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UNIVERSIDADE DE SO PAULO
INSTITUTO DE FSICA
FACULDADE DE EDUCAO
JOSIAS ROGERIO PAIVA
MLTIPLAS REPRESENTAES NA CONSTRUO DO CONHECIMENTO
CIENTFICO ESCOLAR
SO PAULO
2015
JOSIAS ROGERIO PAIVA
MLTIPLAS REPRESENTAES NA CONSTRUO DO CONHECIMENTO
CIENTFICO ESCOLAR
Tese apresentada ao Programa de Ps-
Graduao em Ensino de Cincias da
Faculdade de Educao e do Instituto de Fsica
da Universidade de So Paulo, como requisito
parcial obteno do ttulo de Doutor em
Ensino de Cincias, na Modalidade Ensino de
Fsica.
Orientadora: Profa. Dra. Anna Maria Pessoa
de Carvalho
So Paulo
2015
AUTORIZO A REPRODUO E DIVULGAO TOTAL OU PARCIAL
DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRNICO,
PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.
FICHA CATALOGRFICA
Preparada pelo Servio de Biblioteca e Informao do Instituto de Fsica da
Universidade de So Paulo
Paiva, Josias Rogerio
Mltiplas Representaes na Construo do Conhecimento Cientfico Escolar.
So Paulo, 2015.
Tese (Doutorado) Universidade de So Paulo.
Faculdade de Educao, Instituto de Fsica, Instituto de Qumica e Instituto de
Biocincias.
Orientador: Profa. Dra. Anna Maria Pessoa de Carvalho
rea de Concentrao: Ensino de Cincias
Unitermos: 1. Fsica Estudo e Ensino; 2. Representao; 3. Ensino e
aprendizagem; 4. Gestos; 5. Argumentao; 6. Desenho
USP/IF/SBI-009/2015
JOSIAS ROGERIO PAIVA
MLTIPLAS REPRESENTAES EM UM PROCESSO DE CONSTRUO DO
CONHECIMENTO CIENTFICO ESCOLAR
Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao
Interunidades em Ensino de Cincias, na
Modalidade Ensino de Fsica, do Instituto de Fsica,
da Faculdade de Educao da Universidade de So
Paulo.
Aprovado em _______________
Profa. Dra. Anna Maria Pessoa de Carvalho
(Orientadora FE - USP)
Profa. Dra. Deise Miranda Viana (IF- UFRJ)
Prof. Dr. Paulo Csar de A. Raboni (UNESP)
Profa. Dra. Lcia Helena R. Sasseron (FE-USP)
Profa. Dra. Thas Cyrino de Mello Forato (Unifesp)
minha famlia.
AGRADECIMENTOS
Agradeo a Deus pelo que h em mim: minha histria, este meu sonho conquistado e
outros a conquistar.
Agradeo tambm:
minha famlia, minha base para crescimento. Aos meus pais, Pedro Paiva e Maria
Gomes Paiva. minha esposa, Claudia, e aos meus filhos, Beatriz e Arthur, pela pacincia
em me dividir com livros, artigos e computadores. Aos meus irmos: Renato e Cristina,
Rosana e Marcos, Elizandra e Pedro, Paulo e Dbora, Luciana e Rafael, e aos meus sobrinhos.
minha orientadora, Profa. Dra. Anna Maria Pessoa de Carvalho, pela orientao,
auxlio e pacincia. Uma das pessoas de quem falo com muito orgulho de ter conhecido. ,
para mim, um exemplo de tica, responsabilidade e compromisso com o trabalho e com o
ensino de cincia.
Ao meu companheiro Nelson Barrelo Junior, um grande amigo nestes ltimos anos de
trabalho.
Aos professores com os quais tive contato durante minha vida acadmica,
principalmente na USP: Mauricio Pietrocola, Lcia Sasseron, Cristiano Mattos, lio Ricardo,
Nobuko Ueta, Osvaldo Pessoa Jr., Jesuna Pacca, Isabel Martins, Lus Carlos Menezes.
Aos vrios amigos do LaPEF e do Instituto de Fsica: Wellington, Joo, Andr, Sidnei,
Tadeu, Andrey, Luclia, Paulo Raboni, Arthur, Tatiane, Carla, Luciana, Seiji, Emerson,
Viviane, Candida Capechhi, Alexandre, Ruy, Cristina Paternostro, Maxwell, Guilherme,
Estevan, Alex, Jacson, Nicole, Sidney, Amanda, Jorge, Osvaldo, rika, Carolina, Fabio, Lus
Paulo, George, Vitor, lcio, Luclia, Leandro, Marianizete, Vivane, Ivan Gurgel, Ivani, Thas,
Renata, Sidnei Percia, Las, Felipe, Bruno.
RESUMO
PAIVA, Josias Rogerio. Mltiplas Representaes na Construo do Conhecimento
Cientfico Escolar. So Paulo, 2015. Tese (Doutorado em Ensino de Cincias, na Modalidade
Ensino de Fsica) USP, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2015.
Essa pesquisa inicia-se pela considerao na literatura da rea, de ensino de fsica, sobre as
perspectivas dadas a algumas formas de representaes, no contexto da construo do
conhecimento cientfico, realizada no campo dos especialistas e nas pesquisas que relatam a
sala de aula. As representaes visuais distinguveis nesta pesquisa so as esboadas pelos
alunos, as que se notam na simulao computacional e as gestuais: os gestos alm das
representaes gestuais icnicas possibilitam mediaes com outras representaes
empregadas em aula, por isso, sero considerados os gestos diticos, os movimentos ergticos
e epistmicos; outra forma observada de mediao para a construo de conhecimento sero as
analogias empregadas. Entre as hipteses desta pesquisa est, que a sala de aula em que se
propicia um ensino, onde mais se evidencia tanto a construo de conhecimento, quanto um
carter multimodal de representaes ser aquela cuja metodologia empregada de ensino
por investigao. Em face disso, definem-se as caractersticas desse ensino, desde suas
concepes histricas iniciais quando compreendidas como a aplicao do mtodo cientfico,
com problema, hipteses, teste das hipteses e concluso, at as concepes contemporneas
em que se consideram aspectos da natureza da cincia, alm da argumentao, a
multimodalidade e as relaes CTS. Para a representao verbal, expressando tanto o
conhecimento construdo quanto as reflexes sobre o processo de construo, considerou-se se
a fala dos alunos se enquadra no padro hipottico-dedutivo apresentado por Lawson (2002;
2004). Os dados para a realizao desta pesquisa provm da observao e de materiais
produzidos em sala de aula bem como das transcries do registro audiovisual dessas aulas.
Categorizadas as representaes e classificadas quanto sua posio junto a elementos dos
padres de argumentao hipottico-dedutivo, apresentar-se- uma soluo para o problema
Como mltiplas representaes atuam na construo do conhecimento cientfico em sala de
aula. Mltiplas representaes e interaes foram usadas principalmente na proposio da
hiptese e no planejamento e execuo dos testes; o emprego de atividade favorecendo o uso
de vrias representaes no qualifica um ensino como investigativo; se colocado
disposio, os alunos utilizam em suas atividades, principalmente nas construes de
conhecimento; as transies entre as formas de mediao e de representaes obedecem a um
padro de continuidade e de uniformidade.
Palavras-chave: Mltiplas representaes. Ensino por investigao. Ensino de Fsica.
Argumento hipottico-dedutivo. Gesto. Desenho.
ABSTRACT
This research begins by considering the literature in the field of physical education on
prospects given to some forms of representations in the context of construction of scientific
knowledge, carried out in the field and experts in research that reports the classroom. The
distinguishable visual representations in this research are the pictorial outlined by the
students, the visually represented in computer simulation and sign iconic representations;
gestures beyond the iconic gestural representation possible mediations with other
representations used in class, so they are considered the deictic gestures, ergot and epistemic
movements; other form of mediation for the construction of knowledge will be the use of
analogies. Among the hypotheses of this research is that the classroom that provides an
education, where the evidence of both the construction of knowledge, as a multimodal
character representations will be the one whose methodology is learning by inquiry. So let's
define the characteristics of this teaching, from their initial historical conceptions when
understood as the application of the scientific method, problem, hypothesis, testing of
hypotheses and conclusion, to contemporary conceptions that also consider aspects of science
nature beyond argument, multimodality and CTS relations. For verbal representation,
expressing both knowledge built as reflections on the construction process, we consider how
the speech of students falls within the hypothetical-deductive pattern presented by Lawson
(2002 and 2004). Data for this survey out of observation and materials produced in the
classroom, in addition to transcripts of audio-visual record of these classes. Categorized
representations and classified according to their position along the elements of the
hypothetical-deductive reasoning patterns, we present a solution to the problem How
multiple representations work in the construction of scientific knowledge in the classroom.
Keywords: Multiple representations. Education for inquiry. Physical Education. Hypothetical-
deductive argument. Gesture. Drawing.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Primeiro desenho da Lua feito por Thomas Harriot .................................... 32
Figura 2a Imagens das fases da lua, com autoria atribuda a Galileu ........................ 33
Figura 2b A superfcie lunar representada no livro Sidereus Nuncius.......................33
Figura 3 O segundo desenho de Thomas Harriot da superfcie lunar ........................ 34
Figura 4 Esquema desenhado por Einstein em uma carta para um amigo ................ 35
Figura 5 Representaes da interao entre eltrons ................................................. 37
Figura 6 Representao do caminho ctuplo ............................................................. 38
Figura 7 Representao pictrica de um grupo de de ................................................ 42
Figura 8 Penetraes das radiaes na matria ( esquerda) ..................................... 44
Figura 9 Esquema do padro de argumentao de Toulmin com D,W e C ............... 70
Figura 10 Padro de argumentao de Toulmin com D,W,B,R,Q e C ...................... 70
Figura 11 A proposta da atividade no TAP ............................................................... 91
Figura 12 Fotografia dos alunos simulando o encaixe dos dentes de uma engrenagem
.................................................................................................................................... 121
Figura 13 Fotografias dos turno T.122 ..................................................................... 132
Figura 14 Fotografias do turno T.140 ...................................................................... 137
Figura 15 Fotografias do turno T.162 ...................................................................... 139
Figura 16 Fotografias do turno T.198 ...................................................................... 140
Figura 17 Desenho do grupo .................................................................................... 146
Figura 18 Desenhos de todos os grupos .................................................................. 148
Figura 19 Ilustrao do applet .................................................................................156
Figura 20 A proposta da atividade no padro de argumentao de Toulmin ........ 174
file:///C:/Users/Josias/Downloads/Tese.Josias.Revisado.docx%23_Toc410623042
LISTA DE GRFICOS
Grfico 1 - Frequncia dos materiais citados no levantamento das hipteses ............ 106
Grfico 2 - Interaes iniciais ..................................................................................... 110
Grfico 3 - Interaes do turno T.6 ao turno T.62 ...................................................... 111
Grfico 4 - Interaes do turno T.63 ao turno T.161 .................................................. 136
Grfico 5 - Interaes do turno T.173 ao turno T.273 ................................................ 152
Grfico 6 - Interaes do turno T.273 ao turno T.441 ................................................ 154
Grfico 7 - Modos semiticos empregados pelo professor ........................................ 169
Grfico 8 - Interaes do turno T.246 ao turno T.320 ................................................ 190
Grfico 9 - Panorama dos grficos referente as interaes ......................................... 209
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Comunicao multimodal ........................................................................... 43
Quadro 2 - Sequncia didtica dualidade onda-partcula .......................................... 78
Quadro 3 - Transcrio da aula 1, turno 1 .................................................................... 86
Quadro 4 - Transcrio da aula 1, turno 3 .................................................................... 87
Quadro 5 - Perguntas de identificao .......................................................................... 93
Quadro 6 Perguntas sobre funes de partes da caixa ............................................... 93
Quadro 7 Perguntas sobre a localizao de partes da caixa ........................................ 94
Quadro 8 Perguntas sobre aes referentes ao desenho ............................................ 95
Quadro 9 Representaes e mediaes relativo ao problema .................................... 96
Quadro 10 Representaes e mediaes nas consideraes iniciais.......................... 97
Quadro 11 Representaes e mediaes para a esponja como hiptese .................. 100
Quadro 12 Destaque as mediaes com movimentos epistmicos .......................... 101
Quadro 13 Movimentos epistmicos para mediao dos testes da hiptese ..................... 102
Quadro 14 Movimentos epistmicos para mediao dos testes da hiptese II ............... 105
Quadro 15 Fluxo das mediaes durante as primeiras interaes com a caixa ................ 109
Quadro 16 A presena de um elemento com elasticidade na caixa ......................... 112
Quadro 17 Analogia tendo como referente o mecanismo de uma bicicleta ..................... 116
Quadro 18 Testes empregando movimentos ergticos e epistmicos ..................... 117
Quadro 19 - Transio entre modos semiticos ...................................................... 118
Quadro 20 Empregando representaes gestuais icnicas ...................................... 119
Quadro 21 A analogia com o acoplamento de engrenagens .................................... 122
Quadro 22 Refutaes na analogia empregada ........................................................ 122
Quadro 23 Demanda de ateno visual s representaes pictricas ...................... 125
Quadro 24 Proposio da mola como hiptese ........................................................ 127
Quadro 25 Uma nova classe de questes ................................................................. 129
Quadro 26 Testes relacionados ao elstico .............................................................. 130
Quadro 27 Procurando relao causal ..................................................................... 131
Quadro 28 A necessidade de completar um argumento .......................................... 132
Quadro 29 Fluxo das mediaes durante o emprego de diversas analogias ................... 135
Quadro 30 O incio da construo da representao pictrica................................. 137
Quadro 31 Para desvendar a funo do prego ........................................................ 139
Quadro 32 Ao comunicar o resultado parcial da investigao ................................ 139
Quadro 33 Compreenso que o problema aberto .................................................. 141
Quadro 34 Consideraes sobre a esttica da representao pictrica .................... 143
Quadro 35 Consideraes sobre a legenda da representao pictrica ................... 143
Quadro 36 Fluxo das interaes do turno T.173 ao turno T.273 ............................. 151
Quadro 37 Fluxo das interaes do turno T.274 ao turno T.427 ............................. 153
Quadro 38 Seo da sequncia didtica sobre o efeito fotoeltrico ........................ 155
Quadro 39 Seo da sequncia didtica sobre o efeito fotoeltrico ........................ 158
Quadro 40 Apelo ao aspecto visual da simulao ................................................... 158
Quadro 41 Aplicao tecnolgica do efeito fotoeltrico ......................................... 160
Quadro 42 Definio do efeito fotoeltrico ............................................................. 161
Quadro 43 Classificao das perguntas ................................................................... 163
Quadro 44 Panorama da categorizao das perguntas ............................................. 165
Quadro 45 Vrias recolocaes de uma pergunta .................................................... 166
Quadro 46 Destaques ateno dada ao aspecto visual do applet .......................... 170
Quadro 47 Fluxo das interaes com os vrios modos semiticos ......................... 172
Quadro 48 Retomada das orientaes ao primeiro grupo ........................................ 175
Quadro 49 Um termo especfico da cincia ............................................................. 176
Quadro 50 - Modos semiticos na orientao do professor ....................................... 177
Quadro 51 Orientao para leitura de detalhes do applet ........................................ 179
Quadro 52 Orientao sobre registro dos dados ...................................................... 181
Quadro 53 Uma varredura no espectro exposto no applet ....................................... 182
Quadro 54 Alternando entre o topolgico e o tipolgico ........................................ 185
Quadro 55 Aspectos visuais relacionados energia dos eltrons ejetados ...................... 187
Quadro 56 Fluxo de interaes dos alunos do grupo 2 ............................................ 191
Quadro 57 Sugesto do professor para que os alunos faam uma tabela ................ 192
Quadro 58 Transcrio dos dados observados pelos alunos .................................... 193
Quadro 59 A leitura da tabela .................................................................................. 196
Quadro 60 Encerramento da atividade .................................................................... 197
Quadro 61 Representaes e mediaes na construo do raciocnio ..................... 204
Quadro 62 Estrutura do raciocnio, representao e mediao ................................ 205
Quadro 63 Graduao para as fases do processo investigativo ............................... 206
Quadro 64 Graduao para as fases do processo investigativo ............................... 208
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Graduao para aspectos da Natureza da cincia ........................................ 60
Tabela 2 - Graduao para o problema ......................................................................... 64
Tabela 3 - Graduao para as hipteses ........................................................................ 65
Tabela 4 - Graduao para o plano de trabalho ............................................................ 67
Tabela 5 - Graduao para organizao dos dados ....................................................... 67
Tabela 6 - Graduao para a anlise e/ou concluso .................................................... 68
Tabela 7 - Graduao para o processo argumentativo .................................................. 74
Tabela 8 - Valores do IDESP para a escola "Francisca Ldia de Araujo Pereira" ................. 81
Tabela 9 - Graduao para o uso de mltiplas representaes ..................................... 85
Tabela 10 - Frequncia de hipteses sobre a presena de um elemento elstico .................. 115
Tabela 11 - Frequncia dos tipos de perguntas ........................................................... 166
Tabela 12 - Frequncia de termos da cincia empregado pelo professor ................... 168
Tabela 13 - Modos semiticos na expresso do professor ......................................... 169
Tabela 14 - Modos semiticos empregado pelos alunos ............................................ 191
Tabela 15 - Dados declarados pelos alunos ................................................................ 195
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AAAS American Association for the Advancement of Science
BSCS Biology Science Curriculum Study
CERN Conseil Europen pour la Recherche Nuclaire - European Council
for Nuclear Research / European Organization for Nuclear Research
CEU Centro Educacional Unificado
Chem Study Chemical Education Materials Syudy
CTS Cincia, Tecnologia e Sociedade
EF Ensino Fundamental
EM Ensino Mdio
ESS Elementary Science Study
Fapesp Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo
IBECC Instituto Brasileiro de Educao, Cincia e Cultura
IDESP ndice de Desenvolvimento da Educao do Estado de So Paulo
IDH ndice de Desenvolvimento Humano
LaPEF Laboratrio de Pesquisa e Ensino de Fsica
MIT Massachusetts Institute of Technology
NRC National Research Council
PSSC Physics Science Study Committe
SARESP Sistema de Avaliao de Rendimento Escolar do Estado de So
Paulo
SCIS Science Curriculum Study
SEE Secretaria da Educao do Estado
SEI Sequncia de Ensino Investigativo
TAP Toulmin Argumentation Patern (Padro de argumentao de Toulmin)
UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul
USP Universidade de So Paulo
SUMRIO
INTRODUO ...................................................................................................................... 18
1 - MLTIPLAS REPRESENTAES .............................................................................. 22
1.1 POR QUE VRIAS REPRESENTAES? ..................................................................... 23
1.2 NO CONTEXTO DAS CONSTRUES CIENTFICAS ............................................... 27
1.3 VARIADAS REPRESENTAES NAS CONSTRUES CIENTFICAS ................... 31
1.4 O USO DE VRIAS REPRESENTAES NA CONSTRUO DO
CONHECIMENTO CIENTFICO ESCOLAR.......................................................... 38
1.5 REPRESENTAES GRFICAS .................................................................................... 45
1.6 REPRESENTAES MATEMTICAS .......................................................................... 47
1.7 REPRESENTAES GESTUAIS .................................................................................... 50
2 ENSINO POR INVESTIGAO ...................................................................................... 55
2.1 A ARGUMENTAO ...................................................................................................... 68
2.1.1 A argumentao empregando categorias de Toulmin ............................................... 69
2.1.2 A argumentao empregando o padro hipottico-dedutivo .................................... 73
3 METODOLOGIA DA PESQUISA .................................................................................... 75
3.1 OS DADOS DA PESQUISA ............................................................................................. 78
3.2 METODOLOGIA DA PESQUISA .................................................................................... 79
3.3 CARACTERIZAES DAS FONTES DOS DADOS ..................................................... 79
3.3.1 A caracterizao da escola ............................................................................................... 79
3.3.2 Caracterizao do professor ......................................................................................... 82
3.3.3 Caracterizaes dos alunos ........................................................................................... 83
3.3.4 Consideraes em nossa anlise ................................................................................... 83
4 ANLISE ............................................................................................................................. 86
4.1 AULA COM A ATIVIDADE CAIXA PRETA ............................................................. 86
4.1.1 Primeiro episdio: a problematizao ......................................................................... 86
4.1.1.1 A argumentao na proposta do professor ................................................................... 90
4.1.1.2 Para onde nos leva o problema ..................................................................................... 96
4.1.2 Segundo episdio os primeiros contatos dos alunos com o material ...................... 97
4.1.3 As transies durante as proposies das primeiras hipteses ............................... 107
4.1.4 Terceiro episdio o elstico ...................................................................................... 112
4.1.5 Quarto episdio a bicicleta....................................................................................... 116
4.1.6 Quinto episdio a mola ............................................................................................. 127
4.1.7 Um olhar no fluxo das aes ....................................................................................... 134
4.2 A CONSTRUO DO DESENHO ................................................................................. 137
4.2.1 O desenho dos alunos .................................................................................................. 143
4.3 A SATISFAO DE FAZER CINCIA ........................................................................ 149
4.4 A TERCEIRA SEO DO FLUXO DE INTERAES ............................................... 149
4.5 A AULA SOBRE O EFEITO FOTOELTRICO ............................................................ 154
4.5.1 A simulao empregada .............................................................................................. 156
4.5.2 A proposio do problema .......................................................................................... 157
4.5.2.1 Classificao para as formas de perguntas ................................................................. 162
4.5.2.2 Os modos de comunicaes empregados pelo professor............................................ 168
4.5.2.3 A proposta do problema enquadrada no TAP ............................................................ 173
4.5.3 Interao do professor com o grupo .......................................................................... 174
4.5.3.1 O primeiro grupo a usar o simulador .......................................................................... 174
4.5.3.2 O segundo grupo a usar o simulador .......................................................................... 177
4.5.3.3 A ao dos alunos junto ao applet .............................................................................. 181
4.6 A ORGANIZAO DOS DADOS REFERENTES SIMULAO ........................... 192
4.7 UM OLHAR TRANSVERSAL NAS ATIVIDADES ..................................................... 198
CONSIDERAES FINAIS ............................................................................................... 211
REFERNCIAS ................................................................................................................... 215
ANEXOS ............................................................................................................................... 224
18
INTRODUO
Nos ltimos anos, durante a elaborao e o desenvolvimento de projetos temticos
financiados pela Fundao de Amparo Pesquisa do estado de So Paulo (Fapesp) no
Laboratrio de Pesquisa e Ensino de Fsica (LaPEF), da Faculdade de Educao da
Universidade de So Paulo (USP), considerou-se necessria a implementao de novos
contedos de fsica: contedos da fsica moderna e contempornea nos cursos de Ensino
Mdio. Essa perspectiva de insero de novos contedos surgiu durante a participao no
grupo que elaborara um trabalho sobre o ensino de termodinmica, no projeto Melhoria da
qualidade de Ensino de Fsica no Ensino Mdio, sob a coordenao da Professora Doutora
Anna Maria Pessoa de Carvalho, e foi desenvolvido, posteriormente, nos trabalhos do
referido grupo no projeto intitulado A Transposio Didtica das Teorias Modernas e
Contemporneas para a Sala de Aula, sob a responsabilidade do Prof. Dr. Maurcio
Pietrocola. Procurou-se introduzir contedos de fsica moderna no Ensino Mdio,
inicialmente em dois mdulos: Dualidade Onda-partcula e Fsica de Partculas.
Junto ao grupo, observou-se a necessidade de se validar com pesquisas no ensino de
cincias algumas das atividades desenvolvidas e aplicadas em sala de aula. As pesquisas que
me despertaram interesse foram quelas relacionadas aos desenhos feitos pelos alunos. Um
direcionamento para o estudo da importncia dessa elaborao por parte dos alunos no ensino
foi despertado pela leitura do texto de Lemke (1998), o qual me instigou ainda mais sobre a
possibilidade de investig-los ao declarar que os desenhos fazem parte da linguagem da
cincia. O estudo do texto de Roth (2003), no qual apresentado um conceito de
transparncia, relacionando o processo de construo do aprendizado de cientistas com o
aprendizado em sala de aula, levando em conta que cientistas, no final de longas etapas de
trabalho, descrevem caractersticas de um fenmeno nos traos de um grfico.
Essas questes relacionadas ao uso de desenhos no ensino de fsica culminaram na
dissertao de mestrado Representaes pictricas no ensino de fsica moderna: uma
construo dos alunos, apresentada por este autor (PAIVA, 2010). Um dos pilotos no
desenvolvimento da atividade, j na pesquisa do mestrado, foi a construo de desenhos a
partir de um texto, recortado do livro Deve ser Brincadeira, Sr. Feynman!. Nesta obra,
Feynman, questionado a respeito da imagem que tinha das ondas eletromagnticas, passa a
descrever as variadas representaes pictricas e grficas que, comumente, encontram-se em
livros didticos ao expressarem grandezas fsicas e as relaes entre elas, associadas ao
campo eltrico e ao campo magntico. Foram entregues descries de Feynman, escritas em
19
trs pginas, e solicitou-se a alguns professores que representassem todas as imagens
expressas naquelas pginas. No livro, Feynman concluiu que no possua uma imagem para
representar esse ente fsico, mas um conjunto de representaes pictricas, matemticas e
grficas e que ao uni-las e transitar entre elas lhe davam a compreenso do que a onda
eletromagntica.
A utilizao de diferentes representaes para abordar o conhecimento consiste em
uma prtica comum no desenvolvimento das concepes cientficas e na construo do ensino
de cincias. Roth (2003) descreveu a prtica do grupo de cientistas, da qual participou, em
que, aps a frequente ao experimental e tratamento dos dados utilizando um software,
desenvolveu-se a competncia de leitura das representaes grficas empregadas na pesquisa.
Tanto Feynman (2000) quanto Roth (2003) esto inseridos no contexto do ensino de
cincias, abordando aspectos que tangem s linguagens empregadas no desenvolvimento do
conhecimento cientfico. Nessas e em outras perspectivas de ensino de cincias, delineia-se
um esforo no sentido de abandonar prticas extremamente tradicionais de ensino, que
privilegiam a excessiva carga de exerccios com carter exclusivamente na reproduo de
operaes matemticas, as quais, muitas vezes, resultam em frustraes para a maioria dos
alunos e na exaltao dos professores que conseguem resolv-los.
Esse empenho em mudar o ensino de Fsica no Brasil tem provocado uma maior
contextualizao dos temas estudados. Alm disso, o acesso informao tornou-se mais
democrtico: muitos tm acesso a livros e outras mdias que promovem discusses cientficas.
At para comunidades mais carentes, atualmente h livros, acesso internet, e programaes
culturais e cientficas em canais abertos e contratados por meio de assinatura. O acesso ao
livro tem sido promovido por ao governamental atravs do Programa Nacional do Livro
Didtico (PNLD), que os fornece aos alunos durante o ano letivo, em uma forma de
emprstimo. O principal objetivo do programa PNLD encontra-se expresso em sua pgina na
internet: subsidiar o trabalho pedaggico dos professores por meio da distribuio de
colees de livros didticos aos alunos da educao bsica.
Nas universidades, as pesquisas sobre a evoluo do ensino-aprendizagem, em
diversos campos tanto quanto no ensino de cincias, so tema permanente. Entre os resultados
desses esforos, est a editorao de novos contedos nos livros atuais. Outro aspecto de
transformao dos livros que se procura colocar o maior nmero de informaes possvel, s
vezes envolvendo relaes entre Cincia, Tecnologia e Sociedade (CTS), para gerar
referncias atualizadas s construes dos significados no contedo da fsica. Vale ressaltar
que determinados temas, em algumas obras didticas para o Ensino Mdio, vo ganhando
20
especificidades de cursos superiores. Alguns livros do Ensino Fundamental II apresentam
profundidade peculiar ao Ensino Mdio. E, principalmente, os contedos de fsica moderna e
contempornea so apresentados na forma de relatos, muitas vezes evidenciando rupturas,
uma alterao de perfil, em relao s caractersticas das obras em que tm sido enxertados.
Pretende-se com este discurso, mostrar que o ensino de cincias, de fsica, tornou-se
mais prximo ao aluno, medida que outras organizaes curriculares, materiais didticos, e
metodologias alternativas tm sido promovidos. O professor de fsica tem hoje a possibilidade
de discorrer a respeito de diversos avanos cientficos e tecnolgicos noticiados diariamente
nos meios de comunicao: a deteco do bson de Higgs, em debate no domingo noite na
TV e em canal aberto; o modelo padro; as experincias no CERN; a viagem e pouso da
Curiosity em Marte; a queda de um meteorito na regio de Tcheliabinsk na Rssia em
fevereiro de 2013. Esses e outros temas so veiculados na TV, na internet e na escola. Sem
dvida, a divulgao em multimdias tem favorecido as discusses sobre a construo das
cincias e sobre o ensino de cincias.
Hoje mais difcil encontrar frmulas sem contexto nos livros didticos de educao
bsica, pois esto vinculadas a outras informaes que auxiliam a compreenso do significado
do conhecimento ali sistematizado. Nessa maneira contempornea de se promover o
conhecimento, as pesquisas acadmicas apontam que merecem destaque a histria da cincia,
a multimodalidade, a epistemologia, a filosofia das cincias, as prticas experimentais, as
aes investigativas, a dialogia, a forma como feita a transposio didtica, a argumentao,
a enculturao cientfica e outras linhas abordadas em centros de pesquisa pelo pas afora.
Em virtude dessas formas de compreender a promoo do conhecimento cientfico,
reconhece-se que a epistemologia das cincias permeada por construes multimodais. E, se
na sala de aula vamos fazer cincia (JIMNEZ-ALEIXANDRE; RODRIGUEZ; DUSCHL,
2000), as prticas epistmicas da cincia devem estar presentes. Ferramentas mediadoras da
construo do conhecimento cientfico devem desempenhar algum papel na construo do
conhecimento cientfico escolar. Esse ensino j no pode ser simples exposio de novos
contedos. Naturalmente, precisa-se caracterizar que concepo de ensino-aprendizagem est
sendo considerada em sala de aula: De que sala de aula est se falando? Que aprendizagem
est sendo considerada? No a lgica de apenas resolver equaes algbricas, sem associar a
elas significados. Longe, portanto, de simplesmente decorar frmulas.
O objetivo, ao se enveredar nesta linha de pesquisa, compreender: Como essa
riqueza de modos semiticos de comunicao explorada na construo do conhecimento
cientfico escolar? Como mltiplas representaes so empregadas na mediao de
21
construes de conhecimento de cincias em sala de aula? Para responder a essas questes,
sero mapeados os diferentes gneros de representaes visuais: os desenhos elaborados em
aula; as imagens de applets em simulaes; as representaes gestuais durante a comunicao
em sala de aula; as maneiras de interao com essas representaes; e, finalmente, sero
sublinhados os papis que essas desenvolvem no discurso dos alunos e do professor.
No captulo 1, destacam-se as pesquisas com foco nas muitas formas de linguagem e
representao empregadas na construo do conhecimento cientfico, em duas abordagens: na
rea de ensino, que discorrem sobre situaes no contexto da construo do conhecimento
cientfico; e no ensino de cincias, cujo objeto de estudo est diretamente associado sala de
aula. Em seguida, tratam-se das representaes especficas: representaes imagticas, mas de
cunho pictrico, e esquemas; as representaes grficas; e as representaes matemticas.
Sempre mantendo, nas duas abordagens, um olhar na epistemologia da cincia e outro na
didtica das cincias.
No captulo 2, consideram-se os referenciais sobre o ensino por investigao, pois na
promoo de um ensino por investigao que potencialmente haver todos os objetos a
serem tomados como dados para esta pesquisa. No captulo 3, h a descrio da sequncia
didtica: a metodologia empregada na pesquisa; a caracterizao do professor, da escola e da
sala de aula; e a forma de tomada de dados.
No captulo 4 encontra-se a anlise: na primeira seo, a anlise da atividade com a
caixa preta; na segunda seo a anlise da atividade empregando a simulao do efeito
fotoeltrico; e na ltima seo do captulo, um olhar transversal baseado nos elementos de um
ensino por investigao.
22
1 MLTIPLAS REPRESENTAES
A premissa deste trabalho que o conhecimento cientfico se constri empregando
vrias representaes. Um nico gnero de linguagem no suporta expressar todas as
especificidades dos vrios conceitos da cincia. Os profissionais de cincias possuem essa
competncia de empregar vrias representaes ao trabalhar com um conceito, e aos alunos
devem ser propiciadas condies para que desenvolvam tal competncia. Ao longo desta tese,
discorrer-se- sobre o uso de diferentes representaes para descrio e compreenso de
conceitos cientficos no processo de ensino-aprendizagem em sala de aula, e em contextos em
que as construes dos especialistas em cincias revelam aspectos de seu processo de
cognio.
Na primeira abordagem, associada a situaes de cognio dos alunos, assume-se
como necessria para uma educao eficaz no contexto das cincias, onde se destaca a meta
proposta por Lemke:
O idioma natural de cincia uma integrao sinergtica de palavras, diagramas,
desenhos, grficos, mapas, equaes, tabelas, esquemas, e outras formas de
expresso visual e matemtica. [...] A meta de educao de cincia, que quero
discutir, deveria ser capacitar os estudantes para usar tudo destas linguagens de
modos significantes e apropriados, e, acima de tudo, poder integr-los
funcionalmente na conduta de atividade cientfica (LEMKE, 2002b, p. 166-168).
Para observar essa integrao sinergtica, vo se captar como dados na pesquisa as
palavras, os diagramas, os desenhos, os grficos, as possveis formas de interao dessas
variadas representaes e destacar como se associam construo de um conceito estudado.
A segunda abordagem a ser tecida envolve a cognio dos alunos, mas o contexto de
consideraes est voltado para o relato das construes do conhecimento cientfico,
associado aos especficos modos semiticos relevantes. A fim de se compreender a
perspectiva desse enfoque, nesta seo inicial apresenta-se Pessoa Jr. (2007) por explorar o
significado das representaes pictricas de orbitais atmicos e moleculares, em textos
didticos de qumica. O referido pesquisador aponta que, por meio da representao pictrica,
feito o primeiro contato do aluno do Ensino Mdio com a fsica quntica. Relata como trs
livros didticos exibem representaes pictricas com o intuito de auxiliar as descries dos
orbitais moleculares, descrevem essas imagens acompanhadas de informaes. Em seguida,
desenvolve vrias consideraes: procura-se reproduzir nos livros o aspecto visual visto que
as representaes matemticas tm caractersticas mais abstratas; enquanto que a teoria
quntica apresenta vrias interpretaes, inclusive algumas rejeitam a possibilidade de usar
23
representaes visuais. Alm disso, a mecnica quntica foi desenvolvida a partir de uma
abordagem da mecnica matricial com nfase nos resultados de medio sem se preocupar
com a visualizao, o que pode ser chamado de positivismo ou instrumentalismo; e da
mecnica ondulatria, que permitia um retrato intuitivo das medies e a observao visual de
uma realidade parecida com as representaes e imagens das ondas da fsica clssica e, por
isso, chamadas realistas. Pessoa Jr. declara: as vises realistas se adaptam bem a
representaes pictricas como as da figura. J para as vises positivistas, tais figuras so
vistas mais como um auxlio didtico do que como uma representao de tomos. (PESSOA
Jr., 2007, p.31)
No caso da pesquisa de Pessoa Jr. (2007), citam-se as ocasies em que o conceito tem
razes no formalismo matemtico, ou est associado a uma interpretao da mecnica quntica
que rejeita representao visual. Se o intento for uma correta representao da entidade, esses
limites representacionais fornecem formas de avaliar quando a representao visual
apropriada para comunicar um conceito, e, quando essas representaes comunicam apenas
alguns aspectos do conceito, portanto, torna-se necessrio outro modo representacional para
descrev-lo.
Como a pretenso a coleta de dados em um ambiente de ensino cujas variadas
representaes so manifestadas para entendimento e descrio de um conceito, esse ambiente
sala de aula deve ser favorecido por uma metodologia de ensino que privilegie aes com
essa finalidade. Em aulas cujo ensino se d por meio de investigao, encontra-se maior
participao dos alunos e, por extenso, maior oportunidade de coleta de suas respectivas
construes. Por isso, as aulas em que os dados foram tomados aplicam, a princpio, essa
metodologia. No captulo dois, esto descritas uma evoluo da concepo do ensino por
investigao e as justificativas pela opo de tomar os dados em aulas cujo ensino ocorra
segundo esses moldes.
1.1 POR QUE VRIAS REPRESENTAES?
H muitos estudos em ensino de cincias com consideraes acerca do uso de vrias
representaes para a construo do conhecimento de cincias em sala de aula. Alguns
empregam mais que um nico foco nos dados recolhidos, tal como linguagem verbal e gestos,
ou linguagem verbal e desenhos; outros procuram categorizar cada modo representacional
observando a integrao entre eles; outros, ainda, analisam o emprego de vrias
24
representaes na construo do raciocnio cientfico; mas poucos associam os diversos
modos representacionais a um conceito que esteja sendo estudado, como se pretende fazer
aqui. A seguir, a descrio de alguns desses estudos.
Lemke (1998) ao mencionar sobre dados obtidos em linguagem verbal, discute a
formao de questes, escolhas e adaptaes que os pesquisadores devem fazer para compilar
os dados de uma pesquisa. Tambm trata do novo texto que surge ao se transcrever uma aula
para o papel e adverte quanto perda de dados importantes, alm das entonaes, que
geralmente no so registradas:
[...] significados contrastantes podem muitas vezes ser determinados a partir da
inflexo. A transcrio de palavras tambm apaga informaes sobre o contexto,
orientao de valor, grau de certeza ou dvida, atitudes de expectativas, ironia,
humor, vigor emocional, traos de identidade e dialeto. [...] Alm disso, as
informaes sobre o tempo de fala (durao), discurso simultneo, quebra de
fluncia sbita, se uma proposio e etc. (LEMKE, 1998, p. 1.177).
Lemke chama ateno no apenas para o produto dos alunos entregue no final de uma
atividade, bem como para todo o processo de construo de significados em sala de aula, e
comenta sobre as ligaes entre as diversas linguagens, alm do contexto presente, relaes
com informaes em contextos mediatos. O que o professor est dizendo agora faz sentido
em parte, em relao ao que disse ontem ou h dez minutos, ao que lemos no livro, pergunta
que se perdeu no ltimo questionrio etc. (LEMKE, 1998, p. 1.177).
Segundo esse autor (2002a), percebe-se como uma rede de diversas linguagens forma
um sistema para a construo de significados, especifica, porm, o papel da matemtica nessa
rede, que seria o de permitir a extenso dos recursos tipolgicos do idioma natural e dos
topolgicos das representaes visuais. Defende ainda que a linguagem verbal no a melhor
maneira de se construir significados para eventos com ocorrncias topolgicas:
[...] uma representao visual deveria apresentar os significados de covariaes
contnuas, mas para usar grficos, para entender funes, os estudantes tm que
aprender a sistematizar, a representar em trs semiticas diferentes: a linguagem
verbal, os diagramas e expresses algbricas. [...] a materializao das
representaes visuais pode ser parcialmente, mas nunca completamente traduzidas
em declaraes da linguagem verbal e vice-versa. (LEMKE, 2002a, p. 226).
Geralmente, os alunos no so instrudos e nem aprendem a fazer conexes ou snteses
nas diversas linguagens associadas, no leem muitos dos sinais presentes nas diferentes
linguagens, e no possuem conhecimento da semntica desses sinais para integr-los
coerentemente ao discurso.
25
Duas caractersticas da comunicao multimodal so apresentadas em Lemke (2002b):
1) a incompletude: professores integram vrios canais na comunicao cientfica e, em cada
um dos canais, h partes da informao comunicada. Mas, s vezes, h erros, outras omisses,
ou troca de smbolos; 2) a intertextualidade: os significados so construdos integrando
informaes nos diferentes canais, e evocando na memria outras informaes, que podem
no estar no contexto da aula, do dia, ou da escola.
Em Martins, Gouva e Piccinini (2005), h uma descrio sobre a natureza semitica
hbrida dos textos cientficos escolares. H relatos de vrios focos sob os quais imagens tm
sido consideradas na semitica social, nos estudos de cognio, nos estudos culturais e na
compreenso das relaes entre imagens, conhecimento cientfico e ensino de cincias. H
tambm as trs fontes de abordagem da coleta de seus dados: imagens nos livros didticos;
leitura de imagens nos livros didticos; e imagens realizadas por alunos em sala de aula.
Nesse trabalho, as autoras classificam as imagens nos livros didticos para o ensino de
cincias e destacam como se tornam complexas as estratgias de leitura. Nas sries iniciais, as
imagens so ilustraes naturalistas e realistas, e, nas sries finais, se somam s
representaes abstratas, esquemticas e situaes microscpicas:
Os meios de comunicao apresentam s crianas no s diferentes possibilidades
representacionais, como tambm informaes a respeito de descobertas cientficas
que fornecem elementos para a construo de representaes acerca, por exemplo,
do que cincia, de quem o cientista e qual seu papel social. (MARTINS et. al, p.
39).
Na sntese de resultados da entrevista com duplas de alunos da terceira srie dos ciclos
do Ensino Fundamental, sobre a leitura de imagens em livros, as autoras destacam o tempo
para realizar a leitura, a intertextualidade com outras imagens e os gestos como estratgia
facilitadora de leitura, pois os alunos acompanhavam com o dedo os traos na imagem:
Nossas anlises revelam uma diversidade de formas de engajamento com a imagem
(afetivo, cognitivo, esttico) e uma variedade de estratgias de leitura, que destacam
o papel do conhecimento prvio, de experincias de leitura anteriores realizadas no
ambiente escolar e de estratgias de leitura que integram informaes verbais e
contextualizam as imagens no espao grfico da pgina. (MARTINS et. al, 2005, p.
39).
Nos episdios analisados pelas autoras, destacam-se entre seus apontamentos: o fluxo
de modos semiticos; a articulao entre eles; as relaes de cooperao; e a centralidade de
alguns modos semiticos em distintas situaes.
Piccinini e Martins (2003; 2004) apresentam uma classificao e anlise de um
episdio apresentado na forma de uma tabela, em que se destaca o recorte temtico e a
26
atividade, alm dos modos semiticos (verbal, visual e gestual) empregados nas interaes
discursivas na sala de aula, e analisam dois aspectos: o contexto de utilizao dos diferentes
modos semiticos e a valorizao dada pelos interlocutores na forma de comunicao
empregada.
Em Labur e Silva (2011), existem algumas concepes em torno das
multirrepresentaes associadas ao ensino de cincias no laboratrio. Nesse trabalho,
abordam algumas formas como o laboratrio tem sido utilizado pelos que defendem seu uso
dissociado da disciplina de cincias, e defendem prticas representacionais, como prticas de
ensino, que podem ser desenvolvidas alm do espao fsico designado como laboratrio. Os
autores descrevem limites implcitos no modo representacional, e a concepo de que, ao
empregarem-se vrios modos semiticos, uma ideia eficientemente comunicada. Descrevem
a natureza das linguagens tipolgicas e topolgicas, do algum destaque aos gestos, entre as
vrias modalidades de representao, e entre as transformaes dos modos representacionais
abordam a medio, muitas vezes no vista como parte da compreenso conceitual.
Mais especificamente, para Klein e Kirkpatrick (2010), a medio a
ressemiotizao da percepo de um atributo em um conjunto de signos
numricos. Visualizaes, tais como grficos, transformam dados numricos em
novas formas representacionais a partir dos quais as relaes entre variveis podem,
frequentemente, ser aprendidas de maneira perceptual. (LABUR; SILVA, 2011, p.
730).
Em Labur e Silva (2011), h a declarao de que o conhecimento cientfico um
conhecimento semitico, comunicado com variadas representaes: o conceito est expresso
nas peculiaridades das variadas representaes, e seu significado pode ser apreendido na
leitura multimodal. Assim, no mbito didtico, a aprendizagem das concepes cientficas a
aprendizagem da utilizao, leitura e expresso dos modos semiticos com que se representa
um conceito. Aprender reside em descobrir o significado das representaes empregadas na
comunicao de um especfico conceito; trata-se da capacidade de compor a totalidade do
significado comunicado nas mltiplas representaes empregadas sobre uma ideia; a
capacidade de transitar entre as variadas representaes que comunicam um fenmeno.
Aprende-se quando se participa de uma tomada de conscincia multissensorial e
multicognitiva na interao com um sistema plurirrepresentacional.
Esses autores descrevem o malabarismo necessrio para a construo de
significados a partir das selees e somatrias das diversas linguagens empregadas em sala de
aula. Destacam que cada canal de comunicao empregado possui algum grau de
incompletude, incoerncia ou outros desvios do objetivo inicial. (LEMKE, 2003).
27
Acrescente-se, ainda, que conceituar grandezas fsicas de modo integral envolve
relacion-las de maneira consistente em um sistema de representaes formais,
assim como saber convert-las nos modos de representao gestuais via ao,
procedimentos, habilidades ou atitudes, e vice-versa. A possibilidade bem-sucedida
de converso entre modos de tipo manipulativo, formais (verbal, matemtica) e
outras representaes semiticas (tabelas, diagramas, grficos) determina, at
mesmo, se uma grandeza fsica foi significativamente aprendida. (LABUR;
SILVA, 2011, p. 730).
1.2 NO CONTEXTO DAS CONSTRUES CIENTFICAS
Em uma perspectiva histrica, nesse subitem sero destacadas caractersticas relativas
ao emprego de variadas representaes, apresentadas em pesquisas de ensino de cincias, que
consideram fatores percebidos nos mbitos em que o conhecimento fsico foi desenvolvido,
ou nas prticas de cientistas que contriburam para a evoluo da cincia. Essa perspectiva
tambm ser epistemolgica, abordando o que se evidencia nos relatos seguintes, peculiares
das prticas de construo cientfica. Naturalmente, os trabalhos apresentados a seguir no
excluem as consideraes quanto s construes em sala de aula, pois os pesquisadores em
que se buscou referncias so do ensino de cincias.
Matthews (2007) comenta a utilizao de modelos cientficos tanto na epistemologia
da cincia quanto no ensino de cincias e descreve a importncia do assunto, as consideraes
filosficas dos realistas e dos no realistas ao utilizarem um modelo. Alm disso, trata do
caminho de construo de um modelo cientfico, colocando a representao como etapa
posterior na construo do conhecimento. O autor tambm assinala que os alunos so
colocados em contato com alguns modelos, sem terem conhecimentos prvios e consideraes
necessrias aos limites daquele modelo. A descrio de modelo de Matthews (2007) permite o
alinhamento de seu trabalho com esta pesquisa, pois apreende o modelo como uma
representao de uma realidade sujeita a um objetivo, ou a um contexto, destacando que o
significado da representao tem relao no estritamente objetiva com o ente representado,
mas tambm com o contexto:
Eles so precisamente a inteno de representar o real, e representaes variam de
acordo com nossas finalidades. Por exemplo, finalidades econmicas, artsticas,
nutricionais e agrcolas tm maneiras diferentes de representar mas, como valor de
troca, como estmulo esttico, como carboidratos, e como retorno sobre o
investimento. A ma pode estar autenticamente representada em todas estas
maneiras, dependendo dos fins humanos. Adequao da representao simplesmente
no significa correspondncia de representao, no sentido espelhamento do objeto.
(MATTHEWS, 2007, p. 650).
28
Neste trabalho, propem-se que as prticas das linguagens empregadas na construo
do conhecimento cientfico tenham, em algum grau, algumas de suas caractersticas
desenvolvidas em aula. Isso ressonante com a concepo de Matthews (2007), que concebe
a teorizao como trabalho de investigao cientfica e de dialogia que explora os significados
das representaes, atribuindo o desenvolvimento do trabalho cientfico ao uso dos diferentes
modos semiticos.
Tweney (2011) argumenta sobre a construo de modelos mentais, dando nfase aos
significados atribudos s equaes de Maxwell, e considera as dificuldades na aprendizagem
de fsica. Declara a necessidade de uma concepo de ensino para alm da cognio, uma
aprendizagem de aspectos da construo do conhecimento cientfico: a construo de modelos
e o uso de analogias. Destaca um pseudoautomatismo, uma capacidade de evocar rapidamente
as habilidades prprias de quem desenvolve uma atividade de construo do conhecimento
cientfico.
Cincia baseia-se na construo e uso de modelos mentais adequados. As
dificuldades de aprendizagem da fsica so, em parte, as dificuldades em aprender a
fazer exatamente isso. H muito mais coisa envolvida do que simplesmente a
aquisio de conhecimentos, o aluno deve tambm adquirir as habilidades de
extenso analgica e construo de modelos, e deve ser suficientemente especialista
no uso dos elementos do modelo (as equaes diferenciais em caso de Maxwell)
para ser capaz de contar com a recuperao rpida e automatizada das habilidades
relevantes. (TWENEY, 2011, p. 698).
A histria do desenvolvimento das construes de Maxwell, procurando estruturar o
conhecimento cientfico em linguagem matemtica, expe uma concepo de cincia que tem
por pilar as representaes matemticas. Tweney (2011) descreve aspectos da formao de
Maxwell, em que a busca da capacidade de resolver problemas era uma das atividades a que
muito se dedicava. Assim, salienta a importncia no s dos modelos cientficos e dos
modelos dos estudantes, mas tambm do modelo do desenvolvimento cognitivo de um
estudante ao apontar:
Realizaes de Maxwell e suas discusses sobre a maneira pela qual a fsica
matemtica precisa repousar sobre representaes matemticas sugerem que a
ateno para o desenvolvimento do modelo de construo de competncias um
aspecto importante do ensino de cincias. (TWENEY, 2011, p. 698).
Essa considerao de Tweney (2011), sobre o desenvolvimento de competncias,
fazendo referncia s habilidades de extenso analgica e de construo de modelos, est
inserida neste estudo. uma das hipteses levantadas que, ao observar como os alunos
constroem e aproveitam as diferentes representaes disponveis ao seu redor, consegue-se
29
destacar importantes aspectos no processo de ensino-aprendizagem, principalmente no ensino
por investigao. Logo, essa posio de Tweney (2011) poder ser um norte significativo para
prticas em sala de aula, se confirmado por pesquisa. Tweney (2011) e Flores-Camacho et al.
(2007) trabalham questes referentes a modelos na histria da cincia, mostrando como
Thomson, Maxwell e Faraday desenvolveram conceitos cientficos. Thomson e Maxwell se
destacam pela empregabilidade da matemtica, e Faraday pela utilizao de representaes
visuais ao contar as linhas de campo para desenvolver suas concepes sobre o
eletromagnetismo.
Devido s especificidades das formas de linguagem, alguns modelos necessitaram de
vrios modos representacionais para descrever as muitas caractersticas do fenmeno
representado, como descreve Feynman (2000) em sua compreenso sobre ondas
eletromagnticas, reforando a nfase na multimodalidade. Cook (2006) descreve a
necessidade de se construir modelos intermedirios para a compreenso de conceitos
complexos para os quais no h uma simples representao. O autor exemplifica a construo
de representaes intermedirias com o desenvolvimento de conceitos menos complexos, um
andaime analgico. (PODOLEFSKY; FINKELSTEIN, 2007). Ao se construir uma
representao intermediria, estudando algum fenmeno, consequentemente, haver vrias
representaes.
Nos argumentos de Lemke (1998; 2006), a favor de um ensino privilegiando o uso de
vrias linguagens, o ensino de cincias deveria ter como um de seus objetivos proporcionar ao
aluno a oportunidade de desenvolver a competncia de transitar entre os diferentes modos
semiticos empregados pelas cincias, tendo em vista que a aprendizagem ocorre atravs de
muitos meios. Mesmo sendo a linguagem verbal um dos meios primordiais para a
aprendizagem, esse meio est longe de ser o nico. Tambm se aprende a partir de
representaes visuais de muitos tipos (desenhos, diagramas, grficos, mapas, fotos, filmes e
vdeos, simuladores 3D etc.), tanto estticas quanto dinmicas. Aprende-se ao observar e
participar das atividades, que, por sua vez, esto estruturadas em muitos aspectos da
linguagem (isto , formam sistemas semiticos). Principalmente, aprende-se integrando
significados atravs de todas estas modalidades, combinando texto e imagem, atividades e
resumos, narrativas e observaes. Essa interao no automtica e natural, culturalmente
especfica e deve ser ensinada e aprendida. (LEMKE, 2006, p. 8).
Lemke (2006) argumenta que quem faz cincia utiliza com certa naturalidade diversas
linguagens, mas transitar entre essas diversas linguagens exatamente o que os alunos no
sabem fazer. Por isso, fornece uma orientao para uma aprendizagem prxima ao que
30
Carvalho (2007) considera uma enculturao cientfica. Um ensino que utilize de forma
eficiente diversas linguagens, no estancado no contedo das disciplinas, mas permeie as
formas em que os processos de conhecimento cientfico se desenvolveram, considere as
interaes sociais e a natureza da cincia.
Em nossas pesquisas, necessitamos que haja mais enfoque em aprender como
aumentar o valor da educao cientfica para todos esses estudantes que no tm um
interesse especial em carreiras cientficas ou tcnicas. Necessitamos prestar mais
ateno na aprendizagem que permanece por toda a vida, a aprendizagem que
desmistifica o raciocnio quantitativo, a aprendizagem que fornece pistas para pensar
com mltiplas representaes neste novo mundo multimodal. (LEMKE, 2006, p. 6).
Em um dos estudos deste autor (PAIVA et al., 2012), h consideraes relacionadas
ao desenvolvimento de aprendizagem explorando alguns aspectos do uso de representaes
multimodais, em uma atividade junto a alunos de terceiro ano do ensino mdio. Estes
deveriam, em analogia experincia do espalhamento realizada por Geiger e Marsden, lanar
bolinhas sob uma placa de madeira que continha, abaixo dela, uma placa de isopor com certa
forma geomtrica, e pelos locais de entrada e sada das bolinhas desvendar qual a trajetria
por elas descritas e qual a forma geomtrica da parede de isopor abaixo da placa de madeira
que interagiu com a bolinha e poderia ter causado o respectivo desvio na trajetria.
A atividade analgica experimental foi empregada para facilitar a compreenso da
experincia sobre o espalhamento que propiciou a Rutherford elaborar o modelo atmico que
leva seu nome. Na anlise da atividade, foram destacadas: a ao dos alunos; as vrias
modalidades de linguagens empregadas na construo e na comunicao de tpicos da
cincia; e alguns aspectos de enculturao cientfica associados natureza das cincias. Os
aspectos de enculturao cientfica analisados foram: cincia como construo humana, que
se deu ao longo da histria e que pode ser ainda suplantada por novos modelos; cincia que
pode ser questionada, pois no est acabada; e tambm pontuar uma relao entre o
desenvolvimento da cincia e da tecnologia.
Se multimodalidade uma prtica da construo do conhecimento cientfico, e deve
estar presentes nas prticas escolares, deve-se atentar, ento, como especialistas a empregam
no processo de construo do conhecimento. Como variadas representaes medeiam a
construo do conhecimento cientfico por especialistas? E como diversas representaes
medeiam a construo do conhecimento cientfico escolar?
No item a seguir, descrever-se-o consideraes referentes aos modos de
representao relatados na construo das concepes cientficas, abordando trabalhos de
pesquisadores do ensino de cincias com vertentes na histria e na epistemologia da cincia.
31
E, posteriormente, observar-se- a construo do conhecimento empregando diferentes
representaes descritas em pesquisas que relatam a sala de aula.
1.3 VARIADAS REPRESENTAES NAS CONSTRUES CIENTFICAS
Que a cincia se constri empregando vrias linguagens no algo do pensamento
contemporneo. Contudo, na atualidade, diversas reflexes concernentes a esse tema tm
indicado a presena desse artifcio desde a fsica aristotlica. Na verdade, os nmeros e outras
representaes no pictricas vm depois na histria das construes da linguagem natural, e
isso tambm na matemtica e nas cincias. Desde a Grcia antiga o conhecimento da cincia
tem sido construdo utilizando diversas representaes, no somente para a comunicao,
como tambm para fazer descobertas, ou seja, diversas representaes so o meio natural de
construo do conhecimento das cincias.
Uma metodologia que passa pela observao, geometrizao e, mais tarde, o
algoritmo, com a finalidade de se fazer previses. Tornou-se para muitos que atuam em
campos associados cincia o fazer cincia, principalmente a cincia que se baseia na fsica
clssica. Com os eventos que culminaram com a chegada aos limites da fsica clssica e
propiciaram tanto o surgimento da fsica estatstica quanto das experincias relativas ao
interior da matria, outras consideraes sobre o processo de construo de conhecimento
vieram a debate. No incio do sculo XX, enquanto a mecnica quntica se desenvolvia, foi
questionado se as representaes das cincias eram espelhos ou no do real, e se a construo
da cincia possua uma via determinista e inexorvel.
Esse caminho de construo de conhecimento, em que nas etapas iniciais esto
presentes a visualizao, a observao de um experimento e a construo de uma imagem
pitoresca, sendo ento reformulada em parmetros geomtricos para ser depois traduzida em
lei matemtica, facilitando alguma previso, foi, pelo menos para a fsica clssica, o processo
lgico da cincia, desde o incio da histria da matemtica. Algo quase cannico no fazer
cincia, e na histria h o testemunho da dificuldade de se alternar dessa a outra concepo de
como desenvolver construes na cincia relativas aos fenmenos fsicos. Pessoa Jr. (2001)
apresenta uma traduo do V Congresso de Solvay, em 1927, em que o fsico H. A. Lorentz
comenta sua dificuldade em raciocinar, para a construo do conhecimento, fora desse
processo descrito:
Eu gostaria de chamar ateno para as dificuldades que se encontram nas teorias
antigas. [...] Queremos nos fazer uma representao dos fenmenos, formar uma
32
imagem deles em nosso esprito. At aqui, sempre quisemos formar essas imagens
por meio das noes ordinrias de tempo e espao. Estas noes talvez sejam inatas;
em todo caso, elas se desenvolveram atravs de nossa experincia pessoal, de nossas
observaes cotidianas. Para mim, essas noes so ntidas e reconheo que no
posso fazer uma ideia da fsica sem essas noes. A imagem que quero formar dos
fenmenos deve ser absolutamente ntida e definida, e parece-me que s podemos
formar semelhante imagem dentro desse sistema de espao e de tempo. (PESSOA
Jr., 2001, p. 139).
Em Holton (1979; 1998), Reis, Guerra e Braga (2006), Edgerton (2006) e Pessoa Jr.
(2001; 2007), h relatos de desenvolvimento cientfico na histria da cincia mostrando o
apreo que Galileu, Thomson, Einstein, Bohr, Feynman e outros atriburam ao uso de
representaes visuais, seja pictrica, grfica, ou em forma de diagramas, ou esquemas, para
formular e comunicar suas concepes sobre cincias.
No decorrer deste subitem, estaro sintetizadas algumas dessas consideraes, a
comear por Holton (1998), Reis, Guerra e Braga (2006) e Edgerton (2006), cujos trabalhos
discorrem sobre os eventos histricos envolvendo os emblemticos desenhos representando a
Lua, desenvolvidos por Galileu e pelo astrnomo ingls Thomas Harriot, na empreitada de
desvendar os fenmenos celestes aps a observao com suas aprimoradas lunetas. Galileu
no foi o primeiro a apontar o telescpio para observar o cu. Harriot, em 1609, j havia
feito isso, meses antes de Galileu, e registrou sua observao na forma de um desenho (Figura
1).
Figura 1 - Primeiro desenho da Lua feito por Thomas Harriot
Fonte: EDGERTON, 2006, p. 167.
Edgerton (2006) declara que Harriot, em 1609, no fez qualquer relato sobre suas
observaes da Lua por ter tido dificuldade de interpretar o que havia visualizado, pois vivia
33
na Inglaterra, onde as realizaes artsticas se davam em torno da palavra como, por exemplo,
com Shakespeare. Reis, Guerra e Braga (2006) citam as influncias regionais em que viviam
Galileu e Harriot, e comentam algumas peculiaridades distintas em suas formaes:
Harriot no disps de condies para interpretar a geografia da Lua sem o
treinamento artstico que teve Galileu. [...] evidente como os conhecimentos de
Galileu sobre desenho permitiam-lhe ver na Lua o que no foi possvel a Harriot.
(REIS et.al, 2006, p. 3).
A Itlia, nos tempos de Galileu, era um importante centro de artes visuais e arquitetura
e isto provavelmente o favoreceu nas tcnicas de observao, de retratar o claro-escuro e no
estudo de perspectivas. Edgerton (2006) relata o relacionamento de Galileu com pintores e os
elogios recebidos por suas habilidades em desenhar. Nas Figuras 2a e 2b, os desenhos da lua
atribudos ao renomado astrnomo:
Figura 2a Imagens das fases da lua, com autoria atribuda a Galileu
Figura 2b A superfcie lunar representada no livro Sidereus Nuncius
Fonte: EDGERTON, 2006, p.170-171.
esquerda, na Figura 2a, seis imagens da lua foram preparadas em papel prprio para
receber o processo de lavagem de tintas, uma forma de tipo, ou mscara para ilustrao de um
livro. A autoria desses desenhos atribuda a Galileu, e, segundo Edgerton (2006), foi
realizada por um artista experiente na manipulao e lavagem de tintas. Esses desenhos no
foram publicados no livro de Galileu, Sidereus Nuncius, mas continuam preservados na
Biblioteca Nacional de Florena. As ilustraes direita, na Figura 2b, encontram-se no livro
de Galileu. O artista, em uma forma de licena artstica, exagera nas dimenses das crateras
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lunares, com a finalidade de torn-las evidentes. Harriot e Galileu fizeram desenhos
diferentes, para o mesmo fenmeno.
Vrios autores (HOLTON, 1979; 1998; REIS; GUERRA; BRAGA, 2006;
EDGERTON, 2006) relatam que Harriot refez, em 1610, suas observaes e seu desenho
(Figura 3) acrescentando detalhes, depois da publicao da obra de Galileu. As representaes
feitas por Galileu foram significativas no s para Harriot, bem como para vrios poetas
britnicos da poca, que passaram a escrever sobre os aspectos da lua em seus versos.
(EDGERTON, 2006).
Figura 3 O segundo desenho de Thomas Harriot da superfcie lunar
Fonte: Edgerton, 2006, p. 176.
Harriot teceu seu dilogo com o livro de Galileu e, alguns meses depois, pde
intertextualizar (LEMKE, 2002b) e construir os significados apropriados sua observao.
Encontram-se na literatura comentrios sobre a possibilidade de diferentes imagens mentais se
formarem a partir da observao de um mesmo fenmeno (ROTH; LAWLESS, 2002), como
os relatos nos pargrafos anteriores sobre Galileu e Harriot. Por esse motivo, h a necessidade
de dilogo, de submisso de um trabalho a pares e de se alternar o modo representacional de
comunicao sobre um conceito; para escrutar o modelo mental elaborado, atentar que no
simples construir e representar imagens relativas a concepes cientficas de fenmenos
naturais ou produzidos por interveno tecnolgica.
Entre os especialistas em campos das cincias, encontram-se aqueles que utilizam
representaes visuais para a organizao do raciocnio. Holton (1998), descrevendo a
respeito do uso da imaginao pelos cientistas, comenta como Einstein empregou a
comunicao visual para organizar seu raciocnio e at mesmo para comunicar algumas de
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Figura 4 Esquema desenhado por Einstein em uma carta para um amigo
suas ideias. Em Berna, no escritrio de patentes, o fsico era incumbido de estudar os
documentos e desenhos registrados pelos inventores. Essa habilidade de realizar a leitura de
figuras e de oper-las, fazendo a unio de partes, agrupando como em um quebra-cabea,
analisando, para isso, no somente as formas dos objetos, mas tambm as dimenses, as
funcionalidades das partes, a funcionalidade do todo, foi vital para, mais tarde, obter sucesso
no desenvolvimento de suas teorias, realizando experincias de pensamento.
Einstein organizava seus pensamentos tomando quadros esquemticos (desenhos)
como referncia, inclusive em questes epistmicas. Em certa ocasio, escreveu ao
matemtico Jaques Hadamard e explicitou parcialmente seu mecanismo de raciocnio:
As palavras ou a linguagem, tal como so escritas e faladas, no parecem
desempenhar qualquer papel no meu mecanismo de pensamento. As entidades
psicolgicas que parecem servir como elementos do pensamento so certos smbolos
e imagens, mais ou menos ntidos, que podem ser voluntariamente criados e
combinados. (HOLTON, 1998, p. 109).
Em maio de 1952, escrevendo a um amigo, Maurice Solovine enviou-lhe um esquema
(Figura 4) e uma sequncia de tpicos elucidando os significados dos pontos e das linhas que
conectavam um ponto a outro:
Fonte: HOLTON, 1979, p. 94.
1) As E (experincias) nos so dadas (representada pela linha horizontal no p da
figura).
2) A so axiomas, a partir dos quais deduzimos as consequncias. Psicologicamente.
A baseia-se em E. Mas no existe nenhum caminho lgico de E para A, e sim apenas
uma conexo intuitiva (psicolgica), que est sempre sujeita revogao.
3) A partir de A, pelo caminho lgico, so [...]. (HOLTON, 1979, p. 94).
O esquema no traduz os pensamentos de Einstein nem tampouco os tpicos. A partir
da leitura simultnea desses dois modos semiticos possvel desvendar a pretensa
mensagem. Ao psiclogo Max Wertheimer, o primeiro confidenciou: muito raramente penso
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de todo em palavras [...] consigo-o numa espcie de mapa de modo visual. (HOLTON, 1998,
p. 109).
Outro tema rico em debates sobre a utilizao de representaes pictricas o das
partculas subatmicas. Ernst Mach, cientista do incio do sculo 20, reagiu concepo de
tomo perguntando sarcasticamente se algum j havia visto um. Em 1912, CTR Wilson
exibiu um registro, o que Holton (1979) chamou de uma fotografia, que resolveu a questo
da viso de tomo para muitas pessoas. Nela havia o rastro das partculas alfa em uma
cmara de nuvens, uma primeira evidncia de ocorrncia dos fenmenos atmicos em um
nvel muito alm da percepo direta. A difuso de feixes de partculas tornou-se um modo
de ver acontecimentos subatmicos. (HOLTON, 1998, p. 99).
Em meados do sculo XX, as imagens suscitaram o levantamento de questes sobre
representaes e realidade. Embora na maioria das outras cincias a imaginao icnica
permanea viva at hoje, alguns cientistas qunticos passaram a utilizar novas representaes:
uma nova forma de visualizao, fortemente baseada em relaes matemticas, mais do que
fsica, recorrendo a simetrias e diagramas abstratos. (HOLTON, 1998, p. 111).
Consideramos que os diagramas de Feynman sejam um exemplo de maneira
alternativa de representar um dos abstratos conceitos cientficos. Por algum tempo, pensava-se
em dois eltrons como dois entes materiais esfricos, como cargas puntiformes, e esses eram
assim representados. At hoje, vrios livros didticos de Ensino Mdio adotam essa forma de
representao. Muitos autores, quando escrevem sobre os eltrons, no os representam
pictoricamente, mas o professor poder faz-lo no quadro-negro, sem a percepo de qual
modelo utiliza e sem justificar a seus alunos as condies de contorno (condies de validade
daquele e no de outro modelo) que viabilizam sua representao imagtica externa.
Holton (1998) comenta ser tradicional a imagem de dois eltrons que se aproximam e
depois sofrem repulso (Figura 5) e considera mais apropriado utilizar a representao
pictrica de um dos diagramas de Feynman, que ilustra, no espao-tempo, a troca de um
fton, partcula mediadora dessa interao.
37
Figura 5 Representaes da interao entre eltrons
Fonte: Adaptada de Holton (HOLTON, 1998, p. 112).
Gis e Giordan (2007) afirmam que os modelos de representao dos entes
subatmicos so construdos durante todo o Ensino Mdio e, a cada abordagem, devem ser
esclarecidos os limites da analogia, da figura e do modelo empregado. Os esquemas consistem
em representaes imagticas distintas no auxlio construo de conhecimento cientfico.
Estes no retratam os entes das cincias, mas permitem uma organizao das concepes
envolvidas no estudo realizado.
H uma cena na histria da cincia em que esse artifcio propiciou a hiptese,
investigao e descoberta de uma nova partcula. Moreira (2007) narra a primeira organizao
das famlias de partculas, em 1960 e 1961, realizadas independentemente pelo fsico do
Caltech, Murray Gell-Mann, e pelo fsico da Imperial College de Londres, Yuval Neeman.
Estes formaram grupos de oito partculas que possuam o mesmo spin, o mesmo nmero
barinico e, aproximadamente, a mesma massa. Essa maneira de classificar as partculas foi
chamada de classificao octal, e apresentada na forma de um hexgono, no diagrama que
relaciona duas propriedades intrnsecas das partculas, a carga eltrica e a estranheza (Figura
6).
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Figura 6 Representao do caminho ctuplo
Fonte: Adaptado de Moreira (MOREIRA, 2007, p. 164).
Na Figura 6, esto relacionados os brions e os msons. Na representao octal dos
brions, h uma partcula em cada vrtice e duas no centro. Tambm h um total de oito
partculas. No octeto dos mesns, havia apenas sete, apenas uma partcula no centro. Essa
maneira de representar permitiu aos cientistas levantarem a hiptese de que havia mais um
mson a ser descoberto, para que estivesse estabelecida certa regularidade na quantidade de
componentes em cada famlia.
A menos do fato de que no padro dos msons h apenas uma partcula no centro e
no dos brions h duas, os padres so idnticos. Para que ficassem idnticos seria
necessrio um mson com carga e estranheza zero. Esse mson chamado eta ), com massa de 550 MeV, sem carga e sem estranheza, foi descoberto em 1961.
(MOREIRA, 2007, p. 163).
Os exemplos anteriormente descritos refletem uma pequena parcela das aplicaes de
representaes imagticas no processo de construo do conhecimento cientfico.
1.4 O USO DE VRIAS REPRESENTAES NA CONSTRUO DO
CONHECIMENTO CIENTFICO ESCOLAR
A seguir, encontram-se os trabalhos cujas pesquisas envolvem o uso de vrias formas
de representao na construo do conhecimento em sala de aula. Em Lerner (2007), h
parmetros destacados em torno da complexidade existente na observao, na ateno visual
demandada no mbito das construes cientficas, porm no mbito escolar. Como professor
de biologia molecular no Massachusetts Institute of Technology (MIT), Lerner solicita aos
http://web.mit.edu/
39
alunos a construo de desenhos para favorecer a aprendizagem de alguns conceitos de
cincias. Atribui a Louis Agassiz, professor de zoologia em Harvard, o uso consciente dessa
ao em sua prtica de ensino.
[...] de 1848 at sua morte, em 1873, utilizou representaes visuais para aprender
cincias. Ele ensinou os alunos a observar a fazer conexes e desenvolver princpios
gerais. Nessa perspectiva, ele (Agassiz) acreditava que os alunos criam (constroem)
o conhecimento atravs da interao social e de oportunidades para fazer o trabalho
de cientistas de verdade. Tinha o objetivo de transmitir um senso de cincia como
descoberta e de se reconciliar com a necessidade dos alunos de dominar o
conhecimento fundamental. (LERNER, 2007, p. 380).
Lerner (2007) descreve a narrativa do primeiro encontro de um aluno, Samuel
Scudder, com Agassiz, em 1850. Foi solicitado ao primeiro apresentar um relatrio da
observao de um peixe. Scudder acreditou, aps dez minutos, ter concludo o trabalho, mas
no encontrou o professor para apresentar o relatrio. Por isso, ali, sem nada a fazer, voltou a
observar o peixe. Quando Agassiz se apresentou e recebeu o relatrio, indicou que faltavam
algumas caractersticas e recomendou que voltasse a observar o peixe. Depois de vrias
rodadas dessa dinmica, Agassiz respondeu a Scudder:
Isso bom, isso bom! [Agassiz] mas no tudo, voc deve ir alm; e assim por
trs longos dias ele colocou o peixe diante dos meus olhos [Scudder], proibindo-me
de olhar para qualquer outra coisa, ou usar qualquer ajuda artificial. Observe,
observe, observe, foi a repetida limiar. (LERNER, 2007, p. 381-382).
O autor declara as concepes de Scudder sobre esse processo: os alunos no eram
apenas participantes passivos a receber informaes, mas ativos na criao de conhecimentos
significativos, tendo como prioridade no apenas o fato de observar e desenhar, mas fazer
inferncias a partir das observaes.
Observar e construir uma representao coerente mostra certo grau de complexidade: a
demanda de tempo, como se pode ver nessas e certamente em outras situaes; habilidades
plsticas; e pares, pessoas de nvel semelhante de habilidade e especializao no assunto, para
aferir significados construdos e comunicados. Se h necessidade de se atentar a esses
aspectos para representaes de imagens da natureza em que a observao pode ser direta,
sem contar com aparelhos que venham a produzir uma extenso de nossa capacidade visual, o
conjunto de fenmenos fora dessa amostra merece redobrada ateno. Inclusive, h outras
caractersticas, associadas ao contexto histrico e tecnolgico de surgimento de concepes
associadas ao conceito estudado, como no caso dos conceitos das dimenses subatmicas, ou
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daqueles em que a imagem artificialmente produzida por computador ou por outro
equipamento a partir de modelagem matemtica.
Um segundo trabalho que aborda o uso de variadas representaes em ensino-
aprendizagem Perales Palacios (2006). Na introduo desse estudo, est declarado que
ensinar cincias ensinar sobre a linguagem cientfica, e considera que isso inclui imagens,
conceitos e leis, alm de linguagem lgico-matemtica. Descreve que h nos livros um
nmero cada vez maior de desenhos, mapas conceituais, figuras com aparente realismo,
construes geomtricas etc., e que a necessidade de se usar imagens um consenso entre a
maioria dos professores de cincias, apesar de, normalmente, no considerarem a
possibilidade de os alunos construrem suas prprias imagens. O autor tambm procura
estabelecer um sistema de classificao para os diferentes usos das imagens na educao
cientfica, e especifica critrios de anlise e valorizao de distintos formatos de uso de
imagens. Alm de apresentar uma reviso bibliogrfica em relao ao tema que aborda trs
reas: a semitica, a psicologia fatores associados aprendizagem com auxlio do uso de
imagens; e a didtica das cincias experimentais em que destaca como so utilizadas
imagens pelos agentes envolvidos no processo ensino-aprendizagem do conhecimento
cientfico.
O terceiro exemplo de aplicao do uso de variadas formas de representar conceitos
cientficos em sala de aula vem da dissertao de mestrado de Paiva (2010), que procurou
responder: Como os alunos do Ensino Mdio adquirem uma representao pictrica de um
conceito de Fsica moderna?; Quais as caractersticas desse processo de aquisio via
construo de uma representao de um conceito de fsica a partir de um texto didtico
cientfico?; e Quais as principais ideias do texto aparecem nas representaes dos alunos?.
Ao se iniciar esses estudos, em nossa reviso bibliogrfica notou-se que havia poucos
artigos referentes aos desenhos elaborados pelos alunos, isto exigiu uma reviso criteriosa de
trabalhos com temas envolvendo palavras com idntica conotao que desenho, entre elas:
imagens, figuras, representao visual etc. Destacam-se nesses estudos: 1) Quem considera
importante ter uma imagem de um conhecimento cientfico; 2) Consideraes de cientistas
sobre representaes pictricas; e 3) Consideraes dos professores sobre a utilizao de
representaes pictricas no ensino.
Em uma segunda seo destacando importantes aspectos sobre os desenhos, comenta-
se: a aquisio de uma representao pictrica; a manipulao da imagem; a reformulao de
uma imagem; a aquisio via leitura de desenhos; a transparncia; a densidade grfica; o uso
de gestos e figuras; e as funes da representao pictrica.
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Os dados da pesquisa, da dissertao, foram extrados em sala de aula, em uma turma
da terceira srie do Ensino Mdio da rede pblica estadual, empregando uma sequncia
didtica sobre fsica de partculas, elaborada por Siqueira (2006), da qual se foi um dos
colaboradores. Foram filmadas as aulas e feitas cpias das produes dos alunos. O contedo
principal era relacionado s distines entre as radiaes alfa, beta e gama. Utilizou-se um
texto da sequncia didtica que explicitava essas distines e continha duas figuras.
Suprimiram-se as figuras e solicitou-se aos alunos que desenvolvessem desenhos com a
finalidade de ilustrar as distines das radiaes quanto penetrao na matria, e quanto aos
desvios que so observados quando atravessam uma regio com um campo magntico, com
intensidade suficiente para se notar a interao com as partculas.
Iniciou-se a anlise com as informaes contidas no texto destacando as ideias
relacionadas penetrao das radiaes na matria; as ideias referentes aos desvios das
radiaes alfa, beta e gama ao atravessarem uma regio com um campo magntico; e as ideias
que seriam perifricas, de outros contextos, no relevantes compreenso das distines entre
as radiaes.
Constatou-se alguma resistncia no incio do desenvolvimento dos desenhos dos
alunos. Os alunos hesitaram em desenhar. Em seus relatos, mostraram-se extasiados pelo fato
de a atividade em sala de aula ter lugar para autoria do aluno, para criao, criatividade, e pela
possibilidade de que no existisse um desenho certo e outro errado. Foi um tanto
desconcertante para os alunos no conseguirem identificar o que o professor queria como
resposta com seus desenhos, uma vez que realmente no era esperado algo especfico, seno
um ato de fazer cincia, criando representaes sobre o fenmeno estudado.
Aps a leitura
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