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8/3/2019 O Direito como interpretação na perspectiva de Ronald Dworkin
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O Direito como interpretação naperspectiva de Ronald Dworkin
Daniel Cavalcante Silva
Elaborado em 11/2010.Página 1 de 2»
Desativar Realce A A
"Qualquer teoria política que confira um lugar importante à igualdade também exige
suposições a respeito dos limites das pessoas, pois deve distinguir entre tratar as pessoas como
iguais e transformá-las em pessoas diferentes."
Ronald Dworkin
1 – Introdução
Mesmo fora do âmbito da ciência, a única forma possível de entendimento entre
os homens é a aplicação de uma palavra por meio de outra. Tal assertiva contempla o que
Aristóteles chamou de definição, interpretação ou significação. Aplicam-se diariamente os
princípios da filosofia nas mais simples atividades quotidianas, como na seguinte
exclamação: "O homem é um animal racional!" Ao analisar esta frase observa-se que há a
limitação do termo homem com o termo animal, excluindo, por conseguinte, o que seja
vegetal ou mineral. Esta simples explicação não é nada mais do que o desenvolvimento da
percepção humana ao longo dos tempos.
A percepção do homem foi se aperfeiçoando, aguçada por expressões,
metáforas, sofismas e definições. É bem verdade que durante muito tempo a percepção do
homem ficou bastante atrelada às mais diversas idéias, as quais eram difundidas em
virtude de princípios morais rígidos, da religião, da política, etc. A percepção era utilizada
em face dos mais diversos interesses, sendo uma forma inumar as próprias idéias do
homem. O homem era um cético sem ilusão, com a sua percepção restrita ao que
emanavam os dogmas, os cânones e as insípidas leis.
Trata-se da verdade lógica em conformidade com a inteligência das coisas. É a
verdade percebida por intermédio de um juízo de valor, o qual o homem passou entender
durante o decorre dos tempos. Nesse sentido dever-se-á observar que os valores sociais
não são eternos, mudam no tempo e no espaço, portanto, buscando a perfeição, o homem
altera suas convicções, e aquilo que era normal num dado momento, porque de acordo
com as convicções vigentes, se faz ultrapassado, anormal. Uma convicção tida como
verdadeira, num dado momento histórico, e, portanto normal, pode ruir com o passar do
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tempo, sendo substituída por uma nova descoberta, a qual, por sua vez, passa a ter uma
aceitação normal.
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É nesse momento que se faz necessária a capacidade de interpretação do
homem, com o intuito de entender a finalidade social das mais diversas leis e instituições
de cada tempo. É justamente este enfoque que Ronald Dworkin, no ensaiointitulado "Direito como interpretação" , o qual faz parte da obra "Uma questão de
princípio" , almeja dar ao sentido da interpretação jurídica. A questão da interpretação
também é abordada nas obras"Levando os direitos a sério" e "O Império do Direito" .
A interpretação do direito tem por base, na perspectiva de Dworkin, o princípio da
igual liberdade, em que o juízo e as partes deverão curvar-se às peculiaridades sociais de
cada caso, de forma que o bom senso se sobressaia da palidez normativa. Direito é
interpretação, é subjetividade, é percepção, logo há certa parcela de variação a depender
de quem o aplique. E para melhor se aproveitar dessa subjetividade, cabe aos operários
do direito aplicar a equidade, que é a justiça do caso particular e suas peculiaridades, de
modo que o bom senso prevaleça na sentença, já que o direito é feito pelo homem e para
o homem. Com isso a prestação jurisdicional será mais sensível e humanizada, e a paz
social será melhor difundida.
2 – Não existe mesmo nenhuma resposta certa para casos controversos?
O próprio título do capitulo já evidencia qual é o problema a ser esclarecido por
Dworkin. O problema aventado no ensaio remonta a questão dos casos controversos
(hard cases), outrora debatido na obra "Levando os Direitos a Sério", principalmente no
que tange ao que os filósofos jurídicos chamam de "lacunas" no direito.
Para tal mister, Dworkin exemplifica um caso controverso que diz respeito á
possibilidade de um contrato assinado no domingo ser considerado sacrílego [01]. Tem-se o
seguinte exemplo:
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"Suponha-se que o legislativo aprovou uma lei estipulando que ‘contratos sacrílegos’, de
agora em diante, serão inválidos. Tom e Tim assinaram um contrato no domingo, e agora Tom
processa Tim para fazer cumprir o contrato, cuja validade Tom contesta. Dizemos que o juiz deve
buscar a resposta certa para a questão de se o contrato de Tom é válido, mesmo que a comunidade
esteja dividida quanto a qual é a resposta certa? Ou é mais realista dizer que simplesmente não há
nenhuma resposta certa para a questão?" [02]
É necessário esclarecer que as ocasiões que uma questão não tem nenhuma
resposta correta em nosso sistema jurídico são geralmente raras, como o próprio Dworkin
reconhece. A questão, no entanto, apresenta uma ambigüidade problemática.
Determinados conceitos jurídicos, como os de contrato válido, responsabilidade
civil e penal, admitem o que Dworkin chama de "tese da bivalência". Segundo essa tese,
em todos os casos, ou a asserção positiva, ou a asserção oposta, de que não se
enquadra, deve ser verdadeira mesmo quando é controvertido qual delas é verdadeira. Em
outras palavras, em determinadas situações, os juizes têm o dever, pelo menos prima
facie, de decidir certos pleitos num certo sentido, mas se não é válido, os juízes
devem, prima facie, decidir os mesmos pleitos em sentido oposto. Por exemplo: "os
juristas parecem supor que uma pessoa privada é responsável ou não, conforme o direito,
pelo dano que seu ato causou; se for, os juízes têm o dever de condená-la à reparação
dos danos, mas se não for, eles têm o dever de não fazê-lo." [03]
Dworkin, no entanto, demonstra a existência da uma ambigüidade latente de que
em alguns casos uma questão de Direito não tem nenhuma resposta, razão pela qual
distingui duas versões sobre essa tese, ambas negando que a tese da bivalência é válida
para conceitos dispositivos importantes, ou seja, nega que a tese da bivalência é aplicada
em determinados casos controvertidos.
É necessário esclarecer que Dworkin cria as duas versões sobre a tese de que
não haja "nenhuma resposta" ao caso controverso, construindo a tese de "nenhumaresposta" e, em seguida, desconstruindo essa mesma tese com o objetivo de mostrar que
não existe casos em que o Direito não possa dar uma resposta eficaz e válida, de acordo
com os cânones vigentes.
Primeira Versão
A primeira versão sustenta a conduta lingüística superficial dos juristas. De
acordo com essa versão, a análise ao contrato celebrado entre Tom e Tim, com base nateoria da bivalência, seria enganosa porque sugeriria que não haveria espaço lógico entre
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a proposição de que um contrato é válido e a posição de que não é válido, isto é, porque
não admite que ambas as proposições possam ser falsas. Em suma, de acordo com a
primeira versão da tese, em meio às duas premissas haveria uma terceira possibilidade
independente, dando ensejo para que o contrato não seja válido ou inválido, mas tão
somente "incoativo".
A primeira versão da tese de "nenhuma resposta correta" afirma que há, entre
cada conceito dispositivo e sua aparente negação, um espaço ocupado por um conceito
distinto, como o de um contrato "incoativo", que, na verdade, não se tem um nome
específico para esse conceito distinto. Nesse caso, o conceito de contrato válido não
descreve simplesmente as circunstâncias factuais sob as quais os juízes têm o dever de
decidir.
Para Dworkin, no entanto, o terceiro elemento implícito no contrato, que foi
denominado de conceito distinto, não passa de uma afirmação semântica sobre o
significado de conceitos jurídicos e que seria natural, portanto, sustentar essa afirmação
recorrendo a uma prática lingüística decisiva. A teoria da semântica traduz enunciados
sobre contratos em enunciados sobre deveres públicos.
Portanto, mesmo que houvesse um terceiro elemento implícito no contrato, que
tivesse o condão de afastar teoria da bivalência, haveria a possibilidade de que este
contrato fosse analisado sob a luz da teoria da semântica, que seria uma espécie de
"enunciado público orientador do contrato".
Tais argumentos, por si só, já seriam suficientes para afastar a primeira versão da
tese de que não haja "nenhuma resposta" ao caso, conquanto haja um forte motivo para
ajustar a semântica jurídica de modo a abranger o contrato.
Dworkin esclarece que teoria da semântica obscurece o papel importante e
distinto dos conceitos dispositivos e na argumentação jurídica, daí a importância da
interpretação do contrato e da lei no caso específico.
Segunda Versão
A segunda versão tese de que não haja "nenhuma resposta correta" não supõe
que exista alguma terceira possibilidade e nem supõe que exista algum espaço lógico
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entre as proposições de um contrato válido ou inválido, ou de uma pessoa responsável ou
não, ou de que um ato seja crime ou não seja.
Por essa versão, a pergunta "O contrato de Tom é válido?" poderia ser análoga à
pergunta "Tom é de meia-idade ou não?". Essa última pergunta pode remeter ao
questionamento de saber se Tom poderia ser jovem ou velho. A segunda versão sustenta
que proposições jurídicas não são diretamente verdadeiras nem falsas em relação a algum
parâmetro externo, mas proposições cuja afirmação ou negação é permitida por regras
básicas que variam de acordo com a prática.
Para explicar a segunda versão, Dworkin formula três argumentos de construção
à tese de "nenhuma resposta correta", quais sejam:
a)Argumento da imprecisão;
b)Argumento do positivismo;
c)Argumento da controvérsia.
De acordo com o argumento da imprecisão, é uma idéia muito popular entre os
juristas que a imprecisão da linguagem que usam garante que, inevitavelmente, nãohaverá nenhuma resposta correta para certas perguntas jurídicas. Mas a popularidade
dessa idéia baseia-se na incapacidade de distinguir entre o fato e as conseqüências da
imprecisão na linguagem jurídica consagrada.
O contrato de Tom e Tim foi celebrado em um domingo, podendo ser considerado
sacrílego e, portanto, ser considerado inválido judicialmente. A imprecisão do termo
"sacrílego" é a imprecisão inerente a qualquer explicação que os legisladores possam ter
dado ao seu próprio estado de espírito no momento de elaborar a lei, mas isso não quer
dizer que pergunta não tenha resposta. O argumento da imprecisão e rechaçado pelo fato
de que os critérios de um jurista para estabelecer o impacto de uma lei sobre o Direito
podem incluir cânones de interpretação ou explicação legal que determinam a força de se
considerar que uma palavra imprecisa tem numa ocasião particular, ou, pelo menos, fazer
sua força depender de questões adicionais, que, em princípio, têm uma resposta certa.
Em relação ao argumento do positivismo, "o contrato de Tom é válido" significaria
a mesma coisa dizer que "um poder soberano ordenou que contratos como o de Tom
sejam cumpridos". Trata-se de um positivismo semântico, como chama Dworkin, que, em
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princípio, não oferece argumento em favor da segunda versão da tese de "nenhuma
resposta correta".
O Direito é um empreendimento tal que as proposições de Direito não descrevem
o mundo real da maneira como os fazem as proposições comuns, mas são antes
proposições cuja asserção é garantida por regras básicas como as do exercício literário.
Essa textura aberta na linguagem jurídica consagrada é o que poderia se posicionar a
favor da segunda versão da tese "nenhuma resposta correta". Portanto, a questão de se
existe ou não uma resposta correta para qualquer questão específica de Direito dependerá
essencialmente de qual das formas da tarefa jurídica está em jogo, ou seja, aplicar-se-á as
afirmações (ou negações) das proposições que se ajustam melhor à teoria política que
oferece a melhor justificativa para proposições de Direito já estabelecidas.
Já o argumento da controvérsia é o mais influente a favor da segunda versão da
tese de "nenhuma resposta correta". O argumento da controvérsia pode ser demonstrado
por intermédio da tese que Dworkin chamou de "tese da demonstrabilidade". Essa tese
afirma que, se não se pode demonstrar que uma proposição é verdadeira, depois que
todos os fatos concretos que possam ser relevantes para sua veracidade sejam
conhecidos ou estipulados, então ela não pode ser verdadeira.
Seguindo a tese da demonstrabilidade, se juristas sensatos podem discordar
quanto a se contratos firmados no domingo são sacrílegos no sentido legal, porque
sustentam visões diferentes sobre como devem ser interpretadas as leis que contêm
termos imprecisos, então não se pode demonstrar a veracidade da proposição de que o
contrato de Tom é válido, mesmo que todos os fatos sobre o que os legisladores tinham
em mente sejam conhecidos ou estipulados. Nesse sentido, a tese da demonstrabilidade
oferece um argumento conclusivo em favor da segunda versão.
Para Dworkin, no entanto, a tese da demonstrabilidade parece depender sempre
de uma resposta acerca de todos os fatos concretos. Essa resposta abrirá margem à
escolha pessoal (predileção) às proposições dos fatos concretos. Não haveria, para
Dworkin, opiniões pessoais superiores às outras, razão pela qual a resposta acerca dos
fatos concretos vai atender a algum propósito valioso, o que cria problemas à tese da
demonstrabilidade.
O raciocínio jurídico faz uso da idéia de coerência normativa, que é claramente
mais complexa que a coerência narrativa dos fatos e, pode-se considerar, introduz novos
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fundamentos para afirmações de subjetivismo. Para Dworkin, haveria duas dimensões que
forneceria uma melhor justificativa aos dados jurídicos: a dimensão da adequação e a
dimensão da moralidade política. A dimensão da adequação supõe existir uma política
melhor do que outra e a dimensão da moralidade política oferece uma justificativa melhor
enquanto teoria político-moral. Essas dimensões de adequação, no entanto, ficam a mercê
do caráter indeterminado da política, podendo ser objeto de disputa e, até mesmo, assumir
caráter utilitarista.
Dworkin conclui que a teoria dos direitos individuais (direitos fundamentais) é a
única em que não é problemático saber se existe a possibilidade teórica de "nenhuma
resposta correta". Portanto, os direitos fundamentais seriam a única dimensão favorável a
rechaçar qualquer forma de que não exista resposta correta em casos controversos.
3 – De que maneira o Direito se assemelha à literatura
A prática jurídica, segundo Dworkin, é um exercício de interpretação não apenas
quando os juristas interpretam documentos ou leis específicas, mas de um modo geral.
Desta feita, Dworkin propõe, para a melhor compreensão do direito, que a interpretação
jurídica seja comparada com a interpretação em outros campos do conhecimento, em
especial a literatura. Para tal mister, Dworkin analisa o sentido que deve ser dado às
proposições de direito e, em seguida, às proposições da literatura, fazendo uma interseção
entre ambas.
O Direito
Dworkin, inicialmente, prega que o problema central da doutrina jurídica analítica
diz respeito ao sentido que se deve dar às proposições de Direito. Desta premissa,
Dworkin aventa o seguinte questionamento: de que tratam as proposições jurídicas? O que
podem torná-las verdadeiras ou falsas? Essa dificuldade emerge porque, segundo
Dworkin, as proposições de Direito parecem ser descritivas, como se fossem trechos da
história. Dworkin assevera que os positivistas jurídicos acreditam que as proposições de
direito seriam inteiramente descritiva.
No entanto, Dworkin refuta a assertiva acima sob o argumento de que enunciados
controvertidos seriam tentativas de descrever algum Direito objetivo puro ou natural, que
existe em virtude da verdade moral objetiva, não da decisão histórica. Portanto, as
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proposições de direito não seriam meras descrições da história jurídica, nem simplesmente
valorativas, em algum sentido dissociado da história jurídica.
Em uma conclusão sumária, as proposições do direito são interpretativas da
história jurídica, que combina elementos tanto da descrição quanto da valoração, sendo,
porém, diferentes de ambas. É por essa razão que Dworkin faz a presente analogia.
A maior parte da literatura presume que a interpretação de um documento
consiste em descobrir o que seus autores queriam dizer ao usar as palavras que usam.
Mas os juristas reconhecem, segundo Dworkin, que em muitas questões o autor não tem
intenção e que, em outras, é impossível conhecer sua intenção, a exemplo do Common
Law .
Contudo, a idéia de interpretação não pode servir como descrição geral da
natureza ou veracidade das proposições de direito, a menos que seja separada dessas
associações com significado ou intenção do falante. Do contrário, torna-se simplesmente
uma versão da tese positivista de que as proposições de direito descrevem decisões
tomadas por pessoas ou instituições no passado.
Portanto, conclui Dworkin para defender a sua analogia:
"Nem todas as discussões na crítica literária são edificantes ou mesmo compreensíveis,
mas na literatura foram defendidas muito mais teorias da interpretação que no Direito, inclusive
teorias que contestam a distinção categórica entre descrição e valoração que debilitou a teoria
jurídica." [04]
A Literatura
A priori, Dworkin aventa teses que ofereçam algum tipo de interpretação do
significado de uma obra como um todo. Para oferecer esse tipo de interpretação, Dworkin
elabora a tese da "Hipótese Estética" e da "Intenção do Autor", partindo-se do pressuposto
da dificuldade normal do significado pretendido pelo texto, o que pode influenciar em
questões maiores.
A – Hipótese Estética
Segundo essa tese, "a interpretação de uma obra literária tenta mostrar que
maneira de ler (ou de falar, dirigir ou representar) o texto revela-o como a melhor obra de
arte." [05] A interpretação de um texto tenta mostrá-lo como a melhor obra de arte que ele
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pode ser, e o pronome acentua a diferença entre explicar uma obra de arte e transformá-la
em outra. Isso é o que também poderia ser chamado de teoria holística do direito.
É óbvio que uma teoria de interpretação deve conter uma subteoria sobre a
identidade de uma obra de arte para ser capaz de distinguir entre interpretar e modificar
uma obra. É justamente neste ínterim que se fundamenta a hipótese estética de
interpretação, podendo ser descrita da seguinte maneira:
1 – (Identidade) Primeiramente, deve-se interpretar levando-se em consideração
todas as palavras, sem qualquer modificação. Exemplo: leitura de um texto canônico, ou
de uma partitura, ou de um objeto físico singular.
2 – (Coerência e Integridade) Em seguida, um estilo interpretativo será sensível
às opiniões do intérprete a respeito da coerência ou integridade da arte, razão pela qual
uma interpretação não pode tornar uma obra de arte superior à outra. Um texto lúgubre de
Augusto dos Anjos sobre a morte não é menos valioso do que um romance de José Lins
do Rêgo.
3 – (Considerações Substantivas do Valor Artístico) Há espaço para muita
discordância entre críticos acerca do que considerar como integração, de que tipo de
unidade seja desejável e qual é irrelevante ou indesejável. Por exemplo: a arte é melhor
quando é, de alguma maneira, instrutiva quando aprendemos com ela alguma coisa sobre
como são as pessoas ou como é o mundo? Ao responder essa questão, o leitor indicará
qual seria a melhor obra de arte.
4 – Não obstante, qualquer um que interpreta uma obra de arte vale-se de
convicções de caráter teórico sobre a identidade e outras propriedades formais da arte,
assim como de opiniões mais explicitamente normativas sobre o que é bom na arte. São
convicções do que seja bom ou seja ruim.
Dworkin conclui que a hipótese estética é trivial, pois diferentes tipos de teorias
de arte são geradas por diferentes tipos de interpretação. Portanto, nenhuma afirmação
estética importante poderia ser "demonstrada" como verdadeira ou falsa, pois os juízos
estéticos seriam subjetivos e, portanto, não demonstráveis..
B – A Intenção do Autor
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Para Dworkin, o principal teste da hipótese estética encontra-se no seu poder
explicativo e, particularmente, no seu poder crítico. A tese da Intenção do Autor supõe:
"O que é valioso numa obra de arte, o que nos deveria levar a valorizar uma obra de arte
mais do que outra, limita-se ao que o autor, em algum sentido estrito ou restrito, pretendeu colocar
nela." [06]
Os intencionalistas, segundo Dworkin, fariam objeção a essas observações sob o
argumento de que a interpretação deveria compreender o significado de algo antes de se
poder decidir se é valioso e em que reside o seu valor. Portanto, a intenção do autor seria
irrelevante. Os intencionalistas quer que se escolha entre duas possibilidades: ou o autor
repentinamente percebe que antes tinha uma "intenção subconsciente", que só agora ele
descobre, ou muda de intenção depois.
É justamente desconstituindo a tese dos intencionalistas que Dworkin fundamenta
a importância de sua tese, pois um autor seria capaz de separar o que escreveu de suas
intenções e crenças anteriores, de tratá-los como um objeto em si. É por essa razão que é
importante a interpretação da intenção do autor em uma obra literária.
Conclui Dworkin, as intenções dos autores não são simplesmente conjuntivas,
como a de alguém que vai ao mercado com uma lista de compras, mas estruturadas, de
modo que as mais concretas delas, como as intenções sobre os motivos de um
personagem particular em um romance, dependem de opiniões interpretativas cujo acerto
varia com o que é produzido e que podem ser alteradas de tempos em tempos.
Direito e Literatura
Dworkin passa, então, a analisar a interpretação literária como um modelo para o
método central da análise jurídica, passando a demonstrar como a distinção entre o artista
e o crítico pode ser derrubada em certascircunstâncias. Para tanto, Dworkin analisa a
literatura sob o ponto de vista da "Corrente o Direito" e da "Intenção do Autor no Direito".
A – A Corrente do Direito
Decidir casos controversos no Direito é mais ou menos como o estranho exercício
literário, explica Dworkin.
"O artista não pode criar nada sem interpretar enquanto cria; como pretende criar arte,
deve pelo menos possuir uma teoria tácita de por que aquilo que produz é arte e por que é uma
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obra de arte melhor graças a este, e não àquele golpe de pincel, da pena ou do cinzel. O crítico, por
sua vez, cria quando interpreta; pois embora seja limitado pelo fato da obra, definido nas partes mas
formais e acadêmicas de sua teoria de arte, sem senso crítico mais prático está comprometido com
a responsabilidade de decidir qual maneira de ver, ler ou compreender aquela obra a mostra como
arte melhor." [07]
Em suma, o artista interpreta enquanto cria e o crítico cria enquanto interpreta.
Para Dworkin, a interpretação literária tem como objetivo demonstrar como a obra de arte
pode ser vista como mais valiosa. Na interpretação plausível da prática jurídica deve-se
também, de modo semelhante, ajustar-se a essa prática e demonstrar sua finalidade e
valor.
Não obstante, a finalidade e o valor não podem significar valor artístico, pois o
direito obviamente não é um empreendimento artístico. Uma interpretação de qualquer
ramo do direito deve demonstrar seu valor em termos políticos, demonstrando o melhor
princípio ou política a que serve.
O senso de qualquer juiz acerca da finalidade ou função do direito, do qual
dependerá cada aspecto de sua abordagem da interpretação, incluirá ou implicará alguma
concepção da integridade e coerência do direito como instituição, e essa concepção irá
tutelar e limitar sua teoria operacional de ajuste, isto é, suas convicções sobre em quemedida uma interpretação deve ajustar-se ao direito anterior (no caso do Common Law ),
sobre qual delas, e de que maneira.
B – A Intenção do Autor no Direito
Dworkin passa a analisar as objeções que poderiam ser feitas à tese principal
mormente defendida, qual seja, que a interpretação no Direito e essencialmente política.
A hipótese política abre espaço para o argumento da intenção do autor como uma
concepção de interpretação, uma concepção que afirma que a melhor teoria política
confere papel decisivo na interpretação às intenções dos legisladores e juízes do passado.
Vista dessa maneira, a teoria da intenção do autor não contraria a hipótese política, mas
contesta sua autoridade.
É nesse diapasão que a intenção de um legislador se assemelha à complexidade
da intenção do autor na literatura. Em relação à política, a interpretação seria mais
adequada por força de melhor teoria democrática representativa ou com base em outros
fundamentos abertamente políticos. Tal argumento, segundo Dworkin, ainda não é
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convincente, pois não revela as intenções mais concretas do constituinte acerca do que se
convencionou a chamar de "intenção original".
Com essa assertiva, Dworkin claramente explicita que a melhor interpretação
deveria ser feita com base na "intenção original" do constituinte, que seria melhor expressa
em termos de direitos fundamentais.
Assim, para julgar casos difíceis, exige-se um novo exercício de interpretação que
não é nem pesquisa histórica pra e nem uma expressão inteiramente nova de como as
coisas deveriam ser em termos ideais
Resenha sobre a obra "Uma questão de princípio" , de Ronald Dworkin
Como um dos principais autores pós-positivistas, Ronald Dworkin esboçou
idéias relevantes acerca das relações entre liberalismo e justiça, interpretação jurídica e o fundamento político das decisões judiciais, além de esboçar aoutilitarismo em geral.
No que concerne às relações entre liberalismo e justiça, o autor referidosustenta preliminarmente que a concepção de igualdade é um dos princípioscentrais do pensamento liberal, tendo diversas repercussões no âmbito jurídico.Nesse sentido, Dworkin salienta que o termo “liberalismo” tem sido utilizado desdeo século XVIII para descrever um conjunto de posicionamentos políticos eeconômicos. Desse modo, a teoria política possui como pressuposto a idéia de queo liberalismo constitui uma certa moralidade específica e constante ao longo dedeterminados tempos.
A partir das idéias já esboçadas, Dworkin salienta que existem duasformas básicas de liberalismo, quais sejam, o liberalismo baseado na neutralidade eaquele fundamentado na igualdade. Essas duas vertentes liberais apresentamdistinções relevantes em relação ao modo pelo qual devem ser implementadasmetas e políticas governamentais. O liberalismo baseado na neutralidade consideraprecípua a concepção de que o governo não deve intervir em questõespreponderantemente morais ou axiológicas, de modo a se vincular de modo maispreciso a um certo ceticismo moral e religioso. Já o liberalismo baseado naigualdade sustenta que o governo deve tratar seus cidadãos da forma maisequânime possível, defendendo-se a neutralidade moral apenas nos casos em que a
isonomia assim exija.
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Além dessa abordagem a respeito das duas formas primordiais deliberalismo, Dworkin também faz explanações acerca da teoria da igualdadecomplexa. Conforme elucida o referido autor, tal teoria se assenta em duas idéiaspreponderantes. A primeira é atinente ao fato de que cada modalidade de recursodever ser distribuída segundo o princípio mais adequado e viável à sua esfera. Já a
segunda de tais idéias concerne ao fato de que eventuais êxitos em uma esferasocial não produzem excessos que propiciem a preponderância em uma outraesfera.
Posteriormente a essa breve abordagem sobre algumas das idéias deDworkin sobre o liberalismo e a questão da igualdade, cumpre mencionarexplanações desse autor no que tange à interpretação do direito. Em tal âmbito deanálise, o autor aludido salienta que o problema interpretativo assume maiorrelevância quando não existe resposta alguma certa ou factível para determinadaquestão jurídica. Nos casos que suscitam maiores controvérsias ou nas hipótesesde “lacunas no direito”, por exemplo, questões hermenêuticas atingem seu ápice de
importância.
Além da interpretação jurídica propriamente dita, Dworkin tambémanalisa o fundamento político do direito. Nessa abordagem, o autor indaga se nosEstados Unidos e na Grã-Bretanha os juízes tomam decisões verdadeiramentepolíticas. Em tal análise, Dworkin ainda perquire se os juízes devem decidir com oapoio de fundamentos políticos, especialmente no que se refere a temascontroversos. O comportamento dos membros do Judiciário, nesse sentido, estárelacionado ao próprio significado de Estado de Direito. Frise-se que, segundo oautor mencionado, há duas concepções de Estado de Direito, bastante distintasentre si: a concepção centrada no texto legal e aquela centrada nos direitos.
Conforme a primeira de tais concepções, o poder do Estado não pode serimplementado em detrimento dos indivíduos, exceto se houver regras explícitas emum arcabouço legal à disposição da coletividade. A segunda concepção, por suavez, adquire como pressuposto básico a idéia de que os indivíduos possuemdeveres e direitos morais (não declarados positivamente) entre si e direitospolíticos perante a organização estatal.
Com todas essas idéias, Ronald Dworkin realiza uma abordagem
sobre determinados aspectos da Justiça e do Estado hodiernos, analisando -os, sobo ponto de vista da filosofia do Direito e também da Ciência Política. É claro quenesta resenha, foi feita menção, sucintamente, às principais idéias do livro "Umaquestão de Princípio", que ainda enseja diversas divagações sobre caracaterísticasfundamentais sobre o Direito contemporâneo.
------DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Tradução de Luís Carlos Borges. SãoPaulo: Martins Fontes, 2000.Juliana S ValisEnviado por Juliana S Valis em 20/01/2007Reeditado em 20/01/2007Código do texto: T353400
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