
influenciarão na ampliação de oportunidades econômicas, comerciais e sociais para as
pessoas de toda a região.
É importante frisar, suplementarmente, que a previsão do Sistema Integrado
Metropolitano (SIM) de construção do BRT Metropolitano Litoral Sul – que ligará o
centro do município de São Vicente ao bairro Samambaia no município de Praia Grande,
com possibilidade de atendimento das ligações ao sul da RMBS –, é chave para a
consolidação de uma mobilidade mais eficiente entre os diversos núcleos urbanos da
região. Sobretudos pela integração do futuro BRT ao VLT, através do Terminal São
Vicente, e às linhas municipais já comentado, que resultará na maior atração de
passageiros e portanto intensificará as dinâmicas territoriais a favorecer a geração de
oportunidades comerciais, econômicas e sociais na região.
Finalmente, os projetos ainda em fase de planejamento do túnel submerso ligando
Santos e Guarujá, o sistema de transporte hidroviário de conexão dos municípios da
RMBS por via marítima, assim como o corredor metropolitano Santos – São Vicente, que
inclui a construção de túnel entre as duas cidades, poderão impactar positivamente nas
mobilidade urbana da região, a também gerar outras oportunidades através do acesso
facilitado entre as localidades. É importante frisar, no entanto, a necessidade de se
constar nos estudos de viabilidade técnica e econômica dos projetos a presença de
modal rodoviário (sistema de transporte urbano por ônibus) e ferroviário, no caso
específico do projeto do túnel submerso entre Santos e Guarujá, que deverá prever a
devida disponibilização de espaço para futura implementação de infraestrutura de VLT,
131
como extensão ao trajeto pré-‐existente de Santos. Por fim, também será importante
nesse projetos a viabilização de infraestruturas cicloviárias, de modo a vislumbrar
noções de ampla acessibilidade e sustentabilidade ambiental nos projetos.
Qualidade do sistema
A exposição que narra o diagnóstico sobre a qualidade do sistema de mobilidade urbana
em Santos e na RMBS foi baseada nas seguintes questões:
(i) qual o desempenho da segurança da infraestrutura e do material circulante nas
políticas de mobilidade urbana?;
(ii) como se planeja melhorar os componentes de conforto, frequência e confiabilidade
nos sistemas?;
(iii) são considerados e incorporados elementos de acessibilidade universal no desenho,
construção ou adequação de sistemas de mobilidade urbana?; e
(iv) há integração operacional, física ou tarifária entre os sistemas de mobilidade
urbana?
De forma geral, Santos e a RMBS tem razoável cobertura no que tange ao transporte
público coletivo movido por ônibus. As linhas de ônibus e lotações ofertadas no
município de Santos suprem as viagens de maneira satisfatória, com exceção de algumas
áreas de difícil acesso, tais como o setor dos morros165. O problema, portanto não está na
cobertura do sistema. O desestímulo à utilização do transporte público em Santos está
mais relacionado à qualidade oferecida pelo sistema, principalmente considerando os
tempos de viagem, a falta de conforto e a irregularidade na frequência dos veículos.
Pode-‐se considerar que o sistema não oferece opção confiável, pois de acordo ao
evidenciado na última pesquisa origem e destino, os ônibus ganharam tempos de
deslocamento, tardando ainda mais no acesso a seus destinos.
O fato de em Santos não haver faixas exclusivas para ônibus acrescenta elemento
adicional à esta problemática. Pois pelo fato da necessidade de compartilhar o espaço
das vias com os automóveis de passeio convencional e participar – os principais
165 Polis, 2013.
132
geradores de congestionamento do trânsito –, o modal ônibus público coletivo não é
capaz de garantir frequências, semelhantes a sistemas ativos, entre abrigos/estações.
Somado à este contexto está as condições pouco confortáveis presenciadas no sistema
de ônibus, muitas vezes relacionadas à lotação dos veículos e às altas temperaturas
dentro dos mesmos. Iniciativa interessante, nessa temática, está na proposta de equipar
a frota com sistema de ar condicionado. A meta é que até o fim de 2015, metade da frota
dos ônibus coletivos municipais de Santos estarão adaptados com ar-‐condicionado.
No que se refere ao uso de tecnologias de informação, é importante destacar que toda a
frota municipal de transporte coletivo por ônibus em Santos tem acesso gratuito à
internet. Contudo, ainda há pouca informação para os usuários nos abrigos e estações, o
que gera desorientação sobre acesso a destinos, tempos de espera entre veículo, linhas
disponíveis em pontos e horários específicos, e quanto à duração dos percursos. A
ausência de ferramentas de comunicação entre o sistema de ônibus e usuários, a
exemplo dos diversos aplicativos disponíveis atualmente, expõe também a inexistência
de instrumentos de monitoramento da operação do sistema, o que impacta diretamente
na sua eficiência.
Já com relação à acessibilidade dos veículos, observa-‐se importantes avanços. A
prefeitura de Santos tem anunciado, desde 2012, o início de processo de adequação das
frotas e veículos de transporte coletivo a garantir acessibilidade universal. Conforme
estabelecido pela CET e mencionado em processo licitatório, toda a frota de veículos
deverá passar por atualização a garantir condições de acessibilidade à todos os públicos.
Embora o lançamento real das adaptações tenha se desdobrado a passos lentos – pois os
veículo precisam, todavia, realizar as adequações para o cumprimento das condições
estipuladas –, estima-‐se que todos os veículos, das novas licitações, garantirão à
acessibilidade universal. Nesse sentido, as metas contidas nessa iniciativa municipal, se
anteciparam aos alinhamentos enquadrados pela lei da política nacional da mobilidade
urbana e portanto, é de se considerar os importantes avanços constatados em relação à
demais municipalidades do País.
À continuidade, é considerável destacar novamente que em Santos, a utilização de
veículos individuais motorizados superam o uso de transporte público coletivo, sendo
que a má qualidade do coletivo é apontada como fator determinante à sua diminuta
133
utilização. Refletindo-‐se, é imperativo dignificar as condições deste serviço e promover
estratégias de redução dos tempos de deslocamento em neste modal em toda à RMBS.
Apresentam-‐se, complementarmente, recomendações especialmente em relação aos
esquemas de monitoramento da rede de transporte, sobretudo no que se refere à
necessidade de fornecimento ao usuário de informações qualificadas sobre o
desempenho da rede, a revisão, adaptação e ampliação das rotas e horários de
funcionamento do serviço, assim como à necessidade de ampliá-‐lo após à meia noite.
Para tanto, é recomendável à realização de estudo sobre a rede de transporte público
coletivo por ônibus na RMBS, de forma à elencar série de modelos de geração e atração
de viagens, distribuição modal e simulação para a racionalização e eficiência do sistema.
No que tange o transporte coletivo metropolitano, tal sistema conta com 52 linhas de
ônibus na operação entre os municípios da RMBS – mas sobretudo entre Santos e
demais municípios. É operado por três empresas sob fiscalização da Empresa
Metropolitana de Transportes Urbanos de São Paulo (EMTU) e controle do governo do
estado de São Paulo, através da Secretaria de Estado dos Transportes Metropolitanos
(STM).
A pesar da cobertura geográfica e da garantia de deslocamentos entre e dentre os
municípios da RMBS, o grande problema desse sistema está na ausência de integração
operacional e tarifária. A falta de integração – no interior ao sistema metropolitano e
com os sistemas municipais de transporte – desconsidera a dinâmica pendular
característica da região, e impacta diretamente o usuário, principalmente através dos
altos custos gerados por este esquema.
Não é de se ignorar que para um único percurso – desde uma origem à um destino –, o
passageiro deva realizar transferências à outros sistemas, o que resulta em incremento
elevadíssimo no custo da tarifa completa para o acesso do destino, assim como no tempo
de viagem, com especial incremento nas tarifas das linhas que operam mais próximas ao
município de Santos.
Este é um dos grandes problemas na pauta da metropolização. A ausência de integração
e complementaridade entre os sistemas de transporte municipal e metropolitano,
somado à ausência de integração tarifária, resulta em altos custos ao usuário que
desembolsa valor significativo por um serviço que também é avaliado como
134
desconfortável, pouco confiável e de baixa qualidade. Pois além de arcar com a tarifa de
integração intermunicipal, frequentemente o usuário desembolsa recurso adicional para
um outro bilhete, determinante para o acesso ao seu destino final. A implementação de
“bilhete único”, a viabilizar a integração tarifaria entre os sistemas e, por conseguinte,
contribuir na cobertura dos custos relativos à estes deslocamentos, é uma decisão
imperativa que o poder decisório da região deve enfrentar.
Aparentemente, a situação da integração tarifária está prevista para ser endereçada
através do sistema de integração metropolitana, com foco na mobilidade municipal e
intermunicipal. O Sistema Integrado Metropolitano (SIM) – com previsão de lançamento
em dezembro de 2015 –, tem como objetivo reestruturar o transporte público por meio
da implantação do VLT, sistema de média capacidade de transporte, que deverá ser
integrado às linhas metropolitanas e municipais.
Atualmente a Baixada Santista conta com 62 linhas de ônibus intermunicipais, operadas
por 514 veículos que atendem, diariamente, 223 mil passageiros, a uma média mensal
de 5,8 milhões de pessoas. O SIM da Baixada Santista estrutura-‐se como uma rede de
transporte coletivo intermunicipal metropolitano de passageiros, compreendendo o
conjunto de linhas regulares, e respectivas características operacionais autorizadas,
tendo na operação do VLT, e sua infraestrutura, eixo estruturador para o atendimento,
de forma integrada, dos deslocamentos da região.
A criação do SIM, que em sua previsão será constituído por uma série de linhas de
ônibus e pelo VLT, tem como foco à operação e administração conjunta, o que deve
implicar na reorganização de todo o transporte coletivo, a promover à integração entre
os sistemas municipal e metropolitano e facilitar a mobilidade entre as cidades.
Assim, além da nova concessão para a operação dos ônibus intermunicipais e
metropolitanos, a região está se preparando para a implantação do VLT, previsto para
dezembro de 2015. Na elaboração dos estudos de reorganização da rede de transportes
foi admitida que a implantação do VLT ocorresse em dois momentos. O primeiro,
chamado de “trecho prioritário”, que compreende a ligação entre o Terminal Barreiros,
o Terminal Porto, a Estação Conselheiro Nébias e o Terminal Valongo, e o segundo,
através do qual ocorrerá a implantação dos demais trechos do sistema, como se mostra
a Figura 25.
135
Figura 25: Proposta integral projeto VLT – Santos.
Fonte: EMTU, 2012.
O trecho prioritário do VLT, envolve a ligação de 11 km, somados à extensão de cerca de
4 km do trecho entre a estação Conselheiro Nébias e a estação Valongo. A Figura 26
ilustra o traçado que está atualmente em obras, assim como os trechos modificados para
a construção da segunda etapa do projeto. O VLT da Baixada Santista deverá contar com
33 estações e 26,5 quilômetros de extensão entre o Valongo, em Santos, e Samaritá, em
São Vicente.
A integração tarifária, indicada pelo SIM, está prevista para dezembro de 2015,
simultaneamente ao início das operações do VLT, quando a população será capaz de
utilizar o bilhete integrado na locomoção entre os modais articulados pelo SIM, que
envolverá os bilhetes de ônibus e VLT, tanto em Santos quanto em São Vicente. A EMTU
definiu que o valor inicial da tarifa do VLT será de R$ 3,20. O usuário que realizar a
integração com o sistema de ônibus municipais arcará com valor adicional de R$ 0,20, a
totalizar R$ 3,40 pelo bilhete integrado. A exploração da nova rede de transporte
coletivo metropolitano será realizada por meio de parceria público-‐privada. A
estimativa é que circulem cerca 246 mil passageiros pelo SIM em dias úteis.
136
Figura 26: Traçado em obras e trechos modificados VLT – Santos.
Fonte: A Tribuna, 2014b.
O consórcio BR Mobilidade Baixada Santista, formado pelas empresas Comporte
Participações e Viação Piracicabana, venceu o processo licitatório para a gestão e
operação de todo o SIM. Até o fim de novembro de 2015, as obras de teste do primeiro
trecho seguiam em andamento. É preocupante, no entanto, a afirmação do Executivo
estadual que, ao divulgar em abril de 2015 a posição das obras, apontou que 90% do
trecho referente ao município de São Vicente estavam finalizadas e apenas 50% do
trecho de Santos estava concluído. Até a data de fechamento deste estudo – dezembro
de 2015 –, o primeiro trecho do VLT ainda não havia sido inaugurado.
137
VLT de Santos: quais os limites da escolha modal?
Conforme já destacado, o cenário da mobilidade urbana em Santos é bastante preocupante devido às mudanças nos padrões de viagem e às projeções realizadas para as divisões modais.
Nesse sentido, era de se esperar a existência de diversos projetos em andamento para dar conta da imensa demanda reprimida constatada na pesquisa origem-‐destino de 2007 e reverter as tendências de motorização dos últimos anos.
No entanto, até o momento apenas um trecho do VLT da região da Baixada Santista foi implementado e está se negociando verbas para o BRT da região, a contemplar sobretudo o acesso aos municípios mais ao sul da RMBS, sobretudo Praia Grande.
É de se destacar os custos do VLT. De acordo com dados da EMTU, o valor total do empreendimento e da operação alcança R$ 1,3 bilhão. O projeto, quando completo, atenderá a aproximadamente 70.000 passageiros diariamente e integrará uma rede de mobilidade com ônibus e outros modais (SIM) que comportará cerca de 250.000 passageiros diários.
À título de exemplo, no BRT de Bogotá, Colômbia, foram investidos US$ 5,3 milhões por quilômetro e atende a mais de 40.000 passageiros, por sentido, por hora. A desproporção constatada pelos números chama a atenção para a escolha de modal. Se de fato há carência de recursos para à implementação de outras estruturas no sistema de mobilidade urbana na região da Baixada Santista, quais motivos levaram a EMTU a optar por um modal que, embora possua inúmeras vantagens -‐ redução de emissões, conforto, atratividade ao público, integração ao ambiente urbano, entre outras -‐, é consideravelmente mais dispendioso que outras opções?
No que tange à mobilidade à pé, um projeto que procura atingir a padronização,
execução, reforma, manutenção e conservação de passeios públicos de Santos está
previsto pelo projeto de lei complementar nº 65/2015, elaborado com base nos
princípios do programa ”calçada para todos”. A prefeitura de Santos incluiu os conceitos
deste programa em intervenções por toda à cidade. O projeto foi encaminhado à Câmara
Municipal na primeira semana de agosto de 2015 e, desde então, tem passado por
consultas públicas e apreciação por órgãos como o Conselho Municipal dos Direitos das
Pessoas com Deficiência de Santos (Condefi), entre outros. O passo final para formalizar
a implantação será a consolidação da nova legislação com à aprovação da Câmara, bem
como seu monitoramento e fiscalização permanentes166.
166 Moblize, 2015.
138
O objetivo da proposta é “garantir a correta manutenção e o aumento da vida útil das
calçadas, assegurando conforto, acessibilidade e segurança aos pedestres.” A Prefeitura
estima que será necessário período de 10 a 20 anos para que todos os passeios sejam
padronizados de forma gradual, em função do desgaste dos pavimentos hoje
encontrados. Tal iniciativa, lançado inicialmente na cidade de Londrina em 2004, foi
destaque como boa prática dentre os preceitos do programa “Cidades Sustentáveis”,
especificamente no componente de “reconhecer o papel estratégico do planejamento e
do desenho urbano na abordagem das questões ambientais, sociais, econômicas,
culturais e da saúde, para beneficio de todos.” A metodologia conta com as seguintes
etapas de intervenção167:
1ª Etapa: Avaliação das condições das calçadas na cidade
2ª Etapa: Reuniões com entidades representativas das pessoas com deficiência;
3ª Etapa: Definição dos padrões de calçada;
4ª Etapa: Elaboração do Manual de Procedimentos para Construção de Calçadas;
5ª Etapa: Sensibilização dos empresários e técnicos de engenharia e arquitetura;
6ª Etapa: Conscientização da comunidade;
7ª Etapa: Elaboração de projetos em parcerias público-‐privado;
8ª Etapa: Alteração da legislação municipal sobre calçadas;
Através desta iniciativa é demonstrado importantes avanços desde a perspectiva de
inclusão social e qualidade de sistemas de mobilidade urbana, compreendendo a
importância de qualificar as infraestruturas para a mobilidade a pé. Tal esforço não
somente melhorarão a qualidade de vida no ambiente urbano, mas também mitigarão as
ocorrências de acidentes e riscos para a segurança do pedestre, oferecendo garantias de
mobilidade com critérios de acessibilidade e segurança.
167 Programa Cidades Sustentáveis, 2012.
139
Princípios do Calçada para Todos168
Acessibilidade: Garantia de mobilidade para todos os usuários, principalmente idosos e pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida;
Segurança: Barreiras decorrentes de instalação de equipamentos de infraestrutura, vegetação, sinalização e tráfego de veículos serão minimizadas;
Faixa livre: Área que ocupará 2/3 da calçada, destinada exclusivamente à livre circulação de pedestres, sem obstáculos permanentes ou temporários;
Área de serviço: Será reservado 1/3 do passeio para instalação do mobiliário urbano, vegetação e a outras interferências existentes no passeio;
Normas técnicas: As calçadas deverão incorporar princípios da NBR 9050, norma da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT);
Multas: Executar obras ou serviços nos passeios, com risco à segurança, vão acarretar multas de R$ 500,00 a R$ 2 mil.
Adicionalmente, nos últimos quatro anos Santos vem mostrando melhoras em todos os
índices de redução de acidentes e vítimas fatais no trânsito, segundo dados da CET.
Nesse sentido, é de se considerar esforços promovidos com vistas à educação no
trânsito e segurança viária. O número de acidentes de trânsito diminuiu 25% nos
últimos quatro anos. Em 2010, com uma frota de 272.139 veículos, foram registrados
10.288 acidentes. Em 2014, com índice de 303.423 automóveis, foram registrados 7.710
acidentes. No mesmo período, o número de vítimas graves teve queda de 79% -‐ 169
casos registrados em 2010 contra 35 casos em 2014. O balanço de vítimas fatais
também diminuiu: de 52 em 2010, para 37 em 2014. O número de atropelamentos
igualmente registrou queda, de 333 para 219 no mesmo período.
A queda nos índices pode ser atribuída às medidas adotadas pela CET-‐Santos, através de
projetos de educação e fiscalização nas ruas. Tais dados estão alinhados com as
campanhas realizadas pelo município, em concordância com à ação educativa "seja você
a mudança no trânsito," iniciativa lançada pelo Ministério das Cidades e o Departamento
Nacional de Trânsito (Denatran).
O grupo que apresentou maior diminuição de mortes foi o dos ciclistas. Contribuíram
para esse resultado as medidas de fiscalização citadas anteriormente, a disponibilidade
de 800 vagas de paraciclo -‐ para estacionar bicicletas -‐ em mais de 60 locais d e Santos e
a criação da ciclovia junto à faixa de areia próximo à divisa, evitando transpor o canteiro 168 Mobilize, 2015.
140
central. A redução de mortes em motocicletas é também expressiva, com dados do ano
atual demonstrando queda de 87,5% em relação à 2013.
Ditas ações refletem a importância de reagir ante a problemática mundial na busca de
paz nas ruas, visando mitigar o drama da violência e mortes no trânsito, em que o Brasil
é especialmente afetado. A campanha lançada pelo Denatran também é uma resposta à
resolução da Organização das Nações Unidas (ONU), que instituiu a Década pela
Redução das Mortes no Trânsito. Os países membros, entre eles o Brasil, uniram
esforços para reduzir em 50% o número de feridos e mortos no trânsito até 2020. De
2010 a 2014, as vítimas fatais passaram de 52 para 37, o que significa que Santos já
atingiu 29% da meta estipulada pela ONU.
Assim mesmo, no que se refere à atropelamentos, segundo a prefeitura de Santos, desde
que a campanha Faixa Viva foi implantada em 2011, permitiu uma significativa redução
na ordem de 26% nos números de atropelamentos no território santista. Tal campanha
visa conscientizar os motoristas a realizar paradas em cruzamentos não semaforizados,
permitindo a travessia segura das pessoas e garantindo a prioridade dos pedestres
nestas faixas. A iniciativa também busca educar ao pedestre sobre sua própria
comunicação com o motorista e os sinais apropriados para a realização de cruzamentos
seguros.
De acordo com à CET, campanhas como a 'Faixa Viva' e ação nas escolas desde a
educação infantil vêm surtindo efeito em termos de conscientização. Ademais, medidas
como a ampliação do quadro de agentes para auxiliar nas operações do trânsito, a
redução de velocidade controlada pelos radares e as blitz em conjunto com a Polícia
Militar, também contribuem para esses resultados.
No tocante ao transporte cicloviário, desde 2006 a região conta com o Plano Cicloviário
da RMBS, que preconizou a criação de um sistema regional de transporte cicloviário
envolvendo os municípios de Bertioga, Cubatão, Guarujá, Itanhaém, Mongaguá, Peruíbe,
Praia Grande, São Vicente e Santos, tendo como objetivo melhorar as condições de
deslocamento dos usuários de bicicleta em toda a região. De modo geral, pode-‐se
considerar que o tal plano metropolitano tem sido bem executado, na medida que mais
da metade das ciclovias previstas na região para o ano de 2026 já haviam sido
implantadas em 2015, utilizando recursos do Fundo Metropolitano e de investimentos
141
dos próprios municípios169. Pelo Figura 27 é possível observar a extensões da malha
cicloviária regional em comparação ao sistema viário metropolitano principal
Figura 27: Extensões da Malha Cicloviária e do Sistema Viário Metropolitano Principal da Baixada Santista.
Fonte: Meneghello; Campos; Ferragi, 2015.
Com respeito ao desempenho deste modal em Santos, desde o seu inicio, em 1999, aos
dias atuais, 30,4km de infraestrutura “malha clicloviaria” foram implementados no
município. No entanto, é de se destacar que numerosos trechos da malha cicloviária
santista necessitam de atenção para com sua manutenção, de forma à oferecer
condições adequadas de segurança. A qualificação necessária diz respeito sobretudo a
largura das faixas, que em muitas ocasiões encontra-‐se inferior ao normal e, apesar de
haver faixas com boas condições de sinalização, não todos os trechos apresentam
condições ótimas. Portanto, é necessário o melhoramento e unificação tanto da
sinalização quanto da infraestrutura.
Por fim, em termos gerais, considera-‐se que os principais esforços para estimular a
multimodalidade e integração entre sistemas está centrado principalmente através da
proposta de implementação do SIM. Isto inclui os modais de transporte ônibus e VLT,
contando, em alguns trechos, com a ampliação de calçadas. No entanto, a integração
daqueles modais com outros modos de locomoção não motorizados, a saber, malha
cocloviaria e calçadas, é ainda débil.
169 Meneghello; Campos; Ferragi, 2015.
142
Meio ambiente e saúde
A exposição do diagnóstico sobre meio ambiente e saúde e sua relação com a mobilidade
urbana em Santos e na RMBS foi baseada na seguinte pergunta: como a temática
ambiental tem sido incorporada pelos projetos e as políticas de mobilidade urbana em
Santos e RMBS?
Como já mencionado, a problemática ambiental observada pelos altos níveis de
contaminação do ar é realidade que se estende por todo o estado de São Paulo, causando
a morte de cerca de 100.000 pessoas entre 2006 e 2011, sobretudo a partir de doenças
respiratórias. A RMBS não é exceção; ao contrario, contribui com os maiores índices de
poluição entre as regiões metropolitanas do Estado.
Figura 28: Médias de MP2 por RM 2006 -‐ 2011
Fonte: Instituto Saúde e Sustentabilidade (ISS), 2013.
Na RMBS a mortalidade atribuível à poluição do ar é de 1.809 pessoas por ano170. No
caso da RMBS, a atividade industrial contribui majoritariamente a esta contaminação,
lideradas, em grande medida, por Cubatão, município que encabeça a classificação de
municípios com maiores índices de material particulado no Estado de São Paulo (Figura
18). Santos, por sua vez, classifica-‐se na sétima posição, tendo como origem
170 ISS, 2013.
143
preponderante a poluição do ar proveniente de fontes móveis, como os veículos
automotores171.
De acordo com o informe do Plano de Controle de Poluição Veicular do Estado de São
Paulo, “o problema da poluição do ar é agravado pelo modelo de transporte comum
nestas cidades que, ainda, utiliza ônibus convencional movido a diesel para o transporte
público de passageiros; o automóvel particular e, mais recentemente a motocicleta, são
opções preponderantes para os deslocamentos. Os carros, mesmo equipados com
sistemas de controle da poluição, acabam se tornando grandes poluidores, pois há um
grande volume desses veículos em circulação, parte com idade avançada -‐ 1,7 milhões
acima de 15 anos, utilizados de forma pouco eficiente e transportando em média apenas
1,2 pessoas. O resultado desta combinação de fatores é a qualidade do ar deteriorada
nas grandes cidades, com consequências diretas na saúde172.”
A atividade veicular influi significativamente na contaminação e doenças respiratórias.
Evidência dessa problemática está no exemplo da RMSP, pois uma vez que a atividade
industrial foi controlada -‐ regulada ou deslocada para outras regiões -‐, a frota veicular
transformou-‐se como a grande responsável pela emissões, causando mais do 90% da
contaminação ambiental da região, que ainda está razoavelmente superior ao
recomendado pela OMS (Figura 29).
Enquanto regula-‐se e controla-‐se as externalidades ambientais resultantes da atividade
industrial na RMBS, é fundamental entender a responsabilidade da frota veicular na
geração de poluentes atmosféricos, para assim, promover o desenho de estratégias que
mitiguem seus impactos adversos ao meio ambiente e à saúde.
Nesse contexto, as políticas ambientais adotadas na RMBS para este fim parecem
insuficientes. Assim, como ocorre na maioria das cidades do Brasil, os editais municipais
para transporte urbano coletivo não induzem à obrigatoriedade na adoção de novas
tecnologias ou matrizes energéticas orientadas à sustentabilidade ambiental, visando a
impulsionar tais mudança desde o modal ônibus coletivo. O que se observa,
principalmente no âmbito estadual -‐ através da EMTU e a Cetesb -‐ , são esforços para a
fiscalização de veículos particulares e de transporte público (transporte urbano coletivo,
171 ANTP, 2015. 172 PCPV -‐ Plano de Controle de Poluição Veicular do Estado de São Paulo, 2011-‐2013.
144
fretado e escolar), multando e educando, a promover sensibilização sobre a necessidade
de manutenção e regulação de motores. A emissão de poluentes provenientes dos
veículos prestadores de serviços públicos foi calculada entre 12% e 14% para o caso
RMBS173. Os veículos poluentes preponderantes são os caminhões. A RMBS é impactada
sobremaneira pela circulação de caminhões com destino à Cubatão e à estrutura
portuária de Santos.
Figura 29: Médias anuais de MP2 na RMBS, 2006-‐2011.
Fonte: Instituto Saúde e Sustentabilidade (ISS), 2013.
Criado em 2008 com o objetivo de diminuir a emissão de poluentes dos ônibus a diesel
que operam em sistemas gerenciados pela EMTU, o programa ConscientizAR assume
caráter educativo e informa sobre a necessidade de manter os motores regulados. De
acordo com a EMTU, em caso de registro de irregularidade – verificado por equipe
técnica que mede o material particulado, conhecido popularmente como fumaça preta
emitida pelo escapamento dos veículos –, a frota das empresas deve se adequar ao nível
de emissão permitido pela regulamentação e passar por nova vistoria. Caso persista o
problema, a empresa é multada e os veículos são impedidos de circular até a
regularização.
173 ANTP, 2015.
145
No âmbito federal, há clara legislação174 para a fiscalização de veículos automotores, a
verificar os limites de emissão de poluentes de todos os veículos – leves, pesados e
motocicletas. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis (Ibama) estabeleceu, adicionalmente, procedimentos de inspeção, com a
Instrução Normativa nº 6/2010. A resolução nº 452/2013, dispõe sobre os
procedimentos a serem adotados pelas autoridades de trânsito e seus agentes na
fiscalização das emissões de gases de escapamento de veículos automotores . A inspeção
veicular é uma das ações locais citadas no PCPV do estado de São Paulo a serem
implementadas durante o triênio 2014-‐2016. Tal medida está em processo de
implementação nas Baixada Santista com o aval do Conselho Estadual de Meio Ambiente
(Consema).
Complementarmente, outra iniciativa é o programa de incentivo à renovação de
caminhões que está implantado na região do Porto de Santos, já sendo responsável pela
substituição de várias unidades. O novo laboratório de emissão veicular da Cetesb,
dedicado aos veículos a diesel, deve iniciar os trabalhos em 2015. O outro laboratório,
voltado para veículos em geral, deverá operar em 2016.
Já no que concerne à escolha de modais para transporte público sustentável, destaca-‐se
a orientação regional pelo modal VLT, como eixo estruturador do SIM da RMBS. O VLT é
modelo de transporte limpo, sustentável e rápido, com possibilidade de ser movido à
eletricidade e/ou a diesel. Na RMBS, a infraestrutura está adaptada para ser movida à
eletricidade. Estudos técnicos da operação do VLT não fundamentaram projeções
comparando a redução de emissões em cenários futuros, mas acredita-‐se que o VLT
contribuirá para esta meta.
A tendência global (vista também no Brasil) de incentivar a mudança de combustíveis
tradicionais às tecnologias “verdes”, principalmente em veículos de uso particular, faz
pensar sobre possível conflito entre o uso do transporte urbano público que, sob esta
tendência apareceria atrasado em temas ambientais, e a potencial legitimação na
utilização de veículos particulares. Para análise detalhada sobre esse tema, ver o caso de
São Paulo na seção 3.3 do presente documento.
174 Resolução Conama nº 418, de 2009.
146
Por fim, enquanto se fortalecem processos para uma circulação veicular mais limpa e se
geram estímulos para a adoção de novas tecnologias, é fundamental dar continuidade às
iniciativas de fiscalização em curso. Tais esforços precisam se redobrar, considerando-‐se
também a redefiniçao dos padrões de qualidade do ar, realizado pelo estado de São
Paulo, baseando nas diretrizes estabelecidas pela OMS. Este processo, que culminou na
publicação do Decreto Estadual nº 59113/2013, estabeleceu novos padrões de
qualidade do ar com metas para seu cumprimento no âmbito estadual. A exigência de
obrigatoriedade na adoção de matrizes energéticas ou tecnologias limpas, desde os
editais municipais de concessão de serviços de transporte urbano por ônibus coletivo, é
medida que deve ser implementada com urgência.
5. APONTAMENTOS CONCLUSIVOS
Por trás da Lei da Política Nacional de Mobilidade Urbana há uma nova concepção sobre
as políticas a serem orientadas desde o âmbito federal e implementadas nos municípios.
A partir deste marco regulatório, os objetivos centrais em matéria de mobilidade são e
deverão ser a priorização de modos de transporte coletivo e não motorizado, a melhora
da qualidade dos sistemas de transporte urbano, a justa distribuição dos investimentos
e a democratização do uso das vias. Para tanto, é necessário aprimorar o desenho e
execução de medidas que desestimulem o uso do automóvel, estimulem o uso da
bicicleta e melhorem as condições de acesso e segurança nos sistemas de transporte
público, compreendendo uma eficiente integração física, operacional e tarifaria entre
modais e promovendo a escolha de modos mais sustentáveis para o meio ambiente e a
proteção da saúde humana.
A mobilidade urbana se apresenta assim, como um conceito multifacetado que atinge
dimensões sociais, políticas, urbanas e humanas, enquanto molda as condições de
desenvolvimento das cidades e acondiciona e facilita as capacidades dos cidadãos de
realmente efetivarem seu direto à cidade. A compreensão da complexidade deste
conceito e de suas implicações na vida urbana é fundamental para exigir o cumprimento
das politicas públicas e processos decisórios democráticos que demandam sua
aplicação.
147
A justa distribuição do espaço urbano, o acesso de diferentes identidades sociais e o
aproveitamento de serviços públicos de boa qualidade, são os princípios que devem
nortear o desenho e garantia de políticas mais equitativas e cidades mais competitivas e
inclusivas. Dada a natureza multidisciplinar das políticas de mobilidade e gestão urbana,
se faz necessária a vinculação de diferentes instituições e níveis de governança
comprometidos na execução de soluções conjuntas. O ambiente construído e o desenho
urbano determinam as possibilidades reais de diferentes perfis de pessoas de acessarem
a cidade. Assim, este planejamento integrado deve reconhecer também as diferentes
condições e características dos moradores da cidade para igualmente conceber espaços,
equipamentos e sistemas urbanos inclusivos e acessíveis.
A pendularidade, refletida pela expansão no número de pessoas se locomovendo entre
os municípios da RMSP e da RMBS, evidencia a crescente dimensão metropolitana da
mobilidade urbana. Dita dimensão demanda a gestão integrada, gerida por uma
institucionalidade sólida, que articule as particularidades intermunicipais e orquestre
processos para integrar políticas e sistemas de mobilidade na região, a partir da
execução de planos estratégicos regionais que devem ser capazes de transcender
períodos de governo e processos eleitorais. A ausência de diálogo interinstitucional e
interfederativo, que vise a construção de um projeto regional consensual, constitui um
dos principais problemas para a efetiva gestão dos serviços públicos nas regiões
metropolitanas analisadas. Fortalecer institucionalmente o planejamento e a gestão
metropolitana é imperativo para a consolidação de um projeto metropolitano eficiente e
sustentável.
Por outra parte, alguns dos avanços observados, no que tange à execução de políticas
progressivas, a saber: a implantação de faixas exclusivas para o serviço de transporte
urbano por ônibus, o estabelecimento de ciclovias e a proibição de estacionamento em
avenidas principais, sofrem risco de regressividade ou de estancamento, provocado por
potenciais pressões políticas e sociais. A institucionalização destas medias na base da
sociedade deve se constituir como estratégia chave para garantir sua continuidade como
política pública e não somente como medidas governamentais. A sensibilização e
mobilização da população sobre os benefícios das medidas, a divulgação das ações e
implicações contidas nos projetos implantados, ou para se implantar, são de
148
fundamental importância para se alcançar a legitimidade e apropriação social,
necessárias em processos públicos de transformação incremental.
Neste sentido, o fortalecimento de movimentos sociais, conselhos públicos setoriais e
outras expressões da sociedade civil organizada é altamente recomendado. A abertura
de canais de participação direita por meios presenciais ou digitais, iniciativa observada
principalmente no caso do município de São Paulo, é prática que merece
reconhecimento por seu princípio de envolvimento da cidadania nas fases de
planejamento e desenvolvimento urbano, reforçando também esquemas de prestação
de contas sobre execução de projetos, investimentos e gasto público.
No que se refere à integração dos instrumentos de política urbana, é importante insistir
na importância de articular a gestão da mobilidade urbana com as oportunidades de
desenvolvimento econômico territorial. Para esse fim, as estratégias de geração de
centralidades a partir de eixos estruturantes, delimitados por sistemas de transporte de
alta e média capacidade, devem dialogar com as vocações econômicas territoriais e
promover o uso misto do solo. Assim, se provocam os benefícios econômicos e
produtivos decorrentes das economias da aglomeração, da urbanização e da localização,
ao tempo que se favorece a gestão da mobilidade, reduzido a necessidade de viagens a
partir da criação de oportunidades, empregos e moradia no mesmo limite territorial.
Uma cidade estruturada através de um desenho urbano espacialmente eficiente e
socialmente justo, resultará em operações urbanas mais atraentes. Dentre os fatores
locacionais que mais estimulam o investimento e que impulsam e determinam o
desenvolvimento local está a mobilidade urbana. As oportunidades que resultam da
possibilidade de acessar o espaço urbano são inegavelmente uma fonte de
desenvolvimento para pessoas e sociedades. De igual maneira, as vantagens
comparativas, derivadas da mobilidade urbana eficiente, se traduzem em maiores
investimentos e empreendimentos nas áreas de influência – dotadas de infraestrutura
de transporte –, o que por sua vez, implica na geração de empregos e riqueza,
estimulando as engrenagens do desenvolvimento nas cidades e no País.
A melhora na qualidade dos sistemas de transporte urbano requer uma maior
integração entre modais, à adequação ou construção de infraestruturas com
acessibilidade universal e a efetiva gestão da segurança no trânsito. As mortes e lesões
149
causadas pela violência rodoviária demanda soluções corajosas e imediatas. As reduções
de velocidades implantadas em São Paulo mostram resultados importantes, mas não
suficientes. É imperativo complementar estas medidas com campanhas que visem
educar a motoristas, motociclistas, ciclistas e pedestres, sobre a circulação urbana mais
segura. As estratégias adotadas em Santos ilustram como a combinação destas ações,
somadas a uma forte fiscalização, podem gerar resultados de êxito na redução de todos
os índices monitorados pela CET, incluindo mortes, acidentes e acidentes fatais.
Boas práticas concernentes à acessibilidade universal incluem a implantação do
Programa Calçada para Todos como plano norteador da política de calcadas do
município de Santos e o desenho com acessibilidade universal dos equipamentos e
veículos do VLT. Da mesma maneira, tanto Santos como São Paulo avançam na garantia
de frotas de ônibus acessível. Contudo, abrigos e pontos de embarque e desembarque
nem sempre garantem estas condições. É fundamental reconhecer os diferentes
componentes do sistema. As calçadas, como meios de integração, circulação e de
embarque e desembarque são parte central do mesmo sistema.
A integração operacional, por sua vez, constitui o principal desafio no que diz respeito à
multimodalidade nas RMSP e RMBS. É preciso fortalecer espaços de planejamento
operacional conjunto para assim entregar ao usuário melhores resultados em termos de
frequências, conforto, facilidade de transferências e benefícios tarifários. Sobre este
último aspecto, na RMSP apresentam-‐se importantes avanços, mas ainda com desafios
consideráveis no tocante à integração tarifária dos ônibus municipais e metropolitanos.
O caso da RMBS é mais dramático, pois a integração, tanto física como operacional e
tarifaria, está prevista para acontecer com a inauguração do VLT (prometida para
dezembro 2015, mas com possibilidade de ser adiada). Entretanto, os usuários de
transporte coletivo continuam arcando com custos desproporcionais, desembolsando
recursos para múltiplos bilhetes na realização das transferências entre sistemas de
empresas distintas, necessárias para os deslocamentos intermunicipais na região da
Baixada Santista.
A bicicleta está se consolidando cada vez mais como alternativa de transporte nas
cidades. Particularmente em São Paulo, a integração deste modal com sistemas de
transporte coletivo avança progressivamente através da construção de paraciclos, nas
cercanias das estações, e a disponibilidade de espaços e suportes para bicicletas em
150
trens e ônibus. A construção de ciclovias favorece esta opção de transporte e portanto, a
consolidação da malha cicloviária, segura e bem conectada, tanto no âmbito municipal
como no metropolitano, representa objetivo estratégico para estimular o uso deste
modal que facilita deslocamentos saudáveis, econômicos e sustentáveis.
Os altos níveis de contaminação ambiental estão causando a morte de milhares de
pessoas no Brasil, com dados igualmente alarmantes para as RMSP e RMBS. No caso de
São Paulo, a frota veicular é responsável por 90% desta poluição atmosférica. Enquanto
se implementam os processos de controle e fiscalização das emissões da frota veicular
circulante, é urgente a implementação de políticas que desestimulem o uso de veículos
particulares e que incentivem a adoção de matrizes energéticas mais limpas tanto em
veículos particulares quanto em transporte público coletivo. A obrigatoriedade de
adoção de novas tecnologias nas concessões de serviços de transporte urbano por
ônibus deve ser estimulada desde os editais municipais e estadual. Atualmente não há
tal condição. Grande parte dos incentivos existentes no mundo e no País promovem
ditas mudanças para veículos particulares de passeio. Embora positivo, esta situação
poderá ameaçar o pressuposto democrático e do coletivo, justificando investimentos e
privilégios no uso do veículo privado, movidos a energias mais limpas, sobre o ônibus
público, mais poluente.
A efetivação do direito à cidade requer de uma mobilidade urbana que promova
processos democráticos, incentive a produtividade urbana e garanta a todos os cidadãos
o acesso à serviços eficientes e de boa qualidade. O direito à mobilidade urbana garante
às pessoas o aproveitamento das oportunidades e da vida na cidade. O reconhecimento
destes direitos e a exigência dos preceitos que lhes compõem, constituem uma
ferramenta essencial para desenhar, construir, administrar e replicar sociedades mais
justas, mais competitivas, mais sustentáveis e mais humanas. Espera-‐se que o estudo
aqui apresentado tenha contribuído na efetiva transferência dos conhecimentos
necessários para avançar coletivamente neste projeto de transformação.
151
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Tribuna (2015b). Câmara volta do recesso e deve ter projetos polêmicos no 2º semetre. Disponível em: http://www.atribuna.com.br/noticias/noticias-‐detalhe/santos/camara-‐de-‐santos-‐volta-‐do-‐recesso-‐e-‐deve-‐ter-‐projetos-‐polemicos-‐no-‐2o-‐semestre/?cHash=93a97cd271690cbe7052d4c285b0fd4a
Valor Econômico (2015). Haddad promete revitalizar 1 milhão de m² de calçadas até 2016. Disponível em: http://www.valor.com.br/politica/4052068/haddad-‐promete-‐revitalizar-‐1-‐milhao-‐de-‐m2-‐de-‐calcadas-‐ate-‐2016
Wassermann Rogerio (2015). No ritmo atual, SP levaria 172 anos para ter metrô como o de Londres. Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/01/130111_metro_comparacao_sp_londres_rw.shtml
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