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8/7/2019 HOmem e natureza Uma relaao conflitante ao longo da historia
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REVISTA MULTIDISCIPLINAR DA UNIESP
SABER ACADMICO - n 06 - Dez. 2008/ ISSN 1980-5950
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HOMEM-NATUREZA:
UMA RELAO CONFLITANTE AO LONGO DA HISTRIA
GONALVES, Jlio Csar1
Este texto surgiu como resultado de uma pesquisa pessoal na tentativa de
buscar algumas respostas a diversos questionamentos que surgiram em um bate-papo
entre alguns amigos da Ps-Graduao em Tecnologias de Informao e Comunicao,
Educao Ambiental e Gerenciamento de Recursos Hdricos, pela UNESP de
Presidente Prudente.
Na ocasio, a discusso girava em torno da pergunta: Por que o homem est
cada dia menos preocupado com o meio ambiente, seu habitat? E outra pergunta
emergiu, antes mesmo que tentssemos responder primeira: Desde quando o homem
tem olhado a natureza desta forma? Foi o suficiente...
Entre questionamentos e respostas, tentamos analisar, do ponto de vista
histrico, as interaes humanas em seu meio ambiente (entenda por meio ambiente no
apenas os aspectos naturais, mas tambm o espao de relaes entre os homens).
No de hoje que ouvimos falar das grandes ameaas que o planeta vem
sofrendo por conta da interferncia direta do ser humano na natureza com fins na
extrao de recursos naturais, matria-prima e pela obteno de alguma vantagem.
Da mesma forma que tal interferncia no nova, a relao homem-natureza
tambm no o , pelo contrrio, to antiga quanto a prpria existncia humana na
Terra. O que se pode perceber a ocorrncia de uma mudana na viso-de-mundo do
homem no decorrer da histria e, por conseqncia, de sua ao no meio natural, uma
vez que a natureza no est dissociada da histria da humanidade nem tampouco das
manifestaes culturais que a cerca, se entendermos por cultura, grosso modo, a
interveno humana no que natural.
Os grandes problemas to divulgados pelos veculos de comunicao, tais
como: os desmatamentos, a desertificao, a perda da biodiversidade, a depleo da
camada de oznio, o efeito estufa, o superaquecimento global, a crise da gua potvel, o
crescimento demogrfico e a cultura consumista, a produo de enormes quantidades de
lixo, a biopirataria e tantos outros complicadores, surgem pela autodesignao do
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homem como dominador da natureza. Contudo, podemos perceber que nem sempre foi
assim.
No princpio as relaes do homem com a natureza eram permeadas de mitos,
rituais e magia, pois se tratava de relaes divinas. Para cada fenmeno natural havia
um deus, uma entidade responsvel e organizadora da vida no planeta: o deus do sol, do
mar, da Terra, dos ventos, das chuvas, dos rios, das pedras, das plantaes, dos raios e
troves etc. O medo da vingana dos deuses era o moderador do comportamento dessas
pessoas, impedindo uma interveno desastrosa, ou, sem uma justificativa plausvel ante
a destruio natural.
Para cortar uma rvore, por exemplo, havia a necessidade de uma justificativa
que assegurasse, no mnimo, a sobrevivncia como a construo de uma casa ou de
um barco. Rituais eram utilizados para se desculpar pelo ato to cruel que estava
sendo cometido. Natureza e homem era a mesma coisa.
Com a evoluo da espcie humana, o homem arrancou os deuses da natureza
e passou a destru-la como se ele prprio fosse divino, cheio de poderes absolutos. A
partir de ento, a natureza comeou a perder o seu status de me da vida. O desejo
desenfreado pelo poder e pelo dinheiro, fez com que o homem mudasse sua concepo
como parte do natural. Natureza e homem passaram a ser duas coisas distintas.
Marilena Chau (2003) relata que esta dicotomia nas relaes homem-natureza
datada a partir do sculo XVIII muito embora encontramos fatos anteriores data
estipulada pela autora que, talvez tomou este ponto da histria, atravs de um marco
especfico.
At ento, predominava a idia de que a ao humana deveria existir para
assegurar um aperfeioamento prpria natureza do homem, isto , tais aes do
homem constituam-se a interveno deliberada e voluntria dos homens sobre anatureza de algum para torn-la conforme aos valores de sua sociedade (CHAU,
2003, p. 47).
Desse modo, a interveno humana na natureza (como meio externo ou como
essncia, caracterstica de si mesmo) chamada de cultura, uma vez que a palavra
cultura tem por significado o cuidado do homem com a natureza, cultivo. Diante desta
perspectiva, a cultura era a moral (quando se trata dos costumes da sociedade), a tica
(a conduta e o carter das pessoas atravs da modelagem do seu ethos natural pela
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no se pode entrar duas vezes num mesmo rio, pois entendia que nem o rio seria o
mesmo, nem a pessoa que nele mergulhasse.
Do pensamento de Herclito e dos eleticos3 surge a filosofia mecanicista e o
atomismo, com a concepo de que tudo o que existe no Universo nasce, ou da
necessidade, ou da contingncia, isto , nada nasce do nada, nada retorna ao nada. Tudo
tem uma causa. Dessa concepo podemos destacar Empdocles (490-430 a.C.) que
considerava a existncia de quatro substncias originais que seriam as razes de todas as
coisas: o fogo, o ar, a gua e a terra. Algumas partculas dessas substncias se
combinam (graas fora do amor eros) ou discordam (fora do dio neikos),
gerando todas as demais coisas que existem.
Ainda nessa mesma linha de pensamento, surge Demcrito (460-370 a.C.) com
a idia dos tomos (menor partcula, invisvel e indivisvel, que forma toda a realidade).
Para este pensador os tomos se movimentam no vazio (vcuo) e, este movimento to
violento que, quando se chocam, ocorrem as combinaes (aglomeraes) e, desta, a
pluralidade das coisas. Com a aglomerao os tomos tornam-se perceptveis e com a
disjuno, imperceptveis, ou seja, um tomo nunca deixa de existir, apenas se torna no
perceptvel. Complementares ou diferentes, as teorias dos pr-socrticos, pendiam ao
estudo da natureza, pois esta tinha relao direta com os seres.
Com o surgimento das cidades-Estado gregas, a natureza deixada de lado nas
principais discusses, sendo substituda pela temtica do homem (tica, poltica,
costumes, enfim, o comportamento humano perodo antropolgico). Plato traz a
discusso dicotmica dos mundos inteligvel e sensvel, onde o primeiro (mundo das
idias) deveria opor-se ao segundo, da natureza sensvel4, que era considerado como
uma cpia imperfeita do original.
Com Aristteles esta dicotomia no permanece, pois para esse filsofo anatureza o mundo real e verdadeiro cuja essncia a multiplicidade e a mutabilidade.
Ao contrrio de seu mestre Plato, Aristteles aceitava como forma de conhecimento
tudo o que se v, e tudo o se sente para a compreenso da realidade sensvel.
O perodo helenstico (ltima fase da filosofia grega, coincidente com o
desaparecimento da polis como centro poltico, em que a Grcia se encontra sob o
poderio do Imprio Romano) marcado pela elaborao de grandes sistemas filosficos
sobre a natureza e o homem, com destaque entre ambos e deles com a divindade.
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Para o estoicismo5 o Universo um sistema vivo, no qual Deus est sempre
presente na matria (imanncia), de forma a ser a alma do mundo. O mundo e todas as
coisas do mundo nascem de uma matria-substrato qualificada, atravs do logos
imanente que, em si, uno, mas capaz de diferenciar-se nas infinitas coisas. O logos
como o smen de todas as coisas e Deus a razo seminal do cosmos. Dado que o
princpio ativo, que Deus, inseparvel da matria e como no existe matria sem
forma, Deus est em tudo e Deus tudo. Deus coincide com o cosmos (REALE, 1990,
p.257).
Na Idade Mdia, o cristianismo distancia ainda mais o homem da natureza,
distancia o esprito da matria. Santo Agostinho (Doutor da Igreja, Bispo de Hipona)
converte ao cristianismo as idias platnicas, colocando em segundo plano a natureza.
Para este filsofo a verdade e o verdadeiro conhecimento das coisas e de Deus, no se
encontra no meio natural, como afirmavam as teorias esticas, mas, dentro do prprio
ser humano. [...] No busque fora de ti [...]; entra em ti mesmo. A verdade est no
interior da alma humana. (Ibid., p.440).
Com o Renascimento o homem se coloca no centro do Universo
(Antropocentrismo), consagrando a si mesmo um poder absoluto sobre a natureza. A
cincia, munida de tcnicas mais avanadas de observao e questionamento do mundo,
como o mtodo cientifico inspirado na filosofia de Bacon e de Descartes, na matemtica
e fsica de Galileu e Kepler (e depois, de Newton), passa a considerar a natureza sem
alma, sem vida, mecnica, geomtrica. O homem perdeu o conceito divino de
integrao com a natureza.
No sculo XIX, Darwin elabora uma teoria evolutiva baseado no processo de
seleo natural em que somente os indivduos aptos sobreviveriam s mudanas naturais
do meio e, no sculo XX, a Ecologia resgata a preocupao, relegada aos povosprimitivos e ao pensamento mtico, para as conseqncias do progresso cientifico e
tecnolgico sobre o meio ambiente.
H esperanas! Segundo Quaranta-Gonalves, a Cincia de hoje j comeou a
mudar a sua viso mecanicista e utilitarista com relao ao mundo.
Em vez de um mundo ao qual o homem era estranho, situado em seuexterior como um observador, modelo da Cincia clssica, chega-se a
um novo modelo de Cincia que situa o homem no mundo por eladescrito. A natureza parte do indeterminismo, espontaneidade e
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criatividade, e se auto-organiza; alimenta-se da desordem e daincerteza, age de maneira flexvel e aberta, sem planos definitivos,abre-se s novidades e singularidades; suas leis parecem evoluir com oCosmo e no tratam mais de certezas morais, e sim de possibilidades;
afirmam o devir, e no mais somente o ser. (QUARANTA-GONALVES, 2007, p.54).
Pode-se perceber que, entre os meandrosos caminhos do pensamento humano
no decorrer da histria, h a necessidade de revalorizar a integrao humana da sua
natureza interior com a natureza exterior, da qual nunca deixou de fazer parte embora
assim o tentasse. Para tanto, se faz mister uma nova postura diante de si mesmo, do
outro e da natureza, uma postura tica, j que a questo central da tica como devo
agir perante os outros?. As aes humanas sobre o meio natural devem ser realizadascom cautela e responsabilidade.
O filsofo Hans Jonas formulou um Princpio de Responsabilidade um
imperativo categrico relativo a uma humanidade frgil e perecvel, objeto de
inquietantes tecnologias, com a qual se encerra esta discusso: Agir de modo que os
efeitos da ao sejam compatveis com a permanncia de uma vida autenticamente
humana sobre a Terra. Agir de modo que os efeitos da ao no destruam a
possibilidade futura de vida humana. No comprometer as condies de sobrevivnciaindefinida da humanidade da Terra. Incluir nas escolhas atuais a integridade futura do
homem como objeto secundrio do querer.
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
CHAU, Marilena. Natureza, cultura, patrimnio ambiental. In: DUARTE, Ana Lcia(coord.). Meio ambiente: patrimnio cultural da USP. So Paulo: Editora Universidadede So Paulo; Imprensa Oficial do Estado de So Paulo; Comisso de PatrimnioCultural, 2003.
QUARANTA-GONALVES, Mrcio Luiz. Pequeno histrico da relao homem-natureza: da physis teoria de Gaia, o empobrecimento da noo de ser humano. In.:Filosofia, cincia e vida. So Paulo. n. 13, Abr. 2007.
REALE, Giovanni; ANTISERI, Drio. Histria da filosofia: Antigidade e IdadeMdia. So Paulo: Paulus, 1990.
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1 Ps-graduando em Metodologia do Ensino Superior pela Unisalesiano / Lins, licenciado emFilosofia pela Universidade do Sagrado Corao / Bauru e Professor de Filosofia Geral,
Jurdica, Antropologia, Sociologia Geral e do Direito e tica, da Faculdade de PresidentePrudente e da Faculdade de Presidente Epitcio (UNIESP).2 Cosmos provm do grego ksmos ordem, convenincia, organizao, ordem do universo,mundo.3 Escola filosfica que teve como tese principal a idia de imutabilidade do ser e a reduo dadiversidade e do movimento s impresses subjetivas dos sentidos, contrapondo o pensamentode Herclito. Dentre os principais pensadores desta escola, destaca-se Parmnides.4 Esta idia fica clara com a teoria do conhecimento de Plato, que rejeita todo saber advindodas coisas sensveis, da percepo. Para ele o conhecimento verdadeiro (episteme) est emtranscender este nvel de conhecimento (doxa opinio).5
Escola filosfica da poca helenstica.
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