View
572
Download
58
Category
Preview:
Citation preview
Mestrado Profissional
em Matemática em Rede Nacional
Iniciação à Matemática
Autores:
Krerley Oliveira Adán J. Corcho
Unidade I:
Capítulos I e II
.
Dedicamos este livro as nossas esposas e lhos, que compreenderam
os sábados sacricados em função de escrevê-lo e a nossos pais, por
tudo o que eles representam.
Tente! E não diga que a vitória está perdida. Se é de batalhas que se
vive a vida. Tente outra vez! (Raul Seixas)
vi
Sumário
Prefácio xi
1 Primeiros Passos 1
1.1 Organizando as Ideias . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
1.2 Verdadeiro ou Falso? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
1.3 Teoremas e Demonstrações . . . . . . . . . . . . . . . . 9
1.3.1 Métodos de Demonstração . . . . . . . . . . . . 10
1.4 Algumas Dicas para Resolver Problemas . . . . . . . . 15
1.5 Soluções dos Problemas da Seção 1.4 . . . . . . . . . . 18
1.6 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
2 Equações e Inequações 31
2.1 Equações do Primeiro Grau . . . . . . . . . . . . . . . 33
2.1.1 Problemas Resolvidos . . . . . . . . . . . . . . . 37
2.2 Sistemas de Equações do Primeiro Grau . . . . . . . . 42
2.2.1 Problemas Resolvidos . . . . . . . . . . . . . . . 46
2.3 Equação do Segundo Grau . . . . . . . . . . . . . . . . 49
2.3.1 Completando Quadrados . . . . . . . . . . . . . 50
2.3.2 Relação entre Coecientes e Raízes . . . . . . . 55
2.3.3 Equações Biquadradas . . . . . . . . . . . . . . 59
2.3.4 O Método de Vièti . . . . . . . . . . . . . . . . 60
vii
viii SUMÁRIO
2.4 Inequações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62
2.5 Inequação do Primeiro Grau . . . . . . . . . . . . . . . 63
2.6 Inequação do Segundo Grau . . . . . . . . . . . . . . . 69
2.6.1 Máximos e Mínimos das Funções Quadráticas . 75
2.7 Miscelânea . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77
2.7.1 Equações Modulares . . . . . . . . . . . . . . . 77
2.7.2 Um Sistema de Equações Não lineares . . . . . 80
2.8 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
3 Divisibilidade 89
3.1 Conceitos Fundamentais e Divisão Euclidiana . . . . . 90
3.2 Bases Numéricas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99
3.3 Máximo Divisor Comum e Mínimo Múltiplo Comum . 106
3.3.1 Máximo Divisor Comum . . . . . . . . . . . . . 106
3.3.2 Algoritmo de Euclides . . . . . . . . . . . . . . 111
3.3.3 Mínimo Múltiplo Comum . . . . . . . . . . . . 115
3.3.4 Equações Diofantinas Lineares . . . . . . . . . . 120
3.4 Números Primos e Compostos . . . . . . . . . . . . . . 123
3.5 Procurando Primos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 127
3.5.1 O Crivo de Eratóstenes . . . . . . . . . . . . . . 127
3.5.2 Primos de Mersenne . . . . . . . . . . . . . . . 129
3.5.3 O Teorema Fundamental da Aritmética . . . . . 133
3.6 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 139
4 O Princípio da Casa dos Pombos 143
4.1 Primeiros Exemplos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145
4.2 Uma Versão mais Geral . . . . . . . . . . . . . . . . . . 146
4.3 Aplicações na Teoria dos Números . . . . . . . . . . . . 149
4.4 Aplicações Geométricas . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151
SUMÁRIO ix
4.5 Miscelânea . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 153
4.6 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 157
5 Contagem 161
5.1 Princípio Aditivo da Contagem . . . . . . . . . . . . . 162
5.2 Princípio Multiplicativo de Contagem . . . . . . . . . . 170
5.3 Uso Simultâneo dos Princípios Aditivo e Multiplicativo 178
5.4 Permutações Simples . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 181
5.5 Arranjos Simples . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 184
5.6 Combinações Simples . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 188
5.7 O Binômio de Newton . . . . . . . . . . . . . . . . . . 193
5.8 Contagem e Probabilidades . . . . . . . . . . . . . . . 195
5.9 Exercícios Propostos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 197
6 Indução Matemática 203
6.1 Formulação Matemática . . . . . . . . . . . . . . . . . 204
6.2 Aplicações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 206
6.2.1 Demonstrando Identidades . . . . . . . . . . . . 206
6.2.2 Demonstrando Desigualdades . . . . . . . . . . 210
6.2.3 Indução e Problemas de Divisibilidade . . . . . 212
6.3 Indução na Geometria . . . . . . . . . . . . . . . . . . 215
6.4 Miscelânea . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 220
6.4.1 Cuidados ao Usar o Princípio da Indução . . . . 222
6.5 Indução e Recorrências . . . . . . . . . . . . . . . . . . 222
6.6 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 229
7 Desigualdades 233
7.1 Desigualdade Triangular . . . . . . . . . . . . . . . . . 234
7.2 Desigualdade das Médias . . . . . . . . . . . . . . . . . 238
x SUMÁRIO
7.3 Desigualdade de Cauchy-Schwarz . . . . . . . . . . . . 245
7.4 Desigualdade de Jensen . . . . . . . . . . . . . . . . . . 246
7.5 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 250
8 Polinômios 255
8.1 Operações com Polinômios . . . . . . . . . . . . . . . . 255
8.2 Algoritmo de Euclides . . . . . . . . . . . . . . . . . . 263
8.3 Sempre Existem Raízes de um Polinômio? . . . . . . . . 268
8.3.1 Números Complexos e Raízes de Polinômios . . 269
8.4 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 272
A Apêndice: Funções 279
Referências 285
PrefácioImaginação é mais importante que onhe imento. Albert EinsteinLeo, vo ê tem uma religião? Assim, uma religião, omo judaísmo,ou ristianismo, ou Matemáti a...?Alon Peres, 6 anos, lho do Matemáti o Yuval PeresNeste livro pretendemos oferecer ao leitor uma introdução à Mate-
mática Elementar. Juntando as experiências didáticas vividas pelos
autores individualmente no Brasil e em Cuba, e mais alguns anos
juntos como treinadores de projetos de introdução à Matemática no
estado de Alagoas, esperamos tornar para o leitor a Matemática mais
interessante, mostrando um pouco do imenso brilho e beleza que ela
esconde.
O livro foi escrito em capítulos, cada um deles detalhando um
tema central e trazendo alguns teoremas fundamentais. Com muitos
exemplos e aplicações dos conceitos introduzidos, pretendemos mos-
trar ao leitor a importância do assunto abordado. A organização dos
exemplos tenta seguir uma linha em ordem crescente de diculdade e,
para o melhor aproveitamento do livro, o trabalho com os exercícios
é parte fundamental. Ler o enunciado e resolver o maior número pos-
xi
xii Prefácio
sível de exercícios é imperativo. Como já disse o Prof. Elon Lima,
Matemática não se aprende passivamente.
Os exemplos e aplicações dos conceitos, bem como os teoremas,
devem ser lidos com cuidado e muita atenção. Para os estudantes
que desejem treinar para olimpíadas de Matemática, sugerimos que
formem grupos de estudo para trabalhar os temas individualmente,
sob a orientação de um professor. Acreditamos que o texto pode ser
utilizado em uma disciplina elementar num curso de licenciatura ou
bacharelado em Matemática.
O primeiro capítulo é para introduzir o leitor no espírito do livro
e dar uma amostra do tipo de problemas e material que seguirá nos
demais capítulos. São propostos alguns problemas, muitos deles com
soluções, e discutimos alguns métodos importantes para uso no dia a
dia dos estudantes. Nesta discussão incluímos o estudo de proposições
matemáticas, provas por contraposição, o método de redução ao absur-
do e algumas outras regras básicas e cuidados que devemos ter ao
resolver problemas em Matemática.
Em seguida, estudamos as equações do primeiro e do segundo grau.
Estudamos os métodos de resolução dessas equações, sistemas de equa-
ções, relações entre raízes e coecientes, bem como alguns problemas
interessantes que podem ser solucionados via essas equações. Em se-
guida, estudamos inequações do primeiro e do segundo grau.
O capítulo seguinte trata do conceito de divisibilidade. Tentamos
introduzir o leitor nos principais aspectos básicos, incluindo-se a divisi-
bilidade com resto, máximo divisor comum e mínimo múltiplo comum,
números primos e compostos, e um pouco de equações diofantinas li-
neares.
Um capítulo útil para o estudante que deseja participar de Olim-
Prefácio xiii
píadas de Matemática é o que trata do princípio da casa dos pombos.
Este capítulo é um belo exemplo de como algo aparentemente ingênuo
pode gerar consequências interessantes. Alguns dos exemplos estão
conectados com os capítulos anteriores e aparentemente aplicam o
princípio de modo inusitado, em problemas de geometria, teoria dos
números e em áreas diversas.
No capítulo de contagem, começamos com noções úteis sobre con-
juntos e princípios básicos para contar os elementos de um conjunto.
Nesse capítulo, estamos mais preocupados com as aplicações imediatas
do assunto, sugerindo alguns problemas para o estudante iniciante.
Seguimos discutindo os tipos de agrupamento de elementos e suas
consequências. Obtemos o binômio de Newton e introduzimos a no-
ção de probabilidade de um conjunto, resolvendo alguns problemas
relacionados.
Em seguida, estudante se depara com uma arma poderosa do mate-
mático. O método da indução nita é estudado procurando conectar
esta noção com os capítulos anteriores, reobtendo com o auxílio do
método da indução algumas coisas que já foram deduzidas por outros
métodos. Vários exemplos e problemas são resolvidos, alguns deles de
modo surpreendente e inesperado.
No próximo capítulo, introduzimos algumas desigualdades popula-
res para o uso do estudante. Algumas dessas desigualdades são muito
importantes no estudo mais profundo da Matemática e não apare-
cem em cursos introdutórios, apesar de suas provas e aplicações serem
elementares. Todas as desigualdades aparecem com demonstrações,
em muito dos casos utilizando-se álgebra elementar e o método de
indução nita. São apresentados vários exemplos que mostram a uti-
lidade dessas desigualdades em alguns problemas práticos. Para xar
xiv Prefácio
o conhecimento, propomos vários exercícios complementares. Alguns
deles, cuja solução é mais elaborada, são sugeridos. No último ca-
pítulo, estudamos um pouco as propriedades gerais dos polinômios.
Para complementar a formação do leitor menos experiente, incluímos
um apêndice sobre funções.
Somos gratos a muitas pessoas que colaboraram com a elaboração
deste livro com sugestões e correções em versões iniciais. Entre eles,
citamos: Carlos Gustavo Moreira, Ali Tahzibi, Feliciano Vitório, Edu-
ardo Teixeira, Chico Potiguar e vários de nossos alunos de Iniciação
Cientíca e mestrado, que por várias ocasiões deram sugestões para
a melhoria do texto. Um agradecimento especial vai para Fernando
Echaiz, que nos ajudou ativamente nas notas do Capítulo 5 que origi-
naram este texto. Finalmente, agradecemos aos revisores pela leitura
cuidadosa e ao comitê editorial da SBM, na pessoa da profa. Helena
Lopes, pelo excelente trabalho de editoração.
Maceió, Abril de 2010
Krerley Oliveira
Adán J. Corcho
1
Primeiros PassosRedu tio ad absurdum, que Eu lides gostava tanto, é uma das maisnas armas do matemáti o. É muito mais no que um movimentode xadrez: o jogador de xadrez pode ofere er o sa rifí io de umapeça, mas o matemáti o ofere e o jogo inteiro. G. H. HardyNeste capítulo, discutiremos algumas ideias gerais e convenções
que servirão como base para os diferentes métodos de resolução de
problemas que trataremos nos capítulos seguintes. Alguns dos exem-
plos que abordamos serão úteis para orientar quanto ao cuidado que
devemos ter quando discutimos problemas em Matemática.
1.1 Organizando as Ideias
Para resolver problemas matemáticos precisamos ter bem claro o que
devemos provar e o que estamos assumindo como verdade. É sobre
isso que falaremos agora. Começaremos observando as seguintes ar-
mações:
1
2 1 Primeiros Passos
(a) A soma de dois números pares é sempre um número par.
(b) Todo brasileiro é carioca.
(c) A terra é um planeta.
(d) Se c é o comprimento da diagonal de um retângulo de lados a e
b, então c2 = a2 + b2.
(e) Se a < 1, então a2 > a.
Todas as armações acima se encaixam no conceito de proposição,
que damos a seguir.
Uma proposição ou sentença é uma frase armativa em forma de
oração, com sujeito, verbo e predicado, que ou é falsa ou é verdadeira,
sem dar lugar a uma terceira alternativa.
Por exemplo, as proposições (a) e (c) são claramente verdadeiras;
mais adiante nos convenceremos da veracidade da proposição (d). Por
outro lado, as proposições (b) e (e) são falsas. Com efeito, para cons-
tatar a veracidade da sentença (b) teríamos que checar o registro de
nascimento de cada brasileiro e vericar se nasceu no Rio de Janeiro,
mas isto é falso pois o conhecido escritor Graciliano Ramos é um
brasileiro nascido em Alagoas. Analogamente, para convencer-nos de
que a proposição (e) é falsa basta tomar a = 1/2 e checar que (1/2)2 =
1/4 não é maior do que 1/2 como a sentença arma. Em ambos os
casos temos vericado que as proposições (b) e (e) são falsas apre-
sentando casos particulares onde as mesmas deixam de valer. Estes
casos particulares são chamados de contraexemplos e são muito úteis
para vericar a falsidade de algumas proposições.
Notemos que as proposições (d) e (e) são do tipo:
1.1 Organizando as Ideias 3
Se P , então Q,
onde P e Q também são sentenças. Por exemplo, na proposição (e)
temos que:
P : c é o comprimento da diagonal de um retângulo de lados a e b,
Q: c2 = a2 + b2,
ou seja, estamos assumindo que P é verdade e usando este fato deve-
mos vericar se P é verdade ou não.
Uma proposição condicional ou implicativa é uma nova proposição
formada a partir de duas proposições P e Q, que é escrita na forma:
Se P , então Q ou P implica Q,
onde para o último caso usamos a notação: P =⇒ Q. Chamaremos
a proposição P de hipótese e a proposição Q de tese. A hipótese
também é chamada de proposição antecedente e a tese, de proposição
consequente.
Por exemplo, na proposição condicional (f) a hipótese é: a < 1 e a
tese é: a2 > a.
A partir de uma de uma proposição condicional podem-se gerar
novas proposições que são de especial interesse para os matemáticos.
Vamos chamar o modo em que apresentamos uma proposição de forma
positiva. Por exemplo, quando enunciamos a proposição
Se como laranja, então gosto de frutas,
assumimos esta armação como sua forma positiva. Vamos descrever
agora como podemos obter novas proposições a partir desta.
4 1 Primeiros Passos
Forma recíproca de uma proposição condicional: para cons-
truirmos a forma recíproca, temos que trocar na forma positiva a hi-
pótese pela proposição consequente e vice-versa. Vejamos em nosso
exemplo:
Forma da proposição Hipótese Tese
Positiva como laranja gosto de frutas
Recíproca gosto de frutas como laranja
Assim, a recíproca de proposição de nosso exemplo é então:
Se gosto de frutas, então como laranja
Forma contrapositiva de uma proposição condicional: Para
obtermos a forma contrapositiva a partir da forma positiva de uma
proposição condicional podemos fazer primeiro sua forma recíproca e
em seguida negamos as sentenças antecedente e consequente da recí-
proca ou, também, podemos primeiro negar as sentenças antecedente
e consequente da forma positiva e imediatamente fazer a forma recí-
proca desta última. A forma contrapositiva também é conhecida como
forma contrarrecíproca. Usando novamente nosso exemplo temos que:
Forma da Proposição Hipótese Tese
Positiva como laranja gosto de frutas
Recíproca gosto de frutas como laranja
Contrapositiva não gosto de frutas não como laranja
Portanto, a forma contrapositiva escreve-se assim:
1.2 Verdadeiro ou Falso? 5
Se não gosto de fruta, então não como laranja
Em particular, a forma contrapositiva de uma proposição poderá ser,
eventualmente, uma forma indireta muito ecaz de vericar resultados
em Matemática.
1.2 Verdadeiro ou Falso?
Uma das coisas que distingue a Matemática das demais ciências natu-
rais é o fato de que um tema de Matemática é discutido utilizando-se
a lógica pura e, por conta disso, uma proposição em Matemática, uma
vez comprovada sua veracidade, é aceita como verdade irrefutável e
permanecerá assim através dos séculos. Por exemplo, até hoje usamos
o teorema de Tales do mesmo modo que foi usado antes de Cristo e
este fato continuará valendo eternamente.
Vamos ilustrar melhor essa diferença com um exemplo em Geo-
graa. Hoje, todos nós sabemos que a Terra tem aproximadamente
o formato de uma laranja, um pouco achatada nos polos. Porém,
na época de Pitágoras, um dos grandes temores dos navegadores era
encontrar o m do mundo. No pensamento de alguns destes aventu-
reiros, a Terra tinha o formato de um cubo, e uma vez chegando em
um dos seus extremos, o navio despencaria no vazio. Esse é um dos
muitos exemplos de como a concepção da natureza mudou ao longo
do tempo, transformando uma concepção verdadeira num período da
humanidade em algo completamente falso em outra época. Porém,
para nossa felicidade, isso não acontece na Matemática. Uma propo-
sição matemática ou é verdadeira ou é falsa e permanecerá assim para
sempre.
6 1 Primeiros Passos
Mas como saber se uma proposição é verdadeira ou falsa? A pri-
meira coisa que devemos fazer é tomar muito cuidado. As aparências
enganam ou, como diziam nossos avós, nem tudo que reluz é ouro.
O leitor, avisado disso, pense agora na seguinte pergunta:
Pergunta 1: Qual é a chance de que pelo menos duas pessoas num
ônibus com 44 passageiros façam aniversário no mesmo dia do ano?
Como já avisamos, o leitor deve ter cuidado ao responder à per-
gunta acima, pois podemos nos enganar muito facilmente. Por exem-
plo, podemos formular o seguinte argumento errado: o ano tem 365
dias e, como estou escolhendo um grupo de 44 (número muito pequeno
com respeito a 365) pessoas ao acaso, é claro que podemos responder
à pergunta com a seguinte armação:
Resposta intuitiva: A chance de que num grupo de 44 pessoas pelo
menos duas delas façam aniversário no mesmo dia do ano é pequena.
À primeira vista a resposta dada pode até parecer verdadeira, mas
com uma análise mais cuidadosa veremos que é completamente falsa.
Na verdade, a chance de que pelo menos duas pessoas do ônibus façam
aniversário no mesmo dia do ano é de cerca de 93%!
Quem não acreditar nisto pode fazer duas coisas: primeiro, ir a
sua sala de aula ou no seu ônibus escolar, que deve ter pelo menos
44 pessoas, e fazer o experimento ao vivo. Muito provavelmente você
deve conseguir duas pessoas que fazem aniversário no mesmo dia do
ano. Se você verica que existem duas pessoas que fazem aniversário
no mesmo dia do ano, não é por acaso, pois a chance de isso acontecer
é muito alta. Mas, cuidado! Isso não é uma prova matemática para
este fato. Para provar que este fato é verdadeiro você deve vericar
que se escolhermos ao acaso um grupo de 44 pessoas então com aproxi-
1.2 Verdadeiro ou Falso? 7
madamente 93% de chance, pelo menos duas delas fazem aniversário
no mesmo dia do ano!
Porém, se você faz o experimento e não encontra duas pessoas que
fazem aniversário no mesmo dia do ano (você seria muito azarado!),
não se desespere. Lembre-se de que se trata de algo que acontece com
chance de 93% e que pode não acontecer quando fazemos um teste.
Em qualquer um dos casos, para ter a certeza de que a proposição
é verdadeira o leitor deve demonstrá-la. Faremos isso no nal do
Capítulo
Vamos analisar agora outro fato aparentemente óbvio.
Pergunta 2: Num campeonato de futebol onde cada time joga a
mesma quantidade de jogos, cada vitória vale três pontos, o empate
vale um ponto e a derrota nenhum ponto. Em caso de empate, o
critério de desempate entre as equipes era o seguinte:
• A melhor equipe é aquela que tem mais vitórias.
Os organizadores decidiram passar a adotar o critério a seguir:
• A melhor equipe é aquela que tem mais derrotas.
Você acha que este último critério adotado é justo?
Com respeito a esta pergunta, o leitor deve ter respondido do se-
guinte modo:
Resposta: Um time que perdeu mais é pior que um que perdeu me-
nos; portanto, a mudança de critério é totalmente injusta. Acertamos
a sua resposta?
Na verdade, não houve mudança nenhuma de critério, ou seja,
ambos os critérios nos conduzem ao mesmo ganhador.
8 1 Primeiros Passos
Para ver isso rapidamente, lembre-se de que se a equipe A perdeu
mais que a equipe B e ainda assim empataram, então ela deve ter
ganho mais, para que no m do campeonato a equipe A ainda assim
conseguisse empatar com a equipe B. Vamos mostrar isso precisa-
mente. Sejam d1, e1, v1 o número de derrotas, empates e vitórias,
respectivamente, da equipe A. Do mesmo modo, sejam d2, e2, v2 o
número de derrotas, empates e vitórias, respectivamente, da equipe
B. Suponhamos que a equipe A obteve mais vitórias do que a equipe
B, ou seja, que v1 > v2. Como cada equipe jogou o mesmo número de
jogos, temos que
d1 + e1 + v1 = d2 + e2 + v2. (1.1)
Por outro lado, note que o número de pontos obtidos pela equipe A é
e1 + 3v1. Do mesmo modo, o número de pontos obtidos pela equipe
B é igual a e2 + 3v2. Como as duas empataram, temos que:
e1 + 3v1 = e2 + 3v2.
Ou ainda,
3(v1 − v2) = e2 − e1 ou v2 − v1 = −e2 − e1
3.
Como v1−v2 > 0, temos que e2−e1 > 0. Reescrevendo a equação (1.1),
temos que:
d1 − d2 = e2 − e1 + (v2 − v1) = e2 − e1 −e2 − e1
3=
2
3(e2 − e1).
Logo, temos que d1 − d2 > 0, pois e2 − e1 > 0. Isso signica que
A teve mais derrotas que B; logo, qualquer um dos dois critérios de
desempate usado nos leva à equipe vencedora.
1.3 Teoremas e Demonstrações 9
Assim, como estes dois exemplos mostram, ao depararmos com um
problema em Matemática, devemos ter cuidado ao tirar conclusões
apressadas para evitar que cometamos algum engano. Pode acontecer
que uma situação que é claramente falsa para um observador menos
atento, se mostre verdadeira quando fazemos uma análise mais crite-
riosa.
1.3 Teoremas e Demonstrações
Agora denimos o que entendemos por demonstração matemática de
uma proposição.
Uma demonstração em Matemática é o processo de raciocínio ló-
gico e dedutivo para checar a veracidade de uma proposição condici-
onal. Nesse processo são usados argumentos válidos, ou seja, aqueles
que concluam armações verdadeiras a partir de fatos que também
são verdadeiros.
Como exemplo de demonstração citamos a argumentação usada
para mostrar na segunda pergunta da seção anterior que os critérios
de desempate eram similares.
Sempre que, via uma demonstração, comprovemos a veracidade de
uma proposição passamos então a chamar esta de teorema. Assim, um
teorema é qualquer armação que possa ser vericada mediante uma
demonstração.
Alguns teoremas se apresentam na forma de uma proposição con-
dicional, isto é, uma sentença do tipo Se P , então Q ou implicativa
da forma P =⇒ Q. Nesse caso, a sentença P é chamada de hipótese
e a sentença Q é denominada de tese. Ou seja, a validade da hipótese
nos implica a veracidade da tese.
10 1 Primeiros Passos
Um exemplo de teorema é o famoso teorema de Pitágoras, cujo
enunciado diz o seguinte:
Teorema 1.1 (Teorema de Pitágoras). Num triângulo retângulo a
soma dos quadrados dos catetos é igual ao quadrado da hipotenusa.
Notemos que o teorema de Pitágoras não está enunciado na forma
condicional, mas pode ser reescrito nessa forma como:
Teorema 1.2 (Teorema de Pitágoras). Se T é um triângulo retângulo
de catetos a e b e hipotenusa c, então c2 = a2 + b2.
Observação 1.3. Em geral, é mais comum usar a palavra teorema
apenas para certas proposições que são de grande importância mate-
mática, chamando-se simplesmente de proposição ao resto das propo-
sições verdadeiras que admitem uma demonstração. Para uma discus-
são mais detalhada, recomendamos [8].
1.3.1 Métodos de Demonstração
Quando realizamos uma demonstração não existe um caminho único.
Dependendo do problema em questão podemos usar métodos dife-
rentes. A seguir ilustramos os seguintes três métodos:
• Demonstração direta.
• Demonstração por contraposição.
• Demonstração por redução ao absurdo.
1.3 Teoremas e Demonstrações 11
Demonstração Direta
A demonstração direta é aquela em que assumimos a hipótese como
verdadeira e através de uma série de argumentos verdadeiros e dedu-
ções lógicas concluímos a veracidade da tese.
γ
α
βa b
b
a
a
bc
Q
Figura 1.1: Figura auxiliar para a demonstração do teorema de Pitágoras
Um exemplo de demonstração direta é a que daremos a seguir,
para o teorema de Pitágoras enunciado anteriormente no Teorema
1.1. Com efeito, usando a gura acima temos que a área do quadrado
de lado a + b é a soma das quatro áreas dos triângulos retângulos
congruentes pelo critério lado-ângulo-lado (de catetos a e b) mais a
área do quadrilátero Q, o qual é um quadrado visto que cada um dos
seus lados coincide com a hipotenusa c dos triângulos retângulos de
catetos a e b e, além disso, cada um dos seus ângulos internos mede
γ = 180o − (α + β) = 180 − 90 = 90 (veja a Figura 1.1).
Portanto,
(a+ b)2 = 4 · ab2
+ c2,
de onde
a2 + 2ab+ b2 = 2ab+ c2,
e consequentemente
a2 + b2 = c2,
12 1 Primeiros Passos
como queríamos.
Demonstração por Contraposição
Este método é baseado no fato de que a veracidade de forma positiva
de uma proposição é equivalente à veracidade de sua forma contraposi-
tiva, podendo ser esta última, eventualmente, mais fácil de se provar.
Por exemplo, a armação
Se sou alagoano, então sou brasileiro
é equivalente à armação
Se não sou brasileiro, então não sou alagoano
Por exemplo, provemos a seguinte proposição:
Proposição 1.4. Se N2 é par, então N é par.
• Hipótese: N2 é par.
• Tese: N é par.
Desaamos o leitor a tentar mostrar esta proposição partindo da hipó-
tese e tentando concluir a tese. Note que podemos vericar que nossa
proposição é verdadeira para vários valores de N2 como na tabela a
seguir, mas isso não é uma prova matemática da nossa proposição.
N2 4 16 36 64 100 144
N 2 4 6 8 10 12
1.3 Teoremas e Demonstrações 13
Mesmo vericando para um bilhão de valores de N2, sempre nos
restariam números para serem vericados. Como nossas tentativas
de provar a forma positiva dessa proposição estão sendo frustradas,
apelaremos para mostrar a forma contrapositiva da mesma, isto é:
Proposição 1.5. Se N não é par, então N2 não é par.
Neste caso, temos:
• Hipótese: N não é par.
• Tese: N2 não é par.
Demonstração. Como estamos assumindo que N não é par, logo N
tem que ser ímpar, ou seja, existe p, número inteiro, tal que N = 2p+1.
Logo,
N2 = (2p+ 1)(2p+ 1)
= 4p2 + 2p+ 2p+ 1
= 4p2 + 4p+ 1
= 2(2p2 + 2p) + 1
= 2q + 1,
onde q = 2p2 + 2p. Logo, N2 = 2q + 1 é ímpar e concluímos assim
nossa prova.
Demonstração por Redução ao Absurdo
Este método é uma das ferramentas mais poderosas da Matemática.
O nome provém do latim reductio ad absurdum e também é conhecido
como método do terceiro excluído devido ao mesmo estar baseado na
14 1 Primeiros Passos
lei do terceiro excluído que diz o seguinte: uma armação que não
pode ser falsa, deverá ser consequentemente verdadeira.
De um modo geral, o roteiro que segue uma demonstração por
redução ao absurdo é o seguinte:
• Assumimos a validade da hipótese.
• Supomos que nossa tese é falsa.
• Usando as duas informações anteriores concluímos, através de
argumentos verdadeiros, uma armação falsa; como tal fato não
poderá ocorrer, então nossa tese deverá ser verdadeira.
Vamos mostrar como o método funciona na prática provando a
seguinte proposição:
Proposição 1.6. Seja x um número positivo, então x+ 1/x ≥ 2.
Destaquemos primeiramente a nossa hipótese e a nossa tese.
• Hipótese: x é um número positivo.
• Tese: x+ 1/x ≥ 2.
Demonstração. Seja x um número positivo e suponhamos que a tese
é falsa, isto é, x + 1x< 2. Usando que x > 0 e multiplicando por este
a desigualdade anterior, obtemos que
x2 + 1 < 2x.
Daí segue-se que x2 − 2x+ 1 < 0 é equivalente a (x− 1)2 < 0, já que
x2 − 2x + 1 = (x − 1)2, o que é impossível. Portanto, x + 1/x ≥ 2,
como desejávamos.
1.4 Algumas Dicas para Resolver Problemas 15
1.4 Algumas Dicas para Resolver Proble-
mas
Nesta seção, damos algumas regras gerais que consideramos impor-
tante ter em mente na hora de resolver um problema de Matemática.
Aplicaremos estas regras a alguns problemas interessantes para ilus-
trar a sua importância. Elas são:
R1) Ler bem o enunciado do problema e utilizar todas as informações
disponíveis.
R2) Fazer casos particulares ou casos mais simples de problemas si-
milares, para adquirir familiaridade com o problema.
R3) Mudar a representação do problema, transformando-o em um
problema equivalente.
R4) Usar a imaginação pesquisando caminhos alternativos. Extra-
polar os limites!
A seguir propomos vários problemas onde as regras anteriores são
muito úteis. O leitor deve tentar resolvê-los; mas se não conseguir
achar solução depois de muito tentar poderá então passar para a pró-
xima seção onde os solucionamos.
Problema 1.7. Ao encontrar uma velha amiga (A), durante uma
viagem de trem, um matemático (M) tem a seguinte conversa:
(M) Como vão os três lhos da senhora?
(A) Vão bem, obrigada!
16 1 Primeiros Passos
(M) Qual a idade deles mesmo?
(A) Vou lhe dar uma dica. O produto das idades deles é 36.
(M) Só com essa dica é impossível!
(A) A soma das idades deles é igual ao número de janelas deste
vagão.
(M) Ainda não sei!
(A) O mais velho toca piano!
(M) Agora eu sei!
Você é capaz de descobrir as idades dos três lhos da senhora?
Problema 1.8. Numa cesta encontram-se 9 moedas idênticas, sendo
que 8 delas têm o mesmo peso e uma moeda é mais leve que as demais.
Usando duas vezes uma balança de dois pratos, encontrar a moeda
mais leve.
Problema 1.9. Numa pequena ilha existem 5 pessoas de olhos azuis
e 5 pessoas de olhos verdes. Existe um grande tabu nesta ilha que é o
seguinte: se uma pessoa descobre que possui olhos azuis ela se suicida
à meia-noite do dia em que descobriu, pulando do alto da prefeitura.
Por conta disso, ninguém conversa sobre o assunto, olha para espelhos
ou vê seu reexo na água. Todos se cruzam diariamente e conhecem
os olhos de seus amigos. Numa manhã, um estrangeiro chegou à ilha
e reuniu as 10 pessoas para o seguinte pronunciamento:
Nesta ilha, existe uma pessoa de olhos azuis.
Pergunta-se:
1.4 Algumas Dicas para Resolver Problemas 17
(a) O que aconteceu com os habitantes da ilha?
(b) Que informação nova o estrangeiro trouxe?
Problema 1.10. Um viajante deseja se hospedar durante 31 dias num
hotel. Entretanto, percebe que está sem dinheiro e que a única coisa
que possui é uma corrente com 31 elos de ouro. Para pagar sua conta,
ele acertou com o gerente pagar um elo por dia, sem atrasar ou a-
diantar o pagamento, durante os 31 dias. O gerente pode dar troco em
elos. Depois ele deseja recuperar a corrente e por isso ele quer pagar
a conta cortando a corrente no menor número de pedaços. Quantos
cortes você conseguiria dar e pagar a conta?
Problema 1.11. Sabendo que em cada jogada o movimento do cavalo
consiste em se deslocar duas casas na horizontal e uma na vertical
ou duas na vertical e uma na horizontal, decidir se é possível sair
da conguração apresentada no tabuleiro (a) e chegar à conguração
apresentada no tabuleiro (b) da Figura 1.2 sem que em algum momento
existam dois cavalos na mesma casa.
(a) (b)Figura 1.2: Cavalos de xadrez
18 1 Primeiros Passos
Problema 1.12. Mostre que podemos cobrir os 9 pontos no reticulado
da Figura 1.3 traçando 4 segmentos de reta sem tirar o lápis do papel.
•••
•••
•••
Figura 1.3: Reticulado de 9 pontos
Sugerimos seguir as dicas abaixo para obter sucesso na solução dos
problemas:
• Para os problemas 1.7 e 1.8 use a primeira regra.
• Para os problemas 1.9 e 1.10 use a segunda regra. Por exemplo,
no problema 1.9 fazer primeiro o caso: uma pessoa com olhos
azuis e uma com olhos verdes e depois fazer o caso: duas pessoas
de olhos azuis e duas de olhos verdes; generalize.
• Para os problema 1.11 use a terceira regra.
• Para o problema 1.12 use a quarta regra.
1.5 Soluções dos Problemas da Seção 1.4
A seguir apresentamos soluções para os problemas enunciados na seção
anterior.
Solução do Problema 1.7. É muito importante neste problema tirar
o máximo de informação das dicas da senhora. Vamos à primeira dica:
o produto das idades é 36.
1.5 Soluções dos Problemas da Seção 1.4 19
Suponhamos que as idades dos lhos sejam 0 6 x 6 y 6 z 6 36.
Como xyz = 36, temos as seguintes possibilidades para os números x,
y e z:x y z xyz
1 1 36 36
1 2 18 36
1 3 12 36
1 4 9 36
1 6 6 36
2 2 9 36
2 3 6 36
3 3 4 36
A segunda dica dada pela senhora é a soma das idades. Assim,
vamos agora calcular todas as possíveis somas de acordo com as fato-
rações de 36 dadas na tabela anterior:
x y z x+ y + z
1 1 36 38
1 2 18 21
1 3 12 16
1 4 9 14
1 6 613
2 2 913
2 3 6 11
3 3 4 10
Sabemos que após a segunda dica, o matemático ainda não conse-
guiu deduzir as idades das crianças.
20 1 Primeiros Passos
Por que ele não conseguiu? Imagine que o número da casa fosse
14. Ora, de acordo com nossa tabela, só existe um terno de números
cujo produto é 36 e a soma é 14, que é o terno (1,4,9). Assim, se o
número da casa fosse 14 o matemático teria dado a resposta após a
segunda dica. Como ele cou em dúvida, olhando a tabela 2, chegamos
à conclusão de que o número da casa só pode ser igual a 13.
Lembremos a última dica: o mais velho toca piano. No início essa
dica parecia inútil, mas agora ela é fundamental para resolvermos o
problema. De fato, como o mais velho toca piano, isso signica que
existe um mais velho, o que descarta o caso (1,6,6). Assim, as idades
são 2, 2, e 9.
Solução do Problema 1.8. Este é o tipo de problema que a primeira
vista pode parecer difícil, mas que quando usamos todas as informa-
ções do seu enunciado se torna fácil. A ideia é dividir as moedas em
três grupos de três moedas cada, que chamaremos grupos A, B e C.
Colocaremos na balança os grupos A e B e deixaremos o grupo C fora.
Podem acontecer duas coisas:
(a) Os pratos cam equilibrados.
(b) Os pratos cam desequilibrados.
No caso (a), temos que os grupos A e B têm o mesmo peso. Logo,
a moeda mais leve deve estar no grupo C. No caso (b), um dos grupos
cou mais leve, o que signica que a moeda mais leve está neste grupo.
Assim, utilizando a balança apenas uma vez conseguiremos descobrir
qual é o grupo em que a moeda mais leve está. Digamos que este grupo
seja o grupo A. Para achar a moeda mais leve, procedemos de modo
semelhante ao que zemos anteriormente: separamos as três moedas
1.5 Soluções dos Problemas da Seção 1.4 21
do grupo A colocando uma em cada prato e deixando a terceira de
fora. Podem acontecer duas coisas:
(a) Os pratos cam desequilibrados e assim a moeda mais leve está
no prato mais leve.
(b) Os pratos cam equilibrados, logo a moeda mais leve foi a que
cou fora.
No nal, usamos a balança exatamente duas vezes.
Solução do Problema 1.9. Como em muitos problemas de Mate-
mática, abordar casos mais simples do problema pode ajudar bastante
na solução. Assim, vamos imaginar o seguinte caso mais simples:
na ilha existe somente uma pessoa de olhos azuis e a outra de olhos
verdes. Pensando neste caso, a pessoa que tinha olhos azuis só via as
que tinham olhos verdes. Quando o estrangeiro armou que existia
uma pessoa de olhos azuis, ela descobriu que tinha olhos azuis, pois as
outras pessoas tinham olhos verdes. Assim, à meia-noite ela subiu na
prefeitura e pulou. Com isso, a pessoa que tinha olhos verdes descobriu
que tinha olhos verdes, pois se ela tivesse olhos azuis sua companheira
não se suicidaria no dia anterior.
Vamos agora dar um passo crucial na solução do nosso problema
original, considerando o caso onde existem duas pessoas de olhos azuis
e duas pessoas de olhos verdes na ilha. Vamos chamar as pessoas de
olhos azuis de A e B e as pessoas de olhos verdes de C e D. No dia
em que o estrangeiro fez o seu pronunciamento, nada aconteceu, pois
as pessoas C e D viam as pessoas A e B com olhos azuis e a pessoa
A via a pessoa B com olhos azuis e vice-versa. Já no segundo dia, a
pessoa A teve o seguinte pensamento:
22 1 Primeiros Passos
Se eu tivesse olhos verdes, a pessoa B teria descoberto que
tinha olhos azuis ontem, pois ela veria três pessoas de olhos
verdes. Como ela não se suicidou ontem, eu tenho olhos
azuis.
Pensando da mesma forma, a pessoa B descobriu que também tinha
olhos azuis. Por isso, à meia-noite do segundo dia, as pessoas A e B
se suicidaram.
O que aconteceu depois? As pessoas C e D ainda tinham a dúvida
da cor de seus olhos. Para chegar à conclusão de que seus olhos são
verdes, no terceiro dia, a pessoa C pensou assim:
Bem, se eu tivesse olhos azuis, as pessoas A e B veriam
cada uma duas pessoas com olho azul. Logo, elas não te-
riam se suicidado no segundo dia, pois não conseguiriam
deduzir a cor de seus olhos. Logo, tenho olhos verdes.
Ufa!
Do mesmo modo, a pessoa D conseguiu descobrir a cor de seus olhos.
Analisando de modo semelhante, conseguiremos deduzir que no
problema original as cinco pessoas de olhos azuis descobrirão que pos-
suem olhos azuis e juntas se suicidarão no quinto dia após o pronun-
ciamento do estrangeiro.
Agora vamos descobrir a resposta da segunda pergunta do enun-
ciado: que informação nova o estrangeiro trouxe? Aparentemente
nada de novo foi acrescentado pela frase do estrangeiro, pois cada
pessoa estava vendo alguma pessoa com olhos azuis. Mas isso não é
verdade.
Para ver isso e descobrir qual é a nova informação que o estrangeiro
trouxe, vamos voltar ao caso de somente duas pessoas na ilha, uma
1.5 Soluções dos Problemas da Seção 1.4 23
de olhos azuis e outra de olhos verdes. Neste caso, a pessoa de olhos
azuis somente vê uma pessoa de olhos verdes. Com a informação de
que existe uma pessoa de olhos azuis ela pode descobrir a cor de seus
olhos. Note que a pessoa de olhos verdes já sabia que existia pelo
menos uma pessoa de olhos azuis. Mas ela não sabia que a pessoa
de olhos azuis tinha conhecimento de que na ilha existia alguém com
olhos azuis. Essa é a nova informação que o estrangeiro trouxe.
Solução do Problema 1.10. Uma primeira solução é cortar a cor-
rente 30 vezes, separando todos os elos. Porém, essa não é a melhor so-
lução, como veremos a seguir. Vamos iniciar nossa análise observando
que para pagar o primeiro dia precisamos dar um corte na corrente.
Assim, o gerente receberá um elo. O pulo do gato do problema vem
agora: para pagar o 2 dia, vamos cortar a corrente de modo a separar
dois elos de uma vez. Assim, daremos dois elos ao gerente e ele de-
volverá um elo de troco. Com este elo pagaremos o terceiro dia. Note
que pagamos três dias fazendo dois cortes na corrente, como mostra a
tabela:
Gerente Viajante
Elos 1, 2 28
Note que o número 2 denota o pedaço que contém 2 elos. Para
pagar o 4 dia, cortaremos a corrente de modo a obter um pedaço
com quatro elos. Entregamos ao gerente este pedaço e recebemos
de troco um elo solto e um pedaço com dois elos. Com o elo solto,
pagamos o 5 dia. Assim, no 5 dia teremos os seguintes grupos de
elos:
Gerente Viajante
Elos 1, 4 2, 24
24 1 Primeiros Passos
Assim, pagamos o 6 dia com o pedaço que contém dois elos e
receberemos o elo solto de troco. Finalmente pagaremos o 7 dia com
o elo solto. Note que foi possível pagar 7 dias com apenas três cortes na
corrente. A continuação do procedimento está quase revelada. Para
pagar o 8 dia, cortaremos um pedaço com oito elos. Daremos este
pedaço e receberemos de troco 7 elos, sendo um elo solto, um pedaço
com 4 e um pedaço com dois elos. Repetindo o procedimento anterior,
pagaremos os 7 dias seguintes, pagando até o 15 dia sem precisar de
cortes adicionais. Ou seja, para pagar os 15 primeiros dias, precisamos
de 4 cortes na corrente. Neste momento, a corrente está distribuída
do seguinte modo:
Gerente Viajante
Elos 1, 2, 4, 8 16
Para pagar o 16 dia, entregaremos ao gerente o pedaço com os 16
elos restantes, recebendo 15 elos divididos em pedaços de 1, 2, 4 e 8
elos. Se repetirmos o processo, pagaremos o hotel até o 31 dia sem
precisar de novos cortes. Assim, o mínimo número de cortes é 4.
Solução do Problema 1.11. Para resolver este problema vamos usar
a estratégia de mudar a representação. O que signica isso? Vamos
reescrever o problema com outros ingredientes, porém sem alterar em
nada sua essência. Primeiramente, enumere as casas do tabuleiro com
os números 1, 2, . . . , 9, como na Figura 1.4.
Vamos agora associar ao tabuleiro, um conjunto de nove pontos
também enumerados com os números 1, 2, . . . , 9. Se for possível sair
de uma casa i e chegar à casa j com apenas uma jogada do cavalo,
colocaremos um segmento ligando os pontos i e j. Por exemplo, é
1.5 Soluções dos Problemas da Seção 1.4 25
1 2 3
4 5 6
7 8 9
Figura 1.4: Tabuleiro de 9 casas
possível, saindo da casa 1 chegar à casa 6 e a casa 8. Desse modo,
o ponto com número 1 está ligado com o ponto com número 8. Se
analisarmos todas as possíveis ligações entre os pontos obteremos um
esquema com o mostrado na Figura 1.5
•5• •1 86 34927
•
•
•••
•
Figura 1.5: Conexões das casas
•5• •1 86 34927
•
•
•••
•
Figura 1.6: Tabuleiro (a)
Assim, se colocarmos os cavalos como no tabuleiro (a), teremos
a situação descrita na Figura 1.6. Deste modo, ca evidente que não
podemos trocar a posição dos cavalos branco e preto sem que em algum
momento eles ocupem a mesma casa.
26 1 Primeiros Passos
1.6 Exercícios
1. Uma sacola contém meias cujas cores são branca, preta, amarela
e azul. Sem olhar para a sacola, qual é a quantidade mínima de
meias que precisamos retirar da mesma para garantir pelo menos
um par de meias da mesma cor?
2. O pai do padre é lho único de meu pai. O que eu sou do padre?
3. Numa mesa há 5 cartas:
Q T 3 4 6
Cada carta tem de um lado um número natural e do outro lado
uma letra. João arma: Qualquer carta que tenha uma vogal
tem um número par do outro lado. Pedro provou que João
mente virando somente uma das cartas. Qual das 5 cartas foi a
que Pedro virou?
4. A polícia prende 4 homens, um dos quais é culpado de um furto.
Eles fazem as seguintes declarações:
• Arnaldo: Bernaldo é o culpável.
• Bernaldo: Cernaldo é o culpável.
• Dernaldo: eu não sou culpável.
• Cernaldo: Bernaldo mente ao dizer que eu sou culpável.
Se se sabe que só uma destas declarações é a verdadeira, quem
é culpável pelo furto?
1.6 Exercícios 27
5. Numa cidade existe uma pessoa X que sempre mente terças,
quintas e sábados e é completamente sincera o resto dos dias
da semana. Felipe chega um certo dia na cidade e mantém o
seguinte diálogo com a pessoa X:
Felipe: Que dia é hoje?
X: Sábado.
Felipe: Que dia será amanhã?
X: Quarta-feira.
Em qual dia da semana foi mantido este diálogo?
6. Divida o relógio de parede abaixo em 6 partes iguais de forma tal
que a soma das horas que cam em cada parte seja a mesma.n12 1 234567891011 •
7. João adora Gabriela, que é uma aluna excelente em Matemática.
João armou um plano para dar um beijo nela, e descobriu que
poderá fazer isso apenas dizendo uma frase. Que frase é essa?
8. No plano se colocam 187 rodas dentadas do mesmo diâmetro,
enumeradas de 1 até 187. A roda 1 é acoplada com a roda 2, a 2
com a 3, . . . , a 186 com a 187 e esta última com a roda 1. Pode
tal sistema girar?
28 1 Primeiros Passos
9. Um canal, em forma quadrada, de 4 metros de largura rodeia um
castelo. A ponte do castelo está fechada e um intruso quer entrar
no castelo usando duas pranchas de 3,5 metros de comprimento.
Será que o intruso consegue?
10. Os números 1, 2, 3, . . . , 99 são escritos no quadro-negro e é permi-
tido realizar a seguinte operação: apagar dois deles e substituí-
los pela diferença do maior com o menor. Fazemos esta operação
sucessivamente até restar apenas um último número no quadro.
Pode o último número que restou ser o zero?
11. Alguém elege dois números, não necessariamente distintos, no
conjunto de números naturais 2, . . . , 20. O valor da soma destes
números é dado somente a Adriano (A) e o valor do produto dos
números é dado unicamente a Karla (K).
Pelo telefone A diz a K: Não é possível que descubras minha
soma.
Uma hora mais tarde, K lhe diz a A: Ah! sabendo disso, já
sei quanto vale tua soma!
Mais tarde A chama outra vez a K e lhe informa: Poxa,
agora eu também conheço teu produto!
Quais números foram eleitos?
12. É possível cobrir um tabuleiro de xadrez com 31 dominós onde
removemos as casas dos vértices superior esquerdo e inferior di-
reito?
13. Num saco encontram-se 64 moedas leves e 64 moedas pesadas.
1.6 Exercícios 29
É possível separar duas moedas de pesos diferentes com 7 pesa-
gens?
14. Quantas vezes precisamos dobrar um papel de 1mm de espessura
para que a altura da pilha chegue da Terra à Lua?
15. Descubra o erro da prova da armação abaixo:
Armação: Três é igual a dois.
Seja x um número diferente de zero. Temos que:
3x− 3x = 2x− 2x.
Colocando x− x em evidência, temos que:
3(x− x) = 2(x− x).
Cancelando x− x em ambos os lados, obtemos que 3 = 2.
30 1 Primeiros Passos
2
Equações e Inequações
Álgebra é generosa; ela geralmente nos dá mais do que lhe pedimos.D'AlembertNa antiguidade, todo conhecimento matemático era passado de
geração para geração através de receitas. A falta de símbolos e notação
adequada complicava substancialmente a vida de quem precisava usar
a Matemática e de quem apreciava sua beleza. Por exemplo, o uso de
letras (x, y, z etc.) para representar números desconhecidos não tinha
sido inventado ainda. Isso só veio ocorrer por volta dos meados do
século XVI, ou seja, a menos de 500 anos atrás.
Apesar disso, o conhecimento matemático das antigas civilizações
era surpreendente. Os egípcios, babilônios, gregos e vários outros po-
vos tinham o domínio de métodos e técnicas que são empregados hoje,
como soluções de equações do primeiro e segundo graus, inteiros que
são soma de quadrados e vários outros conhecimentos. Especialmente
os gregos, cuja cultura matemática resistiu aos tempos com a preser-
vação de Os Elementos de Euclides, tinham desenvolvido e catalisado
31
32 2 Equações e Inequações
muitos dos avanços da época.
Entretanto, todos os resultados tinham uma linguagem através dos
elementos de geometria, mesmo aqueles que só envolviam proprieda-
des sobre os números. Essa diculdade deve-se em parte aos sistemas
de numeração que eram utilizados pelos gregos e, posteriormente, pe-
los romanos, que eram muito pouco práticos para realizar operações
matemáticas.
Por volta de 1.100, viveu na Índia Bhaskara, um dos mais impor-
tantes matemáticos de sua época. Apesar de suas contribuições terem
sido muito profundas na Matemática, incluindo-se aí resultados sobre
equações diofantinas, tudo indica que Bhaskara não foi o primeiro a
descobrir a fórmula, que no Brasil chamamos de fórmula de Bhaskara,
assim como Pitágoras não deve ter sido o primeiro a descobrir o te-
orema que leva o seu nome, já que 3.000 a.c. os babilônios tinham
conhecimento de ternas pitagóricas de números inteiros bem grandes.
Apesar de ter conhecimento de como solucionar uma equação do
segundo grau, a fórmula que Bhaskara usava não era exatamente igual
a que usamos hoje em dia, sendo mais uma receita de como encontrar
as raízes de uma equação. Para encontrar essas raízes, os indianos
usavam a seguinte regra:
Multiplique ambos os membros da equação pelo número que vale
quatro vezes o coeciente do quadrado e some a eles um número igual
ao quadrado do coeciente original da incógnita. A solução desejada
é a raiz quadrada disso.
O uso de letras para representar as quantidades desconhecidas só
veio a se tornar mais popular com os árabes, que também desenvol-
veram um outro sistema de numeração, conhecido como indo-arábico.
Destaca-se também a participação do matemático francês François
2.1 Equações do Primeiro Grau 33
Vièti, que aprimorou esse uso dos símbolos algébricos em sua obra In
artem analyticam isagoge e desenvolveu um outro método para resol-
ver a equação do segundo grau.
Na seção seguinte estudaremos com detalhe a equação do primeiro
grau, e como podemos utilizá-la para resolver alguns problemas em
Matemática.
2.1 Equações do Primeiro Grau
Iniciamos nossa discussão resolvendo o seguinte problema:
Exemplo 2.1. Qual é o número cujo dobro somado com sua quinta
parte é igual a 121?
Solução: Vamos utilizar uma letra qualquer, digamos a letra x, para
designar esse número desconhecido. Assim, o dobro de x é 2x e sua
quinta parte é x/5. Logo, usando as informações do enunciado, obte-
mos que:
2x+x
5= 121,
ou ainda,
10x+ x = 605,
onde 11x = 605. Resolvendo, temos que x = 605/11 = 55.
Se você já teve contato com o procedimento de resolução do exem-
plo acima, notou que o principal ingrediente é a equação do primeiro
grau em uma variável.
Denição 2.2. Uma equação do primeiro grau na variável x é uma
expressão da forma
ax+ b = 0,
34 2 Equações e Inequações
onde a 6= 0, b ∈ R e x é um número real a ser encontrado.
Por exemplo, as seguintes equações são do primeiro grau:
(a) 2x− 3 = 0.
(b) −4x+ 1 = 0.
(b)3
2x− π = 0.
Para trabalhar com equações e resolvê-las, vamos pensar no mo-
delo da balança de dois pratos. Quando colocamos dois objetos com
o mesmo peso em cada prato da balança, os pratos se equilibram.
Quando os pratos estão equilibrados, podemos adicionar ou retirar a
mesma quantidade de ambos os pratos, que ainda assim eles perma-
necerão equilibrados. Essa é uma das principais propriedades quando
estamos trabalhando com uma equação. Em geral, para resolver uma
equação, utilizamos as seguintes propriedades da igualdade entre dois
números:
Propriedade 1. Se dois números são iguais, ao adicionarmos a
mesma quantidade a cada um destes números, eles ainda permane-
cem iguais. Em outras palavras, escrevendo em termos de letras, se a
e b são dois números iguais, então a+ c é igual a b+ c, ou seja,
a = b =⇒ a+ c = b+ c.
Note que podemos tomar c um número negativo, o que signica
que estamos subtraindo a mesma quantidade dos dois números. Por
exemplo, se x é um número qualquer que satisfaz
5x− 3 = 6,
2.1 Equações do Primeiro Grau 35
somando-se 3 a ambos os lados da equação acima, obtemos que x deve
satisfazer:
(5x− 3) + 3 = 6 + 3, ou seja, 5x = 9.
Propriedade 2. Se dois números são iguais, ao multiplicarmos a
mesma quantidade por cada um destes números, eles ainda permane-
cem iguais. Em outras palavras, escrevendo em termos de letras, se a
e b são dois números iguais, então a · c é igual a b · c, ou seja,
a = b =⇒ ac = bc.
Por exemplo, se 5x = 9 podemos multiplicar ambos os lados da
igualdade por 1/5 para obter
x =5x
5=
9
5,
encontrando o número que satisfaz a equação 5x− 3 = 6.
Para nos familiarizarmos um pouco mais com a linguagem das
equações, vamos pensar no seguinte problema:
Exemplo 2.3. Para impressionar Pedro, Lucas propôs a seguinte
brincadeira:
- Escolha um número qualquer.
- Já escolhi, disse Pedro.
- Multiplique este número por 6. A seguir, some 12. Divida o que
você obteve por 3. Subtraia o dobro do número que você escolheu. O
que sobrou é igual a 4!
Pedro realmente cou impressionado com a habilidade de Lucas.
Mas não há nada de mágico nisso. Você consegue explicar o que Lucas
fez?
36 2 Equações e Inequações
Solução: Na verdade, Lucas tinha conhecimento de como operar com
equações. Vamos ver o que Lucas fez de perto, passo a passo, utili-
zando a linguagem das equações. Para isso, vamos chamar a quanti-
dade que Pedro escolheu de x:
• Escolha um número: x.
• Multiplique este número por 6: 6x.
• A seguir, some 12: 6x+ 12.
• Divida o que você obteve por 3:6x+ 12
3= 2x+ 4.
• Subtraia o dobro do número que você escolheu: 2x+ 4−2x = 4.
• O que sobrou é igual a 4!
Observação 2.4. Devemos ter cuidado na hora de efetuar divisões em
ambos os lados de uma equação, para não cometer o erro de dividir
os lados de uma igualdade por zero. Por exemplo, podemos dar uma
prova (obviamente) falsa de que 1 = 2, utilizando o seguinte tipo de
argumento: sempre é verdade que
x+ 2x = 2x+ x.
Logo,
x− x = 2x− 2x
Colocando (x− x) em evidência:
1(x− x) = 2(x− x)
Dividindo por (x − x) os dois lados da igualdade acima, temos que
1 = 2. Qual o erro?
2.1 Equações do Primeiro Grau 37
Para encontrar a solução da equação ax + b = 0, procedemos do
seguinte modo:
• Somamos −b a ambos os lados da equação, obtendo
ax+ b+ (−b) = 0 + (−b)⇐⇒ ax = −b.
Note que como somamos a mesma quantidade aos dois lados da
equação, ela não se alterou.
• Dividimos os dois lados da equação por a 6= 0. Isso também não
altera a igualdade e nos dá que o valor de x é:
ax
a=−ba⇐⇒ x = − b
a.
Assim, a solução da equação ax+ b = 0 é
x = − b
a.
2.1.1 Problemas Resolvidos
Vamos ver agora alguns problemas que podem ser solucionados utili-
zando as equações do primeiro grau.
Problema 2.5. Se x representa um dígito na base 10 e a soma
x11 + 11x+ 1x1 = 777,
quem é x?
38 2 Equações e Inequações
Solução: Para resolver este problema, precisamos nos recordar que se
abc é a escrita de um número qualquer na base 10, então esse número
é igual a 102a+ 10b+ c. Assim, temos que
x11 = 100x+ 11
11x = 110 + x
1x1 = 101 + 10x
Logo, temos a seguinte equação do primeiro grau:
100x+ 11 + 110 + x+ 101 + 10x = 777 ou 111x+ 222 = 777
Logo,
x =777− 222
111= 5.
Problema 2.6. Determine se é possível completar o preenchimento
do tabuleiro abaixo com os números naturais de 1 a 9, sem repetição,
de modo que a soma de qualquer linha seja igual a de qualquer coluna
ou diagonal.
1 6
9
Solução: Primeiro, observe que a soma de todos os números naturais
de 1 a 9 é 45. Assim, se denotamos por s o valor comum da soma dos
elementos de uma linha, somando as três linhas do tabuleiro, temos
que:
45 = 1 + 2 + · · ·+ 9 = 3s,
Onde s deve ser igual a 15. Assim, chamando de x o elemento da
primeira linha que falta ser preenchido,
2.1 Equações do Primeiro Grau 39
1 x 6
9
temos que 1 + x + 6 = 15. Logo, x = 8. Assim, observando a coluna
que contém 8 e 9, temos que sua soma é maior que 15. Logo, não é
possível preencher o tabuleiro de modo que todas as linhas e colunas
tenham a mesma soma.
Os quadrados de números com essas propriedades se chamam qua-
drados mágicos. Tente fazer um quadrado mágico. Você já deve ter
percebido que no centro do quadrado não podemos colocar o número
9. De fato, vamos descobrir no exemplo abaixo qual é o número que
deve ser colocado no centro de um quadrado mágico.
Problema 2.7. Descubra os valores de x de modo que seja possível
completar o preenchimento do quadrado mágico abaixo:
x
Solução: Para descobrir x, vamos utilizar o fato de que a soma de
qualquer linha, coluna ou diagonal é igual a 15, já obtido no exemplo
anterior. Se somarmos todas as linhas, colunas e diagonais que contêm
x, teremos que a soma será 4 · 15 = 60, pois existem exatamente uma
linha, uma coluna e duas diagonais que contêm x. Note também que
cada elemento do quadrado mágico será somado exatamente uma vez,
exceto x que será somado quatro vezes. Assim:
1 + 2 + 3 + 4 + · · ·+ 9 + 3x = 60,
onde temos que 45 + 3x = 60 e consequentemente x = 5.
40 2 Equações e Inequações
O problema a seguir é um fato curioso que desperta nossa atenção
para como a nossa intuição às vezes é falha.
Problema 2.8. Imagine que você possui um o de cobre extrema-
mente longo, mas tão longo que você consegue dar a volta na Terra
com ele. Para simplicar a nossa vida e nossas contas, vamos supor
que a Terra é uma bola redonda (o que não é exatamente verdade)
sem nenhuma montanha ou depressão e que seu raio é de exatamente
6.378.000 metros.
O o com seus milhões de metros está ajustado à Terra, cando
bem colado ao chão ao longo do equador. Digamos agora que você
acrescente 1 metro ao o e o molde de modo que ele forme um círculo
enorme, cujo raio é um pouco maior que o raio da Terra e tenha o
mesmo centro. Você acha que essa folga será de que tamanho?
Nossa intuição nos leva a acreditar que como aumentamos tão
pouco o o, a folga que ele vai ter será também muito pequena, di-
gamos alguns poucos milímetros. Mas veremos que isso está comple-
tamente errado!
Solução. Utilizaremos para isso a fórmula que diz que o comprimento
C de um círculo de raio r é
C = 2πr,
onde π (lê-se pi) é um número irracional que vale aproximadamente
3, 1416 (veja a observação a seguir).
De fato, o comprimento da Terra CT calculado com essa fórmula é
aproximadamente:
CT = 2πrT ∼= 2× 3, 1415× 6.378.000 = 40.072.974 metros,
2.1 Equações do Primeiro Grau 41
onde rT é o raio da Terra.
Se chamamos de x o tamanho da folga obtida em metros e rf o raio
do o, temos que a folga será igual a x = rf −rT . Logo, basta calcularrf . Por um lado, o comprimento do o é igual a CT + 1 = 40.072.975.
Logo,
40.072.975 = 2πrf onde rf =40.072.975
2π.
Fazendo o cálculo acima, temos que rf é aproximadamente igual
a 6.378.000, 16 metros. Assim, x é aproximadamente igual a x =
rf − rT = 0, 16 metros, ou seja, 16 centímetros!
Observação 2.9. Vale observar que a folga obtida aumentando o o
não depende do raio em consideração. Por exemplo, se repetíssemos
esse processo envolvendo a Lua em vez da Terra, obteríamos que ao
aumentar o o em um metro, a folga obtida seria dos mesmos 16
centímetros. Verique isso!
Observação 2.10. De fato, podemos denir (e calcular!) o número
π de várias maneiras práticas. Vamos considerar dois experimentos
(que se você não conhece π deve fazer):
Experimento 1: Pegar um cinto e fazer um círculo com ele. Calcule
o comprimento do cinturão e divida pelo diâmetro do círculo obtido.
Experimento 2: Pegar uma tampa de uma lata e medir o compri-
mento do círculo da tampa e dividir pelo diâmetro da tampa.
Se você efetuou os cálculos acima com capricho, deve ter notado
que o número obtido é aproximadamente o mesmo. Se nossos círculos
fossem perfeitos (eles nunca são: sempre têm algumas imperfeições)
obteríamos o número π. Uma aproximação para π é
π ∼= 3, 1415926535897932384626433832795.
42 2 Equações e Inequações
2.2 Sistemas de Equações do Primeiro Grau
Nesta seção iremos discutir situações onde queremos descobrir mais de
uma quantidade, que se relacionam de modo linear, ou seja, através
de equações do primeiro grau. Por exemplo, considere o seguinte pro-
blema:
Exemplo 2.11. João possui 14 reais e deseja gastar esse dinheiro em
chocolates e sanduíches para distribuir com seus 6 amigos, de modo
que cada um que exatamente com um chocolate ou um sanduíche.
Sabendo que cada chocolate custa 2 reais e cada sanduíche custa 3
reais, quantos chocolates e sanduíches João deve comprar?
Para resolver esse problema, vamos chamar de x a quantidade de
chocolates que João deve comprar e y o número de sanduíches. Assim,
como João deseja gastar 14 reais, temos que
2x+ 3y = 14. (2.1)
Como João comprará exatamente 6 guloseimas, uma para cada amigo,
temos que
x+ y = 6. (2.2)
Note que não encontramos uma equação do primeiro grau em uma
variável e sim duas equações do primeiro grau em duas variáveis. Esse
é um caso particular de um sistema de equações do primeiro grau em
várias variáveis.
Denição 2.12. Uma equação do primeiro grau nas variáveis x1, x2,
. . . , xn é uma expressão da forma
a1x1 + a2x2 + · · ·+ anxn + b = 0,
2.2 Sistemas de Equações do Primeiro Grau 43
onde os números a1, a2, . . . , an são diferentes de zero e b é um número
real.
Por exemplo,
2x− 3y = 0
é uma equação do primeiro grau nas variáveis x e y. Assim como,
2a− b+c
3= 5
é uma equação do primeiro grau nas variáveis a, b e c.
Dizemos que os números (r1, r2, . . . , rn) formam uma solução da
equação, se substituindo x1 por r1, x2 por r2, . . . , xn por rn, temos
que a equação acima é satisfeita, isto é, a1r1 +a2r2 + · · ·+anrn+b = 0.
Por exemplo, (3, 2) é uma solução da equação 2x− 3y = 0 acima,
pois
2 · 3− 3 · 2 = 0.
Note que a ordem que apresentamos os números importa, pois (2, 3)
não é solução da equação 2x − 3y = 0, já que 2 · 2 − 3 · 3 = −5 6= 0.
Do mesmo modo, (2, 0, 3) é solução da equação 2a− b+c
3= 5, pois
2 · 2− 0 +3
3= 5.
Denição 2.13. Um sistema de equações do primeiro grau em n
variáveis x1, x2, . . ., xn é um conjunto de k equações do primeiro
grau em algumas das variáveis x1, x2, . . . , xn, isto é, tem-se o seguinte
conjunto de equaçõesa11x1 + a12x2 + · · ·+ a1nxn + b1 = 0,
a21x1 + a22x2 + · · ·+ a2nxn + b2 = 0,
· · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · ·ak1x1 + ak2x2 + · · ·+ aknxn + bk = 0,
(2.3)
44 2 Equações e Inequações
onde alguns dos elementos aij (1 ≤ i ≤ k, 1 ≤ j ≤ n) podem ser zero.
Porém, em cada uma das equações do sistema algum coeciente aij é
diferente de zero e, além disso, cada variável xj aparece em alguma
equação com coeciente distinto de zero.
Dizemos que os números (r1, r2, . . . , rn) formam uma solução do
sistema de equações (2.3) se (r1, r2, . . . , rn) é solução para todas as
equações simultaneamente.
Quando resolvemos um sistema de equações do primeiro grau, po-
dem acontecer três situações:
(a) o sistema tem uma única solução;
(b) o sistema tem uma innidade de soluções;
(c) o sistema não possui solução.
A seguir ilustramos com exemplos cada uma das situações acima.
Situação (a): Retomamos o sistema proposto no Exemplo 2.11, o
qual se encaixa neste caso.2x+ 3y = 14,
x+ y = 6.
Isolamos o valor de uma das variáveis numa das equações. Por conveni-
ência nos cálculos isolamos o valor de x na segunda equação, obtendo:
x = 6− y.
A seguir, substituímos esse valor na outra equação, obtendo uma equa-
2.2 Sistemas de Equações do Primeiro Grau 45
ção do primeiro grau. Resolvendo temos:
2(6− y) + 3y = 14,
12− 2y + 3y = 14,
y = 2.
Assim, y = 2. Imediatamente, encontramos o valor de x = 6− 2 = 4.
Vamos agora resolver alguns problemas semelhantes.
Situação (b): Consideremos os sistema de primeiro grau nas variáveis
x, y e z dado por x+ y − z − 1 = 0,
x− y − 1 = 0.(2.4)
Da segunda equação segue-se que
x = y + 1. (2.5)
Substituindo esta expressão na primeira equação obtemos
(y + 1) + y − z − 1 = 0,
2y − z = 0,
z = 2y. (2.6)
Notemos que as variáveis x e z são resolvidas em função da variável y,
a qual não possui nenhuma restrição, de modo que se y assumir um
valor real t então x e z cam automaticamente determinadas por este
valor t. Isto é, para todo t real, de (2.5) e (2.6) tem-se que
x = t+ 1, y = t, z = 2t
é solução do sistema (2.4) e, portanto, temos innitas soluções para
este.
46 2 Equações e Inequações
Situação (c): Consideremos agora o sistema de primeiro grau nas
variáveis x, y e z dado porx+ y + 2z − 1 = 0,
x+ z − 2 = 0,
y + z − 3 = 0.
(2.7)
Neste caso, da segunda e da terceira equação segue-se que
x = 2− z e y = 3− z.
Substituindo estas expressões na primeira equação obtém-se
(2− z) + (3− z) + 2z − 1 = 0⇐⇒ 4 = 0,
o que é uma incompatibilidade. Logo, este sistema não tem solução.
Observação 2.14. Os sistemas de equações de primeiro grau são tam-
bém conhecidos como sistemas de equações lineares. Quando um sis-
tema de equações lineares envolve muitas variáveis não é tão fácil
resolvê-lo se não se organiza com cuidado seu processo de resolução.
Existe uma teoria bem conhecida e amplamente divulgada sobre mé-
todos de resolução para esse tipo de sistemas. Um dos métodos mais
usado e eciente para resolver sistemas lineares é o método de elimi-
nação gaussiana. O leitor interessado pode consultar [7].
2.2.1 Problemas Resolvidos
O problema a seguir foi proposto na primeira fase da Olimpíada Bra-
sileira de Matemática.
2.2 Sistemas de Equações do Primeiro Grau 47
Problema 2.15. Passarinhos brincam em volta de uma velha árvore.
Se dois passarinhos pousam em cada galho, um passarinho ca voando.
Se todos os passarinhos pousam, com três em cada galho, um galho ca
vazio. Quantos são os passarinhos?
Solução: Vamos chamar de p o número de passarinhos e g o número
de galhos da árvore. Temos que se dois passarinhos pousam em cada
galho, um passarinho ca voando, ou seja,
2g = p− 1.
Além disso, se todos os passarinhos pousam, com três em um mesmo
galho, um galho ca vazio:
3(g − 1) = p.
Substituindo na equação anterior, temos que 2g = 3g − 3 − 1, onde
segue-se que g = 4 e p = 9.
Problema 2.16. Quanto medem as áreas A1 e A2 na gura abaixo,
sabendo que o quadrado tem lado 1 e as curvas são arcos de círculos
com centros nos vértices V1 e V2 do quadrado, respectivamente.
A1
A2
V2
V
Solução: Aplicando relações de áreas na gura temos queA1 + A2 = π
4,
A1 + 2A2 = 1,
48 2 Equações e Inequações
ou seja, chegamos a um sistema de equações do primeiro grau com
duas incógnitas A1 e A2. Da primeira equação temos que
A1 =π
4− A2;
substituindo esta na segunda equação obtemos
π
4− A2 + 2A2 = 1,
de ondeπ
4+ A2 = 1.
Logo, A2 = 1− π4
e A1 = π4−(1− π
4
)= π
2− 1.
Problema 2.17. Carlos e Cláudio são dois irmãos temperamentais
que trabalham carregando e descarregando caminhões de cimento. Para
Carlos e Cláudio tanto faz carregar ou descarregar o caminhão, o tra-
balho realizado por eles é o mesmo. Quando estão de bem, trabalham
juntos e conseguem carregar um caminhão em 15 minutos. Cláudio
é mais forte e trabalha mais rápido conseguindo carregar sozinho um
caminhão em 20 minutos.
(a) Um dia, Cláudio adoeceu e Carlos teve que carregar os caminhões
sozinho. Quanto tempo ele leva para carregar cada um?
(b) Quando os dois brigam, Carlos costuma se vingar descarregando
o caminhão, enquanto Cláudio o carrega com sacos de cimento.
Quanto tempo Cláudio levaria para carregar o caminhão com
Carlos descarregando?
Solução: Vamos chamar de x a quantidade de sacos que Cláudio car-
rega por minuto e y a quantidade de sacos que Carlos carrega por
2.3 Equação do Segundo Grau 49
minuto. Como Cláudio carrega mais que Carlos, sabemos que y < x.
Do enunciado, sabemos que os dois juntos carregam um caminhão em
15 minutos. Se um caminhão tem capacidade para c sacos, temos que:
15x+ 15y = c.
Além disso, sabemos que Cláudio sozinho carrega o mesmo caminhão
em 20 minutos. Logo,
20x = c.
Assim, igualando as duas equações, temos que
15x+ 15y = 20x, onde 15y = 20x− 15x = 5x.
Logo, dividindo ambos os lados por 5, temos que 3y = x. Assim, Cláu-
dio carrega três vezes mais sacos que Carlos e a resposta do primeiro
item é 20× 3 minutos, já que 60y = 20× 3y = 20x = c.
Para descobrir quanto tempo os dois levam para carregar o cami-
nhão quando estão brigados, observamos que a cada minuto eles car-
regam x − y sacos, ou seja, 3y − y = 2y sacos. Logo, precisam de 30
minutos, já que 30× 2y = 60y = c.
2.3 Equação do Segundo Grau
Como já mencionamos em nossa introdução, o conhecimento de mé-
todos para solucionar as equações do segundo grau remonta às civi-
lizações da antiguidade, como os babilônios e egípcios. Apesar disso,
a fórmula que conhecemos por fórmula de Bhaskara, em homenagem
ao matemático indiano de mesmo nome e que determina as soluções
de uma equação do segundo grau, só veio a aparecer do modo que
usamos muito mais tarde, com o francês Vièti. Nesta seção iremos
deduzir esta fórmula e aplicá-la a alguns problemas interessantes.
50 2 Equações e Inequações
2.3.1 Completando Quadrados
Um modo de resolver uma equação do segundo grau é o método de
completar quadrados. Ele consiste em escrever a equação numa forma
equivalente que nos permita concluir quais são as soluções diretamente.
Vamos ilustrar isso com um exemplo, resolvendo a equação
x2 − 6x− 8 = 0.
Podemos escrever essa equação como:
x2 − 6x = 8.
Somando 9 ao lado esquerdo, obtemos x2− 6x+ 9 que é o mesmo que
(x− 3)2. Assim, somando 9 a ambos os lados da equação, obtemos:
(x− 3)2 = 9 + 8 = 17.
Logo, x− 3 =√
17 ou x− 3 = −√
17. Logo, as soluções são:
x1 = 3 +√
17 e x2 = 3−√
17.
Denição 2.18. A equação do segundo grau com coecientes a, b e c
é uma expressão da forma:
ax2 + bx+ c = 0, (2.8)
onde a 6= 0, b, c ∈ R e x é uma variável real a ser determinada.
Para encontrar as soluções desta equação, vamos proceder do se-
guinte modo: isolando o termo que não contém a variável x do lado
direito da igualdade na equação (2.8)
ax2 + bx = −c
2.3 Equação do Segundo Grau 51
e dividindo os dois lados por a, obtemos:
x2 +b
ax =−ca.
Agora vamos acrescentar um número em ambos os lados da equa-
ção acima, de modo que o lado esquerdo da igualdade seja um qua-
drado perfeito. Para isso, observe que é necessário adicionar b2
4a2aos
dois lados da igualdade. Assim, temos que:(x+
b
2a
)2
= x2 + 2b
2ax+
(b
2a
)2
=b2
4a2− c
a=b2 − 4ac
4a2.
Em geral, chamamos a expressão b2−4ac de discriminante da equação
(2.8) e denotamos pela letra maiúscula ∆ (lê-se delta) do alfabeto
grego. Assim, podemos escrever a igualdade anterior como:(x+
b
2a
)2
=b2 − 4ac
4a2=
∆
4a2. (2.9)
Por isso, para que exista algum número real satisfazendo a igual-
dade acima, devemos ter que ∆ ≥ 0, já que o termo da esquerda na
igualdade é maior ou igual a zero. Extraindo a raiz quadrada quando
∆ ≥ 0, temos as soluções:
x+b
2a=
√b2 − 4ac
2ae x+
b
2a= −√b2 − 4ac
2a.
Assim, obtemos as seguintes soluções:
x1 = − b
2a+
√b2 − 4ac
2a=
−b+√∆
2a
e
52 2 Equações e Inequações
x2 = − b
2a−
√b2 − 4ac
4a2=
−b−√∆
2a.
Em resumo,
• Se ∆ > 0 existem duas soluções reais.
• Se ∆ = 0 só existe uma solução real (x1 = x2 = −b/2a).
• Se ∆ < 0 não existe solução real.
A seguir apresentamos alguns exemplos.
Exemplo 2.19. Encontre as soluções da equação 2x2 − 4x+ 2 = 0.
Solução: Observe que a = 2, b = −4 e c = 2. Logo,
∆ = b2 − 4ac = (−4)2 − 4 · 2 · 2 = 0.
Assim, a única solução é x = − b
2a=
4
4= 1.
Exemplo 2.20. Encontre as raízes da seguinte equação do segundo
grau:
x2 − x− 1 = 0.
Solução: Basta aplicarmos diretamente a fórmula que acabamos de
deduzir. Como a = 1, b = −1 e c = −1, calculando ∆ temos:
∆ = b2 − 4ac = (−1)2 − 4 · 1 · (−1) = 5.
Logo, as soluções são
x1 =−b+
√∆
2a=
1 +√
5
2e x2 =
−b−√
∆
2a=
1−√
5
2.
2.3 Equação do Segundo Grau 53
Exemplo 2.21. Sabendo que x é um número real que satisfaz
x = 1 +1
1 +1
x
,
determine os valores possíveis de x.
Solução: A solução desse problema consiste numa simples manipula-
ção algébrica, que feita com cuidado nos levará a uma equação do
segundo grau. Com efeito,
1 +1
x=x+ 1
x.
Logo,
1 +1
1 +1
x
= 1 +x
1 + x=
1 + 2x
1 + x.
Então devemos ter x =1 + 2x
1 + x, de onde segue-se que
x2 + x = 1 + 2x⇐⇒ x2 − x− 1 = 0.
Resolvendo a equação tem-se
x1 =1 +√
5
2e x2 =
1−√
5
2.
Observação 2.22. O número (1+√5)/2 é chamado de razão áurea.
Este número recebe essa denominação pois, frequentemente, as pro-
porções mais belas e que a natureza nos proporciona estão próximas
da razão áurea. Por exemplo, no arranjo das pétalas de uma rosa, nas
espirais que aparecem no abacaxi, na arquitetura do Parthenon, nos
quadros de da Vinci e nos ancestrais de um zangão podemos encon-
trar a razão áurea.
54 2 Equações e Inequações
O problema a seguir está relacionado com a seqüência de Fibonacci
e com a razão áurea. Dizemos que uma seqüência de números an
satisfaz a relação de Fibonacci se, para todo n ≥ 0, temos que
an+2 = an+1 + an. (2.10)
Exemplo 2.23. Encontre todas as sequências an da forma an = xn
para algum x 6= 0 que satisfazem a relação de Fibonacci.
Solução: Sabendo que an satisfaz a relação de Fibonacci e que an é da
forma xn, podemos concluir que para todo n ≥ 0 tem-se
xn+2 − xn+1 − xn = 0.
Colocando xn em evidência na equação acima, temos que
xn(x2 − x− 1) = 0
Logo, temos duas possibilidades: xn = 0 ou x2 − x − 1 = 0. Como
x 6= 0, temos que xn 6= 0 e, portanto, x2 − x − 1 = 0. Observando a
solução do Exemplo 2.20 temos que as únicas sequências são
an =
(1 +√
5
2
)n
ou an =
(1−√
5
2
)n
.
Observação 2.24. Se an e bn satisfazem a relação de Fibonacci (2.10),
então dados números reais α e β, qualquer sequência da forma αan +
βbn satisfaz a relação. Pode-se provar que as sequências dessa forma,
com an = xn1 e bn = xn2 calculados anteriormente, são as únicas
sequências que satisfazem a relação. Veja, por exemplo, [4].
2.3 Equação do Segundo Grau 55
2.3.2 Relação entre Coecientes e Raízes
Dada a equação ax2 + bx+ c = 0, com a 6= 0, já calculamos explicita-
mente as suas raízes x1 e x2. Vamos estabelecer agora as relações entre
a, b e c e as raízes x1 e x2. Vamos supor ∆ ≥ 0. Como já sabemos,
temos que
x1 =−b+
√∆
2ae x2 =
−b−√
∆
2a.
Assim, somando x1 com x2 tem-se
x1 + x2 =−b+
√∆
2a+−b−
√∆
2a=−2b
2a= − b
a. (2.11)
Por outro lado, fazendo o produto x1x2 obtemos
x1x2 =
(−b+
√∆
2a
)·(−b−
√∆
2a
)
=
(− b+
√∆)(− b−
√∆)
4a2=b2 −∆
4a2
=4ac
4a2=c
a.
(2.12)
Em particular, quando a = 1, temos o seguinte resultado.
Teorema 2.25. Os números α e β são as raízes da equação
x2 − sx+ p = 0 (2.13)
se, e somente se,
α + β = s e αβ = p. (2.14)
56 2 Equações e Inequações
Demonstração. Com efeito, se α e β são as raízes de (2.13) então os
cálculos feitos em (2.11) e (2.12) nos dão (2.14). Reciprocamente, se
vale (2.14) então da igualdade
(x− α)(x− β) = x2 − sx+ p
segue-se que α e β são as raízes de (2.13).
Observação 2.26. Em geral, dada a equação ax2 + bx + c = 0, com
a 6= 0, podemos escrevê-la como a(x2 − sx + p) = 0, com s = −b/a e
p = c/a. Supondo que a equação x2 − sx + p = 0 tem raízes α e β, a
igualdade
ax2 + bx+ c = a(x2 − sx+ p) = a(x− α)(x− β) (2.15)
nos permite concluir que α e β são as raízes da equação de segundo
grau ax2 + bx+ c = 0.
A equação (2.15) mostra que se α é raiz de um polinômio do se-
gundo grau, então a divisão desse polinômio pelo polinômio (x− α) é
uma divisão exata. Voltaremos a tratar desse assunto no Teorema 8.5.
Exemplo 2.27. Paulo cercou uma região retangular de área 28 m2
com 24 metros de corda. Encontre as dimensões dessa região.
Solução: Se chamamos de a e b os lados do retângulo construído por
Paulo, as condições sobre o perímetro e a área desse retângulo nos
levam às seguintes equações:a+ b = 12,
ab = 28.
Como já observamos, a e b são raízes da equação x2 − 12x + 28 = 0.
Calculando o discriminante, obtemos ∆ = 122−4·28 = 32. Utilizando
2.3 Equação do Segundo Grau 57
a fórmula, temos que as soluções são
a =12 +
√32
2= 6 + 2
√2
e
b =12−
√32
2= 6− 2
√2.
Exemplo 2.28. Mostre que a equação x2 + bx + 17 = 0 não possui
raiz inteira positiva, se b é um inteiro não negativo.
Solução: Suponhamos que a equação possui alguma raiz inteira n po-
sitiva e seja m a outra raiz (podendo ser m = n). Então, n+m = −b,onde m = −n− b deverá ser necessariamente um número inteiro. Por
outro lado, m e n são números inteiros tais que m · n = 17, o que só
é possível se m = 1 ou n = 1, o que nos daria em qualquer um dos
casos que 1 + b + 17 = 0 (b = −18), sendo isto uma contradição com
o fato de b ser inteiro não negativo.
Exemplo 2.29. Numa reunião havia pelo menos 12 pessoas e todos
os presentes apertaram as mãos entre si. Descubra quantas pessoas
estavam presentes na festa, sabendo que houve menos que 75 apertos
de mão.
Solução: Vamos denotar por a o número de apertos de mão e enumerar
as pessoas com os números do conjunto P = 1, 2, . . . , n. A cada
aperto de mão associaremos um par (i, j), signicando que a pessoa i
apertou a mão da pessoa j. Assim, os apertos de mão envolvendo a
pessoa 1 foram
A1 =
(1, 2), (1, 3), . . . , (1, n).
58 2 Equações e Inequações
Do mesmo modo, denimos os apertos de mão envolvendo a pessoa 2
que não envolvem a pessoa 1, como
A2 =
(2, 3), (2, 4), . . . , (2, n).
Note que o aperto (2, 1) é o mesmo que o aperto (1, 2), já que se 1
aperta a mão de 2, então 2 aperta a mão de 1. Analogamente,
Ai =
(i, i+ 1), (i, i+ 2), . . . , (i, n), para 1 ≤ i ≤ n− 1.
Note que Ai ∩ Aj = ∅ para i 6= j. Observe também que todos os
apertos aparecem em um dos conjuntos Ai. Assim, A1 ∪ · · · ∪ An−1
contém todos os apertos de mão. Logo, se |X| denota o número de
elementos do conjunto X e a o número de apertos de mão, temos
|(A1 ∪ A2 ∪ · · · ∪ An−1)| = |A1|+ |A2|+ · · ·+ |An−1|= (n− 1) + (n− 2) + · · ·+ 2 + 1
=(n− 1)n
2= a.
Portanto, n2−n−2a = 0 deve admitir admite uma raiz inteira, maior
ou igual a 12. Deste modo, basta descobrirmos para que valores de
a < 75 a equação acima admite alguma raiz inteira n ≥ 12. Denotemos
as raízes da equação por n1 e n2 e suponhamos que n1 ≥ 12. Das
relações n1n2 = −2a,
n1 + n2 = 1,
concluímos que −n2 = n1 − 1 ≥ 11. Assim, podemos deduzir que
−n2n1 ≥ 11 · 12 = 132, pois −n2 ≥ 11 e n1 ≥ 12.
Observe que o mesmo raciocínio nos leva a concluir que se n1 ≥ 13
então −n2n1 = 2a ≥ 12 · 13 = 156, o que nos daria a ≥ 78, sendo
2.3 Equação do Segundo Grau 59
isto impossível pois a < 75. Assim, a raiz positiva para tal equação
não pode ser maior ou igual que 13, restando somente n1 = 12 como
solução. De fato, essa solução é possível, se considerarmos a = 66.
Logo, haviam 12 pessoas na festa.
2.3.3 Equações Biquadradas
A dedução da solução da equação do segundo grau nos permite resolver
equações de grau mais alto, desde que elas se apresentem numa forma
peculiar, que nos permita reduzi-las a uma equação do segundo grau.
Por exemplo,
Exemplo 2.30. Resolva a equação
x4 − 2x2 + 1 = 0. (2.16)
Apesar da equação acima ser de grau quatro, podemos solucioná-la
utilizando o que aprendemos até agora. O truque será denotar por y
o valor x2.
Solução: Denote por y = x2. Neste caso, temos que 0 = y2− 2y+ 1 =
(y − 1)2. Logo, y = 1. Assim, x2 = y = 1, de onde segue-se que x = 1
ou x = −1.
De modo geral consideremos a equação
ax2k + bxk + c = 0, k ∈ N, (2.17)
e façamos a mudança y = xk. Então, a equação se transforma na
seguinte;
ay2 + by + c = 0, (2.18)
60 2 Equações e Inequações
a qual já sabemos resolver. Logo, se (2.18) não possui solução então
(2.17) também não terá solução e no caso em que y = α seja uma
raiz de (2.18) então as soluções para (2.17), correspondentes à raiz α,
podem ser encontradas resolvendo a equação simples
xk = α,
a qual tem as seguintes possibilidades:
• uma única solução: x = k√α se k é ímpar;
• nenhuma solução: se α < 0 e k é par;
• duas soluções: x = ± k√α se α > 0 e k é par.
2.3.4 O Método de Vièti
A maneira que François Vièti (1540-1603) descobriu para resolver a
equação do segundo grau baseia-se em relacionar a equação
ax2 + bx+ c = 0 (2.19)
como uma equação do tipo
Ay2 +B = 0, (2.20)
onde A eB são números que dependem de a, b, c, de modo que qualquer
solução da equação (2.20) determinará uma solução da equação (2.19).
Note que a última equação possui soluções
y1 =
√−BA
e y2 = −√−BA, se − B
A≥ 0.
2.3 Equação do Segundo Grau 61
Para fazer isso, usamos o seguinte truque: escrevendo x = u+ v como
a soma de duas novas variáveis u e v, a equação (2.19) se escreve como
a(u+ v)2 + b(u+ v) + c = 0,
a qual, desenvolvendo o quadrado, equivale a
au2 + 2auv + av2 + bu+ bv + c = 0.
Agrupando convenientemente, podemos escrever a expressão acima
como uma equação na variável v, isto é,
av2 + (2au+ b)v + au2 + bu+ c = 0.
Assim, podemos obter uma equação do tipo da equação (2.20), esco-
lhendo o valor de u de modo que o termo (2au + b)v se anule. Esco-
lhendo u = −b/2a temos que
av2 + a
(−b2a
)2
− b b2a
+ c = 0⇐⇒ av2 +b2
4a− b2
2a+ c = 0,
o que é equivalente a
av2 +−b2 + 4ac
4a= 0.
Observando que a equação assumiu a forma da equação (2.20), temos
que suas soluções são
v1 =
√b2 − 4ac
4a2e v2 = −
√b2 − 4ac
4a2, se ∆ = b2 − 4ac ≥ 0.
Lembrando que u = −b/2a e que x = u+ v temos que as soluções da
equação (2.19) são
x1 = − b
2a+ v1 e x2 = − b
2a+ v2,
como já obtivemos anteriormente.
62 2 Equações e Inequações
2.4 Inequações
Inequações aparecem de maneira natural em várias situações dentro
do contexto matemático, assim como no próprio dia a dia.
Exemplo 2.31. Numa loja de esportes as bolas de tênis Welson en-
traram em promoção, passando a custar cada uma três reais. Pedro
que é um assíduo jogador de tênis quer aproveitar ao máximo a oferta
da loja, mas ele só dispõe de cem reais. Qual é a maior quantidade
possível de bolas que Pedro pode comprar?
Solução. Se denotamos por x o número de bolas que Pedro compra,
então devemos achar o maior valor possível de x tal que
3x ≤ 100. (2.21)
Notemos que o problema se reduz a encontrar o maior múltiplo
positivo de 3 que seja menor ou igual a 100. Observe que 99 = 3 · 33
é o maior múltiplo de 3 menor ou igual a 100, pois 3 · 34 = 102 > 100
e Pedro não teria orçamento para efetuar a compra. Logo, a solução
é x = 33, ou seja, Pedro poderá comprar 33 bolas.
Observemos que no exemplo anterior o que zemos foi achar o
maior valor inteiro de x tal que 3x−100 < 0; porém note que qualquer
número x real menor que 100/3 satisfaz que 3x− 100 < 0. Isto é um
caso particular de resolução de uma inequação, chamada inequação do
primeiro grau.
2.5 Inequação do Primeiro Grau 63
2.5 Inequação do Primeiro Grau
Uma inequação do primeiro grau é uma relação de uma das formas
abaixo ax+ b < 0, ax+ b > 0,
ax+ b ≤ 0, ax+ b ≥ 0,(2.22)
onde a, b ∈ R e a 6= 0.
O conjunto solução de uma inequação do primeiro grau é o con-
junto S de números reais que satisfazem a inequação, isto é, o conjunto
de números que quando substituídos na inequação tornam a desigual-
dade verdadeira. Para achar tal conjunto será de vital importância
tomar em conta as seguintes propriedades das desigualdades entre dois
números
• Invariância do sinal por adição de números reais: sejam
a e b números reais tais que a ≤ b, então a + c ≤ b + c para
qualquer número real c. O mesmo vale com as desigualdades do
tipo: <, ≥ ou >.
• Invariância do sinal por multiplicação de números reais
positivos: sejam a e b números reais tais que a ≤ b, então
ac ≤ bc para qualquer número real positivo c. Resultados aná-
logos valem para as desigualdades do tipo: <, ≥ ou >.
• Mudança do sinal por multiplicação de números reais
negativos: sejam a e b números reais tais que a ≤ b, então ac ≥bc para qualquer número real negativo c. Resultados análogos
valem para as desigualdades do tipo: <, ≥ ou >.
64 2 Equações e Inequações
Vejamos como solucionar as inequações estritas
ax+ b < 0 e ax+ b > 0.
Para isto, dividimos a análise em dois casos.
• Caso 1: a > 0
Inequação ax + b < 0: neste caso, dividindo por a obtemos
que x + b/a < 0 e somando −b/a, em ambos os membros desta
última inequação, temos que x < −b/a. Portanto,
S = x ∈ R; x < −b/a,
o qual representamos no seguinte desenho:
•−b/a
SInequação ax + b > 0: procedendo do mesmo modo que o
caso anterior, obtemos que o conjunto solução vem dado por
S = x ∈ R; x > −b/a,
representado no desenho abaixo:
•−b/a
S• Caso 2: a < 0
Inequação ax + b < 0: neste caso, quando dividimos por a o
sinal da inequação se inverte, obtendo assim que x + b/a > 0,
logo temos que x > −b/a e, consequentemente,
S = x ∈ R; x > −b/a,
cuja representação na reta é a seguinte:
2.5 Inequação do Primeiro Grau 65
•−b/a
SInequação ax + b > 0: similarmente, o conjunto solução vem
dado por
S = x ∈ R; x < −b/a,cuja representação é a seguinte:
•−b/a
SObservação 2.32. Notemos que se queremos resolver as inequações
ax + b ≤ 0 e ax + b ≥ 0, então o conjunto solução S em cada um
dos casos acima continua o mesmo acrescentado apenas do ponto x =
−b/a.
Vejamos agora um exemplo simples.
Exemplo 2.33. Para resolver a inequação 8x−4 ≥ 0, primeiramente
dividimos por 8 a inequação (prevalecendo o sinal da desigualdade)
e imediatamente adicionamos 1/2 em ambos os membros da mesma,
para obter x− 4/8 + 1/2 ≥ 1/2, ou seja,
S = x ∈ R; x ≥ 1/2.
A seguir damos alguns exemplos que podem ser resolvidos usando
inequações lineares.
Exemplo 2.34. Sem fazer os cálculos, diga qual dos números
a = 3456784 · 3456786 + 3456785 e b = 34567852 − 3456788
é maior?
66 2 Equações e Inequações
Solução. Se chamamos de x ao número 3456784 então das denições
de a e b temos que a = x · (x + 2) + (x + 1) e b = (x + 1)2 − (x + 4).
Logo, a = x2 + 3x+ 1 e b = x2 + x− 3. Se supomos que a ≤ b, então
x2 + 3x+ 1 ≤ x2 + x− 3,
e somando −x2−x+3 a ambos os membros desta desigualdade obtemos
2x+ 4 ≤ 0.
A solução desta inequação do primeiro grau é o conjunto dos x ∈ Rtais que x ≤ −2, mas isto é falso, desde que x = 3456784. Logo,
nossa suposição inicial de a ser menor ou igual a b é falsa, sendo então
a > b.
O próximo exemplo já foi tratado antes (ver Problema 2.7), porém
apresentamos a seguir uma solução diferente usando inequações do
primeiro grau.
Exemplo 2.35. Um quadrado mágico 3× 3 é um quadrado de lado 3
dividido em 9 quadradinhos de lado 1 de forma tal que os números de 1
até 9 são colocados um a um em cada quadradinho com a propriedade
de que a soma dos elementos de qualquer linha, coluna ou diagonal é
sempre a mesma. Provar que no quadradinho do centro de tal quadrado
mágico deverá aparecer, obrigatoriamente, o número 5.
Solução. Primeiramente observamos que a soma 1 + 2 + 3 + · · ·+ 9 =
45, logo como há três linhas e em cada uma destas guram números
diferentes temos que a soma dos elementos de cada linha é 15. Logo,
a soma dos elementos de cada coluna ou diagonal também é 15.
Chamemos de x o número que aparece no centro do quadrado
mágico, como mostra o desenho a seguir.
2.5 Inequação do Primeiro Grau 67
x
Agora fazemos as seguintes observações:
• O número x não pode ser 9, pois nesse caso em alguma linha,
coluna ou diagonal que contém o quadrado central aparecerá
o número 8, que somado com 9 dá 17 > 15 e isto não pode
acontecer.
• O número x não pode ser 1, pois nesse caso formaria uma linha,
coluna ou diagonal com o número 2 e um outro número que
chamamos de y, então 1 + 2 + y = 15 ⇔ y = 12, o qual é
impossível.
Feitas as observações anteriores, temos então que o número x forma
uma linha, coluna ou diagonal com o número 9 e algum outro número
que chamamos de z, logo
z = 15− (x+ 9) ≥ 1⇔ 6− x ≥ 1,
de onde segue que x ≤ 5.
Por outro lado, o número x aparece numa linha, coluna ou diagonal
com o número 1 e algum outro número que chamamos de s, logo
s = 15− (x+ 1) = 14− x ≤ 9, de onde temos que x ≥ 5. Finalmente,
como 5 ≤ x ≤ 5 segue-se que x = 5.
Exemplo 2.36. Num triângulo com lados de comprimento a, b e c
traçamos perpendiculares desde um ponto arbitrário P , sobre o lado
de comprimento c, até cada um dos lados restantes (ver a Figura 2.1).
Se estas perpendiculares medem x e y e a > b, então
68 2 Equações e Inequações
(a) Qual a posição onde deve ser colocado P de maneira que ` = x+y
seja mínimo?
(b) Qual a posição onde deve ser colocado P de maneira que ` = x+y
seja máximo?
a
b
c
Px y
B A
C
Figura 2.1: No desenho, os segmentos que partem do ponto P são perpen-
diculares aos lados AC e BC
Solução. Denotemos por S a área do triângulo e notemos que divi-
dindo este em dois triângulos menores: um com base a e altura x e
outro com base b e altura y, temos que
ax
2+by
2= S,
de onde se segue que
ax = 2S − by
x =2S − by
a.
Somando y em ambos os lados da última igualdade, obtemos
x+ y =2S − by
a+ y
=2S − by + ay
a
=2S
a+a− ba
y,
2.6 Inequação do Segundo Grau 69
logo
` = α + βy,
onde
α =2S
ae β =
a− ba
.
Agora notemos que 0 ≤ y ≤ hb, onde hb denota a altura relativa ao
lado de comprimento b no triângulo dado. Como β é positivo, por ser
a > b, temos então que 0 ≤ βy ≤ βhb e, portanto, α ≤ α + βy ≤α + βhb, de onde
0 ≤ ` ≤ α + βhb.
Resumindo, o valor mínimo de ` é atingido quando y = 0, portanto
P deve ser colocado no vértice A, e o valor máximo é obtido quando
y = hb, portanto P deve ser colocado no vértice B.
2.6 Inequação do Segundo Grau
Agora passamos a discutir a solução das inequações do segundo grau,
que possuem um maior grau de diculdade quando comparadas com
as inequações do primeiro grau. Será de vital importância o uso das
propriedades da função quadrática ax2 + bx+ c, estudadas no capítulo
anterior.
Uma inequação do segundo grau é uma relação de uma das formas
abaixo ax2 + bx+ c < 0, ax2 + bx+ c > 0,
ax2 + bx+ c ≤ 0, ax2 + bx+ c ≥ 0,(2.23)
onde a, b, c ∈ R e a 6= 0. Por simplicidade, chamaremos o número a de
coeciente líder da função quadrática ax2 + bx+ c.
70 2 Equações e Inequações
Por exemplo, para resolver a inequação x2 − 3x+ 2 > 0 fatoramos
o trinômio usando que as raízes da equação x2− 3x+ 2 = 0 são 1 e 2,
isto é,
x2 − 3x+ 2 = (x− 1)(x− 2).
O trinômio toma valores positivos quando o produto (x−1)(x−2) for
positivo, ou seja, quando os fatores (x− 1) e (x− 2) tenham o mesmo
sinal:
• Ambos positivos:
x− 1 > 0⇔ x > 1
e
x− 2 > 0⇔ x > 2,
logo x > 2.
• Ambos negativos:
x− 1 < 0⇔ x < 1
e
x− 2 < 0⇔ x < 2,
logo x < 1.
Portanto, x2 − 3x+ 2 > 0 se, e somente se, x < 1 ou x > 2.
A seguir explicamos como podemos resolver a inequação do se-
gundo grau de forma geral.
Suponhamos primeiramente que queremos resolver a inequação
ax2 + bx+ c > 0. (2.24)
2.6 Inequação do Segundo Grau 71
Notemos que valem as seguintes igualdades:
ax2 + bx+ c = a
(x2 +
b
ax+
c
a
)= a
(x2 +
b
ax+
b2
4a2− b2
4a2+c
a
)= a
(x2 +
b
ax+
b2
4a2
)− a
(b2
4a2− c
a
)= a
(x+
b
2a
)2
− ∆
4a,
(2.25)
onde ∆ = b2− 4ac. Considerando esta igualdade, dividimos em vários
casos:
Caso 1: ∆ = b2 − 4ac > 0. Nesta situação procedemos tomando
em conta o sinal de a.
• (a > 0). Usando (2.25) notamos que basta resolver a inequação
a
(x+
b
2a
)2
− ∆
4a> 0.
Como a > 0, multiplicando por 1/a em ambos os membros da
desigualdade anterior o sinal desta não muda, obtendo-se então
(x+
b
2a
)2
− ∆
4a2> 0.
Agora usamos que ∆ > 0 para obtermos que
72 2 Equações e Inequações
(x+
b
2a
)2
− ∆
4a2=
(x+
b
2a
)2
−(√
∆
2a
)2
=
(x+
b+√
∆
2a
)(x+
b−√
∆
2a
)
=
(x− −b−
√∆
2a
)(x− −b+
√∆
2a
)= (x− α)(x− β) > 0,
onde α = −b−√
∆2a
e β = −b+√
∆2a
são as raízes de ax2 + bx+ c = 0.
Agora notamos que (x − α)(x − β) > 0 se os fatores (x − α) e
(x − β) são ambos positivos ou ambos negativos. No primeiro
caso (ambos positivos) temos que x > α e x > β, mas como
α < β, então x > β. No segundo caso (ambos negativos), temos
que x < α e x < β, logo x < α, novamente por ser α < β.
Resumindo, a solução da inequação vem dada pelo conjunto
S = x ∈ R; x < α ou x > β,
com a seguinte representação na reta:
• •α β
S S• (a < 0). Esta situação é bem similar à anterior, a única dife-
rença é que ao multiplicar por 1/a o sinal se inverte tendo então
que resolver a inequação(x+
b
2a
)2
− ∆
4a2< 0,
2.6 Inequação do Segundo Grau 73
a qual é equivalente a provar (seguindo os mesmos passos do
caso anterior) que
(x− α)(x− β) < 0,
com α = −b−√
∆2a
e β = −b+√
∆2a
raízes de ax2 + bx + c = 0.
Notemos que a desigualdade acima é válida sempre que os sinais
dos fatores (x − α) e (x − β) forem diferentes. Por exemplo,
se x − α > 0 e x − β < 0 temos então que x deve satisfazer a
desigualdade α < x < β, mas isso é impossível considerando que
neste caso α > β, por ser a < 0. No caso restante, se x− α < 0
e x − β > 0 temos então que β < x < α, o que é possível.
Portanto, o conjunto solução, neste caso, é dado por
S = x ∈ R; β < x < α,
cuja representação na reta é:
• •β α
SCaso 2: ∆ = b2 − 4ac = 0. Usando novamente (2.25), devemos
resolver a inequação
a
(x+
b
2a
)2
> 0,
a qual é válida para qualquer x 6= − b2a, se a > 0 e sempre falsa, se
a < 0.
Caso 3: ∆ = b2 − 4ac < 0. Neste caso, quando a é positivo todos
os valores de x reais são solução para (2.24), pois a desigualdade
ax2 + bx+ c = a
(x+
b
2a
)2
− ∆
4a> 0,
74 2 Equações e Inequações
é sempre satisfeita, dado que −∆4a> 0. Por outro lado, se a é negativo
não temos nenhuma solução possível para a inequação (2.24) já que
ax2 + bx+ c = a
(x+
b
2a
)2
− ∆
4a
é sempre negativo, dado que −∆4a< 0.
Observação 2.37. Para a desigualdade do tipo
ax2 + bx+ c < 0
são obtidos resultados similares, seguindo o mesmo processo descrito
anteriormente. Além disso, para as inequações
ax2 + bx+ c ≥ 0 e ax2 + bx+ c ≤ 0
os resultados são os mesmos, acrescentados apenas dos pontos α, β
ou −b/2a, dependendo do caso.
Exemplo 2.38. Provar que a soma de um número positivo com seu
inverso é sempre maior ou igual que 2.
Solução. Seja x > 0, então devemos provar que
x+1
x≥ 2.
Partimos da seguinte desigualdade, que sabemos vale para qualquer
x ∈ R:(x− 1)2 ≥ 0
logo
x2 − 2x+ 1 ≥ 0⇐⇒ x2 + 1 ≥ 2x.
2.6 Inequação do Segundo Grau 75
Se x é positivo, podemos dividir ambos os membros da última desi-
gualdade sem alterar o sinal da mesma, ou seja,
x+1
x≥ 2,
conforme queríamos provar.
2.6.1 Máximos e Mínimos das Funções Quadráti-
cas
A função quadrática f(x) = ax2 + bx+ c, como já foi observado ante-
riormente, satisfaz a identidade
ax2 + bx+ c = a
(x+
b
2a
)2
− ∆
4a, (2.26)
onde ∆ = b2 − 4ac. O valor mínimo (máximo) da função quadrática
f(x) é o menor (maior) valor possível que pode assumir f(x) quando
fazemos x percorrer o conjunto dos reais.
Da igualdade (2.26) segue-se que, quando a > 0 o valor mínimo
do trinômio é obtido quando x = − b2a
e este vale f(− b2a
) = −∆4a.
Similarmente, quando a < 0 o valor máximo do trinômio é obtido
quando x = − b2a, valendo também f(− b
2a) = −∆
4a
Exemplo 2.39. Sejam a, b reais positivos tais que a+ b = 1. Provar
que ab ≤ 1/4.
Solução. Notemos que ab = a(1 − a) = −a2 + a. Denindo f(a) =
−a2 + a, basta provar que f(a) ≤ 1/4 para qualquer 0 < a < 1.
Completando o quadrado a função f(a), obtemos
f(a) = −(a2 − a) = −(a2 − a+ 1/4− 1/4) = −(a− 1/2)2 + 1/4,
logo este assume seu valor máximo igual a 1/4, quando a = 1/2.
76 2 Equações e Inequações
Alguns problemas de máximos ou mínimos não parecem que pos-
sam ser resolvidos achando o máximo ou mínimo de funções quadrá-
ticas. Porém, estes problemas podem ser reformulados de forma tal
que isto seja possível. Vejamos um exemplo.
Exemplo 2.40. Na gura abaixo ABCD é um retângulo inscrito den-
tro do círculo de raio r. Encontre as dimensões que nos dão a maior
área possível do retângulo ABCD.
xyr
A B
CD
Solução. A área do retângulo vem dada pela fórmula
A = 2x · 2y = 4xy.
Usando o teorema de Pitágoras, temos que
y =√r2 − x2, (2.27)
logo, substituindo esta última igualdade na fórmula de área anterior,
obtemos
A = 4x√r2 − x2.
Não é muito difícil nos convencermos de que as dimensões, que nos
dão a maior área possível para o retângulo ABCD, são as mesmas
que nos dão o máximo para o quadrado desta área, ou seja, basta
encontrar as dimensões que maximizam A2. A vantagem que tem esta
2.7 Miscelânea 77
reformulação do problema é que A2 tem uma expressão mais simples,
dada por
A2 = 16x2(r2 − x2) = 16r2x2 − 16x4.
Agora fazemos a mudança z = x2, para obter
A2 = −16z2 + 16r2z = −16(z − r2
2
)2
+ 4r4,
de onde segue que o menor valor de A2 é obtido quando z = r2
2e
portanto quando x = r√2. Usando agora a igualdade (2.27) temos que
y =
√r2 − r2
2=
r√2.
Então, o retângulo de maior área possível é o quadrado de lado2r√
2= r√
2.
2.7 Miscelânea
Nesta seção combinamos a teoria desenvolvida nos tópicos anteriores
para resolver outros tipos de equações com um nível de complexidade
maior.
2.7.1 Equações Modulares
Uma equação modular é aquela na qual a variável incógnita aparece
sob o sinal de módulo. Por exemplo, são equações modulares
(a) |2x− 5| = 3;
(b) |2x− 3| = 1− 3x;
78 2 Equações e Inequações
(c) |3− x| − |x+ 1| = 4.
Para resolver equações modulares se usam basicamente três méto-
dos:
(1) eliminação do módulo pela denição;
(2) elevação ao quadrado de ambos os membros da equação;
(3) partição em intervalos.
Ilustramos a seguir estes métodos com os exemplos dados em (a),
(b) e (c).
Exemplo 2.41. Resolver a equação |2x− 5| = 3.
Solução: O método (1) pode ser utilizado para resolver esta equação.
Para isto, usamos a denição de módulo:
|a| =
a se a ≥ 0,
−a se a < 0.
de onde segue-se a propriedade: seja b um número não negativo, então
|a| = b ⇐⇒ a = b ou a = −b.
Logo, x é solução da equação se, e somente se, x satisfaz uma das
equações de primeiro grau a seguir:
2x− 5 = 3 ou 2x− 5 = −3.
Da primeira equação obtemos a solução x1 = 4 e da segunda obtemos
a solução x2 = 1.
2.7 Miscelânea 79
Exemplo 2.42. Resolver a equação |2x− 3| = 1− 3x
Solução: Resolveremos esta equação pelos métodos (1) e (2).
Método (1): Aplicando a denição de módulo temos que resolver a
equação é equivalente a resolver os sistemas mistos
(a)
2x− 3 ≥ 0,
2x− 3 = 1− 3x,ou (b)
2x− 3 < 0,
−(2x− 3) = 1− 3x.
O sistema (a) não tem solução visto que a solução da equação do
primeiro grau 2x− 3 = 1− 3x⇔ 5x = 4 é x = 4/5 a qual não satisfaz
a desigualdade 2x − 3 ≥ 0. Por outro lado, no sistema (b) a solução
da equação −(2x−3) = 1−3x tem por solução x = −2 a qual satisfaz
a inequação 2x− 3 < 0. Logo, a única solução da equação é x = −2.
Método (2): Observemos que a equação é equivalente ao sistema
misto 1− 3x ≥ 0,
(2x− 3)2 = (1− 3x)2.
Resolvendo agora a equação de segundo grau (2x− 3)2 = (1− 3x)2 a
qual é equivalente a 5x2 + 6x− 8 = 0, temos que as possíveis soluções
são x1 = 4/5 e x2 = −2, mas x1 é descartada pois não satisfaz que
1−3x1 ≥ 0. Assim, a solução do sistema misto e, portanto, da equação
modular é apenas x2 = −2.
Exemplo 2.43. |3− x| − |x+ 1| = 4.
Solução. Neste caso usaremos o método de partição em intervalos que
consiste no seguinte: marcamos na reta real os valores onde |3 − x|e |x + 1| se anulam, neste caso, x1 = 3 e x2 = −1. Com isto a reta
80 2 Equações e Inequações
numérica é dividida em 3 intervalos x < −1, −1 ≤ x ≤ 3 e x > 3.
Agora analisamos a equação em cada intervalo:
Intervalo x < −1: Neste caso a equação modular toma a forma
3− x− (−x− 1) = 4⇐⇒ 4 = 4,
Portanto, todo o intervalo x < −1 é solução.
Intervalo −1 ≤ x ≤ 3: Neste caso a equação modular toma a forma
3− x− (x+ 1) = 4⇐⇒ 2− 2x = 4,
de onde segue-se que x = −1. Portanto, neste intervalo a solução é
x = −1.
Intervalo x > 3: Neste caso a equação modular toma a forma
−3 + x− (x+ 1) = 4⇐⇒ −4 = 4,
o que é uma contradição. Portanto, neste intervalo não temos solução.
Em resumo, a solução da equação modular é o intervalo x ≤ −1.
2.7.2 Um Sistema de Equações Não lineares
O seguinte exemplo nos mostra como podemos combinar a técnica de
resolução de sistemas lineares e de equações de segundo grau para
resolver sistemas mais complicados.
Exemplo 2.44. Resolva o sistema de equações:√x2 + 3x− (x2 − 2)3 = 3,√x2 + 3x+ (x2 − 2)3 = 1.
2.8 Exercícios 81
Solução. Propomos a seguinte mudança de variáveis:
u =√x2 + 3x e v = (x2 − 2)3.
Assim, o sistema se converte no sistema de equações do primeiro grauu− v = 3,
u+ v = 1,
o qual tem como solução u = 2 e v = −1. Verique! Assim,
√x2 + 3x = 2⇐⇒ x2 + 3x = 4,
sendo x = 1 e x = −4 as soluções desta equação do segundo grau.
Por outro lado
(x2 − 2)3 = −1,
de onde x2−2 = −1, sendo x = 1 e x = −1 as soluções desta equação.
Logo, a solução do sistema é x = 1, que é a única que satisfaz u = 2
e v = −1 simultaneamente.
2.8 Exercícios
1. Observe as multiplicações a seguir:
(a) 12.345.679× 18 = 222.222.222
(b) 12.345.679× 27 = 333.333.333
(c) 12.345.679× 54 = 666.666.666
Para obter 999.999.999 devemos multiplicar 12.345.679 por quan-
to?
82 2 Equações e Inequações
2. Outro dia ganhei 250 reais, incluindo o pagamento de horas
extras. O salário (sem horas extras) excede em 200 reais o que
recebi pelas horas extras. Qual é o meu salário sem horas extras?
3. Uma torneira A enche sozinha um tanque em 10 h, uma torneira
B enche o mesmo tanque sozinha em 15 h. Em quantas horas
as duas torneiras juntas encherão o tanque?
4. O dobro de um número, mais a sua terça parte, mais a sua quarta
parte somam 31. Determine o número.
5. Uma certa importância deve ser dividida entre 10 pessoas em
partes iguais. Se a partilha fosse feita somente entre 8 dessas
pessoas, cada uma destas receberia R$5.000,00 a mais. Calcule
a importância.
6. Roberto disse a Valéria: Pense um número, dobre esse número,
some 12 ao resultado, divida o novo resultado por 2. Quanto
deu? Valéria disse 15 ao Roberto, que imediatamente reve-
lou o número original que Valéria havia pensado. Calcule esse
número.
7. Por 2/3 de um lote de peças iguais, um comerciante pagou
R$8.000,00 a mais do que pagaria pelos 2/5 do mesmo lote. Qual
o preço do lote todo?
8. Determine um número real a para que as expressões 3a+68
e 2a+106
sejam iguais.
9. Se você multiplicar um número real x por ele mesmo e do resul-
tado subtrair 14, você vai obter o quíntuplo do número x. Qual
é esse número?
2.8 Exercícios 83
10. Eu tenho o dobro da idade que tu tinhas quando eu tinha a
tua idade. Quando tu tiveres a minha idade, a soma das nossas
idades será de 45 anos. Quais são as nossas idades?
11. Um homem gastou tudo o que tinha no bolso em três lojas. Em
cada uma gastou 1 real a mais do que a metade do que tinha ao
entrar. Quanto o homem tinha ao entrar na primeira loja?
12. Com os algarismos x, y e z formam-se os números de dois alga-
rismos xy e yx, cuja soma é o número de três algarismos zxz.
Quanto valem x, y e z?
13. Quantos são os números inteiros de 2 algarismos que são iguais
ao dobro do produto de seus algarismos?
14. Obter dois números consecutivos inteiros cuja soma seja igual a
57.
15. Qual é o número que, adicionado ao triplo do seu quadrado, vale
14?
16. O produto de um número positivo pela sua terça parte é igual a
12. Qual é esse número?
17. Determine dois números consecutivos ímpares cujo produto seja
195.
18. A diferença entre as idades de dois irmãos é 3 anos e o produto
de suas idades é 270. Qual é a idade de cada um?
19. Calcule as dimensões de um retângulo de 16 cm de perímetro e
15 cm2 de área.
84 2 Equações e Inequações
20. A diferença de um número e o seu inverso é 83. Qual é esse
número?
21. A soma de dois números é 12 e a soma de seus quadrados é 74.
Determine os dois números.
22. Um pai tinha 30 anos quando seu lho nasceu. Se multiplicarmos
as idades que possuem hoje, obtém-se um produto que é igual
a três vezes o quadrado da idade do lho. Quais são as suas
idades?
23. Os elefantes de um zoológico estão de dieta juntos. Num período
de 10 dias devem comer uma quantidade de cenouras igual ao
quadrado da quantidade que um coelho come em 30 dias. Em
um dia os elefantes e o coelho comem juntos 1.444 kg de cenoura.
Quantos kilos de cenoura os elefantes comem em 1 dia?
24. Sejam α1 e α2 as raízes do polinômio ax2 + bx + c, com a 6= 0.
Calcule as seguintes expressões, em função de a, b e c:
(a)α1 + α2
2;
(b)√α1 +
√α2;
(c) 4√α1 + 4
√α2.
25. O número −3 é a raiz da equação x2 − 7x − 2c = 0. Nessas
condições, determine o valor do coeciente c.
26. Encontre o polinômio p(x) = 2x4 +bx3 +cx2 +dx+e que satisfaz
a equação p(x) = p(1− x).
2.8 Exercícios 85
27. (OBM) Dois meninos jogam o seguinte jogo. O primeiro esco-
lhe dois números inteiros diferentes de zero e o segundo monta
uma equação do segundo grau usando como coecientes os dois
números escolhidos pelo primeiro jogador e 1.998, na ordem
que quiser (ou seja, se o primeiro jogador escolhe a e b o se-
gundo jogador pode montar a equação 1.998x2 + ax + b = 0 ou
ax2 +1.998x+b = 0 etc.) O primeiro jogador é considerado ven-
cedor se a equação tiver duas raízes racionais diferentes. Mostre
que o primeiro jogador pode ganhar sempre.
28. (OBM) Mostre que a equação x2 + y2 + z2 = 3xyz tem innitas
soluções onde x, y, z são números inteiros.
29. (Gazeta Matemática, Romênia) Considere a equação
a2x2 − (b2 − 2ac)x+ c2 = 0,
onde a, b e c são números inteiros positivos. Se n ∈ N é tal que
p(n) = 0, mostre que n é um quadrado perfeito.
30. (Gazeta Matemática, Romênia) Sejam a, b ∈ Z. Sabendo que a
equação
(ax− b)2 + (bx− a)2 = x,
tem uma raiz inteira, encontre os valores de suas raízes.
31. (Gazeta Matemática, Romênia) Resolva a equação:
[2x2
x2 + 1
]= x.
Obs.: [x] é o menor inteiro maior ou igual a x.
86 2 Equações e Inequações
32. Demonstrar que:
(a) n4 + 4 não é primo se n > 1;
(b) generalize, mostrando que n4 + 4n não é primo, para todo
n > 1.
33. Para fazer 12 bolinhos, preciso exatamente de 100 g de açúcar,
50 g de manteiga, meio litro de leite e 400 g de farinha. Qual a
maior quantidade desses bolinhos que serei capaz de fazer com
500 g de açúcar, 300 g de manteiga, 4 litros de leite e 5 kg de
farinha ?
34. Dadas as frações
966666555557
966666555558e
966666555558
966666555559,
qual é maior?
35. Achar o maior valor inteiro positivo de n tal que
n200 < 5300.
36. Achar o menor valor inteiro positivo de n tal que
10111 · 10
211 · 10
311 · · · 10
n11 > 100000.
37. Nove cópias de certas notas custam menos de R$ 10,00 e dez
cópias das mesmas notas (com o mesmo preço) custam mais de
R$ 11,00. Quanto custa uma cópia das notas?
38. Se enumeram de 1 até n as páginas de um livro. Ao somar estes
números, por engano um deles é somado duas vezes, obtendo-se
o resultado incorreto: 1.986. Qual é o número da página que foi
somado duas vezes?
2.8 Exercícios 87
39. Determine os valores de a para os quais a função quadrática
ax2 − ax+ 12 é sempre positiva.
40. Ache os valores de x para os quais cada uma das seguintes ex-
pressões é positiva:
(a)x
x2 + 9(b)
x− 3
x+ 1(c)
x2 − 1
x2 − 3x
41. Resolver a equação:
[x]x+ x = 2x+ 10,
onde [x] denota a parte inteira de x. Por exemplo, [2, 46] = 2 e
[5, 83] = 5. O número x é chamado parte fracionária de x e é
denido por x = x− [x].
42. Mostre que entre os retângulos com um mesmo perímetro, o de
maior área é um quadrado.
43. Entre todos os triângulos isósceles com perímetro p xado, ache
as dimensões dos lados daquele que possui a maior área.
44. (OBM Júnior 1993)
É dada uma equação do segundo grau x2 + ax + b = 0, com
raízes inteiras a1 e b1. Consideramos a equação do segundo grau
x2 + a1x + b1 = 0. Se a equação x2 + a1x + b1 = 0 tem raízes
inteiras a2 e b2, consideramos a equação x2 + a2x+ b2 = 0. Se a
equação x2+a2x+b2 = 0 tem raízes inteiras a3 e b3, consideramos
a equação x2 +a3x+b3 = 0. E assim por diante. Se encontramos
uma equação com ∆ < 0 ou com raízes que não sejam inteiros,
encerramos o processo.
88 2 Equações e Inequações
Por exemplo, se começamos com a equação x2 = 0 podemos
continuar o processo indenidamente. Pede-se:
(a) Determine uma outra equação que, como x2 = 0, nos per-
mita continuar o processo indenidamente;
(b) Determine todas as equações do segundo grau completas a
partir das quais possamos continuar o processo indenida-
mente.
Referências Bibliográcas
[1] AIGNER, M. e ZIEGLER, G. (2002). As Provas estão
no Livro. Edgard Blücher.
[2] GARCIA, A. e LEQUAIN, I. (2003). Elementos de Ál-
gebra. Projeto Euclides, IMPA.
[3] LIMA, E. L.; CARVALHO, P. C. P.; WAGNER, E. e
MORGADO, A.C. (2004). A Matemática do Ensino Mé-
dio. Volume 1. Sociedade Brasileira de Matemática.
[4] LIMA, E.L.; CARVALHO, P. C. P.; WAGNER, E. e
MORGADO, A.C. (2004). A Matemática do Ensino Mé-
dio. Volume 2. Sociedade Brasileira de Matemática.
[5] LIMA,E.L.; CARVALHO,P. C. P.; WAGNER,E. e
MORGADO,A.C. (2004). A Matemática do Ensino Mé-
dio. Volume 3. Sociedade Brasileira de Matemática.
[6] LIMA, E.L.; CARVALHO, P. C. P.; WAGNER,E. e
MORGADO, A.C. (2001). Temas e Problemas. Socie-
dade Brasileira de Matemática.
[7] LIMA, E.L. (2001). Álgebra Linear. Sociedade Brasileira
de Matemática.
285
286 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
[8] MORAIS FILHO, D. C. (2007). Um Convite à Matemá-
tica. EDUFCG.
[9] MORGADO, A.; CARVALHO, J.; CARVALHO, P.;
FERNANDEZ, P. (1991). Análise Combinatória e Pro-
babilidade . Sociedade Brasileira de Matemática.
[10] RIBENBOIM, P. (2001). Números Primos: Mistérios e
Recordes. Sociedade Brasileira de Matemática.
[11] SANTOS, J. P. O. (1993) Introdução à Teoria dos Nú-
meros. IMPA.
[12] SANTOS, J. P. O.; MELLO, M. P. e MURARI, I. T.
C. (2006). Introdução à Análise Combinatória. Editora
Unicamp.
[13] SOARES, M. G. (2005). Cálculo em uma Variável Com-
plexa. Sociedade Brasileira de Matemática.
Mestrado Profissional
em Matemática em Rede Nacional
Iniciação à Matemática
Autores:
Krerley Oliveira Adán J. Corcho
Unidade II:
Capítulos III e IV
3
Divisibilidade
Os números governam o mundo. PlatãoA teoria dos números é o ramo da Matemática que estuda os mis-
térios dos números e teve sua origem na antiga Grécia. Os belíssimos
problemas ligados a esta área constituem, até hoje, uma das princi-
pais fontes inspiradoras dos amantes da Matemática. Além disso, essa
área possui várias aplicações úteis a humanidade, como por exemplo,
o processo de criptograa usado em transações pela Internet.
Alguns problemas em teoria dos números demoram séculos para
serem resolvidos, como por exemplo o último teorema de Fermat, que
arma que não existe nenhum conjunto de inteiros positivos x, y, z e n
com n maior que 2 que satisfaça xn + yn = zn. Esse problema foi ob-
jeto de fervorosas pesquisas durante mais de 300 anos e foi nalmente
demonstrado em 1995 pelo matemático Andrew Wiles.
Ainda hoje persistem muitas questões naturais e simples sem res-
posta. Por exemplo, ninguém sabe mostrar (apesar de todo mundo
89
90 3 Divisibilidade
acreditar que é verdade!) que todo natural par é soma de dois pri-
mos. Essa é a famosa conjectura de Goldbach. Essa simplicidade de se
anunciar problemas e a extrema diculdade em resolvê-los faz desta
área um grande atrativo para os matemáticos do mundo todo.
Este capítulo será dedicado ao estudo de algumas propriedades
básicas relativas aos números inteiros.
3.1 Conceitos Fundamentais e Divisão Eu-
clidiana
Denotamos por Z o conjunto dos números inteiros formado pelo con-
junto dos números naturais N = 1, 2, 3, . . . munido do zero e dos
números negativos. Ou seja, Z = . . . ,−3,−2,−1, 0, 1, 2, 3, . . ..Começamos observando que a soma, diferença e produto de núme-
ros inteiros também serão números inteiros. Entretanto, o quociente
de dois inteiros pode ser um inteiro ou não.
Uma das propriedades fundamentais dos números naturais que uti-
lizaremos ao longo do texto é o conhecido princípio da boa ordenação,
que arma o seguinte:
Princípio da Boa Ordenação: todo subconjunto não vazio A ⊆ Npossui um elemento menor que todos os outros elementos deste, ou
seja, existe a ∈ A tal que a ≤ n para todo n ∈ A.Por exemplo, se A é o conjunto dos números pares, o menor ele-
mento de A é o número 2. Por outro lado, observamos que o conjunto
dos números inteiros não goza da boa ordenação.
Apesar do princípio da boa ordenação parecer inocente e natural,
muitos resultados importantes a respeito dos números naturais decor-
3.1 Conceitos Fundamentais e Divisão Euclidiana 91
rem do mesmo, como veremos ao longo de todo este capítulo.
Denição 3.1. Sejam a e b inteiros. Dizemos que a divide b se existe
um inteiro q tal que b = aq. Também usaremos as frases a é divisor
de b ou b é múltiplo de a para signicar esta situação.
Usaremos a notação a | b para representar todas as frases equi-
valentes ditas anteriormente. Se a não for divisor de b, então escre-
veremos a - b.
Exemplo 3.2. 7 | 21 pois 21 = 7 · 3. Por outro lado 3 - 8 pois
considerando o conjunto M = 3m, m ∈ N = 3, 6, 9, 12, . . . dos
múltiplos positivos de 3 vemos que 8 não pertence ao mesmo.
A seguinte proposição é um bom exercício para entender os con-
ceitos enunciados acima.
Proposição 3.3. Sejam a, b e c números inteiros. Então,
(a) se a | b e b | c então a | c;
(b) se a | b e a | c então a | (b+ c) e a | (b− c);
(c) se a e b são positivos e a | b então 0 < a ≤ b;
(d) se a | b e b | a então a = b ou a = −b.
Demonstração. Se a | b e b | c então existem inteiros q1 e q2 tais que
b = aq1 (3.1)
e
c = bq2. (3.2)
92 3 Divisibilidade
Substituindo (3.1) em (3.2) temos que
c = aq1q2 = aq, onde q = q1q2 ∈ Z, (3.3)
provando isto a armação feita em (a).
Agora provaremos (b). Com efeito, se a | b e a | c valem as
igualdades
b = aq1, q1 ∈ Z (3.4)
e
c = aq2, q2 ∈ Z. (3.5)
Operando com os ambos lados das igualdades (3.4) e (3.5) temos que
b+ c = a(q1 + q2︸ ︷︷ ︸r∈Z
) e b− c = a(q1 − q2︸ ︷︷ ︸s∈Z
),
obtendo assim o resultado desejado.
Continuamos agora com a prova de (c). De fato, se a | b, sendoambos positivos, então b = aq com
q ≥ 1. (3.6)
Logo, multiplicando por a ambos lados de (3.6) temos (como a é posi-
tivo) que
b = aq ≥ a > 0,
como esperávamos.
Finalmente, provaremos (d). Com este propósito observamos que
se a | b e b | a então |a| divide |b| e |b| divide |a|. Portanto, pelo item
(c) temos que |a| ≤ |b| e |b| ≤ |a|, ou seja, |a| ≤ |b| ≤ |a|. Logo,
|a| = |b| e consequentemente a = b ou a = −b.
3.1 Conceitos Fundamentais e Divisão Euclidiana 93
Exemplo 3.4. Prove que o número N = 545362−7 não é divisível por
5.
Solução. Vamos mostrar isso utilizando o método do absurdo. Se
este número fosse divisível por 5, então 545362 − 7 = 5q. Logo, 7 =
545362 − 5q, ou seja, 7 seria divisível por 5, o que é um absurdo.
O próximo passo de nossa discussão é ver o que acontece quando
um número não é divisível por outro. Por exemplo, analisemos se 31 é
divisível por 7 e para isto listaremos a diferença entre 31 e os múltiplos
positivos de 7, isto é:
r1 = 31− 7 · 1 = 24,
r2 = 31− 7 · 2 = 17,
r3 = 31− 7 · 3 = 10,
r4 = 31− 7 · 4 = 3,
r5 = 31− 7 · 5 = −4,r6 = 31− 7 · 6 = −11,...
Claramente 31 não é divisível por 7, pois caso contrário teríamos
que alguma das diferenças acima seria igual a zero, o que é impossível
pois as diferenças rq = 31 − 7q com 1 ≤ q ≤ 4 são todas positivas
e com q ≥ 5 são todas negativas. Entretanto, notamos que entre as
diferenças positivas a única que é menor que 7 corresponde ao caso
q = 4. O resultado seguinte nos diz o que acontece no caso geral da
divisão de um inteiro b por um inteiro positivo a.
94 3 Divisibilidade
Teorema 3.5 (Divisão Euclidiana). Dados dois inteiros a e b, sendo
a positivo, existem únicos inteiros q e r tais que
b = aq + r, 0 ≤ r < a.
Se a - b, então r satisfaz a desigualdade estrita 0 < r < a.
Demonstração. Por simplicidade, suporemos que b é positivo. Se b <
a, basta tomar q = 0 e r = b. Se b = a, então tomamos q = 1 e r = 0.
Assim, assumiremos também que b > a > 0. Consideremos o conjunto
R = b− aq ∈ Z; b− aq ≥ 0 ⊆ N ∪ 0 (3.7)
Notemos que o conjunto R é não vazio, pois b − a ∈ R, já que
b − a > 0. Deste modo, pelo princípio da boa ordenação temos que
R admite um menor elemento, que denotaremos por r. Claramente
r = b − aq ≥ 0, para algum q ≥ 0. Além disso, r < a pois caso
contrário
r = b− aq ≥ a⇒ b− a(q + 1) ≥ 0. (3.8)
Por outro lado,
a > 0⇒ b− a(q + 1) < b− aq. (3.9)
Das desigualdades (3.8) e (3.9) segue que
0 ≤ b− a(q + 1) < b− aq,
contradizendo o fato de que r = b−aq é o menor elemento não negativo
de R.
Agora provaremos que de fato r e q, escolhidos desta forma, são
únicos. Com efeito, suponhamos que existem outros inteiros r1 e q1
tais que
b = aq1 + r1, 0 ≤ r1 < a.
3.1 Conceitos Fundamentais e Divisão Euclidiana 95
Então resulta que aq + r = aq1 + r1. Logo,
(r − r1) = (q1 − q)a; (3.10)
sendo assim, r−r1 é múltiplo de a. Mas, em virtude de −a < r−r1 < a,
o único valor que r − r1 pode tomar, sendo este múltiplo de a, é
r − r1 = 0. Portanto, r = r1, de onde se deduz diretamente de (3.10)
que q = q1.
Os números q e r no enunciado do teorema acima são chamados,
respectivamente, de quociente e resto da divisão de b por a.
Um resultado imediato da divisão euclidiana é o seguinte.
Corolário 3.6. Dados dois números naturais a e b com 1 < a ≤ b,
existe um número natural n tal que
na ≤ b < (n+ 1)a.
Demonstração. Pela divisão euclidiana, existem únicos q, r ∈ N com
0 ≤ r < a tais que b = aq + r. Assim
aq ≤ b = aq + r < aq + a = a(q + 1).
Basta agora tomar q = n para obtermos o resultado.
Os exemplos a seguir apresentam a utilidade do Teorema 3.5.
Exemplo 3.7. Se a é um natural com a ≥ 3, então a2 deixa resto 1
na divisão por a− 1. Consequentemente, a− 1 divide a2 − 1.
Solução. Usando a identidade a2 − 1 = (a − 1)(a + 1) temos que
a2 = (a− 1)(a+ 1) + 1 com 1 < a− 1, de onde segue o resultado.
96 3 Divisibilidade
O próximo exemplo, como veremos, motiva a procura de cami-
nhos ecientes para encontrar o resto que deixa um número quando é
dividido por outro.
Exemplo 3.8. Um turista brasileiro chega a Cuba e troca parte de
seu dinheiro na casa de câmbio, recebendo 175 notas de 50 pesos e
213 notas de 20 pesos. Ele decide trocar este dinheiro pela maior
quantidade possível das famosas moedas de 3 pesos cubanos, porque
elas têm gravada a imagem do guerrilheiro Che Guevara. Quanto
sobrou do dinheiro depois de fazer a troca pelas moedas?
Solução. Para resolver este problema basta achar o resto que deixa o
número n = 175 · 50 + 213 · 20 quando é dividido por 3. Entretanto,
queremos destacar que não é preciso fazer os produtos e a soma envol-
vidos no número n. Em lugar de fazer isto substituímos cada número
que aparece em n pelo resto que este deixa na divisão por 3, formando
assim um novo número n1, ou seja,
n1 = 1 · 2 + 0 · 2 = 2.
Agora procuramos o resto que n1 deixa na divisão por 3, que obvi-
amente é 2. A surpresa é que este resto é o mesmo que deixa n na
divisão por 3. Logo, sobraram 2 pesos depois de fazer a troca.
A solução do exemplo anterior é uma aplicação particular do se-
guinte lema que é de muita utilidade na resolução de problemas.
Lema 3.9 (Lema dos Restos). A soma e o produto de quaisquer dois
números naturais deixa o mesmo resto que a soma e o produto dos
seus restos, na divisão por um inteiro positivo a.
3.1 Conceitos Fundamentais e Divisão Euclidiana 97
Demonstração. Sejam n1, n2 ∈ Z. Fazendo a divisão com resto de
ambos os números por a temos que
n1 = aq1 + r1 e n2 = aq2 + r2,
com 0 ≤ r1, r2 < a. Então,
n1n2 = (aq1 + r1)(aq2 + r2)
= a2q1q2 + aq1r2 + aq2r1 + r1r2
= a(aq1q2 + q1r2 + q2r1) + r1r2
= aq + r1r2,
(3.11)
onde q = aq1q2+q1r2+q2r1. Agora dividimos r1r2 por a para obtermos
r1r2 = ap+ r, p ∈ Z, 0 ≤ r < a. (3.12)
Das igualdades (3.11) e (3.12) segue que
n1n2 = aq + ap+ r = a(p+ q) + r, 0 ≤ r < a. (3.13)
Portanto, de (3.12) e (3.13) concluímos que os restos que deixam n1n2
e r1r2 na divisão por a são iguais, cando provado o resultado para o
produto. A prova para a soma é análoga.
Observação 3.10. A vantagem do lema é que em certos problemas
que envolvem números muito grandes podemos substituir estes por nú-
meros muito menores e mais confortáveis para trabalhar.
Vejamos como aplicar o lema dos restos nos seguintes exemplos a
seguir.
Exemplo 3.11. Prove que o produto de dois números naturais con-
secutivos é sempre divisível por 2.
98 3 Divisibilidade
Solução. Se n ∈ N temos que provar que an = n(n+1) é divisível por
2. Quando fazemos a divisão de n por 2 temos duas possibilidades
para o resto: r = 0 ou r = 1. Analisemos os dois casos por separado.
• [r = 0] Neste caso o resto que deixa an na divisão por 2 é o
mesmo que o resto que deixa 0(0+1)=0, logo an é divisível por
2.
• [r = 1] Neste caso podemos substituir an por 1(1+1)=2 e o
resto que este último deixa quando é dividido por 2 é 0, logo antambém é divisível por 2.
Mostraremos agora como utilizar o exemplo anterior pra resolver
um dos problemas da 1a Olimpíada Brasileira de Matemática.
Exemplo 3.12. Prove que se n é ímpar, então n2 − 1 é múltiplo de
8.
Solução. Como n é ímpar, podemos escrever n = 2m+ 1, para algum
k ∈ Z. Logo
n2 − 1 = (2m+ 1)2 − 1 = 4m2 + 4m+ 1− 1 = 4m2 + 4m.
Assim,
n2 − 1 = 4m(m+ 1).
Observe que de acordo com o exemplo 3.11, m(m + 1) é múltiplo de
2. Portanto, m(m+ 1) = 2q para algum q ∈ Z, de aonde
n2 − 1 = 4m(m+ 1) = 4 · 2q = 8q,
como queríamos demonstrar.
3.2 Bases Numéricas 99
Exemplo 3.13. Prove que em qualquer triângulo retângulo com lados
inteiros, pelo menos um deles é múltiplo de 3.
Solução. Comecemos analisando quais são os restos possíveis para a
divisão por 3 de um número que é quadrado. De acordo com o lema
dos restos temos a seguinte tabela para os restos de n e n2, na divisão
por 3:
n n2
0 0
1 1
2 1
Resumindo, se um número não é múltiplo de 3 então o resto da divisão
de seu quadrado por 3 deve ser igual a 1.
Agora denotemos por a e b os catetos e por c a hipotenusa. Supo-
nhamos que nenhum deles é divisível por 3. Então a2 e b2 deixam resto
1 na divisão por 3. Logo, a2 + b2 deixa resto 12 + 12 = 2 na divisão
por 3; mas isto é uma contradição pois, pelo Teorema de Pitágoras,
a2 + b2 = c2 e c2 deixa resto 1 quando é dividido por 3.
3.2 Bases Numéricas
Começamos esta seção com uma brincadeira interessante.
João, ao sair da aula de matemática do professor Peitágoras, en-
controu Pedro e lhe propôs a seguinte brincadeira:
Pense numa peça de dominó, Pedro. Vou adivinhar que peça é
essa usando uma fórmula mágica.
Ok, João. Pode começar, já pensei.
100 3 Divisibilidade
x y
Figura 3.1: Peça de Dominó
- Escolha um dos números na peça e multiplique por 5. Depois
disso some três a esse resultado. Multiplique agora o número que você
obteve por dois. Some isto com o outro número da peça. Qual foi o
resultado?
Foi 40.
Então a peça que você escolheu foi a 3 com 4!
Como você acertou? Me ensina!
Claro que de mágico João não tinha nada e decidiu contar seu
segredo a Pedro.
O jogo funciona assim: cada parte da peça de dominó pode ser
considerada como um dos dígitos de um número de 2 algarismos, o qual
denotamos por n = xy = 10x+ y (veja a Figura 3.1). Acompanhando
os passos de João, temos que:
(5x+ 3)2 + y = 40⇔ 10x+ y = 34, (3.14)
que claramente, tem por soluções: x = 3 e y = 4, usando a represen-
tação de 34 na base decimal.
No sistema de numeração decimal, também conhecido como sis-
tema numérico na base 10, todo número pode ser representado como
uma sequência de 10 símbolos, constituídos pelo 0 (zero) e os alga-
rismos 1, 2, 3, . . . , 9. Por exemplo, 345 escreve-se na base decimal da
3.2 Bases Numéricas 101
seguinte forma
345 = 300 + 40 + 5 = 3 · 102 + 4 · 10 + 5,
assim como 2768 se escreve da forma
2768 = 2000 + 700 + 60 + 8 = 2 · 103 + 7 · 102 + 6 · 10 + 8.
De modo geral, se denotamos por a = anan−1 . . . a1a0 o número inteiro
positivo formado pelos algarismos an, an−1, . . . , a1 e a0, nessa ordem,
então a se escreve na base decimal da forma
a = an10n + an−110
n−1 + . . .+ a110 + a0 (3.15)
Antes de provar alguns dos critérios de divisibilidade mais po-
pulares do sistema de numeração decimal, provamos uma identidade
muito útil.
Lema 3.14. Sejam a, b, n ∈ N. Temos que
an − bn = (a− b)(an−1 + an−2b+ · · ·+ abn−2 + bn−1).
Consequentemente, se 0 < b < a, então a− b divide an − bn.
Demonstração. Primeiro provaremos que a propriedade vale para b =
1. Com efeito, considerando a soma geométrica
s = 1 + a+ a2 + · · ·+ an−1
e multiplicando s por a temos que
as = (a+ a2 + · · ·+ an−1) + an = s− 1 + an.
102 3 Divisibilidade
Assim, (a− 1)s = as− s = an − 1, de onde se segue que
an − 1 = (a− 1)(an−1 + an−2 + · · ·+ a+ 1). (3.16)
Daí temos a validade para b = 1.
Para b ∈ N qualquer, observe que an− bn = bn[(ab)n − 1
]. Usando
esta expressão e (3.16) tem-se
an − bn = bn(ab− 1)
[(ab)n−1 + (a
b)n−2 + · · ·+ (a
b) + 1
]= (a− b)bn−1
[(ab)n−1 + (a
b)n−2 + · · ·+ (a
b) + 1
]= (a− b)(an−1 + an−2b+ · · ·+ abn−2 + bn−1),
(3.17)
obtendo-se a igualdade clamada.
Proposição 3.15 (Critérios de Divisibilidade). Seja a = an . . . a1a0
um inteiro positivo, então
(a) a é divisível por 10 se, e somente se, a0 for igual a 0;
(b) a é divisível por 3 ou por 9 se, e somente se, a soma dos seus
dígitos é divisível por 3 ou por 9, respectivamente;
(c) a é divisível por 5 se, e somente se, a0 for igual a 0 ou 5.
Demonstração. Utilizando a representação decimal (3.15) temos que
a = 10(an10n−1 + an−110
n−2 + · · ·+ a1) + a0.
Então, pela Proposição 3.3-(b) tem-se que 10 | a se, e somente se,
10 | a0, prondose-se assim o critério (a).
Para provar (b) observemos que
a = an10n + an−110
n−1 + · · ·+ 10a1 + a0
= an(10n − 1) + an−1(10
n−1 − 1) + · · ·+ (10− 1)a1
+ an + an−1 + · · ·+ a1 + a0.
(3.18)
3.2 Bases Numéricas 103
Pelo Lema 3.14 temos que 10j − 1 = 9qj para todo 1 ≤ j ≤ n, daí
segue-se
a = 9(anqn + an−1qn−1 + · · ·+ a1) + an + an−1 + · · ·+ a1 + a0.
Então, aplicando novamente o item (b) da Proposição 3.3 temos que
9 | a se, e somente se, 9 | (an + an−1 + · · ·+ a1 + a0).
A prova para o caso da divisibilidade por 3 segue de maneira idêntica,
logo ca provado o item (b).
A prova do item (c) segue de maneira muito semelhante e deixamos
a mesma a cargo do leitor.
Exemplo 3.16. Prove sem fazer muitas contas que o número
N = 13424136 + 1234567890
é divisível por 3.
Solução. Note que não precisamos fazer a soma dos números ante-
riores. Para mostrar isso, basta aplicar o item (b) da Proposição 3.3 e
o item (b) da Proposição 3.15, observando que cada um dos números
acima é divisível por 3, pois a soma de seus dígitos é um múltiplo de
3.
Finalizamos esta seção com uma aplicação da divisão euclidiana
que nos mostra que, analogamente à representação decimal, qualquer
número admite uma representação única em qualquer outra base nu-
mérica.
104 3 Divisibilidade
Teorema 3.17 (Bases Numéricas). Dados a, b ∈ N, com b > 1, exis-
tem únicos números naturais r0, r1, . . . , rn tais que 0 ≤ ri ≤ b− 1,
0 ≤ i ≤ n, e satisfazendo
a = rnbn + rn−1b
n−1 + · · ·+ r1b+ r0.
A representação acima é dita representação de a na base b e usaremos
a notação
a = (rncn−1 . . . r1r0)b,
para fazer referência a esta.
Demonstração. Apliquemos sucessivamente a divisão euclidiana como
segue:
a = bq0 + r0, r0 < b,
q0 = bq1 + r1, r1 < b,
q1 = bq2 + r2, r2 < b,
......
......
qj−1 = bqj + rj, rj < b,
e assim por diante. Como a > q0 > q1 > q2 > · · · > qj−1, para algum
j = n deveremos ter que qn−1 < b. Logo, qj = 0 para todo j ≥ n,
assim como rj = 0 para todo j ≥ n + 1. Das igualdades acima, para
3.2 Bases Numéricas 105
1 ≤ j ≤ n, tem-se
a = bq0 + r0,
bq0 = b2q1 + br1,
b2q1 = b3q2 + b2r2,
......
...
bn−1qn−2 = bnqn + bn−1rn−1
bnqn−1 = bn+10 + bnrn.
(3.19)
Efetuando a soma de todas as igualdades em (3.19) obtemos
a = rnbn + rn−1b
n−1 + · · ·+ r1b+ r0.
A unicidade dos números ri vem da unicidade dos restos na divisão
euclidiana.
Observação 3.18. O sistema de numeração na base 2 é também co-
nhecido como sistema binário e é o sistema habitualmente utilizado no
funcionamento dos computadores.
Exemplo 3.19. Se deseja pesar qualquer número inteiro de gramas de
ouro, entre 1g e 100g, numa balança de dois pratos, onde os pesos só
podem ser usados no prato esquerdo da balança. Mostre que a escolha
adequada de 7 pesos diferentes é suciente para realizar esta tarefa.
Demonstração. Usando o sistema de numeração em base 2 temos que
qualquer número a tal que 1 ≤ a ≤ 100 pode ser expressado de forma
única como
a = r626 + r52
5 + r424 + r32
3 + r222 + r12 + r01,
106 3 Divisibilidade
com ri ∈ 0, 1, 0 ≤ i ≤ 1. Observe que 2n ≥ 128, com n ≥ 7, logo
estas potências não são consideradas. notemos também que o fato de
cada ri ser 0 ou 1 nos diz que não precisamos repetir nenhum dos
pesos na realização de qualquer pesada. Logo, os pesos
1, 22, 23, 24, 25, 26
são sucientes para realizar as pesadas de gramas de ouro entre 1g e
100g.
3.3 Máximo Divisor Comum eMínimoMúl-
tiplo Comum
Nesta seção estudaremos dois conceitos fundamentais, que aparecem
naturalmente em vários problemas de divisibilidade, assim como a
relação existente entre eles.
3.3.1 Máximo Divisor Comum
O primeiro destes conceitos está relacionado com os inteiros positivos
que dividem simultaneamente a dois inteiros prexados e é denomi-
nado máximo divisor comum.
Daqui por diante só consideraremos os divisores positivos dos nú-
meros.
Denição 3.20 (Máximo Divisor Comum). Sejam a e b inteiros dife-
rentes de zero. O máximo divisor comum, resumidamente mdc, entre
a e b é o número d que satisfaz as seguintes condições:
(a) d é um divisor comum de a e b, isto é, d | a e d | b;
3.3 Máximo Divisor Comum e Mínimo Múltiplo Comum 107
(b) d é o maior inteiro positivo com a propriedade (a).
Neste caso, denotamos o mdc entre a e b por d = mdc(a, b) ou por
d = (a, b). Se (a, b) = 1, então dizemos que a e b são primos entre si.
Exemplo 3.21. Observando que 12 = 6 · 2, 18 = 6 · 3 temos que
mdc.(12, 18) = 6. Por outro lado, mdc.(4, 15) = 1, logo os números 4
e 15 são primos entre si.
Vejamos agora algumas das propriedades mais importantes dos
divisores comuns de dois inteiros.
Proposição 3.22. Sejam a e b dois inteiros. Então valem as seguintes
armações.
(a) Se a é múltiplo de b, então (a, b) = b.
(b) Se a = bq+ c, c 6= 0, então o conjunto dos divisores comuns dos
números a e b coincide com o conjunto dos divisores comuns dos
números b e c. Particularmente, (a, b) = (b, c).
Demonstração. Começamos com a prova de (a). Com efeito, todo
divisor comum dos números a e b é um divisor de b. Reciprocamente,
usando que a é múltiplo de b, todo divisor de b é também um divisor
de a, ou seja, um divisor comum dos números a e b. Portanto, o
conjunto dos divisores comuns dos números a e b é igual ao conjunto
dos divisores de b. Como o maior divisor de b é ele mesmo, resulta que
(a, b) = b.
Vejamos (b). Usando o item (b) da Proposição 3.3 temos que
todo divisor comum de a e b também divide c e, consequentemente, é
um divisor de b e c. Pela mesma razão todo divisor comum de b e c
também divide a e, consequentemente, é um divisor de a e b. Portanto
108 3 Divisibilidade
os divisores comuns de a e b são os mesmos que os divisores comuns
de b e c. Particularmente, também coincidem os maiores divisores
comuns, ou seja, (a, b) = (b, c).
O teorema a seguir é uma das ferramentas básicas na resolução
de problemas que envolvem o mdc entre dois números. O resultado
foi provado pela primeira vez por Claude-Gaspard Bachet de Méziriac
(1581-1638) e mais tarde generalizado para polinômios por Étienne
Bézout (1730-1783). Frequentemente, na literatura se enuncia este
resultado como teorema (ou identidade) de Bézout, esquecendo-se o
nome de Bachet.
Teorema 3.23 (Teorema de Bachet-Bézout). Se d é o mdc de a e b,
então existem números inteiros x0 e y0 tais que d = (a, b) = ax0+ by0.
Demonstração. Considere a combinação linear ax + by, onde x e y
percorrem todos os inteiros. Este conjunto de inteiros, denotado por
Ca,b = ax+ by; x, y ∈ Z,
inclui valores positivos e negativos. Além disso, escolhendo x = y = 0,
vemos que Ca,b também contém o zero.
Pelo princípio da boa ordenação, podemos escolher x0 e y0 tais que
λ = ax0+by0 seja o menor número inteiro positivo contido no conjunto
Ca,b.
Agora mostraremos que λ | a e λ | b. Provaremos que λ | a e o
outro segue analogamente. Usaremos para este propósito o método de
redução ao absurdo, ou seja, vamos supor que λ - a e obteremos uma
contradição.
3.3 Máximo Divisor Comum e Mínimo Múltiplo Comum 109
Usando a divisão euclidiana, de λ - a segue que existem inteiros q
e r tais que a = λq + r com 0 < r < λ. Portanto,
r = a− λq = a− q(ax0 + by0) = a(1− qx0) + b(−qy0)
e assim r está no conjunto Ca,b, o que contradiz a hipótese de λ ser o
menor elemento positivo contido em Ca,b.
Uma vez que λ divide a e b só resta provar que λ = d. Com efeito,
desde que d = (a, b), podemos escrever a = da1, b = db1 e
λ = ax0 + by0 = d(a1x0 + b1y0).
Assim d | λ. Logo pela parte (c) da Proposição 3.3, concluímos que
d ≤ λ. Agora d < λ é impossível pois d = mdc(a, b), e portanto
d = λ = ax0 + by0.
A seguinte proposição resume algumas consequências importantes
da demonstração dada ao teorema de Bézout.
Proposição 3.24. Sejam d, λ ∈ N e a, b, c ∈ Z. Então valem as
seguintes armações:
(a) Se d | a e d | b, então d | (a, b).
(b) O mdc.(a, b) é o menor valor positivo de ax + by, onde x e y
percorrem todos os números inteiros.
(c) (λa, λb) = λ(a, b).
(d) Se d | a e d | b, então (ad, bd) = 1
d(a, b). Consequentemente,(
a
(a, b),
b
(a, b)
)= 1.
110 3 Divisibilidade
(e) Se (a, c) = (b, c) = 1, então (ab, c) = 1.
(f) Se c | ab e (b, c) = 1, então c | a.
Demonstração. A prova de (a) é consequência imediata da igualdade
(a, b) = ax0 + by0 anunciada no teorema de Bézout; assim como (b)
segue diretamente da demonstração dada a este teorema.
Para provar (c), primeiro observamos que
(λa)x+ (λb)y = λ(ax+ by) onde x, y ∈ Z.
Usando o item (a) e o fato de λ ser positivo, da igualdade acima segue
que
(λa, λb) = min(λa)x+ (λb)y > 0; x, y ∈ Z
= λmin
ax+ by ; x, y ∈ Z
= λ(a, b).
A armação feita em (d) segue diretamente de (c), observando que
(a, b) =
(da
d, db
d
)= d
(a
d,b
d
).
Continuamos com a prova de (e). De (a, c) = (b, c) = 1, temos que
existem inteiros xj e yj, j = 1, 2, tais que
ax1 + cy1 = 1,
bx2 + cy2 = 1.
Multiplicando lado a lado as igualdades obtemos
(x1x2︸︷︷︸x
)ab+ (ax1y2 + y1bx2 + cy1y2︸ ︷︷ ︸y
)c = 1.
3.3 Máximo Divisor Comum e Mínimo Múltiplo Comum 111
Então, usando o item (b) e a igualdade acima resulta que (ab, c) = 1.
Finalmente, provaremos (f). Das hipóteses temos que existem in-
teiros x0 e y0 tais que
bx0 + cy0 = 1.
Multiplicamos a igualdade acima por a em ambos lados para obtermos
abx0 + acy0 = a.
Por outro lado, ab = cq para algum inteiro q. Usando esta condição
na última igualdade temos que
cqx0 + acy0 = c(qx0 + ay0) = a,
logo c | a.
3.3.2 Algoritmo de Euclides
Apesar de conhecermos propriedades teóricas do mdc entre dois intei-
ros, encontrá-lo de fato pode ser uma tarefa complicada, sem auxílio
das ferramentas corretas. Lembrando o seu signicado, o leitor talvez
pudesse pensar que devemos calcular todos os divisores de a, todos
os divisores de b e descobrir qual é o maior elemento comum aos dois
conjuntos.
Para achar o mdc se faz uso de um importante método denominado
algoritmo de Euclides .
Teorema 3.25 (Algoritmo de Euclides). Dados dois inteiros positivos,
a e b, aplicamos sucessivamente a divisão euclidiana para obter a se-
112 3 Divisibilidade
guinte sequência de igualdades
b = aq1 + r1, 0 ≤ r1 < a,
a = r1q2 + r2, 0 ≤ r2 < r1,
r1 = r2q3 + r3, 0 ≤ r3 < r2,
· · · · · · · · · · · · · · ·rn−2 = rn−1qn + rn, 0 ≤ rn < rn−1,
rn−1 = rnqn+1,
(3.20)
até algum rn dividir rn−1. Assim, o mdc.(a, b) = rn, ou seja, é o
último resto não-nulo no processo de divisão anterior.
Observação 3.26. Quando lidamos com números pequenos achar o
mdc é uma tarefa fácil pois podemos calcular o mdc valendo-nos das
fatorações dos números envolvidos. No entanto, quando estamos tra-
balhando com números grandes o algoritmo de Euclides, em geral, é
mais fácil que a fatoração, podendo ser esta última bem difícil.
Demonstração do algoritmo de Euclides. Começamos observando que
o processo de divisão (3.20) é nito. Com efeito, a sequência de núme-
ros inteiros rk é estritamente decrescente e está contida no conjunto
r ∈ Z, 0 ≤ r < a, portanto não pode conter mais do que a intei-
ros positivos. Examinando as igualdades (3.20) de cima para baixo e
usando a Proposição 3.22 temos que
(a, b) = (a, r1) = (r1, r2) = · · · = (rn−1, rn) = rn.
3.3 Máximo Divisor Comum e Mínimo Múltiplo Comum 113
Observação 3.27. Notemos que o teorema de Bézout também pode
ser obtido como consequência do processo de divisão (3.20). Com
efeito, podemos escrever
rn = rn−2 − rn−1qnrn−1 = rn−3 − rn−2qn−1
⇒ rn = rn−2 − (rn−3 − rn−2qn−1)qn.
Logo, conseguimos escrever rn em termos de rn−2 e rn−3. Utilizando a
expressão rn−2 = rn−4− rn−3qn−2 podemos escrever rn como combina-
ção de rn−3 e rn−4. Repetindo este processo várias vezes, concluímos
que existem x, y ∈ Z tais que
d = rn = xr1 + yr2.
Ora, como r1 = b − aq1 e r2 = a − r1q2 = a(1 + q1q2) − bq2, então,substituindo estes valores na última igualdade obtemos o Teorema de
Bézout.
Exemplo 3.28. Achar o máximo divisor comum dos números 471 e
1.176.
Solução. Aplicando o algoritmo de Euclides obtemos a seguinte sequên-
cia de divisões com resto:
1176 = 471 · 2 + 234,
471 = 234 · 2 + 3,
234 = 78 · 3,
então o mdc(471, 1176) = 3.
Exemplo 3.29. Provar que a fração2n+ 8
4n+ 15é irredutível para todo
número natural n.
114 3 Divisibilidade
Solução. Usando o algoritmo de Euclides temos que
4n+ 15 = (2n+ 8) · 1 + 2n+ 7,
2n+ 8 = (2n+ 7) · 1 + 1,
2n+ 7 = (2n+ 7) · 1.
Então o mdc.(4n + 15, 2n + 8) = 1 e portanto 4n + 15 e 2n + 8 são
primos entre si para qualquer valor de n.
Exemplo 3.30. Achar o mdc.(111 . . . 111︸ ︷︷ ︸100 vezes
, 11 . . . 11︸ ︷︷ ︸60 vezes
)
Solução. Primeiro escrevemos os números na base decimal, isto é,
111 . . . 111︸ ︷︷ ︸100 vezes
= 1099 + 1098 + · · ·+ 1,
11 . . . 11︸ ︷︷ ︸60 vezes
= 1059 + 1058 + · · ·+ 1.
Aplicamos agora o algoritmo de Euclides para obter as seguintes igual-
dades
111 . . . 111︸ ︷︷ ︸100 vezes
= (1059 + 1058 + · · ·+ 1)1040 + 1039 + 1038 + · · ·+ 1,
1059 + 1058 + · · ·+ 1 = (1039 + 1038 + · · ·+ 1)1020+
+ 1019 + 1018 + · · ·+ 1,
1039 + 1038 + · · ·+ 1 = (1019 + 1018 + · · ·+ 1)1020+
+ 1019 + 1018 + · · ·+ 1.
Disso resulta que
mdc.(111 . . . 111︸ ︷︷ ︸100 vezes
, 11 . . . 11︸ ︷︷ ︸60 vezes
) = 1019 + 1018 + · · ·+ 1 = 11 . . . 11︸ ︷︷ ︸20 vezes
.
3.3 Máximo Divisor Comum e Mínimo Múltiplo Comum 115
3.3.3 Mínimo Múltiplo Comum
Agora passamos ao segundo conceito importante desta seção. O mesmo
está relacionado com os inteiros positivos que são simultaneamente
múltiplos de dois inteiros prexados e é denominado mínimo múltiplo
comum.
Denição 3.31 (Mínimo Múltiplo Comum). Sejam a e b inteiros
diferentes de zero. O mínimo múltiplo comum, resumidamente mmc,
entre a e b é o inteiro positivo m que satisfaz as seguintes condições:
(a) m é um múltiplo comum de a e b, isto é, a | m e b | m;
(b) m é o menor inteiro positivo com a propriedade (a).
Neste caso, denotamos o mmc entre a e b por m = mmc(a, b) ou por
m = [a, b].
Resumimos a seguir algumas das propriedades fundamentais do
mmc de dois inteiros.
Proposição 3.32. Sejam a, b, c ∈ Z e λ ∈ Z. Então valem as se-
guintes armações:
(a) se c é múltiplo comum de a e b, então [a, b] | c;
(b) [λa, λb] = λ[a, b];
(c) |ab| = [a, b] · (a, b).
Demonstração. Começamos com a prova de (a). A divisão com resto
de c por [a, b] nos dá
c = [a, b]q + r, 0 ≤ r < [a, b]. (3.21)
116 3 Divisibilidade
Da igualdade anterior, basta provar que r = 0 para obter o resultado
desejado. Suponhamos, pelo contrário, que 0 < r < [a, b]. Notemos
que tanto a como b dividem c e [a, b]. Logo, pelo item (b) da Pro-
posição 3.3 e a igualdade (3.21), temos que a e b também dividem r,
ou seja, r é múltiplo comum de a e b e não pode ser menor que [a, b],
contradizendo nossa suposição.
Prosseguimos com a prova de (b). Observemos que λ[a, b] é múlti-
plo comum de λa e λb, logo pelo item (i) vale que
[λa, λb] ≤ λ[a, b]. (3.22)
Por outro lado, [λa, λb] = q1λa = q2λb, para alguns inteiros q1 e q2;
logo, [λa,λb]λ
é um múltiplo comum de a e b. Portanto,
[a, b] ≤ [λa, λb]
λ⇔ λ[a, b] ≤ [λa, λb]. (3.23)
Das igualdades (3.22) e (3.23) segue que
λ[a, b] ≤ [λa, λb] ≤ λ[a, b],
de onde vem diretamente o resultado.
Para provar (c) podemos supor sem perda de generalidade que a e
b são positivos devido às igualdades
[a, b] = [a,−b] = [−a, b] = [−a,−b].
Dividiremos a prova em dois casos:
Caso 1: (a, b) = 1.
Sabemos que b | [a, b] e [a, b] = qa, para algum q ∈ N. Então b | qae além disso (a, b) = 1. Logo, pelo item (v) da Proposição 3.24 temos
que b | q. Portanto, b ≤ q e consequentemente
ab ≤ aq = [a, b]. (3.24)
3.3 Máximo Divisor Comum e Mínimo Múltiplo Comum 117
Entretanto, da denição de [a, b] vale que
[a, b] ≤ ab. (3.25)
Das desigualdades (3.24) e (3.25) segue que ab ≤ [a, b] ≤ ab. Assim,
ab = [a, b] = [a, b] · 1 = [a, b] · (a, b).
Caso 2: (a, b) > 1.
Da parte (c) da Proposição 3.24 sabemos que(
a(a,b)
, b(a,b)
)= 1.
Aplicando o caso anterior vale que
a
(a, b)· b
(a, b)=
[a
(a, b),
b
(a, b)
]·(
a
(a, b),
b
(a, b)
).
Multiplicamos esta última igualdade por (a, b)2 e usamos o item (b)
provado anteriormente, assim como a parte (d) da Proposição 3.24
para obter
ab = (a, b)
[a
(a, b),
b
(a, b)
](a, b)
(a
(a, b),
b
(a, b)
)= [a, b] · (a, b).
Exemplo 3.33. Dois amigos passeiam de bicicleta, na mesma dire-
ção, em torno a uma pista circular. Para dar uma volta completa um
deles demora 15 minutos e o outro demora 18 minutos. Eles partem
juntos e combinam interromper o passeio quando os dois se encontra-
rem pela primeira vez no ponto de partida. Quantas voltas deu cada
um?
Solução. Denotemos por n1 e n2, respectivamente, o número de voltas
que dá cada um dos amigos. Notemos que o tempo total da corrida é
o menor valor positivo de T que satisfaz as igualdades
T = 15n1 = 18n2,
118 3 Divisibilidade
ou seja
T = [15, 18] =15 · 18
3= 90.
Portanto, n1 = 6 e n2 = 5.
Finalizamos esta seção com um exemplo que nos fornece uma bela
interpretação geométrica do mínimo múltiplo comum. O mesmo foi
proposto na Olimpíada Brasileira de Matemática.
Exemplo 3.34. Um retângulo de lados inteiros AB = m e CD = n,
é dividido em quadrados de lado 1. Em cada um dos vértices ele possui
um pequeno orifício. Um raio de luz entra no retângulo por um dos
vértices, na direção da bissetriz do ângulo reto, e é reetido sucessi-
vamente nos lados do retângulo. Quantos quadrados são atravessados
pelo raio de luz?
A B
CD
Figura 3.2: Interpretação geométrica do mmc
Solução. Se zermos alguns testes preliminares dando valores a m e
n, veremos que em cada caso a resposta coincidirá com o mmc(m,n).
Provemos que isto de fato vale para m e n quaisquer. Para realizar a
prova nos auxiliaremos da Figura 3.2.
3.3 Máximo Divisor Comum e Mínimo Múltiplo Comum 119
Primeiramente, notemos que cada vez que o raio de luz atravessa
um quadrado ele avança uma unidade tanto na direção horizontal como
na direção vertical. Usando este fato fazemos as observações a seguir.
• Se o raio entra pelo vértice A, terá que atravessar m quadrados
até chegar ao lado BC, imediatamente mais m para chegar ao
lado AD, depois mais m para chegar novamente ao lado BC, e
assim sucessivamente. Além disso, depois do raio percorrer pm
quadrados, com p ∈ N, estará batendo no lado BC ou no lado
AD.
• Analogamente o raio baterá no lado AB ou no lado DC se, e
somente se, atravessar qn quadrados, com q ∈ N.
• Somente nos vértices B, C e D do retângulo pode acontecer que
o raio incidente saia do retângulo, terminando assim o processo
de reexão.
Usando as observações acima é fácil ver que o raio chegará a um
vértice quando chegar simultaneamente a dois lados perpendiculares
do retângulo. Portanto, deve ter atravessado um número x de quadra-
dos tal que x = pm = qn, ou seja, x deverá ser um múltiplo comum
de m e n. É claro que a primeira vez que o raio chega a um vértice o
número x é o menor múltiplo comum de m e n, isto é, x = [m,n].
Finalmente, observamos que nenhum dos quadrados é atravessado
duas vezes no percurso do raio de A até bater no primeiro vértice, pois
como vemos na gura numa das direções os quadrados atravessados
serão todos cinzas e na outra direção, serão todos brancos.
120 3 Divisibilidade
3.3.4 Equações Diofantinas Lineares
Consideremos a equação
ax+ by = c, (3.26)
onde a, b, c ∈ Z, com a 6= 0 e b 6= 0.
A equação (3.26) é chamada de equação diofantina linear e uma
solução desta é qualquer par de inteiros (x, y) que satisfaçam (3.26).
É conhecido que todos os pontos do plano, com coordenadas (x, y),
que satisfazem a igualdade (3.26) representam, geometricamente, uma
reta. Logo, as soluções de uma equação diofantina linear são os pontos
de coordenadas inteiras do plano cartesiano, que estão dispostos sobre
a reta que esta representa. Por exemplo, os pontos (−1,−2) e (1, 1)
são soluções da equação diofantina 3x− 2y = 1, veja a Figura 3.3.
-3 -2 -1 0 1 2-3
-2
-1
0
1
2
3
x
y
•
•
ℓ
Figura 3.3: A equação da reta ` é 3x− 2y = 1.
Naturalmente nos perguntamos: É sempre possível achar soluções
para uma equação diofantina linear? A resposta é não; o próximo
resultado nos diz quando isto é possível. Além disso, se uma equação
diofantina linear tem uma solução na verdade ela tem uma innidade
de soluções.
3.3 Máximo Divisor Comum e Mínimo Múltiplo Comum 121
Proposição 3.35. A equação diofantina linear
ax+ by = c, a, b, c ∈ Z, com a 6= 0 e b 6= 0, (3.27)
tem solução se, e somente se, d | c, onde d = (a, b). Além disso,
se (x0, y0) é uma solução, então o conjunto de soluções de (3.27) é
constituído por todos os pares de inteiros (x, y) da forma:
x = x0 + t bd
e y = y0 − tad , t ∈ Z. (3.28)
Demonstração. Primeiramente suponhamos que (x0, y0) é uma solução
de (3.27), logo ax0 + by0 = c. Usando que d = (a, b) sabemos que
existem inteiros q1 e q2, tais que dq1 = a e dq2 = b. Portanto, se
verica a igualdade
dq1x0 + dq2y0 = d(q1x0 + q2y0) = c,
de onde segue obviamente que d | c.Reciprocamente, suponhamos que d | c e portanto c = qd com q
inteiro. O teorema de Bézout nos garante a existência de dois inteiros,
x0 e y0, tais que ax0 + by0 = d. Multiplicando ambos os lados desta
última igualdade por q temos que
ax0q + by0q = c,
logo o par (x1, y1), com x1 = x0q e y1 = y0q, é solução da equação
diofantina.
Resta provar agora que temos innitas soluções da forma (3.28).
Com efeito, sendo (x, y) uma outra solução qualquer além de (x0, y0),
vale que ax0 + by0 = c = ax+ by, de onde ax0 + by0 = ax+ by. Desta
igualdade obtemos a(x− x0) = b(y0 − y) e dividimos esta última por
d para obtermosa
d(x− x0) =
b
d(y0 − y).
122 3 Divisibilidade
Como (ad, bd) = 1, então temos que a
d| (y0 − y) e b
d| (x − x0). Logo,
existe inteiro t tal que
x = x0 + t bd
e y = y0 − tad .
Por outro lado, é fácil vericar que para qualquer inteiro t as expressões
achadas acima para x e y resolvem a equação diofantina.
A seguir damos um exemplo de como proceder para resolver equa-
ções diofantinas.
Exemplo 3.36. Achar todas as soluções inteiras da equação
12x+ 33y = 27.
Solução. Observemos que (12, 33) = 3 e que 3 | 27, logo a equa-
ção tem innitas soluções. Como sabemos, basta achar uma delas
e teremos as restantes. Para achar esta solução particular podemos
trabalhar de duas maneiras, que descrevemos a seguir:
Alternativa 1: reduzimos a equação à forma equivalente
4x+ 11y = 9,
e por tentativa e erro vemos que x0 = 5 e y0 = −1 solucionam a
mesma. Então pela Proposição 3.35 temos que
x = 5 + 11t e y = 4t− 1, t ∈ Z,
esgotam todas as soluções que procuramos.
Alternativa 2: aplicamos o algoritmo de Euclides para achar o
mdc (12, 33), obtendo os seguintes resultados:
33 = 12 · 2 + 9,
12 = 9 · 1 + 3,
9 = 3 · 3 + 0.
3.4 Números Primos e Compostos 123
Da segunda e primeira igualdades temos, respectivamente, que
3 = 12− 9 · 1 e 9 = 33− 12 · 2.
Usando estas duas obtemos
3 = 12− (33− 12 · 2) · 1= 12− 33 + 12 · 2= 3 · 12− 1 · 33,
ou seja, achamos x0 = 3 e y0 = −1, garantidos pelo teorema de
Bézout, que validam 3 = 12x0+33y0. Multiplicamos por 9 esta última
igualdade para obter
27 = 12(9x0) + 33(9y0).
Portanto, x0 = 9x0 = 27 e y0 = 9y0 = −9 resolvem, particularmente,
a equação diofantina. Analogamente, como na alternativa anterior,
podemos escrever a solução geral da forma:
x = 27 + 11s e y = 4s− 9, s ∈ Z.
3.4 Números Primos e Compostos
Ao longo da história da Matemática, os números primos foram pro-
tagonistas de célebres problemas que motivaram o desenvolvimento
de teorias e técnicas pelas mentes mais férteis, como Fermat, Euler e
Gauss. Até hoje muitos desses problemas, simples de enunciar, que
envolvem números primos são desaos intelectuais para toda a huma-
nidade.
124 3 Divisibilidade
Esta seção será dedicada ao estudo de propriedades básicas dos
números primos. Todo número natural n maior do que 1 tem pelo
menos 2 divisores, claramente 1 e n. Isto motiva a seguinte denição.
Denição 3.37 (Números Primos e Compostos). Um inteiro positivo
n ≥ 2 é dito primo se os únicos divisores que ele tem são 1 e ele
próprio; caso contrário, é dito composto.
Observação 3.38. De modo geral o número 1 não é considerado nem
primo nem composto.
Exemplo 3.39. Os números 2, 3, 5, 7, e 11 são primos e os números
10, 15, 35 e 348 são compostos.
Exemplo 3.40. O número n = 220 − 254 é composto.
Solução. Escrevemos n de outra forma, com o objetivo de facilitar
nosso trabalho. Com efeito, observemos que
n = (210)2 − (252)2 = 10242 − 6252,
logo é composto por ser diferença de quadrados. Além disso,
n = 10242 − 6252,
= (1024− 625)(1024 + 625),
= 399 · 1649,= 3 · 133 · 1649.
(3.29)
Portanto, podemos concluir que 3 | n.
Proposição 3.41. Seja n > 1 um número inteiro. Então
(a) o menor divisor de n diferente de 1 é um número primo;
3.4 Números Primos e Compostos 125
(b) se n é composto, o seu menor divisor diferente de 1 não é maior
que√n. Em outras palavras, se n não possui divisores diferentes
de 1, menores ou igual que√n, então n é primo.
Demonstração. Começamos provando (a). Seja p o menor divisor de
n, diferente de 1. Se p fosse composto teria algum divisor q tal que
1 < q < p; mas
q | p e p | n,
o que nos diz que q | n, e isto contradiz a hipótese levantada sobre p.
Para provar (b) denotamos por p o menor divisor de n, diferente
de 1. Portanto, n = pq com q ≥ p. Multiplicando ambos lados da
desigualdade por p obtemos
n = pq ≥ p2,
e consequentemente vale√n ≥ p.
Agora vamos enunciar um dos resultados mais clássicos da Mate-
mática, que garante a existência de innitos números primos. Até
onde se conhece, a demonstração a seguir foi a primeira demonstração
escrita utilizando o método de redução ao absurdo e é devida a Eu-
clides cerca de 300 a.C. Para outras seis provas, incluindo a moderna
prova de Fustenberg, recomendamos os livros [1] e [10].
Teorema 3.42 (Teorema de Euclides). A quantidade de números pri-
mos é innita.
Demonstração. Faremos a prova por redução ao absurdo. Suponha
que existe uma quantidade nita de números primos e denotemos estes
por
p1, p2, p3, . . . , pk.
126 3 Divisibilidade
Consideremos o número
n = p1p2p3 · · · pk + 1
e chamemos de q o seu menor divisor primo. Obviamente q não coin-
cide com nenhum dos números pi, 1 ≤ i ≤ k, pois caso contrário,
como ele divide n, teria que dividir 1, o que é impossível. Logo, te-
mos uma contradição à hipótese de termos uma quantidade nita de
primos.
Os números primos também podem ser caracterizados da seguinte
maneira:
Proposição 3.43. Um inteiro positivo p é primo se, e somente se,
satisfaz a seguinte propriedade:
p | ab =⇒ p | a ou p | b (3.30)
onde a, b ∈ Z.
Demonstração. Primeiramente, suponhamos que p é primo e que p - b,logo (p, b) = 1. Então, pelo item (f) da Proposição 3.24 temos que
p | a.Reciprocamente, suponhamos que, a propriedade 3.30 é válida e
além disso vamos supor, pelo absurdo, que p não é primo. Então,
p = d1d2, com 1 < d1 < p, 1 < d2 < p. (3.31)
De (3.30) segue que p | d1 ou p | d2; consequentemente
p ≤ d1, ou p ≤ d2, (3.32)
contradizendo isto o armado em (3.31).
3.5 Procurando Primos 127
3.5 Procurando Primos
Os números primos além de belos e desaadores do ponto de vista
matemático, são extremamente importantes para as atividades usuais
de nosso dia a dia. Por exemplo, nenhuma transação bancária ou pela
internet estaria segura sem o uso de números primos muito grandes.
Assim, surge naturalmente a pergunta de como podemos produzi-los
em grandes quantidades. Essa pergunta sempre intrigou os matemá-
ticos e continua sem solução até os dias atuais. Apesar deles serem
abundantes, em quantidade innita de acordo com o Teorema 3.42,
não existe nenhum método razoável de produção de números primos,
mesmo tendo em mãos a alta tecnologia de hoje em dia. Porém, ao
longo do tempo algumas fórmulas e algoritmos se mostraram úteis
para a descoberta de números primos.
3.5.1 O Crivo de Eratóstenes
O crivo de Eratóstenes é um algoritmo que nos permite achar todos
os números primos que são menores ou iguais que um natural N dado.
Segundo a tradição, este método foi criado pelo matemático grego
Eratóstenes (285-194 a.C.).
O método consiste nos seguintes passos: escrevemos os números de
forma ordenada a partir de 2, isto é,
2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, . . . , n (3.33)
• Observamos que o primeiro primo que aparece em (3.33) é 2 e
imediatamente apagamos da lista (3.33) todos os múltiplos de
2 maiores que ele, por serem compostos; resta assim a seguinte
128 3 Divisibilidade
lista
2, 3, 5, 7, 9, 11, 13, 15, 17 . . .
• O primeiro número não apagado que aparece na lista restante é
3, que também é primo. Imediatamente apagamos da lista todos
os múltiplos de 3 maiores que ele, por serem compostos; resta
agora a lista
2, 3, 5, 7, 11, 13, 17, . . .
• O primeiro número não apagado que aparece na lista que restou
do passo anterior é 5, que também é primo. Imediatamente
apagamos da lista todos os múltiplos de 5 maiores que ele, por
serem compostos.
• Repetimos este processo até que o primeiro número não apagado
da lista em questão seja maior que√n, pois graças à Proposição
3.41-(b) a partir desse momento todos os números restantes são
os primos menores ou iguais que n..
Por exemplo, se n = 40, temos que√40 = 6, 324555. Então,
aplicando o método:
2 3 4 5 6 7 8 9 10
11 12 13 14 15 16 17 18 19 20
21 22 23 24 25 26 27 28 29 30
31 32 33 34 35 36 37 38 39 40
Passo 1: ordenamos os números
2 3 5 7 9
11 13 15 17 19
21 23 25 27 29
31 33 35 37 39
3.5 Procurando Primos 129
Passo 2: tiramos os múltiplos de 2
2 3 5 7
11 13 17 19
23 25 29
31 35 37
Passo 3: tiramos os múltiplos de 3
2 3 5 7
11 13 17 19
23 29
31 37
Passo 4: tiramos os múltiplos de 5
Como 72 = 49 > 40, paramos agora.
Observação 3.44. Note que ao começar a apagar os múltiplos de um
número primo p podemos começar a apagar a partir de p2, pois se
supomos que existe um número composto m não apagado menor que
p2, temos que m = p1q1, sendo p1 seu menor divisor primo. Então,
pelo item (b) da Proposição 3.41, p1 <√m < p, logo m deveria ter
sido apagado pois é múltiplo de um primo menor que p.
3.5.2 Primos de Mersenne
Marin Mersenne (1588-1648) foi um monge francês que nasceu na ci-
dade de Maine e foi um dos grandes inuenciadores da Matemática
130 3 Divisibilidade
2 3 5 7 11 13 17 19 23 29
31 37 41 43 47 53 59 61 67 71
73 79 83 89 97 101 103 107 109 113
127 131 137 139 149 151 157 163 167 173
179 181 191 193 197 199 211 223 227 229
233 239 241 251 257 263 269 271 277 281
283 293 307 311 313 317 331 337 347 349
353 359 367 373 379 383 389 397 401 409
419 421 431 433 439 443 449 457 461 463
467 479 487 491 499 503 509 521 523 541
Tabela 3.1: Os primeiros 100 números primos
francesa nos séculos XVI e XVII. Apaixonado pelos números, teve en-
tre seus correspondentes Descartes, Fermat, Pascal e Galileu. Entre
suas várias descobertas, ele estudou os números da forma:
Mn = 2n − 1.
Observe que vale o seguinte fato a respeito desses números:
Proposição 3.45. Se Mn é primo, então n é primo.
Demonstração. Provar essa proposição equivale a mostrar que a sua
forma contrarrecíproca vale. Ou seja, que se n é composto, digamos
n = a.b, com a ≥ b > 1, então Mn também é composto. De fato,
usando o Lema 3.14, podemos decompô-lo do seguinte modo:
Ma.b = 2ab − 1 =(2a(b−1) − 2a(b−2) + · · ·+ 2a + 1
)(2b − 1
).
3.5 Procurando Primos 131
Porém, não é verdade a recíproca da armação acima. Por exem-
plo, Hudalricus Regius mostrou em 1536 que M11 = 211 − 1 = 2.047
não é primo, já que 2.047 = 23 · 89.Em 1643, Mersenne armou que para
n = 2, 3, 5, 7, 13, 17, 19, 31, 67, 127 e 257,
os valores de Mn são todos primos e para todos os outros valores de n
menores que 257, Mn é composto.
Hoje sabemos que Mersenne errou na sua armação, esquecendo
três valores de n ondeMn é primo: 61, 89 e 107 e incluindo M67 eM257
como números primos. Para mais informações, sugerimos a página web
http://primes.utm.edu/mersenne/index.html.
Finalizamos esta seção, com um critério interessante, devido à ma-
temática francesa Sophie Germain (1776-1831), que nos permite saber
quando um número não é primo.
Proposição 3.46 (Identidade de Sophie Germain). Dados a, b ∈ R,vale a igualdade
a4 + 4b4 = (a2 + 2b2 + 2ab)(a2 + 2b2 − 2ab).
Demonstração. A prova segue das seguintes igualdades:
a4 + 4b4 = a4 + 4a2b2 + 4b4 − 4a2b2
= (a2 + 2b2)2 − 4a2b2
= (a2 + 2b2 + 2ab)(a2 + 2b2 − 2ab).
Como aplicação desta identidade vejamos os seguintes exemplos.
132 3 Divisibilidade
Exemplo 3.47. qn = n4 + 4n é composto, para todo n ∈ N.
Solução. O conjunto dos números naturais é particionado em duas
classes disjuntas:o conjunto dos números pares e o conjunto dos nú-
meros ímpares. Estudaremos cada classe por separado. Assim,
• se n é um número par, então n = 2m para algum inteiro positivo
m ≥ 1. Deste modo,
n4 + 4n = (2m)4 + 42m = 16m4 + 24m,
= 2(8m4 + 24m−1
).
Portanto, neste caso, n4 + 4n ≥ 2. Logo, se n > 1 é qualquer
número inteiro positivo par temos que n4+4n não é um número
primo;
• se n é um número ímpar, então n = 2m + 1 para algum inteiro
positivo m ≥ 1. Assim,
n4 + 4n = (2m+ 1)4 + 42m+1 = (2m+ 1)4 + 4 · 42m
= (2m+ 1)4 + 4 · 24m = (2m+ 1)4 + 4 · (2m)4.
Logo, tomando a = 2m + 1 e b = 2m, o resultado é uma con-
sequência direta da identidade de Sophie Germain.
Exemplo 3.48. 520 + 230 é um número composto.
Solução. Escrevemos
520 + 230 = 55·4 + 22 · 228 =(55)4
+ 4 ·(27)4,
de onde podemos usar a Identidade de Sophie Germain com a = 55 e
b = 27 para comprovar que o número 520 + 230 é composto.
3.5 Procurando Primos 133
3.5.3 O Teorema Fundamental da Aritmética
Os números primos são as células dos números naturais, no sentido
de que qualquer número natural é produto de números primos. Por
exemplo,
560 = 56 · 10 = 7 · 8 · 5 · 2 = 7 · 2 · 2 · 2 · 5 · 2,
onde cada um dos fatores que aparecem no produto são números pri-
mos. Perguntamo-nos, o que acontece se começamos com uma outra
fatoração inicial de 560, por exemplo, 560 = 28 · 20. Vejamos:
560 = 28 · 20 = 14 · 2 · 10 · 2 = 7 · 2 · 2 · 5 · 2 · 2.
Surpreendentemente chegamos à mesma representação anterior, salvo
a ordem dos fatores.
2222 75
Figura 3.4: O número 560 é composto de 4 células do tipo 2, uma célula
do tipo 7 e uma célula do tipo 5.
O fato observado acima vale para qualquer número natural maior
que 1. Especicamente, temos o seguinte resultado conhecido como
teorema fundamental da aritmética .
134 3 Divisibilidade
Teorema 3.49 (Teorema Fundamental da Aritmética). Todo número
natural n maior que 1 pode ser escrito como um produto
n = pα11 p
α22 p
α33 · · · pαm
m , (3.34)
onde m ≥ 1 é um número natural, αi ∈ N e pi é primo para todo
1 ≤ i ≤ m . Além disso, a fatoração em (3.34) é única se exigirmos
que p1 < p2 < · · · < pm.
Demonstração. Seja n um inteiro maior que 1. Denotando por p1 seu
menor divisor primo tem-se que
n = p1β1, 1 ≤ β1 < n.
Se β1 = 1, então N1 = p1 e a fatoração desejada é obtida. Caso
contrário, denotando por p2 o menor divisor primo de β1 tem-se que
n = p1p2β2, 1 ≤ β2 < β1.
Se β2 = 1, então n = p1p2 e novamente chegamos à fatoração desejada.
Caso contrário, denotando por p3 o menor divisor primo de β2 tem-se
que
n = p1p2p3β3, 1 ≤ β3 < β2.
Continuando este processo sucessivamente obtemos então uma sequên-
cia estritamente decrescente de números naturais αn, ou seja,
n > β1 > β2 > β2 > · · · > βn > βn+1 > · · · ≥ 1,
Então, pelo princípio da boa ordem, só pode existir uma quantidade
nita de índices n tais que βn > 1 e consequentemente βn+1 = 1, de
onde segue que
n = p1p2 · · · pn.
3.5 Procurando Primos 135
Notemos que na representação acima os pi podem-se repetir, resul-
tando nalmente a representação desejada em (3.34).
Provaremos agora a unicidade de tal fatoração. Com efeito, supo-
nha que existem duas fatorações:
pα11 p
α22 p
α33 · · · pαm
m = n = qβ11 qβ22 q
β33 · · · qβss
Pela Proposição 3.43 temos que cada pi divide algum qj, logo pi =
qj, por serem primos. Portanto, cada pi aparece no lado direito da
igualdade acima, e, um argumento análogo nos dá que cada qj também
aparece no lado esquerdo da igualdade. Então, como os pis e os qjssão diferentes dois a dois e organizados crescentemente, temos m = s
e a igualdade se reduz a
pα11 p
α22 p
α33 · · · pαm
m = pβ11 pβ22 p
β33 · · · pβmm .
Suponhamos agora que α1 seja diferente de β1; sem perda de ge-
neralidade vamos supor que α1 < β1. Portanto,
pα22 · pα3
3 · · · pαmm = pβ1−α1
1 pβ22 pβ33 · · · pβmm ,
e como β1 − α1 > 0 então, pela Proposição 3.43 temos que p1 di-
vide algum pj, com j > 1, o que é impossível. Portanto, α1 = β1.
Similarmente provamos que αi = βi, com i = 1, . . . , n.
Observação 3.50. O teorema fundamental da aritmética foi enun-
ciado precisamente por Gauss (1777-1855). Seus antecessores, Fer-
mat, Euler, Lagrange e Legendre, utilizavam este teorema sem a preo-
cupação de tê-lo enunciado ou demonstrado com precisão. Uma prova
alternativa deste teorema será apresentada no Capítulo 6, usando o
método de indução.
136 3 Divisibilidade
Exemplo 3.51. Prove que um número n é par se, e somente se, o
número 2 aparece na fatoração de n em fatores primos.
Solução. Obviamente, se 2 aparece na fatoração em primos de N ,
então N é par. Ora, se n é par temos que n = 2q. Por outro lado q e
n se fatoram, respectivamente, como
q = qα11 qα2
2 · · · qαmm e n = pβ11 p
β22 · · · pβss .
Logo,
2 · qα11 qα2
2 · · · qαmm = pβ11 p
β22 · · · pβss .
Pela unicidade da fatoração, para algum i, com 1 ≤ i ≤ s, o cor-
respondente pi deve ser igual a 2. Portanto, 2 aparece na fatoração de
n.
Exemplo 3.52. Seja A = 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7. É possível decompor
o conjunto A em dois subconjuntos disjuntos tais que o produto dos
elementos de um seja igual ao produto dos elementos do outro?
Solução. Mostraremos que é impossível fazer esta decomposição. Com
efeito, suponha que existem tais conjuntos, A1 = p1, p2, . . . , pr e
A2 = q1, q2, . . . , qs. Então
p1p2 · · · pr︸ ︷︷ ︸α
= q1q2 · · · qs︸ ︷︷ ︸β
e além disso, como os conjuntos A1 e A2 são disjuntos, temos que o
número 5 aparece no produto α ou no produto β, mas não em ambos
simultaneamente. Por outro lado, o Teorema 3.49 nos diz que a fatora-
ção em primos de α é igual à fatoração em primos de β, logo o número
5 deveria aparecer tanto no produto α como no produto β, contra-
dizendo isto o fato anterior. Portanto não existe uma decomposição
com as condições exigidas.
3.5 Procurando Primos 137
Exemplo 3.53. Encontre todos os números inteiros e positivos n com
a propriedade de que o conjunto
A = n, n+ 1, n+ 2, n+ 3, n+ 4, n+ 5
pode ser particionado em dois subconjuntos tais que o produto dos
elementos de um dos subconjuntos seja igual ao produto dos elementos
do outro.
Demonstração. Digamos que seja possível essa decomposição para al-
gum n e vamos denotar os conjuntos que obtemos com a decomposição
por A1 e A2. Observando a decomposição dos elementos dos subcon-
juntos em fatores primos, temos que todo fator primo de A1 também
deverá pertencer a A2. No conjunto dos seis números só podemos ter
um múltiplo de 7, por isso não podemos tomar n como múltiplo deste
primo. Analogamente para primos maiores que 7. Analisando o primo
5, concluímos que n e n+ 5 são múltiplos de 5, pois se não, cairíamos
na análise anterior. Assim, os números n+ 1, n+ 2, n+ 3 e n+ 4 são
da forma 2α3β. Como entre eles existem dois ímpares, logo teremos
duas potências de 3 cuja diferença é 2, um absurdo. Assim, não existe
n que satisfaz as condições do enunciado.
Finalizamos esta seção com um exemplo que mostra como podemos
combinar os fatos estudados para resolver problemas mais difíceis
Exemplo 3.54. Encontre todos os números que são formados por 4
algarismos da forma aabb e que sejam quadrados perfeitos.
138 3 Divisibilidade
Solução. Como o número aabb é um quadrado perfeito, signica que:
n2 =aabb
n2 =103a+ 102a+ 10b+ b =(103 + 102
)· a+ (10 + 1) · b
n2 =1100 · a+ 11 · bn2 =11
(100a+ b
)= 11
(99a+ a+ b
).
Como 11 é primo é fácil ver, usando a Proposição 3.43, que 112 | N2.
Segue-se então que 11 | (99a+a+b). Portanto, 11 | (a+b). Como aabb
tem 4 algarismos, segue-se que a 6= 0; portanto a ∈ 1, 2, 3, . . . , 9 eb ∈ 0, 1, 2, . . . , 9. De onde a + b ≤ 18. Logo, necessariamente
devemos ter a + b = 11. Podemos observar que a 6= 1, pois se a = 1
então b = 10. Analogamente, b 6= 0, 1. Portanto,
a ∈ 2, 3, 4, . . . , 9 e b ∈ 2, 3, 4, . . . , 9.
Como em todo número quadrado perfeito o algarismo das unidades
somente pode acabar em 0, 1, 4, 5, 6 e 9. Segue-se que
b ∈ 4, 5, 6, 9.
Certamente b 6= 5, pois todo número que acaba em 5 quando é elevado
ao quadrado sempre acaba em 25. Assim,
b ∈ 4, 6, 9.
• Se b = 4, então a = 7. Neste caso o número seria 7.744 que é
um quadrado perfeito;
• Se b = 6, então a = 5. Neste caso o número seria 5.566 que não
é um quadrado perfeito;
3.6 Exercícios 139
• Se b = 9, então a = 2. Neste caso o número seria 2.299 que não
é um quadrado perfeito.
Finalmente, a única solução possível é aabb = 7.744 = 882.
3.6 Exercícios
1. Encontre o resto que deixa
(a) 2001 · 2002 · 2003 · 2004 + 20052 quando é dividido por 7;
(b) 2100 quando é dividido por 3;
(c) (1237156 + 34)28 quando é dividido por 111.
2. Provar que o número n5 + 4n é divisível por 5 para qualquer
número natural n.
3. Prove que se n é ímpar
(a) n3 − n é divisível por 24;
(b) n2 − 1 é divisível por 8;
(c) n2 + (n+ 2)2 + (n+ 4)2 + 1 é divisível por 12.
4. O número 21093 − 2 é divisível por 10932 ?
5. Prove que (999994)1234567890 − 1 é divisível por 333331.
6. O número N = 42005 + 20054 é primo?
7. Demonstre que o número 1 000 . . . 00︸ ︷︷ ︸2006 zeros
1 é composto.
140 3 Divisibilidade
8. Utilizando o fato de que o resto de um quadrado quando dividido
por 4 só pode ser 0 ou 1, dê uma outra solução para o problema
do Exemplo 3.54.
9. Dados três inteiros, x, y, z, tais que x2 + y2 = z2, mostre que x
e y não são ambos ímpares e que xy é múltiplo de 6.
10. Demonstre que o quadrado de um inteiro é da forma 8n ou 8n+1
ou 8n+ 4.
11. Três números primos p, q e r, maiores que 3, formam uma pro-
gressão aritmética, ou seja, q = p+ d e r = p+ 2d. Prove que d
é divisível por 6.
12. Demonstrar que existem innitos números primos da forma 4m+
3 e da forma 6m+ 5, onde m ∈ Z.
13. Encontrar o último dígito dos números
(a) 19892005;
(b) 777777 + 250;
(c) 1 + 22 + 32 + · · ·+ 20052.
14. Prove que a soma dos quadrados de cinco números consecutivos
não é um quadrado perfeito.
15. Prove que 1 00 · · · 00︸ ︷︷ ︸100−zeros
5 00 · · · 00︸ ︷︷ ︸100−zeros
1 não é um cubo perfeito.
16. Seja b um inteiro positivo. Enuncie e prove o critério de divisi-
bilidade por b no sistema de numeração de base b.
17. Prove que os números
3.6 Exercícios 141
(a) αn = 1 +1
2+
1
3+ · · ·+ 1
n, com n > 1,
(b) βn =1
3+
1
5+ · · ·+ 1
2n+ 1, com n > 0,
não são inteiros.
18. Considere o polinômio p(n) = amnm + am−1n
m−1 + · · · + a0 de
grau m ≥ 1 com coecientes inteiros e n ∈ N. Prove que p(n) éum número composto para innitos valores de n.
Sugestão: Use o fato de que existe a ∈ N tal que α = |p(a)| > 1
e mostre que α divide a p(αk + a), para todo k ∈ Z.
19. Dizemos que um conjunto An formado por n inteiros positivos
escritos no sistema binário (base 2) é regular se, para qualquer
s inteiro não negativo a quantidade de números de An que con-
templam 2s na representação binária é par. Dizemos que An é
irregular se, pelo menos para algum s, este número é ímpar. De-
monstre que um sistema irregular pode se converter em regular
excluindo-se apenas um único elemento do mesmo, e, um sistema
regular pode se converter em irregular excluindo-se qualquer um
dos seus elementos.
20. Seja n um inteiro positivo. Demonstrar que todos os coecientes
do desenvolvimento do binômio de Newton (a+ b)n são ímpares
se, e somente se, n é da forma 2s − 1.
21. Prove que se (x0, y0) é uma solução da equação diofantina linear
ax − by = 1, então a área do triângulo cujos vértices são (0, 0),
(b, a) e (x0, y0) é 1/2.
142 3 Divisibilidade
22. Qual é a menor distância possível entre dois pontos (x1, y1) e
(x2, y2), com coordenadas inteiras, situados sobre a reta denida
pela equação diofantina ax+ by = c?
4
O Princípio da Casa dosPombos
Uma vez um matemáti o me falou que o verdadeiro prazer não estáem a har a verdade, mas em pro urar por ela. Leo TolstoyUm interessante instrumento elementar para tratar problemas mate-
máticos relacionados à existência de elementos de conjuntos validando
certas exigências é o chamado princípio de Dirichlet , também conhe-
cido como princípio da casa dos pombos (PCP) . Este princípio foi
usado por Dirichlet (1805-1859) para resolver problemas na Teoria
dos Números, entretanto ele possui um grande número de aplicações
em diversos ramos da Matemática como Combinatória e Geometria.
A seguir enunciamos a versão mais simples do PCP.
Proposição 4.1 (PCP Versão Simples). Se distribuímos N + 1
pombos em N casas, então alguma das casas contém dois ou mais
pombos.
143
144 4 O Princípio da Casa dos Pombos
· · · · · · · · ·P1 P2 PN
C1 C2 CN
PN+1
Figura 4.1: Em cada casa Cj , 1 ≤ j ≤ N , coloca-se um único pombo,
denotado por Pj . O pombo restante, denotado por PN+1, deve ir para
alguma das casas, juntando-se ao que já se encontrava contido nela
Demonstração. A prova deste princípio é muito fácil e decorre de fa-
zer uma simples contagem dos pombos contidos em todas as casas de-
pois de distribuídos. Com efeito, suponhamos pelo contrário que em
cada casa não existe mais do que um pombo, então contando todos
os pombos contidos nas N casas não teremos mais do que N pombos,
contradizendo isto a hipóteses de termos N + 1 pombos distribuídos
nas N casas (ver Figura 4.1).
Não é difícil detectar quando o princípio pode ser usado, mas a
principal diculdade para aplicá-lo reside em identicar, em cada pro-
blema, quem faz papel de pombos e quem faz papel de casas.
Nas seguintes seções discutiremos vários exemplos de diferentes
naturezas onde o princípio da casa dos pombos é aplicado com sucesso.
4.1 Primeiros Exemplos 145
4.1 Primeiros Exemplos
Exemplo 4.2. Numa oresta crescem 1.000 jaqueiras. É conhecido
que uma jaqueira não contém mais do que 600 frutos. Prove que
existem 2 jaqueiras na oresta que têm a mesma quantidade de frutos.
Solução. Temos 1.000 jaqueiras, representando os pombos, e 601 casas
identicadas pelos números 0, 1, 2, 3, . . . , 600. O número k associado
a cada casa signica que nela serão colocadas jaqueiras que têm exa-
tamente k frutos. Como 1000 > 602 = 601 + 1, o PCP nos garante
que existem duas jaqueiras com a mesma quantidade de frutos.
Exemplo 4.3. Em uma reunião há n pessoas. Mostre que existem
duas pessoas que conhecem exatamente o mesmo número de pessoas.
Solução. Os pombos neste caso são as n pessoas. As casas são enume-
radas com os números 0, 1, 2, . . . , n−1, indicando estes que na mesma
serão colocadas pessoas que têm essa quantidade de conhecidos. No-
temos que uma das casas enumeradas com 0 ou n − 1 permanece
desocupada, pois a possibilidade de conhecer 0 e n − 1 pessoas não
acontece simultaneamente. Logo, nas n − 1 casas restantes haverá
uma ocupada por dois ou mais pombos, depois de serem distribuídos.
Portanto, existem no mínimo duas pessoas com o mesmo número de
conhecidos.
Exemplo 4.4. Dados 8 números inteiros mostre que existem dois
deles cuja diferença é divisível por 7.
Solução. Consideramos os 8 números como sendo os pombos e as casas
como sendo os 7 possíveis restos na divisão por 7. Como temos 8 =
7 + 1 números o PCP nos diz que existem dois números dentro dos
146 4 O Princípio da Casa dos Pombos
8 dados que têm o mesmo resto quando divididos por 7. Finalmente,
observamos que se dois números deixam o mesmo resto na divisão por
7 então a diferença entre eles é divisível por 7.
Uma forma alternativa e muito útil na qual pode-se apresentar o
princípio da casa dos pombos é a seguinte:
Proposição 4.5 (PCP Versão Alternativa). Se a soma de n nú-
meros naturais é igual S, então existe pelo menos um deles que não
é maior que S/n, assim como existe pelo menos um deles que não é
menor que S/n.
Exemplo 4.6. Numa família formada por 5 pessoas a soma das idades
é de 245 anos. Prove que podem ser selecionados 3 membros da família
cuja soma das idades não é menor que 147.
Solução. Temos um total de(53
)= 5!
3!2!= 10 trios diferentes formados
por membros da família. Além disso, cada pessoa aparece exatamente
em(42
)= 4!
2!2!= 6 trios. Então, denotando por Ej a soma das idades
dos membros de cada trio Tj, j = 1, 2 . . . 10, temos que
E1 + E2 + · · ·+ E10 = 6 · 245 = 1470;
consequentemente existe algum trio Tj∗ tal que Ej∗ ≥ 147010
= 147.
4.2 Uma Versão mais Geral
A seguinte versão mais geral do PCP é bastante útil na resolução de
alguns problemas.
Proposição 4.7 (PCP Versão Geral). Se distribuímos Nk+1 pom-
bos em N casas, então alguma das casas contém pelo menos k + 1
pombos.
4.2 Uma Versão mais Geral 147
A prova deste enunciado mais geral é similar à anterior. Com efeito,
suponhamos pelo contrário que em cada casa não existe mais do que
k pombos, então contando todos os pombos contidos nas N casas não
teremos mais do que Nk pombos, contradizendo isto a hipóteses de
termos Nk + 1 pombos distribuídos nas N casas.
Notemos que se k = 1, esta versão mais geral coincide com a versão
mais simples.
Exemplo 4.8. Num colégio com 16 salas são distribuídas canetas nas
cores preta, azul e vermelha para realizar uma prova de concurso. Se
cada sala recebe canetas da mesma cor então prove que existem pelo
menos 6 salas que receberam canetas da mesma cor.
Solução. Fazendo a divisão com resto de 16 por 3 temos que 16 =
3 · 5 + 1. Consideramos as 16 salas como sendo os pombos e as três
cores, preto, azul e vermelho como sendo as casas. Logo, podemos
colocar cada sala em uma das três cores. Assim, o PCP com N = 3
e k = 5 nos dá que existe uma casa com pelo menos 6 pombos, ou seja,
existem no mínimo 6 salas que receberam canetas da mesma cor.
Exemplo 4.9. Uma equipe formada por seis alunos de Matemática é
selecionada para representar o Brasil numa olimpíada internacional.
Mostre que necessariamente existem três deles que se conhecem mu-
tuamente, ou três deles que não se conhecem mutuamente.
Solução. Resolveremos o problema com o auxílio da Figura 4.2. Cada
aluno Aj, com j = 1, 2, . . . , 6, é representado por um dos vértices de
um hexágono regular. Quando dois alunos se conhecem traçamos o
segmento de reta que liga os vértices correspondentes com uma linha
contínua; caso contrário traçamos este segmento com uma linha pon-
tilhada. Logo, usando este esquema, o problema equivale a provar
148 4 O Princípio da Casa dos Pombos
que sempre existe um triângulo de lados contínuos ou um triângulo de
lados pontilhados com vértices no conjunto A = A1, A2, . . . , A6.Temos 5 segmentos (pombos) incidindo no vértice A1, cada um
deles contínuo ou pontilhado (estes dois tipos de linhas são conside-
radas como as casas). Como 5 = 2 · 2 + 1, pelo PCP temos que 3
dos 5 segmentos são contínuos ou pontilhados. Suponhamos que 3 são
contínuos (caso contrário o argumento é similar) e denotemos estes
por A1A3, A1A4 e A1A6 (ver Figura 4.2). Se algum dos segmentos
A3A4, A3A6 ou A4A6 for contínuo então este segmento junto aos que
se ligam com A1 formam um triângulo de lados contínuos. Por outro
lado, se nenhum deles for contínuo, então eles formam um triângulo
de lados pontilhados, completando isto a demonstração.
A1
A2A3
A4
A5 A6
Figura 4.2: O triângulo A1A2A5 indica que os alunos A1, A2 e A5 não se
conhecem mutuamente e o triângulo A1A4A6 indica que os alunos A1, A4
e A6 se conhecem mutuamente
4.3 Aplicações na Teoria dos Números 149
4.3 Aplicações na Teoria dos Números
Nesta seção apresentamos alguns exemplos de aplicações do PCP na
Teoria dos Números. A primeira delas é:
Exemplo 4.10. Se n e m são números naturais, então o conjunto
A = m+ 1,m+ 2, . . . ,m+ n possui algum divisor de n.
Solução. Temos n números diferentes no conjunto acima. Vamos utili-
zar o método de redução ao absurdo. Se não existisse nenhum múltiplo
de n, quando dividíssemos os números do conjunto A por n, os res-
tos pertenceriam ao conjunto B = 1, 2, . . . , n− 1, que possui n− 1
elementos. Logo, devem existir dois números m + i e m + j, com
1 ≤ i < j ≤ n tais que o resto da divisão de m + i por n é o mesmo
que o resto da divisão de m + j por n. Logo, m + j − (m + i) é um
múltiplo de n, o que implica que n > j − i ≥ 1 é múltiplo de n menor
que n (absurdo!). Logo, deve existir algum múltiplo de n no conjunto
A.
Como consequência desse exemplo, podemos resolver o próximo
problema.
Exemplo 4.11. Demonstrar que todo inteiro tem um múltiplo cuja
representação decimal começa com o bloco de dígitos 1234567890.
Solução. Se m e n são inteiros positivos, pelo exemplo anterior um
dos número m + 1,m + 2, . . . ,m + n é múltiplo de n. Assim, dado n
um inteiro qualquer, escolhe-se m = 1234567890×10n+1. Deste modo,
todos os inteiros m+1,m+2, . . . ,m+ n começam com 1234567890 e
algum deles é múltiplo de n.
150 4 O Princípio da Casa dos Pombos
Exemplo 4.12. Dado um número inteiro positivo n, mostre que existe
um múltiplo de n que se escreve com os algarismos 0 e 1 apenas. (Por
exemplo, se n = 3, temos 111 ou 1.101 etc.)
Solução. Consideramos os n+ 1 números
1, 11, 111, 1111, . . . , 111 · · · 1︸ ︷︷ ︸n+1−vezes
(4.1)
como sendo os pombos e n casas enumeradas com os números
0, 1, 2, 3, . . . , n− 1,
ou seja, com os possíveis restos na divisão por n. Similarmente ao
exemplo anterior existem dois números na lista (4.1) que deixam o
mesmo resto na divisão por n e, portanto, a diferença entre o maior e
o menor é múltiplo de n. Obviamente a diferença entre dois números
quaisquer da lista (4.1) resulta em um número formado apenas pelos
algarismos 0 e 1.
Exemplo 4.13. Prove que entre n + 1 elementos escolhidos no con-
junto 1,2,3, . . . , 2n existem dois que são primos relativos.
Solução. A escolha das casas e dos pombos neste exemplo não é tão ób-
via. Os pombos representam os n + 1 números escolhidos do conjunto
1, 2, . . . , 2n e as casas são escolhidas como sendo os n conjuntos:
Cj = 2j − 1, 2j, 1 ≤ j ≤ n.
Logo, pelo PCP, quando distribuímos os n + 1 números nos n conjun-
tos Cj, 1 ≤ j ≤ n, dois deles carão juntos em algum conjunto Cj, ou
seja, estes números serão consecutivos e portanto primos entre si.
4.4 Aplicações Geométricas 151
Finalizaremos esta seção com uma outra prova do teorema de
Bachet-Bézout, (veja o Teorema 3.23).
Exemplo 4.14. Seja d = (a, b) o mdc entre os números naturais a e
b. Então, existem x e y números inteiros tais que
ax+ by = d.
Solução. Denotando por m = a/d e n = b/d, podemos supor que a e
b são primos entre si. Realmente, se podemos escrever
mx+ ny = 1
então, substituindo os valores de m e n na equação acima, temos que
ax+ by = d.
Se (a, b) = 1, considere a sequência A = a, 2a, . . . , ba. Armamos
que existe algum número no conjunto A que deixa resto 1 quando
dividido por b. De fato, se isso não ocorresse, teríamos b números em
A deixando no máximo b − 1 restos diferentes quando divididos por
b. Logo, pelo PCP, dois deles, digamos ia e ja com b > j > i ≥ 1,
devem deixar o mesmo resto quando divididos por b. assim, (j − i)aé divisível por b. Como estamos supondo que (a, b) = 1, temos que b
deve dividir j − i > 0. Como b > j − i, temos um absurdo.
Assim, algum dos números em a deixa resto 1 quando divididos
por b. Digamos que esse número seja ax. Logo, ax − 1 é múltiplo de
b, onde ax− 1 = by, o que encerra nossa prova.
4.4 Aplicações Geométricas
Na geometria também encontramos belas aplicações do PCP. Vejamos
os problemas a seguir para constatar isto.
152 4 O Princípio da Casa dos Pombos
Exemplo 4.15. Mostre que se tomamos cinco pontos quaisquer sobre
um quadrado de lado 1, então pelo menos dois deles não distam mais
que√2/2.
Solução. Vamos dividir o quadrado em quatro quadradinhos de lado
1/2, como mostra a gura. Logo, pelo PCP pelo menos dois deles de-
1
•
••
••
vem estar no mesmo quadradinho, uma vez que temos 4 quadradinhos
e 5 pontos. Logo, como a maior distância num quadrado é a diagonal,
o Teorema de Pitágoras nos garante que a distância desses dois pontos
é no máximo√2/2, como queríamos mostrar.
Exemplo 4.16. Na região delimitada por um triângulo equilátero de
lado 4 são marcados 10 pontos no interior deste. Prove que existe ao
menos um par destes pontos cuja distância entre eles não é maior que√3.
Solução. Dividimos o triângulo equilátero de lado 4 em 16 triângulos
equiláteros menores de lado 1, conforme a Figura 4.3.
Agora pintamos os triângulos nas cores branco e cinza de maneira
que dois triângulos vizinhos, isto é, com um lado comum, são pintados
de cores diferentes. Se tivéssemos dois pontos no mesmo triângulo a
distância máxima possível entre eles seria 1 e o problema estaria resol-
vido. Se tivéssemos pontos em triângulos vizinhos, a maior distância
possível entre eles seria√3 e também isto resolveria o problema. Se
não tivéssemos nenhum dos casos anteriores, não seria difícil ver que
4.5 Miscelânea 153
A B
C
D
E
• • ••
•
•
•••
•
Figura 4.3: O triângulo DBE é equilátero de lado 3
os 10 pontos deveriam estar situados sobre os 10 triângulos brancos,
contendo cada triângulo exatamente um ponto. Dividindo o triângulo
DBE em 4 triângulos congruentes de lado 3/2 pelo PCP temos que
pelo menos dois dos 6 pontos contidos em DBE estão num destes 4
triângulos, logo a distância entre eles não é maior que 3/2 <√3. Com
isto terminamos nossa prova.
4.5 Miscelânea
Os problemas que apresentamos a seguir usam o PCP combinado com
outras idéias que são muito empregadas nas suas soluções.
Exemplo 4.17. Em cada quadradinho de um tabuleiro 3×3 é colocadoum dos números: -1, 0 ou 1. Prove que entre todas as somas das
linhas, colunas e diagonais do tabuleiro há duas que são iguais. Por
exemplo, no tabuleiro abaixo a soma da segunda linha é 2, que coincide
com a soma da terceira coluna.
154 4 O Princípio da Casa dos Pombos
-1 -1 1
1 0 1
0 -1 0
Solução. Seja S = a1 + a2 + a3, onde cada a1, a2 e a3 podem tomar
valores: −1, 0 e 1. Então, temos 7 valores possíveis para S (casas),
que são: −3,−2,−1, 0, 1, 2, 3.O tabuleiro 3×3 tem 3 linhas, 3 colunas e 2 diagonais, portanto, ao
somarmos os elementos de cada uma das linhas, colunas e diagonais,
obteremos 8 números (pombos). Como existem somente 7 valores
possíveis para estes números, pelo PCP pelo menos dois deles devem
ser iguais.
Exemplo 4.18. Dado qualquer conjunto A formado por 10 números
naturais escolhidos entre 1 e 99, inclusos, demonstre que existem dois
subconjuntos disjuntos e não vazios de A tal que a soma dos seus res-
pectivos elementos é igual.
Solução: É conhecido que A tem 210 − 1 = 1.023 subconjuntos não-
vazios diferentes. A soma dos elementos de cada um deles dá uma
quantidade menor do que 1.000, pois o subconjunto com no máximo
10 elementos de maior soma possível é o formado por 90, 91, . . . , 99,
e nesse caso 90+ 91+ · · ·+99 = 945. Agora consideramos os pombos
como sendo os 1.023 subconjuntos distintos de A e as casas como
sendo as somas possíveis dos elementos de cada um dos conjuntos.
Logo, como o número de conjuntos é maior que o número de somas
possíveis, devem existir dois conjuntos B e C de A, de tal modo que
a soma dos elementos de B é igual à soma dos elementos de C. Se B
4.5 Miscelânea 155
e C são disjuntos, acabou a prova. Se não, considere D = B −B ∩ Ce E = C − B ∩ C. Logo, os conjuntos D e E são disjuntos e a soma
dos seus elementos é a mesma, pois retiramos de ambos a mesma
quantidade.
Exemplo 4.19. Qual é o maior número de quadradinhos de um ta-
buleiro de 8 × 8 que podem ser pintados de preto, de forma tal que
qualquer arranjo de três quadradinhos, como mostra a Figura 4.4, te-
nha pelo menos um dos quadradinhos não pintado de preto?
Figura 4.4: Tridominós
Solução. Primeiramente, pintamos o tabuleiro de 8×8 como um tabu-
leiro de jogar xadrez, ou seja, 32 quadradinhos pintados de branco e
32 quadradinhos pintados de preto (ver Figura 4.5).
Figura 4.5: Tabuleiro de xadrez
156 4 O Princípio da Casa dos Pombos
Notemos que uma vez pintado o tabuleiro desta forma é satisfeita
a exigência do problema, pois nunca temos 2 quadradinhos vizinhos
(quadradinhos com um lado comum) pintados de preto.
Mostraremos agora que se pintamos 33 quadradinhos de preto en-
tão a condição exigida no problema falha. De fato, se dividimos o
tabuleiro em 16 quadrados de 2 × 2 (casas) e pintamos 33 quadra-
dinhos de preto (pombos); então, como 33 = 16 · 2 + 1, pela versão
geral do PCP um dos 16 quadrados de 2× 2 contém 3 quadradinhos
pintados de preto. Portanto, este último contém um arranjo como na
Figura 4.4 completamente pintado de preto.
Resumindo, o número máximo de quadradinhos que podemos pin-
tar de preto é 32.
Exemplo 4.20. Dados sete números reais arbitrários, demonstre que
existem dois deles, digamos x e y, tais que
0 ≤ x− y1+ xy
≤ 1√3
Solução. Primeiramente observamos que a expressão x−y1+xy
nos faz pen-
sar na fórmula
tan(α− β) = tanα− tan β
1 + tanα tan β. (4.2)
Sejam x1, x2, · · · , x7 os sete números selecionados arbitrariamente.
Lembramos que a função tangente é uma bijeção entre o intervalo
(−π2, π2) e os números reais R, logo para cada xi, 1 ≤ i ≤ 7, existe um
αi ∈ (−π2, π2) tal que tan(αi) = xi. Dividimos o intervalo (−π
2, π2) em
seis subintervalos de comprimento π6, como mostra o desenho a seguir.
Pelo PCP dois dos números αi pertencem ao mesmo subintervalo.
Denotemos os mesmos por αi1 e αi2 e suponhamos, sem perda de
4.6 Exercícios 157
αi1 αi2
−π2
π2π
6
generalidade, que αi1 ≤ αi2 . Então vale
0 ≤ αi2 − αi1 ≤π
6.
Usando o fato de que a tangente é uma função crescente e a fórmula
(4.2) temos que
tan(0) ≤ tan(αi2 − αi1) ≤ tan(π
6).
Equivalentemente,
0 ≤ xi2 − xi11 + xi2xi1
≤ 1√3.
4.6 Exercícios
1. Seja C um conjunto formado por cinco pontos de coordenadas
inteiras no plano. Prove que o ponto médio de algum dos seg-
mentos com extremos em C tem também coordenadas inteiras.
2. O conjunto dos dígitos 1, 2, ..., 9 é dividido em três grupos.
Prove que o produto dos números de algum dos grupos deve ser
maior que 71.
3. Prove que se N é ímpar então para qualquer bijeção
p : IN → IN
158 4 O Princípio da Casa dos Pombos
do conjunto IN = 1, 2, . . . , N o produto P (p) = (1−p(1))(2−p(2)) · · · (N − p(N)) é necessariamente par.
(Dica: O produto de vários fatores é par se, e somente se, um dos
fatores é par.)
4. Dado um conjunto de 25 pontos no plano tais que entre quaisquer
3 deles existe um par com distância menor que 1. Prove que
existe um círculo de raio 1 que contém pelo menos 13 dos 25
pontos dados.
5. Prove que entre quaisquer 5 pontos escolhidos dentro de um
triângulo equilátero de lado 1 sempre existe um par deles cuja
distância não é maior que 0,5.
6. Marquemos todos os centros dos 64 quadradinhos de um ta-
buleiro de xadrez de 8× 8. É possível cortar o tabuleiro com 13
linhas retas que não passem pelos pontos marcados e de forma
tal que cada pedaço de recorte do tabuleiro tenha no máximo
um ponto marcado?
7. Prove que existem duas potências de 3 cuja diferença é divisível
por 1.997.
8. São escolhidos 6 números quaisquer pertencentes ao conjunto
A = 1, 2, 3, . . . , 10.
Prove que existem dois desses seis números cuja soma é ímpar.
9. Seja x um número real arbitrário. Prove que entre os números
x, 2x, 3x, . . . , 101x
4.6 Exercícios 159
existe um tal que sua diferença com certo número inteiro é menor
0,011.
10. Mostre que entre nove números que não possuem divisores pri-
mos maiores que cinco, existem dois cujo produto é um qua-
drado.
11. Um disco fechado de raio um contém sete pontos, cujas distân-
cias entre quaisquer dois deles é maior ou igual a um. Prove que
o centro do disco é um destes pontos.
12. Na região delimitada por um retângulo de largura quatro e altura
três são marcados seis pontos. Prove que existe ao menos um
par destes pontos cuja distância entre eles não é maior que√5.
13. Seja a um número irracional. Prove que existem innitos núme-ros racionais r = p/q tais que |a− r| < 1/q2.
14. Suponha que cada ponto do reticulado plano é pintado de vermelho
ou azul. Mostre que existe algum retângulo com vértices no reticulado
e todos da mesma cor.
15. Um certo livreiro vende pelo menos um livro por dia. Sabendo que o
livreiro vendeu 463 livros durante 305 dias consecutivos, mostre que
em algum período de dias consecutivos o livreiro vendeu exatamente
144 livros.
Referências Bibliográcas
[1] AIGNER, M. e ZIEGLER, G. (2002). As Provas estão
no Livro. Edgard Blücher.
[2] GARCIA, A. e LEQUAIN, I. (2003). Elementos de Ál-
gebra. Projeto Euclides, IMPA.
[3] LIMA, E. L.; CARVALHO, P. C. P.; WAGNER, E. e
MORGADO, A.C. (2004). A Matemática do Ensino Mé-
dio. Volume 1. Sociedade Brasileira de Matemática.
[4] LIMA, E.L.; CARVALHO, P. C. P.; WAGNER, E. e
MORGADO, A.C. (2004). A Matemática do Ensino Mé-
dio. Volume 2. Sociedade Brasileira de Matemática.
[5] LIMA,E.L.; CARVALHO,P. C. P.; WAGNER,E. e
MORGADO,A.C. (2004). A Matemática do Ensino Mé-
dio. Volume 3. Sociedade Brasileira de Matemática.
[6] LIMA, E.L.; CARVALHO, P. C. P.; WAGNER,E. e
MORGADO, A.C. (2001). Temas e Problemas. Socie-
dade Brasileira de Matemática.
[7] LIMA, E.L. (2001). Álgebra Linear. Sociedade Brasileira
de Matemática.
285
286 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
[8] MORAIS FILHO, D. C. (2007). Um Convite à Matemá-
tica. EDUFCG.
[9] MORGADO, A.; CARVALHO, J.; CARVALHO, P.;
FERNANDEZ, P. (1991). Análise Combinatória e Pro-
babilidade . Sociedade Brasileira de Matemática.
[10] RIBENBOIM, P. (2001). Números Primos: Mistérios e
Recordes. Sociedade Brasileira de Matemática.
[11] SANTOS, J. P. O. (1993) Introdução à Teoria dos Nú-
meros. IMPA.
[12] SANTOS, J. P. O.; MELLO, M. P. e MURARI, I. T.
C. (2006). Introdução à Análise Combinatória. Editora
Unicamp.
[13] SOARES, M. G. (2005). Cálculo em uma Variável Com-
plexa. Sociedade Brasileira de Matemática.
Mestrado Profissional
em Matemática em Rede Nacional
Iniciação à Matemática
Autores:
Krerley Oliveira Adán J. Corcho
Unidade III:
Capítulos V e VI
160
5
Contagem
Toda vez que puder, onte. Fran is GaltonNeste capítulo discutiremos problemas envolvendo a contagem de
elementos de um conjunto nito dado. Por exemplo, responderemos
perguntas do tipo: de quantos modos podemos distribuir 32 seleções
nacionais de futebol em seis grupos de quatro times cada?
Para solucionar questões como esta, utilizaremos como ferramentas
básicas os princípios aditivo e multiplicativo da contagem. Veremos
também que o uso simultâneo destes princípios será muito útil para
resolver problemas com certos níveis de complexidade. Além disso,
serão abordados os conceitos de permutações, arranjos e combinações,
sendo estes de muita importância por serem os alicerces de um ramo
da matemática denominado combinatória.
Antes de prosseguirmos daremos algumas denições e notações que
serão úteis ao longo de todo o capítulo. Dado um conjunto A deno-
tamos por |A| a quantidade de elementos que este possui. O produto
cartesiano de n conjuntos A1, A2, . . . , An−1 e An é o conjunto denido
161
162 5 Contagem
por
A1 × A2 × · · · × An :=
(a1, a2, . . . , an); ai ∈ Ai, i = 1, 2, . . . , n,
onde cada elemento (a1, a2, . . . , an) é chamado de n-upla ordenada.
Denotaremos o conjunto vazio com o símbolo ∅. O leitor que deseja
rever os conceitos básicos da teoria de conjuntos, pode achá-los muito
bem expostos em [3].
5.1 Princípio Aditivo da Contagem
O princípio aditivo da contagem garante que dados dois conjuntos
nitos que não têm elemento em comum, o número de elementos da
união é exatamente a soma do número de elementos de cada um, ou
seja, se A1 e A2 são disjuntos (isto é, A1 ∩ A2 = ∅), então
|A1 ∪ A2| = |A1|+ |A2|.
Apesar de sua simplicidade, muitos problemas podem ser resolvi-
dos utilizando esse simples princípio. A seguir enunciamos uma ex-
tensão deste princípio para um número nito qualquer de conjuntos.
Princípio Aditivo da contagem: Dados os conjuntos nitos A1,
A2, . . . , An dois a dois disjuntos (isto é, Ai ∩ Aj = ∅ ,∀ i 6= j),
temos que
|A1 ∪ A2 ∪ · · · ∪ An| = |A1|+ |A2|+ · · ·+ |An|.
Exemplo 5.1. Em Maceió entraram em cartaz 4 lmes distintos e
2 peças de teatro. Se Pedro Vítor só tem dinheiro para assistir a um
lme ou a uma peça de teatro, diga quantos são os possíveis programas
de Pedro Vítor.
5.1 Princípio Aditivo da Contagem 163
Solução. Denotemos por f1, f2, f3 e f4 os quatro lmes que estão em
cartaz e por t1 e t2 as duas peças de teatro. Agora, representemos pelo
par (i, j), com 0 ≤ i ≤ 4 e 0 ≤ j ≤ 2, o programa que consiste em as-
sistir ao lme fi e à peça tj (caso i = 0 ou j = 0 isso signica que não
será assistido a nenhum lme ou a nenhuma peça, respectivamente).
Pelas limitações econômicas do Pedro Vítor temos que ele só pode
escolher um programa dentro dos seguintes conjuntos disjuntos:
A1 =
(1, 0), (2, 0), (3, 0), (4, 0)
e A2 =
(0, 1), (0, 2).
Logo, no total são |A1 ∪ A2| = |A1| + |A2| = 6 programas distintos,
entre os quais Pedro Vítor terá que escolher um.
Exemplo 5.2. Numa reunião havia um certo número de pessoas e
todos os presentes apertaram as mãos entre si. Sabendo-se que ao todo
foram feitos 66 cumprimentos, calcule o número de pessoas presentes
à reunião.
Solução. Vamos enumerar as pessoas com os números do conjunto
P = 1, 2, . . . , n. A cada aperto de mão associaremos um par (i, j),
signicando que a pessoa i apertou a mão da pessoa j. Assim, os
apertos de mão envolvendo a pessoa 1 foram:
A1 = (1, 2), (1, 3), . . . , (1, n).Do mesmo modo, denimos os apertos de mão envolvendo a pessoa 2
que não envolvem a pessoa 1, como:
A2 = (2, 3), (2, 4), . . . , (2, n).
Note que o aperto (2, 1) é o mesmo que o aperto (1, 2), já que se 1
aperta a mão de 2, então 2 aperta a mão de 1. Analogamente,
Ai = (i, i+ 1), (i, i+ 2), . . . , (i, n), para 1 ≤ i ≤ n.
164 5 Contagem
Note que Ai ∩ Aj = ∅ para i 6= j. Observe também que todos os
apertos aparecem em um dos conjuntos Ai. Assim, A1 ∪ · · · ∪ Ancontém todos os apertos de mão. Logo, pelo princípio aditivo:
|A1 ∪ A2 ∪ · · · ∪ An| = |A1|+ |A2|+ . . . |An|= (n− 1) + (n− 2) + · · ·+ 2 + 1
=(n− 1)n
2= 66.
Resolvendo em n, temos que n = 12.
Vimos que o princípio aditivo nos fornece o número de elementos
de qualquer união de conjuntos dois a dois disjuntos. Discutiremos
agora uma extensão do princípio para qualquer união de conjuntos,
não necessariamente dois a dois disjuntos.
Proposição 5.3. Sejam A1 e A2 dois conjuntos nitos quaisquer.
Então,
|A1 ∪ A2| = |A1|+ |A2| − |A1 ∩ A2|.
Demonstração. Observe que
A1 ∪ A2 = (A1 − A2) ∪ A2
onde a união é dois a dois disjunta. Pelo princípio aditivo, temos que
|A1 ∪ A2| = |A1 − A2|+ |A2|. (5.1)
Analogamente, aplicando novamente este princípio, temos que
|A1| = |A1 − A2|+ |A1 ∩ A2|; (5.2)
A proposição segue imediatamente combinando as igualdades (5.1) e
(5.2).
5.1 Princípio Aditivo da Contagem 165
Para chegar a uma expressão análoga à do princípio aditivo, vamos
fazer mais um caso, considerando agora três conjuntos.
Corolário 5.4. Sejam A1, A2 e A3 três conjuntos nitos quaisquer.
Então,
|A1 ∪ A2 ∪ A3| =|A1|+ |A2|+ |A3|−(|A1 ∩ A2|+ |A1 ∩ A3|+ |A2 ∩ A3|
)
+ |A1 ∩ A2 ∩ A3|.
Demonstração. Pela Proposição 5.3 temos que,
|A1 ∪ (A2 ∪ A3)| = |A1|+ |A2 ∪ A3| − |A1 ∩ (A2 ∪ A3)|,
de onde,
|A1 ∪ A2 ∪ A3| = |A1|+ |A2 ∪ A3| − |(A1 ∩ A2) ∪ (A1 ∩ A3)|.
Novamente, pela Proposição 5.3 temos que,
|A1∪A2∪A3| = |A1|+ |A2|+ |A3|− |A2∩A3|− |(A1∩A2)∪ (A1∩A3)|.
Aplicando mais uma vez a Proposição 5.3 temos que,
|(A1∩A2)∪ (A1∩A3)| = |A1∩A2|+ |A1∩A3|− |(A1∩A2)∩ (A1∩A3).
Combinando as duas últimas igualdades obtemos
|A1 ∪ A2 ∪ A3| =|A1|+ |A2|+ |A3|−(|A1 ∩ A2|+ |A1 ∩ A3|+ |A2 ∩ A3|
)
+ |A1 ∩ A2 ∩ A3| ,
como desejávamos.
166 5 Contagem
Para facilitar nossa escrita, vamos denotar por A1A2 . . . Ak o con-
junto A1 ∩A2 ∩ · · · ∩Ak. Assim, outra forma de enunciar o Corolário
5.4 é a seguinte:∣∣∣∣∣
3⋃
i=1
Ai
∣∣∣∣∣ =3∑
i=1
|Ai| −∑
1≤i1<i2≤3|Ai1Ai2 |+
∑
1≤i1<i2<i3≤3|Ai1Ai2Ai3|.
De forma geral, dados os conjuntos nitos A1, A2, . . . , An, as ex-
pressões anteriores nos levam a denir os números:
S1 =n∑
i=1
|Ai|
S2 =∑
1≤i1<i2≤n|Ai1Ai2|,
...
Sk =∑
1≤i1<i2<···<ik≤n|Ai1Ai2 . . . Aik |,
...
Sn = |A1A2 . . . An|.
Assim, a versão mais geral do princípio aditivo, também conhecida
como princípio de inclusão e exclusão, é:
Princípio Aditivo - Versão Geral: Sejam A1, A2 . . . , An
conjuntos nitos quaisquer. Então,∣∣∣∣∣n⋃
i=1
Ai
∣∣∣∣∣ = S1 − S2 + S3 − S4 + · · ·+ (−1)n−1Sn.
Não iremos provar essa versão, mas o leitor pode (e deve!) mostrá-la
como exercício, repetindo os argumentos anteriores.
5.1 Princípio Aditivo da Contagem 167
Exemplo 5.5. No Colégio Fantástico foram entrevistados 78 estudan-
tes. Destes, 32 estavam fazendo um curso de francês; 40 um curso de
física; 30 um curso de matemática; 23 um curso de história; 19 francês
e física; 13 francês e matemática; 15 física e matemática; 2 francês e
história; 15 física e história; 14 matemática e história; 8 francês, fí-
sica e matemática; 8 francês, física e história; 2 francês, matemática
e história; 6 física, matemática e história e 2 estavam fazendo todos
os quatro cursos. Quantos estudantes estavam fazendo pelo menos 1
curso nas 4 áreas mencionadas?
Solução. Denotemos por A1, A2, A3, e A4 os conjuntos dos estudan-
tes que fazem francês, física, matemática e história, respectivamente.
Observemos que as igualdades
|A1| = 32,
|A2| = 40,
|A3| = 30,
|A4| = 23,
nos dão que S1 =4∑
i=1
|Ai| = 125; as igualdades
|A1A2| = 19,
|A1A3| = 13,
|A1A4| = 2,
|A2A3| = 15,
|A2A4| = 15,
|A3A4| = 14,
168 5 Contagem
nos dão que S2 =∑
1≤i1<i2≤4|Ai1Ai2 | = 78; as igualdades
|A1A2A3| = 8,
|A1A2A4| = 8,
|A1A3A4| = 2,
|A2A3A4| = 6,
nos dão que S3 =∑
1≤i1<i2<i3≤4|Ai1Ai2Ai3| = 24; assim como que S4 =
|A1A2A3A4| = 2.
Segue-se então, do princípio aditivo, que
∣∣∣∣∣4⋃
i=1
Ai
∣∣∣∣∣ = 125−78 + 24−
2 = 69.
Denição 5.6. Denimos o complementar do conjunto A em relação
ao conjunto U como sendo um subconjunto de U dado por
Ac =x ∈ U ; x /∈ A
.
U
A
Figura 5.1: A área branca corresponde a Ac e o conjunto U é representado
por todo o retângulo
5.1 Princípio Aditivo da Contagem 169
Neste caso é fácil vericar que os conjuntos A e Ac são disjuntos e
que U = A ∪ Ac. Segue-se do princípio aditivo que |U| = |A| + |Ac|;portanto,
|Ac| = |U| − |A|.Analogamente, dados dois conjuntos A1 ⊂ U e A2 ⊂ U , temos que
A1∪A2 e (A1∪A2)c são disjuntos e, aliás, U = (A1∪A2)∪(A1∪A2)
c.
Novamente, pelo princípio aditivo, vale que
|U| = |A1 ∪ A2|+ |(A1 ∪ A2)c|;
e consequentemente temos que
|(A1 ∪ A2)c| = |U| − (|A1|+ |A2|) + |A1A2|.
Similarmente, dados três conjuntos A1 ⊂ U , A2 ⊂ U e A3 ⊂ Upodemos demonstrar que
|(A1 ∪ A2 ∪ A3)c| = |U| − (|A1|+ |A2|+ |A3|)
+ (|A1A2|+ |A1A3|+ |A2A3|)− |A1A2A3|.
Então, usando a notação S0 = |U|, temos a seguinte proposição:
Proposição 5.7. Para toda família de subconjuntos Ai ⊂ U , i =
1, 2, . . . , n, vale a relação:∣∣∣∣∣
(n⋃
i=1
Ai
)c∣∣∣∣∣ = S0 −(S1 − S2 + S3 − S4 − · · ·+ (−1)n−1Sn
)
= S0 − S1 + S2 − S3 + S4 − · · ·+ (−1)nSn,
ou resumidamente,∣∣∣∣∣
(n⋃
i=1
Ai
)c∣∣∣∣∣ = |Ac1Ac2 · · ·Acn| =n∑
j=0
(−1)jSj.
170 5 Contagem
Observação 5.8. Observemos que na última relação da proposição
usamos a conhecida Lei de DeMorgan: o complementar da união de
uma família nita de conjuntos, em relação a um conjunto U , é a
intersecção dos complementares de cada um deles.
5.2 Princípio Multiplicativo de Contagem
Começamos esta seção discutindo um problema relacionado com o
apaixonante jogo de xadrez. Ele consiste no seguinte: queremos saber
de quantas maneiras diferentes podemos colocar duas torres num tabu-
leiro de xadrez de forma tal que nenhuma ataque a outra. Uma situa-
ção como a que procuramos é mostrada na Figura 5.2, pois lembramos
que torres só se movimentam na direção horizontal ou na direção verti-
cal do tabuleiro. Antes de prosseguir deixamos claro o seguinte: se na
Figura 5.2 trocamos a posição da torre a com a torre b consideraremos
isto como uma situação diferente.
a
b
Figura 5.2: Torres que não se atacam
Notemos o seguinte: uma vez que coloquemos uma das torres numa
5.2 Princípio Multiplicativo de Contagem 171
casa do tabuleiro não podemos colocar a segunda torre na mesma
linha ou coluna em que esta se encontra, pois ela seria ameaçada.
Como cada linha e cada coluna contém 8 casas do tabuleiro, sendo
uma delas comum a ambas, então temos 15 posições proibidas para
colocar a segunda torre, ou seja, ela só pode ser colocada em 64−15 =
49 posições diferentes. Resumindo, por cada uma das 64 possíveis
posições para a torre a temos 49 possibilidades diferentes para colocar
a torre b, totalizando 64·49 = 3.136 formas diferentes de colocar ambas
as torres no tabuleiro sem que elas se ataquem.
O exemplo acima traz a essência do que é chamado princípio mul-
tiplicativo da contagem : se um evento A1 pode ocorrer de m maneiras
distintas e, se para cada uma dessas m maneiras possíveis de A1 ocor-
rer, um outro evento A2 pode ocorrer de n maneiras distintas, então o
número de maneiras de ocorrerem sucessivamente os eventos A1 e A2
é m · n.Na linguagem matemática: relembramos que dados dois conjuntos
A1 e A2, podemos construir um par ordenado (a1, a2) tomando um
elemento a1 ∈ A1, denominado o primeiro elemento do par, e um
elemento a2 ∈ A2, denominado o segundo elemento do par. O conjunto
A1×A2 é constituido por todos os pares ordenados construídos dessa
forma. Assim sendo, a versão mais simples do princípio multiplicativo
nos garante que
|A1 × A2| = |A1| |A2|.
Uma extensão deste princípio para um número nito qualquer de
conjuntos é a seguinte:
princípio multiplicativo da contagem: Dados os conjuntos
172 5 Contagem
nitos A1, A2, . . . , An temos que
|A1 × A2 × · · · × An| = |A1| · |A2| · · · |An|.
Note que neste princípio, não é necessária nenhuma hipótese adi-
cional sobre os conjuntos Ai. Vamos agora dar alguns exemplos de
como aplicar esse princípio.
Exemplo 5.9. Em Maceió entraram em cartaz 4 lmes distintos e
2 peças de teatro. Se agora o Pedro Vítor tem dinheiro para assistir
exatamente a um lme e a uma peça de teatro, diga quantos são os
possíveis programas que Pedro Vítor pode fazer.
Solução. Denotemos por f1, f2, f3 e f4 os quatro lmes que estão em
cartaz e por t1 e t2 as duas peças de teatro. Denamos os conjuntos
A1 = f1, f2, f3, f4 e A2 = t1, t2.
Neste caso, as condições econômicas do Pedro Vítor permitem que
ele escolha um elemento do conjunto A1 e outro elemento do conjunto
A2. Este tipo de escolha representa-se pelo conjunto
A1 × A2 =
(fi, tj); 1 ≤ i ≤ 4 e 1 ≤ j ≤ 2,
onde cada par (fi, tj) representa o programa que consiste em assistir
ao lme fi e à peça tj. Logo, no total são |A1 × A2| = |A1| · |A2| = 8
programas distintos.
Exemplo 5.10. Se numa loja de doces existem 9 tipos distintos de
balas e 5 tipos distintos de chiclete, diga quantas escolhas podemos
fazer para comprar somente uma bala e um chiclete.
5.2 Princípio Multiplicativo de Contagem 173
Solução. Denotemos por b1, b2, b3, b4, b5, b6, b7, b8 e b9 os nove tipos
distintos de balas e por c1, c2, c3, c4 e c5 os cinco tipos distintos de
chicletes. Denamos os conjuntos
B = b1, b2, b3, b4, b5, b6, b7, b8, b9 e C = c1, c2, c3, c4, c5.
Como precisamos comprar simultaneamente um elemento do conjunto
B e um elemento do conjunto C, então o conjunto B × C me dá o
conjunto de todas as escolhas possíveis. Logo, o número de escolhas
possíveis para comprar simultaneamente um tipo de bala e um tipo
de chiclete é |B × C| = 9 · 5 = 45.
Exemplo 5.11. De quantas maneiras 2 pessoas podem estacionar seus
carros numa garagem com 10 vagas?
Solução. Observando que a primeira pessoa pode estacionar seu carro
de 10 formas distintas e que a segunda pessoa pode estacionar seu
carro de 9 formas distintas, temos pelo princípio multiplicativo que
existem 9 · 10 = 90 formas possíveis nas quais duas pessoas podem
estacionar seus carros numa garagem com 10 vagas.
Exemplo 5.12. Dado o número 720, diga
(a) quantos divisores inteiros e positivos ele possui;
(b) entre seus divisores inteiros e positivos, quantos são pares;
(c) entre seus divisores inteiros e positivos, quantos são ímpares;
(d) dos divisores acima, quantos são quadrados perfeitos.
174 5 Contagem
Solução. Pelo teorema fundamental da aritmética, todo número in-
teiro positivo é primo ou produto de primos. Observe que a decom-
posição de 720 em fatores primos vem dada por:
720 = 24 · 32 · 51. (5.3)
Agora denamos os seguintes conjuntos:
A =todos os divisores de 720 que são da forma 2k, onde k ∈ Z+,B =todos os divisores de 720 que são da forma 3m, onde m ∈ Z+,C =todos os divisores de 720 que são da forma 5n, onde n ∈ Z+.
Observemos que 0 ≤ k ≤ 4, pois se k > 4 então pelo menos a potência
25 deveria estar presente em (5.3); como isto não acontece segue-se
que 0 ≤ k ≤ 4, de modo que
A =
20, 21, 22, 23, 24,
seguindo o mesmo raciocínio, podemos demonstrar que 0 ≤ m ≤ 2 e
que 0 ≤ n ≤ 1. Assim,
B =
30, 31, 32
e C =
50, 51.
(a) O conjunto de todos os possíveis divisores de 720 pode ser identi-
cado com o conjunto A×B×C. De onde o número de divisores
inteiros e positivos de 720 é |A×B×C|. Porém, o princípio mul-
tiplicativo nos garante que |A×B×C| = |A| · |B| · |C|. Portanto,o número de divisores inteiros e positivos de 720 é 5×3×2 = 30,
pois |A| = 5, |B| = 3 e |C| = 2.
(b) Para obter o conjunto de todos os divisores pares de 720 deve-
mos remover o elemento 20 do conjunto A. Assim, o conjunto de
5.2 Princípio Multiplicativo de Contagem 175
todos os divisores pares e positivos de 720 vem dado pelo con-
junto A− 20 ×B ×C. O princípio multiplicativo nos garante
que∣∣(A − 20
)× B × C
∣∣ =∣∣A − 20
∣∣ · |B| · |C|. Portanto, o
número de divisores pares e positivos de 720 é 4 × 3 × 2 = 24,
pois∣∣A− 20
∣∣ = 4, |B| = 3 e |C| = 2.
(c) Para obter o conjunto de todos os divisores ímpares de 720 deve-
mos remover os elementos 21, 22, 23 e 24 do conjunto A. Assim,
o conjunto de todos os divisores ímpares e positivos de 720 vem
dado pelo conjunto(A− 21, 22, 23, 24
)×B × C.
O princípio multiplicativo nos garante que∣∣(A−21, 22, 23, 24
)×B ×C
∣∣ =∣∣A−21, 22, 23, 24
∣∣ · |B| · |C|.
Portanto, o número de divisores ímpares e positivos de 720 é
1× 3× 2 = 6; pois∣∣A− 21, 22, 23, 24
∣∣ = 1, |B| = 3 e |C| = 2.
(d) Para obter o conjunto de todos os divisores de 720 que são qua-
drados perfeitos devemos car com as potências pares nos con-
juntos A, B e C, respectivamente. Portanto, devemos remover
os elementos 21, 23 do conjunto A. Também devemos remover o
elemento 31 do conjunto B. Finalmente do conjunto C devemos
remover o elemento 51. Logo, o conjunto de todos os divisores
quadrados perfeitos e positivos de 720 vem dado pelo conjunto
D :=(A− 21, 23
)×(B − 31
)×(C − 51
).
O princípio multiplicativo nos garante que∣∣D∣∣ =
∣∣A− 21, 23∣∣ ·∣∣B − 31
∣∣ ·∣∣C − 51
∣∣.
176 5 Contagem
Portanto, o número de divisores quadrados perfeitos e positivos
de 720 é 3 · 2 · 1 = 6; pois∣∣A − 21, 23
∣∣ = 3,∣∣B − 31
∣∣ = 2
e∣∣C − 31
∣∣ = 1. Observe que 1, 4, 9, 16, 36, 144 é o conjunto
dos divisores de 720 que são quadrados perfeitos.
Exemplo 5.13. Se um número natural n se fatora como
n = pk11 · pk22 · · · pkrr , (5.4)
onde os pi são números primos distintos e cada ki ∈ Z+, então o
número de divisores positivos de n, denotado por d(n) é
d(n) = (k1 + 1)(k2 + 1) . . . (kr + 1).
Solução. Dena o conjunto
A1 =todos os divisores de n que são da forma pm11 , onde m ∈ Z+,
e em geral, dena
Ai = todos os divisores de n que são da forma pmii , onde t ∈ Z+.
Observemos que mi ≤ pi, pois se mi > pi, então pelo menos a potência
pki+1i deveria estar presente em (5.4);como isto não acontece segue-se
que mi ≤ pi, de modo que
Ai =p0i , p
1i , p
2i , . . . , p
kii
, para i = 1, 2, 3, . . . , ki.
É imediato ver que∣∣Ai∣∣ = ki + 1.
5.2 Princípio Multiplicativo de Contagem 177
O conjunto de todos os possíveis divisores de n vem dado pelo
conjunto A1 × A2 × · · · × Ar, de onde se conclui que o número de
divisores inteiros e positivos de n é
d(n) = |A1 × A2 × · · · × Ar| = |A1| · |A2| · · · |Ar|,onde na última igualdade usamos o princípio multiplicativo. Portanto,
o número de divisores inteiros e positivos de n é
d(n) = (k1 + 1)(k2 + 1) · · · (kr + 1).
Exemplo 5.14. De quantas maneiras podemos escolher dois inteiros
de 1 a 20 de forma que a soma seja ímpar?
Solução. Observemos que
• a soma de dois números inteiros pares é um número par. Com
efeito, para quaisquer a, b ∈ Z temos que 2a+ 2b = 2(a+ b);
• a soma de dois números inteiros ímpares é um número par. Com
efeito, para quaisquer a, b ∈ Z temos que (2a + 1) + (2b + 1) =
2(a+ b+ 1);
• a soma de um número inteiro par com qualquer outro inteiro
ímpar sempre é um inteiro ímpar. Com efeito, para quaisquer
a, b ∈ Z temos que 2a+ (2b+ 1) = 2(a+ b) + 1.
Isto nos sugere denir os conjuntos
P = 2, 4, 6, 8, 10, 12, 14, 16, 18, 20,I = 1, 3, 5, 7, 9, 11, 13, 15, 17, 19,
onde P × I são todas as formas possíveis de somar um número inteiro
par com outro ímpar. O princípio multiplicativo nos garante que nossa
resposta é |P × I| = |P | · |I| = 100, pois |P | = |I| = 10.
178 5 Contagem
5.3 Uso Simultâneo dos Princípios Aditivo
e Multiplicativo
Aproveitamos esta seção para apresentar problemas um pouco mais
difíceis que os tratados nas seções anteriores. Nestes problemas, pre-
cisaremos empregar simultaneamente o Princípio Aditivo e o princípio
multiplicativo. Vamos ao primeiro deles:
Exemplo 5.15. Sabemos que no início da premiação da 1a fase da
Olimpíada Alagoana de Matemática existem 10 livros diferentes de
Álgebra, 7 livros diferentes de combinatória e 5 livros diferentes de
geometria para homenagear os vencedores. Danielle é a primeira a
pegar o prêmio que consiste em 2 livros, com a condição de que estes
não podem ser da mesma matéria. Diga quantas escolhas Danielle
pode fazer para pegar seu prêmio.
Solução. Denotemos por
A = a1, . . . , a10, C = c1, . . . , c7 e G = g1, . . . , g5,
os conjuntos de livros de álgebra, combinatória e geometria, respecti-
vamente. Observemos que |A| = 10, |C| = 7 e |G| = 5 e Danielle tem
as seguintes possibilidades de escolha:
• escolher um livro de A e um livro de C. Neste caso, Danielle tem
|A × C| = |A| · |C| = 70 escolhas possíveis (devido ao princípio
multiplicativo).
• escolher um livro de A e um livro de G. Neste caso, Danielle tem|A × G| = |A| · |G| = 50 escolhas possíveis (devido ao princípio
multiplicativo) ou
5.3 Uso Simultâneo dos Princípios Aditivo e Multiplicativo 179
• escolher um livro de C e um livro de G. Neste caso, Danielle tem|C × G| = |C| · |G| = 35 escolhas possíveis (devido ao princípio
multiplicativo).
Agora o Princípio Aditivo nos garante que o número total de escolhas
que Danielle pode fazer é 70 + 50 + 35 = 155.
Exemplo 5.16. Há 18 moças e 12 rapazes, onde 5 deles são irmãos
(3 moças e 2 rapazes) e os restantes não possuem parentesco. Diga
quantos casamentos são possíveis naquela turma (sabendo que irmãos
não se casam).
Solução. Observemos que 15, entre as 18 moças, não têm parentesco
nenhum com os 12 rapazes, logo, pelo princípio multiplicativo temos
que é possível efetuar 15 · 12 = 180 casamentos diferentes entre eles.
Por outro lado, as 3 moças restantes podem efetuar casamento com 10
dos 12 rapazes, pois 2 deles são seus irmãos. Novamente, pelo princípio
multiplicativo é possível realizar 3·10 = 30 casamentos diferentes neste
caso. Finalmente, o Princípio Aditivo nos dá que podem ser realizados
um total de 180 + 30 = 210 casamentos.
Exemplo 5.17. Quantas palavras de 5 caracteres podem ser formadas
com as letras α, β e γ de modo que em cada palavra não falte nenhuma
dessas letras?
Solução. Denamos os seguintes conjuntos,
U =palavras de 5 caracteres só com as letras α, β e γ;Aα =palavras que estão em U e onde não aparece a letra α;Aβ =palavras que estão em U e onde não aparece a letra β;Aγ =palavras que estão em U e onde não aparece a letra γ.
180 5 Contagem
Por exemplo,
• a palavra γγγγγ ∈ Aα ∩ Aβ;
• a palavra γααγα ∈ Aβ;
• a palavra βαβββ ∈ Aγ.
Primeiramente, notemos que cada caracter de U pode ser escolhido
de 3 formas distintas. Segue-se então do Princípio Multiplicativo que
existem 35 formas de escrever uma palavra de 5 caracteres usando um
alfabeto de 3 letras, isto é,
S0 = |U| = 35 = 243.
Calculemos agora |Aα|, isto é, o número de palavras onde não apa-
rece a letra α. Para isto, observemos que cada caractere em Aα pode
ser escolhido de 2 formas. Logo, o princípio multiplicativo nos garante
que existem 25 palavras em Aα, ou seja, |Aα| = 25. Analogamente,
podemos mostrar que |Aβ| = |Aγ| = 25. Portanto,
S1 = |Aα|+ |Aβ|+ |Aγ| = 25 + 25 + 25 = 96.
Prosseguimos com o cálculo de |AαAβ|, isto é, do número de pala-
vras onde não aparecem as letras α e β; portanto, cada caractere em
AαAβ pode ser escolhido de 1 forma. Logo, o princípio multiplicativo
nos garante que existe 15 = 1 palavra em AαAβ, ou seja, |AαAβ| = 1.
Similarmente, podemos mostrar que |AαAγ| = |AβAγ| = 1. Portanto,
S2 = |Aα|+ |Aβ|+ |Aγ| = 3.
Por m, achamos |AαAβAγ|, que nos dá o número de palavras onde
não aparecem as letras α, β e γ; mas cada palavra em AαAβAγ tem
5.4 Permutações Simples 181
que usar pelo menos um dos caracteres proibidos. Logo,
S3 = |AαAβAγ| = 0.
Finalmente, observamos que o conjunto das palavras de 5 caracte-
res que podem ser formadas com as letras α, β e γ de modo que em
cada palavra não falte nenhuma dessas letras é exatamente o conjunto
AcαAcβA
cγ. Usando a Proposição 5.7, temos:
|AcαAcβAcγ| =S0 − S1 + S2 − S3
=243− 96 + 3− 0
=150.
5.4 Permutações Simples
Denimos o fatorial n! de um inteiro positivo n
n! = n · (n− 1) · (n− 2) · · · 2 · 1
se n > 0 e 0! = 1, por convenção. Observe que o fatorial cresce muito
rapidamente quando n cresce. Por exemplo, para os 10 primeiros
valores de n
1!=1 2!=2 3!=6 4!=24 5!=120
6!=720 7!=5.040 8!=40.320 9!=362.880 10!=3.628.800
Denição 5.18. Uma permutação simples de n objetos distintos é
qualquer agrupamento ordenado desses n objetos. Denotaremos por
Pn o número de todas as permutações simples de n objetos dados.
182 5 Contagem
Por exemplo, todas as permutações dos 3 elementos do conjunto
A = a1, a2, a3 são:
σ1 = (a1, a2, a3),
σ2 = (a1, a3, a2),
σ3 = (a2, a1, a3),
σ4 = (a2, a3, a1),
σ5 = (a3, a1, a2),
σ6 = (a3, a2, a1).
Proposição 5.19. Seja n ≥ 1. O número total de permutações sim-
ples de n objetos O = o1, o2, . . . , on é dado por Pn = n!
Demonstração. É claro que a fórmula vale para n = 1. Vejamos agora
que existe a seguinte relação entre Pn e Pn−1 para n ≥ 2:
Pn = nPn−1. (5.5)
Para comprovar isto, para cada i denamos Ai como sendo as permu-
tações dos n − 1 objetos o1, . . . , oi−1, oi+1, . . . , on. Note que |Ai| =
Pn−1, para cada i = 1, 2, . . . , n. Assim, para obtermos uma permu-
tação dos n objetos, basta que xemos o objeto inicial oi e tomemos
um elemento do conjunto Ai, que é uma permutação dos n−1 objetos
restantes. Pelo princípio aditivo, temos que:
Pn = |A1|+ |A2|+ · · ·+ |An| = nPn−1.
Como a equação (5.5) é válida para todo n ≥ 2, podemos aplicá-la
para n− 1, obtendo:
Pn−1 = (n− 1)Pn−2,
5.4 Permutações Simples 183
de onde vem que
Pn = n(n− 1)Pn−2.
Repetindo este argumento, obtemos que
Pn = n(n− 1)(n− 2) · · · 3 · 2 · 1 = n!,
como queríamos demonstrar.
Exemplo 5.20. De quantas maneiras podemos formar uma la com
4 pessoas?
Demonstração. Observe que se enumeramos os lugares da la e enu-
meramos as pessoas, pa, pb, pc, pd, cada distribuição vai corresponder a
uma permutação do conjunto 1, 2, 3, 4. Por exemplo, a distribuição
(pc, pa, pb, pd) corresponde à permutação (3, 1, 2, 4). Assim, o número
de distribuições na la é 4! = 24.
Exemplo 5.21. De quantas maneiras k moças e k rapazes podem
formar pares para uma dança?
Solução. Estando as moças em uma la e os rapazes em outra, pode-
mos enumerá-los com números de 1, 2, . . . , k. A uma permutação des-
ses números, digamos (a1, a2, . . . , ak) com ai ∈ 1, 2, . . . , k faremos
uma associação da mulher i com o rapaz ai. Por exemplo, a permu-
tação (2, 1, 3, . . . , k) signica que a moça 1 dançará com o rapaz 2, a
moça 2 com o rapaz 1, e a moça i com o rapaz i, para i ≥ 3.
Observe que toda associação de k moças e k rapazes produz uma
permutação, de modo que o número de associações possíveis das mo-
ças com os rapazes é igual ao número de permutações dos elementos
do conjunto 1, 2, 3, . . . , k. Pela Proposição 5.19 existem k! modos
diferentes de combinar as moças com os rapazes.
184 5 Contagem
5.5 Arranjos Simples
Denição 5.22. Consideremos n objetos e p um inteiro positivo tal
que 0 < p ≤ n. Um arranjo simples de classe p dos n objetos dados
é uma seleção de p objetos distintos dentre estes que diferem entre si
pela ordem de colocação ou pela natureza de cada um, isto é, o que
importa é quem participa ou o lugar que ocupa. Denotaremos por Apno número de arranjos simples de classe p de n objetos.
Por exemplo, dados os objetos o1, o2 e o3 todos os arranjos possíveis
de classe 2 são: A1 = (o1, o2), A2 = (o2, o1), A3 = (o1, o3), A4 =
(o3, o1), A5 = (o2, o3) e A6 = (o3, o2).
Observação 5.23. Notemos que um arranjo simples de classe n de n
objetos dados não é mais que uma permutação desses n objetos. Logo,
Pn = Ann = n!.
Proposição 5.24. Seja n ≥ 1. O número total de arranjos simples
de classe p de n objetos O = o1, o2, . . . , on é dado por Apn = n!(n−p)! .
Demonstração. Para n = 1 a fórmula é obviamente válida. Similar-
mente ao caso das permutações, primeiramente provaremos que para
n ≥ 2 vale a seguinte igualdade:
Apn = nAp−1n−1. (5.6)
Agora denimos os conjuntos Ai como sendo os arranjos simples de
classe p − 1 dos n − 1 objetos o1, . . . , oi−1, oi+1, . . . , on. Note que
|Ai| = Ap−1n−1, para cada i = 1, 2, . . . , n. Assim, para obtermos um
arranjo simples de classe p dos n objetos, basta que xemos o objeto
inicial oi e tomemos um elemento do conjunto Ai, que é uma arranjo
5.5 Arranjos Simples 185
de classe p − 1 dos n − 1 objetos restantes. Pelo princípio aditivo,
temos que:
Apn = |A1|+ |A2|+ · · ·+ |An| = nAp−1n−1.
Como nossa equação (5.6) é válida para todo n ≥ 2, podemos aplicá-la
para n− 1, obtendo:
Ap−1n−1 = (n− 1)Ap−2n−2,
de onde vem que
Apn = n(n− 1)Ap−2n−2.
Repetindo este argumento sucessivamente, obtemos que
Apn = n(n− 1)(n− 2) · · · (n− (p− 2))Ap−(p−1)n−(p−1)
= n(n− 1)(n− 2) · · · (n− p+ 2)A1n−p+1.
Notemos agora que A1n−p+1 = n − p + 1; logo, da igualdade anterior
segue-se que
Apn = n(n− 1)(n− 2) · · · (n− p+ 2)(n− p+ 1)
=n(n− 1)(n− 2) · · · (n− p+ 2)(n− p+ 1)× (n− p) · · · 1
(n− p) · · · 1
=n!
(n− p)! ,
como desejávamos.
Agora vamos dar alguns exemplos de como aparecem problemas
práticos que requerem fazer este tipo de cálculo. O primeiro dele tem
186 5 Contagem
a ver com a formação de palavras diferentes com um conjunto dado
de letras.
Um anagrama de uma palavra é uma permutação de letras dessa
palavra para formar outra, a qual pode carecer de signicado. Por
exemplo:
• um anagrama de amor é roma;
• um anagrama de celia é alice;
• um anagrama de caterina é natercia;
• um anagrama de elvis é lives.
Exemplo 5.25. Quantos anagramas de p letras distintas podemos
formar com um alfabeto de 23 letras, sendo p < 23?
Solução. Como as letras são diferentes, nosso problema consiste em
achar todos os arranjos de classe p de 23 objetos dados, que neste caso
são as 23 letras do alfabeto. Logo, este número é
Ak23 =23!
(23− k)!.
Exemplo 5.26. De quantos modos 2 pessoas podem se sentar em 5
cadeiras que estão em la?
Solução. Este problema é equivalente a achar o número total de ar-
ranjos de classe 2 de 5 objetos, correspondendo as 5 cadeiras aos 5
objetos e as duas pessoas indicando a ordem do arranjo. Logo, este
número é dado por
A25 =
5!
3!= 20.
5.5 Arranjos Simples 187
Exemplo 5.27. Considere os dígitos 2, 3, 4, 5, 7 e 9. Supondo que a
repetição de dígitos não seja permitida, responda às seguintes pergun-
tas:
(a) Quantos números de três dígitos podem ser formados?
(b) Entre os achados em (a) quantos são pares?
(c) Entre os achados em (a) quantos são ímpares?
(d) Entre os achados em (a) quantos são múltiplos de 5?
(e) Entre os achados em (a) quantos são menores do que 400?
Solução. Seja O = 2, 3, 4, 5, 7, 9 nosso conjunto de objetos.
(a) A quantidade de números de três dígitos que podemos formar
sem repetição de algum deles é claramente o número de arranjos
de classe 3 dos 6 dígitos de O, isto é,
A36 =
6!
3!= 120.
(b) Sabemos que em todo número par o último dígito é um múltiplo
de 2, isto é, ele acaba em 0, 2, 4, 6 ou 8. Então, em nosso caso
as únicas possibilidades são que o número termine em 2 ou 4.
Supondo que o último dígito seja 2, temos que preencher as duas
casas restantes com os dígitos pertencentes ao conjunto O−2.Assim, existem A2
|O−2| = A25 = 5!
3!= 20 números dos achados
em (a) que nalizam em 2. De forma análoga, existem A2|O−4| =
A25 = 5!
3!= 20 números dos achados em (a) que nalizam em 4.
Logo, entre os números achados em (a) existem 20 + 20 = 40
números pares.
188 5 Contagem
(c) Todo conjunto de números pode ser dividido em duas classes
disjuntas: a classe dos números pares e a classe dos números ím-
pares que pertencem ao mesmo. Segue-se que dentre os números
achados em (a) existem 120− 40 = 80 números ímpares.
(d) Todo número múltiplo de 5 acaba em 0 ou 5; no nosso caso te-
mos que a única possibilidade para o último dígito é 5. Assim
o problema consiste em preencher as duas casas restantes com
dígitos do conjunto O − 5. De onde se segue que a quanti-
dade de números múltiplos de 5 existentes em (a) vem dada por
A2|O−5| = A2
5 = 5!3!
= 20.
(e) Para obter os números menores do que 400 a casa das centenas
só poderá ser ocupada pelos dígitos 1, 2 ou 3. Como 1 /∈ O,temos que as únicas possibilidades em nosso caso são 2 ou 3.
Então, supondo que o primeiro dígito do número seja 2, devemos
preencher duas casas restantes com os dígitos pertencentes a
O − 2. De forma análoga, existem A2|O−3| = A2
5 = 5!3!
= 20
números dos achados em (a) e que começam com 3. Logo, dentre
os números achados em (a) existem 20+20 = 40 menores do que
400.
5.6 Combinações Simples
O conceito de combinação simples surge naturalmente quando tenta-
mos responder à seguinte pergunta:de quantas formas diferentes pode-
mos selecionar p objetos dentro de n objetos dados?
5.6 Combinações Simples 189
Por exemplo, suponha que queremos enfeitar uma festa de aniver-
sário com bolas de dois tipos de cores e na loja onde as compraremos
existem bolas nas cores azul, verde e vermelha. De quantas formas
distintas podemos enfeitar nossa festa? É claro que podemos enfeitar
a festa de 3 formas diferentes: com bolas em azul e verde; com bolas
em azul e vermelho ou com bolas em verde e vermelho.
Notemos que, ao contrário do caso em que trabalhamos com arran-
jos, quando fazemos uma seleção de duas cores não estamos inte-
ressados na ordem em que elas foram escolhidas.
Denição 5.28. Consideremos n objetos e p um inteiro positivo tal
que 0 < p ≤ n. Uma combinação simples de classe p dos n objetos
dados é uma seleção de p objetos distintos entre estes que diferem
entre si apenas pela natureza de cada um, isto é, o que importa é
simplesmente quem participa no grupo selecionado. Denotaremos por(np
)o número de combinações simples de classe p de n objetos.
Proposição 5.29. Seja n ≥ 1. O número total de combinações
simples de classe p de n objetos O = o1, o2, . . . , on é dado por(np
)= n!
p!(n−p)! .
Demonstração. Veremos a seguir que arranjos simples e combinações
simples de classe p estão estreitamente relacionados. Com efeito, para
cada combinação simples formada por p objetos distintos de O pode-
mos gerar todos os arranjos simples de classe p formados por estes p
objetos. Basta para isto fazer todas as suas permutações possíveis.
Obtém-se assim p ! arranjos simples diferentes com esses p objetos.
Resumindo, para cada combinação simples de classe p formada com
p objetos diferentes de O podemos fazer p ! arranjos simples diferen-
tes de classe p com estes mesmos objetos; logo, no total, teremos a
190 5 Contagem
seguinte relação:
p !
(n
p
)= Apn =
n!
(n− p)! ,
de onde segue-se que(n
p
)=
n!
p!(n− p)! .
Exemplo 5.30. De quantas formas diferentes podemos construir uma
palavra de tamanho n com i letras a e n− i letras b?
Solução. A solução do problema equivale em escolher a posição das
i letras a em questão, uma vez que a posição das (n − i) letras b
restantes estará determinada. Se enumeramos as posições das letras
de 1 a n, uma palavra será formada ao xarmos a posição das i letras
a. Isso é exatamente(ni
), já que corresponde ao número de grupos
com i elementos (posições com letra a) tomados em um conjunto de n
elementos (todas as posições), que diferem somente por sua natureza.
Exemplo 5.31. De quantas formas podemos dividir um grupo 5 pes-
soas em um grupo de duas e outro de três?
Solução. Temos(52
)= 5 !
2 !3 != 10 formas diferentes de escolher duas
pessoas do grupo. Por cada uma dessas escolhas o outro grupo de três
pessoas é automaticamente determinado; logo, temos 10 possibilidades
diferentes de fazer a divisão.
Exemplo 5.32. De quantos modos podemos dividir 6 pessoas em:
(a) Dois grupos de 3 pessoas cada?
5.6 Combinações Simples 191
(b) Três grupos de 2 pessoas cada?
Solução. Começamos por (a). À primeira vista, parece que a resposta
deve ser(n3
)= 6!
3! 3!= 20, similarmente ao exemplo anterior. Porém,
aqui há um problema devido ao fato de estarmos dividindo em grupos
que têm a mesma quantidade de pessoas e, portanto, as permutações
de cada dois grupos formados são consideradas divisões iguais; logo,
devemos dividir o resultado por 2 !, obtendo assim 10 formas diferentes
de obter dois grupos com 3 pessoas cada.
Para resolver o item (b) seguimos os seguintes passos:
• Primeiramente calcularemos o número de formas possíveis para
dividir 6 pessoas em um grupo de 2 e outro grupo de 4; esta
quantidade vem dada por(62
)= 6!
4! 2!.
• Agora dividiremos as 4 pessoas restantes em um grupo de 2 e
outro grupo de 2; esta quantidade vem dada por(42
)= 4!
2! 2!.
Pelo princípio multiplicativo temos que existem(62
)(42
)= 6!
(2!)3possi-
bilidades de dividir 6 pessoas em 3 grupos com duas pessoas cada.
Igualmente ao caso anterior, aqui as permutações possíveis de cada 3
grupos formados são consideradas iguais; logo, devemos dividir este
último resultado por 3 !. Portanto, existem 15 formas diferentes de
dividir 6 pessoas em três grupos de 2 pessoas cada.
Exemplo 5.33. Se você possui 10 amigos, de quantas maneiras você
pode escolher dois ou mais deles para jantar?
Solução. Esquematizamos a solução da seguinte maneira:
• Primeiramente, vamos encontrar a quantidade de maneiras pelas
quais você pode jantar com 2 amigos; isto é feito de(102
)formas
diferentes.
192 5 Contagem
• Depois, vamos encontrar a quantidade de maneiras pelas quais
você pode jantar com 3 amigos; isto é feito de(103
)formas dife-
rentes.
• Em seguida, encontramos a quantidade de maneiras pelas quais
você pode jantar com 4 amigos; isto é feito de(104
)formas dife-
rentes.
• Em geral, o número de maneiras diferentes que você tem de
jantar com p amigos é dado por(10p
).
Pelo princípio aditivo, temos que a quantidade de formas diferentes
que você tem de jantar com 2 ou mais de seus amigos, é dada por
(10
2
)+
(10
3
)+ · · ·+
(10
9
)+
(10
10
)= 1013,
sendo este o número procurado.
Exemplo 5.34. De um grupo de 10 pessoas das quais 4 são mulheres,
quantas comissões de 5 pessoas podem ser formadas de modo que pelo
menos uma mulher faça parte?
Solução. Sendo que o grupo tem 10 pessoas e 4 destas são mulheres,
segue-se que no grupo temos 6 homens. Para formar um grupo de 5
pessoas com pelo menos uma mulher, temos as seguintes alternativas:
• Nosso grupo é composto por uma mulher e 4 homens; neste caso
poderemos formar(41
)(64
)= 60 comissões de 5 pessoas.
• Nosso grupo é composto por 2 mulheres e 3 homens; neste caso
poderemos formar(42
)(63
)= 120 comissões de 5 pessoas.
5.7 O Binômio de Newton 193
• Nosso grupo é composto por 3 mulheres e 2 homens; neste caso
poderemos formar(43
)(62
)= 60 comissões de 5 pessoas.
• Nosso grupo é composto por 4 mulheres e um homem; neste caso
poderemos formar(44
)(61
)= 6 comissões de 5 pessoas.
Pelo princípio aditivo temos que é possível formar 246 comissões de 5
pessoas de modo que pelo menos uma mulher faça parte.
5.7 O Binômio de Newton
Nesta seção, estudaremos uma fórmula que generaliza a conhecida
expressão
(a+ b)2 = a2 + 2ab+ b2.
Essa fórmula é conhecida como o binômio de Newton ou fórmula bino-
mial de Newton, devido ao Matemático Isaac Newton (1642-1727). A
fórmula binomial de Newton pode ser motivada pelas seguintes igual-
dades que são fáceis de vericar:
(a+ b)1 = a+ b =
(1
0
)a+
(1
1
)b,
(a+ b)2 = a2 + 2ab+ c2 =
(2
0
)a2 +
(2
1
)ab+
(2
2
)b2,
(a+ b)3 = a3 + 3a2b+ 3ab2 + c3 =
(3
0
)a3 +
(3
1
)a2b+
(3
2
)ab2 +
(3
3
)b3.
Os casos particulares acima podem ser estendidos para qualquer po-
tência inteira positiva de a+ b, ou seja, vale o seguinte resultado:
194 5 Contagem
Teorema 5.35 (Fórmula Binomial de Newton). Sejam a e b númerosreais e n ∈ N, então
(a+b)n =
(n
0
)an+
(n
1
)an−1b1+· · ·+
(n
i
)an−ibi+· · ·+
(n
n− 1
)a1bn−1+
(n
n
)bn.
Os números(ni
), 0 ≤ i ≤ n, são chamados também de coecientes bino-
miais.
Demonstração. Expandimos o binômio no produto de seus n fatores,
isto é,
(a+ b)n = (a+ b)(a+ b) · · · (a+ b)︸ ︷︷ ︸n−fatores
. (5.7)
Se desenvolveremos o produto destes n fatores iguais acima obtemos
uma soma nita de termos da forma a1a2 · · · an, onde cada aj, 1 ≤j ≤ n, toma valor a ou b. Notemos que em cada termo se o número
b aparece i vezes, então o número a aparecerá (n − i) vezes, ou seja,
quando cada termo for multiplicado deverá tomar valor igual a an−ibi,
para algum 1 ≤ i ≤ n. Por exemplo, os n termos
abb · · · b = abn, bab · · · b = abn, . . . , bbb · · · ba = abn
têm o mesmo valor . Assim, para calcular o coeciente do termo aibn−i
que aparece na equação (5.7), basta responder à seguinte pergunta: de
quantos modos podemos formar uma palavra com i letras a e (n− i)letras b? A resposta dessa pergunta foi estudada no Exemplo 5.30 e é
simplesmente(ni
). Logo, a expressão na equação (5.7) é
(a+ b)n =
(n
0
)an +
(n
1
)an−1b1 + · · ·+
(n
n− 1
)a1bn−1 +
(n
n
)bn,
o que prova o teorema.
5.8 Contagem e Probabilidades 195
A fórmula binomial de Newton nos dá algumas propriedades interes-
santes dos coecientes binomiais que resumimos na próxima proposi-
ção.
Proposição 5.36. Seja n ∈ N. As seguintes igualdades são válidas:
(a)(n0
)+(n1
)+ · · ·+
(ni
)+ · · ·+
(nn−1)
+(nn
)= 2n;
(b)(n0
)−(n1
)+ · · ·+ (−1)i
(ni
)+ · · ·+ (−1)n
(nn
)= 0.
Demonstração. Para a letra (a), basta tomar a = b = 1 e expanda
2n = (1 + 1)n no Binômio de Newton. Para a letra (b), tome a = 1
e b = −1 e expanda 0 = (1− 1)n no binômio de Newton, observando
que (−1)n é igual a 1 se n é par, e igual a 1 se n é ímpar.
5.8 Contagem e Probabilidades
Uma das aplicações interessantes da contagem de elementos de um
conjunto é quando desejamos estudar a probabilidade de eventos alea-
tórios. Por exemplo, se lançarmos um dado de seis faces, temos os
seguintes resultados possíveis:
Ω = 1, 2, . . . , 6.
Se desejamos saber qual é a chance de que ocorra um número
primo no lançamento, devemos contar quantos primos aparecem em
1, 2, 3, 4, 5, 6 e dividir por 6. Ou seja, a chance de ocorrer um número
primo num lançamento de um dado de seis faces é 3/6 = 0, 5.
Denimos a probabilidade de um subconjunto A ⊂ Ω como o nú-
mero
p(A) =|A||Ω| .
196 5 Contagem
Também chamamos o subconjunto Ω de todos os resultados possíveis
de espaço amostral e um subconjunto A de Ω de evento. Por exemplo,
podemos calcular a probabilidade de escolhermos um número par no
conjunto 1, 2, 3, . . . , 15. Neste caso, o conjunto Ω está claro e é igual a
Ω = 1, 2, 3, . . . , 15. O conjunto A é A = 2, 4, 6, . . . , 14. Logo,
p(A) =|A||Ω| =
7
15.
Assim, ca claro que a maior diculdade para calcular a proba-
bilidade de um evento é contar quantos elementos pertencem a este
evento e quantos elementos pertencem ao espaço amostral. A seguir,
veremos um exemplo mais elaborado onde aplicamos a noção de ar-
ranjo simples.
Exemplo 5.37. Calcular a probabilidade de que escolhendo um grupo
de 44 pessoas, existam pelo menos duas que fazem aniversário no
mesmo dia do ano.
Solução. Podemos reescrever isso do seguinte modo: num saco existem
bolas enumeradas com os números 1, 2, . . . , 365 (correspondentes aos
dias do ano). Retiramos a bola b1 e anotamos o número que apareceu.
Devolvemos a bola ao saco e efetuamos uma nova retirada, anotando
novamente o número que aparece. Repetindo este processo 44 vezes,
obtemos uma lista com 44 números. Assim, a pergunta se transforma
em: de quantos modos diferentes podemos escolher 44 bolas enume-
radas com os números 1, 2, 3, . . . , 365 com reposição, tal que existam
pelo menos duas bolas com o mesmo número?
A primeira coisa que devemos fazer é calcular o espaço amostral,
de todas as possibilidades possíveis de resultado. Como escolhemos
44 bolas enumeradas num saco, cada resultado possível é uma lista
5.9 Exercícios Propostos 197
(n1, n2, . . . , n44) com 44 números. Observe que, pelo princípio multi-
plicativo, |Ω| = 36544, pois temos 365 opções para escolher n1, 365
opções para escolher n2, etc.A segunda pergunta trata-se de saber quantos resultados são favo-
ráveis, ou seja, quantas são as escolhas tais que existam pelo menosduas bolas com o mesmo número. Para isso é mais fácil contar quantasescolhas existem tais que os 44 números são diferentes. Neste caso,devemos escolher uma ordenação de 44 números distintos entre 365.Isso corresponde à quantidade de arranjos de classe 44 num grupo de365 elementos. Assim, concluímos que a probabilidade de que esteevento ocorra é
p =36544 −A44
365
36544= 1−
365!(365!−44!)36544
.
Obter um valor aproximado para o número acima com o computador é
uma tarefa fácil nos dias atuais. Porém, aproximar expressões envolvendo
fatoriais (sem o uso do computador) é um fato conhecido há muito tempo
pela humanidade, através da famosa fórmula de Stirling.1 Com a ajuda
desta fórmula, obtemos que p é aproximadamente p ∼= 0.93, como havíamos
prometido no Capítulo 1.
Além dos exercícios abaixo, recomendamos a leitura de [9]. Lá, o
leitor encontrará material adicional sobre análise combinatória, bem
como uma ampla variedade de problemas.
5.9 Exercícios Propostos
1. De quantas maneiras podemos escolher três números distintos do
conjunto I50 = 1, 2, 3, . . . , 49, 50 de modo que sua soma seja
1Grosseiramente, a fórmula de Stirling diz que o quociente entre n! e√2πnnne−n está próximo de 1, para valores de n grandes.
198 5 Contagem
a) um múltiplo de 3?
b) um número par?
2. Considere o conjunto In = 1, 2, 3, . . . , n−1, n. Diga de quantosmodos é possível formar subconjuntos de k elementos nos quais
não haja números consecutivos?
3. Considere as letras da palavra PERMUTA. Quantos anagramas
de 4 letras podem ser formados, onde:
a) não há restrições quanto ao número de consoantes ou vogais?
b) o anagrama começa e termina por vogal?
c) a letra R aparece?
d) a letra T aparece e o anagrama termina por vogal?
4. Calcular a soma de todos os números de 5 algarismos distintos
formados com os algarismos 1, 3, 5, 7 e 9.
5. Quantos números podem ser formados pela multiplicação de al-
guns ou de todos os números 2, 2, 3, 3, 3, 5, 5, 6, 8, 9, 9?
6. Entre todos os números de sete dígitos, diga quantos possuem
exatamente três dígitos 9 e os quatro dígitos restantes todos
diferentes?
7. De quantas maneiras podemos distribuir 22 livros diferentes en-
tre 5 alunos se 2 deles recebem 5 livros cada e os outros 3 recebem
4 livros cada?
8. Quantos são os números naturais de sete dígitos nos quais o
dígito 4 gura exatamente 3 vezes e o dígito 8 gura exatamente
2 vezes?
5.9 Exercícios Propostos 199
9. De quantas maneiras uma comissão de 4 pessoas pode ser for-
mada, de um grupo de 6 homens e 6 mulheres, se a mesma é
composta de um número maior de homens do que de mulheres?
10. O comprimento de uma palavra é a quantidade de caracteres que
ela possui. Encontre a quantidade de palavras de comprimento
5 que podemos formar fazendo uso de 10 caracteres distintos, de
forma que não existam três caracteres consecutivos idênticos em
cada palavra.
11. Quantos números inteiros existem entre 1 e 10.000 que não são
divisíveis por 3, 5 e 7?
12. Quantas são as permutações da palavra PROPOR nas quais não
existem letras consecutivas iguais?
13. De quantos modos 6 casais podem sentar-se ao redor de uma
mesa circular de tal forma que marido e mulher não quem jun-
tos?
14. Quantas são as permutações das letras da palavra BRASIL em
que o B ocupa o primeiro lugar, ou o R ocupa o segundo lugar,
ou o L o sexto lugar?
15. De quantas formas podemos representar o número 15 como soma
de vários números naturais?
16. Quantos quadrados perfeitos existem entre 40.000 e 640.000 que
são múltiplos simultaneamente de 3, 4 e 5?
17. Oito amigos vão ao cinema assistir a um lme que custa um real.
Quatro deles possuem uma nota de um real e quatro possuem
200 5 Contagem
uma nota de dois reais. Sabendo-se que o caixa do cinema não
possui nenhum dinheiro, como eles podem organizar uma la
para pagar o lme permitindo o troco pelo caixa?
18. Se considerarmos todas as congurações do tabuleiro com duas
torres que não se atacam, como no Exemplo 5.2, sem distinguir
as torres, quantas congurações obteremos?
19. Continuando o problema anterior, generalize-o para 3, 4, 5, . . .
torres que não se atacam, encontrando também o número máxi-
mo de torres que podem ser colocadas no tabuleiro de modo que
duas delas não se ataquem.
20. Tente fazer o problema anterior para cavalos de xadrez.
21. Mostre que em toda sequência de n2 + 1 inteiros distintos possui
uma subsequência crescente de n + 1 elementos ou uma sub-
sequência decrescente de n+ 1 elementos.
22. Encontre o número de zeros que termina o número 2010!.
23. O jogo do 7 consiste em lançar dois dados e somar o número
obtido nas suas faces. Caso a soma seja 7, o jogador A ganha o
dois reais do jogador B. Caso a soma não seja 7, o jogador B
ganha um real de A. Pergunta-se: quem leva vantagem?
24. A função φ de Euler associa a cada número natural n o valor
φ(n) igual ao número de inteiros positivos menores ou iguais a
n relativamente primos com n. Ou seja,
φ(n) =∣∣1 ≤ m ≤ n; (m,n) = 1
∣∣.
5.9 Exercícios Propostos 201
Usando os princípios estudados, mostre que se n se decompõe
em fatores primos como n = p1α1p2α2 . . . pαkk , então
φ(n) = n
(1− 1
p1
)(1− 1
p2
). . .
(1− 1
pk
).
O leitor pode achar mais informações sobre a função φ de Euler
nos livros [11] ou ainda [10].
202 5 Contagem
6
Indução Matemática
Se as pessoas não a ham a Matemáti a simples é só por que aindanão per eberam o quanto a vida é ompli ada. John von NeumannImagine uma la com innitos dominós, um atrás do outro. Supo-
nha que eles estejam de tal modo distribuídos que, uma vez que um
dominó caia, o seu sucessor na la também cai. O que acontece quando
derrubamos o primeiro dominó?
Apesar da simplicidade da pergunta acima ela traz em sua essência
toda a ideia usada no método da indução nita . Muitas descobertas
em Matemática são feitas baseadas na realização de testes que nos
fornecem evidências empíricas. Tais evidências são estudadas para
efetivamente vericarmos se os resultados que elas insinuam são ver-
dadeiros. O método da indução nita constitui uma ferramenta muito
útil na hora de desvendar a veracidade de resultados provenientes deste
tipo de estudo. Esse método é uma das grandes armas do matemático
moderno e tem utilidade na solução de vários problemas, como iremos
ver ao longo deste capítulo.
203
204 6 Indução Matemática
6.1 Formulação Matemática
No início do século XX, o matemático Giuseppe Peano (1858-1932)
estabeleceu os axiomas necessários que nos permitem hoje descrever
com precisão o conjunto dos números naturais. O último dos seus
axiomas diz o seguinte: seja A um subconjunto de N (A ⊂ N). Se 1 ∈A e se, além disso, A contém todos os sucessores dos seus elementos,
então A = N.Este axioma é conhecido como axioma de indução e serve como
base do método de demonstração por indução, o qual é de grande
utilidade para estabelecer provas rigorosas em Matemática.
O princípio da boa ordenação dos naturais, enunciado no Capí-
tulo 3, e o axioma de indução não são independentes e sem nenhuma
conexão. De fato, eles são equivalentes, ou seja, se consideramos o
princípio da boa ordenação como sendo um postulado podemos dedu-
zir o axioma de indução e, reciprocamente, se consideramos o axioma
de indução como sendo um postulado podemos deduzir o princípio da
boa ordenação.
No resto do capítulo, p(n) representa uma armação em relação ao
natural n, podendo esta ser verdadeira ou falsa.
Teorema 6.1 (Princípio da Indução Finita). Considere n0 um in-
teiro não negativo. Suponhamos que, para cada inteiro n ≥ n0, seja
dada uma proposição p(n). Suponha que se pode vericar as seguintes
propriedades:
(a) p(n0) é verdadeira;
(b) se p(n) é verdadeira então p(n + 1) também é verdadeira, para
todo n ≥ n0.
6.1 Formulação Matemática 205
Então, p(n) é verdadeira para qualquer n ≥ n0.
A armação (a) é chamada de base da indução e a (b) de passo
indutivo. O fato de que p(n) é verdadeira no item (b) é chamado de
hipótese da indução.
Demonstração. Denamos o conjunto
V = m inteiros não negativos; m ≥ n0 e p(m) é verdadeira .
Notemos que V é não vazio, pois a condição (a) nos assegura que
n0 ∈ V . A prova do teorema é equivalente a mostrarmos que
V = n0, n0 + 1, n0 + 2, n0 + 3, · · · ,
ou equivalentemente, a provarmos que o conjunto
F = m inteiros não negativos; m ≥ n0 e p(m) é falsa
é vazio. Suponhamos que F é não vazio. Pelo principio da boa orde-
nação existe um menor elemento m0 ∈ F , onde p(m0) é falso. Obser-
vemos que,
• m0 ≥ n0 + 1. De fato, m0 ≥ n0, porém a possibilidade m0 = n0
contradiz a condição (a);
• m0 − 1 ∈ V . Com efeito, p(m0 − 1) é verdadeira pois, caso
contrário, m0−1 ∈ F e, além disso, m0−1 < m0, contradizendo
isto a minimalidade de m0.
Finalmente, como p(m0 − 1) é verdadeira, segue da condição (b) que
p(m0) também é verdadeira, o que é impossível pela denição de m0.
Portanto, o conjunto F é vazio, concluindo-se assim a prova.
206 6 Indução Matemática
Para um pouco mais sobre a relação entre os princípios de indução
e da boa ordenação, recomendamos o Apêndice A da referência [11].
Observação 6.2. Uma grande vantagem do princípio da indução -
nita é poder provar que uma quantidade innita de armações são
verdadeiras, simplesmente vericando que uma quantidade nita des-
tas armações são verdadeiras. Deixaremos clara a utilidade deste
método resolvendo alguns problemas na próxima seção.
6.2 Aplicações
Dentro da grande gama de problemas que podem ser abordados apli-
cando o método de indução podemos distinguir três importantes gru-
pos:
• demonstração de identidades;
• demonstração de desigualdades;
• demonstração de problemas de divisibilidade.
A seguir damos vários exemplos de como aplicar o método em
problemas referentes a cada um destes grupos.
6.2.1 Demonstrando Identidades
Começamos com os seguintes problemas clássicos:
(P1) Determinar uma fórmula para a soma dos n primeiros números
pares, isto é,
sp(n) := 2 + 4 + 6 + · · ·+ 2n.
6.2 Aplicações 207
(P2) Determinar uma fórmula para a soma dos n primeiros números
ímpares, isto é,
si(n) := 1 + 3 + 5 + · · ·+ 2n− 1.
Para induzir ambas as fórmulas, primeiro fazemos os cálculos para
vários valores de n, os quais apresentamos na seguinte tabela.
n 1 2 3 4 5 · · ·sp(n) 2 = 1 · 2 6 = 2 · 3 12 = 3 · 4 20 = 4 · 5 30 = 5 · 6 · · ·si(n) 1 = 12 4 = 22 9 = 32 16 = 42 25 = 52 · · ·
Os resultados na tabela sugerem que sp(n) = n(n + 1) e que
si(n) = n2. Entretanto, isto não constitui por si só uma prova ri-
gorosa destas fórmulas, pois para poder garantir a veracidade delas
utilizando a tabela teríamos que vericar cada valor de n natural,
sendo isto impossível. Provaremos agora que, de fato, as fórmulas
induzidas são válidas usando o método de indução nita.
Exemplo 6.3. Demonstre que para qualquer n ∈ N é válida a igual-
dade:
2 + · · ·+ 2n = n(n+ 1).
Solução. Denamos a proposição
p(n) : 2 + · · ·+ 2n = n(n+ 1)
e observemos que a mesma vale para n = 1 (base da indução); de fato
p(1) : 2 = 1(1 + 1).
Agora partimos para a prova do passo indutivo:
208 6 Indução Matemática
• Hipótese: suponhamos que p(k) é verdadeira para um certo k >
1, k ∈ N.
• Tese: devemos mostrar que p(k + 1) também é verdadeira.
Com efeito, como
2 + · · ·+ 2k = k(k + 1),
somando 2(k + 1) a ambos os lados desta igualdade, temos que
2 + · · ·+ 2k + 2(k + 1) = k(k + 1) + 2(k + 1)
= (k + 2)(k + 1).
Esta última igualdade arma que p(k + 1) também é verdadeira. O
Princípio de Indução nos garante que p(n) é verdadeira para qualquer
n ∈ N.
Exemplo 6.4. Demonstre que para qualquer n ∈ N é válida a igual-
dade:
1 + 3 + 5 + · · ·+ 2n− 1 = n2.
Solução. Aqui denimos a proposição:
p(n) : 1 + 3 + 5 + · · ·+ 2n− 1 = n2
e notamos que a mesma é válida se tomarmos, por exemplo, n = 1.
De fato,
p(1) : 1 = 2 · 1− 1.
Agora só resta provar o passo indutivo:
• Hipótese: suponhamos que p(k) seja verdadeira para um certo
k > 1, k ∈ N.
6.2 Aplicações 209
• Tese: devemos mostrar que p(k + 1) também é verdadeira.
Com efeito, como
1 + 3 + 5 + · · ·+ 2k − 1 = k2,
somando 2k + 1 a ambos os lados desta igualdade, temos que
1 + 3 + 5 + · · ·+ 2k − 1 + 2k + 1 = k2 + 2k + 1
= (k + 1)2.
O princípio de indução nos garante que p(n) é verdadeira para
qualquer n ∈ N.
Uma consequência imediata do Exemplo 6.3 é a fórmula para a
soma dos n primeiros números naturais, dada por
sn = 1 + 2 + 3 + · · ·+ n =n(n+ 1)
2. (6.1)
Com efeito, como
2 + 4 + · · ·+ 2n = n(n+ 1),
então dividindo por 2 ambos os membros da igualdade acima, obtemos
a equação (6.1).
Continuando com o mesmo raciocínio, é natural nos perguntarmos
se é possível obter uma fórmula para a soma dos n primeiros quadrados
perfeitos, ou seja, determinar qn onde:
qn = 12 + 22 + 32 + · · ·+ n2.
Para induzir a fórmula, consideramos os valores de sn e qn numa tabela:
210 6 Indução Matemática
n 1 2 3 4 5 6 · · ·sn 1 3 6 10 15 21 · · ·qn 1 5 14 30 55 91 · · ·
Aparentemente não existe nenhuma relação entre sn e qn. Mas, seconsiderarmos o quociente qn/sn, vejamos o que acontece:
n 1 2 3 4 5 6 · · ·qn/sn 3/3 5/3 7/3 9/3 11/3 13/3 · · ·
Isso nos sugere que vale a relação
qnsn
=2n+ 1
3,
logo nosso candidato para valor de qn é
qn =sn(2n+ 1)
3=n(n+ 1)(2n+ 1)
6.
Convidamos o leitor a provar a veracidade da equação acima utilizando o
Método da Indução no Exercício 1 no nal do capítulo.
6.2.2 Demonstrando Desigualdades
Apresentamos agora alguns exemplos de como usar indução para provar
desigualdades.
Exemplo 6.5. Prove que 3n−1 < 2n2para todo n ∈ N.
Solução. Denotamos por p(n) a propriedade: 3n−1 < 2n2. É claro que p(1)
é válida, pois 1 < 2. Agora supondo que P (n) é verdadeira temos que
3n = 3n−1 · 3 < 2n2 · 22n+1 = 2(n+1)2 ,
logo p(n+1) também vale. Observamos que na desigualdade acima usamos
o fato de que 3 < 22n+1 para qualquer n ∈ N.
6.2 Aplicações 211
Exemplo 6.6. Mostre que para todo número n ∈ N, n > 3, vale que 2n < n!
Demonstração. Para n = 4 a desigualdade é vericada, pois 24 = 16 < 4! =
24. Vamos assumir como hipótese de indução que a desigualdade é válida
para n ≥ 4. Então, precisamos mostrar que a mesma vale também para
n+ 1. De fato, por hipótese de indução:
2n < n! (6.2)
Como 2 < n + 1, podemos multiplicar o lado esquerdo da desigualdade
em (6.2) por 2 e o lado direito por n+1, sem alterar o sinal de desigualdade.
Logo, temos que:
2n.2 = 2n+1 < n!(n+ 1) = (n+ 1)!,
concluindo-se a demonstração.
Exemplo 6.7. Prove que, para todo n ∈ N,√
2 +
√2 +
√2 + · · ·+
√2
︸ ︷︷ ︸n−radicais
< 2.
Demonstração. Claramente a desigualdade vale para n = 1, pois√2 < 2.
Suponhamos que para certo n ∈ N a desigualdade acontece, então√
2 +
√2 +
√2 + · · ·+
√2
︸ ︷︷ ︸n−radicais
< 2.
Logo, adicionando 2 em ambos os lados desta desigualdade tem-se
2 +
√
2 +
√2 +
√2 + · · ·+
√2
︸ ︷︷ ︸n−radicais
< 2 + 2.
212 6 Indução Matemática
Tomando raiz quadrada em ambos os lados desta última desigualdade ob-
temos √√√√2 +
√
2 +
√2 +
√2 + · · ·+
√2
︸ ︷︷ ︸n+1−radicais
< 2,
como desejávamos.
6.2.3 Indução e Problemas de Divisibilidade
Agora damos alguns exemplos de problemas de divisibilidade que podem
ser mostrados utilizando o método da indução:
Exemplo 6.8. Mostre que para qualquer n ∈ N, n3+2n é sempre divisível
por 3.
Solução. Para n = 1 a armação é válida, pois 13+2·1 = 3, que obviamente
é divisível por 3.
Assumamos como hipótese indutiva que a armação vale para algum
k ∈ N, isto é,
Hipótese: k3 + 2k é divisível por 3.
Devemos mostrar que a armação também é verdadeira para k + 1, ou
seja, temos que provar que
Tese: (k + 1)3 + 2(k + 1) é divisível por 3.
Para provar isto último, usamos o fato de que
(k + 1)3 + 2(k + 1) = (k3 + 3k2 + 3k + 1) + (2k + 2);
6.2 Aplicações 213
agrupando adequadamente,
(k + 1)3 + 2(k + 1) = (k3 + 2k) + (3k2 + 3k + 3)
= (k3 + 2k)︸ ︷︷ ︸múltiplo de 3
+3(k2 + k + 1)︸ ︷︷ ︸múltiplo de 3
= múltiplo de 3,
concluindo assim a prova.
Exemplo 6.9. Mostre que a soma dos cubos de três números naturais con-
secutivos é divisível por 9.
Solução. Denamos a seguinte proposição:
p(n) : n3 + (n+ 1)3 + (n+ 2)3 é um múltiplo de nove.
Notemos que P (1) é válida, pois
13 + 23 + 33 = 1 + 8 + 27 = 36 = 9 · 4.
Precisamos provar agora o passo indutivo, isto é,
• Hipótese: P (k) é verdadeira para algum k ∈ N.
• Tese: P (k + 1) também é verdadeira.
Para provar isto, observamos que
(k+1)3 + (k+2)3 + (k+3)3 = (k+1)3 + (k+2)3 + (k3 +9k2 +27k+27).
Ordenando adequadamente, temos que o lado direito da última igualdade
se escreve como
k3 + (k + 1)3 + (k + 2)3 + (9k2 + 27k + 27)
= k3 + (k + 1)3 + (k + 2)3︸ ︷︷ ︸múltiplo de 9
+9(k2 + 3k + 3)︸ ︷︷ ︸múltiplo de 9
= múltiplo de 9,
completando assim nossa demonstração.
214 6 Indução Matemática
Muitas vezes, para conseguir mostrar que a hipótese p(n + 1) é verda-
deira, precisamos supor que p(k) é verdadeira para todo n0 ≤ k ≤ n. Isto
é a base do princípio forte da indução nita que enunciamos a seguir:
Teorema 6.10 (Princípio Forte da Indução Finita). Considere n0 um in-
teiro não negativo. Suponhamos que, para cada inteiro n ≥ n0 seja dada
uma proposição p(n) e que valem as propriedades
(a) p(n0) é verdadeira;
(b) se para cada inteiro não negativo k, com n0 ≤ k ≤ n, temos que p(k)
é verdadeira, então p(n+ 1) é também verdadeira.
Então, a proposição p(n) é verdadeira para qualquer n ≥ n0.
Utilizando o princípio forte da indução, vamos dar uma prova diferente
do teorema fundamental da aritmética da apresentada no Capítulo 3.
Exemplo 6.11 (Teorema Fundamental da Aritmética). Todo número na-
tural N maior que 1 pode ser escrito como um produto
N = p1 · p2 · p3 · · · pm, (6.3)
onde m ≥ 1 é um número natural e os pi, 1 ≤ i ≤ m são números primos.
Além disso, a fatoração em (6.3) é única se exigirmos que p1 ≤ p2 ≤ · · · ≤pm.
Solução. Para cada n ∈ N, n ≥ 2, denamos a proposição
p(n) : n é escrito de modo único como um produto de números primos.
Notemos que p(2) é verdadeira, pois 2 é um número primo.
Agora enunciemos o passo indutivo:
• Hipótese indutiva: p(k) é verdade para cada inteiro k tal que 2 ≤ k ≤n.
6.3 Indução na Geometria 215
• Tese: p(n+1) é verdade. Em outras palavras, temos que mostrar que
n+ 1 é escrito de modo único como um produto de números primos.
Faremos a prova dividindo em dois casos:
(a) Se n + 1 é um número primo, então p(n + 1) é verdade e isto acaba
nossa demonstração.
(b) Se n + 1 não é um número primo, então existem α, β ∈ N com 2 ≤α ≤ n e 2 ≤ β ≤ n tais que n+ 1 = α · β.Nossa hipótese indutiva é válida para α e β. Isto signica que α se
escreve de modo único como um produto de números primos e que β
se escreve de modo único um produto de números primos. Portanto,
n+ 1 = α · β se escreve como um produto de números primos.
Agora mostraremos que n+1 se escreve de modo único como produto
de primos. Assuma que
p1p2 . . . pk = q1q2 . . . qm = n+ 1, (6.4)
com p1 ≤ p2 ≤ · · · ≤ pk e q1 ≤ q2 ≤ · · · ≤ qm todos primos. Vamos
mostrar que necessariamente k = m e pi = qi.
De fato, como p1 é primo, ele divide algum qi. Logo, como qi é primo,
p1 = qi ≥ q1. Analogamente, existe um j tal que q1 = pj ≥ p1. Logo,p1 = q1. Cancelando p1 em ambos os lados da equação (6.4), temos
que (n + 1)/p1 = p2 . . . pk = q2 . . . qm ≤ n. Logo, por hipótese de
indução, k = m e p2 = q2, . . . , pm = qm, encerrando a demonstração.
6.3 Indução na Geometria
Tratamos aqui alguns exemplos que mostram a utilidade do método de
indução na resolução de problemas geométricos. Vamos começar estudando
216 6 Indução Matemática
duas propriedades importantes dos polígonos. A primeira delas trata da
soma dos ângulos internos de um polígono convexo de n lados (n-ágono).
Um polígono convexo é um polígono tal que qualquer segmento de reta
que liga dois de seus pontos está contido no interior dele. No caso de
polígonos, isto é equivalente ao fato de que todo segmento que liga dois
vértices ou é uma aresta ou está contido no interior do polígono.
Exemplo 6.12. Mostre que a soma dos ângulos internos de um polígono
convexo de n lados (n ≥ 3) é igual a (n− 2)π radianos.
Solução. No caso de n = 3 a propriedade acima é muito bem conhecida.
Desde Tales de Mileto e Euclides se conhecia que a soma dos ângulos internos
de um triângulo é π radianos. Façamos mais um caso, tomando n = 4. Neste
caso, podemos dividir um quadrilátero em dois triângulos, como mostra a
Figura 6.1 (a). Assim, a soma dos ângulos internos de um quadrilátero é
2π radianos.
A1 A2
A3
A4
(a) A1 A2
A3
A4
A5 (b)Figura 6.1: Dividindo polígonos
Para elucidar o processo de indução e não deixar dúvidas sobre o que
iremos fazer, vamos considerar mais um polígono, o pentágono (n = 5).
Neste caso, para mostrar que a soma dos seus ângulos internos é (5−2)π =
3π radianos, iremos dividir o pentágono A1A2A3A4A5 em um quadrilátero
A1A2A3A4 e um triângulo A1A4A5, como mostra a Figura 6.1 (b). Assim,
6.3 Indução na Geometria 217
a soma dos ângulos internos do pentágono A1A2A3A4A5 é igual à soma dos
ângulos internos do triângulo A1A4A5 (igual a π) mais a soma dos ângulos
internos do quadrilátero A1A2A3A4 (igual a 2π), ou seja, é igual a 3π.
Finalmente, vamos assumir como hipótese de indução que para um certo
n ≥ 3 mostramos que a soma dos ângulos internos do n-ágono é dada pela
expressão (n − 2)π. Precisamos mostrar que a soma dos ângulos internos
de um n + 1-ágono é [(n + 1) − 2]π = (n − 1)π. De fato, podemos repetir
o processo anterior. Vamos denominar de A1, A2, . . . , An, An+1 os vértices
consecutivos do (n+1)-ágono. Podemos dividi-lo no n-ágono A1A2 . . . An e
no triângulo A1An+1An. Logo, a soma dos ângulos internos do (n+1)-ágono
é (n− 2)π + π = (n− 1)π.
Exemplo 6.13. Mostre que o número de diagonais de um polígono convexo
de n-lados é igual a n(n−3)2
.
Solução. Observe que para n = 3 temos que existem 0 = 3.(3 − 3)/2 dia-
gonais num triângulo. Para n = 4, temos 2 = 4(4 − 3)/2 diagonais num
quadrilátero convexo (veja a Figura 6.2).
Vamos agora assumir como hipótese de indução que se n é um n-
ágono convexo então o seu número de diagonais é n(n− 3)/2 e vamos pro-
var que a fórmula vale para um (n + 1)-ágono convexo. De fato, denote
por A1, A2, . . . , An, An+1 os vértices consecutivos do n + 1-ágono. Pode-
mos decompô-lo como a união do n-ágono A1, A2, . . . , An e do triângulo
A1, An, An+1. Neste caso, para contarmos as diagonais do (n + 1)-ágono
devemos considerar os seguintes casos:
• Diagonais do n-ágono A1, A2, . . . , An; por hipótese de indução, o nú-
mero dessas diagonais é n(n− 3)/2.
• n− 2 diagonais que partem do vértice An+1 mais a diagonal A1An.
Assim, o número total de diagonais do (n+ 1)-ágono é
n(n− 3)
2+(n−2)+1 =
n2 − 3n+ 2n− 2
2=n2 − n− 2
2=
(n+ 1)(n− 2)
2,
218 6 Indução Matemática
como queríamos demonstrar.
A1 A2
A3
A4
(a) A1 A2
A3
A4
A5 (b)Figura 6.2: Diagonais de polígonos
Exemplo 6.14. Mostre que podemos cobrir os n2 pontos no reticulado a
seguir traçando 2n− 2 segmentos de reta sem tirar o lápis do papel.
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
︸ ︷︷ ︸n×n−pontos
Figura 6.3: O problema de bar n× n
6.3 Indução na Geometria 219
Solução. O caso n = 3 já foi enunciado no Problema 1.12 do Capítulo 1. A
gura a seguir mostra a solução, onde o caminho realizado com as 4 linhas
é o seguinte: A→ B → C → D → B.
• • •
• • •
• • •A
B
C
D
Figura 6.4: Solução do problema de bar 3× 3
Daremos a prova do problema acima por indução. Para isso, veja que
podemos resolver o caso n = 4 continuando a solução do caso n = 3. Como
paramos num dos vértices do quadrado 3×3, acrescentamos mais uma linha
e uma coluna para obter um reticulado 4×4. Assim, conseguimos cobrir os
16 pontos utilizando 4+ 2 = 6 linhas, sem tirar o lápis do papel e cobrindo
dois lados do quadrado, como mostram as linhas descontínuas na Figura
6.5.
• • •
• • •
• • •
•
•
•
••••A
B
C
D
Figura 6.5: Completando o reticulado
220 6 Indução Matemática
Finalmente, vamos assumir como hipótese de indução que podemos co-
brir n ≥ 2 um reticulado n×n com 2n− 2 linhas, sendo que a última delas
cobre um dos lados do reticulado. Acrescentando 2n+1 pontos como mostra
a Figura 6.5, obtemos um reticulado (n+1)× (n+1) que pode ser coberto
com 2n− 2 + 2 = 2(n+ 1)− 2 pontos, como queríamos demonstrar.
6.4 Miscelânea
Nesta seção discutiremos alguns exemplos interessantes de como podemos
aplicar o método da indução aos mais variados tipos de problemas. O
primeiro deles é uma generalização do Problema 1.8.
Exemplo 6.15 (A Moeda Falsa). Um rei muito rico possui 3n moedas de
ouro. Porém, uma destas moedas é falsa e seu peso é menor que o peso das
demais. Com uma balança de 2 pratos e sem nenhum peso, mostre que é
possível encontrar a moeda falsa com apenas n pesagens.
Solução. Para resolver este problema, vamos utilizar o Método da Indução.
De fato, se n = 1, procederemos da seguinte forma: pegamos duas moedas
quaisquer e colocamos na balança, deixando uma do lado de fora. Caso a
balança se equilibre, a moeda que está do lado de fora é necessariamente a
que tem menor peso. Caso a balança se desequilibre, a que tem menor peso
está na balança, no prato mais alto. O caso n = 2 foi feito no Problema
1.8.
Vamos agora assumir como hipótese de indução que dadas 3n moedas,
podemos achar a moeda mais leve com n pesagens. Vamos mostrar que
para 3n+1 moedas, é suciente n + 1 pesagens. De fato, dividiremos as
3n+1 moedas em 3 grupos, A,B e C com 3n moedas cada. Colocamos na
balança os grupos A e B. Caso os dois grupos se equilibrem, a moeda mais
leve está no grupo C. Caso o grupo A esteja mais leve, a moeda mais leve se
encontra no grupo A. De qualquer modo, com uma pesagem conseguimos
6.4 Miscelânea 221
determinar em qual grupo de 3n elementos a moeda mais leve se encontra.
Por hipótese de indução, precisamos de mais n pesagens para encontrar a
moeda mais leve, totalizando n+1 pesagens. Desaamos o leitor a mostrar
que não é possível realizar tal tarefa com menos de n pesagens.
Exemplo 6.16. Mostre que utilizando um balde com 5 litros de capacidade
e outro com 7 litros, é possível separar qualquer quantidade superior ou igual
a 24 litros.
Solução. Novamente, faremos a prova utilizando o Método da Indução.
Neste caso, começaremos o processo de indução a partir de 24. De fato,
podemos separar 24 litros utilizando duas vezes o balde de 7 e duas vezes o
balde de 5 litros. Note que o problema acima equivale a mostrar que
Todo número maior ou igual a 24 pode ser escrito da forma
7x + 5y, onde x e y são números inteiros maiores ou iguais a
zero.
Neste caso, escrevemos 24 como 24 = 2 · 7 + 2 · 5. Por hipótese de
indução, vamos supor que conseguimos escrever um número n ≥ 24 como
n = 7x+5y, com x e y números inteiros maiores ou iguais a zero. Devemos
mostrar que n+ 1 se escreve deste modo também. Para isso, vamos dividir
a análise em dois casos:
Caso 1: y ≤ 3
Logo, x ≥ 2 pois se isso não ocorresse, teríamos 7x + 5y ≤ 22 < 24, o
que é impossível. Assim, podemos escrever:
n+ 1 = 7x+ 5y + 1 = 7(x− 2) + 5(y + 3),
pois x− 2 ≥ 0.
Caso 2: y ≥ 4
222 6 Indução Matemática
Neste caso, y − 4 ≥ 0. Logo, podemos escrever:
n+ 1 = 7x+ 5y + 1 = 7(x+ 3) + 5(y − 4),
nalizando a nossa prova por indução.
6.4.1 Cuidados ao Usar o Princípio da Indução
Observação 6.17. Quando aplicamos o princípio da indução devemos to-
mar certos cuidados. A seguir damos um exemplo de como o método pode
ser aplicado de forma errada. Vamos mostrar a seguinte armação:
Armação: Num conjunto qualquer de n bolas, todas as bolas
possuem a mesma cor.
Observe que nossa proposição é claramente falsa. Mas, mesmo assim, vamos
dar uma prova por indução.
Para n = 1, nossa proposição é verdadeira pois em qualquer conjunto
com uma bola, todas as bolas têm a mesma cor, pois só existe uma bola. As-
suma por hipótese de indução que a proposição é verdadeira para n e prove-
mos que a proposição é verdadeira para n+1. Ora, seja A = b1, . . . , bn, bn+1o conjunto com n + 1 bolas referido. Considere os subconjuntos de B e C
de A com n elementos, construídos como:
B = b1, b2, . . . , bn e C = b2, . . . , bn+1
Observe que ambos os conjuntos têm n elementos. Assim, as bolas
b1, b2, . . . , bn do conjunto B têm a mesma cor. Do mesmo modo, as bo-
las do conjunto C têm a mesma cor. Em particular, a bola bn tem a mesma
cor da bola bn+1. Assim, todas as bolas têm a mesma cor. Ache o erro no
argumento! Se você não conseguir, leia a nota de rodapé. 1
1Uma dica da solução encontra-se no nal do capítulo.
6.5 Indução e Recorrências 223
6.5 Indução e Recorrências
Vamos começar esta seção discutindo um problema muito conhecido e inte-
ressante.
Exemplo 6.18 (As Torres de Hanói2). Diz uma antiga lenda que na origem
dos tempos, em um templo de Hanói, foram colocados 64 discos perfurados
de ouro puro e de diâmetros diferentes ao redor de uma de três hastes de
diamante. Muitos sacerdotes moviam os discos, respeitando as seguintes
regras: eles começam empilhados em ordem crescente de acordo com seu
tamanho (ver Figura 6.6). Os discos podem ser deslocados de uma coluna
para qualquer outra, sendo que nunca pode ser colocado um disco maior em
cima de um menor e a cada segundo os sacerdotes movem um disco.
Quando os sacerdotes transportassem todos os discos de uma coluna para
outra, o mundo se acabaria. Suponha que eles começaram esse processo no
ano 2000 e que a lenda é verdadeira, quanto tempo ainda resta para a Terra?
Figura 6.6: Torre de Hanói
Para responder esse problema, consideraremos o problema geral de des-
cobrir quantos movimentos são necessários para mover n anéis de uma haste
para outra. Argumentaremos do seguinte modo: observe que podemos mover
os discos para outra haste se n = 1 ou 2. Com efeito, se temos somente um
anel basta mover este para qualquer outra haste com um único movimento.
2Este jogo foi inventado, em 1882, pelo matemático Francês Édouard Lucas.
224 6 Indução Matemática
Se temos 2 anéis então movemos o menor deles para a segunda haste, o
maior para a terceira haste e, nalmente, o menor para a terceira haste,
realizando um total de 3 movimentos. Para calcular o caso geral, vamos
empregar um método chamado de método recursivo: o número ak+1 de mo-
vimentos necessários para mover k+1 anéis será expresso como uma função
de ak.
De fato, se temos k+1 anéis na primeira haste e sabemos mover k anéis
de uma haste para outra utilizando ak movimentos, então podemos mover
todos os k + 1 anéis para a segunda haste usando 2ak + 1 movimentos.
De fato, movemos todos eles, exceto o maior, para a terceira haste usando
ak movimentos. A seguir, colocamos o maior na segunda haste usando 1
movimento. Imediatamente, deslocamos todos os anéis da terceira haste
para a segunda haste usando mais ak movimentos. Logo, movemos todos os
k + 1 anéis utilizando 2ak + 1 movimentos. Em resumo:
ak+1 = 2ak + 1, (6.5)
onde ak é o número de movimentos necessários para mover k discos de uma
haste para outra. Vamos agora usar indução para provar que ak = 2k − 1.
Uma vez constatada a veracidade da armação para k = 1, 2, para
calcular ak, por hipótese de indução, vamos assumir que ak = 2k−1. Temos
pela equação (6.5):
ak+1 = 2ak + 1 = 2(2k − 1)− 1 = 2k+1 − 1.
como queríamos demonstrar.
Vamos aproveitar o Exemplo 6.18 para discutir algumas equações que
aparecem em muitas situações em Matemática: as equações de recorrência.
Em geral, uma equação de recorrência é uma equação envolvendo uma
certa quantidade de termos de sequência xn. Para ilustrar isso, observe
a equação (6.5). Aqui, estaremos interessados em um tipo particular de
equação de recorrência, as equações de recorrência lineares.
6.5 Indução e Recorrências 225
Denição 6.19. Uma equação de recorrência linear de grau k é uma ex-
pressão da forma:
xn+1 =rk−1xn + rk−2xn−1 + · · ·+ r0xn−k+1
x1 = a1, x2 = a2, . . . , xk = ak,(6.6)
onde r0, r1, . . . , rk−1 são números reais e r0 6= 0.
Por exemplo, são equações de recorrência lineares as seguintes equações
2xn − 3xn+1 = 0 e − 3xn +2
3xn+1 = 5xn+2
e não são equações de recorrência lineares as equações
2(xn)3 − 5xn+1 = 0 e − 3xn +
2
3xn+1 = 5xn+2 + 3.
Exemplo 6.20 (Sequência de Fibonacci). Um exemplo muito interessante
de equação de recorrência é a sequência conhecida por sequência de Fibo-
nacci, devido ao matemático italiano Leonardo di Pisa (1170-1250). Esta
sequência adquiriu muita fama devido a suas conexões com áreas das mais
variadas na cultura humana. Ela aparece em problemas de Biologia, Ar-
quitetura, Engenharia, Física, Química e muitos outras áreas da ciência e
arte.
Denimos a sequência de Fibonacci como sendo a sequência Fn que
satisfaz a seguinte equação de recorrência:
F1 = 1;
F2 = 1;
Fn = Fn−1 + Fn−2, se n ≥ 3.
Agora vamos utilizar indução para mostrar algumas de suas proprieda-
des.
226 6 Indução Matemática
Exemplo 6.21. Considere Fn a sequência de Fibonacci. Mostre que
Fn <
(7
4
)n.
Solução. Denamos a proposição p(n) := Fn <(74
)n. Para n = 1 temos
que F1 = 1 < 74 , de modo que p(1) é verdadeira. Suponhamos que
p(1), p(2), . . . , p(n),∀n ≥ 2,
sejam todas verdadeiras. Mostraremos que Fn+1 <(74
)n+1. Com efeito,
Fn+1 = Fn + Fn−1 <(74
)n+(74
)n−1
< 74
(74
)n−1+(74
)n−1
<(1 + 7
4
) (74
)n−1.
Como(1 + 7
4
)<(74
)2, segue-se que Fn+1 <
(74
)2 (74
)n−1. Portanto,
Fn+1 <(74
)n+1.
Exemplo 6.22. Dada a seguinte relação de recorrência
a0 = 8;
a1 = 10;
an = 4an−1 − 3an−2, ∀n ≥ 2.
Mostre que an = 7 + 3n, para todo n ∈ Z+.
Solução. Denamos a proposição P (n) : an = 7 + 3n. P (0) é verdadeira,
pois P (0) = 7 + 30 = 7 + 1 = 8. Suponhamos que P (k) é verdadeiro para
cada inteiro k tal que 1 ≤ k ≤ n. Vamos mostrar que P (k) é verdade para
6.5 Indução e Recorrências 227
k = n+ 1. Com efeito,
an+1 = 4an − 3an−1
= 4(7 + 3n)− 3(7 + 3n−1)
= 7 + 4× 3n − 3× 3n−1
= 7 + 3n−1(4× 3− 3
)
= 7 + 3n−1(9)= 7 + 3n−1 × 32
= 7 + 3n+1.
Vamos agora discutir o caso geral da equação de recorrência linear (6.6).
Para isso, vamos fazer algumas observações preliminares que deixaremos a
cargo do leitor:
• se an e bn são soluções da equação (6.6), então an + bn também é
solução;
• se an é solução da equação (6.6) e α é um número real, então αantambém é solução.
Com isto em mente, vamos descrever agora como obter todas as soluções
xn da equação (6.6) em função de n. Observe que dados os termos iniciais
a1, a2, . . . , ak a sequencia xn ca inteiramente determinada pela equação de
recorrência. O interessante aqui é determinar o termo xn+1 sem que seja
preciso o cálculo dos termos xn, xn−1, . . . , xn−k+1.
Vamos primeiro procurar o que se chama de solução particular da equa-
ção (6.6). Particular porque ela assume uma forma característica e porque
não assumiremos que as condições x1 = a1, . . . , xk = ak valham.
Vamos procurar soluções do tipo xn = λn, onde λ é um número real
positivo. Neste caso, temos que:
λn+1 = xn+1 =rk−1xn + rk−2xn−1 + · · ·+ r0xn−k+1
= rk−1λn + rk−2λ
n−1 + · · ·+ r0λn−k+1.
228 6 Indução Matemática
Passando os termos do lado direito da igualdade e colocando em evi-
dência o termo λn−k+1 temos:
λn−k+1(λk − rk−1λk−1 − rk−2λk−2 − · · · − r0
)= 0. (6.7)
Assim, como λk 6= 0, pois λ > 0, temos que
λk − rk−1λk−1 − rk−2λk−2 − · · · − r0 = 0. (6.8)
O polinômio
p(λ) = λk − rk−1λk−1 − rk−2λk−2 − · · · − r0
recebe o nome especial de polinômio característico da equação de recorrên-
cia (6.6). Acabamos de mostrar que qualquer raiz do polinômio caracterís-
tico gera uma solução particular da equação (6.6).
Vamos assumir que a equação (6.8) possui k raízes diferentes, digamos
λ1 > λ2 > · · · > λk. Então vale o seguinte teorema:
Teorema 6.23. Se escolhermos números reais c1, c2, . . . , ck, então
xn = c1λn1 + c2λ
n2 + · · ·+ ckλ
nk (6.9)
é uma solução da equação de recorrência, onde os termos iniciais ai para
i = 1, 2, . . . , k são:
ai = c1λi1 + c2λ
i2 + · · ·+ ckλ
ik.
Demonstração. Para mostrar o teorema, como x1 = a1, . . .xk = ak pela
denição dos ai's, basta mostrar que xn é uma solução.
Ora, o produto de uma solução por um número real também é uma
solução. Assim, como λni é uma solução para i = 1, 2, . . . , k e ci é um
6.6 Exercícios 229
número real, temos que ciλni é solução para i = 1, 2, . . . , k. Como já vimos
acima, a soma de soluções é também uma solução. Logo,
xn = c1λn1 + c2λ
n2 + · · ·+ ckλ
nk
é uma solução.
Neste ponto, voltamos a equação (6.6). Desde o princípio, dados os
números ai buscávamos a solução xn tal que x1 = a1, . . . , xk = ak. A
Equação (6.9) nos dá uma variedade de soluções, onde podemos escolher
os números ci como bem entendermos. Usando equações lineares, podemos
mostrar que sempre é possível escolher os números ci de modo que x1 =
a1, . . . , xk = ak. Isso encerra nossa busca. Para complementar esta seção,
recomendamos a leitura do Capítulo 3 de [4].
6.6 Exercícios
1. Se qn denota a soma qn = 12 + 22 + · · · + n2, prove que para todo
n ∈ Nqn =
n(n+ 1)(2n+ 1)
6.
2. Use o princípio da indução para provar as seguintes armações:
(a) 3n+1 + 2n+2 é divisível por 7 para todo n ∈ N;
(b) a soma dos cubos de três números naturais consecutivos é divi-
sível por 9;
(c) 7 + 77 + 777 + · · ·+ 777 . . . 7︸ ︷︷ ︸n−vezes
= 7(10n+1 − 9n− 10)/81;
(d) (n+ 1)(n+ 2) . . . (n+ n) = 2n · 1 · 3 · 5 · · · (2n− 1).
3. Use o princípio da indução para provar as seguintes desigualdades:
230 6 Indução Matemática
(a) 2n−1(an + bn) > (a + b)n, ∀n ∈ N, com a, b ∈ R, a + b > 0 e
a 6= b;
(b)1√1+
1√2+
1√3+ · · ·+ 1√
n>√n, para todo n ∈ N;
(c)1
n+ 1+
1
n+ 2+
1
n+ 3+ · · ·+ 1
2n>
13
24, para todo n ∈ N.
4. Mostre a seguinte identidade trigonométrica
cosx+2 cos 2x+ · · ·+n cosnx =(n+ 1) cosnx− n cos(n+ 1)x− 1
4 sin2 x2.
5. Um torneio de xadrez tem n jogadores. Cada jogador joga uma única
partida com cada um dos outros jogadores. Calcule o número total
de partidas realizadas no torneio.
6. Demonstre que para qualquer n ∈ N é válida a igualdade
13 + 23 + 33 + · · ·+ n3 =
[n(n+ 1)
2
]2.
7. Demonstre que para qualquer n ∈ N é valida desigualdade
an =
(1 +
1
n
)n< 3.
8. Prove que, para todo n ∈ N e a > 0,√
a+
√a+
√a+ · · ·+√a
︸ ︷︷ ︸n−radicais
<1 +√4a+ 1
2.
9. Mostre que para qualquer número natural n ≥ 0, 11n+2 + 122n+1 é
sempre divisível por 133.
10. Mostre que para todo n ∈ Z+ temos que 32n+1 +2n+2 é um múltiplo
de 7.
6.6 Exercícios 231
11. Mostre que para todo n ∈ Z+ temos que 32n+2+26n+1 é um múltiplo
de 11.
12. Considere Fn a sequência de Fibonacci . Mostre que
Fn =1√5
(1 +√5
2
)n− 1√
5
(1−√5
2
)n.
13. Mostre as seguintes propriedades a respeito da sequência de Fibonacci
Fn:
(a)n∑
i=1
Fi = Fn+2 − 1; (b)n∑
i=1
F2i−1 = F2n;
(c)n∑
i=1
F2i = F2n+1 − 1; (d) Fn−1Fn+1 − F 2n = (−1)n.
14. De quantas formas diferentes podemos cobrir um tabuleiro de 2 ×n com peças de dominós que cobrem exatamente duas celas do ta-
buleiro?
15. Calcular o número de regiões em que o plano é dividido por n retas
distintas em cada uma das seguintes situações:
(a) as n retas são concorrentes;
(b) não existem duas retas paralelas nem três retas concorrentes.3
16. Dizemos que uma gura é enquadrável com régua e compasso, se a
partir dela é possível, utilizando apenas régua e compasso, construir
um quadrado de mesma área. Prove que:
3Até onde sabemos, este problema é conhecido como a pizza de Steiner, o qual
foi resolvido, em 1826, pelo notável geômetra Jacob Steiner (1796-1863).
232 6 Indução Matemática
(a) um triângulo é sempre enquadrável;
(b) um polígono qualquer é enquadrável.
Sugestão para o item (b): Utilize indução dividindo a gura em tri-
ângulos.
17. Dê uma resposta à situação á Observação 6.17.
Sugestão: Observe a validade do argumento quando o conjunto A tem
2 elementos. Veja que B e C não se intersectam. Ou seja, o passo
indutivo falha de n = 1 para n = 2.
Referências Bibliográcas
[1] AIGNER, M. e ZIEGLER, G. (2002). As Provas estão no
Livro. Edgard Blücher.
[2] GARCIA, A. e LEQUAIN, I. (2003). Elementos de Álgebra.
Projeto Euclides, IMPA.
[3] LIMA, E. L.; CARVALHO, P. C. P.; WAGNER, E. e MOR-
GADO, A.C. (2004). A Matemática do Ensino Médio. Volume
1. Sociedade Brasileira de Matemática.
[4] LIMA, E.L.; CARVALHO, P. C. P.; WAGNER, E. e MOR-
GADO, A.C. (2004). A Matemática do Ensino Médio. Volume
2. Sociedade Brasileira de Matemática.
[5] LIMA,E.L.; CARVALHO,P. C. P.; WAGNER,E. e MOR-
GADO,A.C. (2004). A Matemática do Ensino Médio. Volume
3. Sociedade Brasileira de Matemática.
[6] LIMA, E.L.; CARVALHO, P. C. P.; WAGNER,E. e MOR-
GADO, A.C. (2001). Temas e Problemas. Sociedade Brasileira
de Matemática.
[7] LIMA, E.L. (2001). Álgebra Linear. Sociedade Brasileira de
Matemática.
285
286 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
[8] MORAIS FILHO, D. C. (2007). Um Convite à Matemática.
EDUFCG.
[9] MORGADO, A.; CARVALHO, J.; CARVALHO, P.; FER-
NANDEZ, P. (1991). Análise Combinatória e Probabilidade .
Sociedade Brasileira de Matemática.
[10] RIBENBOIM, P. (2001). Números Primos: Mistérios e Re-
cordes. Sociedade Brasileira de Matemática.
[11] SANTOS, J. P. O. (1993) Introdução à Teoria dos Números.
IMPA.
[12] SANTOS, J. P. O.; MELLO, M. P. e MURARI, I. T. C.
(2006). Introdução à Análise Combinatória. Editora Unicamp.
[13] SOARES, M. G. (2005). Cálculo em uma Variável Complexa.
Sociedade Brasileira de Matemática.
Mestrado Profissional
em Matemática em Rede Nacional
Iniciação à Matemática
Autores:
Krerley Oliveira Adán J. Corcho
Unidade IV:
Capítulos VII e VIII
7
Desigualdades
Existem duas formas de fazer ótima Matemáti a. A primeira é sermais esperto que todo mundo. A segunda é ser mais estúpido quetodo mundo mas persistente. Raoul BottNeste capítulo estudaremos algumas desigualdades clássicas que
são usadas frequentemente na resolução de problemas matemáticos,
sendo estas aplicadas em contextos que variam desde o nível mais
simples até o mais complexo.
Uma vez que uma inequação em uma ou mais variáveis é resolvida,
o resultado dá lugar a uma desigualdade que é válida para um certo
conjunto de valores. Alguns exemplos simples de desigualdades são os
seguintes:
(a) x ≤ |x|, para qualquer −1 < x < 1;
(b) x2 < x, se x < 1;
(c) (x− y)2 ≥ 0, para quaisquer x e y reais;
(d) xy
+ yx≥ 2, para quaisquer x, y > 0.
233
234 7 Desigualdades
7.1 Desigualdade Triangular
A desigualdade triangular arma o seguinte
Teorema 7.1 (Desigualdade Triangular). Dado um triângulo ABC o
comprimento de um dos lados é sempre inferior à soma dos compri-
mentos dos outros dois lados, ou seja,
AB < AC + CB, AC < AB +BC e BC < BA+ AC.
A B
C
Figura 7.1: Desigualdade Triangular
Em outras palavras, a desigualdade triangular é a formulação ma-
temática da ideia intuitiva de que o caminho reto é mais curto entre
os pontos A e B.
Em analogia com a geometria plana temos uma versão da desigual-
dade triangular para números reais, que provamos a seguir.
Proposição 7.2. Sejam a e b números reais quaisquer, então
|a+ b| ≤ |a|+ |b|.
Demonstração. Se a + b ≥ 0, então |a + b| = a + b ≤ |a| + |b|. Caso
contrário, se a+ b < 0, então |a+ b| = −a− b ≤ |a|+ |b|.
7.1 Desigualdade Triangular 235
Corolário 7.3. As seguintes desigualdades valem
|a− b| ≤ |a|+ |b| (7.1)
|a− b| ≥ |a| − |b|, (7.2)
|a− b| ≥∣∣|a| − |b|∣∣ (7.3)
Demonstração. Para a primeira, escrevemos |a − b| = |a + (−b)| ≤|a| + | − b| = |a| + |b|. A segunda desigualdade decorre de |a| =
|b+ (a− b)| ≤ |b|+ |a− b|. A última desigualdade é consequência da
segunda, trocando os papéis de a e b.
A
B
C
D
O•
•P
Figura 7.2: Problema da central de energia
Exemplo 7.4. Quatro cidades rurais, A, B, C e D, estão situadas
geogracamente formando um quadrilátero convexo. Deseja-se cons-
truir uma central de distribuição de energia para as quatro cidades de
modo que a soma total das distâncias da central a cada uma das quatro
cidades seja a mínima possível. Onde deverá ser construída a central?
Solução. Mostraremos que a central de energia deverá ser colocada
no ponto O de intersecção das diagonais do polígono ABCD. Com
236 7 Desigualdades
efeito, considerando um ponto P , diferente de O, (veja Figura 7.2) a
desigualdade triangular nos garante que
OA+OC = AC < PA+ PC
e
OB +OD = BP < PB + PD,
de onde se segue que
OA+OC +OB +OD < PA+ PC + PB + PD,
como esperávamos.
Exemplo 7.5. Duas torres de alturas h1 e h2, respectivamente, estão
separadas a uma distância d. As torres são amarradas por uma corda
APB que vai do topo A da primeira torre para um ponto P no chão,
entre as torres, e então até o topo B da segunda torre, como na Figura
7.3. Qual a posição do ponto P que nos dá o comprimento mínimo da
corda a ser utilizada?
A
B
P
Figura 7.3: Problema das Torres
7.1 Desigualdade Triangular 237
Solução. Imaginemos que a superfície do chão é um espelho e que re-
etimos o ponto através deste, obtendo assim o ponto B′ como mostra
a Figura 7.4.
A
B
PC D
B′
P ′
Figura 7.4: Solução geométrica do problema das torres
Consideremos o segmento AB′ que intercepta o chão no ponto P
e para nossa surpresa vericaremos que este é o ponto que nos dá o
comprimento mínimo das cordas. Com efeito, suponhamos que existe
outro P ′ situado entre as torres que nos dá um comprimento menor
para a corda, então da Figura 7.4 é fácil ver que os triângulos BPD
e B′PD são congruentes, assim como os triângulos BP ′D e B′P ′D
também são congruentes. Logo, as seguintes igualdades seguem dire-
tamente das congruências:
BP = B′P e BP ′ = B′P ′.
Agora, usando a desigualdade triangular no triângulo AB′P ′ e as igual-
dades acima, temos que
AP ′ + P ′B = AP ′ + P ′B′ ≥ AB′ = AP + PB′ = AP + PB,
238 7 Desigualdades
chegando assim à conclusão de que AP + PB nos oferece o compri-
mento mínimo desejado.
Agora calcularemos a que distância está P da base D. Lembremos
que AC = h1, BD = h2 e CD = d e observamos que
tang(]BPD) =h2PD
=h1
d− PD.
Daí tem-se PD =dh2
h1 + h2.
7.2 Desigualdade das Médias
Denição 7.6. Sejam a1, a2, . . . , an−1 e an números reais positivos.
As quantidades
mh(a1, a2, . . . , an) =n
1/a1 + 1/a2 + · · ·+ 1/an, (7.4)
mg(a1, a2, . . . , an) = n√a1a2 · · · an, (7.5)
ma(a1, a2, . . . , an) =a1 + a2 + · · ·+ an
n, (7.6)
mq(a1, a2, . . . , an) =
√a21 + a22 + · · ·+ a2n
n(7.7)
são chamadas, respectivamente, de média harmônica, média geomé-
trica, média aritmética e média quadrática dos números ai, i = 1, 2, . . . , n.
A seguir provaremos alguns resultados que estabelecem relações de
desigualdades entre as médias denidas acima.
7.2 Desigualdade das Médias 239
Proposição 7.7 (Desigualdade das Médias Aritmética e Quadrática).
Dados a1, a2, . . . , an números reais positivos tem-se
a1 + a2 + · · ·+ ann
≤√a21 + a22 + · · ·+ a2n
n,
ou seja, ma(a1, a2, . . . , an) ≤ mq(a1, a2, . . . , an). Além disso, a igual-
dade vale se, e somente se, a1 = a2 = · · · = an.
Demonstração. Usando a igualdade∑1≤i<j≤n
(ai − aj)2 = (n− 1)n∑i=1
a2i − 2∑
1≤i<j≤naiaj (7.8)
concluímos que,
2∑
1≤i<j≤naiaj ≤ (n− 1)
n∑i=1
a2i , (7.9)
dado que o termo da esquerda em (7.8) é não negativo. Somando em
ambos os membros de (7.9) a quantidaden∑i=1
a2i obtemos
( n∑i=1
ai
)2≤ n
n∑i=1
a2i ,
donde, dividindo por n2 e tomando a raiz quadrada, segue-se a desi-
gualdade desejada. Por último, observamos que a igualdade em (7.9)
é atingida se, e somente se,∑
1≤i<j≤n(ai − aj)2 = 0, o que é verdade se,
e somente se, a1 = a2 = · · · = an.
Proposição 7.8 (Desigualdade das médias Geométrica e Aritmética).
Dados a1, a2, . . . , an números reais positivos tem-se
n√a1a2 · · · an ≤
a1 + a2 + · · ·+ ann
,
240 7 Desigualdades
ou seja, mg(a1, a2, . . . , an) ≤ ma(a1, a2, . . . , an). Além disso, a igual-
dade vale se, e somente se, a1 = a2 = · · · = an.
Demonstração. A prova desta desigualdade é mais técnica e exige um
pouco mais de esforço. Dividiremos a mesma em dois passos.
Passo 1. A desigualdade vale para n = 2m.
Procederemos por indução. Para n = 2 a desigualdade vale. De
fato,
(√a1 −
√a2)
2 = a1 + a2 − 2√a1a2 ≥ 0.
Assim, a1 + a2 ≥ 2√a1a2 e conseqüentemente a1+a2
2≥ √a1a2.
Agora provamos que se a desigualdade vale para n = k, então
também vale para n = 2k. Com efeito,
a1 + · · ·+ a2k2k
=a1+···+ak
k+ ak+1+···+a2k
k
2(1)
≥k√a1 · · · ak + k
√ak+1 · · · a2k
2(2)
≥√
k√a1 · · · ak k
√ak+1 · · · a2k
= 2k√a1 · · · a2k,
onde em (1) e (2) usamos a validade da desigualdade em para n = k
e para n = 2, respectivamente. Logo, como já provamos a validade
para n = 2, é claro que vale também para n = 4, 8, . . . , 2m, . . . , como
esperávamos.
Passo 2. Dado m inteiro positivo, então a desigualdade vale para
todo n < 2m.
Para vericar isto, denimos o número
L = n√a1 · · · an,
7.2 Desigualdade das Médias 241
e como a desigualdade vale para n = 2m, temos então que
a1 + · · ·+ an + L+ · · ·+ L︸ ︷︷ ︸2m−n vezes
2m≥ 2m
√a1 · · · an · L2m−n
=2m√Ln · L2m−n = L.
Portanto,a1 + · · ·+ an + (2m − n)L
2m≥ L,
logo
a1 + · · ·+ an ≥ 2mL− (2m − n)L = nL,
obtendo assim que
a1 + · · ·+ an ≥ nL = n n√a1 · · · an,
o que nos dá a desigualdade desejada.
Como para qualquer inteiro positivo n sempre existe um inteiro
positivo m tal que n < 2m, a desigualdade ca provada para todo n.
A prova de que a igualdade só ocorre quando a1 = a2 = · · · = an
pode também ser feita por indução e deixamos a cargo do leitor.
Proposição 7.9 (Desigualdade das Médias Harmônica e Geométrica).
Dados a1, a2, . . . , an números reais positivos tem-sen
1/a1 + 1/a2 + · · ·+ 1/an≤ n√a1a2 · · · an,
ou seja, mh(a1, a2, . . . , an) ≤ mg(a1, a2, . . . , an). Além disso, a igual-
dade vale se, e somente se, a1 = a2 = · · · = an.
Demonstração. Usando a Proposição 7.8 com os números ai substituí-
dos por 1/ai (i = 1, 2 . . . , n) vale que( n∏i=1
1
ai
)1/n= mg(1/a1, . . . , 1/an) ≤ ma(1/a1, . . . , 1/an) =
1
n
n∑i=1
1
ai.
242 7 Desigualdades
Invertendo esta última desigualdade, obtemos então
mh(a1, a2, . . . , an) ≤ mg(a1, a2, . . . , an),
concluindo-se assim a prova. Notemos que as igualdades só ocorrem
se 1/a1 = 1/a2 = · · · = 1/an equivalem as igualdades a1 = a2 = · · · =an.
O próximo resultado resume as relações provadas, nas proposições
7.7, 7.8 e 7.9, para as médias mh, mg, ma e mq.
Teorema 7.10 (Desigualdade das Médias). Para toda coleção de nú-
meros reais positivos a1, a2, . . . , an−1 e an se vericam as seguintes
desigualdades:
min(a1, . . . , an) ≤ mh(a1, a2, . . . , an)
≤ mg(a1, a2, . . . , an)
≤ ma(a1, a2, . . . , an)
≤ mq(a1, a2, . . . , an) ≤ max(a1, . . . , an).
(7.10)
Além disso, em cada caso a igualdade ocorre se, e somente se, a1 =
a2 = · · · = an.
Exemplo 7.11. Num triângulo retângulo a altura relativa à hipote-
nusa é sempre menor ou igual que a metade da hipotenusa. Além
disso, a igualdade só ocorre quando o triângulo retângulo é isósceles
(ou seja, seus catetos são iguais).
Solução. Usando a Figura 7.5, temos que a hipotenusa c é dada por
c = x+ y e usando o teorema das alturas para um triângulo retângulo
7.2 Desigualdade das Médias 243
temos que h2 = xy, logo h =√xy. A desigualdade entre as médias
geométrica e aritmética nos dá que
h =√xy ≤ x+ y
2=c
2,
como queríamos. Além disso, a altura é a metade da hipotenusa se, e
x yc
ha b
Figura 7.5: Interpretação geométrica da desigualdade das médias geo-
métrica e aritmética
somente se, a igualdade entre as médias ocorre, ou seja, quando x = y.
Então, os catetos a e b do triângulo são iguais, sendo este isósceles.
Exemplo 7.12 (Desigualdade Isoperimétrica para Triângulos). O pe-
rímetro de um triângulo de lados a, b e c é a soma p = a + b + c.
Entre todos os triângulos com perímetro xado p o de maior área é o
triângulo equilátero.
Solução. Usando a Fórmula de Herón temos que a área de um triân-
gulo com perímetro p é dada pela expressão
A =√
p2(p2− a)(p
2− b)(p
2− c),
onde a, b e c são os lados do triângulo.
Usando agora a desigualdade mg ≤ ma temos que,
A ≤√
p2
( p2−a+p
2−b+p
2−c
3
)3
=p2
12√
3.
244 7 Desigualdades
Logo a maior área possível é p2
12√3, a qual é atingida quando
p2− a = p
2− b = p
2− c⇔ a = b = c,
ou seja, quando o triângulo é equilátero. Notemos que neste caso,p2
12√3
= a2√3
4.
Exemplo 7.13 (Desigualdade Isoperimétrica para Paralelepípedos).
Entre todos os paralelepípedos com área lateral xada A o de maior
volume é o cubo (ou seja, o paralelepípedo com todos seus lados iguais).
a
b
c
Figura 7.6: A área lateral de um paralelepípedo de lados a, b e c é dada
por AL = 2(ab+ bc+ ac).
Solução. Denotando por a, b e c as medidas das arestas do paralele-
pípedo sabemos que é a soma das áreas de todas as faces do paralele-
pípedo, ou seja,
AL = 2(ab+ ac+ bc).
Sendo V o volume do paralelepípedo e usando a desigualdade entre as
médias aritmética e geométrica temos que
V 2 = ab · ac · bc ≤(ab+ ac+ bc
3
)3
=
(AL6
)3
. (7.11)
Assim, o maior volume possível é V =
√(AL
6
)3, obtido quando ab =
ac = bc, consequentemente a = b = c.
7.3 Desigualdade de Cauchy-Schwarz 245
7.3 Desigualdade de Cauchy-Schwarz
Teorema 7.14 (Desigualdade de Cauchy-Schwarz). Dados a1, . . . ,
an e b1, . . . , bn números reais tem-se
|a1b1 + · · ·+ anbn| ≤√x21 + · · ·+ a2n
√b21 + · · ·+ b2n (7.12)
Além disso, a igualdade só ocorre se existir um número real α, tal que
a1 = αb1, . . . , an = αbn ou b1 = αa1, . . . , bn = αan.
Demonstração. Usando a identidade de Lagrange:
n∑i=1
a2i
n∑i=1
b2i =( n∑i=1
aibi
)2+
∑1≤i<j≤n
(aibj − ajbi)2
temos que ( n∑i=1
aibi
)2≤
n∑i=1
a2i
n∑i=1
b2i ,
de onde se obtém diretamente a desigualdade de Cauchy-Schwarz.
Além disso, a igualdade ocorre se, e somente se,∑1≤i<j≤n
(aibj − ajbi)2 = 0⇐⇒ aibj − ajbi = 0, 1 ≤ i < j ≤ n,
o que é verdade se, e somente se, existe α tal que ai = αbi ou bi = αai,
com i = 1, 2, . . . , n.
Exemplo 7.15. Entre todos os triângulos retângulos de catetos a e b
e hipotenusa c xada, o que tem maior soma dos catetos s = a + b é
o triângulo isósceles.
Solução. Usando a desigualdade de Cauchy-Schwarz temos que
a+ b = a · 1 + b · 1 ≤√a2 + b2
√12 + 12 = c
√2
246 7 Desigualdades
e este máximo é atingido quando a = λ · 1 e b = λ · 1 ou 1 = λ · a e
1 = λ · b. Em qualquer caso devemos ter a = b.
Exemplo 7.16 (Desigualdade de Minkowski). Dados ai, bi com 1 ≤i ≤ n, números reais, tem-se√√√√ n∑
i=1
(ai + bi)2 ≤
√√√√ n∑i=1
a2i +
√√√√ n∑i=1
b2i .
Solução. Partimos da seguinte igualdade:
n∑i=1
(ai + bi)2 =
n∑i=1
a2i +n∑i=1
b2i + 2n∑i=1
aibi. (7.13)
Aplicando a desigualdade de Cauchy-Schwarz no lado direito de (7.13)
temos que
n∑i=1
(ai + bi)2 ≤
n∑i=1
a2i +n∑i=1
b2i + 2
√√√√ n∑i=1
a2i
√√√√ n∑i=1
b2i
=
√√√√ n∑i=1
a2i +
√√√√ n∑i=1
b2i
2
.
(7.14)
Tomando raiz quadrada em ambos os membros de (7.14) obtemos a
desigualdade de Minkowski.
7.4 Desigualdade de Jensen
A Desigualdade de Jensen está estreitamente relacionada com o con-
ceito de convexidade, o qual explicamos a seguir.
7.4 Desigualdade de Jensen 247
Denição 7.17. Uma função f : [α, β] → R é dita convexa se para
quaisquer a, b ∈ [α, β] e para todo λ ∈ [0, 1] satisfaz
f(λa+ (1− λ)b
)≤ λf(a) + (1− λ)f(b).
x
y
•
•
a b
(a, f(a))
(b, f(b))
y = f(x)
Figura 7.7: Gráco de uma função convexa
Geometricamente, a denição de convexidade signica que para
cada par de pontos a e b escolhidos no intervalo [α, β] o gráco da
função encontra-se abaixo do segmento de reta secante que junta os
pontos (a, f(a)) e (b, f(b)), como mostra a Figura 7.7.
Exemplo 7.18. A função f(x) = x2 é convexa em qualquer intervalo
[α, β].
Solução. Sejam a, b ∈ [α, β] e suponhamos, sem perda de generalidade,
248 7 Desigualdades
que a < b. Então, para todo λ ∈ [0, 1] valem as desigualdades:
(λa+ (1− λ)b)2 = λ2a2 + (1− λ)2b2 + 2λ(1− λ)ab
(1)
≤ λ2a2 + (1− λ)2b2 + λ(1− λ)(a2 + b2) (7.15)
= a2[λ2 + λ(1− λ)] + b2[(1− λ)2 + λ(1− λ)]
= λa2 + (1− λ)b2,
onde na passagem (1) usamos a desigualdade ab ≤ a2+b2
2.
Exemplo 7.19. A função f(x) = 1/x é convexa em qualquer intervalo
[α, β] com α positivo.
Solução. Sendo a, b ∈ [α, β] com a < b, para todo λ ∈ [0, 1] tem-se
1 = (λ+ (1− λ))2
= λ2 + 2λ(1− λ) + (1− λ)2
(1)
≤ λ2 +(ab
+b
a
)λ(1− λ) + (1− λ)2 (7.16)
= λ2 +a
bλ(1− λ) +
b
aλ(1− λ) + (1− λ)2
= λa(λa
+(1− λ)
b
)+(1− λ)b
(λa
+(1− λ)
b
)=(λa+ (1− λ)b
)(λa
+(1− λ)
b
)onde na passagem (1) usamos que a/b + b/a ≥ 2 para quaisquer nú-
meros positivos a e b. De (7.16) segue-se que
1
λa+ (1− λ)b≤ λ
1
a+ (1− λ)
1
b,
mostrando isto a convexidade da função 1x.
7.4 Desigualdade de Jensen 249
Observemos que, usando a desigualdade entre as médias aritmética
e quadrática obtemos(a1 + a2 + · · ·+ an
n
)2
≤ a21 + a22 + · · ·+ a2nn
,
em outras palavras
(ma(a1, a2, . . . , an))2 ≤ ma(a21, a
22, . . . , a
2n). (7.17)
Por outro lado, a desigualdade entre as médias harmônica e aritmética
nos garantem que
1
ma(a1, a2, . . . , an)≤ ma(1/a1, 1/a2 . . . , 1/an). (7.18)
O seguinte resultado garante que as propriedades (7.17) e (7.18), satis-
feitas pelas funções convexas x2 e 1x, são válidas para qualquer função
convexa.
Teorema 7.20 (Desigualdade de Jensen). Seja f : [α, β] → R uma
função convexa e sejam λi ∈ [0, 1] (i = 1, . . . , n) tais quen∑i=0
λi = 1.
Então, para quaisquer ai ∈ [α, β] (i = 1, . . . , n) vale
f(λ1a1 + · · ·+ λnan) ≤ λ1f(a1) + · · ·+ λnf(an). (7.19)
Observação 7.21. Observemos que, quando λ1 = λ2 = · · · = λn =
1/n, a desigualdade de Jensen nos diz que
f(a1 + a2 + · · ·+ an
n
)≤ f(a1) + f(a2) + · · ·+ f(an)
n,
ou seja, f(ma(a1, . . . , an)) ≤ ma(f(a1), . . . , f(an)).
250 7 Desigualdades
Demonstração. Faremos a prova por indução. Para n = 2 a validade
decorre diretamente da denição. Suponhamos que dado n natural
(7.19) vale, então temos que provar a validade de
f(n+1∑j=1
λjaj
)≤
n+1∑j=i
λjf(aj). (7.20)
Notemos quen+1∑j=1
λjaj =n∑j=1
λjaj +(
1−n∑j=1
λj
)an+1
= αn∑j=1
λjαaj + (1− α)an+1,
(7.21)
onde α =n∑j=1
λj. Assim, usando quen∑j=i
λjα
= 1 e a hipótese de indução,
obtemos
f(n+1∑j=1
λjaj
)≤ αf
( n∑j=1
λjαaj
)+(1− α)f(an+1)
≤ αn∑j=1
λjαf(aj) + (1− α)f(an+1)
=n+1∑j=1
λjf(aj),
(7.22)
como queríamos provar.
7.5 Exercícios
1. Provar que em todo triângulo a soma dos comprimentos das
medianas é menor que o perímetro do triângulo e maior que o
semiperímetro deste.
7.5 Exercícios 251
2. Os centros de três círculos que não se intersectam estão sobre
uma reta. Prove que se um quarto círculo toca de forma tangente
os três círculos, então o raio deste é maior que pelo menos um
dos raios dos três círculos dados.
3. Dado n inteiro positivo, provar quen∑j=1
1
j≥ 2n
n+ 1.
4. A soma de três números positivos é 6. Provar que a soma de
seus quadrados não é menor que 12.
5. Determinar as dimensões do paralelepípedo de menor diagonal
possível, sabendo que a soma dos comprimentos de todas suas
arestas é 12.
6. Encontrar todas as soluções positivas do sistema de equações
não lineares x21 + · · ·+ x210 = 1
1x21
+ · · ·+ 1x210
= 100.
7. Demonstrar que, se a1, a2, . . . , an são números positivos tais que
a1a2 · · · an = 1
então
(1 + a1)(1 + a2) · · · (1 + an) ≥ 2n.
8. Prove que a média geométrica é super-aditiva, isto é, para nú-
meros não negativos ai e bi, 1 ≤ i ≤ n, tem-se
n
√√√√ n∏i=1
ai + n
√√√√ n∏i=1
bi ≤ n
√√√√ n∏i=1
(ai + bi).
252 7 Desigualdades
Além disso, estude em que condições ocorre a igualdade.
Sugestão: Use a desigualdade entre as médias geométrica e aritmética.
9. Usar o método de indução para provar a desigualdade de Cauchy-
Schwarz.
10. Para todo λ realn∑i=1
(ai +λbi)2 ≥ 0. Use este fato para dar outra
prova da desigualdade de Cauchy-Schwarz.
11. Use a desigualdade de Cauchy-Schwarz para dar uma prova alter-
nativa da desigualdade entre as médias aritmética e quadrática
(ma ≤ mq).
12. Prove quen∑i=1
aibi ≤1
2
n∑i=1
a2i +n∑i=1
b2i
.
13. Prove que a4 + b4 + c4 ≥ abc(a+ b+ c).
14. Prove que se a ≥ 0, b ≥ 0 e c ≥ 0, então
(a+ b)(a+ c)(b+ c) ≥ 8abc.
15. Prove a desigualdade de Bernoulli: (1 + x)n > 1 + nx, para
qualquer x positivo e n inteiro positivo.
16. Prove que se a, b, c e d são inteiros positivos, então:
(a+ b+ c+ d)
(1
a+
1
b+
1
c+
1
d
)≥ 16.
17. Prove que se a ≥ 0, b ≥ 0 e c ≥ 0, então
(ab+ bc+ ca) ≥ a√bc+ b
√ac+ c
√ab.
7.5 Exercícios 253
18. Prove que se x ≥ 0, então 3x3 − 6x2 + 4 ≥ 0.
Sugestão: Use a desigualdade entre as médias aritmética e geométrica.
19. Prove que se x ≥ 0, então 2x+ 3/8 ≥ 4√x.
20. Sejam C1 e C2 dois círculos concêntricos de raios r1 e r2, res-
pectivamente, com r1 < r2. Sobre o círculo C1 se marcam dois
pontos P1 e P2 diametralmente opostos. Deseja-se encontrar o
ponto P sobre o círculo C2 que maximiza a soma
d(P ) = PP1 + PP2.
254 7 Desigualdades
8
Polinômios
A oisa mais bela que podemos ontemplar é o mistério. Isto é afonte da verdadeira arte e iên ia. Albert Einstein8.1 Operações com Polinômios
A necessidade de estudar equações polinomiais aparece em problemas
práticos da humanidade desde épocas muito remotas. Indícios arque-
ológicos indicam que os babilônicos já tinha o domínio de técnicas de
resolução de algumas equações do primeiro grau e do segundo grau,
apresentadas em forma de problemas cotidianos. Contudo, o grande
avanço teórico no estudo das equações polinomiais só se iniciou com o
Renascimento na Europa. No início do século XVI, Vièti introduziu o
uso de letras para representar quantidades desconhecidas.
Na mesma época, um outro grande desao estava perturbando as
mentes matemáticas de toda a Europa, em especial as da Itália. A
solução explícita utilizando as operações elementares (soma, subtra-
ção, multiplicação, divisão, radiciação e potenciação) da equação do
255
256 8 Polinômios
terceiro grau não era conhecida e muitos dos melhores matemáticos
da época trabalharam neste problema, destacando-se entre eles Ni-
colo Fontana, o Tartaglia (gago, em italiano). A história da solução
desta equação está repleta de intrigas, disputas e acusações, envol-
vendo Tartaglia e Cardano. Hoje os historiadores atribuem a Tarta-
glia a primazia na descoberta da solução da equação do terceiro grau
como conhecemos. É desta época também a solução da equação do
quarto grau, atribuída a Ludovico Ferrari.
Entretanto, apesar dos muitos esforços empreendidos na direção de
encontrar a solução geral da equação do quinto grau, mais de 200 anos
se passaram sem nenhum sucesso. Até que em 1824, o matemático
norueguês Niels Abel mostrou que é impossível resolver as equações de
grau cinco em sua forma geral. Ou seja, nem todas as equações de grau
cinco podem ser resolvidas com as operações elementares. Mais ainda,
em 1830 o matemático francês Evariste Galois descobriu um método
que determina quando uma equação de grau qualquer é resolúvel com
as operações elementares, encerrando um belíssimo capítulo do estudo
das equações polinomiais e da Matemática.
Neste capítulo iremos estudar um pouco mais formalmente os poli-
nômios e suas propriedades.
Denição 8.1. Um polinômio na variável x é uma expressão do tipo
p(x) = anxn + an−1x
n−1 + · · ·+ a1x+ a0
onde a0, a1, . . . , an são números. Se an 6= 0, dizemos que n é o grau
do polinômio e a0, a1, . . . , an são seus coecientes. O coeciente an é
chamado de coeciente líder do polinômio.
Observação 8.2. Não se dene o grau do polinômio nulo, que tem
todos os coecientes iguais a zero.
8.1 Operações com Polinômios 257
Por exemplo,
• p(x) = 3x− 1 é um polinômio de grau 1;
• q(x) = 4x3 + 7x+ 1 é um polinômio de grau 3;
• t(x) =π
2x4 é um monômio de grau 4;
• v(x) = −π2x4 + 5x2 + 1 é um polinômio de grau 4;
• u(x) = 7 é um polinômio de grau 0.
Uma equação polinomial de grau n, ou simplesmente uma equação
de grau n, é uma sentença p(x) = 0, onde p(x) é um polinômio de
grau n com coecientes reais. Por exemplo, 2x−1 = 0 é uma equação
do primeiro grau, enquanto −x5 + 4x3 + 5x− 1 = 0 é uma equação de
grau 5. Note que nem todos os coecientes precisam ser diferentes de
zero.
Para obtermos o valor do polinômio p(x) = anxn + an−1xn−1 +
· · ·+a1x+a0 no número real r, devemos substituir x por r para obter
o número real
p(r) = anrn + an−1r
n−1 + · · ·+ a1r + a0.
Por exemplo, o valor do polinômio p(x) = 4x3 − 7x+ 1 em 2 é p(2) =
4 · 23 − 7 · 2 + 1 = 19.
Dizemos que um número real r é uma raiz para a equação
anxn + an−1x
n−1 + · · ·+ a1x+ a0 = 0
se o valor de p(x) = anxn + an−1xn−1 + · · ·+ a1x+ a0 em r é zero, ou
seja, se r verica
anrn + an−1r
n−1 + · · ·+ a1r + a0 = 0.
258 8 Polinômios
Por exemplo, 5 é raiz da equação:
2x− 10 = 0.
Uma das vantagens dos polinômios sobre outros objetos matemá-
ticos é que podemos denir as operações de soma de polinômios e
multiplicação de polinômios. Com estas operações, o conjunto dos po-
linômios possui muitas propriedades similares à dos números inteiros,
tornando prático o seu uso.
Vamos denir agora o que signica a soma de dois polinômios.
Para isso, vamos começar somando dois monômios e depois estender
nossa denição para polinômios em geral.
Para somar dois monômios de mesmo grau p(x) = akxk e q(x) =
bkxk somamos seus coecientes, obtendo o polinômio t(x) = p(x) +
q(x) = (ak+bk)xk. Em geral, para somar o polinômio p(x) = a0+a1x+
a2x2 + · · ·+ anx
n com o polinômio q(x) = b0 + b1x+ · · ·+ bmxm, onde
n ≤ m devemos somar todos os monômios de mesmo grau, obtendo o
polinômio:
t(x) = p(x) + q(x) = c0 + c1x+ · · ·+ cmxm
onde, ci = ai + bi para 0 ≤ i ≤ n e ci = bi para i > n.
Por exemplo, sendo
• p(x) = 3x− 1,
• q(x) = 4x3 + 7x+ 1,
• t(x) = π2x4,
• v(x) = −π2x4 + 5x2 + 1
8.1 Operações com Polinômios 259
temos que
• p(x) + q(x) = 4x3 + (3 + 7)x− 1 + 1 = 4x3 + 10x,
• v(x) + t(x) = (π2− π
2)x4 + 5x2 + 1 = 5x2 + 1.
A seguir, enumeramos algumas propriedades simples e importantes
da soma de polinômios que decorrem da denição dada e das propri-
edades análogas válidas para os números reais.
1. Associatividade . Dados polinômios p(x), q(x) e t(x), vale
(p(x) + q(x)) + t(x) = p(x) + (q(x) + t(x))
2. Elemento neutro . Se 0 denota o polinômio nulo e p(x) é um
polinômio qualquer, então
0 + p(x) = p(x).
3. Elemento simétrico . Se p(x) = a0 + a1x + · · · + anxn é um
polinômio, então o polinômio q(x) = −a0 − a1x − · · · − anxn
satisfaz:
p(x) + q(x) = 0.
4. Comutatividade . Se p(x) e q(x) são polinômios, então
p(x) + q(x) = q(x) + p(x).
Note que os números inteiros possuem propriedades similares para
a operação de soma de números inteiros. Vamos agora denir o produto
de dois polinômios. Para isso, vamos primeiramente denir o produto
de dois monômios, como já zemos no caso de soma de polinômios.
260 8 Polinômios
Se n,m são números naturais, denimos o produto dos monômios
p(x) = anxn e q(x) = bmx
m como:
p(x)q(x) = anbmxn+m.
Tendo isto em mente, para efetuarmos o produto do polinômio de
grau n, p(x) = a0 + a1x + a2x2 + · · · + anx
n pelo polinômio q(x) =
b0 + b1x+ · · ·+ bmxm de grau m, com n ≤ m, devemos:
• Completamos a escrita de p(x) e de q(x) até o termo n + m
colocando ak = 0 para k > n e bk = 0 para k > m;
• Denimos
t(x) = p(x)q(x) = c0 + c1x+ · · ·+ cn+mxn+m
onde, ci = a0bi +a1bi−1 + · · ·+ai−1b1 +aib0 para 0 ≤ i ≤ n+m.
Apesar de parecer complicada, a denição não é tão difícil de ser
aplicada. Para tentar visualizar o processo de multiplicação de dois
polinômios vamos pensar que os monômios são seres alienígenas vin-
dos do distante planeta de Algebrum e possuam mãos. Quando dois
monômios se encontram, invariavelmente eles apertam as mãos e desse
aperto aparece o produto desses monômios.
Assim, para multiplicar os polinômios p(x) e q(x), que são forma-
dos por dois grupos de monômios, devemos escolher o primeiro monô-
mio de p(x) e fazê-lo apertar a mão de cada um dos monômios de
q(x), somando os monômios obtidos. Após isso, tomamos o segundo
monômio de p(x) e fazemos ele apertar a mão de cada um dos monô-
mios de q(x), somando os monômios obtidos aos monômios anteriores.
Repetimos o processo até o último monômio de p(x).
8.1 Operações com Polinômios 261
Deste modo, se p(x) = x2 + 2x − 3 e q(x) = −x2 + 5x + 1, para
obter p(x)q(x) fazemos:
p(x)q(x) = −x4 + 5x3 + x2 − 2x3 + 10x2 + 2x+ 3x2 − 15x− 3
= −x4 + 3x3 + 14x2 − 13x− 3.
Observe que com a denição de multiplicação de polinômios dada
acima, o coeciente c0 é igual a a0b0. Do mesmo modo, o coeciente
do termo xn+m é cn+m = anbm. Como p(x) tem grau n (isto é, an 6= 0)
e q(x) tem grau m (bm 6= 0), o coeciente cn+m = anbm 6= 0. Logo,
o polinômio p(x)q(x) tem grau n + m. Com isso, demonstramos o
seguinte fato:
Proposição 8.3. Se o polinômio p(x) tem grau n e o polinômio q(x)
tem grau m, então o polinômio p(x)q(x) tem grau n+m.
Um caso particular interessante é quando multiplicamos um núme-
ro c, que podemos considerar como sendo um polinômio de grau zero
q(x) = c, por um polinômio p(x) = a0 + a1x+ · · ·+ anxn. Neste caso,
nós obtemos o polinômio
cp(x) = ca0 + ca1x+ · · ·+ canxn.
Do mesmo modo em que podemos vericar as propriedades da
soma de polinômios a partir das propriedades similares dos números
reais, podemos também vericar as propriedades abaixo sobre a mul-
tiplicação de polinômios. Deixamos essa vericação como exercício.
1. Associatividade . Dados polinômios p(x), q(x) e t(x), vale
(p(x)q(x))t(x) = p(x)(q(x)t(x))
262 8 Polinômios
2. Elemento neutro . Se 1 denota o polinômio constante e p(x) é
um polinômio qualquer, então
1p(x) = p(x).
3. Comutatividade . Se p(x) e q(x) são polinômios, então
p(x)q(x) = q(x)p(x).
4. Distributividade . Se p(x), q(x) e t(x) são polinômios, então
(p(x) + q(x))t(x) = q(x)t(x) + p(x)t(x).
Note que, assim como nos inteiros, a propriedade de existência de
elementos inversos para a multiplicação de polinômios não vale. De
fato, podemos vericar que se p(x) é um polinômio de grau n maior ou
igual a um, então não existe um polinômio q(x) tal que p(x)q(x) = 1.
De fato, suponha por absurdo, que exista q(x) um polinômio com grau
m ≥ 0 tal que
p(x)q(x) = 1.
Então, utilizando a Proposição 8.3 temos que o grau de p(x)q(x) é
n + m que é maior ou igual que um. Como o grau do polinômio
constante 1 é zero, temos que a igualdade acima não pode valer, onde
chegamos a um absurdo.
Em resumo, os únicos polinômios que podem ter inversos com res-
peito à operação de multiplicação são os polinômios constantes não
nulos. Esta é mais uma das semelhanças entre os inteiros e os polinô-
mios.
8.2 Algoritmo de Euclides 263
8.2 Algoritmo de Euclides
Diremos que um polinômio a(x) divide o polinômio b(x) se existir q(x)
tal que b(x) = q(x)a(x).
Por exemplo, o polinômio a(x) = x2 + x + 1 divide o polinômio
x3 − 1 pois
(x− 1)(x2 + x+ 1) = x3 − 1.
Devido à Proposição 8.3, se o polinômio a(x) divide o polinômio
não nulo b(x), então o grau de a(x) é menor ou igual ao grau de b(x).
Agora, vamos enunciar um fato que vale para os inteiros e que vale
também para os polinômios e que será de grande utilidade. Pedimos
que o leitor releia o algoritmo de Euclides, estudado no Capítulo 3.
No conjunto dos polinômios, ainda vale
Teorema 8.4 (Algoritmo de Euclides). Sejam a(x) e b(x) dois polinô-
mios com coecientes reais, b(x) 6= 0. Então, existem polinômios com
coecientes reais q(x) e r(x), com r(x) = 0 ou grau de r(x) menor
que o grau de b(x) tais que:
a(x) = b(x)q(x) + r(x).
Além disso, q(x) e r(x) estão determinados de modo único.
Demonstração. Vamos mostrar primeiro a unicidade. De fato, assuma
que
a(x) = b(x)q1(x) + r1(x) = b(x)q2(x) + r2(x),
com r1 e r2 de graus menores que o grau de b. Assim,
b(q1 − q2) = r2 − r1.
264 8 Polinômios
Consequentemente, q1 = q2, já que caso contrário, o polinômio b(q1 −q2) teria grau pelo menos igual ao grau de b e o polinômio r2− r1 temgrau menor que o grau de b.
Vamos agora mostrar a existência. Os passos da prova são idênticos
a prova do algoritmo de Euclides para números inteiros, demonstrado
no Capítulo 3. De fato, a ideia é reduzir o grau do dividendo até
que ele se torne menor que o do divisor e a divisão se torne imediata.
Note que se a tem grau menor que b, então tomamos o resto com
sendo r = a e o quociente como sendo q = 0. Suponhamos que
a(x) = anxn+ · · ·+a1x+a0 tenha grau n e b(x) = bmx
m+ · · ·+b1x+b0
tenha grau m e que n > m. Dena
c1(x) = a(x)− anbmxn−mb(x).
Observe que o grau de c1 é no máximo n− 1. Se c1 puder se dividido
por b, digamos com c1(x) = b(x)q(x) + r(x), com grau de r(x) menor
que o grau de b(x), então
a(x) = b(x)anbmxn−m + c1(x) = b(x)(
anbmxn−m + q(x)) + r(x).
Logo, reduzimos o problema de dividir o polinômio a(x) por b(x) pelo
problema de dividir o polinômio c1(x) por b(x), com c1(x) de grau
menor que a(x). Repetimos o processo, utilizando c1 no lugar de a(x),
obtendo o polinômio c2(x) de grau menor que o de c1(x). Como a cada
passo reduzimos o grau do dividendo em pelo menos uma unidade, ao
m de no máximo n −m passos, obteremos um polinômio com grau
menor que o grau de b(x), que é claramente divisível por b(x). Proce-
dendo como antes, achamos q(x) e r(x) tais que a(x) = b(x)q(x)+r(x)
e r(x) com grau menor que o grau de b(x).
8.2 Algoritmo de Euclides 265
Por exemplo, se a(x) = 10x3 − 3x + 2 e b(x) = x2 + 1, tomando
q(x) = 10x e r(x) = −13x+ 2 temos que
10x3 − 3x+ 2 = (x2 + 1)10x+ (−13x+ 2).
Note que o grau de r(x) = −13x + 2 é menor que o grau de b(x) =
x2 + 1.
Se na expressão do polinômio p(x) decidimos substituir a variável
x por um número real s, estaremos avaliando o polinômio p(x) em s
e denotamos este número por p(s).
Por exemplo, se p(x) = x2 + 3x + 1, então substituindo x por 2,
temos que
p(2) = 22 + 3 · 2 + 1 = 11
e fazendo x = −3
p(−3) = (−3)2 + 3 · (−3) + 1 = 1.
Quando p(s) = 0 dizemos que s anula o polinômio não nulo p(x),
ou ainda, que s é uma raiz do polinômio p(x).
Por exemplo, para p(x) = x3 − 8, temos que 2 é uma raiz de p(x)
já que p(2) = 23 − 8 = 0.
Um fato muito importante que é consequência do algoritmo de
Euclides é o seguinte teorema:
Teorema 8.5. Se s é uma raiz do polinômio p(x), então o polinômio
x− s divide p(x). Reciprocamente, se x− s divide p(x), então s é raiz
de p(x).
Demonstração. Primeiramente, assuma que x − s divida p(x). Neste
caso, existe um polinômio q(x) tal que p(x) = q(x)(x− s). Avaliando
266 8 Polinômios
o polinômio p(x) em s, temos que:
p(s) = q(s)(s− s) = q(s) · 0 = 0.
Logo s é uma raiz de p(x).
Para provar que se s é uma raiz de p(x) então x − s divide p(x),
vamos utilizar o algoritmo da divisão, com a(x) = p(x) e b(x) = x− s.Neste caso, temos que existem q(x) e r(x) de modo que r(x) = 0 ou o
grau de r(x) é menor que o grau de x− s e além disso vale
p(x) = q(x)(x− s) + r(x).
Observe que, com as condições do resto r(x), podemos escrever que
r(x) = c ∈ R. Então, p(x) = q(x)(x−s)+c e 0 = p(s) = q(s)·0+c = c.
Portanto, r(x) = 0 e p(x) = q(x)(x− s), isto é, x− s divide p(x).
A proposição anterior nos permite determinar o número máximo
de raízes reais de um polinômio não nulo. De fato, vamos mostrar.
Proposição 8.6. O número máximo de raízes reais do polinômio não
nulo p(x) = anxn + an−1xn−1 + · · ·+ a1x+ a0 é n.
Demonstração. Digamos que s0 < s1 < s2 < · · · < sk sejam raízes
distintas do polinômio p(x). Observe que podemos utilizar a Propo-
sição 8.5 para garantir que existe um polinômio não nulo q1(x) tal
que
p(x) = q1(x)(x− s0).
Assim, pela Proposição 8.3, o grau de q1(x) deve ser igual a n − 1.
Note que p(si) = q1(si)(si−s0). Como para todo i = 1, 2, . . . , k temos
que si > s0 com p(si) = 0, temos que, necessariamente, q1(si) = 0.
Assim, em particular, temos que q1(s1) = 0. Logo, podemos aplicar
8.2 Algoritmo de Euclides 267
a proposição novamente para obter que existe um polinômio não-nulo
q2(x) tal que
q1(x) = q2(x)(x− s1).
Assim, como o grau de q1(x) é n − 1, pela Proposição 8.3, o grau de
q2(x) deve ser igual a n− 2.
Novamente, temos que q1(si) = q2(si)(si − s1), si > s1 e p(si) = 0
para todo i = 2, . . . , k. Disto segue que, necessariamente, q2(si) = 0,
se i = 2, 3, . . . , k. Assim, temos que q2(s2) = 0.
Logo, podemos repetir esse argumento para obter um polinômio
q3(x) de grau n−3, de modo que s3, s4, . . . , sk são raízes de q3(x). Re-
petindo o argumento, encontramos uma sequência q1(x), q2(x), q3(x), . . .
com graus no máximo n − 1, n − 2, n − 3, . . . o que nos leva a con-
cluir que não podemos repetir esse argumento mais que n vezes, já
que os graus dos polinômios q1(x), q2(x), q3(x), . . . estão diminuindo.
Ou seja, não podemos ter mais que n raízes para o polinômio p(x), o
que conclui a prova.
Alertamos que, apesar da Proposição 8.6 nos garantir que existem
no máximo n raízes reais de um polinômio de grau n não nulo, existem
polinômios que não possuem raízes reais. Por exemplo, p(x) = x2 + 1
não possui raízes rais, já que x2 ≥ 0 para todo número real x.
Uma consequência da Proposição 8.6 é a seguinte:
Proposição 8.7. Se dois polinômios p(x) e q(x) de grau n avaliados
em n+ 1 números r1, r2, . . . , rn+1 coincidem, isto é, p(ri) = q(ri) para
i = 1, 2, 3, . . . , n+ 1, então p(x) e q(x) são iguais.
Demonstração. Considere o polinômio t(x) = p(x) − q(x). Observe
que se t(x) é não-nulo, o grau de t(x) é no máximo n, já que p(x)
268 8 Polinômios
e q(x) têm graus iguais a n. Observe ainda que t(ri) = 0, já que
p(ri) = q(ri) e
t(ri) = p(ri)− q(ri) = 0.
Logo, t(x) tem grau no máximo n e mais de n raízes, contradizendo a
Proposição 8.6.
No Exercício 23 faremos uma aplicação interessante dessa propo-
sição, propondo que você prove que dados números reais a1, a2, . . . ,
an+1 e r1, r2, . . . , rn+1, então existe um único polinômio de grau n tal
que p(ri) = ai.
8.3 Sempre Existem Raízes de um Polinômio?
Pode parecer frustrante o fato de que um polinômio com coecientes
reais pode não possuir raízes reais. Por exemplo, quando tentamos
aplicar a fórmula de Bhaskara à equação x2 + 1 = 0, encontramos
∆ = −4 e, consequentemente, se fosse possível escrever as soluções,
elas se escreveriam como
x1 =
√−4
2
e
x2 = −√−4
2
É claro que as expressões acima não têm sentido no conjunto dos
números reais, pois não existe número cujo quadrado seja −4, ou seja,
não é possível extrair a raiz quadrada de −4. Isso tirou o sono de
várias gerações de matemáticos. Desde Herón de Alexandria há dois
mil anos atrás, os matemáticos encontram expressões como a do tipo
acima, envolvendo raízes de números negativos.
8.3 Sempre Existem Raízes de um Polinômio? 269
A primeira reação da comunidade matemática foi rejeitar esses
números complexos e simplesmente desconsiderar raízes de números
negativos. Porém, já no século XVI, Cardano se deu conta de que os
números complexos surgem naturalmente quando desejamos resolver
uma equação do terceiro ou quarto grau, mas relutava quanto ao seu
uso, dizendo que esses números eram tão sutis, quanto inúteis.
No século seguinte, motivado pela sugestão de Albert Girard que
uma equação de grau n possui n raízes, Reneé Descartes observou que
os números reais eram insucientes para representar todas essas raízes
e utilizou o termo imaginárias para as raízes que não são reais.
A notação tradicional i =√−1 só veio a ser introduzida um século
mais tarde, com Leonard Euler, que também é o pai do termo número
complexo. Euler e o matemático francês Jean D'Alambert zeram apli-
cações dos números complexos a problemas práticos, como projeção
de mapas e hidrodinâmica. Euler e Lagrange, grandes matemáticos
da história da humanidade, tentaram mostrar a armação de Girard,
de que uma equação de grau n possui n raízes, mas sem sucesso. A
primeira prova correta de tal teorema só apareceu no nal do século
XVIII com os trabalhos de Gauss.
8.3.1 Números Complexos e Raízes de Polinômios
O conjunto dos números complexos, denotado pela letra C, é o con-
junto das expressões
C = x+ iy;x, y ∈ R,
onde i satisfaz i2 = −1. Costuma-se denotar i por√−1. Destacamos
que i é meramente um símbolo que nos ajudará a denir as operações
de soma e de multiplicação de números complexos. Essas operações
270 8 Polinômios
terão as mesmas propriedades que as operações de números reais, como
associatividade, comutatividade, elemento neutro, etc. Por exemplo,
são números complexos 2− 3i, 3 + i e −3i.
Vamos denir a soma e multiplicação de números complexos. Da-
dos dois números complexos a+ bi e c+ di denimos a soma como:
(a+ bi) + (c+ di) = (a+ b) + (c+ d)i
e denimos a multiplicação como
(a+ bi)(c+ di) = (ac− bd) + (bc+ ad)i
Por exemplo, se tomamos os números 2− 3i e 3 + 4i então
(2− 3i) + (3 + 4i) = 5 + i
e
(2− 3i)(3 + 4i) = (2 · 3− (−3 · 4)) + (−3 · 3 + 2 · 4)i = 18− i.
Aqui nós estamos considerando 0 + 3i = 3i e 3 + 0 · i = 3. Isso
nos permite colocar os números reais dentro do conjunto dos números
complexos, considerando cada número real r como sendo um número
complexo da forma r + 0 · i.Fica para o leitor a vericação de que valem as propriedades de
associatividade, comutatividade, etc. O elemento neutro da soma é o
elemento 0 + 0 · i que simplesmente denotaremos por 0. Do mesmo
modo, o elemento neutro da multiplicação é 1+0 ·i, que será denotadopor 1. O leitor curioso pode achar mais informações sobre números
complexos e soluções de equações algébricas em [5] ou [13].
8.3 Sempre Existem Raízes de um Polinômio? 271
Assim, dado um número complexo z faz sentido avaliar o polinômio
(de coecientes complexos ou reais) p(x) = anxn + an−1xn−1 + · · · +
a1x+ a0 em z, obtendo o número complexo
p(z) = anzn + an−1z
n−1 + · · ·+ a1z + a0.
Por exemplo, se p(x) = x2 + 4, então 2i e −2i são raízes deste
polinômio, já que:
p(2i) = (2i)2 + 4 = −4 + 4 = 0.
e
p(−2i) = (−2i)2 + 4 = 4i2 + 4 = −4 + 4 = 0.
Note que p(x) não possui nenhuma raiz real, mas possui duas raízes
complexas. Como já mencionamos, a grande vantagem em utilizar os
números complexos em vez dos números reais é que, dado um polinô-
mio qualquer com coecientes complexos, ele sempre tem uma raiz
complexa. Isso foi o assunto da tese de doutorado do Príncipe da
Matemática, Johann Carl Friedrich Gauss (1777-1855).
Teorema 8.8 (Teorema Fundamental da Álgebra). Todo polinômio
não constante com coecientes complexos de grau n possui exatamente
n raízes complexas, contadas com multiplicidade.
Uma demonstração do Teorema Fundamental da Álgebra foge do
objetivo deste livro. Podem ser dadas várias demonstrações diferen-
tes desse teorema, utilizando diversas teorias matemáticas avançadas.
Uma demonstração desse teorema pode ser achada em [13].
272 8 Polinômios
8.4 Exercícios
1. Calcule o quociente e o resto da divisão de p(x) por q(x) para
os polinômios p(x) e q(x) dados:
(a) p(x) = 3x3 − 2x+ 1 e q(x) = −7x− 1;
(b) p(x) = x5 − 1 e q(x) = x− 1;
(c) p(x) = 3x5 − 2x3 + 1 e q(x) = x2 + x+ 1
2. Encontre os valores de A e B de forma que
x+ 1
x2 − x =A
x+
B
x− 1.
3. Se os polinômios x2−x+4 e (x−a)2+(x+b) são iguais, encontre
a+ b.
4. Quais os valores de a e b que tornam iguais os polinômios
P1(x) = x2 − x− 6 e P2(x) = (x+ a)2 − b?
5. A divisão de P (x) por x4 + 1 tem quociente x + 2 e resto 1.
Encontre o polinômio P (x).
6. Qual o resto da divisão do polinômio x100 por x+ 1?
7. Determine o resto da divisão do polinômio p(x) pelo polinômio
g(x) = x, onde p(x) = (x− 1)(x− 2) . . . (x− n) + b .
8. Mostre que xn − 1 é divisível por x− 1 para todo n ≥ 1.
9. Faça os seguintes itens:
(a) encontre o quociente da divisão de xn+1 − 1 por x− 1;
8.4 Exercícios 273
(b) utilize a divisão anterior para calcular a soma 1 + x+ x2 +
x3 + · · · + xn dos n primeiros termos de uma progressão
geométrica de razão x.
10. Determine o valor de a para que o polinômio P (x) seja divisível
por x− a, onde P (x) = x3 + (1− a)x2 + (1 + a)x− 1.
11. Mostre que o polinômio P (x) = x100 − 2x50 + 1 é divisível por
x2 − 1.
12. Mostre que o resto r(x) da divisão do polinômio p(x) por x− sé r(x) = p(s).
Dado o polinômio p(x) = anxn + an−1xn−1 + · · · + a1x + a0
denimos a derivada de p(x) como sendo o polinômio:
p′(x) = nanxn−1 + (n− 1)an−1x
n−2 + · · ·+ 2a2x+ a1.
Por exemplo, a derivada do polinômio x5 é o polinômio 5x4 e a
derivada do polinômio x3+5x2+2x−1 é o polinômio 3x2+10x+2.
13. Usando as informações do Exercício 12, calcule:
(a) a derivada dos polinômios:
(i) x+ 1;
(ii) x4 + 3;
(ii) 1 + x+ x2 + x3 + · · ·+ xn.
(b) Sabendo que p(0) = 1, calcule também o polinômio p(x)
cuja derivada é
(i) x4.
(ii) −x2 + 1.
274 8 Polinômios
(ii) x3 + 2x2 + 3.
(c) Prove que se p(x) e q(x) são polinômios, então
(i) (p+ q)′(x) = p′(x) + q′(x)
(ii) (pq)′(x) = p′(x)q(x) + p(x)q′(x)
Sugestão: Faça primeiro para monômios.
Denimos uma raiz múltipla de um polinômio p(x) como sendo
uma raiz a tal que (x − a)2 divide p(x). Caso a seja uma raiz
que não é raiz múltipla, dizemos que ela é raiz simples.
14. Mostre que a é raiz múltipla de um polinômio p(x) se, e somente
se, a é raiz de p(x) e de p′(x).
Sugestão: Use o exercício anterior.
15. Para quais valores de n ∈ N tem-se que
(a) 1 + x2 + x4 + . . .+ x2n−2 é divisível por 1 + x+ . . .+ xn−1?
(b) 1 + x3 + x6 + . . .+ x3n−3 é divisível por 1 + x+ . . .+ xn−1?
(c) Generalize.
16. (a) Resolva a equação 20x3 − 30x2 + 12x − 1 = 0, sabendo-se
que1
2é uma de suas raízes.
(b) Uma raiz da equação x3−(2a+1)x2+a(a+2)x−a(a+1) = 0
é a+ 1, ache as outras duas.
17. Ache os possíveis valores de a ∈ Z para que o polinômio
a2x4 + 4x3 + 4ax+ 7
seja divisível por x+ 1.
8.4 Exercícios 275
Um polinômio com coecientes reais não constante p(x) é dito ir-
redutível se p(x) = a(x)b(x), então a(x) ou b(x) são polinômios
constantes. Quando p(x) não for irredutível, diremos simples-
mente que ele é redutível. Os polinômios irredutíveis desempe-
nham papel análogo no conjunto dos polinômios ao dos números
primos em Z.
18. Prove que todo polinômio de grau 1 é irredutível.
19. Prove que se f(x) é um polinômio de grau ≥ 2 e possui uma raiz
real, então f(x) é redutível.
20. Mostre que todo polinômio f(x) de grau ímpar ≥ 3 é redutível.
Um polinômio com coecientes inteiros não constante p(x) é dito
irredutível sobre Q se p(x) = a(x)b(x) com a(x) e b(x) polinômios
com coecientes racionais, então a(x) ou b(x) são polinômios
constantes.
Um teorema importante que descreve uma condição para um
polinômio ser irredutível sobre Q é o conhecido critério de Ei-
senstein, que diz:
Teorema 8.9 (Critério de Eisenstein). Seja f(x) = a0 + a1x +
· · ·+ anxn um polinômio com coecientes inteiros. Suponha que
exista um primo p tal que:
(a) p - an;
(b) p | a0, p | a1, . . . , p | an−1;(c) p2 - a0.
Então, f(x) é irredutível sobre Q.
276 8 Polinômios
Para uma prova desse resultado veja o livro [2]. Faça os seguintes
problemas:
21. Mostre que os seguintes polinômios f(x) são irredutíveis sobre
Q.
Sugestão: Use o critério de Eisenstein.
(a) f(x) = x4 + 2x3 + 2x2 + 2x+ 2;
(b) f(x) = x6 + 15;
(c) f(x) = x4 + 10x3 + 20x2 + 30x+ 22.
22. Determine quais dos polinômios abaixo são irredutíveis sobre Q.
Sugestão: Use o critério de Eisenstein.
(a) x3 − x+ 1
(b) x3 + 2x+ 10
(c) x4 − x+ 1
O problema a seguir trata do polinômio de interpolação de La-
grange.
23. Demonstre a proposição a seguir:
Polinômio de Interpolação de Lagrange. Sejam ai, bi em
R, i = 1, 2, . . . , n, com os ai′s dois a dois distintos e os bi′s nem
todos nulos. Considere os polinômios
pi(x) = bi(x− ai) · · · (x− ai−1)(x− ai+1) · · · (x− an)
(ai − a1) · · · (ai − ai−1)(ai − ai+1) · · · (ai − an)
8.4 Exercícios 277
para i = 1, 2, . . . , n. Então, o polinômio
p(x) =n∑i=1
pi(x)
é o único polinômio de grau menor que n, tal que p(ai) = bi,
para todos i = 1, 2, . . . , n.
24. Determine o polinômio p(x) de grau 7 tal que
p(1) = p(2) = · · · = p(7) = 8 e p(0) = 1.
278 8 Polinômios
A
Apêndice: Funções
Estamos acostumados a expressões cotidianas que retratam uma
relação entre grandezas, como por exemplo, o quanto João ganha é
função do que ele trabalha, ou ainda a distância que percorremos é
uma função da velocidade e do tempo que viajamos. Essas e outras
expressões ilustram a noção de função como uma relação entre grande-
zas de dois conjuntos dados. Matematicamente, a noção de função foi
melhor entendida muito recentemente, com os avanços teóricos ocorri-
dos no nal do século XIX e início do século XX. Entretanto, o seu uso
como instrumento e os estudos para tornar sua denição um objeto
claro são bem antigos e datam pelo menos desde o início do cálculo
diferencial, onde a noção de função era por vezes entendida como sua
expressão analítica. O entendimento dessa noção foi crucial para o
avanço da Matemática e é importante que o estudante de Matemática
tenha claro seu signicado.
Para iniciar a discussão um pouco mais formalmente da noção
de função, vamos denir intuitivamente uma função como um objeto
matemático composto de três ingredientes: um conjunto não vazio A,
279
280 A Apêndice: Funções
chamado de domínio da função, um conjunto não vazio B, chamado
de contradomínio da função e uma correspondência, que associa a
cada elemento do primeiro conjunto um único elemento do segundo
conjunto. O trio domínio, contradomínio e correspondência damos o
nome de função. Para simplicar o seu uso, foi criada uma notação
que empacota todos os três ingredientes. Denotamos uma função por
f : A→ B
x→ f(x)
para indicar que A é o domínio, B é o contradomínio e que se x é
um elemento de A então a ele associaremos o elemento f(x) de B.
É importante não confundir uma função com sua expressão analítica,
quando esta é dada. Para caracterizar uma função, precisamos dar
seus três ingredientes: domínio, contradomínio e correspondência, e
não somente a correspondência y = f(x).
Exemplo A.1. Seja a função f denida de modo que o seu domínio
é o conjunto dos números naturais e o contradomínio é o conjunto dos
números naturais, e a correspondência é tal que a cada número natural
n associamos o seu quadrado n2. Observe que podemos denotar isso
compactamente por:f : N→ N
n→ n2
Veja também que se dermos simplesmente a expressão analítica
x → x2 ou y = x2 para nossa função, ela não estaria caracterizada,
pois não saberíamos qual é o domínio e o seu contradomínio.
Em alguns casos onde o domínio e o contradomínio estão xados e
claros para o interlocutor, podemos nos referir a uma função simples-
mente invocando sua correspondência y = f(x).
281
Exemplo A.2. Considere o domínio como sendo o conjunto P for-
mado pelas pessoas do Brasil e o segundo conjunto como sendo o con-
junto L das letras do alfabeto. A correspondência será a seguinte: a
cada pessoa do Brasil, associaremos a primeira letra do seu nome.
Assim, uma pessoa chamada Mário, será associada à letra M. Em
notação de função:f : P → L
x→ f(x)
onde f(x) é a primeira letra do nome de x.
Exemplo A.3. Considere o domínio S como sendo o conjunto dos
pontos de uma sala de aula e o contradomínio como sendo os números
reais. A cada ponto x da sala de aula associamos sua temperatura t(x)
em um dado momento, medida por um termômetro instalado na sala.
Observe que t : S → R assim denida é uma função, pois cada ponto
possui uma única temperatura bem denida no instante xado, que é
um número real. Por outro lado, se trocarmos os papéis do domínio
e contradomínio e a cada número real associamos o ponto da sala que
tem aquela temperatura, não teremos uma função, pois pode haver
mais de um ponto com a dada temperatura ou ainda uma temperatura
que não é atingida por nenhum ponto da sala.
Exemplo A.4. Vamos agora dar outro exemplo em que não temos
uma função, isto é, cuja a nossa aparente correspondência não é de
fato uma correspondência, pois não associa a cada elemento x do do-
mínio um único elemento f(x) do contradomínio. Para tanto, xe o
domínio como sendo o conjunto dos números reais no intervalo [0, 1]
e como contradomínio o conjunto Σ denido pelas sequências de ele-
mentos no conjunto 0, 1, 2, . . . , 9. Ou seja,
282 A Apêndice: Funções
Σ =
(a1, a2, a3, . . . ); ai ∈ 0, 1, 2, 3, . . . , 9.
Cada elemento x ∈ [0, 1] possui uma expansão decimal x = 0, x1x2x3 . . . .
Dena f : [0, 1]→ Σ colocando f(x) = (x1, x2, x3, . . . ).
A princípio, parece que f denida desse modo é uma função. Po-
rém, olhando de perto vemos que o número 0, 1 possui mais de uma
representação na base decimal, pois 0, 1 = 0, 09999 . . . . Portanto, f
não está bem denida, isto é, f não associa a cada elemento de [0, 1]
um único elemento de Σ.
Denição A.5. Dada uma função f denida por
f : A→ B
x→ f(x)
o conjunto imagem de f é o subconjunto f(A) do contradomínio B
formado pelos pontos y do contradomínio tais que existe algum ponto
x no domínio A tal que y = f(x). Ou seja
f(A) = y ∈ B; existe x ∈ A tal que y = f(x).
A imagem de um ponto x ∈ A é o ponto f(x). Denimos também
a restrição de f a um subconjunto A′ de seu domínio é a nova função
denida considerando-se o domínio como sendo o conjunto A′ e os
demais elementos os mesmos. Denotamos essa nova função por f |A′
ou aindaf |A′ : A′ → B
x→ f(x)
No Exemplo A.2 poderíamos trocar o domínio por um de seus
subconjuntos não vazios. Por exemplo, poderíamos considerar o sub-
conjunto A de P formado pelas pessoas do Brasil que nasceram em
Alagoas.
283
Denição via Relações
Um modo mais formal de denir função é usar a noção de relação
entre dois conjuntos A e B. Uma relação entre A e B é simplesmente
um subconjunto R do produto cartesiano A×B. Uma função é uma
relação R entre A e B que satisfaz duas condições:
• R é unívoca: dados x1, x2 ∈ A e y ∈ B tais que (x1, y) ∈ R e
(x2, y) ∈ R então x1 = x2;
• R é total: dado x ∈ A existe y ∈ B tal que (x, y) ∈ R. de modo
que dado x ∈ A, existe um único y ∈ B tal que (x, y) ∈ R.
Funções Injetoras, Sobrejetoras e Bijetoras
Denição A.6. Uma função f : A→ B é dita injetora (ou injetiva)
se a seguinte propriedade vale:
Dados x, y ∈ A tais que f(x) = f(y), então x = y.
Outro modo equivalente de formular tal propriedade é usando sua
forma contrarrecíproca:
Se x, y ∈ A são tais que x 6= y, então f(x) 6= f(y).
Exemplo A.7. Por exemplo, a função f : R→ R dada por f(x) = x2
não é injetora, pois f(−1) = (−1)2 = 12 = f(1).
Por outro lado, se g : [0,+∞)→ R é dada por g(x) = x2, então g
é injetora, pois dados dois números não negativos a e b tais que g(a) =
g(b), isto é, a2 = b2, então a2 − b2 = 0, de onde (a − b)(a + b) = 0,
restando as possibilidades a = b ou a = −b. Como a e b são positivos,
temos que a = b.
284 A Apêndice: Funções
Denição A.8. Uma função f : A → B é dita sobrejetora (ou so-
brejetiva) se a seguinte propriedade vale:
Dado y ∈ B existe x ∈ A, tal que f(x) = y.
Exemplo A.9. Por exemplo, a função f : R → R dada por f(x) =
x2 do exemplo anterior não é sobrejetora, pois não existe nenhum
número real x tal que f(x) = −1, por exemplo. Por outro lado, se
considerarmos g(x) : R → [0,+∞) dada por g(x) = x2, então g é
sobrejetora, pois dado qualquer número não negativo b, podemos tomar
a como sendo a =√b de modo que g(a) = a2 = b.
Denição A.10. Uma função é dita bijetora (ou ainda bijetiva) se
ela é injetora e sobrejetora.
Por exemplo, a função f : R→ R dada por f(x) = x3 é uma função
bijetora, pois é injetora e sobrejetora, já que dado y ∈ R, existe um
único x ∈ R tal que y = x3.
Quando f : A → B é bijetora, então dado qualquer elemento y ∈B, existe um elemento x ∈ A tal que f(x) = y (pois f é sobrejetora) e
esse elemento é único (pois f é injetora). Em outros termos, podemos
denir uma nova função: g : B → A associando a cada elemento y ∈ Bo único elemento x em A tal que f(x) = y. Em outras palavras,
g(y) = x, se e somente se, f(x) = y.
g é chamada de função inversa de f .
Quando existe uma bijeção f entre dois conjuntos A e B, dizemos
que A e B têm a mesma quantidade de elementos ou cardinalidade.
Para mais informações sobre funções, recomendamos a leitura de [3].
Referências Bibliográcas
[1] AIGNER, M. e ZIEGLER, G. (2002). As Provas estão
no Livro. Edgard Blücher.
[2] GARCIA, A. e LEQUAIN, I. (2003). Elementos de Ál-
gebra. Projeto Euclides, IMPA.
[3] LIMA, E. L.; CARVALHO, P. C. P.; WAGNER, E. e
MORGADO, A.C. (2004). A Matemática do Ensino Mé-
dio. Volume 1. Sociedade Brasileira de Matemática.
[4] LIMA, E.L.; CARVALHO, P. C. P.; WAGNER, E. e
MORGADO, A.C. (2004). A Matemática do Ensino Mé-
dio. Volume 2. Sociedade Brasileira de Matemática.
[5] LIMA,E.L.; CARVALHO,P. C. P.; WAGNER,E. e
MORGADO,A.C. (2004). A Matemática do Ensino Mé-
dio. Volume 3. Sociedade Brasileira de Matemática.
[6] LIMA, E.L.; CARVALHO, P. C. P.; WAGNER,E. e
MORGADO, A.C. (2001). Temas e Problemas. Socie-
dade Brasileira de Matemática.
[7] LIMA, E.L. (2001). Álgebra Linear. Sociedade Brasileira
de Matemática.
285
286 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
[8] MORAIS FILHO, D. C. (2007). Um Convite à Matemá-
tica. EDUFCG.
[9] MORGADO, A.; CARVALHO, J.; CARVALHO, P.;
FERNANDEZ, P. (1991). Análise Combinatória e Pro-
babilidade . Sociedade Brasileira de Matemática.
[10] RIBENBOIM, P. (2001). Números Primos: Mistérios e
Recordes. Sociedade Brasileira de Matemática.
[11] SANTOS, J. P. O. (1993) Introdução à Teoria dos Nú-
meros. IMPA.
[12] SANTOS, J. P. O.; MELLO, M. P. e MURARI, I. T.
C. (2006). Introdução à Análise Combinatória. Editora
Unicamp.
[13] SOARES, M. G. (2005). Cálculo em uma Variável Com-
plexa. Sociedade Brasileira de Matemática.
Resolucao de ProblemasLista 01
Relembramos algumas dicas discutidas no livro-texto para ajudar na res-olucao de um problema em Matematica.
(D1) Ler bem o enunciado do problema e utilizar todas as informacoes disponıveis.
(D2) Resolver casos particulares ou casos mais simples de problemas similares,para adquirir familiaridade com o problema.
(D3) Mudar a representacao do problema, transformando-o em um problemaequivalente.
(D4) Usar a imaginacao, pesquisando caminhos alternativos.
Alem dessas dicas, vamos acrescentar mais algumas outras:
(D5) Reuna todos os fatos que voce conhece e que estejam relacionados aoproblema; Em seguida, selecione alguns deles que voce ache que possamservir para resolver o problema.
(D6) Se o problema permitir, ache um invariante. Isto e, uma quantidade oupropriedade que nao muda e que possa ser usada para resolver seu prob-lema.
(D7) Se for possıvel e conveniente, comece de tras-para-frente, iniciando nasituacao final onde voce deseja chegar e, a partir de jogadas validas, tentechegar na situacao inicial.
(D8) Antes de avancar demais, cheque o trabalho ja desenvolvido, verificandose voce cometeu algum erro. Isso lhe poupara tempo.
Claramente, nenhuma dessas dicas faria sentido se lida isoladamente e de-sconectada de um problema especıfico. Alem disso, nenhuma delas e universal,permitindo-lhe tornar-se um grande resolvedor de problemas. Na verdade, re-solver problemas e algo que so se aprende fazendo. Porem, adotar estrategiascomo as que listamos acima pode ajuda-lo a ganhar tempo. A seguir, vamoslistar alguns problemas para que voce tente empregar as estrategias descritasacima e, eventualmente, outras que voce venha a criar. Boa sorte!
Buscando um Invariante
Em algumas situacoes, a busca de uma quantidade ou de uma propriedade quenao muda quando um processo ocorre, pode levar a solucao do problema. Essaquantidade e chamada de invariante. Isso e particularmente verdadeiro quandoconsideramos problemas quem involvem impossibilidades, como os que vamosdescrever abaixo. Aplique a dica (D6) aos problemas 5, 6, 7 e 8.
1. Seis pessoas formando um cırculo seguram pequenos quadros em suasmaos, nos quais estao escritos numeros. A cada rodada, escolhe-se umadas pessoas e adiciona-se uma unidade ao numero escrito no quadro dessapessoa, bem como uma unidade aos numeros nos quadros de seus vizinhos.
(a) Se os numeros iniciais forem 1,0,1,0,0,0 e possıvel, apos repetir esseprocedimento um certo numero de vezes, fazer com que todos osquadros tenham os mesmos numeros?
(b) Se os numeros iniciais forem 5,2,0,3,5,6 mostre que e possıvel, aposrepetir esse procedimento um certo numero de vezes, fazer com quetodos os quadros tenham os mesmos numeros.
(c) Se os numeros iniciais forem 5,2,0,3,5,6, qual o menor numero dejogadas de modo que todos os quadros tenham os mesmos numeros?
2. Invente e resolva um problema, usando como inspiracao o problema ante-rior. Decida o grau de dificuldade da resolucao. E apropriado para queano? Discuta com seus colegas do PROFMAT.
3. Num tabuleiro de xadrez 8 × 8 e permitido escolher um quadrado 2 × 2qualquer e trocar as cores de uma das linhas ou colunas deste quadrado.E possıvel que se chegue a uma situacao na qual todos os quadrados dotabuleiro 8× 8 sejam brancos, exceto um?
4. Invente e resolva um problema, usando como inspiracao o problema ante-rior. Decida o grau de dificuldade da resolucao. E apropriado para queano? Discuta com seus colegas do PROFMAT.
5. Os numeros 1, 2, 3, . . . , 99 sao escritos no quadro-negro e e permitido re-alizar a seguinte operacao: apagar dois deles e substituı-los pela diferencado maior com o menor. Fazemos esta operacao sucessivamente ate restarapenas um ultimo numero no quadro. Pode o ultimo numero que restouser o zero?
Resolvendo de Tras-para-frente
Andar para tras pode ser uma ferramenta importante na solucao de umproblema. A tecnica consiste em supor que chegamos ao objetivo quepretendemos (posicao vitoriosa, por exemplo, ou uma configuracao espe-cial) e, fazendo movimentos para tras, tentamos chegar na situacao inicial.Resolva o seguinte problema usando a dica (D7):
6. Joao e Maria brincam com um monte de 30 palitos. E permitido a cadaum deles retirar no seu turno 1, 2 ou 3 palitos. Ganha quem retirar oultimo palito. Sabendo que Joao comeca e que os dois aprenderam a jogarcom o mestre sabetudo, quem ganha o jogo? E retirando-se 1,2,3 ou 4palitos, quem ganharia?
O jogo anterior se inclui numa classe chamada de jogos progressivamentefinitos. Esta classe e constituida de jogos que necessariamente acabamapos um numero de jogadas. Outro exemplo deste tipo de jogo e o seguinte:
7. Suponha agora que na pilha existam 107 palitos e que a cada rodada, Joaoe Maria se alternam, escolhendo um primo p, n ≥ 0 e inteiro nao-negativoe retirando pn palitos. Ganha quem retirar o ultimo palito. Pergunta-se:se Joao comeca o jogo, quem ganha?
8. Agora, Joao e Maria dispoem de dois montes com 30 palitos cada. Emcada turno, o jogador escolhe somente um dos montes e retira quantospalitos quiser, inclusive o monte inteiro. Ganha quem retirar o ultimopalito. Sabendo que Joao comeca, quem ganha o jogo?
9. Joao e Maria se alternam desenhando diagonais de um 2012-agono. Perdequem desenhar uma diagonal cruzando alguma outra ja desenhada. Quale a estrategia vitoriosa para esse jogo?
Usando equacoes
10. Demonstre que:
(a) n4 + 4 nao e primo se n > 1;
(b) Generalize, mostrando que n4 + 4n nao e primo, para todo n > 1.
11. Nove copias de certas notas custam menos de R$ 10,00 e dez copias dasmesmas notas (com o mesmo preco) custam mais de R$ 11,00. Quantocusta uma copia das notas?
12. As paginas de um livro sao numeradas de 1 ate n. Ao somarmos estesnumeros, por engano um deles e somado duas vezes, obtendo-se o resultadoincorreto: 2.012. Qual e o numero da pagina que foi somado duas vezes?
13. Analise variacoes deste problema. Por exemplo, permita que se some doisnumeros consecutivos duas vezes, ou ainda, o mesmo numero tres vezes.Mude o valor da soma. Para cada mudanca que voce fizer, discuta comseus colegas do PROFMAT a serie onde um desafio desse poderia serproposto.
14. Mostre que entre os retangulos com um mesmo perımetro, o de maior areae um quadrado.
15. Mostre que para quaisquer a, b, c reais vale
a2 + b2 + c2 ≥ ab+ ac+ bc.
16. Usando cada dıgito 1,2,3,4,5,6,7,8, 9 somente uma vez, decida se e possıvelescrever numeros de modo que sua soma seja 100.
17. Invente e resolva um problema, usando como inspiracao o problema ante-rior. Decida o grau de dificuldade da resolucao. E apropriado para queano? Discuta com seus colegas do PROFMAT.
18. Joao esta na beira de um rio com dois baldes de 9 e 4 litros, sem marcacoes.Ele deseja medir exatamente 6 litros de agua para poder levar para Mariafazer uma deliciosa sopa para sua numerosa famılia. Mostre como Joaodevera proceder para obter os 6 litros de agua.
19. Analise variacoes deste problema. Por exemplo, permita que a quantidadea ser separada seja diferente de 6, ou ainda, que os baldes tenham outracapacidade. Por exemplo, discuta o que ocorre quando os baldes temMDC diferente de 1. Decida o grau de dificuldade da resolucao de cadaproblema que voce criar. E apropriado para que ano? Discuta com seuscolegas do PROFMAT.
20. Faca mentalmente as seguintes multiplicacoes:
(a) 27× 37
(b) 21× 23
21. Invente e resolva um problema, usando como inspiracao o problema ante-rior. Decida o grau de dificuldade da resolucao. E apropriado para queano? Discuta com seus colegas do PROFMAT.
Sugestoes de Leitura
• Revista Eureka!
Na revista Eureka! e possıvel encontrar varios problemas interessantes edesafiadores, alem de artigos que tratam de assuntos que nao sao rotineirosna sala de aula. A revista esta disponıvel no site www.obm.org.br, ondepodem ser encontradas as provas (muitas resolvidas) da Olimpıada Brasileirade Matematica.
• Colecao de Iniciacao Cientıfica Junior da OBMEP
A colecao e destinada aos alunos premiados na Olimpıada Brasileira deMatematica das Escolas Publicas. Pode ser baixada em http://www.obmep.org.br,onde e possıvel tambem obter um banco de problemas e solucoes.
• Tio Petros http://tiopetrus.blogia.com/
Um blog interessante, com varios recursos que podem ser aproveitados.Cabe ao leitor uma leitura crıtica.
Alem da colecao Olimpıadas de Matematica e da colecao Professor deMatematica, que podem ser adquiridos no site www.sbm.org.br, recomendoa leitura dos seguintes livros:
• How to solve it - G. Polya, Princeton Science Library. Princeton UniversityPress, 1945.
Excelente livro sobre didatica da Matematica e a arte de resolver proble-mas. O autor apresenta seu ponto de vista sobre as tecnicas de resolucaode problemas, com alguns exemplos discutidos. A discussao envolve prob-lemas de todos os nıveis (Fundamental e Medio). Sem traducao (que euconheca) para o portugues.
• Mathematical Circles: Russian Experience (Mathematical World, Vol. 7)Dimitri Fomin, Sergey Genkin, Ilia V. Itenberg.
Excelente livro, com varios problemas interessantes para ampliar a visaodo estudante. Esta dividido em duas partes, sendo a primeira dedicadaaos primeiros anos do Fundamental II. Os problemas sao daqueles queconsideramos de raciocınio, privilegiando a criatividade e ideias novas dosestudantes. Pode ser usado como livro para um clube ou grupo especialde treinamento de Matematica na sua escola.
• Problem Solving Strategies - A. Engel. Problem Books in Mathematics,Springer.
Uma coletanea de exercıcios, em geral do nıvel de olimpıadas de matematica.Esta separado por temas (geometria, inducao etc) e com dicas e resolucoespara os exercıcios propostos. Pode ser usado numa turma avancada depreparacao para olimpıadas ou exames difıceis.
Resolucao de ProblemasLista 01 com dicas e discussao
Faca mentalmente as seguintes multiplicacoes:
1. 27× 37
2. 21× 23
Invente e resolva um problema, usando como inspiracao o problema anterior.Decida o grau de dificuldade da resolucao. E apropriado para que ano? Discutacom seus colegas do PROFMAT.
Dica 1. Para o item a), note que 3× 37 = 111. Para o item b), lembre-se que212 = 441.
Discussao 1. A ideia desse problema e simplesmente ilustrar que conhecimentoprevio relacionado ao que procuramos pode ajudar na resolucao de um problema.Creio que e o tipo problema que pode ser usado em qualquer serie, especialmenteas menores do Fundamental II. Discuta com seus colegas a respeito. Comecardo zero um problema pode tornar mais difıcil encontrar a solucao do problema.Uma avaliacao criteriosa de fatos conhecidos ou de problemas semelhantes podenos ajudar a encontrar a solucao mais rapidamente.
Buscando um Invariante
Em algumas situacoes, a busca de uma quantidade ou de uma propriedade quenao muda quando um processo ocorre, pode levar a solucao do problema. Essaquantidade e chamada de invariante. Isso e particularmente verdadeiro quandoconsideramos problemas quem involvem impossibilidades, como os que vamosdescrever abaixo. Aplique a dica (D6) aos problemas 5, 6, 7 e 8.
1. Seis pessoas formando um cırculo seguram pequenos quadros em suasmaos, nos quais estao escritos numeros. A cada rodada, escolhe-se umadas pessoas e adiciona-se uma unidade ao numero escrito no quadro dessapessoa, bem como uma unidade aos numeros nos quadros de seus vizinhos.
(a) Se os numeros iniciais forem 1,0,1,0,0,0 e possıvel, apos repetir esseprocedimento um certo numero de vezes, fazer com que todos osquadros tenham os mesmos numeros?
(b) Se os numeros iniciais forem 6,3,0,0,3,6 mostre que e possıvel, aposrepetir esse procedimento um certo numero de vezes, fazer com quetodos os quadros tenham os mesmos numeros.
(c) Se os numeros iniciais forem 6,3,0,0,3,6, qual o menor numero dejogadas de modo que todos os quadros tenham os mesmos numeros?
Dica 2. Observe o resto na divisao por 3 da soma dos numeros nos quadrose um invariante.
Discussao 2. A nocao-chave aqui e o que vem a ser um invariante. E im-portante frisar que algo nao muda quando realizamos uma jogada. Nestecaso, para o primeiro item, o invariante em questao e o resto da divisaoda soma total por 3. Como a soma da configuracao inicial deixa resto 2quando dividida por 3, temos que e impossıvel chegar na situacao onde to-dos os numeros dos quadros sao iguais comecando com 1,0,1,0,0,0, ja quese todos os numeros sao iguais, o resto da soma e zero quando divididapor 3.
Para o segundo item, basta fazer uma construcao. Em geral, o alunocomeca com o processo tentativa-e-erro, ate pegar o jeito e inferir que jo-gadas sao interessantes para atingir o objetivo. E importante guiar o alunoneste processo, estimulando a inferencia de propriedades gerais. Isso per-mite, por exemplo, ter ideias sobre o terceiro item. Por exemplo, ele podeperceber que os numeros so aumentam a cada jogada. Isso permite inferirque o numero mınimo de jogadas deve ser maior igual a (36-18)/3=6. Issose deve ao fato que a primeira configuracao que talvez seja possıvel queigual todos os numeros e 6,6,6,6,6,6 (soma 36) e que a configuracao inicial6,3,0,0,3,6 tem soma 18. Assim, como a cada jogada acrescentamos 3, omınimo e maior ou igual a 6. De fato, 6 e o mınimo pois uma sequenciaque resolve o problema e
6, 3, 0, 0, 3, 6 → 6, 4, 1, 1, 3, 6 → 6, 4, 2, 2, 4, 6 →
6, 5, 3, 3, 4, 6 → 6, 5, 4, 4, 5, 6 → 6, 6, 5, 5, 5, 6 → 6, 6, 6, 6, 6, 6.
2. Invente e resolva um problema, usando como inspiracao o problema ante-rior. Decida o grau de dificuldade da resolucao. E apropriado para queano? Discuta com seus colegas do PROFMAT.
3. Num tabuleiro de xadrez 8 × 8 e permitido escolher um quadrado 2 × 2qualquer e trocar as cores de uma das linhas ou colunas deste quadrado.E possıvel que se chegue a uma situacao na qual todos os quadrados dotabuleiro 8× 8 sejam brancos, exceto um?
Dica 3. Olhe a paridade da diferenca entre o numero de quadrados bran-cos e quadrados pretos.
Discussao 3. A paridade da diferenca entre o numero de quadrados bran-cos e quadrados pretos nao muda a cada operacao permitida. Como noinıcio temos 32 quadrados brancos e 32 quadrados pretos, a cada passoteremos sempre um numero PAR como resultado da diferenca entre osquadrados brancos e os quadrados pretos, mostrando que e impossıvelatingir a configuracao pedida.
4. Invente e resolva um problema, usando como inspiracao o problema ante-rior. Decida o grau de dificuldade da resolucao. E apropriado para queano? Discuta com seus colegas do PROFMAT.
5. Os numeros 1, 2, 3, . . . , 99 sao escritos no quadro-negro e e permitido rea-lizar a seguinte operacao: apagar dois deles e substituı-los pela diferencado maior com o menor. Fazemos esta operacao sucessivamente ate restarapenas um ultimo numero no quadro. Pode o ultimo numero que restouser o zero?
Resolvendo de Tras-para-frente
Andar para tras pode ser uma ferramenta importante na solucao de umproblema. A tecnica consiste em supor que chegamos ao objetivo quepretendemos (posicao vitoriosa, por exemplo, ou uma configuracao espe-cial) e, fazendo movimentos para tras, tentamos chegar na situacao inicial.Resolva o seguinte problema usando a dica (D7):
6. Joao e Maria brincam com um monte de 30 palitos. E permitido a cadaum deles retirar no seu turno 1, 2 ou 3 palitos. Ganha quem retirar oultimo palito. Sabendo que Joao comeca e que os dois aprenderam a jogarcom o mestre sabetudo, quem ganha o jogo? E retirando-se 1,2,3 ou 4palitos, quem ganharia?
Dica 4. Para o jogo retirando-se 1,2 ou 3 palitos, tente resolver o problemafazendo uso do mınimo de itens da lista abaixo.
(a) Reduza o numero de palitos no monte.
(b) Tente com 7 e depois passe para 10 palitos.
(c) Analise o que acontece quando seu adversario esta na posicao 4.
(d) Analise o que acontece quando seu adversario esta na posicao 8.
(e) Analise o que acontece quando seu adversario esta em uma posicaomultiplo de 4.
Discussao 4. A estrategia vencedora e deixar seu adversario numa posicaomultiplo de 4. Verifique isso tracando uma arvore de possıveis caminhos apartir de uma dada posicao, onde a posicao 0 significa vitoria. Isso podeser feito construindo-se um grafo orientado, isto e, um conjunto de pontos(posicoes) e setas indicando as jogadas permitidas.
O jogo anterior se inclui numa classe chamada de jogos progressivamentefinitos. Esta classe e constituida de jogos que necessariamente acabamapos um numero de jogadas. Outro exemplo deste tipo de jogo e o seguinte:
7. Suponha agora que na pilha existam 107 palitos e que a cada rodada, Joaoe Maria se alternam, escolhendo um primo p, n ≥ 0 e inteiro nao-negativoe retirando pn palitos. Ganha quem retirar o ultimo palito. Pergunta-se:se Joao comeca o jogo, quem ganha?
Dica 5. Observe que o primeiro numero que nao e potencia de primo e o6. Ou seja, se Joao deixa Maria com 6 palitos na jogada dela, Joao ganha.
Discussao 5. O conjunto de posicoes vitoriosas consiste nos multiplos de6. De fato, se Joao deixa Maria com um multiplo de 6 palitos na jogadadela, depois de Maria retirar uma potencia de primo, Joao pode retornara uma posicao que e multiplo de 6 retirando 1,2,3,4 ou 5 palitos. Assim,no final Maria estara na posicao 6 e Joao ganhara o jogo.
8. Agora, Joao e Maria dispoem de dois montes com 30 palitos cada. Emcada turno, o jogador escolhe somente um dos montes e retira quantospalitos quiser, inclusive o monte inteiro. Ganha quem retirar o ultimopalito. Sabendo que Joao comeca, quem ganha o jogo?
Dica 6. Olhe na expressao dos montes quando escritos na base 2.
Discussao 6. A estrategia vencedora desse jogo e deixar seu oponentenuma situacao de modo que quando somamos os dıgitos na base doisdos montes relativos a mesma potencia, o resultado e par. Ou seja, osdıgitos sao iguais. Por exemplo, se os montes tem 15 e 21 palitos, primeiroescrevemos eles na base dois:
15 = (1111)2 e 21 = (10101)2.
Em seguida, escrevemos a soma
10101
+1111
−−−−11212
Chamaremos de posicao vencedora, aquela que obtiver como resultado dassomas das colunas apenas os dıgitos 2 e 0. As demais sao as perdedoras.Por exemplo, a posicao acima (um monte com 15 e outro com 21) e posicaoperdedora. Para vencer o jogo, basta o jogador transformar este resultado(11212) numa posicao vencedora, retirando palitos. Por exemplo, pode-mos retirar 6 palitos do monte com 21 para deixa-lo com 15 tambem.Assim, a soma coluna a coluna dos dıgitos sera (2222). Para mostrar quea estrategia e a vitoriosa, voce deve verificar que
• A partir de uma posicao vencedora, sempre podemos ir para umaposicao perdedora.
• A partir de uma posicao perdedora, nunca podemos ir para umaposicao vencedora
Como o zero e uma posicao vencedora, essa e a estrategia vitoriosa dojogo.
9. Joao e Maria se alternam desenhando diagonais de um 2012-agono. Perdequem desenhar uma diagonal cruzando alguma outra ja desenhada. Quale a estrategia vitoriosa para esse jogo?
Dica 7. Observe que o que acontece quando um jogador traca uma di-agonal principal, isto e, aquela que divide o polıgono em dois polıgonoscom a mesma quantidade de vertices.
Discussao 7. Como temos uma quantidade par de vertices, e possıveltracar alguma diagonal principal. Digamos que Joao tenha tracado umadiagonal principal, dividindo o 2012-agono em dois 1006-agonos, P1 e P2.A seguir, observe que as diagonais que nao cruzam a diagonal principalcorresponde exatamente as diagonais de um dos dois polıgonos obtidos.Assim, para cada diagonal de Maria que nao cruza a diagonal principal,Joao podera tracar uma diagonal correspondente no outro polıgono. Aofinal, Maria tera que cruzar a diagonal principal tracada.
Usando equacoes do primeiro e segundo graus
10. Nove copias de certas notas custam menos de R$ 10,00 e dez copias dasmesmas notas (com o mesmo preco) custam mais de R$ 11,00. Quantocusta uma copia das notas?
11. As paginas de um livro sao numeradas de 1 ate n. Ao somarmos estesnumeros, por engano um deles e somado duas vezes, obtendo-se o resultadoincorreto: 2.012. Qual e o numero da pagina que foi somado duas vezes?
Discussao 8. Primeiramente, relembre que a soma dos n primeiros numerose S = n(n+ 1)/2. Observe tambem a soma efetuada incorretamente estaentre S + 1 e S + n. Assim, sabemos que S + 1 ≤ 2012 ≤ S + n, ou seja,
n2 + n+ 2 ≤ 4024 ≤ n2 + 3n
Testando os valores de n2 + n + 2 temos que n = 62, ja que 61 e poucoe 63 e demais e a funcao e crescente. Portanto, o valor desejado e obtidofazendo 2012− S = 58.
12. Analise variacoes deste problema. Por exemplo, permita que se some doisnumeros consecutivos duas vezes, ou ainda, o mesmo numero tres vezes.Mude o valor da soma. Para cada mudanca que voce fizer, discuta comseus colegas do PROFMAT a serie onde um desafio desse poderia serproposto.
13. Determine os valores de a para os quais a funcao quadratica ax2−ax+12e sempre positiva.
14. Mostre que entre os retangulos com um mesmo perımetro, o de maior areae um quadrado.
15. Mostre que para quaisquer a, b, c reais vale
a2 + b2 + c2 ≥ ab+ ac+ bc.
16. Usando cada dıgito 1,2,3,4,5,6,7,8, 9 somente uma vez, decida se e possıvelescrever numeros de modo que sua soma seja 100.
Discussao 9. A resposta deste problema e negativa, ou seja, e impossıvelrealizar o que se pede. De fato, primeiramente observe que todos osnumeros construıdos tem que ser menores que 100. Portanto, cada numerotem no maximo dois dıgitos. Digamos que os dıgitos que forem usados nacasa das unidades dos numeros construıdos formem um conjunto com somat. Naturalmente, o conjunto dos numeros que foram usados nos algaris-mos das dezenas dos numeros construıdos formara um conjunto com soma45− t, ja que 1+ 2+ 3+ . . .+9 = 45. Portanto, teremos que a soma sera
(45− t)10 + t = 100,
e essa equacao do primeiro grau nao tem solucoes inteiras.
17. Invente e resolva um problema, usando como inspiracao o problema ante-rior. Decida o grau de dificuldade da resolucao. E apropriado para queano? Discuta com seus colegas do PROFMAT.
18. Joao esta na beira de um rio com dois baldes de 9 e 4 litros, sem marcacoes.Ele deseja medir exatamente 6 litros de agua para poder levar para Mariafazer uma deliciosa sopa para sua numerosa famılia. Mostre como Joaodevera proceder para obter os 6 litros de agua.
19. Analise variacoes deste problema. Por exemplo, permita que a quantidadea ser separada seja diferente de 6, ou ainda, que os baldes tenham outracapacidade. Por exemplo, discuta o que ocorre quando os baldes temMDC diferente de 1. Decida o grau de dificuldade da resolucao de cadaproblema que voce criar. E apropriado para que ano? Discuta com seuscolegas do PROFMAT.
Resolucao de ProblemasLista 02
Divisibilidade
1. Prove que se n e ımpar
(a) n2 − 1 e divisıvel por 8;
(b) n3 − n e divisıvel por 24;
(c) n2 + (n+ 2)2 + (n+ 4)2 + 1 e divisıvel por 12.
2. Tres numeros primos p, q e r, maiores que 3, formam uma progressaoaritmetica, ou seja, q = p+ d e r = p+2d. Prove que d e divisıvel por 6.1
3. Mostre que 311 − 3 e divisıvel por 112.
4. Um robo possui dois botoes, permitindo que a cada momento ele suba adegraus ou desca b degraus de uma escada com infinitos degraus. Sabendoque o robo esta no inıcio da escada, pergunta-se:
(a) Se a = 12 e b = 3, e possıvel que o robo visite todos os degraus aposuma sucessao desses movimentos?
(b) Mostre que se a e b sao primos entre si, o robo consegue visitar todosos degraus.
5. Encontre o resto que deixa
(a) 2001 · 2002 · 2003 · 2004 + 20052 quando e dividido por 7;
(b) 2100 quando e dividido por 3;
(c)(1237156 + 34
)28quando e dividido por 111.
6. Encontrar o ultimo dıgito dos numeros
(a) 19892005;
(b) 777777 + 250;
(c) 1 + 22 + 32 + · · ·+ 20052.
7. Verifique que111 . . . 1︸ ︷︷ ︸2012 uns
= 222 . . . 2︸ ︷︷ ︸1006 dois
+(333 . . . 3︸ ︷︷ ︸1006 tres
)2.
1Foi demonstrado em 2004 pelos Matematicos B. Green e T. Tao que existem progressoesaritmeticas de tamanho arbitrariamente grande formadas somente por primos. A prova podeser encontrada em www.arxiv.org.
8. Demonstre que o numero 1 000 . . . 00︸ ︷︷ ︸2012 zeros
1 e composto.
9. Considere o polinomio p(n) = amnm+am−1nm−1+ · · ·+a0 de grau m ≥ 1
com coeficientes inteiros e n ∈ N. Prove que p(n) e um numero compostopara infinitos valores de n.2
10. Prove que se (x0, y0) e uma solucao da equacao diofantina linear ax−by =1, entao a area do triangulo cujos vertices sao (0, 0), (b, a) e (x0, y0) e1/2.
11. Ao entrar numa sala, Joao se depara com 100 interruptores e 100 lampadas,numerados de 1 a 100. O interruptor n acende somente a lampada n, paracada valor de n = 1, 2, . . . , 100. De inıcio, todas as 100 lampadas estaoapagadas. Joao aperta todos os interruptores multiplos de 2. A seguir,aperta todos os multiplos de 3, e assim sucessivamente, ate o unico inter-ruptor multiplo de 100. Ao final deste procedimento, pergunta-se:
(a) Quais lampadas estao apagadas?
(b) Quantas lampadas acenderam exatamente 4 vezes?
(c) Qual e o numero da lampada que mais acendeu?
2Sugestao: Use o fato de que existe a ∈ N tal que α = |p(a)| > 1 e mostre que α divide ap(αk + a), para todo k ∈ Z.
Princıpio das Casas dos Pombos
12. Seja C um conjunto formado por cinco pontos de coordenadas inteiras noplano. Prove que o ponto medio de algum dos segmentos com extremosem C tem tambem coordenadas inteiras.
13. O conjunto dos dıgitos 1, 2, ..., 9 e dividido em tres grupos. Prove que oproduto dos numeros de algum dos grupos deve ser maior que 71.
14. Prove que se N e ımpar entao para qualquer bijecao
p : IN → IN
do conjunto IN = 1, 2, . . . , N o produto P (p) = (1−p(1))(2−p(2)) · · · (N−p(N)) e necessariamente par.3
15. Dado um conjunto de 25 pontos no plano tais que entre quaisquer 3 delesexiste um par com distancia menor que 1. Prove que existe um cırculo deraio 1 que contem pelo menos 13 dos 25 pontos dados.
16. Marquemos todos os centros dos 64 quadradinhos de um tabuleiro dexadrez de 8× 8. E possıvel cortar o tabuleiro com 13 linhas retas que naopassem pelos pontos marcados e de forma tal que cada pedaco de recortedo tabuleiro tenha no maximo um ponto marcado?
17. Prove que existem duas potencias de 3 cuja diferenca e divisıvel por 2012.
18. Mostre que entre nove numeros que nao possuem divisores primos maioresque cinco, existem dois cujo produto e um quadrado.
19. Um disco fechado de raio um contem sete pontos, cujas distancias entrequaisquer dois deles e maior ou igual a um. Prove que o centro do disco eum destes pontos.
20. Seja a um numero irracional. Prove que existem infinitos numeros racio-nais r = p/q tais que |a− r| < 1/q2.
21. Suponha que cada ponto do reticulado4 plano e pintado de vermelho ou azul.Mostre que existe algum retangulo com vertices no reticulado e todos da mesmacor.
22. Um certo livreiro vende pelo menos um livro por dia. Sabendo que o livreirovendeu 463 livros durante 305 dias consecutivos, mostre que em algum perıodode dias consecutivos o livreiro vendeu exatamente 144 livros.
3Dica: O produto de varios fatores e par se, e somente se, um dos fatores e par.4Reticulado refere-se ao conjunto dos pontos do plano com coordenadas inteiras
Resolucao de ProblemasLista 02
Solucoes dos Exercıcios de Divisibilidade
1. Prove que se n e ımpar
(a) n2 − 1 e divisıvel por 8;
Demonstracao. Como n e ımpar, temos que n = 2q + 1 para algumq ∈ Z. Assim,
n2 − 1 = (2q + 1)2 − 1 = 4q2 + 4q + 1− 1 = 4q2 + 4q = 4q(q + 1).
Como q e q + 1 sao consecutivos, um deles tem que ser par. Logo,n2 − 1 e divisıvel por 8.
(b) n3 − n e divisıvel por 24;
Demonstracao. Usaremos o fato que
se a, b sao primos entre si, entao c e divisıvel por ab se, e somentese, c e divisıvel por a e por b.
Assim, para mostrar que n3 − n e multiplo de 24, basta mostrar quen3 − n e multiplo de 3 e de 8, uma vez que 3 e 8 sao primos entre si.Observe que n3−n = n(n2− 1). Como n e ımpar, segue do exercıcioanterior que n3 − n e divisıvel por 8. A divisibilidade por 3 decorredo lema dos restos. De fato, se n ≡ 0 mod 3, n3 − n sera multiplode 3, claramente. Se n ≡ 1 mod 3, temos que n3 − n sera multiplode 3, ja que
13 − 1 ≡ 0 mod 3.
Se n ≡ 2 mod 3, temos que n3 − n sera multiplo de 3, ja que
23 − 2 ≡ 0 mod 3,
completando assim a prova.
(c) n2 + (n+ 2)2 + (n+ 4)2 + 1 e divisıvel por 12.
Demonstracao. Novamente, usaremos o fato que se a, b sao primos entresi, entao c e divisıvel por ab se, e somente se, c e divisıvel por a e porb. Assim, para mostrar que a expressao e multiplo de 12, basta mostrarque 3 e de 4. Vamos primeiro a divisibilidade por 4. Observe que comon e ımpar, basta verificar os casos quando n ≡ 1 mod 4 e n ≡ 3 mod 4.Quando n ≡ 1 mod 4 temos que
n2 +(n+2)2 +(n+4)2 +1 ≡ 12 +(1+2)2 +(1+4)2 +1 ≡ 36 ≡ 0 mod 4.
Do mesmo modo, quando n ≡ 3 mod 4 temos que
n2 +(n+2)2 +(n+4)2 +1 ≡ 32 +(3+2)2 +(3+4)2 +1 ≡ 84 ≡ 0 mod 4.
Para verificar a divisibilidade por 3, repetimos o argumento usando osrestos da divisao por 3. Observe que quando n ≡ 0 mod 3 temos que
n2 +(n+2)2 +(n+4)2 +1 ≡ 02 +(0+2)2 +(0+4)2 +1 ≡ 21 ≡ 0 mod 3.
Procedendo de modo inteiramente analogo para os casos n ≡ 1 mod 3 en ≡ 2 mod 3, completamos a prova.
2. Tres numeros primos p, q e r, maiores que 3, formam uma progressaoaritmetica, ou seja, q = p+ d e r = p+ 2d. Prove que d e divisıvel por 6.1
Demonstracao. Temos que d e par, ja que d = q − p, com p e q primosmaiores que dois, logo ımpares. Basta mostrar que d e divisıvel por 3.Ora, supondo o contrario, temos que d ≡ 1 mod 3 ou n ≡ 2 mod 3.Analisando o resto de q e r modulo 3 nas tabelas a seguir (em funcao dosrestos de d nas colunas e p nas linhas).
Para q temos
mod 3 d ≡ 1 d ≡ 2p ≡ 1 2 0p ≡ 2 0 1.
Para r temos:
mod 3 d ≡ 1 d ≡ 2p ≡ 1 0 1p ≡ 2 1 0.
1Foi demonstrado em 2004 pelos Matematicos B. Green e T. Tao que existem progressoesaritmeticas de tamanho arbitrariamente grande formadas somente por primos. A prova podeser encontrada em www.arxiv.org.
Logo, se d nao e divisıvel por 3, ou q ou r serao divisıveis por 3, o que eimpossıvel, ja que sao ambos numeros primos.
3. Mostre que 311 − 3 e divisıvel por 112.
4. Um robo possui dois botoes, permitindo que a cada momento ele suba adegraus ou desca b degraus de uma escada com infinitos degraus. Sabendoque o robo esta no inıcio da escada, pergunta-se:
(a) Se a = 12 e b = 3, e possıvel que o robo visite todos os degraus aposuma sucessao desses movimentos?
Demonstracao. Se apertamos o botao de subir x vezes e o de descery vezes, o robo ira subir ou descer 12x − 3b degraus. Note que essenumero e sempre multiplo de 3, nao sendo possıvel para o robo comuma sequencia desses movimentos atingir um degrau com numeroque nao e divisıvel por 3.
(b) Mostre que se a e b sao primos entre si, o robo consegue visitar todosos degraus.
Demonstracao. Como a e b sao primos entre si, pelo Teorema deBezout-Bachet, e possıvel encontrar x e y de modo que ax− by = 1.Assim, o robo pode sair do nıvel inicial e ir para o degrau 1 apertando-se x vezes o botao de subir e em seguida apertando-se y vezes o botaode descer. Repetindo esse procedimento, o robo pode atingir qualquerdegrau.
5. Encontre o resto que deixa
(a) 2001 · 2002 · 2003 · 2004 + 20052 quando e dividido por 7;
Demonstracao. Vamos usar o lema dos restos. 2001 quando divididopor 7 deixa resto 6; Assim, 2002 e divisıvel por 7 e 2005 deixa resto3 quando dividido por 7. Logo, 20052 deixa resto 2, ja que 32 deixaresto 2 quando dividido por 7.
(b) 2100 quando e dividido por 3;
Demonstracao. 22 resto 1 quando dividido por 3. Logo, 2100 = (22)50deixa resto 1 quando dividido por 3.
(c)(1237156 + 34
)28quando e dividido por 111.
6. Encontrar o ultimo dıgito dos numeros
(a) 19892005;
(b) 777777 + 250;
(c) 1 + 22 + 32 + · · ·+ 20052.
7. Verifique que111 . . . 1︸ ︷︷ ︸2012 uns
= 222 . . . 2︸ ︷︷ ︸1006 dois
+(333 . . . 3︸ ︷︷ ︸1006 tres
)2.
Demonstracao. Observe que
111 . . . 1︸ ︷︷ ︸2012 uns
=102012 − 1
9
e que
222 . . . 2︸ ︷︷ ︸1006 dois
= 2×(101006 − 1
)9
e (333 . . . 3︸ ︷︷ ︸1006 tres
)2 = 9×(101006 − 1
9
)2.
Portanto, basta verificar que
102012 − 1
9= 2× 101006 − 1
9+ 9×
(101006 − 1
9
)2,
De fato, cancelando 9 em ambos os lados
102012 − 1 = 2× (101006 − 1) + (101006 − 1)2,
como querıamos demonstrar.
8. Demonstre que o numero 1 000 . . . 00︸ ︷︷ ︸2012 zeros
1 e composto.
Demonstracao. Para termos uma ideia da prova deste fato, vamos provarque 1001 e composto. Ora, temos que
1001 = 11× 91.
Do mesmo modo, 100001 = 11 × 9091 e que 10000001 = 11 × 909091.Assim, depois dessa analise inicial, fica bem claro que nosso candidatopara divisor do numero pedido e o 11; Podemos verificar sem maioresdificuldades que
1 000 . . . 00︸ ︷︷ ︸2012 zeros
1 = 11× 9090 . . . 90︸ ︷︷ ︸1005 vezes
91.
9. Considere o polinomio p(n) = amnm+am−1n
m−1+ · · ·+a0 de grau m ≥ 1com coeficientes inteiros e n ∈ N. Prove que p(n) e um numero compostopara infinitos valores de n.2
10. Prove que se (x0, y0) e uma solucao da equacao diofantina linear ax−by =1, entao a area do triangulo cujos vertices sao (0, 0), (b, a) e (x0, y0) e1/2.
11. Ao entrar numa sala, Joao se depara com 100 interruptores e 100 lampadas,numerados de 1 a 100. O interruptor n acende somente a lampada n, paracada valor de n = 1, 2, . . . , 100. De inıcio, todas as 100 lampadas estaoapagadas. Joao aperta todos os interruptores multiplos de 2. A seguir,aperta todos os multiplos de 3, e assim sucessivamente, ate o unico inter-ruptor multiplo de 100. Ao final deste procedimento, pergunta-se:
(a) Quais lampadas estao apagadas?
Demonstracao. Dado um numero natural n = pα11 · · · p
αk
k , com p′isprimos e α′is ≥ 0, sabemos que o numero de divisores de n e
d(n) = Πki=1(αi + 1).
Para responder essa pergunta, basta analisar quantos divisores cadanumero de 1 a 100 possui. Na verdade, basta verificar a paridadeda quantidade de divisores de cada numero, ja que se d(n) for par,a lampada n ficara acesa. Da expressao acima, e claro que d(n) eımpar se, e somente se, αi e par, para cada valor de i. Assim, d(n)e ımpar se, e somente se, n e um quadrado. Logo, as lampadas queficarao apagadas sao aquelas que tem numero que e um quadradoperfeito.
(b) Quantas lampadas acenderam exatamente 4 vezes?
Demonstracao. Basta contar quantas lampadas tem 8 ou 9 diviso-res. Fazendo a contagem usando a expressao em produto de primos,obtemos a lista: 24, 30, 36, 40, 42, 54, 56, 66, 70, 78, 88 e 100.
(c) Qual e o numero da lampada que mais acendeu?
Demonstracao. Essa lampada corresponde aos numeros que tem maisdivisores. O problema esta mal-formulado, ja que temos cinco numeroscom exatamente 12 divisores: 60, 72, 84, 90 e 96.
2Sugestao: Use o fato de que existe a ∈ N tal que α = |p(a)| > 1 e mostre que α divide ap(αk + a), para todo k ∈ Z.
Resolucao de ProblemasLista 03
1. De quantas maneiras podemos escolher tres numeros distintos do conjuntoI50 = 1, 2, 3, . . . , 49, 50 de modo que sua soma seja
a) um multiplo de 3?
b) um numero par?
2. Considere o conjunto In = 1, 2, 3, . . . , n−1, n. Diga de quantos modos epossıvel formar subconjuntos de k elementos nos quais nao haja numerosconsecutivos?
3. Considere as letras da palavra PERMUTA. Quantos anagramas de 4 letraspodem ser formados, onde:
a) nao ha restricoes quanto ao numero de consoantes ou vogais?
b) o anagrama comeca e termina por vogal?
c) a letra R aparece?
d) a letra T aparece e o anagrama termina por vogal?
4. Calcular a soma de todos os numeros de 5 algarismos distintos formadoscom os algarismos 1, 3, 5, 7 e 9.
5. Quantos numeros podem ser formados pela multiplicacao de alguns ou detodos os numeros 2, 2, 3, 3, 3, 5, 5, 6, 8, 9, 9?
6. Quantos sao os numeros naturais de sete dıgitos nos quais o dıgito 4 figuraexatamente 3 vezes e o dıgito 8 figura exatamente 2 vezes?
7. De quantas maneiras uma comissao de 4 pessoas pode ser formada, de umgrupo de 6 homens e 6 mulheres, se a mesma e composta de um numeromaior de homens do que de mulheres?
8. O comprimento de uma palavra e a quantidade de caracteres que ela pos-sui. Encontre a quantidade de palavras de comprimento 5 que podemosformar fazendo uso de 10 caracteres distintos, de forma que nao existamtres caracteres consecutivos identicos em cada palavra.
9. De quantos modos 6 casais podem sentar-se ao redor de uma mesa circularde tal forma que marido e mulher nao fiquem juntos?
10. Quantas sao as permutacoes das letras da palavra PROFMAT em que oP ocupa o primeiro lugar, ou o T ocupa o segundo lugar, ou o A o sextolugar?
11. De quantas formas podemos representar o numero 15 como soma de variosnumeros naturais?
12. Quantos quadrados perfeitos existem entre 40.000 e 640.000 que sao multiplossimultaneamente de 3, 4 e 5?
13. Oito amigos vao ao cinema assistir a um filme que custa um real. Quatrodeles possuem uma nota de um real e quatro possuem uma nota de doisreais. Sabendo-se que o caixa do cinema nao possui nenhum dinheiro, dequantas formas eles podem organizar uma fila para pagar o filme permi-tindo o troco pelo caixa?
14. Encontre o numero de zeros que termina o numero 2010!.
15. A funcao φ de Euler associa a cada numero natural n o valor φ(n) igual aonumero de inteiros positivos menores ou iguais a n relativamente primoscom n. Ou seja,
φ(n) =∣∣1 ≤ m ≤ n; (m,n) = 1
∣∣.Usando os princıpios estudados, mostre que se n se decompoe em fatoresprimos como n = pα1
1 pα22 . . . pαk
k , entao
φ(n) = n
(1− 1
p1
)(1− 1
p2
). . .
(1− 1
pk
).
Recommended