História de Natal

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Uma história de Natal

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Esta história começa com um grito aflito

A avó estava a fazer os doces de Natal. Tinha massa até

aos cotovelos, farinha no nariz, nos óculos e no cabelo;

apesar de tudo isto tinha também um ar muito satisfeito.

Os tempos estão maus, o dinheiro não chega para tudo,

mas um docinho de Natal leva à boca da família coisas que

o coração entende e até exige, mesmo sem saber.

Era o que pensava a avó, que tinha jeito para pensamentos

destes, coisas quase de poeta, palavras bonitas,

saborosas, de Natal.

O que foi minha filha?

A avó estava a fazer doces de Natal e deu um salto, assustada. Foi a massa ao ar, duas gemas chocaram numa taça, polvilhou-se açúcar pela bancada da cozinha…

As avós gostam de chamar filhas às netas, como se as netas fossem duas vezes suas filhas.

Estava? Não está? Se esteve, onde estará?

Avó! Estava um Pai Natal azul sentado na nossa sala

de estar!

A avó arregalou os olhos bem arregalados, como se tivesse visto, ela também, um Pai Natal azul sentado na sala de estar. E balbuciou (gaguejou, quero eu dizer)

Um Pai Natal? Azul?!

Já é difícil acreditar num Pai Natal,

quanto mais num Pai Natal azul…

Existe, não existe?Existe, não existe?

Será que existe?Será que existe?

Será que existe?Será que existe?

Será que existe?Será que existe? ?

O Pai Natal tinha razões para estar vestido de azul, para estar sentado naquela sala de estar, para ter fugido espavorido ao ver a rapariguinha…

A verdade é que está acocorado, escondido, a tremer atrás de um sofá azul. Quase não se nota, cor com cor, azul com azul, sombra com forma. O Pai Natal não era azul. Estava vestido de azul forte, cor de mar à noite, cor de céu à tarde. Cor de certos olhos que vêem o mundo com olhos azuis.

A rapariguinha que agora gaguejava, puxava a avó e apontava:

Ali, ao pé do pinheiro!!!

Eu até nem acho que o Pai Natal seja para a minha idade! Isso é coisa para meninos

pequenos!!!

A avó dizia, lá com os seus

pensamentos e botões…

Não é para a tua idade? Ele é mais da tua idade do que da minha idade, avó!!!

O pinheiro! O Pai Natal azul tinha vindo observar o pinheiro. Aquele pinheiro estava decorado com muita imaginação: restos de fitas de seda e de chita armados em laçarotes e espalhados como serpentinas, estrelas feitas à mão, frutas artificiais, coloridas, penduradas com cordéis pintados de dourado, plantas secas com cores fantásticas, uns berlindes de vidro, até um pedaço de qualquer coisa brilhante que tinham encontrado numa gaveta e ninguém sabia para que servia.

Seria…

Do vestido da avó?

Da gravata do avô?

Do emprego da mãe?

Do clube do pai?

Dos sonhos do filho?

Este ano vou decorar a minha casa com folhas delicadas de árvores espantosas, com cristais de neve desses difíceis de

ver nos flocos que caem do céu quando está frio, vou encher as mesas de bagas coloridas e de vidros coloridos todos os recantos. Este ano, eu também quero ter Natal.

Uns doces de saborear? Paz no mundo?

Lojas cheias?Carteiras vazias?Férias na escola?

Família?

Que coisa complicada!!! Afinal, o que é ter Natal???É ter mimos especiais?Um beijinho ao deitar?Um monte de prendas e embrulhos?

O Pai Natal não sabia.O PAI NATAL … NUNCA TINHA TIDO

NATAL!!!E muito menos prenda de Natal!!!

Mas eu sou o Pai Natal !!!Vim apenas deixar uma

prenda e ver como é que vocês …

A avó foi buscar, a correr, uma colher de pau, voltou a correr com a colher de pau, deu a valer com a colher de pau no toutiço do Pai Natal!Toma, intruso!!!

Como te atreves a entrar na casa dos outros?

Gemeu o Pai Natal, a esfregar o alto do seu barrete azul de Pai Natal azul.

O Pai Natal fingiu que chorava de dor da pancada com a colher de pau, mas estava mesmo a chorar de tristeza: afinal, quem dá prenda ao Pai Natal?

Como é que nós o quê…???

Prova-me que és o Pai Natal!

Como é que vocês vivem o Natal? Eu gostava tanto de

ter um Natal como o vosso…

O Pai Natal tirou do bolso azul do seu fato de Pai Natal azul uma carteira

vermelha e mostrou fotografias

Os duendes a trabalhar na fábrica

de brinquedos!

Aquela vez em que fiquei umas horas

entalado numa chaminé!

Uma voltinha de trenó, com as renas, sobre a linha

imaginária do círculo polar ÁRTICO! Vejam os ursos polares, que espantados.

Uma voltinha de trenó pelo Antárctico

Vejam os pinguins, que admirados.

Um Natal em que levei por engano uns cachecóis aos

meninos do Brasil, que estavam a comemorar o

Verão e o Natal ao mesmo tempo…

O saco gigante onde transporto os brinquedos.E a minha foto

quando ainda não tinha barbas!

Não sei!Não sei!

Até isso me aflige! Porque hei-de usar estas barbas enormes, se não

se usa barbas enormes?

Ai que giro! Que belo rapaz!

Disseram em coro a avó e

a neta

Dieta equilibrada para uma vida bem

tratada!

E esta barriga!!! Não terei de fazer dieta?

Isto é um risco enorme, ser obeso faz muito mal

à vida!

E para dar um toque de moda à minha vida monótona, resolvi vestir-me de azul, neste Natal…

Posso ter a cor que quiser: cor-de-rosa,

azul, lilás, verde, anil, amarelo, fúcsia,

beringela, cor-de-laranja, magenta …

As coisas que tu dizes!!! Nem pareces

o Pai Natal

Isso quebra a tradição

Mas o que mais me entristece é nunca ter tido

Natal!!! Um Natal como aquele que

todos os que festejam o Natal costumam ter…

A avó olhou para as provas e concluiu:

Apesar de estar vestido de azul, deves ser o Pai NatalPois sou!

Vamos ajudar-te. Dar-te ideias. Formar-te! Uma boa educação

traz sempre bons frutosEu só quero ter uma

prenda de Natal!!!

Eu acho que tenho uma solução!

Deves estar a pensar naquilo que eu estou a

pensar

O Pai Natal pensou tanto que se cansou e, cansado, adormeceu.

Quando o Pai Natal acordasse veria um grande convite à sua frente, escrito numa bela letra sobre uma bela cartolina decorada com belos desenhos de Natal feitos pela neta e pela avó.

Fui convidado para uma noite de Natal em

família!!!

O Pai Natal acordou. Viu o convite. Pôs os óculos para ler e leu e emocionou-se muito!

Desfez-se em mil agradecimentos e partiu…

Na noite de Natal, sentou-se à mesa com a avó, a neta e os restantes elementos daquela família tão simpática. Deu prendas a todos e recebeu prendas de todos eles:um livro sobre dietas alimentares;um estojo com pente, tesoura, lâmina e espuma de barbear;uma bicicleta de ginásio.

Um fato vermelho que afinal, dá tanta graça ao Pai Natal.E ele deu ainda a sua palavra de honra que ia mudar de aspecto, ser mais cuidadoso na forma de comer e de vestir e de cuidar de si…

Quem dá prendas ao Pai Natal?Damos nós, que acreditamos nele…

ALEXANDRO HONRADOALEXANDRO HONRADOEscritor e jornalista português nascido a 1 de novembro de 1960, em Lisboa. Autor essencialmente de literatura infantil e juvenil, recebeu prémios e menções honrosas. Começou a escrever muito cedo, textos que publicava em jornais. Licenciado em História, dedica-se ao ensino e à televisão. Foi um dos que participou na preparação do famoso programa Rua Sésamo . Tem dezenas de livros publicados, dos quais destacamos Uma Chuvada na Careca (1989), um dos seus grandes êxitos, O Vizinho Misterioso (1991), A minha vida não é nada disto (1997), História dentro de uma Garrafa (2000) e O Amor contado aos Jovens...e aos outros (2000).

Bibliotecas Escolares do 1º CicloBE dos Correios

BE Livros na AreiaAgrupamento Vertical de Escolas Julio Saúl-Dias

Vila do Conde

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