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Os boletins mensais do projecto MEDIA + Igual apresentam uma selecção de notícias dos media portugueses monitorizados pelo projecto e as respectivas as análises, consensualizadas no âmbito de reuniões periódicas entre os parceiros da ULAI - Unidade Local de Análise de Imprensa. O projecto MEDIA + Igual é promovido pelo IEBA Centro de Iniciativas Empresariais e Sociais e apoiado pela UE-FSE / Governo de Portugal / QREN / POPH-GIG.
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Boletim Informativo
Integra uma selecção de notícias
publicadas de 1 a 30 de Abril de 2014,
a partir da monitorização de nove
títulos de imprensa escrita portugue-
sa:
- dois de âmbito regional:
As Beiras
Diário de Coimbra
- sete de âmbito nacional:
Correio da Manhã
Diário de Notícias
Público
Caras
Maria
Happy Woman
Men’s Health
Nesta edição:
1. Editorial
2/3. Pela positiva
4/5. Em análise: revista Vidas
6/7. Visibilidades LGBT
8/9. Violência doméstica
10/11. Em poucas palavras
12. A fechar/ Agradecimentos finais
Boletim Informativo Escrita Igualitária nos Media Maio e Junho de 2014 09
MEDIA +igual
Foi enriquecedor o percurso que nos trouxe aqui, quase dez meses após as pri-
meiras semanas de monitorização de imprensa, ao abrigo do projecto ME-
DIA+Igual. Dez meses depois, sabemos mais sobre como é que as desigualda-
des de géneros são representadas (e reforçadas) nos principais jornais e revis-
tas nacionais. Perante uma realidade problemática, preferimos agarrarmo-nos
à esperança de que, dos conteúdos analisados com os nossos parceiros, 15%
marcam abordagens positivas e inclusivas. Sabemos, claro, que 15% é um nú-
mero minoritário e que há ainda muito a fazer para promover uma comunica-
ção social mais inclusiva. Mas também sabemos que esta é a prova de que é
possível fazer melhor, com mais informação, mais respeito pelos/as envolvi-
dos/as e retratados/as nas notícias, mais inclusão. Por isso, ao fim destes 10
meses, preferimos não olhar apenas para o número impressionante de notícias
analisadas (221, escolhidas a partir de uma pre-selecção de 649 artigos) e sim
problematizar o que ainda é necessário fazer no futuro. Isto porque, depois de
identificados os problemas, é preciso continuar a acção no terreno, com novas
aproximações aos/às jornalistas de âmbito nacional e, na sequência da vocação
principa do IEBA, de âmbito regional. O projecto MEDIA+Igual termina aqui,
ao fim destes dez meses de uma maior literacia mediática, mas o nosso objecti-
vo não se esgota. Encontrar-nos-emos, certamente, nesse percurso!
02
No período de monitorização,
que abrange os meses de Maio
e Junho, o projecto ME-
DIA+Igual deparou-se com visi-
bilidades positivas no discurso
mediático que contribuíram
para uma reflexão pública em
torno das igualdades de géne-
ro.
Exemplo disso foi, por exemplo, o
artigo “Mutilação genital passará a
ser investigada sem queixa”, publi-
cado no Diário de Notícias a 11 de
Junho. Trata-se de um artigo extre-
mamente positivo, que centra a
atenção da esfera pública na pro-
blemática da mutilação genital fe-
minina, esclarecendo a importância
da mesma passar a ser vista como
crime autónomo de natureza públi-
ca, na sequência de projectos de lei
do PSD, CDS-PP e do Bloco de Es-
querda. Neste contexto, é particu-
larmente relevante o paralelismo
estabelecido, no discurso mediáti-
co, entre a mutilação genital femi-
nina e a violência doméstica, assu-
mindo-se que ambos são crimes de
violência contra mulheres e viola-
ções dos direitos humanos. É por
isso notório, da leitura do texto,
que são apontadas causas de índole
social e cultural, ao nível de assime-
trias de género, para as duas pro-
blemáticas. Tal é reforçado com
recurso ao depoimento de diversos/
as especialistas, que frisam que
“quer a mutilação genital feminina
quer a violência doméstica configu-
ram formas de violação dos direitos
humanos”, nas palavras da procu-
radora Helena Gonçalves, citada
pelo Diário de Notícias. Em parale-
lo com as fontes humanas, o artigo
está também reforçado com ques-
tões do direito internacional, subli-
nhando a importância de tratados e
convenções, ao nível europeu e
mundial, no enquadramento com a
violência doméstica – uma perspec-
tiva positiva e contextualizada que
foi caso único na monitorização re-
alizada ao longo do projecto.
pela positiva
No artigo “Suspeitas de tráfico de
seres humanos em Portugal mais
do que triplicaram” (Público, 14 de
Maio), estamos perante um tema
cuja visibilidade pública é urgente e
necessária. A notícia, a partir de
dados constantes no relatório do
Observatório do Tráfico de Seres
Humanos do Ministério da Admi-
nistração Interna, permite perceber
o impacto desta problemática em
Portugal. Assim, é possível des-
construir ideias erróneas de que o
tráfico de seres humanos é uma
realidade apenas presente em paí-
ses terceiros.
Apesar da visibilidade positiva,
considera-se que seria necessário
um maior esclarecimento da opini-
ão pública quanto ao número de
vítimas portuguesas exploradas
para fins sexuais, para que não se
marginalizasse a questão como algo
que só diz respeito a cidadãos/ãs
estrangeiros/as.
03
pela positiva
Dentro das representações
mediáticas de violência do-
méstica, o artigo “Há 186 mu-
lheres protegidas com ‘botão
de pânico’ contra violên-
cia” (Diário de Notícias, 11 de
Junho) ganha também desta-
que pela positiva. O artigo di-
vulga os procedimentos de
teleassistência a vítimas de
violência doméstica, uma me-
dida prevista há cinco anos,
que reforça o sentimento de
protecção e segurança.
Só pelo tema abordado, já seria
significativo destacar o artigo. Afi-
nal, ao longo destes meses de mo-
nitorização, esta foi o único artigo
dedicado à eficácia do chamado
“botão de pânico”, naquele que é
um acompanhamento da proble-
mática da violência doméstica lon-
ge da descrição sensacionalista
das agressões. Contudo, a notícia é
ainda trabalhada numa perspecti-
va inclusiva e positiva, com recur-
so a testemunhos directos de
quem utiliza o serviço de teleassis-
tência, além da contextualização
informativa sobre o funcionamen-
to do serviço e as regras para a sua
aplicação (em duas caixas de texto
distintas).
É crucial a referência do artigo de
que se trata de um “serviço gratui-
to e permanente”, sendo também
de congratular a inclusão de esta-
tísticas sobre a implementação da
medida: hoje, há quase quatro ve-
zes mais vítimas protegidas com
um sistema de “botão de pânico”
do que em 2012.
Trata-se, portanto, de um artigo
bem estruturado, com uma forte
componente informativa e não
sensacionalista. Além disso, opta
por seguir um tom mais optimista
sobre o procedimento, permitindo
que o mecanismo seja visto pela
opinião pública como uma medida
que realmente pode ajudar as víti-
mas – e, desta forma, fortalecendo
uma atitude de exemplo positivo
que pode beneficiar um sentimen-
to de esperança de eventuais víti-
mas que ainda se encontrem em
contexto de violência. Tal é feito,
por exemplo, com reforço, ao lon-
go do discurso, do efeito psicológi-
co da teleassistência no restaurar
da confiança das vítimas, dimi-
nuindo a ansiedade sentida.
Nesse sentido, é de evidenciar que
essa nota positiva mantém-se na
conclusão do texto, com uma cita-
ção directa de uma das beneficiá-
rias do “botão de pânico”: “As pes-
soas podem pensar que não vale a
pena apresentar queixa, que a jus-
tiça não funciona. Mas isto funcio-
na mesmo”.
04
Neste boletim que encerra a
actividade de monitorização
do MEDIA+Igual, apresenta-
se também um comentário
final à revista Vidas – publi-
cação integrante do Correio
da Manhã, distribuída aos do-
mingos – e, sobretudo, à ru-
brica “OPSSS”.
Na totalidade dos conteúdos moni-
torizados, esta publicação revela-
se extremamente sexista na repre-
sentação que faz das mulheres, re-
duzidas ao seu corpo, de forma
passiva, e menorizadas num esta-
tuto de mulher-objecto. Apesar de
ser parte integrante de um jornal,
torna-se óbvio que esta publicação
pouco tem a ver com o conceito de
jornalismo e com o cuidado que
este deve ter em representações
inclusivas de todos os géneros.
Muito pelo contrário, o conteúdo
da revista Vidas é abusivo e define-
se como um reforço perigoso das
desigualdades de género existen-
tes, promovendo comportamentos
sexistas e uma visão redutora das
mulheres. Tal postura é particular-
mente problemática tendo em con-
ta a tiragem do Correio da Manhã
e a dimensão da sua audiência, o
que pressupõe um efeito negativo
deste tipo de conteúdos sexistas na
construção de uma representação
de géneros na opinião pública.
Estas constatações materializam-
se, por exemplo, nos conteúdos da
rubrica “OPSSS”, que todos os me-
ses têm chamado a atenção, de for-
ma preocupante, desta Unidade
Local de Análise de Imprensa. Tra-
ta-se de uma página fixa da revista
que, em todas as edições, junta fo-
em análise: revista Vidas
grafias de mulheres ditas
‘famosas’ (personalidades publica-
das ligadas, sobretudo, ao mundo
do espectáculo) a pequenas frases,
de conteúdo brejeiro e sexista. No
global, o discurso produzido na
junção de imagem e texto, resulta
no reforço de assimetrias de poder
e na definição de perspectivas se-
xistas – expressa em linguagem
coloquial e assentes em trocadi-
lhos – que se impõem na leitura
do mundo quotidiano.
Desta forma, fotografias que pode-
riam até ter significados inofensi-
vos vêm a sua leitura fixada pelo
texto que acompanha as imagens.
De pendor altamente sexualizado e
brejeito, o discurso encerra tam-
bém uma devassa da vida privada
para as mulheres fotografadas, em
muitas das situações monitoriza-
das. É o caso, por exemplo, da edi-
ção em que a modelo Ana Braga é
fotografada de biquíni, a comer
uma banana, com o seguinte texto
ilustrativo: “[…] a modelo brasilei-
ra parece ter-se juntado também à
onda de solidariedade, com aquilo
que, na gíria futebolística, poderia
muito bem chamar-se de lance
em… profundidade” (ver página
ao lado).
Em paralelo, a revista também
parte de fotografias tiradas em
contexto profissional para fomen-
tar o sexismo e, até, o julgamento
moral sobre as visadas. Tal é notó-
rio numa das edições de Junho, a
respeito da cantora e actriz Miley
Cyrus: “depois dos carros descapo-
táveis, dos tectos de abrir e dos
panorâmicos, a actriz norte-
americana criou uma nova solução
de arejamento para automóveis.
São os chamados carros com…
abertura fácil”. Mais uma vez, es-
tamos perante uma linguagem dú-
bia, repleta de trocadilhos e cono-
tações sexuais, cujo objectivo pas-
sa por acicatar uma visão sexista e
objectificada perante as fotos apre-
sentadas. O projecto ME-
DIA+Igual m anifesta o seu
total repúdio pela presença deste
tipo de conteúdos indexados a um
jornal que obedece a critérios e
obrigações jornalísticas.
03
05
em análise: revista Vidas
A celebração de um casamen-
to entre duas reclusas numa
prisão foi mote para um arti-
go a 29 de Maio do Correio da
Manhã (“Reclusas lésbicas
casam na cadeia”). Apesar de
ser uma notícia aparentemen-
te positiva, por dar visibilida-
de ao casamento homossexu-
al, apresenta problemas em
termos discursivos, sobretu-
do por haver contornos insu-
ficientemente explicados em
torno dos factos.
A abordagem da notícia centra-se
na ideia de que foi autorizada uma
condição especial para as duas re-
clusas (depois do casamento na
prisão, foi-lhes permitido viverem
juntas numa “cela especial”, com
“mais espaço e maior comodida-
de”). Uma vez que os motivos para
estas disposições não são clara-
mente explicados – havendo, até,
uma ausência de contexto infor-
mativo sobre se este é um procedi-
mento previsto previamente para
este tipo de casos –, a leitura do
artigo aponta para uma situação
de privilégio em relação a outras
reclusas, o que até pode originar
considerações discriminatórias na
opinião pública. Mais grave, no
entanto, é a patologização assumi-
da – e descontextualizada – em
relação à homossexualidade. O jor-
nal apresenta, em caixa destacada,
a informação de que “as duas noi-
vas foram examinadas por um gi-
necologista”, sem apresentar moti-
vos para este procedimento, pro-
movendo conclusões erróneas por
parte dos/as leitores/leitoras. A
leitura integral do texto mantém o
mesmo carácter dúbio e pouco ex-
plicativo em relação à necessidade
de exames ginecológicos. O artigo
adianta que os mesmos são obriga-
tórios “nestes casos”, mas sem adi-
antar exactamente que casos são
estes: casamentos entre pessoas do
mesmo sexo nos estabelecimentos
prisionais ou qualquer casamento
que abranja uma reclusa? Fica a
dúvida.
Por fim, o último parágrafo peca
pela descontextualização. Pode ler-
se que “Jorge Alves, do Sindicato
Nacional do Corpo da Guarda Pri-
sional, denuncia a falta de adapta-
ção dos guardas para estes casos.
‘Os guardas não estão adaptados.
A direcção-geral devia acautelar
estas situações’”. No entanto, uma
vez que esta questão da formação
profissional esteve ausente no res-
to do artigo, permanecem dúvidas
se haveria informações não divul-
gadas sobre casos concretos de fal-
ta de adaptação dos/as agentes
prisionais.
Em conclusão, há uma preocupan-
te falta de contexto informativo na
peça jornalística, que aparenta es-
tar mais focada em criticar, de for-
ma subentendida, supostos privilé-
gios do casal, do que em prestar
uma informação exacta sobre os
procedimentos tomados – deixan-
do assim que seja o/a leitor/a, de-
vidamente informado, a formar o
seu juízo crítico. À semelhança de
outros artigos de visibilidade
LGBT de publicações de teor mais
sensacionalista, analisados em edi-
ções passadas do boletim ME-
DIA+Igual, verifica-se que há
uma maior preocupação do discur-
so mediático em evidenciar as ori-
entações sexuais dos/as envolvi-
dos/as nas notícias, do que em for-
necer todos os dados relevantes
para a compreensão dos factos
ocorridos.
visibilidades LGBT
06
visibilidades LGBT
07
Na sequência da vitória de
Conchita Wurst, travesti que
conjuga um aspecto tipifica-
damente feminino com a per-
manência de uma barba, e no
âmbito deste projecto de mo-
nitorização, foram seleccio-
nados, três artigos do Diário
de Notícias
Pese muito embora a consciência
de que, em outros títulos de im-
prensa não monitorizados, o tom
predominante da cobertura do
Festival possa ter sido discrimina-
tória e homofóbica, estes artigos
do Diário de Notícias apresentam-
se como globalmente positivos:
“Associações LGBT festejam vitó-
ria da diversidade” (13 de Maio),
“Conchita gera agressividade por
‘baralhar estereótipos’” (14 de
Maio) e “Nova heroína austríaca
provoca fúria na Rússia” (12 de
Maio). No geral, trata-se de um
discurso mediático bastante só-
brio, que identifica claramente a
actuação e as declarações públicas
de Conchita Wurst como uma rei-
vindicação pelo direito à diferença
e pela desconstrução de estereóti-
pos e heteronormatividades. No
artigo de 14 de Maio, é particular-
mente importante a tentativa de
desconstruir o binarismo de géne-
ro, muito embora seja notória al-
guma confusão de conceitos entre
orientação sexual e identidade de
género.
Já a notícia “Associações LGBT
festejam vitória da diversidade”
destaca-se pela sua dimensão in-
clusiva e plural. A actuação de
Conchita é contextualizada no âm-
bito de uma perspectiva LGBT e do
direito à diferença, através do dis-
curso directo de representantes de
associações portuguesas da socie-
dade civil. Neste âmbito, foi im-
portante que o discurso construído
sobre os acontecimentos tenha
surgido dos próprios movimentos
LGBT, ao invés de ter sido imposta
uma leitura exterior e possivel-
mente errónea.
A notícia “Nova heroína austríaca
provoca fúria na Rússia” apresenta
-se como o discurso mais proble-
mático entre os três exemplos.
Apesar de permanecer a visão que
associa Conchita à desconstrução
de estereótipos de género, o artigo
foca-se na instrumentalização des-
ta vitória numa campanha anti-
Rússia, em pleno período de ten-
sões políticas entre Moscovo e a
União Europeia. Nesta perspecti-
va, a vitória de Conchita é repre-
sentada como um símbolo da plu-
ralidade, “liberdade” e “tolerância”
da União Europeia, contrapondo-
se ao conservadorismo da Rússia.
Nesta redução das críticas apenas
a vozes russas, esconde-se a discri-
minação que também existe na
União Europeia. Seria de salutar
uma postura menos bipolarizada
do discurso jornalístico, na forma
como faz a cobertura das críticas
intolerantes. Se tal tivesse sido a
opção escolhida (ao invés de uma
visão a “preto e branco” entre Uni-
ão Europeia e Rússia), seria possí-
vel demonstrar e desconstruir a
transversalidade do preconceito.
Na sequência de mais um ca-
so trágico de violência domés-
tica em Portugal, que resultou
no assassinato da vítima pelo
marido, surgiram vários arti-
gos sobre os acontecimentos.
As notícias “Dentista assassi-
nada pelo marido” (Correio
da Manhã, 29 de Maio) e
“Marcos recusa divórcio e
atinge Luana no cora-
ção” (Diário de Notícias, 29
de Maio) descrevem os por-
menores da agressão.
São, na sua essência, dois artigos
muito diferentes, embora os dois
demonstrem – de forma negativa
– uma tendência para a descrição
narrativa dos acontecimentos, so-
correndo-se de um discurso ro-
manceado semelhante ao desenro-
lar de eventos num universo literá-
rio. Existem discrepâncias expres-
sas entre os dois artigos no que
concerne aos factos apresentados,
que originam dúvidas sobre a vera-
cidade da informação prestada.
Por exemplo, a notícia do Correio
da Manhã afirma que o agressor
esperou pela polícia num café, en-
quanto o texto do Diário de Notí-
cias frisa que ele foi preso ainda
dentro da clínica. Mas as dúvidas
estendem-se à própria natureza da
relação entre vítima e agressor.
Enquanto o Correio da Manhã des-
creve uma relação assimétrica e
provavelmente abusiva (“o homici-
da era uma pessoa violenta”), o
relato do DN mostra este episódio
fatal como um comportamento
isolado, motivado pelo divórcio
eminente. São pormenores discur-
sivos que apresentam a violência
doméstica mais próxima do info-
entretenimento do que da denún-
cia desta problemática. É funda-
mental, no futuro, que os jornais
apresentem uma informação mais
rigorosa e contextualizada que
contribua para uma opinião públi-
ca esclarecida sobre a temática da
violência doméstica, longe de ten-
dências de sensacionalismo. Verifi-
ca-se, por exemplo, que o artigo do
DN acaba por romantizar o crime,
ao sobrepor a realidade da agres-
são com uma linguagem associada
ao passional, ao amor. Tal é notó-
rio no título escolhido que joga
com o duplo sentido de “coração”.
A notícia reforça ainda o homicídio
com episódio único de violência no
casal, (o artigo começa com uma
citação de uma amiga da vítima
nesse sentido: “eles pareciam o
casal perfeito, não entendo porque
ele a matou”), o que remete para a
invisibilidade de possíveis contex-
tos prévios de violência.
Porém, há que valorizar o esforço
do artigo em contextualizar a vio-
lência doméstica, com recurso a
fontes especializadas, mas também
a estatísticas sobre o número de
mulheres assassinadas. A notícia
termina com uma alusão ao impac-
to internacional da violência do-
méstica (embora não faça a des-
construção das assimetrias ineren-
tes de género e de poder). Tal é
feito com recurso às palavras de
um turista que passeava pela baixa
de Lisboa na altura do crime:
“Também aqui?’”.
violência doméstica
08
violência doméstica
09
Com o título “1170 agressores
pagam multa para escapar a
um julgamento”, este artigo
de 10 de Maio, publicado no
Diário de Notícias, apresenta
uma análise ao mecanismo de
suspensão provisória do pro-
cesso aplicadas em crimes de
violência doméstica.
Se, por um lado, é muito impor-
tante que os procedimentos associ-
ados às queixas formais de violên-
cia doméstica sejam esclarecidos
no discurso mediático, para infor-
mação da opinião pública, a verda-
de é que o título escolhido acaba
por, erroneamente, apontar a sus-
pensão como uma má solução. Da
leitura do mesmo, advém a sensa-
ção de impunidade geral dos
agressores, quando o mecanismo
de suspensão provisoria do proces-
so tem os seus aspectos positivos –
sendo que a última decisão quanto
à suspensão do processo tem sem-
pre que partir da vítima.
O título apresenta-se redutor e,
até, descontextualizado em relação
ao teor completo do artigo. Além
disso, resulta uma visão passiva
das vítimas. Tendo em conta que
muitas vezes são as próprias agre-
didas a pedir a suspensão do pro-
cesso, o título retira-lhes poder em
termos de visibilidade pública. Es-
te sentimento de impunidade pode
até contribuir para um sentimento
de medo que impeça outras víti-
mas de apresentar queixa.
Há, no entanto, fortes pontos posi-
tivos no artigo. O texto
(independentemente do título es-
colhido) dá uma importante visibi-
lidade aos aspectos processuais do
crime de violência doméstica, con-
tribuindo para uma opinião públi-
ca mais esclarecida. Em paralelo,
podem também ser lidas informa-
ções precisas sobre o que fazer pe-
rante a agressão/risco (incluindo
contactos e referências a associa-
ções da sociedade civil que podem
servir de apoio às vítimas). Além
das alternativas de ajuda em caso
de agressão, o artigo vai mais lon-
ge ao elencar soluções de acolhi-
mento temporário a vítimas de vi-
olência doméstica, gestão do posto
de trabalho, apoios financeiros
previstos pelo Estado e apoio espe-
cífico a casais do mesmo sexo.
A notícia é acompanhada de uma
infografia detalhada, que ocupa a
metade superior da primeira pági-
na, com dados relativos às mulhe-
res mortas pelos companheiros ou
ex-companheiros. A opção jorna-
lística de identificar cada uma das
vítimas permite uma personaliza-
ção do crime perante o/a leitor/a,
envolvendo-o na problemática.
Contudo, há que notar ainda o re-
levo dado à arma do crime – ten-
dência já verificada noutras notí-
cias e jornais –, que acaba por pôr
a tónica nos pormenores grotescos
dos homicídios, ignorando contex-
tos anteriores de violência.
em poucas palavras
10
O título desta notícia remete para um ‘julgamento’
público moralista, que condena associações a fes-
tas/diversão (e suspeita implícita de ingestão de
bebidas alcoólicas). Acaba, por isso, por ser um
título problemático porque envolve a vítima nesta
avaliação negativa de “festa” e “noite de diversão
nocturna”, quando a celebração seria do agressor.
Aliás, não chega sequer a ser perceptível, pela lei-
tura da notícia, se a vítima estaria ou não presente
nessa festa. Nesse sentido, o título é erróneo e me-
noriza publicamente a vítima.
Tal como na notícia anterior, há um novo ênfase,
ao longo do artigo, na noite de diversão e de festa,
como contexto prévio a uma agressão. Além disso,
o texto reforça a ideia, mais do que uma vez, que a
vítima se encontrava sozinha na altura da violação.
Esta repetição parece apontar para uma culpabili-
zação do comportamento da vítima, apontando as-
pectos de uma suposta imprudência que possibili-
tou o ataque. Mais uma vez, a descrição dos acon-
tecimentos tem uma forte componente narrativa e
sensacionalista.
Trata-se de um artigo que aborda os estereótipos
de idade – assimétricos entre géneros - relaciona-
dos com uma beleza idealizada. Com o título
“Tyra Banks rejeitada porque tem 40 anos”, é po-
sitivo o facto de o artigo assumir um olhar crítico
sobre o tema, assumindo um certo tom de incre-
dibilidade perante o ocorrido. Não obstante, o
discurso jornalístico continua a fazer uso de cli-
chés e ideias estereotipadas. E a imagem seleccio-
nada (de Tyra Banks, em 1998) serve para legiti-
mar, no espaço mediático, a relação errónea entre
beleza e juventude.
Diário de Notícias, 09/05/2014 Diário de Notícias, 30/05/2014
Correio da Manhã , 09/06/2014 Correio da Manhã, 28/05/2014
O título escolhido para es-
ta pequena breve na con-
tracapa do Correio da Ma-
nhã torna-se relevante,
pela positiva, ao usar um
número expressivo (e fa-
cilmente compreensível)
para demonstrar a realida-
de da violência doméstica
em Portugal. Ao invés, por
exemplo, de elencar o nú-
mero de casos totais regis-
tados num ano, o jornal
optou por uma referência
mais imediata. Mesmo tra-
tando-se de uma grandeza
menor, acaba por possibi-
litar ao/à leitor/a uma
maior percepção do im-
pacto da problemática a
nível nacional.
em poucas palavras
11
Num julgamento moral, o artigo “Irina diverte-se
sem Ronaldo” baseia-se em fotos da vida pessoal
de Irina Shayk, praticamente reduzida na sua re-
presentação mediática à relação amorosa com o
jogador de futebol Cristiano Ronaldo (o título da
rubrica na qual se insere o artigo é “Clã CR7”).
Além do escrutínio da vida privada, o título reforça
uma crítica à “diversão” (mais uma vez, palavra
com uma conotação claramente negativa no discur-
so mediático analisado) da mulher na ausência do
namorado, contribuindo para a cristalização acríti-
ca de estereótipos de género e da formação de uma
opinião pública sexista.
Mais uma vez, este é um exemplo de como, numa
abordagem jornalística sensacionalista, o artigo
apenas serve de pretexto para apresentar imagens
do corpo feminino. A partir de uma queixa finan-
ceira, a abordagem do Correio da Manhã centra-se
em pormenores relacionados com um vídeo por-
nográfica, apresentado vários pormenores de ín-
dole sexual ao longo do texto e, sobretudo, diver-
sas imagens explicitamente eróticas.
Não obstante a relevância do tema e da visibilida-
de ao debate público sobre a legalização da pros-
tituição (tantas vezes ausente do discurso jorna-
lístico), a única perspectiva presente neste artigo
está reduzida a aspectos economicistas. Note-se
que, em tempos de crise, torna-se evidente a ten-
dência de avaliar tudo pelo seu aspecto económi-
co. É de criticar, por isso, a ausência de pontos de
vista mais inclusivos e abrangentes, com recurso
a fontes diversas, sobre a legalização da prostitui-
ção.
Apesar de ser
uma entrevista –
e, como tal, apre-
sentar a opinião
do entrevistado, a
maneira como o
discurso mediáti-
co é apresentado
acaba por ser
problemática.
Numa entrevista
ao sub-secretário do Ministério dos Negócios Es-
trangeiros da Arábia Saudita, Mohammed Al-
Saud, o artigo destaca uma questão de assimetrias
de género para título, por opção jornalística. No
entanto, verifica-se no texto a ausência de des-
construção das afirmações do responsável saudi-
ta. Perante a resposta, usada como título, não há
qualquer tentativa de explorar a questão.
Diário de Notícias, 12/05/2014 Correio da Manhã, 15/06/2014
Correio da Manhã , 11/06/2014 Correio da Manhã, 15/06/2014
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créditos
Edição: IEBA—Centro de Iniciativas Empresariais e Sociais, Junho 2014 Revisão: ULAI—Unidade Local de Análise de Imprensa - APPACDM Coimbra, APAV, GRAAL, NÃO TE PRIVES, SOS RACISMO, UMAR Contactos: IEBA Parque Industrial Manuel Lourenço Ferreira, Lote 12—Apartado 38, 3450-232 Mortágua | ieba@ieba.org.pt
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a fechar
A fechar, uma notícia relacio-
nada com a política regional
da zona Centro. Mais uma
vez, o título escolhido (“Pela
primeira vez uma mulher li-
dera coordenação regional”,
As Beiras, 27 de Maio) repre-
senta uma redução das mu-
lheres em cargos políticos ao
seu género.
Ao longo do artigo, são exploradas
várias ideias de Ana Abrunhosa
para a presidência da Comissão de
Coordenação Regional, mas o títu-
lo prefere enfatizar o seu género —
reforçando essa presença como
algo fora do comum.
Esta ideia do ‘fora da norma’ surge
novamente elencada no primeiro
parágrafo, no qual a questão do
género é novamente elencada. No
artigo, pode ler-se que “uma mu-
lher presidente é novidade. Uma
mulher, de matriz universitária e
vocação tecnocrática, ainda por
cima vencedora de concurso públi-
co é grande novidade”, numa
construção discursiva que enfatiza
um carácter quase bizarro da situa-
ção. Apesar de, provavelmente, a
intenção do artigo seja a de louvar
este acto pioneiro, a verdade é que
a forma como o texto está construí-
do questiona até, de forma ineren-
te, a atribuição do cargo a Ana
Abrunhosa.
Por outro lado, o segundo parágra-
fo acaba por levantar novas ques-
tões, desta feita à autonomia e
competências da nova presidente,
ao dar a entender que foi o ante-
cessor (homem) a possibilitar o
novo cargo “[...] bem como do seu
antecessor, curiosamente o res-
ponsável por levá-la da Faculdade
de Economia para o palácio dos
Lóios”.
Agradecimentos finais
Por ocasião do encerramento do MEDIA+Igual, ao final de nove meses de monitori-
zação intensiva de conteúdos jornalísticas e respectiva análise em função de uma pers-
pectiva de igualdade de género, a coordenação do projecto agradece a todos os parcei-
ro envolvidos na Unidade Local de Análise de Imprensa (APAV, APPACDM, GRAAL,
SOS Racismo, Não Te Prives e UMAR), assim como à Escola Superior de Educação de
Coimbra, por toda a dedicação, envolvimento e entusiasmo nas actividades relaciona-
das com a iniciativa. Graças à experiência de todos as entidades, em áreas diferentes
mas transversais à problemática da desigualdade de género, foi possível alcançar um
trabalho pertinente e de excelência. O balanço da monitorização é, desta forma, clara-
mente positivo, permanecendo as análises consensualizadas para futura consulta on-
line de todos/as os/as interessados/as, em issuu.com/ieba.
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