O urbanista

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o urbanista

ali os homens se encontravam

para decidir o destino de outros homens

os que seriam presos

os que se tornariam nobres

era ali que se escolhiam

ali se ouviam as vozes do mercado

se ouviam o ranger das máquinas

o alarido de meninos e meninas no recreio

Misturando-se com o som dos carros e dos vagões lotados

além do barulho, além do cheiro forte

perfumes e gazes num coquetel estranho

mil aromas soltos

em mil portas, sarjetas e poças d’água

lamuriavam quando faltava chuva

lamuriavam mais, quando chovia pleno

fizeram tantas torres

tantos castelos altos

que o céu, vexado, se escondia todo

e eram tantas luzes, tanta fumaça hostil

que poucas das estrelas se atreviam a vê-los

então a noite pobre de um pobre céu nascia

sobre as acesas ruas dos homens que jamais dormiam

e se cruzavam todos nos paços, nos largos, sempre

para vender, comprar e para também amar

este amar que muitas vezes era só outra forma de vender e comprar

e as promessas, as juras, as garantias vãs

iam de boca em boca,de beijo em beijo, e em cada aperto de mão

então se vê, na idolatria solta

de tantos deuses

de tantos templos

de tantos votos

que cada um, só a si próprio adora

ainda que de algumas bocas se ouçam muito louvor

esse agregado vasto

onde a vida corre, onde se nasce e morre

tal é a cidade

o ninho dos homens

e eles me convocaram

como seu zelador

o urbanista

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