Ovo de Galinha

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Poema João Cabral de Mello Neto

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Ovo de galinhaIAo olho mostra a integridadede uma coisa num bloco, um ovo.Numa s matria, unitria,maciamente ovo, num todo.Sem possuir um dentro e um fora,tal como as pedras, sem miolo: s miolo: o dentro e o foraintegralmente no contorno.No entanto, se ao olho se mostraunnime em si mesmo, um ovo,a mo que o sopesa descobreque nele h algo suspeitoso:que seu peso no o das pedras,inanimado, frio, goro;que o seu um peso morno, tmido,um peso que vivo e no morto.IIO ovo revela o acabamentoa toda mo que o acaricia,daquelas coisas torneadasnum trabalho de toda a vida.E que se encontra tambm noutrasque entretanto mo no fabrica:nos corais, nos seixos roladose em tantas coisas esculpidascujas formas simples so obrade mil inacabveis lixasusadas por mos escultorasescondidas na gua, na brisa.No entretanto, o ovo, e apesarde pura forma concluda,no se situa no final:est no ponto de partida.IIIA presena de qualquer ovo,at se a mo no lhe faz nada,possui o dom de provocarcerta reserva em qualquer sala.O que difcil de entenderse se pensa na forma claraque tem um ovo, e na franquezade sua parede caiada.A reserva que um ovo inspira de espcie bastante rara: a que se sente ante um revlvere no se sente ante uma bala. a que se sente ante essas coisasque conservando outras guardadasameaam mais com disparardo que com a coisa que disparam.IVNa manipulao de um ovoum ritual sempre se observa:h um jeito recolhido e meioreligioso em quem o leva.Se pode pretender que o jeitode quem qualquer ovo carregavem da ateno normal de quemconduz uma coisa repleta.O ovo porm est fechadoem sua arquitetura hermticae quem o carrega, sabendo-o,prossegue na atitude regra:procede ainda da maneiraentre medrosa e circunspeta,quase beata, de quem temnas mos a chama de uma vela.

A poesia acima foi extrada do livro"Joo Cabral de Melo Neto - Obra Completa",Editora Nova Aguilar - Rio de Janeiro, 1994, pg. 302.

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