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Gilberto Tavares Junior
GILBERTO TAVARES JNIOR
INOVAO TECNOLGICA: A INFLUNCIA DO ARRANJO ORGANIZACIONAL
DO RENAULT TECNOLOGIA AMRICA NA GESTO DO CONHECIMENTO
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Cincia, Gesto e Tecnologia da Informao, rea de concentrao: Gesto da Informao e do Conhecimento do Setor de Cincias Sociais Aplicadas da Universidade Federal do Paran, como parte das exigncias para obteno do ttulo de Mestre. Orientador: Prof. Dr. Walter Tadahiro Shima.
CURITIBA
2010
minha me, Antonieta, pelo seu exemplo, incondicional apoio e imenso esforo dedicado minha educao.
Agradecimentos
Agradeo a todos aqueles que direta ou indiretamente, contriburam para a realizao deste trabalho, especialmente:
ao meu professor e orientador Walter Shima, pela sua compreenso e disponibilidade, pacincia e ateno inesgotveis,
professora Helena Nunes, pelos excelentes conselhos e apoio,
aos colegas Marc Barral, Alain Tissier, Carlos Santos e Leo Pagnac, pela colaborao dada,
minha irm Adriana, por seu carinho, apoio e pacincia,
ao meu amigo Sergio, pelo seu apoio e ajuda,
minha prima Juliana, por sua ajuda,
s minhas amigas Vicky e Cludia, pela sua compreenso,
e Renault do Brasil,que permitiu a realizao deste estudo de caso.
On peut toujours faire quelque chose de ce qu'on a fait de nous.
Jean-Paul Sartre. Extrado de L'Existentialisme est un humanisme.
Tout ce qu'on apprend l'enfant, on l'empche de l'inventer ou de le dcouvrir.
Jean Piaget. Extrado de Conversations avec J.C.I. Bringuier
RESUMO
TAVARES Jr., Gilberto. INOVAO TECNOLGICA: a influncia do arranjo organizacional do Renault Tecnologia Amrica na gesto do conhecimento. 2010. Dissertao (Mestrado em Cincia, Gesto e Tecnologia da informao) Programa de Ps-Graduao em Cincia, Gesto e Tecnologia da Informao, UFPR, Curitiba. .
Examina a formao de redes de firmas no Brasil, a partir de um estudo de caso, tendo como objeto de pesquisa o RTA e tomando em conta o sistema nacional de inovaes. Para isto, compreende o processo de construo do conhecimento dentro da rede, identifica os elementos constituintes e sua forma de participao, avalia a interao entre a gesto do conhecimento intra-firma e com a rede. Metodologicamente, o trabalho suportado pela realizao de entrevistas e elaborao de mapas conceituais, a partir dos quais se construiu os captulos do estudo de caso e os resultados foram analisados. Esses evidenciam o funcionamento do RTA em uma rede preponderantemente intra-firma, apresentando baixa interao com os sistemas de inovao local e nacional. Demonstrou-se que conhecimento transferido e criado dentro desta rede, a partir de um conceito complexo de diviso de trabalho entre agentes. O mecanismo de criao e acmulo de conhecimento pelo RTA foi elucidado, mostrando que ele potencializado em um ambiente onde se apresentam polticas desafiadoras. Exemplos de esforos voltados gesto do conhecimento e sua aplicao prtica no desenvolvimento de novas tecnologias foram apresentados. Conclui-se que um arranjo organizacional no formato de rede contribui para o processo de gesto do conhecimento organizacional e em conseqncia, para o desenvolvimento tecnolgico e para inovao, mas no suficiente para garantir sua insero no sistema nacional de inovao. Para isto, polticas microeconmicas devem ser desenvolvidas, buscando este compromisso.
Palavras-chave: Redes de Firmas. Gesto do Conhecimento. Inovao. Tecnologia. Indstria Automobilstica.
ABSTRACT
TAVARES Jr., Gilberto. TECHNOLOGICAL INNOVATION: the influence of organizational arrangement of the Renault Technology America in knowledge management. 2010. Dissertao (Mestrado em Cincia, Gesto e Tecnologia da informao) Programa de Ps-Graduao em Cincia, Gesto e Tecnologia da Informao, UFPR, Curitiba. .
Examines the formation of networks of firms in Brazil, from a case study, where the object of research is the RTA and taking into account the national system of innovation. For this, understand the process of constructing knowledge within the network, identifies the elements and form of participation, evaluates the interaction between the management of knowledge inside the firm and the network. Methodologically, the work is supported by interviews and preparation of concept maps, from which one builds up chapters of case study and the results were analyzed. These show the operation of the RTA in a predominantly intra-firm network, with low interaction with the systems of innovation locally and nationally. It is demonstrated that knowledge is created and transferred within this network, from a complex concept of division of work between agents. The mechanism of creation and accumulation of knowledge by the RTA was elucidated by showing that it is leveraged in an environment where they have policies challenging. Examples of efforts aimed at knowledge management and its practical application in developing new technologies were presented. We conclude that an institutional arrangement in the form of network contributes to the process of organizational knowledge management and as a result, technological development and innovation, but not enough to ensure their integration into the national innovation system. For this, microeconomic policies should be developed, seeking this commitment.
Keywords: Networks of Firms. Knowledge Management. Innovation. Technology. Automotive Industry.
LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E SMBOLOS
Siglas
ANFAVEA Associao Nacional dos Fabricantes Veculos Automotivos
BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento
CEFET Centro Federal de Educao Tecnolgica
CN Comando Numrico
CNC Comando Numrico Computadorizado
CP Comunidades de Prtica
CTL Corporate Technical Leader (Lder Tcnico Corporativo)
DOPA Desdobramento de Objetivos por Planos de Ao
ENSPM Ecole Nationale Suprieure du Ptrole et des Moteurs
FINEP Financiadora de Estudos e Projetos
GM General Motors
IKA Indstrias Kaiser Argentina
LTL Local Technical Leader (Lder Tcnico Local)
LUP Lista nica de Problemas
P&D Pesquisa e Desenvolvimento
PIB Produto Interno Bruto
PUC-PR Pontifcia Universidade Catlica - Paran
RDAL Renault Design Amrica Latina
RTA Renault Tecnologia Amrica
RTX Renault Tecnologia X , X:
TCT Teoria dos Custos de Transao
TIC Tecnologias de Informao e Comunicao
UET Unidade Elementar de Trabalho
UFPR Universidade Federal do Paran
VW Volkswagen
SUMRIO
1 INTRODUO ................................................................................................ 12
1.1 METODOLOGIA .......................................................................................... 15
2 REFERENCIAL TERICO .............................................................................. 21
2.1 O CONCEITO DE INOVACO E A IMPLICACO PARA O PARADIGMA
ECONMICO ....................................................................................................... 22
2.2 INOVACO, TECNOLOGIA E ABORDAGEM SISTMICA ........................ 24
2.3 SISTEMAS DE INOVAO ........................................................................ 27
2.4 BREVE HISTRICO DO SURGIMENTO DAS REDES .............................. 32
2.5 AS REDES ATUAIS E SUA MORFOLOGIA ............................................... 33
2.6 PROMOVENDO A INOVACO A PARTIR DA GESTO DO
CONHECIMENTO ORGANIZACIONAL................................................................ 41
3 O PROCESSO EVOLUTIVO DA RENAULT DO BRASIL .............................. 54
3.1 A RENAULT E O MOVIMENTO DE GLOBALIZACO DA ECONOMIA ..... 56
3.2 DE IMPORTADORA A FABRICANTE BRASILEIRA DE AUTOMVEIS .... 58
3.3 O MERCADO BRASILEIRO DE AUTOMVEIS E A CONCORRNCIA .... 61
3.4 PROCESSOS VOLTADOS PARA A GESTO DO CONHECIMENTO NA
RENAULT DO BRASIL ......................................................................................... 63
4 CRIACO DE CONHECIMENTO NA REDE: O RTA COMO ELEMENTO
ESTRATGICO PARA A RENAULTO DO BRASIL ................................................ 68
4.1 POR QUE A RENAULT DO BRASIL NECESSITA DE UM CENTRO DE
TECNOLOGIA? .................................................................................................... 71
4.2 ANLISE MORFOLGICA DO RTA ENQUANTO AGENTE EM UMA REDE
DE TECNOLOGIA ................................................................................................ 73
4.3 ANLISE DO RTA NOS NVEIS MICRO, MESO E MACRO ...................... 77
4.3.1 O futuro do veculo eltrico no Brasil .................................................... 81
4.4 A GESTO DO CONHECIMENTO NO RTA: UMA ESPIRAL MOVIDA POR
DESAFIOS ............................................................................................................ 84
4.4.1 A diviso do trabalho como elemento promotor da aquisio de
competncias .................................................................................................... 84
4.4.2 Aprendizado com o ambiente ............................................................... 91
4.4.3 Mensurao dos resultados .................................................................. 93
4.5 ESCOLA DE MOTORES ............................................................................. 94
4.6 FLEXFUEL: UM EXEMPLO DE TECNOLOGIA DESENVOLVIDA PELO RTA
96
5 CONSIDERAES FINAIS ............................................................................ 99
REFERNCIAS ....................................................................................................... 103
APNDICE A .......................................................................................................... 110
APNDICE B .......................................................................................................... 113
12
1 INTRODUO
A indstria automobilstica movimenta uma parcela significativa do PIB
mundial e brasileiro , tem forte presena em instituies de pesquisa internacionais,
influencia a formulao de tratados comerciais e polticas nacionais. Estas
caractersticas lhe conferem uma grande importncia econmica. Alm disto, por se
tratarem de oligoplios mundiais, altamente concentrados e com uma concorrncia
intensa, so objeto de estudo de diversas reas do conhecimento. Apesar de
movimentarem internacionalmente somas anuais significativas em pesquisa e
desenvolvimento, uma indstria que localmente apresenta um carter
predominantemente produtivo e desta forma, muito dependente internacionalmente
no que se refere ao desenvolvimento tecnolgico e a inovao.
No Brasil, a histria deste seguimento composta de duas fases: a entrada
das veteranas Fiat, Ford, VW e GM, em meados do sculo XX e a abertura do
mercado, ao final do sculo, promovendo a comercializao seguida da produo de
automveis no Brasil por novas montadoras, conhecidas como entrantes: Renault,
Peugeot, Honda, Hyundai e Nissan. Estudos recentes realizados por Consoni (2004)
identificaram esforos das montadoras instaladas no pas voltados criao e
desenvolvimento de centros de competncia. Estas evidncias podem ser
interpretadas, de certa forma, como tentativas de descentralizao das atividades de
P&D, objetivando atender a especificidades do mercado, desenvolver P&D on the
spot e defender uma posio competitiva em setores intensivos em P&D, dentre
inmeros fatores apresentados por Gomes e Strachman (2005).
A descentralizao das operaes de P&D traz novos desafios, uma vez que
estas multinacionais so colocadas diante de uma situao muito mais complexa em
termos organizacionais. Como se organizam? Como e quanto estas unidades
descentralizadas desenvolvem tecnologia e inovam, interagindo com o sistema
nacional de inovaes?
13
Nesta introduo sero apresentados o problema de pesquisa e sua
justificativa, o objetivo geral e os objetivos especficos deste trabalho assim como os
aspectos metodolgicos presentes, necessrios para responder a estas questes.
O segundo captulo destina-se ao referencial terico, apoiado sobre a escola
econmica evolucionista e as teorias da gesto do conhecimento organizacional.
Obviamente, a escolha pela abordagem evolucionista se deu pelo fato de ser esta a
escola que se preocupa em analisar os aspectos econmicos, posicionando a
inovao como tema central de pesquisa. com base nesta abordagem que os
temas inovao, tecnologia, sistemas e redes de firmas so discutidos e
conceituados. Este referencial tambm dar condies de avaliar em que nvel estas
unidades de P&D interagem com o sistema nacional de inovao. A esta abordagem
econmica foram adicionados elementos de teoria organizacional, enriquecendo o
presente estudo, pela possibilidade de identificar como a organizao se mobiliza
para permitir a criao do conhecimento organizacional, matria-prima para a
inovao.
Os resultados so apresentados no terceiro e quarto captulo, sob a forma de
estudo de caso. Para isto, foi tomado como objeto de pesquisa, uma unidade
descentralizada de engenharia da Renault do Brasil, responsvel pela engenharia
dos veculos produzidos no continente americano. O terceiro captulo, voltado
para a compreenso do processo evolutivo da Renault do Brasil, desde a
descoberta do Brasil pelo grupo at o momento atual, marcado pela construo de
uma estratgia de aumento de participao de mercado, focado no desenvolvimento
de veculos adaptados ao gosto do consumidor local. Alm disto, prticas em
gesto do conhecimento utilizadas pela organizao so apresentadas, de forma a
dar elementos que propiciem uma avaliao mais adequada dos mecanismos de
construo do conhecimento deste centro de tecnologia.
O quarto captulo explora de maneira mais especfica a estrutura
organizacional desse centro de tecnologia, suas relaes com os sistemas de
inovao nos nveis micro, meso e macro, os mecanismos de criao de
conhecimento identificados e alguns exemplos de tentativas locais em desenvolver
competncias e tecnologias. Consideraes em relao ao desenvolvimento do
motor eltrico no Brasil tambm so feitas, tomando-se em conta os impactos no
14
sistema nacional de inovao. No quinto captulo so realizadas as consideraes
finais deste trabalho.
Tendo em vista o processo de descentralizao das operaes de P&D,
promovidas por multinacionais, a partir da instalao de centros de tecnologia em
pases em desenvolvimento, como descrever o arranjo organizacional implantado?
Por que da implantao? Qual foco das estratgias da firma em descentralizar a
P&D? Em que medida essa P&D local gera inovaes originais decorrente da
interao com o sistema nacional de inovaes? possvel afirmar que mesmo
sendo multinacional, a firma no s recebe determinaes da sua matriz, mas tem
autonomia de inovao formando uma rede de interaes locais? Como e quanto
estas unidades esto efetivamente aptas a desenvolverem tecnologia e inovar?
Como o conhecimento acumulado, transferido e criado por meio desta rede?
Para responder a estas questes, foi realizado um estudo de caso, cujo objeto
de pesquisa o RTA (Renault Tecnologia Amrica), centro de tecnologia da Renault
do Brasil, responsvel pela engenharia de veculos da Renault nas Amricas. Este
estudo permitir compreender como o RTA se insere e modifica o arranjo
organizacional, como e quanto desenvolve tecnologia e interage com o sistema
nacional de inovao e qual o seu potencial inovador.
Esta pesquisa trata de um movimento indito de uma firma multinacional
tradicional no pas em direo a uma nova forma de gerir a inovao, ou seja, a
inovao passa a ser descentralizada e no mais, necessariamente, de cima para
baixo, numa relao hierarquizada matriz-filial. Esse movimento indito implica uma
nova interao desse tipo de firma com o sistema nacional de inovao. Em outros
termos, uma multinacional relevante no cenrio mundial passa a formar uma rede de
inovao descentralizada, contribuindo e se alimentando das competncias locais.
Por outro lado, isso significa que h no pas competncia acadmica e tecno-
produtiva capaz de suprir os elevados requerimentos tecnolgicos desse tipo de
atividade, que pode prescindir em grande da sua matriz. Em suma, a justificativa
est posta pelo lado do ineditismo da descentralizao da inovao da firma
multinacional interagindo e formando uma rede local de inovao
Para a Renault do Brasil uma oportunidade de compreender, de maneira
formalizada e conceitual, os processos de mudana organizacional que esto
15
ocorrendo e assim, utilizar-se desta pesquisa para melhor direcionar atividades
relacionadas gesto do conhecimento. A explicitao dos mecanismos de acmulo
e criao de conhecimento tambm uma forma de potencializar estes processos
dentro da organizao, por meio de sua disseminao e alterao, no tempo, de sua
cultura organizacional. Eventualmente, poder tambm provocar uma reflexo tendo
em vista sua estratgia de integrao ao sistema nacional de inovao.
Assim, o objetivo geral deste trabalho examinar a formao de redes de
firmas a partir do RTA no Brasil , tendo em conta o sistema nacional de inovaes.
Para isto, ser necessrio compreender o processo de construo do conhecimento
dentro da rede, identificar os elementos constituintes e sua forma de participao na
rede, avaliar a interao entre a gesto do conhecimento intra-firma e com a rede.
1.1 METODOLOGIA
Do ponto de vista da sua natureza, esta pesquisa aplicada, pois objetiva
gerar conhecimentos para aplicao prtica dirigidos soluo de problemas
especficos. Envolve verdades e interesses locais. A abordagem qualitativa, pois
considera que h uma relao dinmica entre o mundo real e o sujeito, isto , um
vnculo indissocivel entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito que no
pode ser traduzido em nmeros. A interpretao dos fenmenos e a atribuio de
significados so bsicas no processo de pesquisa qualitativa. No requer o uso de
mtodos e tcnicas estatsticas. O ambiente natural a fonte direta para coleta de
dados e o pesquisador o instrumento chave. descritiva. Os pesquisadores
tendem a analisar seus dados indutivamente. O processo e seu significado so os
focos principais de abordagem (SILVA e MENEZES, 2001).
Em relao aos seus objetivos uma pesquisa exploratria, visando
proporcionar maior familiaridade com o problema com vistas a torn-lo explcito ou a
construir hipteses. Envolve levantamento bibliogrfico; entrevistas com pessoas
que tiveram experincias prticas com o problema pesquisado; anlise de exemplos
que estimulem a compreenso. Do ponto de vista dos procedimentos tcnicos um
16
estudo de caso, pois envolve o estudo profundo e exaustivo de um ou poucos
objetos de maneira que se permita o seu amplo e detalhado conhecimento.
O mtodo cientfico utilizado foi o dedutivo. Este mtodo, proposto pelos
racionalistas Descartes, Spinoza e Leibniz, pressupe que s a razo capaz de
levar ao conhecimento verdadeiro. O raciocnio dedutivo tem o objetivo de explicar o
contedo das premissas. Por intermdio de uma cadeia de raciocnio em ordem
descendente, de anlise do geral para o particular, chega a uma concluso. Usa o
silogismo, construo lgica para, a partir de duas premissas, retirar uma terceira
logicamente decorrente das duas primeiras, denominada de concluso (GIL, 1999;
LAKATOS e MARCONI,1993).
O estudo de caso foi conduzido por meio de entrevistas estruturadas, no-
estruturada e um questionrio aberto, com dirigentes da Renault do Brasil e do
Renault Tecnologia Amrica. Material institucional tambm foi utilizado, tanto
fornecido pela empresa quanto coletado pela internet, no site da Renault
(www.renault.com.fr). Entrevista a obteno de informaes de um entrevistado,
sobre determinado assunto ou problema. A entrevista pode ser: padronizada ou
estruturada, quando o roteiro previamente estabelecido; despadronizada ou no-
estruturada, quando no existe rigidez de roteiro. Podem-se explorar mais
amplamente algumas questes. Questionrio uma srie ordenada de perguntas
que devem ser respondidas por escrito pelo informante. O questionrio deve ser
objetivo, limitado em extenso e estar acompanhado de instrues. As instrues
devem esclarecer o propsito de sua aplicao, ressaltar a importncia da
colaborao do informante e facilitar o preenchimento.
A primeira entrevista, realizada com o Sr. Alain Tissier, vice-presidente da
Renault do Brasil, foi conduzida com base em um roteiro (Apndice A) buscando
compreender as estratgias da Renault do Brasil e sua relao com a implantao
de um centro de tecnologia nas Amricas. A segunda entrevista, realizada com o Sr.
Marc Barral, diretor do Renault Tecnologia Amrica (RTA), visava compreender de
forma mais detalhada como o RTA est organizado, por meio de quais mecanismos
ele promove o desenvolvimento e a inovao tecnolgica e como e em qual nvel
interage com o sistema nacional de inovao. A preparao para esta entrevista
tambm gerou um roteiro, igualmente apresentado no Apndice A. Uma terceira
http://www.renault.com.fr/
17
entrevista, no-estruturada, foi realizada com o Sr. Carlos Santos, gerente executivo
de engenharia, visando compreender com mais detalhes, a criao e funcionamento
da escola de motores e o processo de desenvolvimento da tecnologia Flexfluel para
os motores da Renault.
Por fim, um questionrio aberto foi preparado e encaminhado ao Sr. Leo
Pagnac, responsvel pelas relaes institucionais da Renault do Brasil, objetivando
compreender a situao atual do desenvolvimento dos motores eltricos no Brasil.
As informaes fornecidas tambm foram teis para reforar a importncia da
poltica econmica no sistema de inovao nacional e, consequentemente, na
intensidade de interao das firmas com este sistema.
As entrevistas foram transcritas, seguida de uma categorizao, por meio do
modelo de mapa conceitual (Figuras 8, 11 e 12). Estes mapas deram origem aos
captulos do estudo de caso. Mapas conceituais o nome dado para um tipo de
diagrama, voltado para a gesto de informaes, de conhecimento e de capital
intelectual; para a compreenso e soluo de problemas; na memorizao e
aprendizado; na criao de manuais, livros e palestras; como ferramenta de
brainstorming (tempestade de ideias); e no auxlio da gesto estratgica de uma
empresa ou negcio. O recurso utilizado para representao das idias foi o
Microsoft Power Point.
Do ponto de vista metodolgico, vale ressaltar que o pesquisador tem vnculo
empregatcio com a Renault do Brasil. Com isto, alm das entrevistas, a experincia
acumulada durante onze anos trabalhando nesta organizao tambm contriburam
positivamente para a confeco do estudo de caso. A permeabilidade no meio
industrial permitiram, com relativa facilidade, ter acesso a informaes e a agenda
de executivos de alto nvel com relativa facilidade (agendamento mdio com um ms
de antecipao). Alm disto, o conhecimento tcito acumulado permitiram realizar
anlises e dedues que exigiriam, de um pesquisador sem estas caractersticas,
um esforo de campo mais importante.
Como j observado, a pesquisa qualitativa, descritiva e de cunho
exploratrio. Assim, no tem como objeitvo propor nenhum modelo ou metodologia
para se trabalhar com inovao ou gesto do conhecimento. Tambm no pretende
realizar nenhuma anlise quantitativa relacionada a transferncia, acmulo ou
18
criao de conhecimento. Tampouco se interesse por compreeender a intensidade
da inovao da firma com base em valores numricos. Este primeiro estudo, antes
de mais nada, busca explorar o tema gesto do conhecimento e inovao dentro de
um centro de tecnologia descentralizado de uma filial de uma montadora
multinacional, instalada no Brasil.
Para isto, se basear em uma reviso de literartura, trazendo conceitos do
arcabouo evolucionista das teorias econmicas e da viso organizacional voltada
gesto do conhecimento. Os roteiros elaborados para realizao das entrevistas
procuraram exploram estes conceitos. Por exemplo, dentro do tema inovao,
questes como (ver Apndice A):
Qual a estratgia global da Aliana Renault/Nissan? Qual a contribuio da
Renault? Quais as razes que levaram a Renault a se instalar no Brasil na dcada
de 90? Qual era a participao de mercado esperada?
Quais so os pontos fracos da Renault do Brasil em relao concorrncia?
Quem so os concorrentes?
Quais as principais mudanas estratgicas na Renault do Brasil que foram (ou
esto sendo feitas) para atingir os nveis de participao de mercado esperados
(inclusive tomando em conta os pronunciamentos recentes do Sr. Goshn)?
Qual o relacionamento da Renault do Brasil com as instituies brasileiras?
Quais so? Quais os objetivos da Renault nestes relacionamentos?
O que levou deciso estratgica, mesmo em um momento de crise mundial,
em manter o projeto de instalao do RTA? Qual a relao desta estratgia com a
estratgia global da empresa?
Quem so os agentes (RDA, outros RTs, fornecedores, concorrncia,
instituies brasileiras - agncias de fomento, universidades, bancos - fbricas da
Renault,...)?
Qual a diviso de trabalho? Quais os papis de cada agente na rede? Existe
algum papel claro de coordenao?
19
Como se operam os relacionamentos entre os agentes (contratos,
premiaes, trocas sistemticas, benchmarking, .parcerias..)?
Quais so os projetos?
Existem desenvolvimentos tecnolgicos em produtos ou processos? Quais?
Qual o core business?
Como o RTA se molda poltica industrial e tecnolgica brasileira?
Ou seja, questes buscando compreender como o tema inovao se
relaciona, estrategicamente, com o crescimento da empresa, se existe uma rede de
inovao, aspectos morfolgicos desta estrutura (agentes, nvel de interao com
os agentes, diviso de trabalho). Exemplos de tecnologias desenvolvidas, e
explorando como foram desenvolvidas, compreender em que nvel o RTA interage e
inova com sua rede.
Do ponto de vista da gesto do conhecimentos, questes como:
Quais so as tecnologias de informao e comunicao utilizadas?
Qual a estrutura hierrquica do RTA?
Como o RTA garante a reteno do conhecimento para a organizao?
Como so medidos os resultados?
Procuram compreender, com base em algumas dimenses do conhecimento
descritas por Terra (2000), como o conhecimento gerenciado. Alm disto, a
experincia profissional do pesquisados permitiu descrever uma srie de
ferramentas e abordagens em gesto do conhecimento (NONAKA e TAKEUCHI,
1997; Von KROGH; ICHIJO; NONAKA, 2001; CHOO, 2006; FAYARD, 2010)
utilizadas pela organizao (ver tpico 3.4). Salienta-se tambm, que as mesmas
questes utilizadas para compreender o tema inovao, tambm auxiliam no
processo de entendimento da gesto do conhecimento organizacional e com a rede.
Por exemplo, diviso de trabalho, estratgia, gesto de projetos, desevolvimentos de
novas tecnologias, produtos e processos, so dimenses e processo suportados
pela gesto do conhecimento. A partir de todos estes dados de pesquisa, procurou-
se categoriz-los por temas, que permitissem a construo de captulos para o
20
estudo de caso. Utilizou-se para isto o conceito de mapas conceituais. Assim, trs
categorias principais foram identificadas: O processo evolutivo da Renault do Brasil,
o processo de criao de conhecimento na rede e a gesto do conhecimento dentro
do RTA. Tem-se, desta forma, uma construo lgica que vai do macro (A Renault
do Brasil), para o micro (o conhecimento dentro do RTA), buscando as conexes e
interelaes destes conceitos.
A partir da primeira categoria (O processo evolutivo da Renault do Brasil),
procurou-se compreender como a globalizao da economia, o mercado, a
concorrncia e a gesto do conhecimento dentro da Renault da Renault do Brasil,
convergiram para uma necessidade estratgica de reforar a inovao e o
conhecimento. A segunda categoria (o processo de construo de conhecimento na
rede) permite compreender como este elemento estratgico (o RTA), est
estruturalmente inserido em uma rede de conhecimento e inovao, como interage
com seus agentes, com o mercado, com instituies. Assim, tem-se uma viso dos
processos realizados pelo RTA que permitem a ele, ou no, estar inseridos e
interagindo com que intensidade em micro, meso ou macro sistemas de inovao.
Por fim, uma anlise mais detalhada do processo de criao de conhecimento
intra-firma realizado a partir da terceira categoria: a gesto do conhecimento
dentro do RTA. A elucidao do mecanismo de diviso de trabalho como elemento
promotor de acmulo de conhecimento, aprendizado com o ambiente e mensurao
dos resultados so os principais conceitos explorados. A escola de motores,
enquanto ferramenta utilizada para compartilhamento de conhecimento e o
desenvolvimento da tecnologia Flexfuel, so exemplos ilustrativos que auxiliam no
entendimento da complexidade de fatores organizacionais e econmicos (mercado,
instituies, assimetrias) envolvidos nos processos de gesto de conhecimento e no
ambiente de inovao.
21
2 REFERENCIAL TERICO
O processo de inovao gera novo conhecimento intensivamente, baseando-se na inteligncia
humana individual, na criatividade e envolvendo aprendizado interativo.
J.B. Quinn
.
Desde meados do sculo XX, a inovao tida como um fator fundamental no
processo de desenvolvimento econmico. Esta viso, inicialmente proposta por
Schumpeter (1954), retomada e desenvolvida, a partir da dcada de setenta, pela
chamada escola evolucionista, tendo como representantes, Penrose, Nelson, Winter,
Dosi e Possas, entre outros de bastante relevncia. Estas teorias so capazes de
explicar, a partir de analogias com a teoria da evoluo, o processo de
desenvolvimento econmico com base em mecanismos de hereditariedade,
mutao e seleo (CORAZZA e FRACALANZA, 2004).
A administrao, por meio das contribuies de Drucker e Toffler, na dcada
de noventa, comeam tambm a interessar-se por este tema, enfatizando o papel
desempenhado pelo conhecimento e, em conseqncia, pelo trabalhador do
conhecimento (DRUCKER, 1991), no processo inovativo, gerador de vantagens
competitivas. Apesar de adicionar o fator humano como um elemento essencial da
competio industrial, no explica como ele interfere no processo de inovao. No
entanto apenas neste incio de sculo, a partir das contribuies de Nonaka,
Takeuchi (1997), Von Krogh (2000) e Choo (2006) , envolvendo conhecimentos
multidisciplinares nas reas de economia, administrao, filosofia, psicologia e
cincia da informao, que um retrato mais ntido dos mecanismos que promovem a
criao do conhecimento organizacional e, conseqentemente, a inovao, comea
a ser delineado.
Este captulo constitudo por seis tpicos. No primeiro tpico definido o
conceito de inovao e sua implicao para o paradigma econmico. Na seqncia,
inovao, tecnologia e abordagem sistmica so discutidas. No tpico 2.3, a
definio de sistemas de inovao, segundo Cimolli e Della Giusta (1998)
22
apresentada, seguida de um histrico do surgimento de redes (2.4), as redes atuais
e sua morfologia (2.5) e finalmente a promoo da inovao a partir da criao do
conhecimento organizacional apresentada e discutida.
2.1 O CONCEITO DE INOVACO E A IMPLICACO PARA O PARADIGMA
ECONMICO
Mas o que a inovao? Retomando a analogia com os conceitos biolgicos, a
inovao uma mutao que ocorre nos padres da indstria, colocada
disposio do mercado no formato de produtos ou servios, que so aceitos e
incorporados por esse ltimo. A mutao envolve uma mudana na forma como a
organizao desenvolve suas atividades, seja por meio de rotinas, procedimentos ou
ativos. A seleo da mutao pelo mercado est relacionada a elementos
econmicos da estrutura do mercado, elementos da situao macroeconmica,
elementos de natureza poltico-jurdico-institucional, elementos do meio-ambiente
natural e elementos de carter scio-cultural. Por conta do seu carter mutvel e
efmero, devem ser avaliados em uma perspectiva histrica. As selees podem ser
feitas ex-ante ou ex-post. A seleo ex-ante ocorre quando a firma antecipa uma
inovao (mutao) que ela julga adaptada s presses seletivas que espera
encontrar no ambiente. Contrariamente, a seleo ex-post ocorre quando o
ambiente legitima o produto oriundo da heurstica da inovao (POSSAS, 1999).
De acordo com o Manual de Oslo (disponvel em
http://www.finep.gov.br/imprensa/sala_imprensa/manual_de_oslo.pdf), a inovao
tecnolgica em produtos e processos
compreendem as implantaes de produtos e processos tecnologicamente novos e substanciais melhorias tecnolgicas em produtos e processos. Uma inovao TPP considerada implantada se tiver sido introduzida no mercado (inovao de produto) ou usada no processo de produo (inovao de processo). Uma inovao TPP envolve uma srie de atividades cientficas, tecnolgicas, organizacionais, financeiras e comerciais. Uma empresa inovadora em TPP uma empresa que tenha implantado produtos ou processos tecnologicamente novos ou com substancial melhoria tecnolgica durante o perodo em anlise.
23
Sob um ponto de vista mais amplo, a inovao o resultado de um avano na
direo do paradigma tecnolgico ou da quebra do paradigma tecnolgico. O
paradigma tecnolgico definido por Dosi (1982), de modo semelhante ao
paradigma cientfico, como:
[] um conjunto de conhecimentos, ambos diretamente prticos (relacionados a problemas concretos e perifricos) e tericos (mas de modo prtico aplicvel, mesmo se no necessariamente j aplicado), know-how, mtodos, procedimentos, experincias de sucesso e fracasso, e tambm, claro, perifricos fsicos e equipamentos [...] Tecnologia, sob esta tica, inclui a percepo de um conjunto limitado de alternativas tecnolgicas possveis e de futuros desenvolvimentos1.
Dosi denomina a inovao gerada pela quebra do paradigma tecnolgico,
inovao radical, e aquela oriunda do mesmo paradigma, inovao incremental. Esta
teoria refora a importncia destes pontos de inflexo (inovao radical) para a
promoo do desenvolvimento econmico, pois este novo paradigma tecnolgico
promove o surgimento de novas firmas, movidas pela busca de novos ganhos e
oportunidades de mercado. medida que o novo trajeto tecnolgico se consolida, as
firmas movimentam-se em torno de uma configurao oligopolstica. Os mecanismos
de gerao de inovaes e de avanos tecnolgicos tornam-se endgenos ao
mecanismo econmico normal. A possibilidade de desfrutar de posies
monopolsticas temporrias, advindas da colocao de novos produtos ou processos
no mercado age como um incentivo poderoso para atividades de inovao e
melhoria de produtos/ processos.
Rosembloom e Christensen (1998) defendem a idia de que uma inovao
radical introduz uma descontinuidade no modo como o desempenho avaliado, ou
seja, ela implica a descoberta de novas redes de valores e no necessariamente
na quebra do paradigma tecnolgico. Argumentam que as conseqncias de uma
inovao podem ser radicais mesmo se a inovao tecnologicamente simples,
desde que implique o estabelecimento de um novo sistema de uso, servido por uma
nova rede de valor. Desta forma, a capacidade da firma em identificar e realizar
engajamentos estratgicos para desenvolver aplicaes emergentes, encontradas
1 Traduo livre.
24
no mercado em novas ou diferentes redes de valores, est positivamente
relacionado sua capacidade inovativa.
2.2 INOVACO, TECNOLOGIA E ABORDAGEM SISTMICA
Como pode ser observado, a tentativa de conceituar o termo inovao leva de
modo inexorvel, a uma discusso sobre tecnologia. O conceito de tecnologia pode
ser desenvolvido, segundo Lower (1987) a partir de trs contextos: evoluo cultural,
progresso tecnolgico e comportamento instrumental. O comportamento tecnolgico
um comportamento social, preponderantemente instrumental, o que significa dizer,
solucionador de problemas. Quando o problema e a soluo so reais, este
comportamento produtor e utilizador de conhecimentos prticos, materializados em
ferramentas, instrumentos, frmulas, anotaes diversas, procedimentos, rotinas e
ativos. O desenvolvimento ou progresso tecnolgico ento gerado, a partir do
acmulo e combinao dos conhecimentos pr-existentes. Por ser um processo
social, acaba incorporando-se cultura, influenciando o processo de evoluo
cultural. Parafraseando DeGregori (1985): Se a evoluo vista, algumas vezes,
como a adaptao do indivduo ao meio, a tecnologia pode ser concebida como uma
forma de adaptar o meio ao indivduo.
Ora, se a inovao surge a partir do progresso tecnolgico, e se o
comportamento tecnolgico um comportamento social (LOWER, 1987),
necessrio, para que haja desenvolvimento tecnolgico e conseqentemente,
inovao, que se crie um ambiente de interao social. Por outro lado, se cultura e
tecnologia interagem, de maneira simbitica, e se a inovao surge como resultado
de um processo complexo envolvendo aspectos micro e macroeconmicos,
elementos jurdico-poltico-institucional, meio-ambiente natural, sociedade e cultura,
pode-se com facilidade associar ao processo inovativo, um carter altamente
sistmico. Alm disto, se o conhecimento instrumental, resultado do processo
cognitivo de resoluo de um problema real, a base para o progresso tecnolgico,
ento os mecanismos que explicam e promovem a criao do conhecimento, so
essenciais para compreenso da inovao. De maneira resumida, pode-se dizer que
a inovao um processo que envolve o fator humano, por meio de mecanismos
25
cognitivos, criadores de conhecimento, em um ambiente complexo e de carter
altamente sistmico.
A abordagem sistmica para anlise de mudanas tecnolgicas e econmicas
no algo novo (CARLSSON et al., 2002) e diversas propostas so encontradas na
literatura. Cabe, no entanto, tendo em vista a diversidade de propsitos e em
conseqncia, de conceitos de sistemas, identificar as principais questes
metodolgicas e analticas que emergem da sua aplicao. A dimenso fsica ou
geogrfica um aspecto relevante a ser considerado quando se utiliza esta
proposta. As fronteiras do sistema so propriamente geogrficas quando se estuda
um pas ou uma regio, mas puramente metodolgicas ou tericas quando o
interesse, por exemplo, reside em uma tecnologia. A dimenso temporal provocada
pela dinmica de mecanismos de retro-alimentao tambm deve ser considerada
nesta anlise, pois a configurao do sistema est em constante mudana. Outro
elemento importante neste estudo refere-se medio de desempenho de sistemas,
particularmente importante quando se deseja comparar sistemas similares ou inferir
em que nvel de desempenho um determinado sistema opera.
A engenharia de sistemas define um sistema como um conjunto de
componentes inter-relacionados, trabalhando em torno de um objetivo comum. So
constitudos de componentes, relacionamentos e atributos. Os componentes
correspondem parte operativa do sistema: organizaes, firmas, bancos,
universidades, institutos de pesquisa, agncias de poltica pblica, em um sistema
econmico. Turbo geradores, transformadores ou linhas de transmisso em sistema
de energia eltrica; equipamentos mdicos, tcnicas de diagnstico e medicamentos
e um sistema biomdico; regulamentaes, tradies ou normas sociais em um
sistema poltico.
Relacionamentos correspondem aos elos entre os componentes. O
comportamento e propriedades destes componentes afetam o comportamento do
sistema como um todo. Assim, o desempenho de cada componente depende do
comportamento e caractersticas de pelo menos outro componente, o que provoca
uma forte interdependncia e a conseqente impossibilidade de se trabalhar de
forma independente com subsistemas (CARLSSON, 2002). Desta forma, se um
componente do sistema retirado ou suas caractersticas modificadas, os outros
26
artefatos tambm tendero a ter suas caractersticas alteradas e os relacionamentos
entre as partes tambm mudam, partindo-se do pressuposto de que o sistema
robusto (JOERGES, 1988). Um sistema no-robusto pode simplesmente entrar em
colapso, quando um componente essencial retirado.
Tendo em vista que a caracterstica dinmica do sistema dada pela
presena de mecanismos de retro-alimentao, quanto maior a interao entre os
componentes, mais dinmico o sistema. Particularmente importantes nos sistemas
de inovao, so os relacionamentos que envolvem transferncia e aquisio de
tecnologia. Este processo pode ser tanto no-intencional (technological spillover),
quanto intencional, mas envolvendo, obrigatoriamente, um processo colaborativo de
alguma durao. Este processo cumulativo tambm provoca mudanas, ao longo do
tempo, na configurao do sistema.
Os atributos do sistema so as propriedades dos componentes e os
relacionamentos entre eles. As caractersticas que so cruciais para a compreenso
do sistema esto relacionadas funo ou propsito do sistema assim como s
dimenses utilizadas para sua anlise. Assim, se a funo de um sistema de
inovao gerar, difundir e utilizar tecnologia, as suas principais caractersticas so
as capacidades dos agentes em gerar, difundir e utilizar tecnologias que tenham
valor econmico. Esta competncia econmica definida como a capacidade de
explorar oportunidades de negcios, e envolve quatro aspectos: capacidade seletiva
(ou estratgica), habilidade organizacional (integrao ou coordenao), habilidade
funcional ou tcnica e habilidade para o aprendizado ou adaptativa. As propriedades
dinmicas do sistema esto entre os atributos de maior valor: robustez, flexibilidade,
habilidade para gerar mudanas e responder a mudanas do meio.
Uma vez apresentados os elementos constituintes de um sistema, pode-se,
em uma perspectiva histrica, apresentar os diversos conceitos de sistemas
desenvolvidos. O primeiro conceito de sistema envolvia as anlises de
entrada/sada, proposto por Leontief (1941), e de carter predominantemente
esttico. Dahmn (1950, 1989) props a utilizao de blocos de desenvolvimento,
estruturalmente tensionados e que resultam em uma situao de equilbrio. Esta
abordagem, j apresentando elementos dinmicos, incorpora a noo de
27
desequilbrio Schumpeteriano e se foca no papel do empreendedor, como elemento
responsvel pelo progresso (soluo da tenso provocada por uma inovao).
2.3 SISTEMAS DE INOVAO
Anlises mais recentes envolvem o conceito de sistema nacional de inovao
(FREEMAN, 1988; LUNDVALL 1988, 1992; NELSON, 1988, 1993), integrando
particularmente o papel da poltica tecnolgica e organismos de cincia e tecnologia.
Devido complexidade do sistema (e no a limitaes tericas) estes estudos foram
principalmente estticos. Na dcada de 90, o diamante de Michael Porter traz uma
abordagem esttica com nfase no processo de competio entre indstrias. O
conceito de sistemas de inovao setoriais desenvolvidos por Breschi e Malerba
(1997), Malerba e Orsenigo (1993), apresenta uma anlise dinmica do processo,
com foco no relacionamento competitivo entre firmas, considerando de forma
explcita o papel da seleo pelo ambiente. Saxenian (1994) desenvolve uma
abordagem voltada para a anlise de sistemas industriais locais, partindo de uma
definio geogrfica (Vale do Silcio), de carter dinmico, buscando compreender a
influncia da cultura e da competio, na capacidade adaptativa destes sistemas.
O conceito de sistemas tecnolgicos, desenvolvido por Carlsson (1995),
similarmente proposio de Dahmn, tambm apresenta atributos dinmicos, sem
a necessidade de definio de fronteiras geogrficas e focado em tecnologias
genricas, envolvendo trs tipos de interao: comprador-fornecedor, redes para
resoluo de problemas e redes informais. Trs nveis de anlise emergem a partir
deste enfoque: um nvel tecnolgico no sentido de um campo de conhecimento,
como um produto ou artefato ou um conjunto de produtos e artefatos relacionados e
destinados a uma funo especfica (ou bloco de competncias na viso de
Eliasson, 1997). Identificar se uma tecnologia pertence ou no a um mesmo campo
do conhecimento (tecnologias prximas), como lidar com as caractersticas
dinmicas do sistema e identificar seus atores alm da medio do seu desempenho
so as principais questes metodolgicas relacionadas a esta perspectiva.
28
Retomando o conceito de sistema nacional de inovao, as contribuies de
Cimolli e Della Giusta (1998), propondo uma decomposio dos sistemas de
produo e inovao em trs nveis: micro cluster, meso cluster e macro cluster,
permite identificar especificidades do sistema em cada um destes nveis. No nvel da
firma, esta vista como um repositrio de conhecimentos, embebida em rotinas
operacionais que so melhoradas ao longo do tempo, por meio de um aprendizado
que leva a um acmulo de conhecimento, explicitados em regras de
comportamentos e estratgias de mais alto nvel. O nvel econmico intermedirio
envolve os relacionamentos entre a firma e outras organizaes dentro e fora dos
seus setores primrios de atividade, fortalecendo suas competncias em resoluo
de problemas.
Finalmente no nvel macro temos o conjunto de relaes sociais, regras e
restries polticas, dentro das quais o comportamento microeconmico est
inserido. Surge desta forma, o conceito de vetor de capacidades tecnolgicas,
definido pelas competncias e pelo desempenho. Entre estas duas entidades e
conformando suas interaes, repousa o sistema nacional de inovao, agindo em
nvel nacional e regional e ainda possuindo inerentemente uma natureza local. A
Figura 1 representa o macro cluster. Observa-se que este ambiente est contido em
um framework internacional, sendo impactado pela poltica macroeconmica. J o
macro cluster contm a indstria nacional, influenciando e recebendo a influncia da
poltica microeconmica. Por sua vez, esta indstria pode ser compreendida como o
resultado da interao entre firmas, setores de atividades, instituies e
competncias nacionais.
29
MACRO CLUSTER
AJU
STES MIC
RO
ECO
NO
MIC
OS
Framework Internacional
INDUSTRIA
SETORESFIRMAS
INSTITUICES
COMPETNCIAS
FIGURA 1: MACRO CLUSTER.
Fonte: CIMOLLI & DELLA GIUSTA, 1988.
As Figuras 2 e 3 representam o meso cluster, tanto em uma perspectiva
setorial quanto regional. Partindo-se do macro cluster, o meso cluster pode ser
interpretado como um recorte do primeiro, seja por setor (cluster industrial), seja
regio (cluster regional). Sendo assim, o macro cluster constitudo por um
conjunto de meso clusters (conjunto de clusters industriais ou regionais). A
abordagem por indstria utilizada par analisar a relao entre setores e
instituies: caractersticas econmicas e tecnolgicas do setor, modos de produo
e difuso do conhecimento e relaes inter-firmas e as instituies que suportam
esta indstria (instituies acadmicas, centros de pesquisa, laboratrios,
consultorias, rgos de financiamento). J o meso cluster regional compreende o
sistema de inovao local ou regional. Sero objetos de estudo as polticas e
indstrias locais, instituies e infra-estrutura tecnolgica e suas relaes.
30
CLUSTER INDUSTRIAL
INSTITUICES
InstituiesacadmicasCentros de pesquisa e
laboratoriosInstituiespara pontes
tcnicasFormulao do produto
Firmas especializadasemconsultoria
Ligaes internacionaisOutras instituies
afetando o processo de inovao
OrganizaesfinanceirasEscritorios de promoo e contrle governamentaisInstituieseducacionais
SETORES
Caracteristicas econmicase tecnologicas do setorProduo do conhecimentoDistrbuio/ difuso do conhecimentoLigaes relevantes para transferncia/ gerao do conhecimentoRelacionamentos inter-firmas e suas ligaeshorizontais e verticaisRelaes fornecedor-produtor
FIGURA 2: MESO CLUSTER SETORIAL.
Fonte: CIMOLLI & DELLA GIUSTA, 1988.
CLUSTER REGIONAL
Especificaes regionais:
Aquisio de tecnologiaLigaes entre industria e instituiesLigaes formais e informaisEmpreendedorismo tecnologico
INFRAESTRUTURA TECNOLOGICA
POLITICAS LOCAIS
INDUSTRIAS LOCAIS
INSTITUICES
FIGURA 3: MESO CLUSTER REGIONAL.
Fonte: CIMOLLI & DELLA GIUSTA, 1988.
31
A Figura 4 representa o micro cluster. Esta viso privilegia as relaes entre
firmas. Que trocas so realizadas entre as firmas A, B e C? Como adquirem
tecnologia? Como gerenciam seus recursos humanos? Esta abordagem representa,
desta forma, um recorte do meso cluster, permitindo uma observao mais
detalhada do funcionamento inter-firma.
Micro-especificaes intra-firma:
Joint-venture em atividadestecnologicasMobilidade de pessoalAquisio de tecnologia
FIRMA BFIRMA A
FIRMA C
INDUSTRIA DOMESTICA E FIRMAS
FIGURA 4: MICRO CLUSTER.
Fonte: CIMOLLI & DELLA GIUSTA, 1988.
Para os objetivos deste estudo, so os fenmenos no nvel da firma, ou seja,
o nvel micro cluster e as relaes entre o micro e meso cluster os que mais
interessam serem analisados. Para isto, a definio de redes de firmas e as
construes tericas associadas sero expostas e analisadas.
32
2.4 BREVE HISTRICO DO SURGIMENTO DAS REDES
As redes de firmas surgem j no sculo XIX, a partir do modelo de produo
desenvolvido por Alfred Motte, e difundido por meio da indstria txtil, na regio do
Prato, Itlia Central. Buscava-se, com esta configurao, uma maior flexibilidade
produtiva e a constituio de um sistema comum de reservas financeiras, mercados
e compras. Durante a crise econmica de 1930, este sistema passou tambm a
incorporar outras pequenas firmas, como uma soluo para converso de custos
fixos em custos variveis, repassando o risco aos empregados. Isto era feito por
meio de mecanismos de arrendamento ou venda de equipamentos das fbricas em
crise aos trabalhadores demitidos.
J na dcada de 50, este sistema, a partir da figura do Impannatore -
coordenador da rede - passa a viabilizar a adoo de inovaes tecnolgicas, por
processos learning by interacting ou learning by using. Assim, contrariamente s
grandes firmas txteis integradas, estas pequenas firmas, organizadas em rede,
eram mais flexveis para acompanhar a moda, pagando melhores salrios e com
trabalhadores mais qualificados. A introduo de novas tecnologias no final da
dcada de 70, envolvendo altos investimentos e mo-de-obra especializada,
somente foram possveis devido flexibilidade na execuo das diversas atividades,
promovida por um intenso fluxo de informaes, conhecimentos e mercadorias
atravs da rede e apoiados na coordenao ativa do Impannatore (SHIMA, 2006).
O Japo, a partir do sculo XIX, tambm comea a empregar o conceito de
redes de firmas como uma alternativa para a produo em massa, a qual, por exigir
enormes economias de escala, acabou mostrando-se inadequada ao modesto
mercado japons daquele perodo. O Zaibatsu e, posteriormente, o Keiretsu foram
os meios encontrados pelos japoneses para materializar sua estratgia. Ambos
baseiam-se em uma intrincada rede de participaes acionrias cruzadas e uma
densa rede de vnculos de cooperao entre os membros do grupo, onde uma
constelao de empresas menores, especializadas, agrupa-se em torno de uma
empresa maior, que possui um corpo tcnico mais abrangente. Obtm-se com esta
configurao, as dimenses e as vantagens da integrao vertical de tipo ocidental,
33
e a flexibilidade da descentralizao (CHESNAIS, 1996), tirando ainda grande
proveito do que Porter denomina de value chain da empresa.
Dois exemplos a esse respeito so esclarecedores: o primeiro trata-se do
sistema toyotista de produo, definido por Boyer e Freyssenet (2000) como um
modelo apoiado em uma estratgia de lucro baseada em custos decrescentes a
volume constante (reduo dos desperdcios, just in time). O segundo exemplo,
tambm de origem oriental, remete introduo do conceito de comando numrico
(CN) e, posteriormente, comando numrico computadorizado (CNC); contrariamente
a mquinas-ferramenta altamente especializadas e, portanto, pouco flexveis e
sujeitos a grandes economias de escala, as mquinas-ferramenta com CN/CNC
permitiam um processo de fabricao mais flexvel, tanto em relao aos tamanhos
de lote de produo quanto diversidade de produtos capazes de serem usinados
(SHIMA, 2006).
Nesses dois exemplos, as redes de firmas aparecem como uma alternativa ao
paradigma fordista, em fase de consolidao nos Estados Unidos, no incio do
sculo XX. Esta forma de produo apresenta, segundo Shima (2006), as seguintes
caractersticas: economia de escala, rigidez nos processos, elevado grau de diviso
e especializao do trabalho, desperdcio de materiais, grande uso de espao fsico
e elevado consumo de energia relativo s quantidades produzidas. A formao em
redes, por sua vez, como mostram os exemplos japons e italiano, apresentam uma
estrutura mais frouxa, marcadas por laos de parentesco e elementos culturais,
implicando alto grau de informalidade e viabilizando a produo em baixa escala.
2.5 AS REDES ATUAIS E SUA MORFOLOGIA
Com o desenvolvimento e proliferao das tecnologias de informao e
comunicao (TICs), a partir do final da dcada de 80, as redes passam a ter uma
conotao diferente, permitindo a reduo de custos de transao sem comprometer
a obteno de economias de escala e escopo. As formaes de oligoplios
mundiais, a proliferao de modelos de produo baseados no toyotismo, os
processos de reengenharia, value chain, make or buy, core business e o surgimento
34
de um novo paradigma de produo, so exemplos claros da dimenso tomada
pelas redes de firmas.
O conceito de redes de firmas aparece como uma crtica diviso entre o
agente econmico e o ambiente externo, pressupondo que o ambiente encontra-se
institucionalmente estruturado, a partir dos vnculos produtivos e tecnolgicos
existentes entre as firmas. Duas abordagens metodolgicas so possveis: a
caracterizao do processo de cooperao inter-industrial e o rle desempenhado
pelas instituies na coordenao das atividades econmicas.
De uma forma mais generalizada, as redes, de acordo com Britto (1999), vm
sendo utilizadas como recorte analtico para o estudo de estruturas complexas, tanto
no mbito das cincias sociais quanto das cincias exatas. Knoke e Kuklinski (1982)
afirmam:
Uma rede geralmente definida como um tipo especfico de relao que articula um conjunto definido de agentes, objetos e eventos. Tipos diferentes de relaes identificam redes distintas, mesmo quando impostas sobre um conjunto idntico de elementos [...] Estes elementos possuem determinados atributos que os identificam como membros da mesma classe de equivalncia, com o intuito de determinar a rede de relaes que se estabelecem entre eles"
.
Estes estudos analticos procuram, a partir da caracterizao morfolgica dos
elementos da rede, identificar as foras responsveis pela coeso interna e os
estmulos endgenos responsveis pela sua reproduo e transformao.
Morfologicamente, uma rede constituda de pontos, posies, ligaes e
fluxos. Os pontos (ou ns) representam um conjunto de agentes, objetos ou eventos
a partir dos quais a rede definida. Supem-se que estes pontos estejam
suficientemente integrados com os demais e que existam caractersticas ou atributos
comuns entre eles que permitam identific-los como pertencentes a uma mesma
classe de equivalncia. O estabelecimento de vnculos ocorre desta forma, seja por
similitudes entre os atributos, por complementaridades ou interdependncias. A
caracterizao destes pontos permite duas anlises distintas: as firmas como
unidades bsicas a serem investigadas e, neste caso, interpreta-se a consolidao
das redes como um subproduto intencional das estratgias empresariais adotadas; o
35
mapeamento das alianas, a investigao das caractersticas organizacionais e
tcnico-produtivas dos agentes so elementos importantes para a conduo deste
tipo de anlise, uma vez que sero eles os responsveis pelo estabelecimento de
interaes entre os agentes.
Outra perspectiva, agora enfocando determinadas atividades, possvel
quando se deseja investigar os fatores que explicam a sua aproximao-integrao
no interior de uma estrutura em rede. Ambas as perspectivas, quando avaliadas
isoladamente, apresentam, segundo Britto (1999), um poder explicativo limitado,
embora as anlises por atividades estejam mais relacionadas a indstrias maduras
e aquelas por agentes, a indstrias emergentes. A integrao destas duas
dimenses , na viso de Hakasson e Johanson (1993), a soluo que permite uma
anlise mais rigorosa das estruturas em rede.
As posies definem como os diferentes pontos localizam-se no interior da
rede. Dois padres so identificados: o padro de distanciamento (agregao dos
pontos que apresentam maior coeso nos vnculos estabelecidos ) e o de
agrupamento de pontos (grupos de pontos que apresentem um padro de
vinculao similar). Aplicada a rede de firmas, as posies esto associadas a certa
diviso do trabalho, responsvel pelo reforo da interdependncia entre os agentes
e a gerao de mecanismos especficos de coordenao de atividades produtivas.
As ligaes permitem distinguir estruturas dispersas de estruturas saturadas e
a sua natureza qualitativa pode ser extrada a partir do conceito de relacionamento.
Trs desdobramentos so ressaltados: gerao de foras endgenas de atrao
entre pontos, certa interdependncia entre pontos e uma capacidade endgena de
transformao da estrutura. Tratando-se de redes de firmas, estas ligaes tomam
uma configurao bastante complexa e devem ser referenciadas a dois aspectos:
forma e contedo. Entende-se por forma, o arcabouo contratual formal que regula a
relao entre os agentes.
Em relao ao contedo, pode-se distinguir trs tipos de ligao: plano
estritamente mercadolgico, integrao seqenciada de etapas ao longo da cadeia
produtiva e integrao de conhecimentos e competncias retidos pelos agentes.
Esta ltima com a vocao para viabilizar a obteno de inovaes tecnolgicas,
envolvendo um esforo tecnolgico conjunto e coordenado.
36
Por fim, os fluxos entre pontos da estrutura so definidos a partir dos
estmulos vinculados a cada ligao. Devem estar associados a mecanismos de
transmisso, recepo e decodificao de estmulos, apresentar duplo sentido e no
apresentam uma correspondncia necessria com o nmero de ligaes
estabelecidas entre pontos. Tambm possvel classific-los como fluxos tangveis
(transferncia de insumos e produtos) e intangveis (fluxos informacionais). Em
relao a estes ltimos, importante identificar o carter tcito das informaes
transmitidas, seu carter pblico ou privado, as informaes crticas transmitidas no
mbito das redes e os fluxos de autoridades.
O Quadro 1 apresenta de forma sinttica, as associaes mais comuns entre
os elementos genricos de uma rede e aqueles encontrados em uma rede de firmas.
Network Approach (Modelo Geral) Redes de Firmas
ns (nodes) ou vrtices firmas ou atividades
posies diviso de trabalho em cadeias
produtivas
ligaes (links) vnculos organizacionais, produtivos e
tecnolgicos
fluxos (flows) fluxos de transaes (tangveis) e fluxos
de informaes (intangveis)
QUADRO 1: ELEMENTOS ESTRUTURAIS DE ARRANJOS EM REDE.
Fonte: BRITTO, 1999, p.12.
A anlise da rede de firmas apresenta, segundo Britto (1999), alguns
problemas metodolgicos:
Por ser uma construo abstrata, os agentes econmicos integrados rede
no tem clareza em relao a suas caractersticas morfolgicas, relaes, conexes,
interaes, e interdependncias que se estabelecem no interior da mesma. Sugere-
se que investigaes empricas procurem avaliar o grau de auto-conhecimento dos
agentes sobre os arranjos em que eles esto presumidamente integrados.
37
As dificuldades encontradas para se delimitar as fronteiras da rede de firmas.
Observa-se que estes limites so geralmente arbitrrios e relacionados
interpretao do investigador. Assim, podem corresponder a um determinado ramo
industrial, tecnolgico, de produto, pas ou regio.
O processo de transformao pelo qual passam estas estruturas ao longo do
tempo. Duas questes so levantadas por Axelsson (1993) a este respeito: a
identificao emprica desta transformao e a correlao entre estas redes de
firmas e a evoluo das indstrias nas quais elas esto inseridas.
Uma estrutura em rede envolve, alm de aspectos morfolgicos, a
capacidade de absorver, interpretar e responder a estmulos externos e uma
capacidade de gerar e responder a estmulos internos, ou seja, ela apresenta uma
dinmica interna, responsvel por sua evoluo ao longo do tempo. Em relao
natureza dos fluxos responsveis pela gerao destes estmulos, pode-se distinguir
ligaes unidirecionais e bidirecionais (ECONOMIDES, 1996 apud BRITTO, 1999).
Observa-se, em relao aos arranjos onde predominam ligaes bidirecionais,
reforos de complementaridade e compatibilidade, necessrios viabilizao destas
ligaes.
Se por um lado, importante identificar os elementos constituintes e padres
de anlise das redes de firma, por outro, mostra-se tambm relevante, a
caracterizao do modus operandi destes arranjos. Com base na matriz terica
utilizada para a compreenso deste fenmeno, trs abordagens distintas so
possveis: a viso ortodoxa, concebendo as redes como instncias de gerao de
externalidades positivas e assimetrias informacionais; a viso neo-institucionalista,
formulada no mbito da teoria dos custos de transao, a partir da qual a formao
de estruturas hbridas de governana garantem a obteno de um maior nvel de
eficincia produtiva; e o referencial evolucionista neo-schumpeteriano, concebendo a
rede de firmas como instncias de aglutinao e aquisio de competncias a longo
do tempo, por meio de processos de aprendizado interativos e institucionalmente
condicionados.
Assim, a matriz terica neo-schumpeteriana aquela que melhor justifica a
formao de redes para os objetivos deste trabalho. Esta abordagem referencia a
consolidao das redes de firmas a uma eficincia dinmica, associada ao reforo
38
do potencial inovativo, proporcionado pela integrao de mltiplas competncias no
interior daqueles arranjos, dando nfase aos processos scio-cognitivos de
aprendizado. Trs dimenses bsicas destas competncias podem ser destacadas:
seu carter essencialmente tcito, complexo e profundamente inseridas em um
contexto organizacional especfico.
Duas linhas de desenvolvimento analtico emergem a partir do conceito de
competncia organizacional da firma: um enfoque mais operacional, buscando a
instrumentalizao da anlise de experincias empresariais que envolvam um
processo de construo e explorao destas competncias, utilizando o conceito de
ncleo de competncias e um segundo enfoque que avana na direo da
construo de uma teoria da firma competence-based. Em relao a esta ltima
abordagem, duas questes so fundamentais para sua formulao terica: a
construo de conceitos que expliquem como as decises so tomadas em um
ambiente de racionalidade limitada e de imprevisibilidade sobre questes ambientais
e uma explicao convincente da diversidade organizacional, originada tanto a partir
de foras endgenas quanto em conseqncia de mudanas ambientais.
A idia de rotinas organizacionais, desenvolvida por Nelson e Winter (1982) e
Dosi e Egidi (1991)so um elemento bsico para a formulao de uma teoria da
firma alternativa. Estas rotinas, associadas a um contexto de informao imperfeita e
imprevisibilidade, so elementos prticos que norteiam a construo de regras de
deciso. Alm disto, funcionam como um mecanismo de governana, coordenando e
compatibilizando a conduta dos agentes intra e inter-organizacionalmente.
Tendo em vista o dinamismo tecnolgico e as presses competitivas, as
configuraes em rede, dispondo de uma configurao organizacional adequada
(instncias autnomas estabelecendo entre si um intercmbio sistemtico de
informaes e competncias), tem a capacidade de condensar informaes
incompletas e fragmentadas recebidas do ambiente externo, identificando e
interpretando sinais competitivos. Observa-se um processo de elaborao de
convergncias no mbito da rede e um processo coletivo de tratamento de
informaes e busca de solues.
Outra caracterstica importante destes arranjos sua reversibilidade ou
flexibilidade, proporcionada pelos seguintes elementos: a incorporao de princpios
39
de compatibilidade entre produtos e componentes; a montagem de sistemas de
produo flexveis; a repartio dos investimentos de maior porte; e a reduo de
incertezas mercadolgicas e tecnolgicas, associadas configurao do sistema
produtivo. Alm destes, a compatibilizao dos esforos tecnolgicos, a
terceirizao de atividades especficas, a adoo de estratgias defensivas em
perodos de desacelerao cclica, o monitoramento mais amplo do movimento de
mudana tecnolgica, a compatibilizao de estruturas organizacionais, estilos
gerenciais e estratgias de conduta e a superao de limitaes que impedem a
formalizao de contratos entre os agentes, so outros fatores que explicam o
reforo da flexibilidade em um ambiente de rede de firmas (BRITTO, 1999).
A dimenso scio-cognitiva do aprendizado, inicialmente explorada por Arrow
(1962), compreendia este fenmeno como o resultado natural da experincia e
prticas acumuladas pela firma, podendo-se destacar os processo learning-by-doing
e learning-by-using. Este comportamento passivo da firma criticado pela escola
evolucionria e uma perspectiva mais pr-ativa do comportamento da firma
sistematizada por Malerba (1992), o qual identifica quatro caractersticas bsicas do
processo de aprendizado tecnolgico: um processo orientado, articulado a
diferentes fontes de conhecimento, cumulativo e viabilizador da explorao de novas
oportunidades.
Na anlise realizada por Cohen e Levinthal (1989), o estoque de
conhecimentos, definida como funo dos investimentos internos em P&D da firma e
de fontes externas, expresso pela equao:
Z = Mi + Yi (Mj + T) , onde:
Z = ampliao do estoque de conhecimentos da firma i;
Mi = investimento da firma em P&D;
Yi = capacidade de absoro do conhecimento externo, medida pela frao daquele
conhecimento que a firma se encontra apta a assimilar e explorar;
Mj = investimentos de outras firmas em P&D;
40
= medida de spill-over, isto , do grau pelo qual os esforos em P&D de outras
firmas vazam para um pool de conhecimentos potencialmente disponveis para a
firma em questo (0 1);
T = montante de conhecimento externo indstria potencialmente absorvvel pela
firma.
Com base neste modelo, as seguintes consideraes podem ser realizadas: o
estabelecimento de laos sistemticos entre firmas aumenta suas capacidades de
absoro de conhecimento, o efeito de vazamento relativo a fontes internas tende a
ser reforado, o intercmbio entre agentes favorece uma maior coordenao de
estratgias tecnolgicas, o acesso a conhecimentos externos indstria facilitado
e o impacto positivo de novos conhecimentos em termos de desempenho
tecnolgica ampliado.
Outro conceito associado dimenso scio-cognitiva refere-se ao
aprendizado organizacional, resultado do clima e cultura organizacional, das
polticas de recursos humanos e do aprendizado com o ambiente (clientes,
fornecedores e outros parceiros). Alm disto pode ser descrito a partir de analogias
com o aprendizado individual (DODGSON, 1993). No entanto, a repartio de
normas e valores definidos no plano social ou institucional uma caracterstica que
diferencia o aprendizado organizacional do individual.
Segundo Lundval (1988), em ambientes de rpido progresso tcnico, o
desenvolvimento, introduo e difuso de inovaes assume a forma de um
processo interativo de aprendizado, baseando-se num contnuo intercmbio de
informaes entre produtores e usurios que altera permanentemente as
capacitaes dos agentes. Algumas caractersticas importantes neste processo so:
a existncia de um fluxo sistemtico de informaes entre os agentes, certa
seletividade nos relacionamentos inter-industriais (consolidao da confiana mtua
entre os agentes), a necessidade de certo tempo para que o aprendizado se
desenvolva e a presena de um sistema de incentivos indutor deste processo. Por
sua vez, devem estar presentes neste contexto um processo social, to mais intenso
quanto mais complexo for o aprendizado, um continuo aperfeioamento dos cdigos
e canais de comunicao entre os agentes e a possibilidade de novas combinaes
41
para diferentes tipo de conhecimento (BRITTO, 1999 apud JOHNSON e LUNDVAL,
1992).
Esse processo acaba propiciando as condies para um aprendizado coletivo,
como resultado das externalidades geradas e da prpria institucionalidade
subjacente ao arranjo. Duas formas de aprendizado coletivo podem ser destacadas:
criao de conhecimento como resultado de um processo intencional de cooperao
(possibilitando economias de escala e ganhos de especializao intra-rede) e
circulao de conhecimento dentro da rede (como meio de transferncia
tecnolgica). Observa-se tambm, a partir dos mecanismos endgenos de
aprendizado, um processo de learning-by-learning, que envolvem: o aprendizado
sobre os parceiros, o aprendizado sobre os objetivos e o aprendizado sobre os
resultados.
O enfoque neoschumpeteriano d nfase ao processo de co-evoluo entre
tecnologia e formas organizacionais, como soluo para a crescente complexidade
do sistema tecnolgico assim como das instituies funcionais evoluo deste
sistema. Neste contexto, um modelo de desenvolvimento em rede, devido a suas
caractersticas o mais adequado para acelerar e flexibilizar o processo inovativo
(ROTHWELL, 1992).
A abordagem evolucionista do conceito de redes de firmas refora de maneira
inquestionvel, o importante papel desempenhado pelo aprendizado e em
conseqncia, pelo conhecimento criado e acumulado no processo de inovao
tecnolgica. Assim cabe, para fins deste estudo, compreender de maneira mais
profunda, os mecanismos de criao do conhecimento organizacional.
2.6 PROMOVENDO A INOVACO A PARTIR DA GESTO DO CONHECIMENTO
ORGANIZACIONAL
A gesto do conhecimento organizacional uma referncia terica
importante para esta pesquisa, pois trar elementos que permitem compreender e
analisar os mecanismos utilizados pelo RTA e pela Renault do Brasil para tratar o
conhecimento organizacional, compreendido como fonte de vantagem competitiva,
42
elemento motor da inovao. Este comportamento ser avaliado tanto do ponto de
vista intra-firma quanto com a rede, representando assim, um meio para avaliao
do nvel de interao deste agente com o sistema nacional de inovao. Esse um
termo relativamente recente, surgido durante a dcada de noventa, como resultado
dos estudos realizados por Nonaka e Takeuchi (1997). Busca compreender,
organizacionalmente, os processos organizacionais que levam criao do
conhecimento. A partir deste trabalho pioneiro, diversas contribuies foram feitas,
podendo-se citar Von Krogh (2000), Terra (2000), Choo (2006) e Fayard (2010).
A teoria da criao do conhecimento de Nonaka e Takeuchi (1997), baseia-se
num comportamento dialtico do agente transformador, que gera a sntese (o novo
conhecimento), a partir do paradoxo e da falsa dicotomia. Define o conhecimento
como um processo dinmico de justificar a crena pessoal com relao verdade,
servindo-se da informao como um material necessrio para ser extrado e
construdo, e sendo alterado por ela. Na dimenso ontolgica, o indivduo quem
cria o conhecimento. A criao do conhecimento organizacional ocorre assim, a
partir das trocas de conhecimento entre indivduos, ultrapassando fronteiras
departamentais e organizacionais.
Epistemologicamente, a interao entre dois tipos de conhecimento:
conhecimento tcito e conhecimento explcito, que promove a criao do novo
conhecimento. O conhecimento tcito corresponde ao conhecimento que est
impregnado ao indivduo, intrnseco ao mesmo, pessoal. Tem um forte componente
subjetivo, relacionado s suas crenas, sua moral, aos seus modelos mentais, ao
seu meio (famlia, escola, amigos, sociedade). E por estas razes, dificilmente
mensurvel, extravel, transfervel, explicitvel (NONAKA e TAKEUCHI, 1997).
O conhecimento explcito, por outro lado, todo conhecimento facilmente
expresso pela linguagem (escrita, oral), de imagens (desenhos, fotografias, grficos,
tabelas, fluxos) e desta forma, pode ser medido, extrado, transferido, explicitado
com facilidade. Assim, pode-se dizer que o conhecimento tcito no tem uma
representao consciente. O seu corpo, os seus estmulos, os seus movimentos, o
seu raciocnio levam a uma ao que inconsciente mas que ainda assim provoca
um resultado desejado: danar, tocar um instrumento musical, andar de bicicleta,
tomar decises complexas, so aes que tm uma forte parcela de conhecimento
43
tcito. Exposies orais, manuais, procedimentos, catlogos, filmes, livros, normas e
cdigos so componentes do conhecimento explcito.
a interao social entre estes dois tipos de conhecimento, designada
converso de conhecimento, que promove a criao do conhecimento humano. Este
um processo social, que ocorre entre indivduos e no individualmente. Tomando-
se os dois tipos de conhecimento, quatro modos de converso so possveis: tcito-
tcito (socializao), tcito-explcito (externalizao), explcito-explcito (combinao)
e explcito-tcito (internalizao).
A fase de socializao corresponde transferncia de conhecimento tcito
para tcito. Em funo das caractersticas deste tipo de conhecimento, essencial
nesta fase o contato entre as pessoas, preferencialmente fsico e que gere vnculos
de relacionamento. Sero principalmente por meio destes vnculos e dos sentidos
(olfato, audio, viso, toque, paladar) que ocorrer a transferncia nesta fase do
processo.
Uma vez transferido e adquirido o conhecimento tcito, necessrio
externaliz-lo. Esta fase de transferncia do conhecimento tcito em explcito
denominada externalizao. A definio de um caderno de especificaes, um
procedimento, um fluxograma, um algoritmo, um conceito, um smbolo, so
exemplos de externalizao ou explicitao de conhecimentos.
A fase seguinte, denominada combinao, corresponde transferncia de
conhecimento explcito para explcito. Os mtodos relacionados gesto da
informao, envolvendo captura, catalogao, armazenagem, recuperao e
disseminao da informao, esto associados a esta fase.
A internalizao corresponde transferncia de conhecimento explcito para
tcito, ou seja, envolve o processo de assimilao do conhecimento, da cognio, da
incorporao daquilo apreendido aos seus modelos mentais, culturas e crenas. O
conhecimento adquirido passa desta forma a estar impregnado ao indivduo, tendo
um valor nico, resultado de todo o processo cognitivo que ocorreu durante sua
existncia.
As mudanas nos modos de converso so induzidos por diversos fatores: a
construo de um campo de interao, que promove a socializao, facilitando o
44
compartilhamento de experincias e modelos mentais; o dilogo e a reflexo,
induzindo externalizao; a cristalizao do conhecimento recm-criado em uma
rede, por meio da combinao e por fim, o aprender fazendo provoca a
internalizao.
Os mecanismos de criao do conhecimento descrevem desta forma, os
modos de transferncia entre conhecimento tcito e explcito, no plano
epistemolgico, e de individual a inter-organizacional, no plano ontolgico, em um
movimento espiral e dialtico, resultando em conhecimento superior e mais
abrangente em relao quele que lhe deu origem. Este comportamento
apresentado na Figura 5. Observa-se o conhecimento sendo transferido do nvel
individual para interorganizacional (dimenso ontolgica) por meio das converses
entre conhecimento tcito e explcito (dimenso epistemolgica). A medida que este
conhecimento ontologicamente difundido, sua dimenso epistemolgica tambm
tambm afetada, evoluindo para nveis superiores, por meio dos processos de
combinao e socializao (NONAKA e TAKEUCHI, 1997).
45
Dimensoepistemologica
Dimensoontologica
Nivel de conhecimento
Conhecimentoexplicito
Conhecimentotacito
Individual Grupo Organizao Interorganizao
Externalizao
Internalizao
Combinao
Socializao
FIGURA 5: ESPIRAL DE CRIAO DO CONHECIMENTO ORGANIZACIONAL.
Fonte: NONAKA&TAKEUCHI, 1997, p. 82.
A partir dos conceitos desenvolvidos por Nonaka e Takeuchi (1997), Von
Krogh, Ichijo e Nonaka (2000), buscam compreender os elementos facilitadores da
criao do conhecimento. Para isto, associam a cada fase do processo de criao
do conhecimento, seus principais capacitadores (Quadro 2): instilar a viso do
conhecimento, gerenciar as conversas, mobilizar os ativistas do conhecimento, criar
o contexto adequado e globalizar o conhecimento local. De acordo com estes
autores, a eficcia da criao do conhecimento depende de um contexto
capacitante, ao qual se pode associar o conceito de ba. O ba, ou local
fenomenolgico onde ocorre a criao do conhecimento, envolve os espaos fsico,
virtual e mental. Este contexto capacitante est diretamente relacionado solicitude
da organizao, a qual por sua vez, pode ser compreendida a partir dos conceitos
de confiana mtua, empatia ativa, acesso ajuda, lenincia no julgamento e
coragem. Assim, uma organizao com baixa solicitude, ter dificuldade em
46
compartilhar o conhecimento individual e o conhecimento social ser realizado
basicamente por meio de trocas de conhecimento explcito. J as organizaes com
alta solicitude favorecem a transferncia do conhecimento individual, a partir do
compartilhamento de insights e o conhecimento social ser marcado pela
convivncia, pelo compartilhamento de um conceito, promovendo um processo de
criao de conhecimento mais eficaz.
CAPACITADORES DO
CONHECIMENTO
Compartilhamento
do conhecimento
tacito
Criao de
conceitos
Justificao
de conceitos
Construo de
prototipos
Nivelao de
conhecimento*
Instilar conversas
Gerenciar as conversas
Mobilizar os ativistas
Criar o contexto
adequado
Globalizar o
conhecimento local
QUADRO 2: CAPACITAO PARA O CONHECIMENTO: A GRADE 5 X 5.
Fonte: Von KROGH ; ICHIJO ; NONAKA, 2001, p. 18.
O primeiro capacitador, instilar a viso do conhecimento, busca trazer para a
organizao, a necessidade de compreender o mundo em que se vive, o mundo em
que os membros da organizao devem viver e os conhecimentos que estes
membros devem buscar e criar. Sete critrios podem ser utilizados para aferio da
qualidade da viso do conhecimento: comprometimento com uma trajetria,
fecundidade, especificao de estilo, foco na reestruturao do sistema de
conhecimento vigente, foco na reestruturao do atual sistema de tarefas,
comunicao de valores externos e comprometimento com o desenvolvimento da
competitividade (Von KROGH; ICHIJO; NONAKA, 2001).
47
O gerenciamento das conversas fundamental em todas as fases de criao
do conhecimento. No entanto, quatro princpios devem ser aplicados para nortear
boas conversas: estimular ativamente a participao, definir regras de etiqueta para
as conversas, editar as conversas de maneira apropriada e fomentar a linguagem
inovadora.
Os ativistas do conhecimento devem ser elementos catalisadores e
coordenadores de iniciativas de criao do conhecimento, e devem ser
preferencialmente associados a gerentes de nvel mdio.
Criar o contexto adequado para a criao do conhecimento envolve espaos
fsicos, virtuais e mentais. As interaes virtuais e face a face, a escolha da estrutura
organizacional adequada ao contexto e as relaes entre objetivos estratgicos e
conhecimento so fatores que devem ser tomados em conta para o surgimento do
ba. Criao de unidades independentes e deslocamento de pessoal entre unidades,
seguido por mecanismos de gesto que garantam a articulao e sinergia entre as
unidades um exemplo de estrutura organizacional promotora de um contexto
adequado.
A globalizao do conhecimento local envolve antes de tudo uma re-anlise
da questo do controle do conhecimento no tempo e no espao. O processo de
transmisso de conhecimentos explcito e tcito, deve ser desencadeado a partir da
identificao de oportunidades de negcios, sejam para garantir a paridade das
unidades, vantagens competitivas ou vantagens competitivas sustentveis. Estes
conhecimentos, na seqncia devem ser adequadamente embalados e expedidos e
por fim, devem ser recriados no destino. Correio eletrnico, equipe de projeto,
seminrios e treinamentos podem ser utilizados como meio de expedio dos
conhecimentos (Von KROGH; ICHIJO; NONAKA, 2001).
Por sua vez, Choo (2006), integra o papel estratgico da informao no
processo decisrio. Segundo o autor, a organizao usa a informao para dar
sentido s mudanas do ambiente externo, cria, organiza e processa a informao
de modo a gerar novos conhecimentos por meio do aprendizado e buscam e
avaliam as informaes de modo a tomar decises importantes (Figura 6). Neste
sentido o uso da informao construdo, situacional e dinmico (CHOO, 2006,
p.111).
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Criao de significado
Construo doconhecimento
Tomada de deciso
Correntes de experincia
Significados comuns
Novosconhecimentose capacidades
Comportamentoadaptativoorientado para objetivos
FIGURA 6: O CICLO DO CONHECIMENTO.
Fonte: CHOO, 2006, p. 51.
A natureza da criao do significado organizacional vista como um processo
fundado na construo de uma identidade, retrospectivo, interpretativo de ambientes
perceptveis, social, contnuo, focado em e por pistas extradas e governado mais
pela plausibilidade do que pela preciso. As principais atividades na criao de
significado so sondar, notar e interpretar.
Um comparativo entre os processos de criao do conhecimento, realizado
por Choo (2006), mostra semelhanas: Wikstrm e Norman, Nonaka e Takeuchi e
Leonard Barton desenvolvem abordagens que envolvem o compartilhamento de
conhecimento tcito, a externalizao do conhecimento e a sua disseminao.
Mais uma vez, as condies promotoras da cultura da inovao envolvem o
propsito organizacional, autonomia, flutuao e caos criativo, disponibilidade da
informao e variedade indispensvel (NONAKA e TAKEUCHI, 1997).
A tomada de deciso envolve a conhecida teoria da racionalidade limitada, o
que leva a busca de solues satisfatrias e no timas e a simplificaes
49
cognitivas. Os modelos de tomada de deciso, segundo Choo (2006),
compreendem: modelo racional, modelo poltico, modelo processual e modelo
anrquico.
A necessidade, a busca e o uso da informao apresentam diferentes
dimenses: cognitiva, emocional e situacional e estaro presentes nos processos de
criao de significado, criao de conhecimento e tomada de deciso.
Uma outra abordagem da gesto do conhecimento realizada por Fayard
(2010). Ele realiza uma interpretao ocidental do modelo japons da gesto do
conhecimento, a partir da conceitualizao dos conhecimentos intuitivo, colaborativo
e da criao do conhecimento e como estes podem influenciar a cultura, o espao,
as comunidades e a tecnologia.
O budo ou conhecimento intuitivo traduz-se por uma filosofia da ao cujos
valores essenciais so a subjetividade e a devoo. A cultura do samurai, marcada
pela harmonia com a natureza, que garante a invencibilidade, a educao da
intuio, permitindo a captao da realidade por intermdio do corpo e o tratamento
do sinal fraco, a ateno particular dada s interaes, a ao repentina e a noo
de ritmo so caracterstica deste conhecimento.
O ba ou conhecimento colaborativo envolve um espao, contexto e significado
compartilhados em movimento (FAYARD apud NONAKA, 2010). Neste sentido, a
dimenso cultural essencial para garantir este compartilhamento.
O kata ou criao do conhecimento, desenvolvido por
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