View
213
Download
0
Category
Preview:
Citation preview
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 4344
O DEBATE EDUCACIONAL E A INSTITUIÇÃO DO NOVO NORDESTE NAS PÁGINAS DO DIÁRIO DA BORBOREMA:
INTELECTUAIS, IMPRENSA E ENSINO SUPERIOR (1957-1968)1
Ramon de Alcântara Aleixo2
As décadas de 1950 e 1960 caracterizam-se pelo atrelamento do debate educacional às
perspectivas desenvolvimentistas. Nesse cenário, os chamados “desequilíbrios regionais”
ganham visibilidade através da realização de diversos seminários, divulgados pela imprensa3.
O intenso processo de industrialização na região centro-sul do país, seguido pela divulgação
das Contas Nacionais – a partir de 1951 e 1952 – contribuiu para a intensificação das pressões
políticas de várias regiões do país sobre o estado, em decorrência das diferenças entre os
“níveis e ritmos” de “crescimento regional”. As análises recaíam na caracterização de “dois
Brasis”: um “arcaico”, “subdesenvolvido”, localizado, sobretudo, no Nordeste; outro
“moderno”, identificado com o “progresso” e “desenvolvimento”, localizado no centro-sul
(FURTADO, 1967). A noção de "centro-periferia", aplicada à interpretação das disparidades
entre as nações, era transposta para as interpretações das desigualdades regionais internas
ao país. O ensino superior, assentado no binômio "ciência e técnica", emerge aí enquanto
mecanismo considerado capaz de reverter o “atraso histórico” que caracterizaria a região
nordeste.
Na cidade de Campina Grande – Paraíba, a imprensa, reivindicando a representação
da “opinião pública”4, ganha centralidade no debate travado pela intelectualidade. A questão
em pauta recaía na necessidade de dotar a cidade de um sistema universitário voltado ao
estudo dos chamados “problemas regionais”. O Diário da Borborema, representante do
modelo jornal-empresa na cidade e inaugurado em 1957, desempenhará um papel fulcral na
1 O presente texto consiste em um recorte da pesquisa de doutoramento desenvolvida junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), sob a orientação do Prof. Dr. Jean Carlo de Carvalho Costa e financiada pelo CNPq (2014-2018).
2 Mestre em Educação pelo PPGE/UFPB. E-mail: amon_alcantara@hotmail.com 3 Dentre os eventos voltados à discussão dos “desníveis regionais” citamos a realização dos Iº. e IIº Encontros dos
Bispos do Nordeste, realizados, respectivamente, nas cidades de Campina Grande (PB) e Natal (RN), em 1956 e 1959. Esses eventos serviram de base para criação do Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN), culminando com a instituição da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), em 1959.
4 A expressão “opinião pública”, cuja origem encontra-se ligada à história da imprensa, visa denotar as posições que - independentes de visões religiosas ou políticas, interesses de classe, etnia ou gênero – expressariam os mais amplos, profundos e legítimos interesses públicos e comunitários (BURKE; BRIGGS, 2004).
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 4345
promoção do debate educacional, cujo consórcio entre as teorias desenvolvimentistas e o
ensino superior acreditava-se capaz de instituir o “Novo Nordeste”.
O presente estudo objetiva problematizar a atuação do Diário da Borborema
enquanto agente promotor do debate educacional na cidade ao longo das décadas de 1950 e
1960. Aglutinando um grupo de intelectuais engajados na discussão estabelecida entre
educação e desenvolvimento regional, o referido jornal ocupará um lugar estratégico na
promoção da “causa do ensino superior” na cidade. Através dos seus editoriais, bem como
das seções especializadas em educação, o Diário da Borborema promoverá uma série de
campanhas que agitarão a vida intelectual da cidade, reverberando na instituição da
Universidade Regional do Nordeste (URNe), em 1966. No interior desse jornal privilegiamos
a análise da seção Homens &Fatos, assinada pelo professor José Lopes de Andrade e dos
editoriais onde a temática do ensino superior fazia-se presente. A escolha da seção Homens
&Fatos justifica-se pela importância desse espaço na circulação dos discursos educacionais,
encetando diversas campanhas em torno do desenvolvimento regional no concerto do ensino
superior. A análise dos editoriais visa contemplar a retórica constantemente exercitada pelos
jornais representantes do modelo empresa, qual seja: a de que esses veículos de
comunicação, em virtude do seu “compromisso” com os interesses públicos e comunitários,
representariam a chamada opinião pública. Esse aspecto credenciaria a imprensa a intervir
no debate educacional, seja promovendo campanhas ou contemplando determinadas
temáticas, dentre as quais o ensino superior.
Problematizamos o jornal enquanto ator político, que através das matérias
jornalísticas, editoriais e seções especializadas em educação se propõe a fixar formas de
pensar, intervindo, assim, no debate educacional. Utilizamos a imprensa como fonte e objeto
de pesquisa. Foram consultados os exemplares do Diário da Borborema correspondentes ao
período compreendido entre 1957 e 1968, buscando-se traçar o perfil prosopográfico dos seus
principais articulistas, de modo a compreender a linha editorial do jornal no debate
educacional. A escolha do recorte cronológico contempla a inauguração do jornal (em 1957) e
a reforma processada em seu interior após a edição do Ato Institucional Número cinco. No
recrudescimento da censura, muitos dos articulistas teriam suas seções interditadas,
constituindo-se, esse recorte cronológico, na delimitação por nós buscada para analisarmos o
debate educacional no concerto do projeto desenvolvimentista.
Enquanto ferramenta de análise teórico-metodológica nos apropriamos das
contribuições do Contextualismo Linguístico de Quentin Skinner (1999, 2002) e John Pocock
(2003). Busca-se problematizar o texto jornalístico enquanto “enunciado”, isto é, como
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 4346
intervenção que visa demarcar e fixar formas de pensar que se expressam como valores e
modos de classificação que justificam a intervenção no debate político. A produção da
matéria jornalística, assentada em processos conscientes e/ou inconscientes do que deve ser
considerado notícia, tem a força de tornar coisas visíveis ou invisíveis. O jornal tornou-se,
assim, o púlpito privilegiado pela intelectualidade na veiculação de seus projetos, na
promoção de debates e embates, elevando o ensino superior à condição de “causa
educacional” da cidade de Campina Grande.
O texto encontra-se organizado em três partes. No primeiro momento, buscamos
contemplar o debate que perpassou o Diário da Borborema nos seus primeiros anos de
funcionamento. Tratava-se das diversas interpretações encetadas pelos seus principais
articulistas e que versavam, em grande medida, no escrutínio das “causas históricas” que
caracterizariam o “atraso” ou, para utilizarmos uma expressão recorrente no período, o
“subdesenvolvimento” do nordeste. A pluralidade de interpretações convergia, no entanto,
para um ponto específico, qual seja: a ideia de que apenas com “ciência e técnica” seria
possível “reverter” o “atraso crônico” que até então caracterizara o nordeste, inserindo essa
região no âmbito do chamado “Novo Nordeste”. Assentados nessa perspectiva, grande parte
dos articulistas do jornal passaram a defender a necessidade de se instituir uma Fundação
Municipal voltada à criação e manutenção das escolas de ensino superior em Campina
Grande. Era instituída, em dezembro de 1957, a Fundação para o Desenvolvimento da
Ciência e da Técnica (FUNDACT), entidade que desempenhará papel fulcral no debate sobre
o ensino superior no concerto do desenvolvimento regional. A segunda parte em que o texto
encontra-se estruturado versa sobre as mobilizações encetadas pelo Diário da Borborema
quando da realização do Inquérito Educacional que visava analisar as possibilidades de
instituição de uma Fundação de ensino superior ou Universidade em Campina Grande. A
imprensa, enquanto agente que visa intervir no debate educacional, desempenhará um papel
nodal na veiculação de discursos, criação de campanhas e promoção do debate que advogava
a instituição do ensino superior - mediante a criação de uma universidade voltada para o
estudo dos chamados “problemas da região nordeste”- como fator precípuo para o
desenvolvimento regional. Por fim, buscamos enfatizar a promoção da cultura universitária
que se objetivava atribuir à cidade de Campina Grande quando da criação da URNe, em 1966.
Tratava-se, para utilizarmos uma expressão recorrente nos editoriais desse jornal, na “nova
função” a ser desempenhada pela imprensa na promoção do “desenvolvimento cultural” que
se julgava vivenciado pela cidade nesse período. O jornal em questão recorreria, assim, a
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 4347
expressão “a Idade de Ouro”, objetivando cunhar o “novo momento” que Campina Grande e o
“nordeste interior” vivenciava com o advento da universidade.
1. O DIÁRIO DA BORBOREMA E A FUNDACT na confluência do “desenvolvimento cultural” do “Nordeste interior”.
A inauguração do Diário da Borborema, em 02 de outubro de 1957, foi amplamente
festejada na cidade de Campina Grande. Tratava-se, conforme a historiografia da imprensa
campinense ressalta, da consolidação do modelo jornal-empresa em Campina Grande5.
Integrante da cadeia dos Diários Associados, a primeira conglomeração de meios de
comunicação no Brasil, o Diário da Borborema reuniu, nos anos iniciais de seu
funcionamento, uma gama de articulistas que se debruçavam sobre a temática do
desenvolvimento do nordeste na confluência do ensino superior. Esse debate aparecia com
bastante frequência nas seções assinadas por José Lopes de Andrade, Antônio Barroso
Pontes, Osmário Lacet, Stênio Lopes, Raymundo Asfóra, Garibaldi Dantas, Nilo Tavares,
Adabel Rocha, Orlando Tejo e Elísio Nepomuceno.
A frequência com que a temática do desenvolvimento regional aparece nesse jornal
nos permite observar a articulação de diversos integrantes do chamado “grupo dos
desenvolvimentistas” (Lima, 2012) em torno do Diário da Borborema. O grupo, conforme
suscita o autor acima citado, era composto por amplos setores da sociedade campinense e
contemplava, na sua pauta de discussão, a defesa da educação e da industrialização como
“solução” para o desenvolvimento de Campina Grande e da própria região nordeste. A
ocupação de muitos dos integrantes do “grupo dos desenvolvimentistas” nos postos de
comando do Diário provavelmente contribuiu para dar maior visibilidade à temática do
ensino superior na cidade.
Constituía-se o Diário da Borborema em um espaço de grande importância para que
os intelectuais desenvolvimentistas pusessem em circulação suas ideias acerca dos projetos
de ensino superior no concerto das perspectivas de desenvolvimento econômico do nordeste.
5 Segundo Pimentel (1965), a “consolidação da imprensa” em Campina Grande teria se verificado somente a partir do advento do Diário da Borborema. Perspectiva semelhante é partilhada por Araújo (1983, 1986) quando nos afirma que até a inauguração desse jornal Campina Grande desconhecia o modelo de imprensa empresarial. Em que pese essas afirmações, é preciso destacar que a instituição do Jornal de Campina, em 1952, já figura como o funcionamento do modelo jornal-empresa na cidade Todavia, a historiografia da imprensa, ao defender a ideia do Diário da Borborema como marco inaugurador do modelo jornalístico-empresarial na cidade, deve estar tomando enquanto perspectiva analítica a presença de um grande conglomerado midiático, algo que só irá ocorrer com a inauguração do Diário da Borborema, vinculado aos Diários Associados.
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 4348
Escrevendo no jornal, e mobilizando a atenção do público-leitor para determinados temas, os
intelectuais visavam, também, influir no campo do político. A atuação de José Lopes de
Andrade, através da seção Homens &Fatos, contribuirá para a constituição do Diário da
Borborema como o púlpito para que os intelectuais desenvolvimentistas veiculassem seus
discursos, defendessem seus projetos, visando, assim, intervir no debate político (POCOCK,
2003; SKINNER, 1999).
Nesse cenário, os intelectuais passam a mobilizar uma série de estratégias discursivas
que visavam interpretar as “causas” do “atraso histórico” que se atribuía à região nordeste.
Dentre essas interpretações, uma se destaca, notadamente pela recorrência com que aparece
na seção assinada pelo professor José Lopes de Andrade. Tratava-se da “explicação histórica”
do “atraso crônico” em que teria se estruturado a “formação” do nordeste. Sob essa ótica, o
nordeste, apesar de ter sido a primeira “região” a experimentar o “desenvolvimento”, o teria
feito a base de condições “pré-científicas” ou “pré-técnicas”. O caráter “pré-científico” que
teria estruturado o desenvolvimento nordestino “explicaria”, na ótica do pensamento do
professor Lopes de Andrade, o “atraso” em que se encontrava a região em meados da década
de 1950, quando o Plano de Metas preconizado pelo governo de Juscelino Kubitscheck
começava a movimentar o país de norte a sul.
Considerando que a influência da presença lusitana no espaço que atualmente
corresponde à região nordeste teria se dado em moldes “post-renascimento”, mas não ainda
integrados às transformações engendradas pela “Revolução industrial”, Lopes de Andrade
atribui a esse aspecto uma das “causas” do “atraso histórico” da região nordeste. Experiência
contrária teria se dado na região sul/sudeste, haja vista que a alavancada do
“desenvolvimento” do sul/sudeste teria se dado sob as condições das migrações europeias, o
que, segundo Lopes de Andrade, teria colocado essa região em contato direto com o que o
autor denomina de “conhecimento politécnico”6.
Dessa forma, tornava-se nodal, para que a experiência de desenvolvimento do
nordeste fosse exitosa, “superar” o que o autor denomina de “atraso histórico”. Essa
superação dar-se-ia, notadamente, a partir de duas condições consideradas ausentes na
região naquele período, quais sejam: a ciência e a técnica. Somente através da ciência e da
6 É preciso destacar que a interpretação feita pelo professor Lopes de Andrade baseia-se numa leitura anacrônica, haja vista a sua fundamentação em termos (desenvolvimento e região) que historicamente não estavam dados no período colonial. Todavia, a apropriação dessa e de outras leituras similares levadas à cabo pelo sociólogo serão aqui problematizadas a partir da sua inserção no contexto de produção. Dessa forma, o anacronismo identificado não nos interdita à apropriação do pensamento do autor. Muito pelo contrário, constitui aspecto fulcral na apreensão das matrizes explicativas que estavam sendo mobilizadas pela intelectualidade na compreensão daquele momento histórico.
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 4349
técnica, o nordeste poderia engendrar o seu processo de industrialização, inserindo-se na
perspectiva do chamado Novo Nordeste:
O Nordeste, por força do povoamento inicial do Brasil, foi a primeira área brasileira a se desenvolver. Beneficiou-se, entretanto, de um desenvolvimento pré-científico e pré-técnico, se assim podemos dizer [...] Quando o Leste e o Sul do Brasil começam a experimentar extraordinário progresso, nos meados do século XIX e primeiro quartel do século XX, o Nordeste começa, ao contrário, a entrar em decadência [...]. O Nordeste caminhará fatalmente para o completo abandono, se não conseguir vencer dentro em breve o seu crônico subdesenvolvimento. Somos uma região pobre de dinheiro, é verdade, mas somos muito mais uma região pobre de conhecimentos aplicados à economia, uma região desvinculada do desenvolvimento da Ciência e da Técnica do século XX, teimando em viver na era da máquina com o mesmo idealismo dos anos anteriores à Revolução Industrial (ANDRADE, 1957, p.02).
A língua, compreendida enquanto artefato político, passa a ser constantemente
mobilizada pelos intelectuais que escreviam no jornal de modo a constranger o poder público
a adotar ações mais enfáticas na estruturação do ensino superior na cidade. Dentre essas
ações, a criação de uma Fundação municipal que atuasse na criação e manutenção das
escolas superiores na cidade passa a estampar as páginas do Diário da Borborema ao longo
dos meses de outubro e novembro de 1957. A Fundação para o Desenvolvimento da Ciência e
da Técnica (FUNDACT) deveria atuar, segundo as proposições do professor José Lopes de
Andrade, enquanto “agência regional de serviços”, congregando, assim, os intelectuais que
subsidiariam os debates em torno da ciência e da técnica, de modo a conferir “maior
racionalidade” na organização do ensino superior na cidade.
Após uma série de debates travados por e através do Diário da Borborema a
FUNDACT seria instituída através da Lei municipal de Nº. 49, de 28 de dezembro de 1957.
Na seção Homens e Fatos do dia 30 de dezembro de 1957, Lopes de Andrade ressaltava a
importância da FUNDACT na “coordenação, estímulo e divulgação de pesquisas e trabalhos
científicos e tecnológicos em todos os ramos”. Essa prerrogativa era considerada de extrema
relevância, haja vista “a manutenção e desenvolvimento de institutos de grau superiores ou
instituições complementares”7. Analisando a legislação que cria a FUNDACT e institui seus
núcleos diretores, observamos as atribuições que lhe conferiam auxílio na manutenção das
Faculdades existentes na cidade naquele período (Faculdade de Filosofia de Campina
Grande, Faculdade de Serviço Social e Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, esta última,
nunca implementada). Caberia à FUNDACT a realização de Conferências, bem como estudos
7 ANDRADE, José Lopes de. Desenvolvimento e Revolução Industrial. Diário da Borborema. Campina Grande, 31 de dezembro de 1957. Seção Homens & Fatos, p. 02.
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 4350
acerca das possibilidades de instituição de uma Universidade na cidade de Campina Grande.
A justificativa repousava na suposta função polarizadora que projetava Campina Grande
como “capital regional do nordeste”. O discurso crítico sobre o nordeste e a necessidade dessa
cidade em particular singularizar-se como instância mobilizadora desse “Novo Nordeste”
aparece de forma evidente.
Diversas foram as conferências proferidas por intelectuais no âmbito da FUNDACT e
que foram transcritas pelo Diário da Borborema, mais precisamente na seção Homens e
Fatos. Destacamos a edição do dia 26 de agosto de 1958, que traz parte da Conferência
realizada pelo professor José Lopes de Andrade, realizada no dia 21 de agosto do mesmo ano.
Na ocasião, o intelectual apontava a dicotomia socioeconômica existente no interior da
própria região nordeste, remontando aos escritos de Capistrano de Abreu na caracterização
do Nordeste-Exterior e do Nordeste-Interior. O discurso aponta para a polarização de ambos
os nordestes, evidenciando uma suposta necessidade de investimento socioeconômico no
âmbito do chamado Nordeste Interior8. A este seguimento da região, caberia a tarefa de
polarizar a concentração de investimentos, garantindo, assim, o desenvolvimento da região
como um todo:
No Nordeste, existe uma dicotomia sócio-econômica reconhecida por estudiosos dos mais diversos matizes: o Nordeste do Litoral (da cana-de-açúcar) e o Nordeste do Interior (do algodão e das fazendas de gado). Já o velho historiador Capistrano de Abreu falava dessa dicotomia sob os nomes de ‘Nordeste-Interior’ e ‘Nordeste-Exterior’, e um autor contemporâneo, Djacir Menezes, escreveu um livro que se tornou indispensável na consulta bibliográfica regional com um título bastante significativo a esse respeito: ‘O Outro Nordeste’, querendo aludir ao Nordeste das secas e dos cangaceiros, dos agrestes e dos sertões, em oposição ao Nordeste chuvoso e dos senhores-de-engenho, dos brejos, das praias e coqueirais. A Fundação para o Desenvolvimento da Ciência e da Técnica, cuja implantação iniciamos em Campina Grande, tem por finalidade específica, por um lado, a valorização e, por outro, o apoio a expansão de um daqueles Nordestes: precisamente o ‘Nordeste-Interior’ de que falava Capistrano de Abreu e de que a cidade de Campina Grande é uma das mais, senão a mais importante unidade territorial homogênea e com a mais pronunciada capacidade de polarizar o desenvolvimento das demais unidades que formam a região (ANDRADE, 1958a,p. 02).
8 Observa-se a apropriação, por parte dos intelectuais que escreviam na imprensa da cidade, das teorias dualistas para se re-pensar a problemática regional. Procedia-se, assim, a uma diferenciação no interior da própria região nordeste. Partindo da constatação da existência de “dois nordeste”: o “nordeste exterior” (do litoral) e o “nordeste interior” (dos sertões), a intelectualidade passa a advogar a atribuição desse “outro nordeste” (“nordeste interior”) na edificação do que denominavam de “conhecimento politécnico”. Na medida em que a faixa litorânea dos estados nordestinos havia entrado em contato com a cultura humanista, ao longo do período da colonização, prevalecendo nas capitais desses estados os cursos clássicos, caberia ao nordeste interior (cuja cidade de Campina Grande os intelectuais imaginavam representar essa porção geográfica) a tarefa de erigir as bases do edifício do “novo nordeste”. Observa-se, na composição desse debate, a interseção das perspectivas culturalistas, da vertente dualista (“desequilíbrios regionais”) e, a partir da década de 1960, da Ciência Regional.
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 4351
Os intelectuais desenvolvimentistas, escrevendo no Diário da Borborema, enfatizarão
a ideia de que a ciência e a técnica (mediante a instituição das escolas superiores)
consistiriam elementos indispensáveis à inserção das regiões periféricas no cerne do projeto
desenvolvimentista. Conforme a leitura partilhada por muitos desses intelectuais, pouco
adiantaria os investimentos direcionados ao nordeste se a região não contasse com elementos
técnicos-científicos que pudessem “racionalizar” as atividades aqui instituídas ou as que
ainda poderiam ser implementadas. Do contrário, permaneceria o quadro de dependência
(econômica, mas, sobretudo, técnico-científica) da região nordeste em relação ao outras
regiões “mais desenvolvidas”. Afinal, esses intelectuais partilhavam da ideia de que quando
uma nação ou região vivenciavam o “progresso econômico” sem disporem de um “progresso
cultural” (este último sempre concebido em termos de ciência e técnica), elas estariam se
beneficiando, também, da experiência de outras nações, povos e comunidades. Essa
“dependência cultural” poderia, segundo a produção discursiva veiculada pelos intelectuais,
fazer com que o progresso/desenvolvimento local passasse a ser “controlado por fora”,
atendendo, assim, aos interesses de outras regiões. Para essa intelectualidade, a instituição
do “Novo Nordeste” só poderia ser efetivada no concerto da ciência e da técnica:
O pensamento que presidiu a criação da FUNDACT inspirou-se nas pesquisas e no resultado de estudo dos maiores homens de ciência e tecnologistas contemporâneos, que acreditam que todo progresso econômico e social está necessariamente apoiado no progresso científico e tecnológico. Quando uma Nação, um Povo, ou uma Comunidade desfrutam de progresso econômico e social sem disporem de um progresso cultural –ciência e técnica- correspondente, podemos afirmar que eles estão se beneficiando, de uma maneira qualquer, da experiência de outras Nações, Povos ou Comunidade (ANDRADE, 1958b, p. 02).
Convertido em púlpito pela intelectualidade campinense, o Diário da Borborema
promoverá diversas campanhas, no início da década de 1960, reivindicando para Campina
Grande (e para a porção geográfica que acreditavam que essa cidade representava: o
“Nordeste-interior”) a instituição de uma Universidade. A justificativa repousava na ideia de
que a equação dos “problemas do nordeste” só poderia se efetivar mediante o advento da
universidade. Dentre essas campanhas, destacamos a promoção do Inquérito educacional
firmado entre a FUNDACT, a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE)
e o Instituto de Pesquisas Joaquim Nabuco. O inquérito em questão visava analisar as
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 4352
condições para a instituição de uma Fundação educacional ou Universidade na cidade de
Campina Grande.
2- “Universidade para região”: a atuação do Diário da Borborema na promoção do Inquérito Educacional sobre o ensino superior em Campina Grande.
Mobilizando o repertório de imagens e discursos que advogam para a cidade de
Campina Grande parcela importante na construção do chamado Novo Nordeste, os
articulistas do Diário da Borborema reiteram o binômio ciência e técnica como elementos
basilares na produção de um novo tipo de saber, saber este “ajustado” aos chamados
“problemas da Região”. Parte-se da constatação da situação identificada pela intelectualidade
como sendo de “atraso cultural”, vislumbrando perspectivas de ultrapassar esse momento,
mediante a apropriação da ciência e da técnica na construção do Novo Nordeste.
A necessidade de se unificarem as unidades de ensino superior então existentes na
cidade sob a égide da Universidade passa a circular de forma constante nos meios impressos,
bem como nos debates travados no interior instituições, como a FUNDACT. A imprensa, seja
através dos editoriais ou das seções especializadas em educação, apresenta-se como o púlpito
privilegiado pela intelectualidade na veiculação de seus discursos. Os editoriais de o Diário
da Borborema, bem como a seção Homens & Fatos endossam o discurso veiculado nos
espaços institucionais da FUNDACT, fazendo coro à “necessidade” de se instituírem um
“conjunto de saberes” voltados ao estudo dos “problemas da região”. A tônica desses
discursos parece se concentrar na preponderância da instituição universidade, substituindo o
“antigo modelo das faculdades isoladas” até então vigente. Tal perspectiva era defendida
como a “única” solução possível em face da necessidade de unificação do “esforço” até então
empreendido, seja pela inciativa pública ou privada, no que concerne à instituição e
manutenção das escolas de nível superior9.
Nesse cenário, intensificam-se os debates lavados a cabo pelo Diário da Borborema,
que na sua articulação editorial contava com nomes como José Lopes de Andrade, Epitácio
Soares, Osmário Lacet, Orlando Tejo, dentre outros. É importante ressaltar que muitos
desses articulistas integravam o grupo denominado por Lima (2012) como
“desenvolvimentistas”. Essa observação nos permite, inclusive, analisar com maior acuidade
9 Universidade para a Região. Diário da Borborema. Campina Grande. 01 de janeiro de 1965, p. 02- Editorial.
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 4353
os editoriais e colunas especializadas do jornal. A constância com a qual o debate educacional
(seja na perspectiva do ensino superior ou do processo educacional mais amplo) e industrial
aparecem no jornal nos permite aferir a importância que esse binômio passa a desempenhar
no debate então posto. Não se trata de tomar o Diário da Borborema enquanto expressão
dos chamados “desenvolvimentistas”, mas de atentar ao papel exercido por importante meio
de comunicação na constituição da chamada “opinião pública”, trazendo a tona (ou
invizibilizando) determinadas questões.
O editorial do dia 13 de janeiro de 1965 convocava, assim, a “sociedade campinense” a
se fazer presente à cerimônia de lançamento da Pesquisa Educacional a ser firmada entre a
FUNDACT, a SUDENE e o Instituto de Pesquisas Joaquim Nabuco. Segundo o editorial, a
Pesquisa se realizaria em duas frentes, quais sejam: com a SUDENE seria firmado um
contrato para a realização da pesquisa intitulada “Pesquisa sobre a possibilidade de
instalação de uma Fundação Educacional em Campina Grande” e o Instituto de Pesquisas
Joaquim Nabuco realizaria o estudo: “Análise da Estrutura Sócio-Econômica de Campina
Grande”. O contrato a ser celebrado entre as instituições visava, conforme o editorial
supramencionado, “diagnosticar a situação existente em nossa cidade, de modo a permitir
um prognóstico para uma organização mais ampla do nosso ensino superior”10. Para tanto, o
editorial mobiliza o repertório discursivo que apontava como o “destino” da cidade a criação
de um “grande polo educacional”. Nesse sentido, o jornal visa garantir a adesão da
população, seja chamando atenção para a necessidade de unificação das escolas de ensino
superior existentes na cidade sob a estrutura do sistema universitário, seja associando essa
condição como fator precípuo à “alavancada” do desenvolvimento industrial que se prometia
à cidade em meados da década de 1960.
O editorial prossegue convocando a “sociedade campinense” a se fazer presente à
reunião que firmaria a pesquisa celebrada entre a FUNDACT, a SUDENE e o Instituto de
Pesquisas Joaquim Nabuco e que estava marcada para acontecer no dia 20 de janeiro de
1965, nas dependências do Campinense Clube. O editorial busca produzir um efeito de
adesão no leitor, salientando a “significação” que o evento teria na constituição do “futuro da
cidade” enquanto “polo educacional”:
[...] Trata-se de iniciar nesta cidade um inquérito social, econômico e cultural com a finalidade de verificar as condições locais para implantação de um sistema integrado de ensino superior. Realmente é um plano arrojado em que todas as classes sociais de Campina Grande vão ser chamadas a
10 Pesquisa Sócio-Educacional. Diário da Borborema. Campina Grande, 16 de janeiro de 1965, p. 02- Editorial.
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 4354
colaborar, pois do contrário nada será possível objetivar no setor educacional local, necessitando na verdade de uma reformulação profunda. O interesse da população em geral, somado ao das autoridades locais, das classes empresariais (comércio e indústria), das classes liberais, dos líderes políticos estaduais e federais, dos governos estadual e federal, e de todos os órgãos de representação da comunidade, serão fatores precípuos para o sucesso do empreendimento que há de tornar Campina Grande um centro universitário de real valia ao país (Pesquisa Sócio-Educacional...1965, p. 02).
O papel desempenhado pela imprensa objetivava a um só tempo informar acerca das
questões atinentes ao ensino superior e, por conseguinte, garantir a adesão da sociedade na
empreitada que buscavam realizar. O discurso dos intelectuais, com destaque para a seção
Homens & Fatos, se volta, em grande medida, ao debate das exigências que o advento do
chamado Novo Nordeste estaria impondo à Região, qual seja: a necessidade de um saber
aplicado, “ajustado” aos problemas regionais. José Lopes de Andrade partilhava da
perspectiva de que a Paraíba entrara “atrasada” na constituição do ensino superior no Brasil.
Nesse “novo momento” caberia aos intelectuais, à imprensa e às instituições que visavam
fomentar o debate intelectual disseminar a importância da ciência e da tecnologia na
constituição do ensino superior.
Essa perspectiva se assentava no distanciamento da chamada cultura desinteressada,
que na ótica dessa intelectualidade não corresponderia às exigências postas pela sociedade
industrial. Às instituições universitárias, longe de se dedicarem exclusivamente à formação
de “doutores” deveriam atentar à formação de “fatores” para o desenvolvimento nacional e,
especificamente, regional. Essa associação entre “universidade” e o campo econômico é tema
recorrente na seção assinada pelo professor José Lopes de Andrade. Posicionando-se
enquanto ideólogo dos chamados problemas regionais, Lopes de Andrade é recorrente em
suas proposições acerca da necessidade do que identifica como “equilibrar” o
desenvolvimento econômico da região polarizada por Campina Grande frente à questão
educacional, esta última, enfatizada na perspectiva da alta cultura. Descuidando-se das
questões culturais, a cidade de Campina Grande poderia ver “estiolado” o seu
desenvolvimento econômico. Tal estiolamento se daria na medida em que o “descompasso”
então verificado entre os setores econômico e educacional levaria a cidade a importar
“conhecimento e técnica” necessárias ao desenvolvimento regional. Far-se-ia preciso investir
nos aspectos educacionais e culturais, evitando, assim, a dependência dos chamados “fatores
residentes no estrangeiro”:
[...] A industrialização, por exemplo, é quase impossível sem um “setor cultural” consciente da necessidade de avançar até elevado estágio de
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 4355
desenvolvimento econômico. Podemos importar de outros países ou regiões a ciência e a tecnologia necessárias ao lastreamento de formas adiantadas de economia, como a indústria. Mas, isto significa pagar “a fatores residentes no estrangeiro” ou fora da área que os utiliza, parcela substancial da renda auferida mediante sua utilização. Por outras palavras, significa continuar pobre e dependente por toda a vida. Campina Grande necessita de muito mais fator “cultural” do que atualmente possui para poder acelerar o processo de seu desenvolvimento. Em 20 anos, passamos do Grupo Escolar à Universidade, mas essa evolução atingiu somente camadas mínimas do nosso povo, e precisa, sobretudo, descer a profundidades muito maiores (ANDRADE, 1965, p. 02).
Como se pode observar, o discurso da intelectualidade propunha a associação da
“ciência e técnica” como fator precípuo ao desenvolvimento regional. Esse movimento é
percebido mediante uma ampliação das ofertas de educação superior, algo que na concepção
dos intelectuais desenvolvimentistas apenas poderia ser efetivada mediante a instituição do
sistema universitário. Nesse processo a chamada “racionalização” dos “recursos”, naturais e
humanos, far-se-ia a condição fulcral na alavancada desenvolvimentista que vislumbravam
para a Região.
O inquérito socioeducacional passa a estampar as páginas da imprensa campinense,
seja nos editoriais do Diário da Borborema ou nas seções especializadas. Percebe-se a um só
tempo a divulgação das etapas da pesquisa, bem como a persuasão do público leitor, tendo
em vista a mobilização dos diversos articulistas na elucidação das “causas” que poderiam
“estrangular” o desenvolvimento vivido pela cidade no período. O que se deslinda nas
páginas da imprensa do período é a formulação de perguntas por parte da intelectualidade no
que concerne a constituição de um “corpo de saberes” adaptados aos problemas da Região.
Nesse processo, a atuação da imprensa torna-se fulcral, na medida em que atua ora na
reivindicação da constituição do ensino superior na cidade, ora na promoção das atividades
realizadas11.
Os editoriais, representando a chamada “opinião pública”, desempenham papel nodal
nesse processo, alçando o debate educacional à condição de “causa de Campina Grande”.
Dessa forma, o grupo em torno do Diário da Borborema adquire as credenciais para veicular
propostas atinentes a estruturação do ensino superior, bem como denunciar o poder público,
na medida em que identificavam o “descaso” deste para com as questões atinentes ao ensino
superior.
11 Pesquisadores recebem apoio da população de Campina Grande. 20 de fevereiro de 1965, p. 01.
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 4356
Após extenso debate travado através da e na imprensa da cidade, o Inquérito
Educacional recomendaria a criação de uma Universidade, objetivando atender as
“demandas” técnico-científicas reclamadas pelo desenvolvimento regional. O texto final,
publicado pelo Diário da Borborema, é subsidiado por dados estatísticos atinentes à
arrecadação tributária do município de Campina Grande, do contingente populacional em
seu entorno, bem como pela questão que parece fulcral àquela intelectualidade, qual seja: a
necessidade apontada pelo estudo no que tange a “formação” e “melhoria” dos “recursos
físicos e humanos” conclamados na alavancada desenvolvimentista que então se vislumbrava.
Nessa questão, parece centrar-se o eixo principal das análises encetadas, haja vista a
constante reiteração ao longo do Inquérito educacional da necessidade de se constituírem um
“conjunto de saberes” voltados ao estudo dos chamados problemas regionais. A instituição da
URNe seria amplamente festejada pela intelectualidade que escrevia no Diário da
Borborema. Conforme veiculado diversas vezes nos editoriais do jornal, a cidade de Campina
Grande (e a porção geográfica que acreditavam que ela representava: o “Nordeste-interior”)
estaria vivenciando a “Idade de Ouro”, caracterizada pela supremacia da “ciência e da
técnica” na condução dos “problemas regionais”.
3- “A IDADE DE OURO”: a produção da URNe como “marco” no “desenvolvimento cultural” do “Nordeste interior”.
A produção de um saber “ajustado” às demandas da região consistiria, conforme a
perspectiva constantemente veiculada pelos articulistas do Diário da Borborema, no
principal objetivo que a URNe deveria se debruçar. Mobilizavam, assim, a retórica de que
essa instituição auxiliaria na “solução” dos “problemas crônicos” que arrastavam o Nordeste
à situação de atraso e pauperismo. “Conhecer para prover” era o tema por diversas vezes
reiterado pela intelectualidade à frente do debate. O conhecimento “exato” da “realidade
nordestina” possibilitaria, segundo essa perspectiva, a abordagem dos problemas regionais
de forma a eliminarem-se as causas do subdesenvolvimento, até então abordadas em termos
de “policiamento dos seus efeitos”.
A URNe representaria, assim, a “consolidação da experiência universitária” em
Campina Grande. A imprensa teria um papel nevrálgico na promoção das atividades da
universidade. Tratava-se, para utilizarmos os termos veiculados pelo editorial do Diário da
Borborema de 30 de abril de 1966 (data de instalação da URNe), na “nova tarefa” a ser
desempenhada pela imprensa campinense, “no sentido de uma grande promoção da cidade
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 4357
no seu atual estágio de desenvolvimento cultural, com a implantação da Universidade
Regional do Nordeste”. A “promoção do desenvolvimento cultural” da cidade,
constantemente aludida pelo Diário da Borborema, far-se-ia mediante a reconfiguração do
repertório de imagens que até então caracterizaria a dinâmica da cidade. Para isso, prossegue
o editorial anteriormente citado, “devemos arquivar por esta superado o velho conceito de
Campina Grande como centro comercial do nordeste”. “Hoje”, prossegue o editorial, “somos
uma cidade universitária e um centro industrial em formação”. Para isso é que se deveria
voltar a atenção da imprensa da cidade, “dando destaque nos seus noticiários às promoções
culturais aqui realizadas, sobretudo às solenidades de formatura dos seus engenheiros, dos
seus economistas, sociólogos, assistentes sociais, bacharéis em Direito, filósofos e
professores”.12
Se o mundo social é constituído por conceitos (aqui poderíamos falar em imagens
mentais), qualquer modificação bem sucedida no uso de um conceito (imagem) constituirá ao
mesmo tempo uma mudança no mundo social (SKINNER, 2002). Logo, ao elencar as
dimensões que deveriam ser privilegiadas pela imprensa local, conforme observado no
editorial supramencionado, a intelectualidade à frente do Diário da Borborema visava
sedimentar “um novo conceito” que se pretendia impingir à cidade. Tratava-se de um
conjunto de eventos, tais como as solenidades de colação de grau, das aulas magnas de
abertura do ano letivo, dentre outros, que deveriam ser privilegiados pela imprensa, de modo
a “incutir no fundo das almas”, como alude o editorial em questão, o momento de
“desenvolvimento cultural” que se julgava em voga em Campina Grande.
Dentre esses eventos, destaca-se, pela frequência com que aparece no jornal, a
solenidade de instalação da URNe, ocorrida em 30 de abril de 1966. O editorial do Diário da
Borborema de 03 de maio de 1966 ressaltava a “importância” que a instituição de um “novo
núcleo de cultura” representava para a Região. O texto não difere da percepção amplamente
divulgada nos meios de comunicação do período, bem como nos espaços de sociabilidade
intelectual, qual seja: a ideia de que ao lado do desenvolvimento econômico da cidade de
Campina Grande far-se-ia imprescindível a sua correlação no plano cultural, algo que na
percepção daquela intelectualidade só seria possível com a instituição de uma Universidade
“adaptada” aos “problemas regionais”.
Nesse ínterim, é toda uma “cultura política” que é mobilizada, sedimentando, por
conseguinte, “leituras do passado” e “projeções para o futuro”. O “passado”, na ótica da
12 NO ATUAL estágio de desenvolvimento...Diário da Borborema. Campina Grande. 30 de abril de 1966. Editorial, p. 02.
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 4358
intelectualidade à frente do debate, garantiria por si só o sucesso da empreitada no campo do
ensino superior. O “passado” a que se referem é geralmente apresentado a partir da epopeia
do desbravamento, aspecto que teria impingido à “personalidade do campinense” o caráter
“guerreiro” inerente aos tropeiros, que segundo a historiografia tradicional teriam sido os
primeiros a desbravarem o espaço no qual se localiza a cidade. Dessa forma, a instituição da
URNe representava, conforme o editorial do Diário da Borborema de 03 de maio de 1966, o
alicerce para o futuro da cidade e da Região como um todo, na medida em que lançaria as
bases do conhecimento técnico-científico, considerado indispensável ao projeto de
desenvolvimento regional:
[...] A instalação de um núcleo de cultura desse porte, com essa decisão tão admirável, com esses objetivos tão exaltadamente patrióticos, constitui um marco na história da cultura nacional. Justo que sua localização seja nessa cidade, cujo passado e presença são o penhor mais indiscutível da continuidade do instituto e dos promissores auspícios que o acompanharão sempre. Nas delicadas mãos campinenses, a Universidade Regional será, a exemplo de todos os empreendimentos locais, um soberbo motivo de orgulho para o Nordeste e o Brasil. Felizes os que podem viver nesta hora um grande momento histórico do nosso país do futuro. Podemos distinguir agora nesta cidade a mesma tradição de grandeza e visão além dos tempos – visão criadora para o amanhã nos alicerces do dia de hoje: Universidade Regional que é a sua doação maior ao Brasil ao mesmo tempo que incorpora ao brasão campinense a primazia cultural ao lado da primazia econômica (A instalação de um núcleo de cultura desse porte...1966, p. 02).
A promoção dos eventos envolvendo a vida intelectual da cidade torna-se frequente
nas páginas do Diário da Borborema. Solenidades de abertura e fechamento dos anos
letivos, visitas de autoridades da burocracia educacional à URNe, eventos de concessão de
títulos de Doutor Honoris Causa consistem em alguns exemplos onde o debate educacional é
intensamente mobilizado pelos articulistas do jornal. O Diário da Borborema se apropriaria,
assim, da frase proferida por José Américo de Almeida quando da concessão do título de
Doutor Honoris Causa pela URNe, para cunhar o “novo momento” que se pretendia impingir
a Campina Grande.
A “Idade de Ouro” consistiria no título de dois editoriais do Diário da Borborema,
nos quais se percebe a defesa da ideia de que a cidade de Campina Grande, mediante a
instituição da URNe, estaria experenciando “nova vivência” nos assuntos da chamada alta
cultura. Para a intelectualidade à frente do debate, a chamada “experiência universitária” se
faria sentir a partir das atividades e movimentos intelectuais levados à cabo pela
Universidade. Tais eventos marcariam, assim, a consolidação do novo status pretendido pela
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 4359
cidade, qual seja: a de polo educacional, cujo ensino universitário se voltaria para os
chamados problemas regionais:
[...] Tem sido sempre assim uma sequência quase ininterrupta de empreendimentos de natureza cultural, criando vivência nova na população serrana, cuja antiga preocupação pelas atividades apenas pragmáticas se substitui dia a dia por uma crescente preocupação espiritual, que vai desde o interesse pela erudição até a emoção mais refinada pela arte [...] Iniciando agora sua “idade de ouro”, isto é, a idade da inteligência e da Cultura, Campina Grande marcha para consolidar o desenvolvimento que já atingiu e estabelecer bases para atingir novas etapas de progresso, só possíveis na existência das cidades quando conseguem apoiar e orientar sua ação em reflexão severa e amadurecida da realidade (Idade de Ouro...1968, p. 02).
As promoções em torno da “vida universitária” da cidade prosseguiriam no jornal.
Todavia, com o recrudescimento da censura, após a promulgação do AI-5, o trânsito de
alguns intelectuais nos veículos da imprensa também seria afetado. É significativo o
“desparecimento” da coluna diária assinada pelo professor José Lopes de Andrade no Diário
da Borborema. É provável, assim, que a censura ao colunista esteja relacionada à mudança
na linha editorial do referido jornal, com a substituição de grande parte de seus articulistas
por pessoas “mais afinadas” às diretrizes do regime em voga. Dessa forma, as críticas que
vinham sendo tecidas pelo professor Lopes de Andrade, tendo em vista o processo de
intensificação do autoritarismo, podem ter soado enquanto comportamento “subversivo”,
levando-o ao afastamento em definitivo do jornal.
Nesse ínterim, a discussão que atrelava a educação superior à instituição do “Novo
Nordeste” cederá espaço, no jornal (e também fora dele), a outras perspectivas analíticas. O
Diário da Borborema continuará registrando a vida intelectual da cidade. Entretanto, na
medida em que grande parte dos intelectuais desenvolvimentistas são destituídos do jornal (e
também de outras instituições, como a URNe, por exemplo) verifica-se uma mudança no
encaminhamento do debate até então estabelecido. O ensino superior, até então tomado
como condição nevrálgica para a instituição do “Novo Nordeste”, disputará com outros
segmentos o status de “calcanhar de Aquiles” para o projeto de desenvolvimento regional.
Como a produção da matéria jornalística é assentada em processos conscientes e
inconscientes do que tornar (in) visível, a reconfiguração dos cenários político e intelectual
implicará na formulação de questões outras ao debate educacional travado no e pelo Diário
da Borborema.
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 4360
Considerações Finais
Entre as décadas de 1950 e 1960, encontrou eco, na cidade de Campina Grande, a
ideia de que o desenvolvimento econômico do nordeste não poderia se fazer sem a
estruturação do ensino superior. Nesse cenário, destaca-se a veiculação da ideia, assentada
na interseção de diversas perspectivas analíticas (tais com a vertente culturalista, dos
“desequilíbrios regionais” e da “Ciência Regional”), que advogava para a cidade de Campina
Grande a “tarefa” de encabeçar o chamado “desenvolvimento cultural” do “Nordeste
interior”. Esse “desenvolvimento” era considerado aspecto nodal para o êxito do projeto
desenvolvimentista, este último consubstanciado em políticas governamentais que
começavam a mobilizar as lideranças políticas e intelectuais de norte a sul do Brasil.
A imprensa, reivindicando a representação da “opinião pública”, desempenhou um
papel nodal na promoção do debate educacional. Elevando o ensino superior à condição de
“causa educacional” da cidade, o Diário da Borborema promoveu em suas páginas debates e
embates acerca do papel a ser desempenhando pelo ensino superior na instituição do
chamado “Novo Nordeste”. Contando com uma gama de articulistas ligado ao grupo
denominado por Lima (2012) como “desenvolvimentistas”, esse jornal acabou se
constituindo no púlpito privilegiado pelos intelectuais no que concerne à veiculação de suas
ideias e projetos de ensino superior. Privilegiamos, em nossas análises, a seção Homens &
Fatos, bem como os editoriais desse jornal, compreendendo a escrita nesses espaços como
atividade política que visa intervir no debate educacional.
Se a linguagem é o meio para pensar e expressar sensações, sentimentos, vontades,
atitudes, etc., esse processo ganha forma e realidades em um ambiente social. No bojo do
debate que se instituiu em Campina Grande nas décadas de 1950 e 1960, a linguagem foi
amplamente mobilizada pela imprensa local, de modo a sedimentar o “novo conceito” que se
pretendia impingir à cidade. É exatamente nesse ponto onde se encontram a escrita e ação
política. Promovendo o debate educacional sobre o ensino superior, o Diário da Borborema
mobilizou estratégias discursivas, efeitos retóricos que visavam chamar atenção do público-
leitor frente à “importância” da universidade, assentada no binômio ciência e técnica, para o
projeto de desenvolvimento regional. O jornal endossou, assim, diversas campanhas e viu
lograr êxito em diversas de suas empreitadas. Basta citarmos a campanha mobilizada pelo
jornal para a instituição da FUNDACT, o apoio e divulgação dados à realização do Inquérito
educacional sobre o ensino superior na cidade, bem como a sedimentação de um “novo
conceito” que se pretendia imprimir à cidade naquele período, qual seja: a ideia de que
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 4361
Campina Grande (representando uma fração do chamado “Nordeste interior”) consistia em
“polo universitário”. Partindo do pressuposto de que o mundo social é constituído de
“conceitos”, a mobilização desses, por parte da intelectualidade que escrevia no jornal, visava
intervir na realidade. Constituía-se o Diário da Borborema em importante ator do debate
educacional travado na cidade entre as décadas de 1950 e 1960. Através dos debates e
embates travados em suas páginas, vislumbrou-se, mediante o saber científico e técnico,
promover o “Novo Nordeste” que acreditavam estar “surgindo” no concerto do ensino
superior.
Referências e fontes:
ANDRADE, José Lopes de. Desenvolvimento e Revolução Industrial. Diário da Borborema. Campina Grande, 31 de dezembro de 1957. Seção Homens & Fatos, p. 02. __________________. Progresso Científico e Tecnológico. Diário da Borborema, Campina Grande, 05 de dez. de 1958a. Coluna Homes & Fatos, p. 02. __________________. Fórum Permanente de Debates. Diário da Borborema, Campina Grande, 20 de abr. de 1958b. Coluna Homes & Fatos, p. 02. __________________. Desenvolvimento e fator cultural. Diário da Borborema. Campina Grande, 14 de dezembro de 1965. Coluna Homens & Fatos, p. 02. ARAÚJO, Maria de Fátima. História e Ideologia da Imprensa na Paraíba. João Pessoa: União, 1983. ____. Paraíba: Imprensa e Vida. João Pessoa: União, 1986. A INSTALAÇÃO de um núcleo de cultura desse porte... Diário da Borborema. Campina Grande, 03 de maio de 1966, p. 02- Editorial. BURKE, Peter; BRIGGS, Asa. Uma história social da mídia: de Gutemberg à internet. Rio de Janeiro: Zahar, 2004. FURTADO, Celso. Uma política de desenvolvimento econômico para o Nordeste. 2ª edição. Recife, Assessoria da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste, 1967. IDADE de ouro. Diário da Borborema. Campina Grande, 22 de outubro de 1968, p. 02. Editorial. LIMA, Damião de. Campina Grande sob intervenção: a ditadura de 1964 e o fim do sonho regional/desenvolvimentista. João Pessoa: Editora da UFPB, 2012. NO ATUAL estágio de desenvolvimento...Diário da Borborema. Campina Grande. 30 de abr. 1966. Editorial, p. 02. Pesquisa Sócio-Educacional. Diário da Borborema. Campina Grande, 16 de janeiro de 1965, p. 02- Editorial. PESQUISADORES recebem apoio da população de Campina... Diário da Borborema. Campina Grande, 20 de fevereiro de 1965, p. 01.
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 4362
PIMENTEL, Cristiano. A Imprensa Campinense através dos tempos. In: Revista Campinense de Cultura. Ano II, nº, 06, dez de 1965. POCOCK, J.G.A. Linguagens do Ideário Político. MICELLI, Sérgio (org.); Trad. Fábio Fernadez. São Paulo: Edusp, 2003. SKINNER, Quentin. Razão e retórica na filosofia de Hobbes. Trad. Vera Ribeiro. São Paulo: Editora da UNESP, 1999. ________________.Visões da política: sobre os métodos históricos. Algés: Difel, 2002.
Recommended