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INTRODUÇÃO
Têm-se, primeiramente, como objetivo do presente trabalho, a distinção
entre o Direito Tributário Penal e o Direito Penal Tributário, que são estatuídos pela
legislação de forma a diferenciar as infrações dos crimes tributários em que
incorrem o sujeito passivo, ou seja, o contribuinte ou o responsável, em decorrência
de violação às leis de caráter administrativo, assim como das medidas de caráter
judicial, as de enfoque penal, para a devida reparação dos danos causados à
Fazenda Pública em cada caso.
Buscando abordar o referido tema, que adquire maior importância na
medida em que se pretende verificar isoladamente os limites que diferenciam as
infrações dos crimes tributários, examinaremos os ilícitos tributários, considerando a
distinção entre as infrações previstas em leis administrativas, e por isso, sujeitas à
apreciação de órgãos administrativos fiscais e outros ilícitos que além de
configurarem como infrações fiscais ou tributárias, incidem nas normas de natureza
penal, provocando, ao mesmo tempo, a atuação do órgão administrativo fiscal e do
órgão judiciário, os chamados crimes fiscais.
A atual importância e utilização prática destas questões relativas à
responsabilidade dos detentores do poder de condução e administração das
obrigações e punições relativas ao não pagamento dos tributos na sociedade como
um todo, justifica a adoção, escolha e delimitação do referido tema como objeto de
um estudo monográfico.
No contexto social, político e econômico em que se encontra nosso país,
não rara é a utilização de meios disformes com o direito, objetivando-se a satisfação
de interesses pessoais ou políticos, lesando-se a sociedade e os mercados
nacionais e internacionais, inclusive, isoladamente considerados.
1
Necessária se faz uma maior proteção dos interesses e direitos das
partes que não são detentoras dos poderes de elaboração, condução e gestão do
bem comum. A ordem jurídica tem o dever e a obrigação de aperfeiçoar-se de modo
que não se torne distante das questões fáticas apresentadas pelas constantes
evoluções sociais.
Busca-se uma visão sistematizadora e interdisciplinar dos aspectos
principais que fazem parte do tema, entretanto passa-se bem longe de uma visão
exaustiva e completa sobre o assunto, o qual certamente será objeto de grandes
debates doutrinários, jurisprudenciais e até legislativos, em um futuro não muito
distante, para que aí sim tenhamos uma sólida e possível realização das obrigações
tributárias e das finalidades da tributação, tanto pelos contribuintes como pelo
Estado, para que ambos estejam aptos a serem suficientemente íntegros e
coerentes à promoção e satisfação dos interesses sociais, econômicos e políticos,
fortalecendo o mercado, o governo e, consequentemente, ganhando um alto grau de
confiabilidade e segurança jurídica em nosso país.
O presente trabalho pretende, também, enumerar os casos de extinção
de punibilidade, englobando, mesmo que superficialmente, os casos que ocorrem
antes e depois da sentença, como a morte do agente, a graça ou indulto, a anistia, a
prescrição e a retroatividade da lei mais benigna, pois essas situações têm inteira
aplicação na esfera dos crimes tributários.
Ficam excluídas deste estudo monográfico as questões pertinentes à
discussão mais profunda sobre cada infração e cada crime tributário, por não
inserirem-se dentro da linha buscada por este trabalho, uma vez que abordam
aspectos distintos dos aqui apresentados.
2
CAPÍTULO 1
DIREITO TRIBUTÁRIO PENAL E DIREITO PENAL
TRIBUTÁRIO
Existe uma clara distinção, na doutrina tributária, para as infrações
punidas pelo Direito Tributário daquelas sancionadas pelo Direito Penal, por isso,
costuma-se falar em Direito Tributário Penal e em Direito Penal Tributário. O
primeiro seriam todas as infrações tributárias derivadas do descumprimento de
obrigações tributárias principais ou acessórias, ou seja, todas as condutas
comissivas ou omissivas, que afrontem as normas tributárias de natureza
substantiva ou formal, que deparam-se com sanções de natureza administrativa, são
as infrações à legislação tributária, que compreendem as leis, os tratados e as
convenções internacionais, os decretos e as normas complementares, que versem,
no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes , nos
termos do art. 96 do CTN.
As obrigações acessórias, que são aquelas que têm por objeto
prestações positivas ou negativas, instituídas pelo interesse da fiscalização e
arrecadação tributária, são decorrentes do próprio Código Tributário Nacional, por
isso, podem ser instituídas por decretos, ou outros atos normativos de menor
hierarquia. Essas infrações encontram-se espalhadas nas legislações fiscais das
três esferas impositivas cominando sanções de natureza administrativa tais como:
penas pecuniárias, apreensões 1, perda de mercadorias, sujeição do contribuinte ao
sistema especial de fiscalização e interdições, estas últimas são privativas do fisco
federal, e representam sanções políticas contra devedores negligentes. 1 Desde que não sejam utilizadas como meio coercitivo para o pagamento de tributos; Súmula 323 do STF.
3
Já o Direito Penal Tributário, é mais rigoroso e exige a expedição de uma
lei configurando o crime e cominando a pena. Inicialmente, esses crimes tributários
eram apenas os definidos no Código Penal como, por exemplo, a falsificação de
papéis públicos (art. 293), o contrabando ou descaminho e o excesso de exação
(arts. 334 e 316, § 1º, respectivamente) etc. Posteriormente, surgiram outras figuras
criminais que foram transplantadas para o Direito Penal Tributário.
A lei nº 4.357/64, em seu art. 11, incluiu a apropriação indébita entre os
fatos constitutivos do crime, definido no art. 168 do CP, o não recolhimento, no prazo
de 90 dias a contar do término dos prazos legais e, entre outras, o imposto sobre a
renda retidas na fonte e do imposto de consumo indevidamente creditado nos livros
de registro de matérias primas. O primeiro diploma legal estatuindo especificamente
o crime tributário surgiu com o advento da Lei nº 4.729/65, que definiu o crime de
sonegação fiscal. Hoje, existe a Lei nº 8.137/90, que define os crimes contra a
ordem tributária, da qual falaremos mais adiante.
Existe, ainda um outro critério para classificar-se as infrações tributárias,
consoante à participação subjetiva do agente na descrição hipotética da norma.
Assim, teremos as infrações subjetivas e objetivas. As primeiras são aquelas que,
para configurarem o delito descrito pela lei, o autor do ilícito teria que operar com
dolo ou culpa.
É o caso, por exemplo, do contribuinte do imposto sobre a renda que, ao prestar sua declaração de rendimentos, omite, propositadamente algumas receitas, com o objetivo de recolher quantia menor do que a devida. 2
As infrações objetivas, por sua vez, são aquelas em que o resultado
independe da vontade do infrator, as conseqüências do ilícito previsto na norma,
2 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário.14ª ed., São Paulo. Saraiva, 2003, p.504.
4
ocorrem mesmo sem a intenção do agente. Sendo irrelevante o ânimo do devedor,
não realizando o recolhimento até o limite final do prazo, incorrerá ele em juros de
mora e multa de mora.
Situação típica é a do não- pagamento de determinada quantia, a título de imposto predial e territorial urbano, nos prazos fixados na notificação de lançamento.3
Diante do exposto, podemos concluir, então, que as infrações subjetivas,
ou seja, aquelas em que há dolo ou culpa são consideradas como crimes tributários
e as infrações objetivas, aquelas que não dependem da intenção do agente, são
consideradas infrações tributárias, delimitadas pelas normas administrativas.
1.1. ILÍCITOS TRIBUTÁRIOS
Ilícito tributário é não somente as infrações formais como também os
crimes contra o tesouro público. Certos ilícitos tributários acham-se previstos em leis
administrativas fiscais e se submetem à apreciação dos órgãos administrativos
fiscais de julgamento, ainda que possam ser levados à esfera judiciária, conforme
previsto no art. 5º XXXV, da Constituição Federal de 1988.
Outros ilícitos, configuram-se como infrações fiscais, e estão sujeitos
portanto a julgamento pelos órgãos administrativos, mas inserem-se também no
campo do Direito Penal e, por isso se submetem à apreciação do Poder judiciário.
São os crimes tributários, que serão julgados e apreciados exclusivamente pelos
órgãos judiciários.
As denominadas infrações fiscais surgem em face do descumprimento do
objeto das obrigações tributárias principais ou acessórias, e a cominação de
penalidades para essas ações ou omissões devem estar previstas na própria lei
tributária ( CTN, art. 97,V).
3 Op. Cit. p. 505.
5
Em suma, são claramente identificáveis dois sistemas legais
sancionatórios em que o Estado atua: um criminal, implementado segundo o direito
penal, mediante o processo penal, no juízo criminal; e outro administrativo, aplicado
segundo regras do direito administrativo, no procedimento administrativo, pelas
autoridades administrativas. Havendo interesse determinadamente jurídico, pode,
eventualmente, estar tutelado por ambos. As sanções administrativas, porém, estão
sujeitas ao controle de legalidade a que estão submetidos os atos administrativos
em geral, de modo que o administrado, pode não concordar com o castigo que lhe
foi imposto, levando-o à contrasteação judicial, não no processo penal, mas no
processo civil.
1.2. AS INFRAÇÕES FISCAIS NO CÓDIGO TRIBUTÁRIO
NACIONAL
Infração fiscal é sinônimo de ilícito tributário, que significa ato contrário à
lei relacionado com a obrigação tributária principal ou acessória. É espécie do
gênero infração, que é a violação de uma norma jurídica, o descumprimento de uma
norma de conduta imposta.
Existem infrações que são de natureza exclusivamente administrativa
fiscal, sujeitas à apreciação dos órgãos administrativos fiscais.
Por exemplo, um contribuinte do ISS classifica determinado serviço prestado em certo item de serviço, de forma errônea, aplicando uma alíquota menor. Constatando o fato pelo agente fiscal, é lavrado o auto de infração em que é exigido o pagamento da diferença do imposto com a imposição de multa, que representa mera sanção de natureza administrativa fiscal.4
4 Harada, kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário.. 10ª ed., São Paulo, Atlas, 2002,p.526.
6
As obrigações tributárias supõem a possibilidade de descumprimento.
Como qualquer outra norma de conduta, o destinatário pode, por desconhecer ou
por vontade própria, proceder de modo diferente ao querido pela ordem jurídica.
Sempre que a lei incumbir a alguém adotar determinada conduta, comissiva ou
omissiva, é possível um procedimento diferente do que é desejado, ou melhor,
imposto pelo direito.
A noção de infração é uma conduta contrária ao direito. Para a infração
existem remédios legais, que buscam refazer a vontade da lei, ora reparando o dano
causado ao direito alheio, por meio de prestação indenizatória, ora punir o
comportamento ilícito, inflingindo-se num castigo ao infrator. Se a conseqüência da
infração é um castigo ou punição por conduta ilícita, onde manifesta-se esta estará
presente a sanção.
No direito tributário, a infração pode acarretar diferentes conseqüências. Se ela implica falta de pagamento de tributo, o sujeito ativo (credor) geralmente tem, a par do direito de exigir coercitivamente o pagamento do valor devido, o direito de impor uma sanção (que há de ser prevista em lei, por força do princípio da legalidade), geralmente traduzida num valor monetário proporcional ao montante do tributo que deixou de ser recolhido. Se se trata de mero descumprimento de obrigação formal (“obrigação acessória”, na linguagem do CTN), a conseqüência é, em geral, a aplicação de uma sanção ao infrator (também em regra configurada por uma prestação em pecúnia). Trata-se das multas ou penalidades pecuniárias, encontradiças não apenas no direito tributário, mas no direito administrativo em geral, e também no direito privado. 5
5 Amaro, luciano. Direito Tributário Brasileiro. 9ª ed., São Paulo, Saraiva, 2003, p.418.
7
Então, a infração tributária ou fiscal é de cunho administrativo, onde são
impostas multas em pecúnia. Já os crimes tributários, como veremos adiante, são
apurados exclusivamente pelo Poder Judiciário, e são previstos no art. 298 do CP.
Também existem infrações que além de configurar ilícito tributário, incidem nas
normas de natureza penal, provocando a autuação, ao mesmo tempo do órgão
administrativo fiscal e do órgão judiciário.
Por exemplo, um contribuinte do imposto sobre a renda - um profissional liberal - que falsifica recibos de terceira pessoa fornecendo-os a seus clientes a fim de obter a diminuição do imposto devido. Na hipótese, temos uma conduta que constitui, ao mesmo tempo, uma infração fiscal e crime, desencadeando a instauração de processo administrativo fiscal para exigência da diferença do imposto com a respectiva multa, e a instauração da ação penal para apuração do crime previsto no art.298 do CP.6
As infrações tributárias são a falta de recolhimento do imposto sobre a
renda, do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias, do
imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana, dentre outras. Assim são
também as infrações relativas à dedução de despesas indevidas por parte das
pessoas físicas ou jurídicas ao ensejo da apuração do lucro susceptível de
tributação do imposto sobre a renda, as infrações são de índole administrativa.
Não podemos nos esquecer que os tributos são revertidos em benefícios
à população, quem cobra é o Estado, porém sua finalidade precípua é de natureza
pública, ou seja, para beneficiar a sociedade com investimentos nas áreas mais
carentes da população.
6 Harada, kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. Atlas. São Paulo,10ª ed., 2002,p.527.
8
1.3. A RESPONSABILIDADE DO AGENTE E DE TERCEIROS NAS
INFRAÇÕES TRIBUTÁRIAS
São três os artigos do Código Tributário que versam sobre a
responsabilidade dos infratores. Por primeiro, o art. 136, consagra o princípio da
responsabilidade objetiva, submetendo o infrator à responsabilidade, independente
de sua intenção ou da conseqüência do ato praticado.
A regra é que a responsabilidade recaia sobre o sujeito passivo, ou seja,
o contribuinte ou o responsável. O art. 137, responsabiliza aquele que praticou a
infração, ou seja, o agente.
Mas o Código tributário estabelece, também, a hipótese de
responsabilidade solidária entre o agente e o sujeito passivo, sob o fundamento de
que o sujeito passivo cumprira a ordem do agente, é o que demonstra o inciso I, do
art. 137, in verbis:
“Art. 137. A responsabilidade é pessoal do agente:I - quanto às infrações conceituadas por lei como crimes ou contravenções, salvo quando praticadas no exercício regular de administração, mandato, função, cargo ou emprego, ou no cumprimento de ordem expressa emitida por quem de direito;”7
O código, ainda, responsabiliza o agente desde que aja dolo específico ou
pratique atos contra a vontade de seus prepostos, nos termos dos incisos II e III, a, b
e c do mesmo art. 137:
7 PINTO, Antônio Luiz de Toledo e outros . Código Tributário Nacional / mini, 9ª ed., São Paulo: Saraiva,
2003.
9
“II - quanto às infrações em cuja definição o dolo específico do agente seja elementar;III - quanto às infrações que decorram direta e exclusivamente de dolo específico:a) das pessoas referidas no art.134, contra aquelas por quem respondem;b) dos mandatários, prepostos ou empregados, contra seus mandantes, preponentes ou empregadores;c) dos diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado, contra estas.”8
O contribuinte se sujeita a juros e multa, nos termos do art. 161 do
mesmo diploma já citado, quando descumpre a obrigação, essa é a regra geral
aplicável a todos os tributos.
O art. 138, do mesmo Código, prevê uma exceção à regra, quando
qualifica a denúncia espontânea como excludente de infração, ela elimina qualquer
penalidade. Assim, sempre que o sujeito passivo, por iniciativa própria, antecipar-se
ao Fisco, regularizando seu débito, estará livre de qualquer multa, inclusive a multa
moratória. A multa representa penalidade e a multa moratória representa um caráter
indenizatório em face da indisponibilidade do credor em virtude do atraso no
cumprimento da obrigação por parte do sujeito passivo, tem a finalidade de indenizar
a Fazenda em relação ao retardo no pagamento do tributo.
Os terceiros também podem ter responsabilidade por infrações, pois, ao
atribuir competência legislativa à pessoas políticas, o constituinte vinculou o
legislador ordinário a eleger um sujeito passivo diverso, que tanto pode ser o próprio
praticante do fato ou um terceiro a ele relacionado. O art. 128 do Código Tributário
Nacional admite a responsabilização de terceira pessoa, desde que ligada ao fato
jurídico tributário:
“Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste Capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa , vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação,
8 Op. cit.
10
excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.”9
As terceiras pessoas enumeradas no Código, como, por exemplo, o
sucessor a qualquer título, ou o adquirente de imóvel ou móvel, ou os tabeliães, ao
invés de estarem atreladas ao fato jurídico tributário, são pessoas desvinculadas do
evento e, por isso, não poderiam ocupar o pólo passivo da obrigação, sob pena de
agressão as estruturas do sistema. As pessoas estranhas ao fato não podem figurar
como sujeitos passivos da relação jurídica tributária. Estas pessoas estariam sujeitas
à responsabilidade decorrente de descumprimento de dever.
1.4. RESPONSABILIDADE POR INFRAÇÕES TRIBUTÁRIAS E
INTENCIONALIDADE
O art. 136, como já vimos, afirma o princípio de que a responsabilidade
por infrações independe da intenção do agente ou do responsável. Se o agente atua
em seu nome ou no de outrem (responsável), a regra é a de desprezar a intenção do
agente quanto aquele por conta de quem esteja eventualmente agindo.
A responsabilidade por infrações tributárias é objetiva, uma vez que não
seria necessário pesquisar a eventual presença do elemento subjetivo (dolo ou
culpa). Então a responsabilidade não depende da intenção, o que torna irrelevante a
presença de dolo, mas não afasta a discussão da culpa. Se ficar evidenciado que o
indivíduo não quis descumprir a lei, e o descumprimento se deu em razão de ter
escapado, a situação, do seu controle, a infração ficará descaracterizada, não
cabendo falar em responsabilidade.
Como exemplo é o caso do comerciante que escriturou corretamente suas operações, apurou o tributo devido, preencheu a guia de recolhimento, fez o cheque e mandou seu
9 Op. Cit.
11
preposto ao banco, no dia do vencimento de sua obrigação, para fazer o pagamento, que só não foi realizado porque o preposto sofreu um acidente e foi recolhido ao hospital; o destino quis que um agente do Fisco tomasse conhecimento do fato e, no dia seguinte, amanhecesse no estabelecimento do comerciante para autuá-lo. Nesse caso, objetivamente, teria ocorrido a infração, mas o comerciante não poderia ser punido (como, efetivamente, não foi). Não houvesse outra razão, repugnaria à equidade aplicar punição em casos como esse. E recorde-se que a equidade é um dos modos de integração da legislação tributária, expressamente previstos pelo Código Tributário Nacional (art. 108,IV).10
O que pretende o art.136 é evitar que o acusado alegue que ignorava a
lei, ou desconhecia a qualificação jurídica dos fatos, e, portanto, teria praticado a
infração de “boa- fé”, sem intenção de lesar o interesse do Fisco. O artigo supõe que
os indivíduos, em suas atividades laborais conheçam a lei tributária e, se não a
cumprem, é porque ou não a quiseram cumprir ou não diligenciaram para conhecê-
la e aplicá-la em relação a seus bens, negócios ou atividades. Na prática, como é
difícil a comprovação do dolo do indivíduo, o Código preceitua que a
responsabilidade por infração tributária não requer prova, pelo Fisco, de que o
indivíduo agiu com conhecimento de que sua ação ou omissão era contrária a lei, e
de que ele quis descumprir a lei.
Não existe responsabilidade tributária sem culpa, mas, mesmo no que
respeita à obrigação de pagar tributo, o Código se mostra sensível a situações em
que o erro ou ignorância são escusáveis sobre matéria que de fato possam ter o
efeito de viabilizar remissão (art.172, II e IV).
10 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro.9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p.430.
12
O Código Tributário dá ao art. 136, o caráter de norma supletiva,
admitindo que lei disponha em contrário. Com efeito, embora dispense a pesquisa
da intenção do agente ou do responsável, ele ressalva a existência de disposição
legal em contrário. O que costuma ocorrer na legislação ordinária é que a fraude, o
artifício, o ardil, o estratagema voluntariamente entrelaçados para iludir o Fisco
configura situação levada em conta para efeito de agravar as penalidades aplicáveis.
O Código consagra a preocupação de dar aos casos de fraude um tratamento mais
severo em diversas matérias, como veremos no capítulo dedicado aos crimes
tributários ou fiscais.
A intenção ardilosa de lesar o Fisco, geralmente leva a um maior rigor da
lei contra o infrator. Mas diante da inexistência de intenção dolosa, a escusabilidade
do erro, a inevitabilidade da conduta infratora, a ausência de culpa, são fatores que
podem levar à exclusão de penalidade. Na dúvida, há a presunção de inocência.
1.5. SANÇÕES TRIBUTÁRIAS APLICADAS ÀS INFRAÇÕES
FISCAIS
Chama-se sanção tributária a relação jurídica que se instala, por força do
acontecimento de um fato ilícito, entre o titular de um direito violado e o agente da
infração.
São várias as modalidades de sanções que o legislador brasileiro
costuma associar aos ilícitos tributários:
a) As penalidades pecuniárias são as mais expressivas
formas de indicação punitiva que a ordem jurídica manifesta, perante o
comportamento lesivo dos deveres que estipula. Agravam o débito fiscal e
quase sempre são fixadas em percentuais sobre o valor da dívida tributária.
Para o imposto de renda e proventos de qualquer natureza, a legislação
prevê até 150% do valor do imposto não pago. O montante do tributo seria
13
a base de cálculo e a percentagem seria a alíquota, essa é a regra matriz
de incidência tributária. Mas pode aparecer como uma importância já
determinada, são as penalidades de valor fixo, ou ainda estabelecidas entre
dois limites, um mínimo e um máximo, cabendo à autoridade administrativa
competente dosá-las segundo as circunstâncias de cada caso;
b) As multas de mora são também penalidades pecuniárias,
mas destituídas de nota punitiva. Nelas predomina o intuito indenizatório,
pela eventualidade do Poder Público receber a destempo o tributo a que
tem direito. São previstas em leis tributárias e aplicadas por funcionários
administrativos do Poder Público;
c) Os juros de mora são, também cobrados, na base de 1%
ao mês, quando a lei não dispuser outra taxa, são tidos por acréscimos de
cunho civil, semelhantes aqueles das avenças de direito privado. Não
podemos negar-lhe feição administrativa, pois são instituídos em lei e
cobrados mediante atividade administrativa plenamente vinculada, não são
equiparados aos juros de mora convencionados pelas partes, sob o regime
da autonomia da vontade. A cobrança dos juros não tem fins punitivos, têm
caráter remuneratório do capital que permanece em mãos do administrado
por tempo excedente ao permitido. O valor monetário da dívida se vai
corrigindo, o que presume manter-se constante com o passar do tempo.
Ainda que cobrados em taxas pequenas ( 1% quando a lei não dispuser
sobre valores percentuais), os juros de mora são adicionados ao montante
do débito;
d) Existe, também, a apreensão de mercadorias e de
documentos, e ainda dos veículos que as transportam, em virtude de
irregularidades verificadas pela fiscalização. A devolução será condicionada
ao pagamento do tributo devido, com as penalidades cabíveis, ou, querendo
discutir a legitimidade do procedimento fiscal, o interessado deverá oferecer
14
fiança idônea ou depósito de valor correspondente à mais elevada multa
aplicável à espécie. No entanto, essa medida sancionatória, que visa forçar
o recolhimento do tributo ou da multa, já se manifestou o Supremo Tribunal
Federal, entendendo que “é inadmissível a apreensão de mercadorias como
meio coercivo para pagamento de tributos” (súmula 323);
e) As mercadorias estrangeiras encontradas em situação
irregular serão apreendidas e seu proprietário, independente de processo
penal a ser instaurado, as perderá para a Fazenda Pública. Estes bens
serão leiloados e o montante arrecadado será considerado receita tributária.
Então, além do infrator sofrer a sanção administrativa, pela perda da
mercadoria, ainda sofrerá a pena de índole criminal, mediante pena que lhe
será infligida;
f) A sujeição ao regime especial de controle é outra sanção
aplicada pela fazenda pública, com relação a certos impostos tais como, o
IPI e o ICMS. É aplicado ao sujeito passivo costumas quanto ao
cumprimento de suas obrigações com o Fisco. É uma rotulagem especial,
na numeração ou no controle quantitativo dos produtos; no uso de
documentos ou livros de modelos especiais; na prestação de informações
periódicas sobre as operações de seu estabelecimento; até na vigilância
constante dos agentes do fisco, que, em muitos casos, fazem plantões na
porta do estabelecimento;
g) São também cassados de regimes especiais de
pagamento de impostos, do uso de documentos ou de escrituração de livros
específicos, concedidas a certos contribuintes na conformidade da
legislação em vigor, os contribuintes que procederam de modo fraudulento,
no gozo das respectivas concessões.
15
As sanções administrativas ou constrições, também chamadas sanções
políticas e que o Fisco vem ampliando cada vez mais e delas se utilizando de
maneira a prescindir da convocação do Poder Judiciário não se incorporam com as
garantias constitucionais outorgadas pelo Estado Democrático de Direito à liberdade
de trabalho, de comércio e ao direito ao devido processo legal. Essas constrições da
administração são como um julgamento pelas próprias mãos, ou seja, a imposição
de penalidades sem forma de processo ou execução são inconstitucionais porque
visam excluir do Poder Judiciário a apreciação da lesão de direito individual (CF, art.
5º, XXXV).
Não se pode, ainda, incluir, entre as sanções que incidem pela falta de
pagamento de tributos, a correção monetária do débito, pois esta representa
atualização do valor da dívida, tendo em vista a desvalorização da moeda, em
regime econômico inflacionário como o do Brasil. O valor aquisitivo do dinheiro é
corrigido, periodicamente, de modo que é possível saber-se a real expressão
econômica do débito tributário. As leis muitas vezes se referem a ela como
acréscimo ou ônus que agrava a prestação do tributo. Mas, para o direito, o
resultado corrigido traduz apenas o valor atual da dívida. É por isso que a dispensa
da correção monetária do débito corresponde à remissão, como veremos no capítulo
apropriado, ou seja, um perdão parcial da dívida tributária, que só pode ocorrer em
casos onde a lei expressamente autorize.
CAPÍTULO 2
CRIMES TRIBUTÁRIOS
Até 1964 não existia, no Brasil, a configuração de infrações fiscais como
crime, ressalvadas algumas figuras conexas com a matéria tributária, tipificadas no
16
Código Penal, especialmente com respeito a contrabando, descaminho, excesso de
exação, falsificação, etc. Mas não havia no país legislação prevendo crimes
tributários, até o advento da Lei nº 4.357/64, que equiparou certas infrações ao crime
de apropriação indébita.
Crimes tributários ou fiscais são “condutas que a um só tempo desencadeiam efeitos tributários e penais, assim como a utilização de notas frias com o objetivo de reduzir o imposto a pagar ou a emissão de notas espelhadas, vale dizer, aquelas em que o emitente registra o valor real da operação somente na primeira via do documento fiscal, registrando valor diminuto nos demais exemplares que servirão de base de cálculo para o cálculo do imposto a ser recolhido.”11
Apesar da distinção entre a infração tributária, de natureza administrativa,
e o crime fiscal, que prevê efeitos tributários e penais, o governo brasileiro editou
inúmeras legislações criminalizando condutas que possam afetar o interesse da
arrecadação pela Fazenda Pública.
A Constituição Federal veda, por via de regra a prisão por dívida,
exceptuadas as por inadimplemento de pensão alimentícia e do depositário infiel.
(art. 5º, LXVII). Sendo assim, o simples fato de o sujeito passivo não recolher tributo
é inaceitável como tipo delituoso.
O crime tributário, porém, foi instituído em nosso direito pátrio por meio da
Lei nº 8.137/90. E em seus arts. 1º e 2º, enumera uma série de condutas tipificadas
como crime contra a ordem tributária, e são susceptíveis de pena de reclusão de
dois a cinco anos, com referência às hipóteses do art. 1º , e pena de detenção de
seis meses a dois anos, no caso do art. 2º, ambas acrescidas de multa.
11 JARDIM, Eduardo Marcial Ferreira. Manual de Direito Financeiro e Tributário. Saraiva, São Paulo, 6ª ed. 2003.
17
Até dezembro de 1996, o procedimento criminal poderia ser provocado
desde logo, mesmo antes da configuração de infração em decisão definitiva do
processo administrativo. Sendo assim, o contribuinte poderia ser processado
criminalmente por reflexo de uma infração que a própria Fazenda reconhecera com
improcedente.
Com o advento da legislação superveniente, a Lei nº 9.430/96, que dispõe
sobre a legislação tributária federal, as contribuições para a seguridade social, o
processo administrativo de consulta e dá outras providências, em seu art.83, define
que, havendo processo administrativo instalado, o encaminhamento de
representação fiscal ao Ministério Público para o fim de instaurar o procedimento
criminal somente pode ser efetivado após a decisão definitiva na esfera
administrativa.
O diploma acima mencionado tem conteúdo de legislação nacional e não
federal, é o mesmo caso do diploma alterado, a Lei do Crime Contra a Ordem
Tributária. O diploma nacional tem efeito vinculante no âmbito dos Estados, do
Distrito Federal e Municípios, os quais não podem, por conseqüência, desencadear
processo criminal antes da definitividade do processo administrativo que confirme a
existência de infração com repercussão na esfera penal.
Nos termos da legislação vigente, se houver pagamento do tributo antes
do recebimento da denúncia, opera-se a extinção da punibilidade, de acordo com o
disposto no art. 34 da Lei 9.249/95, ou, se houver pagamento no caso de prisão com
base na Lei nº 8.866/94, sobre fundamento de configuração de depositário infiel,
opera-se o cessamento da prisão no caso de pagamento, com fulcro no art. 8º do
diploma ora citado.
2.1. CLASSIFICAÇÃO DAS INFRAÇÕES FISCAIS
18
Temos, ao tratar das obrigações na relação jurídica tributária, uma
obrigação principal, que é aquela cujo conteúdo obrigacional prevê a satisfação do
próprio tributo, e girando em torno dela, uma série de obrigações acessórias,
decorrentes de disposições regulamentares, ou seja, medidas de ordem, de
procedimento ou de forma, que deverão ser obedecidas pelas partes (tanto fisco
como contribuinte), a fim de que a obrigação principal seja cumprida na medida e na
forma legais.
Daqui temos duas grandes classes de infrações fiscais: a infração será substancial quando um dos sujeitos desatender elementos da obrigação principal. Exemplos: a omissão da exigência ou excesso de cobrança pelo funcionário ou a falta de pagamento ou pagamento a menos pelo devedor. A infração será formal quando um dos sujeitos agir contra a forma prescrito, isto é, contra os requisitos de procedimento, as chamadas formalidades regulamentares.12
Podemos verificar ainda, que as infrações substanciais vão atingir
diretamente o poder de tributar, enquanto as formais vão atingir o poder de regular e
regulamentar.
As infrações substanciais são punidas de modo a ser também indenizado
o tributo não pago, ao passo que as infrações formais acarretam somente uma
punição disciplinar.
As infrações fiscais em sua classificação em função do grau de
culpabilidade ficam assim definidas: as objetivas são as formais, as subjetivas, ou
substanciais podem ser culposas (negligência, imprudência ou imperícia) ou dolosas
(sonegação, fraude e conluio).
12 NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário. 14ª ed., São Paulo, Saraiva, 1995, p.198.
19
De acordo com o princípio da boa-fé, o contribuinte não pode ser punido
quando agiu baseado em instrução ou informação da autoridade competente,
quando sob consulta oponível ou quando eficazmente autodenuncia. Entre nós, há
mesmo textos de lei, farta jurisprudência administrativa e até acórdãos do Supremo
Tribunal, neste mesmo sentido.
Numa segunda classificação, feita em razão do grau de responsabilidade
temos:
a) Infrações objetivas: Seriam as infrações involuntárias
aquelas em que o agente ou responsável, embora não tendo culpa nem
intenção de praticar, no entanto era responsabilizado formalmente pela lei;
b) Infrações culposas: Quando o infrator, embora sem
intenção, agiu ou se omitiu, por negligência, imprudência ou imperícia,
sendo portanto culpado;
Exemplo de infração formal culposa: um comerciante, ao vender um produto sujeito ao ICM, por si ou por meio de seu mandatário ou empregado, emite uma nota fiscal de modelo errado. Ocorrerá uma infração regulamentar, da qual ele é responsável porque a praticou ou porque foi praticada por seu preposto, e ele preponente responde neste caso pelo ato do preposto, por culpa: foi ele que escolheu o empregado (culpa in eligendo), a ele incumbia fiscalizar seu empregado (culpa in vigilando).Exemplo de infração substancial culposa: o contribuinte, obrigado a pagar um imposto, paga-o erradamente, por erro de cálculo, de interpretação sua etc.13
13 Op. Cit. P.200.
20
c) Infrações dolosas: Ocorrem quando o infrator age
deliberadamente contra a lei, com intenção de conseguir o evento ilícito.
Dentre as infrações dolosas mais típicas, previstas na legislação, estão as
figuras da sonegação, fraude e conluio. Estamos aqui diante dos crimes
fiscais, os quais abordaremos mais detalhadamente.
2.2. ESPÉCIES DE CRIMES TRIBUTÁRIOS
Ainda que o princípio geral, no campo das infrações tributárias, seja o da
responsabilidade objetiva, o legislador não está tolhido de criar figuras típicas de
infrações subjetivas. São elas a sonegação, a fraude e o conluio, além daquelas em
que se eleger a culpa (nos aspectos da negligência, imprudência ou imperícia),
como ingrediente necessário do tipo penal.
A legislação define os três ilícitos dolosos: sonegação, fraude e conluio,
dos quais falaremos a seguir.
2.2.1. SONEGAÇÃO
“Sonegação é toda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou
retardar, total ou parcialmente, o conhecimento por parte da autoridade fazendária
(Lei nº 4.502/64, art. 71):
I. da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária
principal, sua natureza ou circunstâncias materiais;
II. das condições pessoais do contribuinte, suscetíveis de
afetar a obrigação tributária principal ou o crédito tributário
correspondente”.
A sonegação, como se pode observar, somente pode ocorrer em
relação a fato gerador já realizado. O que é sonegado, escondido, é o conhecimento
21
ao fisco da realização do fato gerador, da sua natureza ou das suas circunstâncias
materiais ou das condições pessoais do contribuinte, que haverá de proceder
dolosamente. Não pode cometer sonegação quem não chegue a realizar o fato
gerador, porque somente ele faz nascer objetivamente a obrigação e ser
subjetivamente atribuída a alguém.
2.2.2. FRAUDE
“Fraude é toda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar,
total ou parcialmente a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal,
ou excluir ou modificar as suas características essenciais, de modo a reduzir o
montante do imposto devido, ou a evitar ou diferir o seu pagamento” ( Lei nº
4.502/64, art. 72).
Na fraude a ação ou omissão visa surrupiar o pagamento do imposto
devido, reduzi-lo, evitá-lo, ou retardá-lo. A sonegação procura impedir a apuração da
obrigação tributária principal, enquanto a fraude impede o pagamento do tributo já
devido. A obrigação nascida e o crédito apurado e formalizado constituem,
respectivamente, direito material e formal da Fazenda.
2.2.3. CONLUIO
“Conluio é o ajuste doloso entre duas ou mais pessoas, naturais ou
jurídicas, visando os efeitos da sonegação ou da fraude” (Lei 4.502/64, art. 73).
Sendo assim, não seria preciso referir a ajuste doloso, uma vez que a
sonegação e a fraude já encerram a intenção deliberada de obter o resultado ou de
assumir o risco de produzi-lo. Em todo o caso, para que haja conluio, necessário se
faz a presença de dois ou mais agentes, com personalidades jurídicas distintas –
22
pessoas físicas ou jurídicas, que concertam praticar a sonegação e a fraude, em
benefício de uma, de algumas, ou de todas.
O quadro das infrações subjetivas, ou crimes fiscais, não se exaure nos
ilícitos que têm no dolo um elemento imprescindível da sua compostura típica.
Sempre que o legislador introduzir a culpa, na modalidade da negligência, da
imprudência ou da imperícia, dentro da descrição normativa da infração tributária,
estaremos perante um fato infringente de caráter subjetivo.
2.3. SANÇÕES APLICADAS AOS CRIMES FISCAIS
A consciência popular reluta em admitir que as infrações fiscais possam
configurar um ilícito criminoso, vendo antes na ação ou omissão contrária às leis
fiscais uma forma de defesa da liberdade natural contra as coações fiscais.
Alguns autores, que defendem a inflição de pena privativa da liberdade
nos chamados crimes de sonegação, ressaltam que nesses casos ela se justifica,
em primeiro lugar, porque se está punindo o delinqüente pela desobediência às
ordens do Estado; e mais ainda, a dívida fiscal que deixa de ser paga
fraudulentamente é afinal dinheiro público destinado a aplicação em finalidades do
bem-estar coletivo e aquele que descumpre esse dever cívico, não só prejudica a
comunidade, mas também os contribuintes honestos que por isso mesmo vão
ficando mais onerados. Daí essa penalidade não dever ser confundida com a da
prisão por dívida.
Sobretudo, se essas razões de ordem pública são por esse lado
procedentes, o fato é que essa pena, ao mesmo tempo que visa tutelar os valores
públicos e sociais, em verdade também pune o não- pagamento da dívida ao fisco,
tanto que a legislação prevê certas hipóteses em que o pagamento elide a
criminalidade.
23
As penas previstas na Lei nº 8.137/90, que define crimes contra a ordem
tributária, econômica e contra as relações de consumo, vão da reclusão de dois a
cinco anos e multa para infrações de maior potencial ofensivo, e da detenção de seis
meses a dois anos , e multa, para infrações de menor potencial ofensivo aos
interesses Fazendários.
Na mesma lei, estão previstos também crimes praticáveis por funcionários públicos contra a ordem tributária, ex: extraviar livro oficial, processo fiscal ou qualquer documento, de que tenha guarda em razão da função; sonegá-lo ou inutilizá-lo, total ou parcialmente, acarretando pagamento indevido ou inexato de tributo ou de contribuição social.Os crimes contra a ordem tributária praticados por funcionários públicos, acarretam penal de:
a) reclusão de três a oito anos, e multa – na hipótese dos incisos I e II do art. 3º;
b) reclusão de um a quatro anos, e multa – na hipótese do inciso III do mesmo artigo.14
Na mente e no sentimento do povo contribuinte, por todo o exposto,
jamais essa pena deixou de estar associada à idéia da prisão por dívida e, de modo
geral, repugna a consciência.
Não só a extensão, mas sobretudo a complexidade das obrigações tributárias impostas por meio de uma legislação não só muito instável, mas sobretudo complexa e referta de dúvidas, causando um generalizado estado de incerteza, poderia autorizar o mesmo Poder Público, principal responsável por essa situação, a exigir o cumprimento por meio de penas privativas da liberdade? Mesmo nos países em que se configuram e se punem crimes tributários, a
14 LIMA, Lauro da Costa. Lições de Direito Tributário. Goiânia, Max Gráfica e Editora, 2003, p.94.
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jurisprudências revela escassa aplicação e grande cautela dos órgãos fiscais e tribunais judiciários nessa imposição de pena privativa de liberdade.Mais recomendável que a inflição de penas tão graves seria a melhoria da legislação, dos serviços de fiscalização e orientação consultiva, da justiça fiscal, da conscientização dos obrigados e, sobretudo, a da boa aplicação dos dinheiros públicos. 15
CAPÍTULO 3
EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE
O art. 107 do Código Penal enumera os casos de extinção de
punibilidade, englobando casos que ocorrem antes e depois da sentença, como a
morte do agente, a anistia, graça ou indulto, a prescrição, a retroatividade da lei mais
benigna, entre outras. Essas situações têm inteira aplicação no âmbito dos crimes
tributários, veremos algumas, mais relevantes a seguir.
3.1. RETROATIVIDADE DA LEI BENIGNA
A Lei nº 8.137/90, em seu art.14, a exemplo do art. 2º da Lei nº 4.729/65,
dispunha que “ extingue- se a punibilidade dos crimes definidos nos arts. 1º e 3º
quando o agente promover o pagamento de tributo ou contribuição social, inclusive
acessórios, antes do recebimento da denúncia”.
Esse artigo foi revogado pela Lei nº 8.383/91. Mas em razão do princípio
da ultra- atividade das normas penais, essa disposição tem inteira aplicação em
relação aos fatos ocorridos durante sua vigência, extinguindo a criminalidade desses
fatos.
15 Op. Cit. P. 211.
25
Em 1995, foi promulgada a Lei nº 9.249 que, em seu art. 34, reintroduziu
a extinção da punibilidade dos crimes contra a orcem tributária e de sonegação
fiscal, na hipótese de pagamento, pelo agente, de tributo ou contribuição social (que
também é tributo), antes do recebimento da denúncia.
A extinção da punibilidade de que cuida o art. 34, supra citado, aplica-se
aos casos definitivamente julgados, ou seja, atinge os efeitos da sentença
condenatória com trânsito em julgado, enquanto não esgotada a fase de execução,
com o cumprimento da pena imposta. A relação jurídico- penal, instaurada com o
recebimento da denúncia, persiste durante a execução da pena, que se constitui na
etapa final da ação penal condenatória. Da mesma forma, a relação jurídico-
tributária que se instaura com a ocorrência do fato gerador só se extingue com o
pagamento do tributo devido. Também os demais atos previstos no art. 156 do CTN
extinguem o crédito tributário e por conseqüência a relação jurídico- tributária entre
fisco e contribuinte.
Concluindo, a aplicação retroativa do art. 34 da Lei nº 9.249/95 abrange
hipótese de sentença condenatória com trânsito em julgado, desde que resultante de
denúncia recebida após o pagamento do tributo devido.
3.2. ANISTIA
Anistia é o perdão de infrações, do que decorre a inaplicabilidade da
sanção. Não é a sanção que é anistiada; o que se perdoa é o ilícito; que sendo
perdoado deixa de ter lugar a sanção; o perdão portanto, toma lugar da sanção,
impedindo que esta seja aplicada.
A anistia não elimina a antijuridicidade do ato; ele continua
correspondendo a uma conduta contrária à lei; o que ocorre é que a anistia altera a
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conseqüência jurídica do ato ilegal praticado, ao afastar, com o perdão, o castigo
cominado pela lei.
A constituição (art. 150, § 6º, na redação da EC 3/93) exige lei específica
para dispor sobre anistia. O art. 195, § 11 (na redação da EC Nº 20/98) veda anistia
de certas contribuições sociais em montante superior ao fixado em lei
complementar.
O Código Tributário Nacional pôs a anistia no título relativo ao “crédito tributário”, no esdrúxulo capítulo atinente à “ exclusão do crédito tributário”, ao lado da isenção (art. 175).A lógica desse posicionamento está em que o Código: a) misturou tributo com penalidade pecuniária (art. 113, § 1º, art. 142); b) entendeu que o lançamento constitui o crédito tributário (art. 142); c) ponderou que a isenção e a anistia impedem que o Fisco lance o “crédito Tributário”, e, por essa razão, d) acreditou que esses dois institutos teriam a virtude de “excluir” o crédito tributário ( não atentando para o fato de o crédito estar sendo excluído antes mesmo de existir, no conceito do art. 142).16
A anistia, exclui a punibilidade da infração. O fato de, eventualmente, o
Fisco já ter notificado o infrator para recolher penalidade pecuniária aplicável à
infração também não impede o reconhecimento da anistia, embora, nessa hipótese,
segundo a visão do CTN, o crédito tributário já estivesse constituído.
Concluindo, em relação a extinção da punibilidade, mesmo na ausência
de norma prevendo a referida extinção, há a regra do art. 138 do Código Tributário
Nacional, no sentido de que o pagamento do tributo antes do início de qualquer
procedimento fiscal ou medida de fiscalização relacionados com a infração exclui a
responsabilidade e, portanto, afasta qualquer possibilidade de punição, não apenas
16 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 9ª ed., São Paulo, Saraiva, 2003, p.441.
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de natureza administrativa mas, igualmente, a criminal. Aliás, seria inconcebível que
o Estado estimulasse o infrator a regularizar sua situação fiscal, acenando- lhe com
a dispensa de sanções administrativas, e aproveitasse a denúncia espontânea para
prender o infrator. Isso traduziria inominável deslealdade, incompatível com a idéia
de Estado de Direito.
O art. 100, parágrafo único do CTN, determina a exclusão de
penalidades, a cobrança de juros de mora e atualização do valor monetário da base
de cálculo do tributo, no caso de observância das normas complementares.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante da exposição e análise dos assuntos estudados, observa-se a lenta
tendência de melhoria no sistema jurídico brasileiro que regula a aplicação de
sanções aos ilícitos tributários. Em relação à legislação anterior, houve melhoria em
várias áreas dessa temática, principalmente com a introdução de institutos jurídicos ,
que fortalecem os critérios para a responsabilização dos fiscais da tributação,
ficando eles menos impunes pelos seus atos de má orientação consultiva ou
fiscalização.
As indicações precisas dos sujeitos do vínculo e a forma de calcular-se o
montante das penalidades aplicáveis ou a delimitação do dever infringido pela
prática ilícita, tudo isso vamos encontrar nos critérios do conseqüente : pessoal –
sujeito ativo e passivo; e quantitativo – base de cálculo e percentagem da multa, ou
a quantia fixa prevista na lei , ou ainda, as específicas formas de cumprimento do
dever jurídico ( de fazer ou de não- fazer). Usamos quantitativo aqui nas acepções
de quantificar o valor pecuniário e de quantificar a forma e a intensidade do dever.
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Diversos problemas emergem da falta de conhecimento, por parte dos
servidores, gerando a insatisfação e a perplexidade dos contribuintes, é claro que
existem aqueles que agem de má-fé, mas na maioria dos casos o que falta é uma
visão mais generalizada do Sistema Tributário e da Administração tributária, como
instrumentos de trabalho, de cada um, no dia-a-dia.
Diante da necessidade de limitar a extensão deste trabalho, fica acima de
tudo, a intenção de despertar a discussão sobre o assunto, principalmente no âmbito
da fiscalização Fazendária, pois, propositadamente relacionei os ilícitos tributários
punidos pela administração e pela esfera penal, sem contudo analisá-los em
profundidade.
Finalmente, a meu sentir, é de suma importância que a Administração
Fazendária atente para a necessidade de, sistematicamente, proporcionar aos seus
servidores e contribuintes, uma visão mais ampla do sistema tributário e das
conseqüências do não- pagamento dos tributos ora analisados.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Financeiro e Tributário. São Paulo:
Atlas, 1994.
HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário, 10ª ed. São Paulo: Atlas, 2002.
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2003.
NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário, 10ª ed. São Paulo:
Saraiva, 1991.
JARDIM, Eduardo Marcial Ferreira . Manual de Direito Financeiro e Tributário, 6ª
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CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, 14ª ed., São Paulo:
Saraiva, 2002.
PINTO, Antônio Luiz de Toledo e outros . Código Tributário Nacional / mini, 9ª ed.,
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SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico, 19ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2002.
BRASIL, Constituição 1988. Constituição da República Federativa do Brasil,
Brasília, subsecretaria de Edições Técnicas, 2001.
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