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FUNDAÇÃO DE ASSISTÊNCIA E EDUCAÇÃOFACULDADES INTEGRADAS ESPÍRITO-SANTENSES
CENTRO DE PÓS-GRADUAÇÃO
IZOLINA PASSOS SIQUEIRA
A FORÇA DO RELACIONAMENTO ENTRE ARTESÃO EDESIGNER NO OLHAR DE CARL ROGERS
Vitória (ES)2008
E D U C A Ç Ã O S U P E R I O R
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IZOLINA PASSOS SIQUEIRA
A FORÇA DO RELACIONAMENTO ENTRE ARTESÃO EDESIGNER NO OLHAR DE CARL ROGERS
Monografia apresentada ao Centro de Pós-Graduação da FAESA como requisito parcialpara a obtenção do certificado de conclusão docurso de Pós-graduação Lato Sensu em Designde Interiores sob a orientação da professoraJoelma De Riz.
Vitória (ES)2008
E D U C A Ç Ã O S U P E R I O R
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IZOLINA PASSOS SIQUEIRA
A FORÇA DO RELACIONAMENTO ENTRE ARTESÃO EDESIGNER NO OLHAR DE CARL ROGERS
Monografia apresentada ao Centro de Pós-graduação da FAESA como requisito parcialpara a obtenção do certificado de conclusão docurso de Pós-graduação Lato Sensu em Designde Interiores sob a orientação da professoraJoelma De Riz.
Professora orientadora:Joelma De Riz
Nota de aprovação:
_______________
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DEDICATÓRIA
Ao indígena brasileiro, pela beleza
plástica inigualável de seu artesanato epela força de suas tradições, cultura e
crenças, que possibilitam a criação de
objetos utilitários e decorativos. À beleza
da cerâmica, da cestaria, da tecelagem e
das peças feitas com madeiras,
sementes, fibras, palmas, palhas, cipós,
cocos, resinas, conchas, couros, ossos,
dentes e garras de animais. Os adornos
corporais feitos com as belas plumas das mais diversas aves, de um colorido
espetacular, são cobiçados para a decoração de lares contemporâneos e
reconhecidas internacionalmente pela impregnação e preservação de valores
culturais e etimológicos.
Às paneleiras de Goiabeiras, que são, sem dúvida,
a representação mor do artesanato tradicional e da
cultura popular do Espírito Santo. As panelas de
barro, feitas com a argila extraída do Vale do
Mulembá (próximo ao bairro Joana D’Arc), são
moldadas com as mãos, cuidadosamente
esculpidas com seixos rolados, casca de coco,
facas e estiletes e tingidas com o tanino (tintura
retirada da casca do mangue). Produzidas há mais
de 400 anos, as panelas de barro foram tomabadas
pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (Iphan), na categoria de bem imaterial, com a preservação dos saberes e
fazeres da comunidade de paneleiras de Goiabeiras, em Vitória.
Às instituições que apóiam o artesanato brasileiro: Serviço de Apoio às Micro e
Pequenas Empresas (Sebrae), por meio do Programa Sebrae de Artesanato,
Figura 1 - Feira Nacional de Artesanato Mãos de
Minas (Izolina Passos Siqueira)
Figura 2 - Mãos modelando o barro
(Mônica Zorzanelli)
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instituído nos 27 estados; ao Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio
(MDIC), que implementou o Programa do Artesanato Brasileiro; à Secretaria do
Trabalho, Assistência e Desenvolvimento Social do Governo do Estado do Espírito
Santo (Setades), criador e gestora do Programa do Artesanato Capixaba.
Aos artesãos dos Núcleos de Produção e Comercialização de Artesanato, que
abraçaram a cultura da cooperação e são os grandes atores desta pesquisa.
Aos diversos profissionais do design que atuaram comigo no Projeto Inovação e
Design no Artesanato Capixaba, do Sebrae-ES, o qual tive o privilégio de gerenciar
durante o ano de 2007, e tantos outros que têm atuado junto às comunidades
produtivas de artesanato, implementando ações que vêm resultando no belíssimoartesanato de referência cultural.
À minha grande amiga Maria Angélica Fonseca, analista do Sebrae-ES, que,
certamente, é o nome de referência no artesanato capixaba. Sua participação na
criação do Termo de Referência do Programa Sebrae de Artesanato, sua atuação
durante a implantação do Programa Sebrae de Artesanato no Espírito Santo e seu
apoio incondicional a esse programa são notoriamente reconhecidos como
imprescindíveis para o sucesso dos trabalhos realizados. Não tenho a menor dúvidaao afirmar que, sem ela, o Programa do Artesanato Capixaba não teria conquistado
visibilidade nacional. Realmente, tenho a honra de homenageá-la e de agradecer a
este ser humano ímpar que é a Angélica. E tenho certeza de que, se a conhecesse,
Rogers, pensador humanista no qual este trabalho buscou inspiração, a amaria!
Finalmente, quero homenagear a pessoa que foi a fonte de inspiração para minha
pesquisa; a pessoa que me despertou para a realização de um trabalho focado nas
atitudes facilitadoras de Rogers; a pessoa que gosta de ouvir e ouve com o coração,e, ao ser ouvida, aquiesce o ouvinte com um olhar morno e intenso e de uma
transparência encantadoramente verde; a pessoa que me apresentou Carl Rogers;
uma pessoa de um profissionalismo e comprometimento poucas vezes encontrados.
Quero agradecer a esta pessoa que me apoiou incondicionalmente durante a
realização deste trabalho: a minha querida professora orientadora. Obrigada,
Joelma!
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AGRADECIMENTOS
Esta é uma hora muito difícil. Homenagear pessoas ou grupos de pessoas sem se
esquecer de alguém especial, sem se esquecer de outros grupos, sem fazerinjustiças, sem se esquecer de pessoas que certamente foram importantes para
chegar aonde cheguei... Realmente não é nada fácil. Mas, também, não posso me
furtar do prazer de agradecer.
Agradecer a Deus e a minha família é uma atitude bastante óbvia, mas
indispensável. Obrigada, Deus, por ter guiado meus caminhos durante toda a minha
vida, por ter me dado tudo que um ser humano precisa para ser feliz, por ser o meu
Deus, a luz do meu viver.
Quero agradecer ainda a meu marido, José Francisco, e ao meu filho, Franco, meus
grandes amores, companheiros e a razão de minha existência. Obrigada pelo
incentivo e pela compreensão durante minhas ausências.
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“Quer falemos de uma flor ou de um carvalho, de uma minhoca
ou de um belo pássaro, de uma maçã ou uma pessoa, creio
que estaremos certos ao reconhecermos que a vida é um
processo ativo, e não passivo. Pouco importa que o estimulo
venha de dentro para fora, pouco importa que o ambiente sejafavorável ou desfavorável. Em qualquer destas condições, os
comportamentos de um organismo estarão voltados para a sua
manutenção, seu crescimento e sua reputação. Essa é a
própria natureza do processo a que chamamos de vida”.
Carl Rogers
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RESUMO
Esta pesquisa investigativa de caráter exploratório-descritivo visa a analisar o
relacionamento que ocorre entre artesãos e designers durante o processo deintervenção de design no artesanato.
De acordo com o Termo de Referência do Programa Sebrae de Artesanato (PSA),
as intervenções de design no artesanato visam à criação de produtos artesanais
com agregação de valores iconográficos e culturais e de acordo com tendências e
demandas do mercado. O resultado dessa produção, cujos atores sãos os artesãos
que detêm a técnica da produção artesanal e os designers que utilizam o design
como ferramenta inovadora, é a criação de uma coleção de peças classificadascomo “artesanato de referência cultural”.
Analisar esses encontros é analisar relacionamentos entre seres humanos. E essa
análise foi realizada à luz da filosofia humanística proposta por Carl Rogers.
Ressalto a importância da intervenção de design ser norteada pelo Termo de
Referência, que tem o objetivo de preservar e eternizar nossa memória cultural e
identidade regional e nacional, retratando no artesanato, uma das nossas maioresmanifestações culturais, a verdadeira “cara brasileira”.
Porém, segundo Rogers, em encontros nos quais as atitudes facilitadoras propostas
por ele na abordagem centrada na pessoa são a base do relacionamento, a
convivência entre artesãos e designers tende à afetividade, e onde há afeto, “o
universo conspira a favor” e os resultados, certamente, serão positivos.
Se a aceitação incondicional, a empatia e a transparência do designer nas relações
interpessoais estabelecidas com os artesãos forem os pontos de partida para as
intervenções de design no artesanato nos Núcleos de Produção e Comercialização
de Artesanato, a sustentabilidade dos mesmos estará fortemente preservada.
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Palavras-chave: Intervenção de design no artesanato, relacionamentos e
abordagem centrada na pessoa.
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................... 11
2 O CONTEXTO DO PROBLEMA ................................................................... 21
2.1 ARTESANATO ............................................................................................... 21
2.2 DIFERENCIANDO ARTE POPULAR, ARTESANATO E TRABALHO
MANUAL.................................................................................................................... 24
2.3 PROGRAMAS DE INCENTIVO AO ARTESANATO ..................................... 27
2.3.1 Programa do Artesanato Brasileiro ................................................................ 28
2.3.2 Programa do Artesanato Capixaba ............................................................... 30
2.3.3 Programa Sebrae de Artesanato ................................................................... 312.3.4 Programa Sebrae de Artesanato Capixaba ................................................... 33
2.4 CONFUSÕES TERMINOLÓGICAS, EVOLUÇÃO E CARACTERÍSTICAS DO
DESIGN .................................................................................................................... 34
2.5 O DESIGN NO BRASIL ................................................................................. 36
3 INTERVENÇÃO DE DESIGN NO ARTESANATO ........................................ 39
3.1 MINHA EXPERIÊNCIA COM PROCESSOS DE INTERVENÇÃO DE DESIGN
NO ARTESANATO ................................................................................................... 433.2 PROJETO INOVAÇÃO E DESIGN NO ARTESANATO CAPIXABA ............. 46
4 A FILOSOFIA DE ROGERS PARA AS RELAÇÕES HUMANAS ................ 53
4.1 FALANDO SOBRE ROGERS ........................................................................ 54
5 CARACTERIZAÇÃO E ANÁLISE DE DADOS ............................................. 62
5.1 NPCA DE FIBRA DE BANANEIRA ................................................................ 63
5.2 NPCA DE MARCHETARIA EM MADEIRA .................................................... 67
5.3 NPCA DE FIBRAS NATURAIS E SEMENTES .............................................. 69
6 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ...................................................... 74
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................... 93
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8 REFERÊNCIAS ............................................................................................. 96
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1 INTRODUÇÃO
Sou formada em Artes Plásticas, pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes),
porém sempre tive vontade de estudar Psicologia. Na ocasião, essa opção estavafora dos meus planos, pois não havia esse curso em Vitória, e morar longe da minha
família não me agradaria. Enfim, gosto de Artes e sinto que essa atividade está no
meu sangue. Ser artista é tão natural para mim como respirar, comer ou mesmo
viver. Ser artista é ser eu mesma.
Trabalhei com desenho arquitetônico, desenho estrutural, desenho topográfico e
desenho publicitário. Fiz artesanato produzindo bichinhos de pedra com Durepox ® ,
peças decorativas e utilitárias em cortiça, bijuterias e máscaras de carnaval e,depois disso tudo, fui ser lojista. Durante 21 anos, tive uma loja de presentes,
decoração e artesanato em sociedade com minhas duas irmãs. Laço de Fita era o
nome dessa linda loja, que não se preocupava apenas com as vendas. Tínhamos
como objetivo alegrar, enfeitar, surpreender e harmonizar lares. Chegamos a ter
duas lojas em shoppings distintos e, simultaneamente, tive mais uma loja de
calçados em Guarapari, com o nome de Bete-Birai.
Após o fechamento das lojas, intuitivamente ou não, comecei a desenvolverprodutos artesanais com a utilização de fibras naturais e agregação de elementos
urbanos. As formas e objetos iam surgindo naturalmente até que me vi focada na
produção de objetos litúrgicos. Terços, oratórios, chaveiros, colares, tudo sempre
remetendo a uma religiosidade e feitos com elementos descartados pela natureza.
Em dezembro de 2003, o Sebrae, por meio do Programa Via Design, e em parceria
com o Serviço Social da Indústria (Sesi), objetivando a formação de profissionais
para atuar junto a grupos de artesãos, mobilizou profissionais para participar do
curso de aperfeiçoamento em Gestão Estratégica do Artesanato.
Participei do treinamento, que durou praticamente um ano, com 208 horas de
capacitação e mais de 200 horas de intervenções junto a comunidades de artesãos,
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que, com o apoio do Sebrae e um parceiro local, desenvolvem artesanato a partir da
utilização de matérias-primas residuais ou abundantes na natureza.
A contrapartida dos participantes dessa capacitação era a prestação de serviços de
apoio aos artesãos e de consultoria, com o objetivo de implantar os Núcleos de
Produção e Comercialização de Artesanato, com ações de resgate cultural e
iconográfico, de marketing e formação de preços para o setor artesanal, de criação
de novos produtos e embalagens e com sugestões de melhorias no processo
produtivo e no acabamento das peças artesanais.
Durante dois anos, participei do Programa Sebrae de Artesanato como consultora
externa, com a implementação dessas ações, junto aos NPCAs, atuando comomultiplicadora da capacitação recebida. Atualmente, sou funcionária do Sebrae e,
durante o ano de 2007, fiz a gestão do Projeto Inovação e Design no Artesanato
Capixaba, que teve ações de consultoria, curadoria, promoção e acesso ao
mercado, informação e pesquisa e orientação por meio da realização de palestras.
Naturalmente, é naquilo que nos é familiar que fazemos as nossas escolhas. Assim
também foi comigo. Dessa forma, minha opção foi por realizar o Trabalho de
Conclusão do Curso de Pós-graduação em Design de Interiores no âmbito doPrograma Sebrae de Artesanato, especificamente.
Confesso que o processo de elaboração deste trabalho não foi fácil... No princípio,
precisava definir o tema... A Pós-graduação estava chegando ao fim e, desde o
início, o tema da minha monografia já estava definido na minha cabeça, e eu não
tinha a menor dúvida de que iria desenvolver minha pesquisa focada na utilização do
artesanato como elemento inovador do design de interiores. Mas, no decorrer do
curso, a cada nova disciplina, esse tema era freqüentemente questionado por mim,e, vez por outra, substituído por outro, sempre dentro do segmento de produtos
artesanais no design de interiores.
Na realidade, para mim, a realização de uma monografia era algo muito novo, pois,
conforme relatei, sou formada em Artes Plásticas pela Ufes e, na ocasião da
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conclusão do curso, em 1979, não havia a exigência da realização de um trabalho
dessa natureza.
E, só então, durante a disciplina “Metodologia da Pesquisa Científica”, ministrada
pela professora Joelma, é que fui entender que uma monografia é, conforme anotei
em meu caderno, “um novo olhar sobre determinado assunto, é também aprofundar-
se em determinada temática, realizando uma pesquisa científica. E essa pesquisa
deve ser em cima de um problema. Isso é, enfim, ‘fazer ciência’”.
Realmente achei que seria estimulante fazer esta pesquisa. Mas, nos meus temas
eu não conseguia ver “problemas”. Esses temas me levariam certamente a
exaustivas pesquisas, mas, conforme dizia a professora, não havia “problemas”,somente “temas”.
Pensei em desenvolver a pesquisa em torno de algum dos seguintes temas: “fibras
naturais e sua utilização no mobiliário contemporâneo”, “elementos arquitetônicos
religiosos”, “iconografia capixaba”, “produtos artesanais com ecodesign”, mas não
conseguia chegar à identificação de um “problema” dentro desses temas.
Foi somente quando a professora Joelma, de uma forma apaixonada e encantadora,falou sobre Rogers em sua pesquisa de mestrado, que eu pensei no relacionamento
dos artesãos com os designers. Naquele momento, parecia que ela estava falando
diretamente para mim, e ouvi falar da aprendizagem centrada na pessoa, que é o
mote da abordagem de Rogers. Eu nunca tinha ouvido falar nesse autor. Aliás,
talvez sim, pois me pareceu muito familiar quando a professora Joelma falou na
Psicologia de Rogers...
E meu sentimento com relação a Carl Rogers, enquanto ela falava, podia sertraduzido como: “Nunca te vi, sempre te amei!” – se não me engano, o título de um
filme. Lembro-me perfeitamente daquele momento e das palavras dela: “para fazer
uma monografia, temos que escolher um tema pelo qual somos apaixonados, pois o
processo é doloroso... e dura seis meses”. Acabou durando mais que isso...
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Sempre amei o artesanato, o design e a psicologia. Uma das atividades do
Programa Sebrae de Artesanato são as intervenções de design, que consistem na
aproximação entre um designer e um grupo de artesãos para a criação de uma
coleção de peças, utilizando o design como ferramenta para agregar valores
culturais e iconográficos dentro de tendências e demandas de mercado.
As intervenções de design devem partir do princípio de que o design não é apenas o
desenho ou o projeto, mas um macroprocesso, no qual se trata de melhorias no
acabamento, na embalagem, na qualidade e na viabilidade do produto, visando a
sua inserção dentro das tendências e demandas do mercado.
A duração das intervenções varia de 60 a 100 horas e o processo é distribuído aolongo de aproximadamente dois meses. Geralmente, o designer vai até o Núcleo,
fica cerca de dois ou três dias e volta nas semanas posteriores, pelo mesmo
período. Essa distribuição é requerida, pois o grupo precisa amadurecer após
receber as informações que o designer traz. Esse processo é, essencialmente, uma
relação humana; uma relação entre o designer e os artesãos e destes entre si.
No Sebrae, meu primeiro trabalho foi na implantação dos Núcleos de Artesanato.
Uma das minhas atribuições foi atuar como designer, conduzindo um processo deintervenção junto a artesãos – nesse caso, junto aos artesãos dos núcleos de
escamas de peixe (Caratoíra, em Vitória), conchas (Piúma) e marchetaria (Colatina),
nessa ordem.
Contratada pelo Sebrae como consultora externa do PSA, passei a auxiliar na
definição de ações estratégicas do programa e, também, a acompanhar as
intervenções de design no artesanato nos Núcleos de Produção e Comercialização
de Artesanato criados pela instituição. Fazendo esse acompanhamento, percebi queo maior problema para se alcançar bons resultados estava na abordagem do
designer selecionado junto aos artesãos.
Fala-se muito em desenvolvimento sustentável e ecodesign. É muito importante que
a produção artesanal tenha esse foco, que, atualmente, não é apenas um diferencial
nem um provocador de demandas, mas sim uma exigência para estar no mercado.
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Mas e se consideramos a sustentabilidade nas intervenções de design? Elas são
sustentáveis? O que me questiono é o que ocorre após a saída do designer de um
núcleo. Os artesãos aceitam a criação de novos produtos, com nomes e
características de que eles nunca ouviram falar nem imaginam do que se trata?
Tenho feito essas perguntas a mim mesma... Acredito que isso esteja ligado ao
relacionamento entre os artesãos e os designers.
Acompanhando intervenções de design em alguns núcleos, percebi que
profissionais altamente capacitados do ponto de vista técnico e estético esbarravam
na abordagem inicial e no relacionamento com os artesãos durante o processo,
chegando ao final dele com trabalhos belíssimos, mas que não haviam sido bem
aceitos pelos artesãos. Ou seja, não se estabeleceu confiança entre as partes e,nesses casos, os designers que conduziam a intervenção saiam emocionalmente
desgastados, estressados e criticando o programa.
Observei, por diversas vezes, que produtos com agregação de valores culturais e
iconográficos, com inovação e alto padrão de acabamentos, projetados dentro de
tendências e demandas de mercado eram simplesmente desprezados pelos
artesãos quando o designer “virava as costas”, ao finalizar a intervenção, porque
simplesmente não havia sido estabelecido um vínculo emocionalmente saudávelentre as partes. Esses produtos nunca entraram na coleção de peças dessas
comunidades. O trabalho foi, conseqüentemente, perdido...
Verifiquei, também, que produtos que poderiam ser considerados comuns e sem
criatividade, mas que foram desenvolvidos por profissionais que agiram com empatia
e congruência, ouvindo e aceitando incondicionalmente os artesãos, passaram a
fazer parte de uma coleção de produtos artesanais com grande aceitação no
mercado.
Assim, como um processo permeado pela relação interpessoal e pelo encontro de
pessoas e idéias, é imprescindível que nos preocupemos com a qualidade dessas
relações, com as atitudes demonstradas nesses encontros, em especial, a dos
designers, que são vistos como condutores desse processo, ainda que seu poder,
no sentido de “eu posso”, esteja diluído e distribuído entre os artesãos. É preciso ter
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preocupação com a estética, mas, ela é secundária. O que vem antes é o capital
humano, pois é por meio dele que a beleza estética e a qualidade técnica são
alcançadas.
Diante disso, nesta pesquisa, meu objetivo não é questionar o profissionalismo,
muito menos a qualidade dos trabalhos. Na realidade, meu questionamento é quase
pessoal, é um questionamento muito íntimo: até que ponto a relação que se
estabelece entre artesãos e designers durante as intervenções de design no
artesanato caracterizam-se como relações que permitem o desenvolvimento positivo
dos artesãos, ou seja, que permitem seu crescimento, antes de tudo, pessoal?
Quando falo em relação que possibilita o desenvolvimento positivo, estou mereferindo a uma relação baseada nas atitudes facilitadoras apontadas por Rogers:
transparência ou congruência, empatia e aceitação incondicional do designer em
relação ao artesão. Assim, esta pesquisa está centrada em analisar o
relacionamento entre designers e artesãos durante o processo de intervenção de
design à luz do pensamento de Rogers.
A coleta de dados ocorreu por meio de entrevistas realizadas com os artesãos.
Busquei analisar se nos relatos deles havia algum indício da abordagem sugeridapor Rogers. Ou seja, o que procurava era saber se esses relatos mostravam que na
relação entre designer e artesão estiveram presentes as atitudes facilitadoras
propostas pelo autor.
No primeiro capítulo do livro “Tornar-se pessoa”, intitulado “Este sou eu”, Rogers
descreve como desenvolveu seu pensamento profissional e sua filosofia pessoal,
despindo-se inteiramente para o leitor. Para narrar o processo de execução deste
trabalho de pesquisa, tomarei dele alguns trechos.
Este é um livro sobre o sofrimento e a esperança, a angústia e a satisfaçãopresentes na sala de todos os terapeutas. É sobre o caráter único darelação que o terapeuta estabelece com cada cliente, e, igualmente sobreos elementos comuns que descobrimos em todas essas relações(ROGERS, 2001, p. 4).
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Assim como Rogers falou sobre o terapeuta e seus pacientes, esta pesquisa
abordou uma parcela do sofrimento e da esperança, da angústia e da satisfação
presentes nos momentos que antecedem à chegada de um designer em um núcleo
de artesanato... O sofrimento e a angústia se dão por ele não saber o que vai
encontrar. A esperança e a satisfação ocorrem ao constatar que o grupo, diante das
atitudes facilitadoras, é altamente receptivo. E esses são sentimentos bastante
comuns aos profissionais contratados para atuar nas comunidades produtivas de
artesanato.
Este livro é sobre as experiências profundamente pessoais de cada um denós. É sobre um cliente em meu consultório sentado perto da escrivaninha,lutando para ser ele mesmo e, no entanto, com um medo mortal de ser elemesmo – esforçando-se para ver a sua experiência tal como ela é,
querendo ser esta experiência, e, no entanto cheio de medo diante daperspectiva (ROGERS, 2001, p. 4).
Ao realizar esta pesquisa, minha intenção era mostrar, com algum nível de
profundidade, o relacionamento dos artesãos entre si e com os designers, a
aceitação incondicional do outro e de si mesmo e o fato deles não terem vergonha
de falar de sua cultura e suas origens, o que relatam normalmente e com muita
simplicidade. Busquei a valorização da pessoa do artesão pelo designer,
considerando aquele integralmente, com todos os sentimentos e inseguranças que
apresenta.
Esta pesquisa relata meu questionamento pessoal diante de fatos constatados,
observados e analisados durante mais de três anos em que atuei como profissional
e acompanhei a atuação de outros colegas nessas comunidades. Em relação à obra
“Tornar-se pessoa”, Rogers diz: “É um livro sobre mim, sentado diante do cliente,
olhando para ele, participando da luta com toda a profundidade e sensibilidade de
que sou capaz” (2001, p. 4). Posso dizer que este relato de pesquisa também é um
trabalho sobre mim, observando os artesãos e tentando narrar, da melhor forma que
posso, suas lutas, histórias, encontros e desencontros, dos quais decorrem frutos ou
frustrações.
Nesta pesquisa, a transparência, ou congruência, foi tomada como uma atitude
facilitadora imprescindível para ambas as partes, mas, principalmente, para o
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designer. Ainda que ambos precisem ser livres e confiantes em si próprios e nos
seus propósitos, é o designer, visto pelos artesãos como o condutor desse processo,
como estando “um degrau acima”, que deve valorizar essas atitudes e trabalhar por
um processo de mudança, objetivando incorporá-la ao seu comportamento. Será
bom se ambos forem livres para expressar suas fortalezas e fraquezas e se a troca
de experiências for incentivada sem repressão; será bom se ambos alcançarem a
liberdade de ser, pois o processo criativo se acentua com a liberdade!
É um livro sobre mim, tentando perceber a sua experiência e o significado, asensação, o sabor de que esta tem para ele. É sobre mim, lamentando aminha falibilidade humana para compreender o cliente e os ocasionaisfracassos em ver a vida tal como ela se mostra diante dele, fracassos quecaem como objetos pesados sobre a intrincada e delicada teia dodesenvolvimento que está ocorrendo (ROGERS, 2001, p. 5).
Esta pesquisa fala de mim. Fala do que fui e do que sou. Mas fala, principalmente,
de mim, profissional do design que adora ouvir e gosta de ser ouvida; fala também
de mim, profissional do design que vem tentando ser transparente e empática,
procurando aceitar-se e aceitar o outro incondicionalmente; fala de mim, convicta de
que as chamadas atitudes facilitadoras apontadas por Rogers podem nos inspirar e
propiciar o crescimento sustentável das comunidades que promovem o seu sustento
com o desenvolvimento do artesanato de referência cultural.
É um livro sobre mim, alegre com o privilegio de ser o responsável peloparto de uma nova personalidade – maravilhado diante do surgimento deum self , uma pessoa, de um processo de nascimento no qual tive um papelimportante e facilitador. É sobre mim e o cliente, que contemplamos comadmiração as forças ordenadas e vigorosas que se evidenciam em toda aexperiência, forças que parecem profundamente arraigadas no universocomo um todo (ROGERS, 2001, p. 5).
Este é um trabalho que sugere atitudes facilitadoras baseadas na abordagem
centrada na pessoa, proposta por Rogers, para os encontros que ocorrem durante
as intervenções de design no artesanato. Aqui, relato a importância e a
responsabilidade do profissional diante da criação, do parto de um novo produto
artesanal. Este trabalho fala da emoção, da alegria e do privilégio de vivenciar esses
processos que geram trabalho e renda para as comunidades, além de algo ainda
mais valoroso que isso: o resgate da auto-estima das pessoas envolvidas neles.
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Esta pesquisa procura evidenciar que, diante de atitudes facilitadoras, os encontros
de artesãos e designers durante as intervenções de design no artesanato tendem a
resultar em uma produção artesanal inovadora, que veicula parte da identidade e
dos valores do artesão, que veicula, portanto, uma parcela daquilo que ele está
sendo. Usando um termo técnico, resulta no “artesanato de referência cultural”, que
referencia a pessoa que o criou; resulta em uma produção equivalente às batatas
com brotos longos e viçosos, pois foi semeada em “solos férteis durante a primavera
ensolarada”.
Resumir neste relatório dias intermináveis de pesquisas, horas exaustivas de
construção e reconstrução, momentos de muitas dúvidas e incertezas... Certezas
absolutas de que estava tudo errado, de que não era esse o foco... E horas deabsoluta tranqüilidade, de lágrimas nos olhos por constatar que não havia outro
caminho, que era exatamente isto o que eu queria falar, o que eu queria escrever,
que não me importava com a seriedade que esta pesquisa teria para outras
pessoas, mas que para mim era tudo o que eu sempre quis falar, escrever, tudo o
que eu sempre quis fazer! E isso tudo acontecia ora muito lentamente, ora com tanta
rapidez que eu não me dava conta de tantas informações que vinham em minha
cabeça e em meu coração quando eu conversava com Rogers. Aliás, quando eu
ouvia o que ele estava me dizendo.
O objeto desta pesquisa me incomodava, me futucava e me deixava insegura com
relação à efetividade das intervenções de design no artesanato realizadas nos
Núcleos de Produção e Comercialização de Artesanato. Meu objeto era o
relacionamento! E Rogers me falou tudo sobre relacionamento; falou sobre gostar de
ouvir e ser ouvido e de fazer isso não apenas com os ouvidos, mas também com os
olhos brilhantes e atentos e com o coração escancarado e receptivo.
Rogers falou sobre a transparência entre os seres humanos, entre as pessoas que
podem tirar suas máscaras, mostrando sua cara, sua alma, o que de mais íntimo
elas têm, mostrando suas mãos calejadas ou finas, pois não há motivo para se
envergonhar de qualquer coisa... Rogers falou sobre empatia, sobre colocar-se no
lugar do outro como se fosse uma outra pessoa, sobre sentir literalmente o que o
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outro sentiria naquele momento. Rogers falou sobre a aceitação incondicional do
indivíduo, independentemente de etnia, sexo, crenças e cultura.
Por fim, eu diria que ao me dedicar a uma pesquisa que busca compreender a força
do relacionamento entre artesão e designer à luz das idéias desse pensador
humanista, permiti-me aprender com ele coisas que tocaram o fundo do meu
coração e que tenho o prazer de compartilhar com profissionais que têm como
objetivo trabalhar em comunidades produtivas de artesanato.
No Capítulo 2 deste trabalho, apresento o histórico do artesanato e do design, as
definições para os termos e os diferentes tipos de artesanato. Além disso,
caracterizo os principais programas de incentivo ao artesanato no Brasil.
No Capítulo 3, descrevo o processo de intervenção de design no artesanato
realizado junto aos Núcleos de Produção e Comercialização de Artesanato (NPCAs)
no Espírito Santo e minha experiência nesse processo, discorrendo ainda sobre o
Projeto Inovação e Design no Artesanato Capixaba.
O Capítulo 4, por sua vez, discorre sobre o pensamento de Rogers, caracterizando,
em especial, as condições facilitadoras das relações humanas.
No Capítulo 5, caracterizo os NPCAs que serviram como locus para este estudo e,
em seguida, analiso os depoimentos dos artesãos, levando em consideração as
atitudes facilitadoras propostas por Rogers, em seus livros, “Tornar-se pessoa” e
“Um jeito de ser”.
Por fim, no Capítulo 6, reafirmo que, durante os encontros que ocorrem entre
artesãos e designers durante o processo de intervenção de design no artesanato, aforça do relacionamento entre essas pessoas tão diferentes pode ser muito eficaz
com a convivência baseada nas atitudes facilitadoras propostas por Rogers na
aprendizagem centrada na pessoa.
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2 O CONTEXTO DO PROBLEMA
Neste capitulo, vamos tratar do artesanato de uma forma histórica. Apresentaremos
suas características básicas, desde o seu surgimento no mundo, sua evolução,definições, principais funções e seu desenvolvimento no Brasil. Falaremos também
dos tipos de artesanato como fonte geradora de emprego, renda e manifestação
cultural.
Além disso, caracterizaremos o Programa Sebrae de Artesanato em nível nacional e
estadual, com o Programa Sebrae de Artesanato Capixaba, suas diretrizes e focos
de atuação, ressaltando as mudanças que esse programa trouxe aos artesãos.
Descreveremos, ainda, o Programa do Artesanato Brasileiro (PAB), vinculado ao
Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo, sucedido, em sua competência,
pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC). No Espírito Santo,
o Programa do Artesanato Capixaba (PAC) é representado pela Secretaria de
Estado do Trabalho, Assistência e Desenvolvimento Social (Setades).
Abordaremos, também, os benefícios para os artesãos, que, por meio de uma
triagem feita na Setades, tornam-se possuidores da “carteira de “identidade doartesão”.
2.1 ARTESANATO
Vivendo normalmente à margem da sociedade, os artesãos, na década de 1970,
eram estigmatizados como hippies - ou talvez os chamados hippies é que eram os
artesãos da época. Eles eram vistos como consumidores de drogas, que viviam
para “curtir a vida”, sem os preconceitos impostos pela sociedade e tendo como
meio de sustento a produção e a comercialização de objetos feitos manualmente.
Vivendo em comunidades alternativas e socialmente discriminadas e com precários
hábitos de higiene, eram adeptos do amor livre e da máxima “paz e amor”. Para as
pessoas, eles não trabalhavam, só faziam artesanato. Como se fazer artesanato não
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fosse um trabalho... O artesanato era, para essas pessoas, produtos feitos por
drogados.
Ressalto, porém, que o artesanato existe no Brasil desde que os primeiros
portugueses aqui chegaram e encontraram os índios brasileiros fortemente armados
com arcos e flechas e adornados com cocares e outros enfeites e vestimentas de
penas. A beleza e a rara diversidade de nossos pássaros, com a plumagem de um
colorido esplêndido, possibilitavam uma produção de artefatos artesanais
consideradas até hoje como a mais pura representação do artesanato brasileiro.
E foi justamente o artesanato indígena a primeira moeda de troca brasileira, o
primeiro objeto de permuta do denominado escambo. Pero Vaz de Caminha, aoescrever sua primeira carta depois da chegada ao Brasil, relata, em tom poético, o
momento de encontro e comércio entre os portugueses e os índios que aqui
habitavam:
Pardos, nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Traziamarcos nas mãos, e suas setas [...] Viu um deles umas contas de rosário,brancas; fez sinal que lhas dessem, e folgou muito com elas, e lançou-as aopescoço; e depois tirou-as e meteu-as em volta do braço, e acenava para aterra e novamente para as contas e para o colar do Capitão, como sedariam ouro por aquilo. [...] Eles davam desses arcos com suas setas porsombreiros e carapuças de linho, e por qualquer coisa que lhes davam. [...].Ali falavam e traziam muitos arcos e continhas, daquelas já ditas, eresgatavam-nas por qualquer coisa, de tal maneira que os nossos levavamdali para as naus muitos arcos, e setas e contas.
Outro artesanato quase tão antigo quanto o indígena é o artesanato genuinamente
capixaba representado pelas panelas de barro de Goiabeiras, que hoje têm um
notório reconhecimento nacional e internacional. As famosas panelas de barro foram
tombadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico Nacional como um “bem imaterial”,
pois são produzidas da mesma forma há mais de 400 anos, mantendo a tradiçãopassada de mãe para filha, perpetuando a arte dos “saberes e fazeres”. Há, ainda,
controvérsias se esse utensílio foi criado por índios ou, posteriormente, pelos
escravos africanos.
Além da panela de barro, é claro que existiam diversos outros tipos de artesanato,
desde a cerâmica marajoara, a cestaria, a renda do Nordeste, as carrancas do São
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Francisco... Certamente, o artesanato existe desde os primórdios. É verdade que o
fazer artesanal se diferencia do artesanato, mas essa diferença não é facilmente
identificada. A panela de barro era um utensílio produzido artesanalmente... Mas
quando virou uma manifestação do artesanato?
Eu nasci em Aimorés (MG) e quando minha família mudou para Vitória o peixe
continuou a ser preparado na panela de ferro ou de alumínio. O uso da panela de
barro, tão comum nos dias de hoje, estava fora das minhas tradições familiares.
Essa manifestação do artesanato capixaba estava distante do meu mundo, fora da
minha realidade naquela ocasião...
Então, os hippies eram os artesãos que eu e a maioria das pessoas de classe médiaurbana conhecíamos nos anos 70, época em que o artesanato era o meio de
subsistência dos jovens que abandonavam suas casas muito cedo, dos jovens que
contestavam a sociedade de consumo e que ficaram marcados como consumidores
de alucinógenos... Acho que, no fundo, todo jovem da minha época, em algum
momento de sua vida, quis ser hippie . Ser hippie , para alguns, significava liberdade
de expressão, que poderia ser expressa de várias formas, inclusive por meio das
artes.
Esses foram os primeiros artesãos que conheci. Fascinava-me ver os hippies
sentados pelas calçadas, fazendo pulseiras, anéis, fazendo artesanato usando a
prata com abalone, lapislazule, madrepérola, coral, pedras, materiais que eu nunca
tinha visto. Até hoje tenho um colar de madrepérola com coral que comprei dos
hippies , provavelmente, em alguma calçada, durante um verão em Guarapari.
Das calçadas surgiram as famosas “feiras hippies ”, na década de 1970. Era moda ir
à feira hippie de Ipanema e a de Belo Horizonte. Pessoas se deslocavam das maisdiversas partes do País para fazer compras nessas feirinhas. Surgiram os novos
artesãos, que, até então, faziam artesanato para consumo próprio, para suas
próprias casas e para os amigos, mas que passaram a expor e comercializar seus
produtos nesses locais. Estes artistas dotados de tanta destreza e habilidade
manual tinham o artesanato como hobby ou passatempo, pois ninguém poderia
sobreviver da produção de artesanato naquela época...
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Mas um novo momento estava em fase de gestação. Uma das mais antigas
profissões, o artesanato, estava entrando na moda. E as feiras hippies foram
crescendo rapidamente e se tornando grandes pontos de vendas, até para compras
no atacado. Comerciantes ávidos por produtos diferenciados freqüentavam essas
feiras em busca de novidades.
Porém, com o passar do tempo, essas mesmas feiras foram tomando novas
dimensões. Com a abertura de mercado na década de 1980, elas abriram caminho
para o “industrianato”, o “made in...”. Produtos importados, industrializados e de
baixíssima qualidade começaram a disputar espaço com o artesanato
comercializado nesses espaços.
Durante algum tempo, o artesanato foi perdendo espaço para produtos de baixa
qualidade e baixos preços, o que obrigou o artesão, para se adequar ao mercado, a
também produzir produtos mal acabados e de baixo valor agregado, para disputar
um espaço nesse mercado, muitas vezes desleal.
2.2 DIFERENCIANDO ARTE POPULAR, ARTESANATO E TRABALHOMANUAL
Estabelecer diferenças entre artesanato, arte popular, trabalhos manuais e outras
manifestações humanas tem sido uma preocupação constante para profissionais
que atuam em programas desenvolvidos por instituições públicas e privadas. A
necessidade dessas definições e conceitos visa a nortear as diretrizes e ações que
podem ser realizadas em apoio ao artesanato.
O termo “artesanato” de acordo com as referências enciclopédicas, desde seu
aparecimento, em fins do século XIX, tem tido significações ambíguas, englobando o
conjunto de atividades manuais não agrícolas, nas quais as atividades do artesão e
do artista se confundem.
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Porém, durante o seminário “Design sem fronteiras”, realizado em 1996, em Bogotá
(Colômbia), do qual participaram todas a cúpula diretiva do Conselho Mundial de
Artesanato (WCC), Eduardo Barroso Neto1, do Brasil, propôs que “podemos
compreender como artesanato toda atividade produtiva de objetos e artefatos
realizados manualmente, ou com a utilização de meio tradicionais ou rudimentares,
com habilidade destreza, apuro técnico, engenho e arte” (PROGRAMA SEBRAE DE
ARTESANATO, 2004, p. 1-2).
Desse encontro, objetivando atender à expectativa de muitas pessoas envolvidas na
atividade artesanal, que ansiavam por uma definição, até para se posicionar no
mercado profissional, evidenciou-se definições e algumas outras características do
artesanato:
O artesanato é essencialmente um trabalho individual, embora a produção de alguns
objetos possa exigir a intervenção de várias pessoas durante sua confecção; deve
resultar em objeto ou artefato novo e fruto da transformação de matérias-primas e
em pequena escala (eliminando desta categoria as atividades agropecuárias e
pesqueiras, embora sejam, muitas vezes, denominados de agricultura artesanal e
pesca artesanal, em oposição à agricultura e pesca industrial, ou seja, em grande
escala). Do mesmo modo, esta atividade deve revelar uma destreza e habilidadeímpar de quem a produz, distanciando-se de uma simples atividade manual, assim
como uma engenhosidade nas formas, usos e funções que traduzem a criatividade
daqueles que, em seu cotidiano, descobrem soluções apropriadas para seus
problemas e necessidades de modo não convencional e inovador (PROGRAMA
SEBRAE DE ARTESANATO, 2004, p. 1-2).
Algumas pessoas não conseguem diferenciar as atividades ditas “manuais” do
artesanato. A existência de uma linha tênue entre arte popular, artesanato e trabalhomanual tem gerado uma série de dúvidas. Uma forma considerada simplória de se
fazer essa diferenciação é dizer que o artesanato é a atividade principal de quem o
produz como meio de subsistência, enquanto o trabalho manual seria uma atividade
secundária.
1 Eduardo Barroso é consultor do Sebrae Nacional e participou da criação do Termo de Referência doPrograma Sebrae de Artesanato, publicado em março 2004.
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O Programa Sebrae de Artesanato, em seu Termo de Referência, diferencia e
classifica estsas atividades. Conforme esse documento (SEBRAE, 2004, p. 21), arte
popular é o conjunto de atividades poéticas, musicais, plásticas e expressivas, que
configurem o modo de ser e de viver do povo de um lugar. Suas características são
a produção de peças únicas, arquétipo, compromisso consigo mesmo, fruto da
criação individual.
Trabalho manual, por sua vez, é a atividade desenvolvida a partir de uma destreza,
não resultante de processo criativo, podendo ser um cópia, normalmente
desenvolvido em casa como atividade secundária ou um passatempo. Suas
características são a produção assistemática, reprodução ou cópia, ocupaçãosecundária, fruto da destreza.
Já o artesanato é “[...] toda atividade produtiva que resulte em objetos e artefatos
acabados, feitos manualmente ou com a utilização de meios tradicionais ou
rudimentares, com habilidade, destreza, qualidade e criatividade” (SEBRAE, 2004, p.
21). Caracteriza-se pela produção em pequenas séries com regularidade; produtos
semelhantes, porém diferenciados entre si; compromisso com o mercado; fruto da
necessidade.
No que se refere ao artesanato, o documento do Sebrae (2004, p. 22-23) lista os
seguintes tipos:
Artesanato indígena: objetos produzidos em comunidades indígenas;
Artesanato tradicional: objetos produzidos com representação cultural e
tradicional, de origem familiar ou regional, transmitidos de geração em
geração;
Artesanato de referência cultural: objetos com características e
incorporação de elementos culturais da região onde são produzidos.
Normalmente, são frutos do trabalho desenvolvido por artistas e designers em
parceria com artesãos;
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Artesanato conceitual: objetos produzidos por pessoas com formação
artística, educacional e cultural, de origem urbana, com propostas de estilos
de vida e valores ligados a movimentos ecológicos e naturalistas.
O Artesanato pode ser categorizado, ainda, em função de suas finalidades e
aplicações (SEBRAE, 2004, p. 23):
Utilitário: ferramentas e utensílios desenvolvidos para suprir necessidades
das populações de menor poder aquisitivo, substituindo produtos industriais
de valor mais elevado;
Conceitual: objeto que tem como finalidade principal externar uma reflexão
ou conceito de quem os produz. Geralmente, são frutos da necessidade deauto-afirmação social e cultural e, por isso, muitas vezes são confundidos
com arte popular;
Decorativo: artefatos cuja principal motivação é a busca da beleza, com a
finalidade de harmonizar os espaços de convívio;
Litúrgico: produtos com finalidade ritualística e destinados às práticas
religiosas ou místicas;
Lúdico: produtos destinados ao entretenimento de adultos e crianças,
intimamente relacionados com as práticas educativas, folclóricas e
tradicionais.
Apresentadas as definições para arte popular, artesanato e trabalho manual,
passamos, a seguir, a discorrer sobre os programas de incentivo ao artesanato
existentes no Brasil e no Espírito Santo.
2.3 PROGRAMAS DE INCENTIVO AO ARTESANATO
Atualmente, instituições públicas, privadas, organizações não-governamentais
(ONGs) e organizações da sociedade civil de interesse público (OSCIPs) criaram
programas de incentivos à produção de peças artesanais por comunidades carentes,
objetivando a geração de trabalho e renda para indivíduos que estavam à margem
da sociedade e, em muitos casos, em situações de risco social.
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Empresas do setor privado também têm incentivado a atividade artesanal como
alternativa ocupacional e gerador de renda extra para funcionários, familiares e
pessoas residentes em seu entorno, proporcionando a minimização dos impactos
negativos decorrentes da substituição do homem pela máquina e a prática da
política da boa vizinhança.
O resultado obtido por ações dessa natureza para as instituições públicas, privadas,
ONGs e OSCIPs gera resultados altamente positivos, pois esse tipo de incentivo
proporciona visibilidade nacional para as Instituições que apóiam esses programas,
uma vez que toda e qualquer ação com foco na responsabilidade social, além de
muito importante, é muito bem vista pela sociedade de forma geral.
São diversos os níveis de apoio que as instituições têm dado ao artesanato. A
emissão da carteira de artesão pelo Programa do Artesanato Brasileiro foi um
grande diferencial para os artesãos, pois com a criação da identidade profissional é
possível comercializar os produtos artesanais, devidamente documentados por meio
de notas fiscais, emitidas pela Secretaria da Fazenda. Isso serve também para
desmarginalizar o profissional, que, muitas vezes, era confundido com camelôs, que,
freqüentemente, dedicam-se à venda de produtos falsificados ou contrabandeados.
É preciso reconhecer que o artesanato brasileiro, de modo geral, deu um grande
salto depois da criação desses programas e que o Termo de Referência do
Programa Sebrae de Artesanato, elaborado ao longo de 2003 e publicado em 2004,
pode ser considerado um divisor de águas para o artesanato e para a vida do
artesão.
O apoio das instituições para a implantação dos núcleos de artesanato ocorre desdea contratação das parcerias, mobilização dos artesãos, repasse e melhoria da
técnica artesanal, intervenção de design, indo até a comercialização e escoamento
da produção artesanal, fechando-se, assim, o ciclo da geração de trabalho e renda.
A seguir, passamos a caracterizar os principais programas de incentivo ao
artesanato no Brasil e no Espírito Santo.
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2.3.1 Programa do Artesanato Brasileiro
O apoio ao segmento artesanal foi iniciado pelo Governo Federal em 1977, com a
criação, por meio de decreto, do Programa Nacional de Desenvolvimento do
Artesanato (PNDA), na época sob a responsabilidade do Ministério do Trabalho.
No ano seguinte, foi editado o Decreto 83.290/1979, que regulava a classificação de
produtos artesanais e a identificação profissional do artesão. Em 1991, em outro
decreto, publicado no Diário Oficial, foram revogados os decretos anteriores einstituído o Programa do Artesanato Brasileiro (PAB).
O PAB tem por finalidade coordenar e desenvolver atividades que visem à
valorização dos artesãos, elevando seu nível cultural, profissional, social e
econômico, e ao desenvolvimento, promoção e divulgação do artesanato brasileiro.
Criado no âmbito do extinto Ministério da Ação Social, em 1995, passou a ser
vinculado ao Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo, sucedido peloMinistério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC).
O MDIC, em parceria com órgãos do Governo Federal, estados e municípios e
entidades privadas, estabeleceu políticas estratégicas para o segmento artesanal
brasileiro, voltadas para a organização e o fortalecimento dos núcleos de produção
(associações e cooperativas de artesãos), bem como para a promoção e incentivo à
comercialização de produtos artesanais, em consonância com as diretrizes definidas
para o segmento das micro e pequenas empresas, conforme segue:
Geração de emprego, ocupação e renda;
Estímulo à exportação;
Desenvolvimento e o aproveitamento das vocações regionais/locais;
Fortalecimento dos arranjos produtivos locais;
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Integração regional e internacional.
Estimulando o aproveitamento das vocações regionais, levando à preservação das
culturas locais e à formação de uma mentalidade empreendedora, o PAB vem
implementando ações em parceria com as coordenações estaduais de artesanato
dos 26 estados e do Distrito Federal no sentido de preparar os artesãos para o
mercado competitivo, organizar a produção artesanal e estimular a comercialização
e a promoção do artesanato como uma importante atividade econômica para o País.
Nesse sentido, o MDIC, por meio do PAB, doou, no Dia do Artesão, um caminhão
para cada um dos 27 estados com o objetivo de apoiar a comercialização da
produção em feiras e eventos nacionais e internacionais, mostrando, assim, que oartesanato brasileiro é importante na geração de divisas para o País e para a
divulgação da cultura brasileira no exterior.
O PAB é estendido aos estados por meio de programas específicos. No Espírito
Santo, o PAB é representado pelo Programa do Artesanato Capixaba (PAC), que
caracterizaremos a seguir.
2.3.2 Programa do Artesanato Capixaba
No Espírito Santo, a Secretaria Estadual do Trabalho, Assistência e
Desenvolvimento Social (Setades) é a responsável pelo apoio aos artesãos, por
meio do Programa do Artesanato Capixaba (PAC).
Com diretrizes estabelecidas de acordo com o PAB, essa secretaria tem investido
maciçamente na profissionalização dos artesãos que recebem capacitação paramelhoria na qualidade da produção artesanal, auxílio na busca de novos espaços
para a exposição e comercialização de seus produtos, orientação quanto à
legislação para o comércio de mercadorias artesanais, tanto para o mercado interno
quanto para exportação, e participação em feiras e eventos em um espaço
disponibilizado gratuitamente para a comercialização do artesanato.
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Entre as atividades realizadas pela Setades está a emissão da identidade do
artesão, obtida por meio de triagem previamente agendada, durante a qual o artesão
produz, na presença dos técnicos, uma peça artesanal e apresenta outras já
prontas, de modo a justificar a autenticidade de sua função. A identidade possibilita
ao artesão os seguintes benefícios:
Isenção de recolhimento de ICMS na venda de seus produtos, previsto no
Decreto Estadual 1090-R, de 25 de outubro de 2002;
Emissão de nota fiscal (sem recolhimento de ICMS);
Circulação de mercadorias para a participação em feiras e outros eventos;
Participação em feiras e eventos nacionais, que possibilitam a exposição,
divulgação e comercialização do artesanato capixaba.
2.3.3 Programa Sebrae de Artesanato
O artesanato brasileiro também tem sido apoiado pelo Sebrae. Nesta instituição, foi
concebido o Programa Sebrae de Artesanato (PSA), que tem dimensão nacional,
estendida para cada um dos estados brasileiros.
No final da década de 1990, foi criado o PSA, resultante de processos de mudanças
estratégicas na atuação do sistema, ampliando seu foco de ação e considerando o
empresário no ambiente e a empresa no território.
Como estratégia de atuação, esse programa foca a abordagem setorial, com o
fortalecimento das cadeias produtivas, e a abordagem local, centrada no
fortalecimento do capital social e humano como pré-condição para o
empreendedorismo.
Em 1999, quando o programa estava sendo criado, coordenadores do PSA
realizaram diversos encontros regionais, objetivando uma análise do tipo de
artesanato que cada estado produzia. Diante das realidades apresentadas em cada
estado, com níveis e graus de amadurecimento bem diferentes, e da busca por um
referencial em comum para atuação nesse setor, que até então era completamente
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atípico para o Sebrae, os coordenadores do PSA constataram que cada estado
deveria construir alternativas estratégicas que melhor atendessem ao setor artesanal
daquela região utilizando as diretrizes básicas do Programa Nacional, que serviria
como balizador para as ações territoriais.
A partir dessa constatação, foram definidos: o conceito e a missão do Programa, os
principais contornos da situação em vigor e da situação desejada e as ameaças e
oportunidades para a conquista da situação pretendida em cada estado. Foi
determinada, então, uma série de ações para a implementação do PSA: informação,
formação, produção, mercado, parcerias e políticas, bem como a sistematização de
um plano estratégico.
O Sebrae, tendo como missão “promover a competitividade e desenvolvimento
sustentável das micro e pequenas empresas” e com sua nova perspectiva
estratégica, define ao mesmo tempo os limites e a amplitude de sua atuação no
setor artesanal, que é uma as cadeias produtivas de vocação brasileira.
O programa tem criado novas possibilidades de consolidação do artesanato,
tornando-o economicamente viável, com novas estratégias de negociação,
ampliando o horizonte de atuação e o reconhecimento do artesanato brasileiro emnível internacional.
Incentivando a prática do cooperativismo, do associativismo e da sustentabilidade
dos grupos de artesãos, o Programa Sebrae de Artesanato promove a inserção da
mulher e do adolescente em atividades artesanais produtivas, fixando o artesão no
local de origem, onde a matéria-prima é utilizada para a produção artesanal,
propiciando, assim, baixos custos e evitando o crescimento desordenado dos
centros urbanos. A comercialização de produtos artesanais em pontos turísticos éum dos principais focos do PSA e o local onde ocorre a produção artesanal deve ser
um ponto de visita para o turista, que, a partir desse “novo olhar”, pode
contextualizar a nossa história.
O “fazer manual” está cada vez mais valorizado; o resgate cultural e a identidade
regional retratados nos produtos artesanais são uma contrapartida à massificação e
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à uniformização de produtos globalizados. O PSA tem como missão, conforme o
Termo de Referência do Artesanato, “contribuir para o desenvolvimento sustentável
do setor artesanal como estratégica de promoção cultural, econômica e social dos
territórios” (SEBRAE, 2004, p. 15).
2.3.4 Programa Sebrae de Artesanato Capixaba
Em 2000, o Sebrae-ES começou a apoiar o artesanato capixaba, por meio do
Programa Sebrae do Artesanato Capixaba. O apoio, inicialmente, esbarrou na falta
de informações sistematizadas sobre o artesão e sua produção artesanal, o que
dificultava estabelecer um norte para o programa.
Assim, nos seus primeiros anos de implementação, conforme explícito no seu Termo
de Referência (SEBRAE, 2004), o programa focou o desenvolvimento de ações
voltadas para:
Informação: cadastro de artesãos, mestres de ofício, elaboração de estudos
e pesquisas das principais matérias-primas disponíveis por região;
Formação: realização de oficinas para o desenvolvimento de técnicasartesanais;
Mercado: viabilização da participação em feiras, rodadas de negócio e
exposições.
A estratégia do programa teve como foco uma abordagem coletiva, por meio de
apoio e incentivo à instalação de grupos de produção, denominados Núcleos de
Produção e Comercialização de Artesanato (NPCAs), que deveriam ter as seguintes
características:
Estarem próximos a locais que propiciam o aproveitamento de resíduos,
rejeitos e/ou sobras para peças artesanais;
Constituir-se em pólos que propiciam a transformação de matéria-prima in
natura em peças artesanais;
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Terem proximidade com equipamentos turísticos que justifiquem como
complementaridade a geração de postos de trabalho e o escoamento da
produção.
Com um custo de investimento relativamente baixo, os núcleos instalados passaram
a utilizar, para a produção de peças artesanais, a matéria-prima natural, residual
e/ou abundante na natureza, promovendo a inserção de homens, mulheres e
adolescentes em atividades produtiva, estimulando a prática da cultura da
cooperação como forma de permanência do artesão no local de origem e
possibilitando uma produção artesanal, inicialmente com matéria-prima a custo zero
e focada no ecodesign
2.4 CONFUSÕES TERMINOLÓGICAS, EVOLUÇÃO E CARACTERÍSTICAS DO
DESIGN
Caracterizar o design tem sido uma constante em quase todos os trabalhos que
abordam algum tipo dessa atividade. Diversos autores sentem necessidade de
explicitar, a seu modo, conceitos sobre essa área de conhecimento tão ampla e de
contornos tênues. Ou, talvez, cada autor considere que, em virtude de ser o designuma atividade relativamente nova, seu conceito ainda não tenha sido
suficientemente entendido e formalizado.
O termo “design” originalmente deriva-se do latim designare . Houve uma série de
tentativas de tradução do termo, mas nomes como projética industrial acabaram em
desuso.
A palavra design é muito rica de significados. Segundo Gomes (1993), em inglês, otermo design ,
[...] além de significar ‘desenhar’ e ‘desenho’, denota também, uma grandeárea do conhecimento humano que se responsabiliza por arranjar,organizar, classificar, planejar, projetar e, especificamente desenharartefatos,mensagens, ambientes ou espaços para a produção industrial ouartesanal (GOMES, 1993, p. 6).
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Observa-se que Gomes (1993, p. 6) conceituava o design falando em “desenhar
artefato [...] para a produção industrial ou artesanal”. Ainda conforme esse autor,
design é, em alguns casos, projeto. É uma atividade criativa diretamente relacionada
à concepção, elaboração e especificação de um objeto ou artefato. Essa atividade é
normalmente focada na inovação ou mesmo na solução de um problema.
O design estuda a relação entre o homem e o meio sob o ponto de vista do homem.
É mais que um avanço na estética ou no conforto, é um processo criativo, inovador e
provedor de soluções para problemas, de importância fundamental, não apenas para
as esferas produtivas, tecnológicas e econômicas, mas, também, social e cultural
(GOMES, 1993).
O design, no entanto, não aborda somente aspectos estéticos do produto. Na
verdade, o design é um macroprocesso que envolve ações de planejar, projetar e
desenvolver, tendo como resultado final o produto. O design é a ferramenta
propulsora da qualidade, competitividade e sustentabilidade nos mais diversos
seguimentos da economia.
Conforme o relatório “Design para a competitividade”, da Confederação Nacional
das Indústrias (apud BREFE, on-line), o desenvolvimento de um novo design deverápossibilitar os seguintes elementos:
[...] capacidade de resolução de problemas, criação de novos estilos,melhoria no processo produtivo; melhoria da qualidade, desempenho,funcionalidade, segurança e facilidade de uso do produto; diferenciação,maior atratividade estética e agregação de valor aos produtos; aumento daprodutividade, lucratividade e competitividade; melhoria da imagem dosbens e serviços; facilidade de uso dos produtos (BREFE, online).
A essa lista, podemos acrescentar, ainda, a função ergonômica.
Atualmente, a denominação “design” tem sido aplicada para as mais diversas
atividades, nem sempre relacionadas aos setores artísticos ou arquitetônicos. Fala-
se muito em design gráfico, design editorial, design institucional, design de
embalagem, design multimídia, webdesign, design de jogos, design de produto,
design automobilístico, design de mobiliário, design de moda, design de jóias, design
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de ambientes, design de interiores, design de iluminação (lightdesign ), dentre outros
que surgem a cada dia.
No Brasil, a nomenclatura “desenho industrial” mantém-se em uso atualmente,
principalmente nos cursos de design em instituições públicas e privadas de ensino
superior, contudo a utilização do termo desenhista industrial, para o profissional da
área, está em desuso, sendo substituído pelo termo em inglês designer.
Atualmente, os profissionais que utilizam o design com ferramenta inovadora para a
realização de suas atividades também intitulam-se “designers” e, erroneamente,
uma enorme variedade de profissionais passaram a utilizar a expressão "designer” ,
como se fosse um modismo – ser designer passou a ser cult. Dentre eles podemosdestacar alguns que estão em evidência, como o cake designer (para confeiteiro),
hair designer (para cabeleireiro), body designer (para tatuador), banalizando, assim,
o uso do termo.
2.5 O DESIGN NO BRASIL
No Brasil, as primeiras iniciativas para o desenvolvimento do design ocorreram aindana década de 1960. Nesse período, ocorreram iniciativas de fomento ao design
industrial, sobretudo no campo educacional, buscando criar a base para o
desenvolvimento do design, paralelamente ao processo de industrialização.
A criação da Escola Superior de Desenho Industrial, a primeira escola de design
brasileira, em 1962, é um reflexo disso. Nessa época, surgiram os primeiros cursos
superiores de design, em Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, bem como a
Associação de Brasileira de Design, a primeira do gênero no País.
Na década de 1970, com a entrada do capital estrangeiro e o incentivo às
exportações, criou-se um terreno fértil para a expansão do design no Brasil. A
indústria começou a investir no design como um diferencial competitivo, aumentando
o número de escolas e escritórios de design e valorizando a profissão do designer.
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Na década de 1980, com a chegada do computador, ocorreu uma verdadeira
revolução em todos os setores, mas essa ferramenta tecnológica consolidou-se
como instrumento fundamental de trabalho para o design, facilitando
significativamente o processo produtivo dos designers.
Nos anos 90, houve profundas mudanças decorrentes da abertura econômica e uma
série de medidas agitou o setor industrial, com a entrada de capital e empresas
estrangeiras. O design recebeu, então, novo impulso, por meio de programas
setoriais, regionais e em nível nacional. O design gráfico consolidou-se nacional e
internacionalmente, enquanto o design de produto ainda tem participação tímida na
indústria.
Em 1995, por iniciativa do Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo, foi
criado o Programa Brasileiro do Design (PBD), com o objetivo de estabelecer um
conjunto de ações para a modernização industrial e tecnológica, por meio da
inserção do design no processo produtivo das empresas, visando a contribuir para o
incremento da qualidade e da competitividade dos bens e serviços produzidos no
País.
Na virada do milênio, a valorização da cultura do design se dissemina pelasociedade e vários setores industriais consolidam ações de promoção do design. Os
mais diversos setores de serviços demandam o design, como o hoteleiro, o
bancário, de aviação, o automobilístico, o arquitetônico, entre tantos outros. Cresce
também a preocupação do design com a ecologia e, dessa forma, o movimento do
ecodesign.
No mundo de hoje, novas estratégias empresariais, além da qualidade e da
produtividade, passaram a incluir a inovação tecnológica, com destaque para odesign, que assume importância decisiva como o diferencial para a manutenção e a
conquista de novos mercados, nos mais diversos nichos.
Neste capítulo, apresentamos conceitos para os diversos tipos de artesanato, bem
como para o design, um termo que, como vimos, evoca muitos significados. No
artesanato, resgatamos o indígena, as panelas de barro, as primeiras manifestações
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artesanais, os surgimentos dos primeiros artesãos urbanos e os famosos hippies ,
que quebraram paradigmas com relação ao artesanato. Além disso, discorremos,
ainda, sobre os programas de incentivo ao artesanato como fonte geradora de
emprego, renda e manifestação cultural. Por fim, descrevemos as etapas que
compõem o processo de intervenção de design no artesanato, tema principal desta
pesquisa.
Foi relatado também o curso de aperfeiçoamento em “Gestão Estratégica do
Artesanato”, que capacitou profissionais para atuar na implantação dos NPCAs, na
curadoria de artesanato e no Projeto Inovação e Design no Artesanato Capixaba,
realizado em 2007.
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3 INTERVENÇÃO DE DESIGN NO ARTESANATO
Apesar de o design ser utilizado por diversos setores da economia como estratégia
para alcançar a inovação junto aos mercados, observa-se que apenas no fim dosanos 90 começou-se a se falar em design no artesanato – até porque esse assunto
é relativamente novo. Assim, essa modalidade até hoje é muito pouco aceita por
algumas pessoas que encaram como um contra-senso falar em design no
artesanato, acredita-se que isso signifique um processo de interferência na cultura
local.
Teoricamente, design é tecnologia e artesanato é um fazer manual. As pessoas
pensam que artesanato não tem que ser feito a partir de uma demanda de mercado,das tendência, pois ele é a manifestação cultural e espontânea de um povo.
Realmente, para leigos, design no artesanato pode parecer bastante estranho, mas
quem está familiarizado com o processo de intervenção de design no artesanato
reconhece que essa união entre designer e artesão não somente pode ser possível,
como tem sido a estratégia utilizada para a geração de trabalho e renda por meio da
produção artesanal.
As intervenções de design no artesanato, quando bem conduzidas, podem gerar
bons frutos, pois essa intervenção é direcionada para a produção artesanal focada
em ações de identificação de demandas, tendências e ofertas, melhorias de
produtos e processos, agregação de valores culturais e iconográficos, divulgação e
acesso ao mercado.
Somente com esse conjunto de ações é que a produção artesanal terá demanda de
mercado capaz de gerar trabalho e renda para os artesãos, e, conforme relatado
anteriormente, uma das características do artesão é retirar seu sustento de seu
trabalho artesanal, e se este trabalho não gerar produtos que as pessoas queiram
comprar não vai haver geração de renda. Também seria um contra-senso estimular
a produção do artesanato apenas para manter a tradição cultural, pois o artesão vive
inteiramente dos frutos gerados por seu trabalho.
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Ressalto, com veemência, que o artesanato tradicional não deve nem pode ser
mexido em hipótese alguma. As intervenções de design no artesanato resultantes
dos trabalhos realizados por artesãos sob a orientação de um profissional do design
objetivam a criação do chamado “artesanato de referência cultural”, que
correspondem, como já relatado anteriormente, a:
produtos cuja característica é incorporação de elementos culturaistradicionais da região onde são produzidos. São em geral, resultantes deuma intervenção planejada de artistas e designers, em parceria com osartesãos com objetivo de diversificar os produtos, porem preservando seustraços culturais mais representativos (SEBRAE, 2004, p. 23).
Esse tipo de trabalho entre artistas, designers e artesãos já estava sendo
desenvolvido há algum tempo, pois há muito o mercado demandava produtos
diferenciados. Em eventos de arquitetura e design de interiores como a Casa Cor,
por exemplo, profissionais do design, objetivando compor ambientes com inovação,
criavam, para a ambientação dos seus espaços, belíssimos objetos produzidos por
artesãos muitas vezes desconhecidos. Foi assim que as primeiras intervenções de
design no artesanato surgiram, sem a pretensão de se tornar o movimento no qual
se transformou hoje.
Renato Imbroisi, notoriamente reconhecido como um dos maiores designers de
artesanato no Brasil, há mais de 15 anos coordena um grupo de tapeceiras no
interior de Minas Gerais que desenvolve produtos criados por ele e comercializados
em todo o Brasil.
Para repor meus estoques da Laço de Fita (loja de presentes da qual fui
proprietária), freqüentava eventos e feiras de design em São Paulo pelo menos
quatro vezes ao ano. Dessa forma, mantinha-me informada sobre lançamentos,novos produtos, tendências e demandas de mercado. Aliando esse conhecimento de
mercado à minha formação artística, eu mesma, durante o período em que estive à
frente da loja, desenvolvi parcerias com artesãos, orientando-os na criação de
diversos produtos para serem comercializados na loja.
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A utilização do design como ferramenta para a criação de produtos artesanais com
características próprias tem sido uma das principais ações dos programas de
artesanato junto às comunidades artesanais, sobre os quais já discorremos. Por
meio da contratação de consultores/designers para atuar junto a esses grupos de
artesãos nas intervenções de design nas peças artesanais, obtém-se uma produção
artesanal impregnada de inovação criativa, diversificada em desenhos e formas, na
combinação de materiais e cores, na abordagem iconográfica e no resgate da
cultura regional, compondo uma coleção de peças de acordo com tendências e
demandas de mercado com sustentabilidade e competitividade.
No que diz respeito ao Programa Sebrae de Artesanato, sua estratégia é apoiar o
“coletivo”, isto é, o grupos de artesãos. No Espírito Santo, esse coletivo formalizou-se principalmente com a criação dos Núcleos de Produção e Comercialização de
Artesanato. É junto a esses núcleos que as intervenções são realizadas.
A realização de uma série de ações seqüenciais entre o início e o término de uma
intervenção de design no artesanato parte da lógica que o processo se inicia e
termina também no mercado. Dessa forma, o processo de intervenção de design é
composto por várias etapas, conforme indicado no Termo de Referência do
Programa Sebrae de Artesanato (SEBRAE, 2004) e listadas a seguir.
1. Identificar a demanda
Pesquisar o mercado, de modo que possam ser identificados o público-alvo, os
potenciais compradores, bem como seus hábitos, gostos, exigências e
preferências.
Identificar as principais tendências do artesanato nacional (e também
internacional), matérias-primas, design e novos produtos nas áreas dedecorativos, utilitários, religiosos e souvenirs.
2. Identificar a oferta
A identificação da oferta começa pelo levantamento do artesanato e de outros
produtos similares ou concorrentes, avaliando qualidades e deficiências, tirando,
assim, proveito das oportunidades e neutralizando ou eliminando as ameaças.
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3. Melhorar produtos
Conquistar nichos de mercado com o desenvolvimento de novos produtos,
utilizando o design como ferramenta para a produção artesanal inovadora, dentro
das expectativas de um público insatisfeito.
Esta ação requer a participação de profissionais como designers, artistas
plásticos, arquitetos e antropólogos, que, além da capacidade criativa, tenham
atitudes de profundo respeito pela cultura do artesão.
4. Melhorar processos
Otimizar a produção, tornando-a mais ágil e competitiva, dentro das tendências edemandas de mercado, observando a sustentabilidade da matéria-prima, a
utilização de ferramentas mais modernas e a ergonomia, mas sem
descaracterizar os valores culturais e as história de vida dos artesãos.
Promover a produção artesanal com boa embalagem, padronização, economia,
durabilidade, acabamento e excelente qualidade.
5. Capacitar produtoresMudanças no processo produtivo implicam mudanças comportamentais.
Portanto, os artesãos, que são os atores deste processo, precisam de
capacitação desde a comercialização, formação de preços, marketing, gestão,
cultura da cooperação até o gerenciamento das relações interpessoais.
6. Agregar valor
A identidade da produção artesanal por meio do resgate iconográfico local gera
um grande desejo de consumo, pois quem compra artesanato está comprandocultura e história.
A produção artesanal com foco no ecodesign, com ações de preservação do
meio ambiente, tingimentos com pigmentos naturais, a utilização de resíduos e
rejeitos industriais como matéria-prima principal e a avaliação do ciclo de vida
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(ACV) são, atualmente, elementos de agregação de valores, que, em um futuro
muito próximo, serão exigências de mercado.
7. Divulgar e promover
Criação de logomarca, cartão de visita, folder , banner , catálogo e site para a
divulgação da produção artesanal, bem como a implementação do uso de
etiqueta com todas as informações sobre a produção, manuseio, limpeza,
acondicionamento, transporte, peso, medidas e origem do produto.
8. Comercializar
Promover ações que possibilitem a comercialização da produção artesanal por
meio da participação em feiras nacionais e internacionais, eventos do setor deturismo e negócios e rodadas e encontros de negócios.
3.1 MINHA EXPERIÊNCIA COM PROCESSOS DE INTERVENÇÃO DE DESIGN
NO ARTESANATO
Em 2003, fui convidada para fazer o curso de aperfeiçoamento em “Gestão
Estratégica do Artesanato”. Objetivando a implantação dos NPCAs, o Sebrae, empareceria com o Sesi, capacitou 30 profissionais do segmento artístico e artesanal,
com formações e níveis de atuação bastante heterogêneos, com uma série de
cursos visando à formação de agentes de desenvolvimento para o setor artesanal.
A capacitação, com duração de 208 horas, ocorreu entre dezembro de 2003 e
novembro de 2004. Durante esse período, foram ministrados os seguintes módulos:
Gestão Estratégica;
Ecodesign;
Harmonia e cor;
Materiais ecológicos;
Workshop para avaliação;
Marketing para o produto artesanal;
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Formação de preço;
Identidade cultural;
Práticas e procedimentos para o trabalho de consultoria;
Estrutura e forma no design de produtos; Apresentação/avaliação de projetos conclusivos.
A contrapartida dos profissionais pela capacitação recebida foi a atuação, durante 96
horas, em determinado grupo de artesãos identificados pelas instituições parceiras,
visando à implantação e formalização dos NPCAs. Essa ação foi realizada em
duplas e atuamos como multiplicadores da capacitação recebida. Nessa tarefa,
minha parceira foi Kátia Prota, que, assim como eu, tinha formação em Artes
Plásticas. Juntas atuamos no Núcleo de Produção de Artesanato de Escamas dePeixe, localizado em Caratoíra, um bairro da Grande Vitória.
Esse grupo familiar era liderado por Dona Leonília, que há 50 anos, pacientemente,
acompanhava o marido, que pescava às margens do Rio Doce, em Baixo Guandu,
fazendo flores de escamas dos peixes pescados para alimentar a família. Essa
atividade, que na época era para “passar o tempo”, foi resgatada há mais de dez
anos e passou a ser uma atividade artesanal para o sustento de sua família,
composta por filhos, netos e bisnetos, que viviam basicamente da produçãoartesanal de flores de escamas de peixe.
A intervenção com duração de 96 horas abordou iconografia local regional, resgate
cultural, cadastro de artesãos, design de produtos, ecodesign, marketing e formação
de preços com foco na responsabilidade social, melhoria da auto-estima e geração
de trabalho e renda para os membros do núcleo com a criação de 12 novos produtos
para o grupo.
Após o término da intervenção do Núcleo de Escamas de Peixe, fui convidada pelas
coordenadoras de PSA, na ocasião Angélica Fonseca e Célia Bigossi, para atuar
como multiplicadora do curso de formação de preços em alguns núcleos em fase de
implantação. Atuei no Núcleo de Conchas (Piúma), no de Fibra de Taboa (Serra), no
de Mármore e Granito (Venda Nova do Imigrante) e no Núcleo de Alumínio
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(Cariacica). A atuação ocorreu em agosto e setembro de 2004 e durou 25 horas em
cada núcleo. Eu preparava os artesãos para o cálculo de custos e formação de
preços.
Em dezembro de 2004, atuei no processo de implantação do Núcleo de Marchetaria
(Colatina). Esse trabalho se estendeu até março de 2005 e foi realizado em parceria
com Dona Didi. Dona Didi é formada em Enfermagem, morou oito anos em
comunidades indígenas da etnia dos ianomâmis e foi proprietária de uma fábrica de
objetos em cerâmica em Brasília. A experiência de vida dessa senhora, hoje uma
grande amiga, quase uma mãe, pôde ser compartilhada com os 11 membros do
grupo no qual atuávamos, que, sedentos de seus conhecimentos, mal piscavam os
olhos para não perderem nenhuma informação.
Sob o sol causticante do verão em Colatina, esse trabalho, também com duração de
96 horas, seguiu as diretrizes do PSA, abordando a iconografia regional, o resgate
cultural, o cadastro de artesãos, o design de produtos, o ecodesign, marketing e
formação de preços com foco na responsabilidade social, a melhoria da auto-estima
e no acabamento das peças produzidas e a sugestão de novos produtos com o
objetivo de gerar trabalho e renda para os membros do núcleo.
No início de 2005, fui convidada pelas coordenadoras do PSA para atuar como
curadora de artesanato do Sebrae-ES. Essa Curadoria era realizada uma vez por
semana no Espaço Empreendedor, no Sebrae-ES, em Vitória, e o atendimento era
direcionado à orientação do artesão quanto à exportação, viabilidade, mercado,
apresentação do produto, tendências, acabamento, design, agregação cultural,
embalagem, marketing e comercialização.
Esse trabalho me trouxe uma realização pessoal muito grande, pois o resultado dasações propostas era imediatamente constatado pelo feedback dos artesãos
atendidos. Ao fim do dia, eu falava: “meu Deus, obrigada por me dar a oportunidade
de realizar este trabalho e ainda ser remunerada por isto”. Esse trabalho,
certamente, eu faria até de graça!
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Em abril de 2005, fui convidada para participar do Programa Sebrae de Artesanato,
como consultora externa, atuando na implementação das ações propostas no
programa, junto aos NPCAs, acompanhando-os na comercialização em feiras e
eventos, selecionando designers para realizarem intervenções de design nos
núcleos, monitorando os trabalhos que estavam sendo realizados, enfim, atuando
diretamente em todas as ações do Programa Sebrae de Artesanato, junto com sua
coordenação.
3.2 PROJETO INOVAÇÃO E DESIGN NO ARTESANATO CAPIXABA
Em abril de 2007, após ser aprovada no processo seletivo do Sebrae, passei a fazerparte do quadro de funcionários da instituição, fazendo a gestão do Projeto Inovação
e Design no Artesanato Capixaba. Criado em abril de 2007 pelo Sebrae-ES, esse
projeto estendeu-se até dezembro do mesmo ano e objetivava propiciar o
fortalecimento de 11 núcleos de produção e comercialização de artesanato
(NPCAs), a partir da realização de cinco ações:
1. Consultoria
2. Curadoria3. Realização de palestras
4. Criação de centro de informação e pesquisa
5. Promoção e acesso a mercado
Esse trabalho envolvia 11 núcleos, a saber:
NPCA de Fibra de Bananeira (Iconha)
NPCA de Produtos do Mar / Escamas de Peixe (Vitória)
NPCA de Fibra de Bananeira (Mimoso do Sul)
NPCA de Fibras Naturais / Coqueiro (Itapemirim, no distrito de Itaoca)
NPCA de Fibras Naturais / Semente (Itapemirim, no distrito de Gomes)
NPCA de Tecelagem (Cariacica, instalado no Instituto de Atendimento Sócio
Educativo do Espírito Santo - Iases)
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NPCA de Produtos do Mar / Conchas (Piúma)
NPCA de Fibra de Taboa (Anchieta)
NPCA de Rochas Ornamentais / Granito (Venda Nova do Imigrante)
NPCA de Marchetaria de Madeira (Colatina) NPCA de Bagaço de Cana (Conceição da Barra)
O Projeto Inovação e Design no Artesanato Capixaba obteve os seguinte resultados:
Contratação de cinco consultores/designers, que atuaram nos 11 NPCAs,
realizando 752 horas de consultoria de inovação e design, capacitando 142
artesãos, processo que culminou na criação de 159 novos produtos
artesanais. Criação da “Coleção Espírito Capixaba”, com a contratação de um designer,
que atuou como curador e diretor de arte durante 82 horas, selecionando 135
produtos entre os que foram criados com foco no ecodesign.
Realização de duas palestras: “A importância do design no artesanato como
agregador de valor e renda” e “Tecidos sustentáveis: a experiência do tecido
a base de PET”.
Exposição dos produtos na III Feira Internacional de Artesanato, no II
Seminário Capixaba de Design e no Seminário de Economia Criativa e no hall
da sede do Sebrae-ES.
Realização do registro fotográfico das 135 produtos da “Coleção Espírito
Capixaba”.
Criação do Centro de Pesquisa de Inovação e Design no Artesanato, em um
espaço com 15 m², no Espaço Empreendedor do Sebrae-ES, equipado com
computadores, internet, acervo de catálogos, livros, fotografias e revistas.
Entre as cinco ações propostas no projeto, a consultoria é a ação que propicia a
realização de intervenções de design. A consultoria era o enfoque de maior peso,
até pela extensão da carga horária.
Os consultores/designers contratados foram orientados a atuar a partir do princípio
de que o design não é apenas desenho ou projeto, mas um macroprocesso, no qual
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se tratam tendências, demandas, produtos e mercados. Portanto, realizamos visitas
à lojas do setor para a realização de análise dos produtos ofertados pelo mercado,
verificação de tendências de materiais, formas, demandas e preços dos produtos
comercializados.
O desenvolvimento de uma produção sustentável e
focada no ecodesign também foi outra estratégia
adotada para a produção artesanal, pois ações nesse
sentido, atualmente, não são apenas um diferencial nem
um provocador de demandas, mas sim uma exigência
para estar no mercado.
Em experiências anteriores, o profissional de design chegava aos núcleos
conhecendo pouco sobre eles. Não sabíamos o que iríamos encontrar...
Geralmente, os designers ligavam e avisavam: “estamos indo”. Sem informações
sobre as características do grupo e de sua produção, a relação entre as partes já
começava sem uma base relativamente sólida.
Figura 3 - Coleção EspiritoCapixaba (Mônica Zorzanelli)
Figura 4 - Coleção Espirito Capixaba (MônicaZorzanelli)
Figura 5 - Coleção Espirito Capixaba (MônicaZorzanelli)
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Para evitar isso, o primeiro passo dado com relação à
contratação dos designers que iriam atuar nos núcleos
foi a escolha de profissionais que estivessem dispostos
a seguir as diretrizes do Termo de Referência do
Programa Sebrae de Artesanato, mas que, acima de
tudo, “gostassem de gente”.
Os designers foram escolhidos para intervir nos núcleos de acordo com suas
expertises, mas antes da definição de qual profissional iria para determinado núcleo,
realizamos visitas a cada núcleo para que os designers conhecessem os artesãos e
os trabalhos que estavam sendo realizados. O objetivo era observar afinidades com
os produtos, mas, principalmente, entrosamento e aceitação de ambas as partes.
Nos momentos vividos nessas visitas, que duravam um dia inteiro, tivemos aoportunidade de analisar o clima que começava a se estabelecer entre os artesãos e
os designers e a forma como eles começavam a se relacionar.
Figura 6 - Coleção EspiritoCapixaba (Mônica Zorzanelli)
Figura 7 - Coleção Espirito Capixaba (MônicaZorzanelli)
Figura 8 - Coleção Espirito Capixaba (MônicaZorzanelli)
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Assim, durante as visitas, aplicamos um
questionário com uma serie de perguntas
sobre a capacidade produtiva, o número de
componentes, a data de fundação do núcleo,
as matérias-primas e insumos utilizados, o
que os artesãos gostariam que fosse
melhorado e/ou criado. Essas perguntas
foram realizadas com o objetivo de nortear as
intervenções e estabelecer níveis de atuação do designer, de modo a não gerar
expectativas que não poderiam ser atendidas.
A decisão foi assertiva, haja vista que, durante os três meses do Projeto Inovação e
Design no Artesanato Capixaba, foram criados 135 produtos classificados como
artesanato de referência cultural e batizados de “Coleção Espírito Capixaba”, nome
escolhido pelos próprios artesãos.
Figura 9 - Coleção Espirito Capixaba (MônicaZorzanelli)
Figura 10 - Coleção Espirito Capixaba (MônicaZorzanelli)
Figura 11 - Coleção Espirito Capixaba (MônicaZorzanelli)
Figura 12 - Coleção Espirito Capixaba (MônicaZorzanelli)
Figura 13 - Coleção Espirito Capixaba (MônicaZorzanelli)
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Creio que a realização desse “dia de entrosamento”, como costumamos chamar,
tenha sido uma estratégia que pode ser classificada como facilitadora, aos olhos de
Rogers. A primeira visita, além de nortear os trabalhos que seriam realizados e evitar
as expectativas que não pudessem ser atendidas, fazia com que a auto-estima dos
artesãos fosse valorizada. Eles perceberam que, para se alcançar bons resultados,
a convivência entre eles e o designer deveria ser o ponto de partida para a criação
de uma produção artesanal com a chamada intervenção de design no artesanato.
Ficou bastante claro para os designers que as experiências decorrentes desses
encontros nos mostram a importância dele permitir que o artesão seja ele mesmo,
em sua simplicidade cotidiana, e que essa transparência precisa ser respeitada por
qualquer profissional que se aproxime do grupo. O profissional deve ser um lídercarismático, um líder que dá a essas pessoas um poder simples: o de serem elas
mesmas, sem máscaras, sem fingimentos, simplesmente serem...
Conforme lembra Rogers,
o poder é compartilhado no relacionamento que estabelecemos com umgrupo e seus membros. Permitimo-nos “ser”; permitimos que os outros“sejam”. Quando estamos em nossa melhor forma, a vontade de julgar oumanipular as ações ou pensamentos dos outros é mínima. Quando as
pessoas são abordadas desta forma, quando são aceitas como são,revelam-se criativas e plenas de recursos para examinar e transformar suaspróprias vidas (ROGERS, 1983, p. 56).
Não há liderança preestabelecida, os produtos criados não têm “dono”. Ao falar das
ações propostas e do Projeto Inovação e Design no Artesanato Capixaba, que se
iniciava, o espírito cooperativista foi enaltecido como prioridade do Programa Sebrae
de Artesanato. E todo o apoio que a instituição vem realizando durante esses anos
só está ocorrendo porque se trabalha dentro dessa cultura. Eu dizia sempre: “o
Sebrae está aqui hoje apoiando vocês, pois vocês estão organizados em um grupounido, coeso, em que não há patrão nem empregado e em que todos os produtos
que forem criados serão do grupo!”.
Uma citação de Rogers caminha na mesma linha da estratégia adotada pelo
Programa Sebrae de Artesanato, estimulada e implementada nos chamados núcleos
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de produção e comercialização de artesanato (NPCAs), que é a “cultura da
cooperação”. Esta citação bem que poderia ter sido proferida por um artesão:
Uma afirmação final sobre a maneira como funcionamos: somos uma
equipe totalmente aberta, sem lideres e sem nenhuma organizaçãohierárquica. A liderança ou responsabilidade são compartilhadas. Tornamo-nos uma equipe unida que viveu seu relacionamento da maneira a maiscentrada na pessoa que conhecemos. Em primeiro lugar, capacitou-me aassumir riscos que eu jamais ousaria assumir sozinho (ROGERS, 1983, p.57).
Neste capítulo, apresentamos o processo de intervenção de design no artesanato
realizado junto aos núcleos de produção e comercialização de artesanato no Espírito
Santo que se inicia e termina no mercado. Isso porque seu principal objetivo é a
geração de renda para o artesão. Ressaltamos, porém, a qualidade das relaçõesque se estabelecem entre o designer responsável pela intervenção e os artesãos
junto aos quais ele implementa esse processo é de fundamental importância para
que se alcance esse objetivo.
Este estudo se dedica justamente a investigar até que ponto as relações que se
estabelecem entre designers e artesãos promovem o desenvolvimento destes. Uma
vez que Carl Rogers foi adotado como referencial teórico deste trabalho, no capítulo
a seguir, passo a descrever as características que, conforme esse autor, precisamestar presentes nos relacionamentos para que o crescimento pessoal e em outros
âmbitos ocorra para as partes envolvidas.
A seguir, apresentaremos a filosofia de Carl Rogers e as atitudes facilitadoras
propostas por ele na Abordagem Centrada na Pessoa.
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4 A FILOSOFIA DE ROGERS PARA AS RELAÇÕES HUMANAS
Eu nunca tinha ouvido falar de Rogers. Aliás, talvez eu até já tivesse sim, pois me
pareceu muito familiar quando ouvi a professora Joelma falar em psicologiarogeriana. A cada palavra, a cada frase proferida por ela, algo me soava como muito
familiar. A cada citação sobre Rogers feita por ela, meus olhos brilhavam e meu
coração batia mais forte do que de costume. Eu estava ouvindo uma série de coisas
que eu ansiava ouvir, achava que nunca tinha ouvido, mas pressentia que seriam
ouvidas. Eu estava ouvindo tudo que eu queria ouvir e sabia perfeitamente quais
eram as próximas palavras que seriam ditas por ela. Eu definiria como “premonição”
a capacidade de antecipar sensações, sentimentos, enfim, de vivenciar alguma
coisa que nunca tinha vivido. Foi um momento único e mágico!
Ao ingressar na Pós-graduação de Design de Interiores, minha intenção, na
realidade, era agregar conhecimentos, aumentar minha rede de relacionamentos,
voltar para os bancos acadêmicos e, principalmente, utilizar o artesanato no design
de interiores.
Durante meu período de trabalho como consultora externa do Sebrae-ES nos
NPCAs, pude perceber diversos níveis e formas de atuação dos mais diferentesdesigners. Meu objetivo não era questionar o profissionalismo, muito menos a
qualidade dos trabalhos que realizados. Mas mesmo se o tivesse, teceria, com
certeza, muitos elogios a tais trabalhos, haja vista a alta qualidade do artesanato
produzido atualmente por esses grupos de artesãos.
Na realidade, meu questionamento é quase pessoal, é um questionamento muito
íntimo, pois durante os três anos que estive em contato com artesãos e designers,
por diversas vezes, senti que alguma coisa a mais deveria acontecer além da
criação de uma bela peça.
Não bastava apenas seguir as diretrizes do Programa Sebrae de Artesanato (PSA),
que orienta que sejam criados produtos utilizando matéria-prima abundante, residual
ou rejeitos industriais, com apelo ecológico, que retrate valores culturais e
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iconográficos e que seja usada com a finalidade de gerar trabalho e renda para
essas pessoas. Na verdade, eu sentia que faltava algo mais do que era proposto
pelo PSA... Talvez um pouco mais de carinho, de atenção, de respeito, de amizade,
de afinidade, enfim, da valorização do artesão como pessoa. Quando ouvi a
professora falar que Carl Rogers adotava a abordagem na aprendizagem centrada
na pessoa, pensei: “é isto que está faltando”.
Diante dessa admiração desenfreada pela abordagem do Rogers, diversas vezes
me questionei sobre a capacidade de falar sobre um assunto que não domino e que
sei perfeitamente que é muito sério e profundo: o relacionamento humano... Até que
ponto um leigo como eu poderia estar defendendo idéias baseadas na psicologia
rogeriana e em como a relação que acontece entre terapeuta e cliente poderia seraplicada no relacionamento entre o artesão e o designer?
Foi lendo “Um jeito de ser” que minhas impressões tornaram-se concretas e que
percebi que eu estava no caminho certo, tal como Rogers, quando diz:
Acredito que, desde então, está presente em minha obra a compreensão deque aquilo que vale numa relação entre terapeuta e cliente vale tambémpara um casamento, uma família, uma escola, uma administração, umarelação entre culturas ou países (ROGERS, 1983, p. X).
4.1 FALANDO SOBRE ROGERS
Carl Rogers, um psicoterapeuta nascido no início do século XX, foi considerado o
“pai a psicologia humanista”, surgida na década de 1940. Suas idéias foram
denominadas por ele como “abordagem centrada na pessoa” (ACP). Ele
considerava que o “homem é ser capaz de crescer e de se desenvolver de forma
positiva, sem que sobre ele seja necessário exercer controle algum” (Rogers, 2001).
Suas idéias, além da psicologia, foi aplicada nas relações humanas e na Educação,
caracterizando a educação centrada no aprendiz (ECA).
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A ECA considera que todas as pessoas são capazes de aprender e que todas as
vezes em que se manifesta o desejo de descobrir, de viver novas experiências e de
adquirir novos conhecimentos os seres humanos liberam um potencial muitas vezes
desconhecido que o levam ao aprendizado com naturalidade. O estudante, para
Rogers, não é apenas visto como alguém que precisa aprender conteúdos; o
estudante é visto como pessoa.
E é neste momento em que o estudante passa a se chamar artesão e o professor,
designer. Os relacionamentos interpessoais entre ambos, artesão e designer, aluno
e professor, são os mesmos. Ambos devem ser vistos como pessoas que estão
vivenciando o mesmo momento: o momento da aprendizagem para o crescimento
profissional das duas partes envolvidas.
O fato de o designer ter conhecimentos acadêmicos e ser contratado para criar
produtos em comunidades produtivas de artesanato não os imbui de uma atitude
autoritária na qual o aprendiz (leia-se artesão) é apenas um “receptáculo bocejante”
(ROGERS, 1985). O artesão deve ser o protagonista do processo criativo que ocorre
durante a atuação do designer junto aos grupos.
A abordagem do designer nessas comunidades deve ser voltada para a valorizaçãodas pessoas que ali se encontram e de seus modus vivendis , pois sãos esses os
verdadeiros atores de toda a história que será contada por meio das peças
produzidas a partir desse lindo encontro e que, além de tudo, são classificadas como
artesanato de referência cultural.
Para Rogers, o desenvolvimento da pessoa está intrinsecamente relacionado ao
meio em que ela vive e, mais especificamente, à qualidade das relações que ela
estabelece entre seus pares.Na tentativa de ilustrar essa tese, o autor relata umahistória de sua infância no rigoroso inverno de Chicago, cidade onde morava.
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Lembro-me de um episodio da minha meninice, que ilustra esta tendência.A caixa em que armazenávamos nosso suprimento de batatas para oinverno era guardada no porão, vários pés abaixo de uma pequena janela.As condições eram desfavoráveis, mas as batatas começavam a germinar –eram brotos pálidos e brancos, tão diferentes dos rebentos verdes e sadiosque as batatas produziam quando plantadas na terra, durante a primavera.
Mas estes brotos tristes e esguios cresceram dois ou três pés em busca daluz distante da janela. Em seu crescimento bizarro e vão, esses brotos eramuma expressão desesperada da tendência direcional de que estou falando.Nunca seriam plantas, nunca amadureceriam, nunca realizariam seuverdadeiro potencial. Mas sob as mais adversas circunstâncias, estavamtentando ser uma planta. A vida não entregaria os pontos, mesmo que nãopudesse florescer. Ao lidar com clientes cujas vidas foram terrivelmentedesvirtuadas, ao trabalhar com homens e mulheres nas salas de fundo doshospitais do Estado, sempre penso nesses brotos de batatas. As condiçõesem que se desenvolvem essas pessoas têm sido tão desfavoráveis, quesuas vidas quase sempre parecem anormais, distorcidas, pouco humanas.E, no entanto, pode-se confiar que a tendência realizadora está presentenestas pessoas. A chave para entender seu comportamento é a luta em quese empenham para crescer e ser, utilizando dos recursos que acreditam ser
disponíveis. Para as pessoas saudáveis, os resultados podem parecerbizarros e inúteis, mas são uma tentativa desesperada da vida existir. Estatendência construtiva e poderosa é o alicerce da abordagem centrada napessoa (ROGERS, 1983, p. 40).
A atitude do designer, então, pode assumir a condição de “primavera ensolarada”
para os artesãos e, assim, e só assim, surgirão brotos viçosos, isto é, bons produtos.
Mas, com sol ou sem sol, na primavera ou no inverno, em solo fértil ou sem terra
alguma, as batatas vão gerar brotos. Essa é a manutenção da vida, segundo
Rogers. Mas a vida florescerá melhor, dependendo de algumas características
presentes nos relacionamentos.
Lembro-me perfeitamente que determinada vez, durante o curso “Agente de
Desenvolvimento e Design no Artesanato”, realizado pelo Sebrae, um instrutor disse:
“O consultor (nesse caso, o designer) é o homem do terno cinza”. Nunca me esqueci
disso e concordo plenamente. O homem do terno cinza é o homem bem vestido, em
respeito ao seu cliente, mas o terno é cinza. E, nesse caso, o cinza é o “ser
discreto”, é não o querer aparecer; é não ser a figura principal. Um designer que
chega em um grupo de artesãos nunca pode ser uma “estrela”; o designer é um
profissional, que vai entrar na intimidade e no dia-a-dia dessas pessoas, que, na
maior parte das vezes, vivem em um universo muito diferente do “nosso”. O
designer, então, deve ser o “homem do terno cinza”, não no sentido de não aparecer
como pessoa, mas no de não assumir uma posição de “estrela”.
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Da abordagem centrada na pessoa que Roger propôs, podemos inferir que a
primeira lição para o designer é saber ouvir . O designer tem que gostar de ouvir,
pois todos nós gostamos de ser ouvidos. E os artesãos têm muito que falar. Eles
têm uma historia de vida espetacular, que precisa ser contada, e contada em
detalhes. O designer deve conduzi-los e estimulá-los a buscar informações que,
muitas vezes, estavam em seus subconscientes. Ao ouvi-los, surgirão relatos
surpreendentes e importantes, pois eles darão subsídios para a criação, para que
essa história seja contada por meio do artesanato.
Rogers compartilha que a alegria de ouvir é um dos primeiros sentimentos básicos.
O simples fato de conseguir ouvir alguém profunda e intensamente gera um
enriquecimento pessoal para sua própria vida. O designer deve ouvi rverdadeiramente. Esse ouvir relatado por Rogers não é o escutar, mas sim o ouvir
em profundidade. É um ouvir tão sublime que ele chega a dizer: “ouvir
verdadeiramente alguém resulta numa satisfação especial. É como ouvir uma
música das estrelas, pois por trás da mensagem imediata de uma pessoa, qualquer
que seja a mensagem, há o universal” (ROGERS, 1983, p. 5).
Ouvindo os artesãos, o designer passa a conhecê-los e aprende muito sobre eles,
sobre suas personalidades, famílias, afazeres cotidianos e, principalmente, sobresuas afinidades e habilidade. Mas, o mais importante é que o designer saiba ouvir .
A segunda lição de Rogers para o designer é gostar de ser ouvido. O designer deve
se despir de vaidades e falar sobre si mesmo com muita simplicidade. Ele deve, sim,
contar sua história de vida, para mostrar quem é, o que faz e o que faz um designer.
O designer deve desmistificar a sua posição de designer.
Mas o que é um designer? O que significa esse termo que não faz parte da culturalocal nem da linguagem dos artesãos? Realmente, a intervenção de design não é
uma abordagem simples. O próprio nome designer cria paradigmas que não são
fáceis de serem quebrados. Portanto é muito importante o designer se apresentar,
fazer-se ouvir e gostar de ser ouvido .
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Essa apresentação deve ser muito prazerosa para o designer, pois ele fica diante de
muitas pessoas simples, mas que em suas simplicidades carregam uma carga de
sentimentos tão profundos, que elas se tornam verdadeiramente ouvintes.
Quando o designer ouve e gosta de ser ouvido , um momento mágico com a mais
pura sinergia começa a acontecer. Ao ouvi-los verdadeiramente, o designer torna-se
capaz de ouvir sentimentos, de ouvir até seus pensamentos, e o resultado desse
momento é uma enorme satisfação para ambas as partes.
Ao gostar de ser ouvido , o designer externa um dos sentimentos mais nobres do ser
humano: o designer vivencia a harmonia dos relacionamentos. Essa é a hora em
que se abre o imenso portal que dará início ao mágico processo produtivo queocorre entre o profissional do design e as comunidades de artesãos. E são essas
histórias e relatos que importam nesse momento, pois detêm todas os subsídios
para a elaboração de bons produtos, uma vez que os produtos só são bons quando
contam uma história. E a história a ser contada é a história do povo que os produz, é
a história local, a história de vida de cada um dos membros da comunidade, que,
com suas crenças, hábitos e costumes, perpetuam a nossa cultura, preservando a
memória dos nossos povos.
Roger reafirma que, ao sermos ouvidos de forma sensível, empática e concentrada,
aspectos do cotidiano que nos causam dor e pareciam sem solução tornam-se
simples, gerando uma enorme segurança e satisfação por parte de quem é ouvido e
de quem está ouvindo.
[...] um ouvir criativo, ativo, sensível, acurado, empático, imparcial, é algoque se me afigura imensamente importante numa relação... Sinto quecresço quando ofereço; e tenho a certeza que cresço e me sinto aliviado evalorizado quando recebo este tipo de escuta (ROGERS, 1983, p. 9).
Assim, concluímos que tão importante quanto o designer saber ouvir é também o
designer gostar de ser ouvido.
A abordagem centrada na pessoa é considerada por Rogers uma aprendizagem que
não pode ser ensinada, e sim vivenciada. Isso porque não se pode obrigar as
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pessoas a aprender determinados comportamentos; no máximo, pode-se vivenciá-
los, para que, quando elas presenciarem essa vivência, possam aprender com ela. É
pelo sentir que se aprende um comportamento.
Rogers considera que as pessoas são seres dignos de confiança e potencialmente
capazes de crescer e se desenvolver. Ele ainda lista um conjunto de atitudes
facilitadoras que compõem o solo fértil em um dia de primavera ensolarada. Essas
atitudes são listadas e descritas a seguir.
1. Transparência
A pessoa transparente ou congruente comunica seu interior sem distorções e
torna-se um ser livre e dotado de confiança em si e nos outros. É um ser semmáscaras, um ser verdadeiro, um ser como as crianças, que são transparentes e
congruentes em suas falas e atitudes.
A transparência é uma atitude contagiante para todos os seres. O encontro entre
artesãos e designers os torna livres. E pessoas livres em atitudes são
verdadeiramente livres para criar.
O primeiro elemento poderia ser chamado de autenticidade, sinceridade oucongruência. Quanto mais o terapeuta for ele mesmo na relação com ooutro, quanto mais puder mover as barreiras profissionais ou pessoais,maior a probabilidade de que o cliente mude e cresça de um modoconstrutivo (ROGERS, 1983, p. 38).
A transparência deve partir do designer quando se aproxima de um grupo, para,
então, permitir que seus integrantes tenham liberdade para ser transparentes.
Conforme o próprio Rogers reafirma, nossa maior tarefa é, sempre, sermos nós
mesmos , é sermos plenamente abertos, é estarmos preparados para explorar
áreas novas e desconhecidas de nossas próprias vidas, é aceitarmosverdadeiramente nossas próprias diferenças e estarmos, finalmente, abertos
para novas aprendizagens.
2. Aceitação incondicional
Deve-se considerar a pessoa integralmente como ela é, sem restrições culturais
de etnia ou crença e com respeito aos sentimentos que ela traz consigo. Aceitá-
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la calorosamente como única, e aceitar-se como único, deve ser a segunda
atitude facilitadora do designer.
A segunda atitude importante na criação de um clima que facilite a mudança
é a aceitação, o interesse ou a consideração – aquilo que chamo deaceitação incondicional. Quando o terapeuta esta tendo uma atitudepositiva, aceitadora, em relação ao que quer que o cliente seja naquelemomento, a probabilidade de ocorrer um movimento terapêutico ou umamudança aumenta (ROGERS, 1983, p. 39).
3. Empatia
A empatia está diretamente ligada a colocar-se no lugar da outra pessoa. Ser
empático é “captar o mundo particular do outro como se fosse o seu próprio
mundo” (Rogers, 1981 p. 262). O designer empático se coloca no lugar do
artesão, que, muitas vezes, questiona o que uma pessoa tão estudada e tãodiferente está fazendo naquele mundo que não a pertence. Na realidade, o
designer pode ser considerado um intruso pelo artesão e, ao ser empático,
consegue compreender porque é visto assim por eles.
Para usar as palavras de Rogers, o designer empático “capta com precisão os
sentimentos e significados pessoais que o cliente está vivendo e comunica essa
compreensão ao cliente... Este tipo de escuta ativa e sensível é extremamente
raro em nossas vidas (ROGERS, 1983, p. 39).
Rogers conclui que o clima alcançado com essas atitudes facilitadoras possibilita
mudanças no comportamento, gerando ganhos bastante significativos nos
relacionamentos interpessoais.
Resumidamente, eu diria que se as pessoas são aceitas e consideradas,
elas tendem a desenvolver uma atitude de maior consideração em relaçãosi mesmas. Quando as pessoas são ouvidas de modo empático, isto lhespossibilita ouvir mais cuidadosamente o f luxo de suas experiências internas.Mas à medida que uma pessoa compreende e considera o seu eu, este setorna mais congruente com suas próprias experiências. A pessoa torna-seentão mais verdadeira, mais genuína. Essas tendências, que são arecíproca das atitudes do terapeuta, permitem que a pessoa seja umapropiciadora mais eficiente de seu próprio crescimento. Sente-se mais livrepara ser uma pessoa verdadeira e integral (ROGERS, 1983, p. 39).
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Aplicando a abordagem centrada na pessoa ao processo de intervenção de design
no artesanato, podemos dizer que o designer precisa reunir estas características:
ser ele mesmo, ser transparente e congruente, despindo-se de idéias pré-
concebidas e, muitas vezes, enraizadas no seu ser;
saber ouvir, acolhendo o seu interlocutor, ou seja, o artesão, e colocando-se
no lugar dele;
aceitar o artesão da forma como ele se apresenta, sem exigências e senões,
deixando-o livre para que seja aquilo que realmente é, sem que, contudo, isso
venha significar prejuízos ao designer nessa relação.
Absolutamente encantada com as idéias de Rogers, concluo que sua abordagempoderá nortear as ações de intervenções de design em comunidades que têm como
objetivo viver com dignidade por meio da produção e comercialização do artesanato,
tendo-o como instrumento de perpetuação da cultura local.
Este capítulo centrou-se na apresentação das idéias de Carl Rogers, o teórico-
referência desta pesquisa. No capítulo seguinte, apresentaremos a descrição dos
núcleos de produção e comercialização de artesanato junto aos quais coletamos os
dados, procedendo, em seguida, à analise dessas informações à luz das idéias deRogers. Nosso objetivo, nesta análise, é verificar a existência das atitudes
facilitadoras nos designers que conduziram o processo de intervenção junto a essas
comunidades e aos artesãos participantes.
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5 CARACTERIZAÇÃO E ANÁLISE DE DADOS
No capítulo anterior, apresentei as idéias do psicólogo humanista Carl Rogers. Em
especial, discorri sobre as atitudes facilitadoras, que constituem a base da filosofiaque ele propõe para as relações humanas. É à luz dessas condições facilitadoras –
a congruência, a empatia e a aceitação incondicional – que me proponho a, neste
capítulo, analisar as relações que se estabelecem entre artesãos e designers
durante o processo de intervenção de design no artesanato.
Os dados desta pesquisa foram coletados junto a três núcleos de produção e
comercialização de artesanato apoiados pelo Programa Sebrae de Artesanato.
Assim, apresento, primeiramente, uma caracterização desses núcleos para, emseguida, destacar e analisar os depoimentos coletados.
Para fins desta pesquisa, optamos por restringir a coleta dos dados a três NPCAs:
Núcleo de Fibra de Bananeira de Iconha, o primeiro a ser implantado com o
apoio do Sebrae;
Núcleo de Marchetaria em Madeira, de Colatina;
Núcleo de Fibras Naturais/Sementes, no distrito de Gomes, em Itapemirim.
Esses três grupos têm idades cronológicas, maturidades, sistemas de gestão,
números de componentes, graus de amizade e parentesco completamente
diferentes. Apesar disso, há também diversos pontos em comum.
O primeiro ponto em comum entre esses três núcleos é o aproveitamento de
matérias-primas abundantes na natureza, de caráter residual. Porém, o maior motivo
que me leva a descrevê-los nesta pesquisa é o fato deles possuírem o maior legado
que um grupo pode ter, e que é essencial para sua existência: “gostar de ser
artesão”.
Normalmente, pessoas de diversos segmentos procuram o Sebrae acreditando que
a instituição vai lhes “dar dinheiro”, pois, de modo geral, essas pessoas pensam que
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o Sebrae é uma instituição financeira. E mesmo depois que fica muito claro que o
Sebrae investe na formação e na informação e está presente para possibilitar a
geração de trabalho e renda, por meio da produção artesanal, a expectativa é muito
grande com relação ao dinheiro que se vai ganhar. E, na realidade, esse dinheiro,
como em qualquer outra atividade produtiva, não chega do dia para a noite. Muitas
dessas pessoas são provedoras do próprio sustento e, portanto, não podem
aguardar muito tempo para o dinheiro chegar e, por isso, desistem no meio do
processo.
Nesses três núcleos, podemos perceber uma alegria muito grande de pertencer à
classe artesã. São pessoas que moram em vilarejos situados a longas distâncias do
local de funcionamento dos núcleos, mas que não medem esforços para chegar atélá para, em grupo, trabalhar na produção artesanal. São pessoas que
permaneceram nos núcleos não só por uma questão de sobrevivência, mas porque
amam o artesanato como atividade. Percebi isso pela forma como eles vivem, pela
auto-estima deles, pelo brilho nos olhos ao falar que são artesãos. Em seus
depoimentos, eles mencionam frases como “agora eu sou gente” e demonstram
imensa alegria quando, respondendo às pessoas que admiram o trabalho deles,
dizem: “fomos nós que fizemos, com as nossas mãos”.
Esses foram os fatores que influenciaram decisivamente para a inclusão desses
núcleos de artesanato neste estudo. A seguir, passo a caracterizá-los.
5.1 NPCA DE FIBRA DE BANANEIRA
Em uma casa alugada com o apoio da Prefeitura Municipal de Iconha, no distrito de
Monte Belo, em uma linda região montanhosa a 12 quilômetros da sede domunicípio, no meio de um imenso bananal às margens de uma cachoeira de águas
cristalinas, um grupo composto, atualmente, por nove mulheres desenvolvem o
artesanato utilizando a fibra da bananeira como matéria-prima principal.
As fibras retiradas da parte central do tronco da bananeira, após serem picadas,
trituradas e espremidas, transformam-se em uma massa que é modelada em
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diversos tamanhos e formatos, resultando na produção de artesanato utilitário e
decorativo. Pelas mãos habilidosas dessas bravas mulheres, que quebraram
diversos paradigmas do universo feminino, nascem objetos de inusitada beleza e
notório reconhecimento nacional.
As fibras retiradas das partes externas do tronco da bananeira resultam em cinco
tipos de fios diferentes, que são utilizados para a produção de “trançados”, que dão
origem a bolsas, luminárias, caixas, cestas e balaios dos mais diversos formatos e
tamanhos, mas igualmente belos.
Conforme relatado pelas artesãs, tudo começou em 1999, quando algumas pessoas
da região, vislumbrando uma possibilidade de geração de renda extra, começaram afazer o doce de banana, pois o preço da fruta in natura estava em baixa e, naquela
região, a comunidade agrícola vivia exclusivamente desse cultivo.
Daí pensou-se também na possibilidade da produção de artesanato a partir da
utilização dos resíduos da bananeira. Na ocasião, essas pessoas souberam que no
Rio de Janeiro o artesanato com a fibra da bananeira já estava sendo desenvolvido.
A partir da parceria estabelecida entre o Sebrae e a prefeitura local, o grupo foi
incentivado a se organizar em forma de associação ou cooperativa, para, assim, tero apoio do Programa Sebrae de Artesanato, que tem como objetivo gerar trabalho e
renda.
Com a realização de cursos de associativismo e cooperativismo, o Sebrae, junto
com a Prefeitura de Iconha, mobilizou a população, que formou um grupo criador da
Associação de Artesanato de Iconha (Assoarti), em 2001.
Elas ainda se lembram claramente desses primeiros momentos:
Éramos um grupo de mulheres, que quase não se conheciam. Morava cadauma em um lugar. Aí começou o pessoal da roça, migrar para a cidade, poisnão tinham mais vontade de trabalhar na roça, pois a banana tinha caídomuito de preço. Alguns faziam parte de um grupo organizado que sechamava Comunidade Ativa, que eram pessoas ligadas à prefeitura e àagricultura e pessoas das secretarias. Este grupo começou a pensar emdesenvolver alguma coisa com a banana (Informante 10).
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A parceria entre o Sebrae e a Prefeitura Municipal consolidou-se com a contratação
de uma mestra-artesã para o repasse da técnica do artesanato com a fibra da
bananeira. A realização dessa oficina de artesanato teve início em outubro de 2001,
estendendo-se por dez meses, até agosto de 2002.
No início, eram 50 participantes, entre os quais estavam produtores rurais e pessoas
da região urbana de Iconha. Com o tempo, esse número foi se reduzindo, pois
algumas pessoas foram perdendo o interesse e desistindo, uma vez que, na maior
parte das vezes, as pessoas dessas comunidades precisavam de uma geração de
renda imediata (o que não ocorre), provocando essa evasão, que é, inclusive,
característica dos diversos grupos que se dedicam à produção artesanal.
Quando o curso terminou, as artesãs detinham a
técnica do artesanato em fibra de bananeira, mas
não sabiam o que fazer. O apoio da Prefeitura
Municipal de Iconha continuou com a cessão de
um espaço para elas se reunirem, em um antigo
depósito de banana chamado Estrela D’Alva.
Creio que aquele momento tenha sido providencial, pois, exatamente nele, nascia
um grupo que iria brilhar! Estava escrito: “este grupo irá brilhar, assim como uma
estrela, a Estrela D’alva!”.
Quando o grupo estava começando a produção das peças artesanais, o apoio do
Sebrae, em parceria com a prefeitura, consolidou-se com a contratação de uma
designer, para a criação de novos produtos, e de um consultor, para a execução do
curso “Formação de preços”.
Naquela ocasião, no interior de Minas Gerais, em Maria da Fé, um grupo de
mulheres já desenvolvia o artesanato com a fibra da bananeira. Esse grupo estava
alcançando visibilidade nacional em razão do diferencial e beleza das peças
Figura 14 – Mulheres desfiando a fibra da
bananeira (Izolina Passos Siqueira)
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produzidas por ele. Aquelas mulheres, sabiamente intituladas Mulheres de Fibra,
produziam travessas, fruteiras e cumbucas, feitas de fibra da bananeira misturada
com papelão residual de caixas usadas. Essas peças ainda são produzidas pelas
Mulheres de Fibra e comercializadas em feiras e eventos de design, bem com em
lojas conceituadas em nível nacional, em razão do design inovador, com detalhes
vazados, que são as características marcantes desse grupo.
O grupo de artesãs da fibra de bananeira de
Iconha também começou a produzir fruteiras,
cumbucas e pratos de parede, sendo que o
diferencial delas em relação às Mulheres de Fibra
é que a massa para a produção das peças é feitaapenas com a fibra triturada, retirada do tronco da
bananeira.
Mesmo com todas as informações recebidas sobre a técnica da produção artesanal,
o nosso povo é sábio no que diz respeito aos “saberes e fazeres”. Foi com muita
dedicação e experimentos que essas, mais uma vez repito, essas bravas artesãs
desenvolveram técnicas próprias para o tratamento contra fungos e pragas que
poderiam infestar os produtos naturais. Elas orgulhosamente descrevem essestratamentos como o “nosso segredo”.
No início ela (a mestra artesã) ensinou a fazer a massa com o tronco dabananeira e nós começamos a fazer o artesanato com esta massa. Masdava muito bichinho. Entre 2002 e 2004, fomos testando uma coisa e outra,até dar certo. Hoje em dia, não temos mais problemas. As peças podem atéficar empilhadas, que não dá bichinho. Ela também ensinou o trançado. Eramuito mal feito, mas não podemos desprezar o que ela ensinou, pois foi elaque deu o primeiro impulso. Era um trabalho sem acabamento, era tudoadoidado (Informante 11).
Essas peças artesanais tinham como característica iconográfica e cultural a
retratação de formas geométricas inspiradas na cerâmica hidráulica da Casa da
Cultura de Iconha, um prédio histórico do município onde o núcleo comercializava
seu artesanato. Para a pintura desses elementos, elas utilizam uma tinta orgânica,
feita de pigmentos retirados da terra e associados à tinta à base de água, o que
resulta em um colorido natural com características eminentemente ecológicas.
Figura 15 - Fruteira de fibra de bananeira(Izolina Passos Siqueira)
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A produção de bolsas femininas e de caixas de fibra de bananeira para acondicionar
doces e biscoitinhos da região também foi um nicho de mercado seguido pelas
artesãs.
Esse grupo, denominado Núcleo de Produção e
Comercialização de Artesanato de Fibra de
Bananeira de Iconha, continua com o apoio do
Sebrae e da prefeitura do município. Atualmente,
o grupo é composto por nove artesãs com
capacidade produtiva de 210 peças por mês.
Entre os itens produzidos estão bolsas, caixas, jogos americanos, luminárias,
mandalas, topiarias, pratos de parede e fruteiras.
5.2 NPCA DE MARCHETARIA EM MADEIRA
No bairro Maria das Graças, na descida das hortas, na casa de uma das artesãs, o
grupo Arte em Marchetaria reúne-se para a realização do ofício milenar da arte da
marchetaria. Como uma mãe carinhosamente resguarda os filhos, a artesã acolhe
as colegas às margens do Rio Doce, de onde se pode admirar as duas belas pontes
sobre o rio homônimo, com suas magníficas correntezas, suas pedras tão lisinhas e
águas que parecem feitas de “doce de leite condensado”. Dali, debaixo de uma
parreira de uvas tintas, tem-se o privilégio de se admirar o exuberante pôr-do-sol –
em dias nublados, podemos apostar que ele não irá dar o ar da graça, mas, ao fimda tarde, em meio às nuvens, lá está ele, num vermelho intenso misturado ao
laranja-amarelado. Desse lugar, pode-se, também, praticar a fé, por meio da bela
visão que se tem do Cristo Redentor, localizado em cima de um morro do outro lado
do Rio Doce, marca da cidade carinhosamente batizada de Princesa do Norte.
Figura 16 - Mulheres trabalhando a fibra dabananeira (Izolina Passos Siqueira)
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É assim, sob a proteção de um universo divino, que esse grupo de mulheres,
atualmente reduzido a quatro integrantes, desenvolve produtos artesanais a partir da
utilização de resíduos de madeira provenientes do pólo moveleiro de Colatina.
Tudo começou após o levantamento da abundância da matéria-prima residual do
pólo moveleiro. O Sebrae, em parceria com a Prefeitura Municipal de Colatina,
vislumbrou a possibilidade de produzir objetos artesanais em marchetaria com a
utilização desse resíduo de madeira “nobre”. Na ocasião, foram mobilizados
artesãos da Associação Colatinense de Artesanato e Culinária (Acolartec), para
participarem da oficina de capacitação da técnica da marchetaria em madeira.
Essa madeira, que até então era incinerada, contribuindopara a emissão de gases tóxicos e o aquecimento global,
passou a ser utilizada para a produção de artefatos, com a
possibilidade de geração de trabalho e renda para as
pessoas envolvidas. A oficina teve 23 participantes e foi
ministrada por dois mestres-artesãos, sendo realizada no
período de julho a setembro de 2004, durante 40 dias,
totalizando 120 horas. Após o término da oficina, 14 dos
artesãos capacitados começaram a produção de peças emconjunto, com o objetivo de criarem um núcleo de produção
e comercialização de artesanato.
A comercialização dos produtos artesanais de marchetaria em madeira é feita em
feiras e eventos locais, estaduais, nacionais e internacionais que acontecem
periodicamente com o apoio do Sebrae; do Programa de Artesanato Brasileiro,
desenvolvido pelo Governo Federal, e da Prefeitura Municipal de Colatina, que
disponibilizam espaços em estandes, o transporte da mercadoria e a locomoção,
alimentação e hospedagem dos artesãos.
Figura 17 - Mulher fazendomarchetaria (Izolina Passos
Siqueira)
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As peças também são comercializadas em uma loja no
Shopping Praia da Costa, em Vila Velha, na Grande Vitória,
e na própria oficina, onde os compradores podem apreciar
o domínio e a destreza das artesãs.
As componentes desse núcleo afirmaram que o
desligamento dos artesãos não ocorreu por problemas de
relacionamento. Alguns não tiveram afinidade com o tipo de
artesanato, mas o fator de maior peso para essa evasão é
financeiro: “a maioria achou que ganharia dinheiro
rapidamente”, conforme explicou uma das artesãs.
O grupo de artesãs do Núcleo de Produção e
Comercialização de Artesanato de Marchetaria
em Madeira de Colatina, apesar de ser
atualmente bastante reduzido, é formado por
quatro mulheres lutadoras e de muita fibra, com
características empreendedoras e muito
comprometimento. Sua capacidade produtiva é
de 300 peças por mês, podendo chegar a 500,em casos de pedidos por parte de comerciantes.
5.3 NPCA DE FIBRAS NATURAIS E SEMENTES
Em região urbana e litorânea, localizada a dois quilômetros da praia, ao sul do
Espírito Santo, em Itapemirim, no distrito de Gomes, ao lado de uma reserva militar
da Marinha do Brasil, o grupo de artesãs de fibras naturais e sementes da restinga
Mulheres do Guanandy desenvolve sua produção artesanal. Guanandy é o nome de
uma grande árvore existente à margem de uma lagoa de mesmo nome. Segundo
conta um antigo morador da localidade, os índios se pintavam com as frutinhas
vermelhas dessas árvores.
Figura 18 - Artesanato emmarchetaria (Izolina Passos
Siqueira)
Figura 19 - Mulheres fazendo marchetaria(Izolina Passos Siqueira)
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A sede do núcleo funciona em uma casa com quintal, situada no entorno da
esplêndida Lagoa do Guanandy e alugada com o apoio da prefeitura local. Essa
casa é utilizada pelas artesãs como oficina de artesanato e ponto de venda da
produção artesanal. A região é cercada pela vegetação de restinga (região de Mata
Atlântica com planícies litorâneas cobertas por deposição marinha, resultante do
recuo dos níveis de oceanos), com abundância em sementes.
A história desse grupo começou no início de 2000. Uma senhora, tia de algumas das
artesãs do núcleo, tinha a mania de catar sementes e, com elas, fazer colares, que
eram usados por ela e por algumas pessoas “do Gomes”, como elas se referem aos
moradores do lugarejo. Mas na região, um rapaz que tinha contato com
comerciantes de São Paulo intermediou a comercialização das peças, incentivandoa produção desses colares feitos apenas com as sementes furadas e enfiadas em
um fio de náilon.
Essa atividade tornou-se muito comum no distrito de Gomes. Na ocasião, por volta
de 2004, em quase todas as casas da localidade, as varandas eram os locais para a
reunião das mulheres que tinham como atividade produtiva e de lazer a confecção
desses colares, comercializados em dúzias para os grandes centros, que revendiam
as peças para produtores de bijuterias. Estima-se que uma centena de mulheresvivia dessa atividade, que rendia por volta de R$ 100,00 mensais para cada uma
delas.
A Prefeitura de Itapemirim tomou conhecimento disso e, vislumbrando uma melhoria
na geração de renda para essas mulheres e a produção artesanal com qualidade,
procurou o Sebrae, que realizou algumas palestras no município, entre elas a da
“Cultura da Cooperação”.
Posteriormente, uma designer foi contratada pelo Sebrae para a criação de produtos
diferenciados junto a esse grupo, que já detinha a técnica da produção artesanal,
mas necessitava da intervenção de um design para a criação das chamadas
“biojóias”.
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Foi em setembro de 2005, que, sob grande expectativa, a designer chegou até o
grupo de 18 mulheres, que se reuniam em espaço cedido no salão da Igreja Batista.
De acordo com as diretrizes pré-estabelecidas pelo Programa Sebrae de Artesanato,
a designer, com foco no resgate cultural e
iconográfico local, incentivou o grupo a
apresentar toda a matéria-prima residual e
abundante no entorno. Foram apresentadas as
diversas sementes já utilizadas por elas e
também a bucha vegetal, que, até então, só
servia para tomar banho e lavar louça. E, assim,
foi criada a primeira coleção de peças para essegrupo.
Nessa intervenção de design foram criadas bolsas
de diversos tamanhos e modelos, com bucha
vegetal cortada em forma de quadrado e outras
formas geométricas, sempre com o acabamento
em crochê, unidas com as sementes. Foram
criados também colares com as sementes jáutilizadas pelas artesãs, afinal, a intervenção de
design está exatamente em um novo olhar para o
mesmo produto.
Com esse novo fazer, trançando, torcendo, tramando e tecendo, o resultado foi
muito bom, em razão da variedade e beleza das peças criadas, gerando uma grande
expectativa entre as artesãs.
Quando ela pediu que a gente trouxesse outras matérias-primas que tinha[sic ] no local, alguém apareceu com a bucha. Na época, não tinha muitabucha por aqui, agora é que tem. Todas as casas de Gomes têm pé debucha no quintal, para vender pra gente. Eu me lembro do primeiroquadradinho feito de bucha... Parecia um sonho ver a bucha se transformarnuma bolsa. Eu chorava quando via aquilo. Quem diria que a gente iachegar a este ponto?! De um simples colar, desenvolver tanta coisa bonita!Foi daí que começou o sonho! (Informante 12).
Figura 30 - Mulher trabalhando a buchavegetal (Izolina Passos Siqueira)
Figura 21 - Colar de sementes e bolsa debucha (Izolina Passos Siqueira)
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Ao finalizar a intervenção de design, quatro artesãs haviam se afastado, restando
14. E foi nesse momento que, segundo elas, “realmente aí começaram os sonhos”.
A partir daí, essas pessoas viveriam um grande momento, quando, enfim, esses
produtos seriam lançados no mercado. E foram lançados em nível nacional, com a
participação na Feira Nacional de Artesanato Mãos de Minas, em novembro de
2005, no estande do Sebrae.
Participei desse momento muito ativamente, pois
eu era a responsável por coordenar o espaço. Foi
muito emocionante vê-las iniciando uma nova
vida, uma vida como artesãs... A insegurança da
primeira viagem sozinha para fora do Estado, semconhecer ninguém, pegando ônibus, táxi,
vendendo, enfim, vivenciando uma série de
experiências que, talvez, nunca tivesse pertencido
aos sonhos delas. Foi lindo!
Atualmente, o Núcleo de Produção e Comercialização de Artesanato de Fibras
Naturais/Sementes de Gomes, é composto por nove artesãs, todas com grau de
parentesco entre primeiro e terceiro grau. A capacidade produtiva desse núcleo é de110 peças por mês e sua realidade não foge à dos demais: o grande problema para
a permanência das artesãs também é o fator financeiro, conforme relato por uma
delas:
Eu acredito e tenho certeza... Foi por causa da renda. Se elas ganhassem,elas estariam aqui ainda. Aí, tudo acaba gerando desentendimento, mas oprincipal foi a falta de dinheiro. Porque se não fosse isto tenho certeza queelas estariam aqui. No início e durante muito tempo, os colares davam maisdinheiro. Chegou um tempo em que a gente queria voltar a fazer os
colares... Mas não tinha comprador. O colar era baratinho, mas dava maisque o artesanato. Até hoje ainda não dá muito. De uns seis meses para cá eque tá dando pra fazer acerto todo mês e tirar um dinheirinho. Graças aDeus! (Informante 8).
Neste capítulo, analisamos dados coletados nos três NPCAs e os depoimentos dos
diversos artesãos, identificando-os como informantes, mostrando a realidade, o dia-
a-dia e o modus vivendi dos personagens principais desta pesquisa: os artesãos.
Figura 22 - Mulher trabalhando bucha esemente (Izolina Passos Siqueira)
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É, de acordo com essas informações e relatos, com esses sentimentos, com essas
confissões, que, no próximo capítulo, discorreremos sobre a força do olhar de Carl
Rogers norteando o relacionamento entre artesãos e designers.
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6 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A partir deste momento, inicio a apresentação dos dados coletados sobre as
relações estabelecidas entre designers e artesãos durante as intervenções dedesign no artesanato, procedendo à análise dos depoimentos de integrantes dos
três núcleos já relacionados.
Para o levantamento dos dados sobre os NPCAs que forneceram subsídios para a
realização deste trabalho, foi elaborado um instrumento de pesquisa contendo os
seguintes itens:
Nome do grupo Matéria-prima utilizada na produção artesanal
Município e local onde funciona o núcleo
Data da implantação do núcleo e parceiros
Situação atual do núcleo: quantos artesãos possui e qual é a capacidade
produtiva?
Por que artesãos abandonaram o grupo?
Como ocorreram os “encontros” que acontecem durante as intervenções de
design realizadas no núcleo?
Quais as atitudes dos profissionais de design das quais vocês gostam e das
quais não gostam?
É preciso ressaltar que o objetivo da entrevista foi comunicado aos artesãos que
participaram da coleta de dados. Os relatos de suas experiências serão descritos na
íntegra, conforme por eles verbalizado. Os diversos artesãos entrevistados
concordaram plenamente em participar. Por uma decisão de caráter ético, suas
identidades foram preservadas, para evitar uma exposição desnecessária e que
poderia trazer mais respingos à relação que eles estabeleceram com o designer
responsável pela intervenção, no caso dos depoimentos de cunho negativo.
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As perguntas foram apresentadas aos artesãos nos seus respectivos NPCAs.
Porém, em vez de apresentá-las individualmente, optei por fazer isso em grupo, por
duas razões:
1. pelo fato de as atividades dos núcleos serem realizadas, fundamentalmente,
em grupo;
2. porque a minha intenção foi coletar a impressão do grupo sobre a relação
estabelecida com o designer, já que a intervenção foi feita quando eles
também estavam em grupo.
Assim, no momento da entrevista, os artesãos estavam reunidos, desenvolvendoseus ofícios, em seus locais de trabalho e positivamente participando de um
amistoso “bate papo”.
Os que mais responderam foram os artesãos mais “falantes” do grupo, isto é, pelos
menos tímidos, talvez. Mas foram respostas dadas sempre na presença de outros
artesãos que participaram ativamente com contribuições, que, no início, estavam um
pouco acanhados, mas, com o decorrer do tempo, bem soltos, chegando, por vezes,
a atropelar o interlocutor eleito pelo grupo.
Em Iconha e Itapemirim, a entrevista foi registrada por meio de gravações em um
aparelho MP3. Quando pensei em usar esse aparelho, achava que ele pudesse
inibir as entrevistadas, porém, elas ficaram fascinadas com o equipamento. A
conversa fluiu como se não estivesse sendo gravada e, depois que terminamos, até
passei a entrevista para que elas pudessem ouvir. Elas se divertiram bastante ao
ouvir e reconhecer suas próprias vozes.
Já no NPCA de Colatina, a entrevista não foi gravada. Isso porque no dia em que
apresentei a proposta do estudo ao grupo, na verdade, eu não fui à cidade
especificamente para esse fim. Eu estava indo para Baixo Guandu, uma cidade
próxima, e, aproveitando a viagem, decidi fazer contato com elas na tentativa de
conversarmos. Nesse dia, porém, saí sem o MP3.
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Assim sendo, eu as reuni, apresentei as perguntas em caráter mais informal e deixei
o formulário para que elas enviassem as respostas por e-mail. Uma das artesãs
ficou de reunir as respostas obtidas durante a entrevista oral em um texto escrito,
que foi enviado ao meu e-mail.
É importante registrar que, na mobilização dos grupos para participarem da
entrevista, contei com a ajuda de integrantes que funcionam como líderes. Além
disso, o ótimo relacionamento e a grande e afinidade que tenho com as pessoas
dessas comunidades de produção artesanal foram situações facilitadoras para o
levantamento e fidelidade das informações coletadas.
Ressalto, porém, que o caráter das perguntas apresentadas aos grupos teve comofoco principal o relacionamento entre artesãos e designers, o mote desta pesquisa.
O relacionamento interpessoal entre os artesãos também foi investigado, até porque
esse relacionamento é a base para a convivência entre pessoas que participam de
comunidades produtivas em regime de cooperativismo e associativismo e acaba se
estendendo para outras relações.
As perguntas sobre a situação atual do núcleo, sobre quantos artesãos ainda faziam
parte do núcleo e por que alguns abandonaram o grupo tiveram como objetivoinvestigar o relacionamento interpessoal das artesãs. Já as perguntas sobre os
“encontros e desencontros” durante as intervenções de design e sobre as atitudes
dos profissionais de design de que elas mais gostam ou de que não gostam
objetivaram identificar a ocorrência de alguma tensão no relacionamento entre
artesãos e designers.
Esse relacionamento começa no momento em que os designers chegam aos
núcleos para fazer a chamada intervenção de design. Nesse momento, se asatitudes facilitadoras (gostar de ouvir e de ser ouvido, agir com empatia, ser
transparente e aceitar-se e aceitar o outro incondicionalmente) não forem praticadas,
o resultado não será positivo. Ainda que durante a intervenção sejam criadas boas
peças, do ponto de vista estético, assim que o designer se afasta do grupo, corre-se
o risco de boa parte ou até da totalidade dos seus ensinamentos ser abandonada
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pelo grupo. Sem as atitudes facilitadoras, os artesãos tenderão a ficar como batatas
plantadas em solo impróprio. Nas palavras de Rogers,
quando num ambiente impregnado dessas atitudes, as pessoas
desenvolvem uma maior autocompreensão, uma maior autoconfiança, umamaior capacidade de escolher os comportamentos que terão. Aprendem demodo mais significativo, são mais livres para ser e transformar-se(ROGERS, 1983, p. 50).
Em um dos grupos entrevistados, ao perceber que o relacionamento interpessoal é
muito bom, perguntei se havia uma receita para tanta harmonia. Elas relataram o
segredo do sucesso:
Maior segredo para estar em harmonia é: se fiz algo errado, e alguém me
chama a atenção, fico chateada, mas depois penso, eu fiz errado mesmo.Isso é motivo para o meu crescimento e não para desavenças. Terhumildade de reconhecer, cada uma deve fazer sua parte... Tem gente quetem jeito para vender, a outra de se comunicar, a outra para fazer detalhe,cada uma deve fazer a sua parte. Se eu fizer detalhes, vai sair umaporcaria. Não adianta eu me meter a fazer uma coisa que eu não sei. Temque fazer uma coisa que sabe da melhor maneira possível. Cada uma temque descobrir seu potencial. Eu tenho que fazer o que eu sei. E aceitar quetenho capacidade para isto e não tenho para outra coisa (Informante 1).
Pude constatar, então, que as artesãs desse grupo praticam as atitudes facilitadoras
relatadas por Rogers, como transparência, empatia e aceitação incondicional do
outro e de si mesmas.
Aceitar que você não é capaz de fazer algo melhor do que o outro é aceitar-se
incondicionalmente, é ter a noção do limite de suas capacidades, o que, aliás, é algo
inerente a qualquer ser humano. E aceitar que o outro faz melhor que você é aceitá-
lo sem concorrência. Externar esses sentimentos com relação a essa aceitação é
ser transparente, é ter confiança em si e no outro, é ser verdadeiro e congruente.
Muito provavelmente, a pessoa que tem essa liberdade pôde, ao longo de sua
trajetória existencial, ser envolvida em relações que também tinham esse elemento.
A comunicação verbal entre o designer e o artesão foi diversas vezes relatada como
um dos grandes gargalos nas intervenções. Em diversos momentos, o profissional
que se aproxima de um grupo de artesãos esquece que a linguagem das pessoas
“urbanas” é muito diferente da linguagem de quem vive em comunidades rurais. A
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linguagem do designer pode e deve ser verbalizada, mas ela precisa ser traduzida,
quando assim se fizer necessário. As pessoas não são obrigadas a entender siglas,
termos em línguas estrangeiras, muito menos termos que pertencem a um
vocabulário que não faz parte do contexto delas.
Lembro-me perfeitamente do depoimento de um instrutor do Sebrae-ES durante o
curso de “Capacitação para agente de desenvolvimento e design de artesanato”, do
qual participei em 2004. Ele relatou que após a finalização do curso por ele
ministrado junto a um grupo de produção artesanal, uma das artesãs do grupo disse:
“Ufa, que bom! Até que enfim mandaram alguém que fala a nossa língua!”. Imagine
o aperto pelo qual essas pessoas passaram, pensando na chegada de mais uma
pessoa para falar uma porção de coisas das quais elas não entenderiam... Odepoimento de uma artesã ilustra perfeitamente a importância de esclarecer o real
significado das palavras que o designer usa no contato que ele estabelece com os
artesãos.
A gente fica sempre preocupada de como vai ser. Eu nunca tinha ouvidofalar em jogo americano. Ninguém aqui sabia o que era isso. A gente nemimaginava o que era... Daquela época até hoje, nós ouvimos muitas coisasnovas. Eu não sabia o que era marketing. Eu ouvia falar: "a caixa tem umdesign...", mas não tinha a menor idéia do que era design. Agora já estamosmais acostumadas (Informante 4).
Após esse relato elas riram muito, lembrando aqueles tempos. Na ocasião, a
designer ensinou a fazer “jogos americanos” e depois de algum tempo já produzindo
os “jogos americanos”, elas ainda não sabiam que aquelas peças eram os famosos
“jogos americanos”. Imagine só uma designer chegando para um grupo de artesãos
e falando: "pessoal, hoje nos vamos fazer um sousplat !”. Realmente, nós sabemos
que não há outro nome para essa peça que fica embaixo do prato, tão em uso nos
dias de hoje. Mas temos que concordar que o nome de origem francesa, embora
"chique", é bem estranho para as pessoas que estão fora dos grandes centros, em
pequenas cidades – imagine, então, para pessoas que estão em comunidades
rurais.
Saber falar e saber se comunicar é um dos grandes diferenciais da espécie humana.
Somos seres dotados com esta habilidade: a comunicação por meio da palavra. E a
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palavra deve ser exercitada com naturalidade, regida pela linguagem universal, a
linguagem do amor; não o amor melancólico, que une casais, mas o amor descrito
por Humberto Maturana (2002), ou seja, “a aceitação do outro como outro legítimo
na convivência”, um outro que, sendo outro, é diferente de mim e pode não entender
aquilo que é familiar ao meu universo.
No depoimento a seguir, nota-se claramente que essa comunicação pode
desmotivar o grupo.
Alguns [designers ] falam a nossa linguagem sim, mas alguns, não. É umasensação meio estranha. Tem hora que falam uma linguagem, e falam deuma maneira, mas nós entendemos de outra. E, como não entendemos,perdemos o interesse, porque a gente acha que não é do nosso mundo
aquilo que ela estava falando (Informante 1).
Percebe-se, portanto, que a diferença da comunicação provoca um distanciamento
entre as partes que integram o processo de intervenção de design no artesanato.
Outra barreira é que alguns profissionais de design apresentam-se ao grupo
considerando-se “sabe-tudo” e, portanto, detentores do poder de ditar regras.
Regras, obviamente, devem ser pré-estabelecidas em qualquer relacionamento;
para o bom andamento de qualquer atividade, as regras devem ser claras eexplícitas. Mas as regras não devem ser impostas por determinada pessoa pelo
simples fato dela se considerar intelectualmente superior. Regras devem ser
medidas comportamentais, acordadas entre as partes. O designer não pode achar
que conhece tudo, porque, felizmente, isso é impossível ao homem. Como dizia
Paulo Freire, “não há saber maior ou menor, há saberes diferentes”.
Todas as pessoas são capazes de criar, e é importante que essa semente seja
plantada pelo designer. O ser humano precisa de estímulo para viver, para criar oudesenvolver qualquer atividade artística. O estímulo é a mola propulsora para que o
momento da criação aconteça.
A junção dos conhecimentos do designer e do artesão é que torna eficaz a
intervenção de design. Os artesãos detêm a técnica para a confecção do produto
artesanal e o designer sabe sobre estilos, tendências e mercados. Quando esses
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dois saberes se encontram, num clima em que o designer se apresenta de forma
empática e congruente, pode-se obter momentos magníficos, e em momentos
magníficos coisas de extrema beleza podem ser criadas facilmente.
Conforme Rogers,
um indivíduo que vive neste clima estimulante pode escolher livrementequalquer direção, mas na verdade escolhe caminhos construtivos epositivos. A tendência à auto-realização é ativa no ser humano. Essatendência se confirma ainda mais quando descobrimos que ela não seencontra apenas nos sistemas vivos, mas faz parte de uma poderosatendência formativa do nosso universo, evidente em todos os seus níveis.Assim, quando criamos um clima psicológico que permite que as pessoassejam – sejam elas clientes, estudantes, trabalhadores ou membros de umgrupo – não estamos participando de um evento casual. Estamosdescobrindo uma tendência que permeia toda a vida orgânica – umatendência para se tornar toda a complexidade de que o organismo é capaz.Em uma escala ainda maior, creio que estamos sintonizando uma tendênciacriativa e poderosa, que deu origem ao nosso universo, desde o menor flocode neve ate a maior galáxia, da modesta ameba ate a mais sensível e bemdotada das pessoas. E talvez estejamos atingindo o ponto critico da nossacapacidade de nos transcendermos, de criar direções novas e maisespirituais na evolução humana (ROGERS, 1983, p. 50).
E é nessa junção de conhecimentos, habilidades e aptidões que se conta a história
dos povos e de suas regiões. É durante esses encontros que o designer deve se
aproximar da realidade daquela comunidade, por meio de pesquisas prévias ou no
próprio local, para levantar subsídios sobre os chamados ícones regionais, a fauna e
flora, as crenças e costumes. É provocando momentos de “regressão”, durante os
quais os artesãos devem estar envolvidos intimamente no processo de criação, que
as chamadas intervenções de design resultam em renda para os artesãos, com a
comercialização de objetos de raríssima beleza. É por meio do “artesanato de
referência cultural”, fruto das intervenções de design, que se perpetua a cultura de
uma comunidade.
Cada intervenção que acontece é uma esperança de crescimento, demelhoria de aprendizado e aperfeiçoamento. A cada intervenção de design,a gente pensa assim: ‘vai criar uma coisa nova!’. A princípio, a gente pensa:‘será que a gente vai conseguir?’. A gente sempre tem esperança demelhorar. No ano seguinte, foram criadas peças que tinham a ver com aeconomia do Município, ou seja, foi criada uma coleção relacionada ao cafée ao pólo de confecções de Colatina, com peças mais bem elaboradas, comrecortes e em alto e baixo relevo. Este ano [2007 ], fez-se uma homenagemao nosso município, pois cada uma das peças criadas teve um nome dealgum ponto turístico ou de algo que lembre a cidade. Cada curso quetemos, a gente fica cada vez melhor! (Informante 2).
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O design deve ser a ferramenta utilizada pelos profissionais que atuam nesses
grupos para a produção artesanal com qualidade, com agregação de valores
culturais e iconográficos e demandados pelo mercado. As instituições que apóiam e
promovem esses momentos com o objetivo de geração de renda e, muitas vezes, na
tentativa de ressocialização dos indivíduos, estão agindo estrategicamente de forma
inovadora e sustentável. Ressalto, portanto, que a intervenção de design no
artesanato não pode, nem deve, ser vista como modismo. Ela veio para ficar. Daqui
adiante, essa junção entre design e artesanato será uma constante, pois a criação
de objetos sem características próprias e identidade não tem mais espaço.
O processo de intervenção de design no artesanato é uma proposta inovadora que
está sendo posta em prática pelas instituições. Como todo caminho novo, hápercalços. Os designers aprenderão a chegar melhor nas comunidades e os
artesãos aprenderão a se relacionar com eles, desarmados e sem se sentir "por
baixo". Esse fluxo que vivenciamos até que os processos inovadores se consolidem
me faz lembrar uma passagem narrada por Rogers:
Estou convencido de que a aprendizagem inovadora, humanística, vivencial,seja dentro ou fora da sala de aula, chegou para ficar e tem futuro. [...]Quando os primeiros exploradores e pioneiros puseram-se a caminho doOeste, seguiram rios e cursos d’água. Por um longo tempo, viajaram rio
acima, sempre contra a corrente, que se tornava cada vez mais rápida amedida que eles subiam colinas e montanhas. Então, chegou o momentoem que eles ultrapassaram o divisor hidrográfico. A caminhada ainda eramuito difícil, as correntes não eram mais que filetes d’água. Mas agora elesestavam deslocando-se com a corrente, que desaguava em rios mais fortese maiores. Havia, então, forças poderosas trabalhando para eles, não maiscontra eles (ROGERS, 1983, p. 92).
Outro cuidado muito importante que o designer deve tomar ao se aproximar dos
grupos junto aos quais atua é evitar criar expectativas que não possam ser
atendidas.
Não sentimos insegurança, nem desconfiança, nem medo, pois sabemosque o conhecimento que eles trarão será de enorme valia para o grupo, sóficamos muito chateadas quando prometem coisas que não podem cumprir.Na primeira intervenção, foi feita uma apresentação das peças que jáestavam sendo produzidas pelo grupo, para serem melhoradas. Emseguida, o designer fez um apanhado geral do que se poderia conseguir amais do grupo. Logo em seguida foi lançada uma linha de idéias, para ondeseriam criadas as próximas peças, e que estas peças iam ser lançadas forado País! E isto não aconteceu (Informante 2).
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Gerar uma expectativa nesse nível em comunidades produtivas, sejam elas de
qualquer setor, pode gerar um impacto negativo de difícil recuperação. Um grupo
relatou que passou por um processo de endividamento, gerado pela expectativa de
uma exportação, e só foi recuperado após um ano de grandes economias. A
frustração pela expectativa não atendida é muito grande, podendo ser uma das
causas das grandes evasões dos artesãos.
As instituições, quando se aproximam dessas comunidades, promovem o
associativismo e o cooperativismo, em que os atores principais, os artesãos, não
são donos de nada individualmente, mas, ao mesmo tempo, todos são donos de
tudo. Essa é a chamada cultura da cooperação, que, na realidade, compactua com o
olhar de Rogers sobre a aprendizagem centrada na pessoa, na qual grupos têmcaracterísticas eminentemente autônomas e liderança compartilhada. Observa-se
isso na citação de Rogers sobre um grupo de camponeses muito pobres do nordeste
brasileiro:
Para enfrentar a devastação causada pela seca, eles começaram a formar oque se pode denominar uma comunidade centrada na pessoa. Formaramum grupo autônomo, no qual o poder era partilhado por todos: Ninguémcomanda, ninguém dita regras. Todos nos mandamos, todos legislamos.Tomavam decisões discutindo, discutindo sempre ate chegarmos a umacordo’. Desenvolveram a capacidade de ouvir, a fim de ajudar os quetivessem problemas. Sabiam o valor de um grupo de apoio: Quando se têmcompanheiros se tem mais coragem, não é?...Sabemos que não somosmais sós... mas muitos juntos (ROGERS, 1983, p.108).
E essa cultura da cooperação precisa estar presente no relacionamento entre os
artesãos e no relacionamento deles com o designer, pois essa cultura é uma atitude
facilitadora. Quando perguntei às artesãs sobre as atitudes de que elas mais
gostavam nos designers, elas relataram algumas passagens: “Eles [os designers ]
não falavam: 'faz isto'. Eles falavam: 'vamos fazer isto!'” (grifo da artesã). Com essa
simples frase, as artesãs se sentem parte integrante do processo de criação, e essemomento é mágico na vida dessas pessoas. Elas relataram mais uma atitude natural
na atuação de um designer que se propõe a estar junto a esses núcleos:
Uma delas saiu daqui com a calça e as mãos toda manchada, os braçossujos de tinta, toda suja. Ela mesma fazia os testes. Ela não mandava agente fazer ela enfiava a mão. A outra saiu daqui com as mãos sujas deverniz e de cola. Ela fazia e não ficava só olhando. Não que a gentedespreze os outros elas também foram importantes (Informante 4).
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Naturalmente, nem todos os profissionais que estiveram junto a esses núcleos
conseguiram demonstrar atitudes facilitadoras. Eles são humanos e, assim sendo,
fazem parte de uma imensa massa da qual poucos conseguiram vivenciar relações
em que essas atitudes estivessem presentes e, em conseqüência disso, ainda não
conseguiram incorporá-las as suas relações. Mas, ainda que não tenham estado por
inteiro, envolvidos até o “último fio de cabelo”, esses profissionais são lembrados
com carinho pelas artesãs. Elas ressaltaram que todos os que estiveram junto aos
grupos foram importantes.
Segundo Rogers, o trabalho em conjunto passa a fazer parte de exigência do
mercado:
Existe um consenso de que um dos elementos mais essenciais àsobrevivência é o desenvolvimento de um senso maior de cooperação decomunidade, de capacidade para o trabalho conjunto em beneficio do bemcomum e não apenas do engrandecimento pessoal (ROGERS, 1983, p.118).
E em se falando de cultura da cooperação, esse sentimento deverá estar latente nos
artesãos e nos designers. E é por meio dessa cultura que o designer, ouvindo e
gostando de ser ouvido, subtrai sentimentos e memórias adormecidas de elementos
que fizeram e ainda fazem parte do mundo dessas pessoas e de seu entorno.
Nesse processo, o designer empático consegue estimular o artesão a relatar coisas
do cotidiano que não são habitualmente percebidas; coisas do dia-a-dia que não são
vistas. E são exatamente esses elementos que poderão dar personalidade própria
ao artesanato daquela região e daquele grupo, conferindo-lhe características tão
pitorescas e particulares, a ponto de tornar o artesanato local reconhecido e
identificado em qualquer parte do mundo. Valorizar a cultura local e levar o artesão a
valorizá-la é uma atitude que aproxima o relacionamento e gera subsídio para aretratação dos ícones locais no artesanato.
Durante a entrevista, foi relatado pelas artesãs que o primeiro designer que chegou
ao núcleo, após analisar todas as peças feitas por elas, saiu com todas elas para
passear a pé e conhecer a região. Nesse passeio, aparentemente para descontrair,
o profissional foi conversando e recolhendo objetos que encontrava pelo caminho,
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pois, como relatei anteriormente, os núcleos apoiados pelo Sebrae utilizam como
matéria-prima principal o resíduo, os rejeitos industriais ou matérias-primas
abundantes da natureza. Ao fim do passeio, o olhar das artesãs passou a ser
certamente mais “curioso” e esse novo olhar proporcionou a descoberta de novas
matérias, que desde então são os principais resíduos utilizados pelas artesãs para a
produção de artesanato.
Esse fato é relatado pelas artesãs com muita graça, pois a transformação da
matéria-prima utilizada no dia-a-dia em bolsas usadas pela prefeita do município e
até por grandes executivas em Brasília, realmente, é visto por elas como um fato
inédito. Rindo muito, elas fizeram o seguinte relato:
Foi então que quando a gente foi para casa depois do primeiro dia detrabalho com o designer, ele pediu que no dia seguinte a gente trouxesse decasa tudo o que a gente tinha de diferente e que poderia servir para fazeralguma coisa. Então, não me lembro direito, mas alguém apareceu comuma bucha de tomar banho. Ele achou lindo! Aí ele falou: 'como vocêconseguiu isto? Tem muitas desta por aqui?'. E nos falamos que tinha. Aíele pediu para a gente pegar mais. Aí tudo começou. Ele fez os moldes pragente cortar tudo quadradinho e perguntou quem fazia crochê.... Foi aí quecomeçou nosso sonho. Ver a bucha de tomar banho, de lavar prato setransformar em uma bolsa. A gente nem acreditava no que estavaacontecendo! (Informante 6).
Acompanhar ativamente da criação de uma peça, seja ela artesanal ouindustrializada, é um momento de raro prazer. É um momento cercado de tanta
emoção, que, muitas vezes, é definido como: “Nasceu meu filho! Este saiu de dentro
de mim!”. E, como todo filho, deve ter pai e mãe, pois com eles ocorrem os
momentos de concepção, geração e nascimento. Porém, quando me refiro a pai,
mãe e filho, estou me referindo à formação básica de uma família, da família que
reúne o grupo de artesãos. Eles são uma família desde o momento da concepção,
passando pela geração e indo até a criação de um produto artesanal. E é somente
com espírito familiar, somente com esse ingrediente, que se alcança a tão falada
“harmonia de idéias”, o que resulta no futuro sustentável do grupo. Essa harmonia
não é conquistada sob a liderança de uma única pessoa, como lembra Rogers neste
trecho:
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Quando um grupo segue um líder carismático, um dogma teórico outeológico, ou qualquer formulação humana, está, a longo prazo, a caminhoda ilusão. A direção indicada por qualquer pessoa ou por qualquerformulação contém sempre algum equivoco. A medida que o tempo passa,o caminho torna-se cada vez mais errôneo e acaba por destruir seuspróprios objetivos. Mas quando um grupo luta arduamente por uma escolha,
depois de ouvir esta necessidade e aquele pedido, esta proposição e umaoutra que a contradiz, gradualmente todos os dados vão surgindo e adecisão alcançada é uma sólida harmonia de todas as idéias, necessidadese desejos de todos e de cada um. Alem disso, como a decisão foi deles,estão sempre abertos ao feedback , podendo corrigir o rumo a medida quesurgem novos dados. Provavelmente isto representa a modalidade maisperfeita do processo de tomada de decisão que conhecemos (ROGERS,1983, p. 119).
Essas características são a riqueza do artesanato de referência cultural, ou seja, o
produto artesanal resultante do encontro entre artesão, que é o profissional que tem
o domínio da técnica, e designer, que agrega valores culturais e iconográficos
focados em objetos demandados pelo mercado e de acordo como público-alvo
daquela comunidade produtiva. Desse encontro, quando cercado de atitudes
facilitadoras de ambas as partes, certamente surgirão peças tão fortes que serão
vistas por determinadas pessoas como únicas. Observe a empolgação de uma
artesã:
Dá alegria saber que podemos exportar. Ao conversar com um homem emBrasília, ele falou que não tem este produto em outro lugar do mundo. Oartesanato com a fibra da bananeira só vocês fazem. Vocês têm que
começar a pensar em exportar! (Informante 1).
O processo de intervenção de design no artesanato é um processo de
aprendizagem. Como o professor, não basta ao designer demonstrar apenas as
atitudes facilitadoras. Junto com elas, ele deve se apresentar ao grupo como uma
liderança carismática que possui conhecimentos, não apenas sobre a técnica e os
materiais que utiliza, mas, ainda, sobre tendências de mercado. Uma artesã disse:
“A principal atitude que gostamos, é que todos três nos passaram bastante
segurança, quanto ao mercado crescente de nossos produtos” (Informante 2).
Assim, ao participar de um processo de intervenção no artesanato, o designer deve
preocupar-se em pesquisar o mercado e as demandas, de modo que as peças
criadas estejam em consonância com eles. De nada adianta criar peças que não
tenham saída comercial. O compromisso do artesão é com o cliente, com o público
final, de quem, aliás, depende para sobreviver. Produzir peças sem observar o
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mercado e o comportamento do consumidor é contrariar uma das premissas básicas
do Programa Sebrae de Artesanato, que é a geração de renda para as pessoas nele
envolvidas.
A motivação do artesão durante o processo de intervenção de design sempre gera
bons frutos, pois pessoas motivadas são pessoas possuidoras de algo a mais além
do aspecto físico; são pessoas dotadas de uma força interior invisível, mas
perfeitamente perceptível, que redunda em uma produção artesanal completamente
palpável. E quando essa motivação ocorre, a produção artesanal passa a possuir,
além dos aspectos estéticos demandados pelo mercado, a qualidade que se espera
de algo que foi criado a partir de uma perfeita união entre artesãos e designers. Eis
o que diz uma artesã: “As experiências e encontros que nós artesãos tivemos comos designers foram de extrema importância, já que foi através destas intervenções
que o grupo passou a pensar em maior qualidade dos produtos" (Informante 5).
Muitas vezes, os artesãos ficam um pouco incrédulos com relação à criação de
determinada peça pelo designer. Realmente, é difícil para eles, que vivem em
regiões rurais, entenderem de onde sai tanta coisa diferente, entenderem como na
cabeça de uma pessoa pode haver tanta criatividade, tantas idéias novas, nas quais
eles nunca haviam pensado. Mas o profissional do design, não apenas vive em ummundo globalizado, em que todas as informações circulam com muita facilidade, ele
sente mais o efeito dessa globalização. E isso aguça sua criatividade, tornando-a
ilimitada para encarar um processo de manipulação de matérias-primas e a
conseqüente produção de peças.
Ressalto, porém, que existe, de fato, uma situação em que profissionais que atuam
em territórios completamente distintos e geograficamente distantes criam peças
muito parecidas, sem nunca terem trocado uma única palavra. Isso é o queatualmente chamamos de “inconsciente coletivo”, conceito que surgiu com o
psicólogo analítico Carl Gustav Jung, que se refere à “camada mais profunda da
psique humana. Ele é constituído pelos materiais que foram herdados da
humanidade. É nele que residem os traços funcionais, tais como imagens virtuais,
que seriam comuns a todos os seres humanos” (WIKIPÉDIA, online). Normalmente,
isso é atribuído ao fato do mundo caminhar em uma mesma direção e de que as
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tendências são fenômenos universais que ditam a moda nos dias de hoje. Mesmo,
às vezes, um pouco incrédulos, os artesãos não duvidam da capacidade criadora
desses profissionais e justificam isso complementando:
Você acha que isto saiu da cabeça da designer? Ela deve ter visto umabolsa parecida com essa, com esses quadradinhos, em outro material,aquilo ficou na cabeça dela... Mas fazer a bolsa de quadradinho com essamatéria-prima, de quadradinhos de bucha, isso nós sabemos que foi tiradoda cabeça dela (Informante 3).
Falar de artesanato bem feito há até pouco tempo, podia soar como algo improvável.
O artesanato, muitas vezes, é visto com uma coisa mal acabada, sem qualidade e
de pouca durabilidade. Algumas vezes, ouvi falar que os produtos artesanais tinham
apenas seis meses de durabilidade, prazo de validade ditado por não se sabe
quem... Nesse sentido, o Programa Sebrae de Artesanato, em seu Termo de
Referência, que é um conjunto de informações, conceitos e considerações que
normatizam a produção artesanal, propôs a quebra de três paradigmas, listados a
seguir.
1) Artesanato é mal feito
Este paradigma foi o primeiro a ser quebrado com as intervenções de design, pois
quando o designer atua em um núcleo de artesanato, sua primeira intervenção na
técnica artesanal é observar a forma de acabamento utilizada, propondo novas
técnicas e melhorias no processo produtivo, com o intuito de produzir objetos de
altíssima qualidade, acabamento impecável e durabilidade.
Essa preocupação com o bom produto, quando bem trabalhada, fica no sangue dos
artesãos, que se tornam cada dia mais exigentes com a qualidade dos seustrabalhos, inclusive criando técnicas muito próprias. Observe o relato desta artesã:
“Por isso que eu falo: essa técnica é nossa. Tivemos o curso, mas esse jeito de
fazer o acabamento é nosso. A gente que chegou a isso sozinha!” (Informante 1).
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E muitas dessas artesãs são, atualmente, multiplicadoras, isto é, estão repassando
para outras as técnicas aprendidas. E nesses cursos ministrados por elas a lição
sobre o “fazer certo” é disseminada:
Hoje, quando a gente vai ensinar, a gente ensina direitinho, a gente fala queé muito importante o acabamento e a embalagem e a qualidade do produto.A gente fala que as pessoas só compram se o artesanato estiver bem feito,bem acabado. A pessoa que está aprendendo só não faz certo se nãoquiser (Informante 7).
2) Artesanato é coisa de pobre para pobre
Considero este paradigma o pior de todos. É feio até para ser dito e, depois, definir
quem é pobre é uma coisa muito séria. Pobre em quê? Ou pobre de quê? Mas
vamos lá. Felizmente, esse tabu também foi quebrado, pois ser artesão,
definitivamente, não quer dizer ser pobre. E ser pobre também é muito relativo. Mas,
considerando-se que pobre é a pessoa que tem pouco dinheiro, também não
procede a afirmação, pois muitas pessoas de classe média e ditas “ricas” também
fazem artesanato.
No que diz respeito ao fato do pobre comprar artesanato, volto a dizer: ser pobre érelativo, pois, hoje em dia, o artesanato é consumido, principalmente, pela classe
média e pelos chamados “ricos”. O artesanato brasileiro está sendo valorizado
inclusive em outros países. No relato de uma das artesãs, esse sucesso fica
evidenciado:
Outro dia veio um rapaz aqui no núcleo fotografar nossas peças, pois elequer mandar levar pra fora do País. Ele perguntou muito sobre quantaspeças podemos fazer e nós falamos que se precisar aumentar a produçãopara exportar a gente trabalha mais dia por semana para poder atender aos
pedidos, e se precisar até vira a noite (Informante 9).
3) Artesanato é barato
Este paradigma também foi quebrado a partir da criação do artesanato de referência
cultural, ou seja, o designer faz a intervenção utilizando insumos produzidos com
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matérias de muita qualidade, inovadoras e com tecnologia como elemento
agregador de valores para os produtos artesanais. Um bom exemplo é a utilização
de ferragens de altíssima qualidade para o acabamento de caixas e de outros
objetos de madeira. A utilização de ferramentas apropriadas, bem como vernizes e
tintas não poluentes e de baixo impacto ambiental, também elevam o custo das
peças artesanais.
Ressalto, porém, que o fato do artesanato não ser barato não quer dizer que ele seja
caro. O artesanato não deve ser nem uma coisa nem outra; dever ter preço justo. E
é exatamente nesse sentido que surgiu uma modalidade para a comercialização do
artesanato, denominada “comércio ético e solidário” ou ”comércio justo”.
Hoje, depois de quase nove anos de criação do programa, percebe-se claramente
que esses paradigmas foram quebrados, haja vista a altíssima qualidade das peças
produzidas, o diferencial e a agregação de valores culturais e iconográficos, com a
beleza das embalagens, que, muitas vezes, são reutilizadas, tornando-se, assim, um
segundo produto artesanal. Além desses resultados, é preciso ressaltar que os
artesãos passaram a desfrutar de maior qualidade de vida.
Atualmente, os consumidores do artesanato não são apenas os turistas que gostamde levar “presentinhos” e souvenirs “baratinhos” como lembrança para os amigos e
parentes. Os consumidores de artesanato, hoje em dia, são pessoas de classes
sociais A e B, profissionais da área de design, profissionais liberais e diversos tipos
de pessoas que reconhecem que, além da funcionalidade do artesanato utilitário, do
diferencial do decorativo, da criatividade do lúdico, da beleza do litúrgico e da
personalidade do artesanato conceitual, estão consumindo responsabilidade social,
cultural e ecológica todas as vezes que adquirem o artesanato de referência cultural
produzido por artesãos com o apoio e a intervenção de profissionais do design.
Para quebrar esse paradigma, o Programa Sebrae de Artesanato capacitou os
artesãos para definir os preços dos produtos de forma adequada.
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Ele [o Sebrae ] ensinou a gente a desenvolver as coisas... O marketing,preço, harmonia, palestras... Ninguém podia imaginar como era formar opreço de uma mercadoria. Eu pensava que, se custou R$ 10,00 paraproduzir, era só vender por R$ 11,00. Cada curso que temos, a gente ficacada vez melhor (Informante 1).
Com a oferta do curso “Formação de preços para o setor artesanal”, elas puderam
calcular o valor hora para o funcionamento do núcleo. Certamente que, ao terem
clareza desse custo, as artesãs estão muito mais bem preparadas para definirem o
valor daquilo que produzem.
Em alguns casos, as mudanças nas vidas das pessoas desses pequenos grupos de
artesãos ocorrem de maneira muita rápida. Tão rápida que elas não se dão conta do
que está acontecendo em suas vidas. Participei muito de perto de um momento
como esse, em que o Sebrae, em parceria com a Prefeitura Municipal de Itapemirim
“adotou” um grupo de artesãos que detinham a técnica do artesanato, mas não
tinham design. Esse grupo, decorridos três meses do início da intervenção de
design, já estava comercializando seus produtos, frutos da recente intervenção, na
Feira Nacional de Artesanato Mãos de Minas, a maior feira do setor em território
nacional. Uma mudança e tanto em tão pouco tempo...
As transformações nas vidas dessas pessoas são muito rápidas e sempreenaltecidas por elas com muita emoção e sinceridade. Normalmente, as
transformações de caráter pessoal superam qualquer tipo de expectativa das
artesãs. Com os olhos marejados, uma delas fez o seguinte relato: "Eu nunca pensei
que eu ia ter nem Carteira de Identidade, e agora você me diz que eu vou ter uma
Carteira de Artesã? Isto é demais pra mim... Eu nunca poderia imaginar, meu Deus!"
(Informante 3).
As mudanças na vida das artesãs não se restringem à dimensão individual, mas seestendem a seus relacionamentos com suas respectivas famílias:
A vida da gente mudou muito, e a vida da nossa família também. Eu tavafalando com a minha filha pequena... Eu nunca tinha saído deste lugar. Eusó fui conhecer Guarapari com mais depois dos 30 anos, e ela com 4 anos já conhece vários lugares (Informante 8).
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Programas de incentivo à produção artesanal, tal como o desenvolvido pelo Sebrae,
têm como objetivo a geração de renda para comunidades, proporcionando muitos
benefícios para o artesão. Mas, entre todos os benefícios, há um que, a meu ver, é
intangível e um dos maiores que o ser humano pode ter, que é o beneficio do
resgate da auto-estima, um pré-requisito para a felicidade. Em uma feira de
artesanato, a artesã conta o que ouviu de um visitante:
[visitante diz: ] Nossa, mas vocês são artistas! De pensar que saiu da suamão... É fibra de bananeira? Você tem certeza disso? [artesã diz: ] Tenho,moço... A bananeira tá ali do lado da gente... [visitante pergunta: ] Mas abananeira dá isto? Vocês é que cortam o pé da bananeira? Eu não voucomprar, pois não tenho condições, mas esta peça, se eu tivesse lá emcasa, eu ia ficar encantada... Esta peça é maravilhosa e saber que eucomprei da pessoa que fez! (Informante 7).
A alegria de ser artesão, sentimento proporcionado pelo resgate da auto-estima, e a
emoção de ver seus trabalhos reconhecidos e admirados são experiências
inesquecíveis para as mulheres-artesãs.
É muito boa a troca de experiência, poder viajar, participar de feiras emoutros estados, conhecer gente nova e ainda poder dar curso! Uma vez,quando eu fui dar o curso em Santa Teresa, uma pessoa quis me beijar edisse que o sonho dela era conhecer uma de nós. Eu disse: meu Deus! Issonão é possível! Eu não podia acreditar numa coisa dessa! Isso é uma vidamuito nova para nós... Eu não sou mais aquela mulher lá na comunidade,
que vivia naquele mundinho. É como padre disse um dia para nós: Nãoadianta pensar que o mundo começa e termina aqui. O mundo é grande,temos muita coisa para ver. O mundo é enorme! (Informante 1).
Quando nós, seres humanos, temos nossa auto-estima elevada, passamos a
vivenciar uma condição de maior felicidade. E pessoas felizes criam um ambiente
leve e impregnado de atitudes facilitadoras; os relacionamentos são transparentes e
empáticos, as pessoas gostam de ouvir e de ser ouvidas, se aceitam e têm muito
mais possibilidades de aceitar o outro incondicionalmente.
Mas, na presença de uma atitude facilitadora criada pela equipe e pormuitos dos participantes, os indivíduos gradualmente começam a ouvir unsaos outros e, lentamente, a compreender e a respeitar. O ambiente torna-sepropicio ao trabalho , tanto nos grandes como nos pequenos grupos, amedida que as pessoas começam a pesquisar a si mesmas e a seusrelacionamentos (ROGERS, 1983, p. 60).
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Assim, ao finalizar este capítulo, podemos dizer que, quando o processo de
intervenção de design é marcado pela demonstração de atitudes facilitadoras por
parte do designer, ele possibilita toda uma ambiência para a criação do verdadeiro
artesanato de referência cultural, de forma sustentável.
E, finalmente, no próximo capítulo, faremos as considerações finais, ressaltando “a
força do relacionamento entre artesãos e designer no olhar de Carl Rogers”.
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7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Depois de tudo o que foi dito, depois de tudo o que foi investigado e depois de tudo
que defendi, reafirmo, com a mais absoluta convicção, que durante os encontrosocorridos entre artesãos e designers durante o processo de intervenção de design
no artesanato, o Termo de Referência do Artesanato, criado pelo Sebrae, apresenta-
se como um norte. Mas a força do relacionamento entre esses seres humanos, entre
essas pessoas de origens e modus vivendi tão diferentes, poderá ser eficaz com a
convivência baseada nas atitudes facilitadoras propostas por Rogers como
fundamentos da aprendizagem centrada na pessoa.
Carls Rogers, em seu livro “Um jeito de ser”, lista características básicas que podemser vivenciadas em relações humanísticas entre pessoas, tanto na área educacional,
psicológica ou em comunidades. A primeira das condições por ele mencionadas diz
respeito à figura do líder.
Os líderes, ou pessoas percebidas como representantes da autoridade nasituação, são suficientemente seguras interiormente e em seusrelacionamentos pessoais, de modo a confiarem na capacidade das outraspessoas de pensar, sentir e aprender por si mesmas. Quando esta pré-condição existe, os aspectos seguintes tornam-se possíveis e tendem a ser
efetivados (ROGERS, 1983, p. 96).
Assim, o líder não é a figura de poder absoluto. Isso quer dizer que, nos núcleos de
artesanato, a liderança deve, então, ser compartilhada: ora o designer é um líder,
ora um artesão lidera e ora outro artesão assume a liderança, de acordo com suas
afinidades, expertises e oportunidades. “As pessoas facilitadoras compartilham com
as outras [...] a responsabilidade pelo processo de aprendizagem” (ROGERS, 1983,
p. 96).
Além disso, os líderes, na condição de facilitadores, potencializam o crescimento
dos integrantes de um grupo quando são transparentes, congruentes e
compartilham responsabilidades.
Eles podem oferecer “recursos de aprendizagem – de dentro de si mesmos, de suas
próprias experiências, de livros ou de outros materiais ou de experiências da
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comunidade” (ROGERS, 1983, p. 96). Assim, transpondo isso para o campo de
atuação do designer em intervenções no artesanato, podemos considerar que eles
atuam como facilitadores quando proporcionam condições favoráveis para a
comunidade artesanal, ao oferecerem publicações, livros e revistas para que eles
possam conhecer novos produtos, matérias-primas e tendências de mercado.
Mais importante que isso, no entanto, é que o designer se ofereça, a si próprio,
como recurso para o grupo, dando aos artesãos o conhecimento e a informação que
possui. Diante desse conhecimento, uma artesã diz: “não sentimos insegurança,
nem desconfiança, nem medo, pois sabemos que o conhecimento que eles trarão
será de enorme valia para o grupo” (Informante 2).
Ao discorrer sobre a educação formal, Rogers frisa a importância dos próprios
estudantes desenvolverem seus programas de aprendizagem, sozinhos ou em
cooperação. No processo de intervenção, e ao longo de toda a vida, o artesão
também é um aprendiz. Ao prover um clima facilitador, o designer valoriza suas
experiências pessoais, individuais, familiares e da comunidade. Ao fazer isso, estará
sublinhando para os artesãos a importância que eles têm para seu trabalho. Essas
experiências poderão dar subsídios para a criação de uma coleção riquíssima de
valores culturais, iconográficos e com características únicas. Do contrário, comodisse uma das artesãs participantes desta pesquisa, “fica uma sensação meio
estranha [...] não entendemos, perdemos o interesse, porque a gente acha que não
é do nosso mundo aquilo que ela estava falando” (Informante 8).
Outro aspecto das relações ditas humanas, conforme Rogers, é que os atores nelas
envolvidos são estimulados a aprender continuamente. Todo organismo vivo,
segundo Rogers, tem tendência à auto-realização. Talvez seja por causa disso a
ansiedade sentida antes do início das intervenções, conforme relatou uma artesã,venha acompanhada de
uma esperança de crescimento, de melhoria de aprendizado eaperfeiçoamento. Cada intervenção de design que tem, a gente pensaassim... Vai criar uma coisa nova! A princípio a gente pensa: Será que agente vai conseguir? A gente sempre tem esperança de melhorar(Informante 4).
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Nesse sentido, ao finalizarem os trabalhos nos núcleos, é de fundamental
importância que os designers deixem os artesãos preparados para dar continuidade
à produção artesanal que foi proposta e criada para ser desenvolvida por eles. O
contato com novos fornecedores de insumos e matérias-primas e os projetos com
especificações e medidas dos produtos devem ficar documentados para a
continuidade de produção artesanal.
A aceitação incondicional e a empatia são atitudes facilitadoras que, quando
adotadas e estimuladas pelos designers, geram metas e objetivos claros e
específicos para os artesãos, que criam um senso de comprometimento e
responsabilidade – a autodisciplina a que se refere Rogers (1983). Essas
características são fundamentais para o artesão, porque o artesanato de referênciacultural é produzido em escala, ainda que em nível reduzido e, dessa forma, exige
comprometimento. Do contrário, continuaremos a ouvir profissionais dizendo que
não fazem encomendas a artesãos porque eles demonstram pouca capacidade de
cumprir prazos.
Assim, podemos observar que as atitudes facilitadoras propostas por Rogers,
quando presentes no relacionamento entre designers e artesãos envolvidos em
processo de intervenção de design no artesanato, têm extensão inimaginável.
Neste clima de promoção do crescimento, a aprendizagem tende a ser maisprofunda, processar-se mais rapidamente e ser mais penetrante na vida eno comportamento dos alunos do que a aprendizagem realizada na sala deaula tradicional (ROGERS, 1983, p. 97).
Com a presença desse clima acolhedor, designers e artesãos têm liberdade de ser
aquilo que realmente são, e os programas de artesanato atingem seus objetivos
genuínos, contribuindo para, em maior ou menor nível, valorizar o potencial criativo
sem colocar em risco a principal fonte de renda dos artesãos, a produção artesanal.
Assim sendo, podemos concluir que processos de intervenção de design marcados
por esse clima de que fala Rogers é o caminho para promover a sustentabilidade
das comunidades, possibilitando a geração de renda por meio da produção e
comercialização do artesanato de referência cultural.
5/14/2018 Monografia Design e to - slidepdf.com
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8 REFERÊNCIAS
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