História de Emi

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História de Emi

uma nova história do

Mestre Rabiscador

Naquele tempo, para lá das altas montanhas de Portugal, a vida era quase selvagem

A vida era difícil, havia escassez de comida e as casas eram frias

Durante o Verão trabalhavam sem descanso para tirar da terra algo para comer

Durante o longo e frio inverno tinham pouco que fazer e pouco que comer

Foi exatamente numa dessas aldeias que nasceu, no último dia de Verão, uma linda menina.

No primeiro dia que viveu na Terra, a noite e o dia tiveram exatamente as mesmas horas. Os pais puseram-lhe o nome de Emi

Talvez por isso,Emi sempre procurou aJustiça e a verdade

A escola ficava longe da aldeia. As crianças tinham que acordar ainda de noite e fazer um longo caminho no meio da floresta para lá chegar.

As crianças iam sempre juntas para a escola, para evitar os lobos e toda a espécie de monstros que viviam na floresta

A professora zangava-se porque as crianças iam para a escola sem sapatos. Os pais não tinham dinheiro para os comprar. Então a professora mandava os miú-dos regressar à aldeia buscar sapatos.

As crianças tinham de voltar a casa para buscar sapatos. As pessoas da primeira aldeia por onde passavam tinham pena e emprestavam-lhes sapatos , mas grandes.

As crianças voltavam à escola com sapatos enormes nos pés e entre grandes risadas. A professora ficava ressabiada, mas nada podia fazer: os miúdos estavam calçados!

No Verão havia festas nas aldeias próximas. Emi ia com os pais e gostava de comer bolo e ouvir a música.

Na feira, os homens bebiam vinho, ficavam excitados e havia zaragata. Emi tinha medo e pedia ao pai para se irem embora

Durante o inverno, passava as longas noites a ouvir as histórias do pai sobre os antigos, junto à lareira.

Depois da escola, as crianças tinham de trabalhar no campo para ajudar os pais

Emi era a melhor aluna da escola. A sua mãe achava que ela devia continuar os estudos, após concluir a escola primária.

O Pai não estava de acordo, necessitava que Emi trabalhasse no campo para ajudar a família. Por fim, contrariado, lá aceitou.

A nova escola ficava longe e Emi só podia vir a casa durante as férias, no velho e vagaroso comboio.

Ficou alojada na casa de duas velhas, conhecidas de um conhecido de um conhecido do pai. Mas elas eram duas malvadas.

As malvadas liam e censuravam as cartas que Emi escrevia. Quando o pai mandava comida boa, presunto, couves, queijos, as malvadas comiam quase tudo.

Mas o que mais a entristecia era que, quando o pai se atrasava no pagamento quarto ,as ve-lhas malvadas diziam que ele era um teso e que nunca deveria ter mandado a filha estudar.

Durante os fins de semana Emi aborrecia-se. Todas as crianças iam para casa da família, mas Emi ficava com as malvadas, sem ter nada que fazer.

Numa tarde de domingo foi até ao jardim daquela cidade. Aí havia um lago com peixes ver-melhos. Emi estava habituada a ir a pesca no rio, com o seu pai.

Emi conseguiu apanhar um dos peixes vermelhos e levou-o para casa, pensando que as malvadas ficariam contentes e poderiam comê-lo. Elas riram-se da façanha e ridiculari-zam Emi.

Dessa vez, como em outras ocasiões, as malvadas aplicaram castigos cor-porais à Emi , coisa que nesses tempos não era considerada condenável.

Quando Emi voltava a casa e os pais lhe perguntavam como ia a sua vida, ela respondia que as malvadas a tratavam bem. Não queria apoquentar os pais que tantos esforços já faziam.

Durante as férias Emi tinha obrigatoriamente de trabalhar no campo. Quer dizer, as férias não eram férias.

A professora disse à mãe de Emi que a miúda era inteligente e tinha capa-cidades para estudar na escola exclusiva da grande cidade, onde só iam os filhos dos ricos.

O pai acabou por assentir em mandar a filha estudar para a longínqua ci-dade branca, mesmo que para tal tivesse de matar uma vaca, um porco e abater vinte árvores.

O pai queria que ela estudasse leis, para defender os desprotegidos. Ela gostava de ser engenheira. Porém, nesse tempo, os portugueses achavam que tal profissão não era adequada para mulheres.

Tinha a ambição de conhecer todas as plantas do Mundo e com algumas delas pro-duzir produtos bons para a saúde. Foi estudar para a escola de plantas.

Pode parecer insólito, mas a escola das plantas não ficava no campo, mas na grande cidade, a cidade branca, a do castelo, a das colinas. Emi foi viver para lá.

Emi extasiou-se com a luz da grande cidade, com os pregões matinais dos vendedores e vendedoras e com as feéricas luzes noturnas. Que diferença da quietude da aldeia!

Emi achava a gente da cidade esquisita e hiper-ativa, como agora se diz das crianças. Sentia muitas saudades do barulho do rio, do chilrear dos pássaros, da família e do cheiro da terra.

Emi ficou depecionada com a ciência que aprendia na escola. Não seria com tais conheci-mentos que podia ajudar os camponeses. Também percebeu que na cidade havia malvados que controlavam a vida de toda a gente.

Mas num dia, num só dia, tudo mudou. A liberdade passou por ali, as pessoas começaram a dizer aquilo que tinham engolido durante anos. Foram uns tempos de sonho sem sono que Emi viveu. A cidade branca ficou vermelha de cravos.

Foi bonita a festa! Todavia, uns tempos depois, já muitos cinzen-tos, tecnocratas e calculistas mandavam. Pouco lugar para o sonho, as mudanças e as ilusões! Paciência.

Por fim EMI terminou os estudos. Foi a melhor. Ia agora pro-curar trabalho.

Emi conseguiu trabalho numa grande e prestigiada organização, que se preocupava pelo futuro do Planeta e queria combater a fome.

Sucede que nesse tempo começavam a aparecer os sinais da alteração do clima:a falta de água e os fogos. Contudo, naquela altura, os políticos consideravam o tema pouco interessante. Não dava votos.

Emi teve a ideia de realizar uma barragem para guardar água para regar a terra. Assim, os agricultores melhorariam a sua vida”. Para isso tinha de con-vencer um exército de burocratas e de políticos!

Por esses tempos, Emi já tinha conhecido um jovem rapaz sonhador que gostava de desenhar e de contar histórias. Andavam sempre juntos.

Havia homens importantes que queriam gastar o dinheiro do país noutras coisas, mas Emi ganhou e conseguiu que se fizessem barragens e canais. Naquele país nunca mais houve inundações de inverno nem seca no Verão.

Um dia, quando passeava com o rapaz sonhador numa floresta de sequóias, sen-tiu-se mal, com dores. Estava doente.

O rapaz baixou-se para ajudar Emi a levantar-se do chão. Nesse instante, viu um vulto escuro que os observava, escondido atrás duma centenar árvore.

Emi não melhorava. Os médicos diziam coisas estranhas e desviavam o olhar. O rapaz sonhador resolveu voltar ao bosque misterioso para ter uma conversa com a Morte.

O rapaz disse à Morte que Emi fazia muita falta, pois ainda tinha muitas coi-sas boas para realizar. Propôs-lhe que levasse outra pessoa. Um malvado, por exemplo. A Morte tossiu e disse, enfadada, que não era assim que as coisas se passavam.

Emi ficou cada vez mais doente. Um dia a Morte veio buscar-la. O rapaz pensou em ir atrás dela, mas, nesse momento teve um pensamento.

O rapaz lembrou-se que, uns dias antres, Emi tinha dito: “depois podes falar de mim aos nossos netos. E quando existir internet, conta a história, os leitores vão sorrir.

FIM

História de EmiMestre Rabiscador

(Rui Cavaleiro)

História de Rui Cavaleirocontada e ilustrada, no Twitter,

com desenhos do Mestre Rabiscador,entre 10 de Novembro e 30 de Dezembro de 2019