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Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 5 – O Português popular do Brasil, Portugal e África: aproximações e distanciamentos.
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PALATALIZAÇÃO DAS OCLUSIVAS ALVEOLARES EM UMA COMUNIDADE ÍTALO-BRASILEIRA:
VARIAÇÃO LINGUÍSTICA COMO PRÁTICA SOCIAL
Elisa BATTISTI1 Adalberto Ayjara DORNELLES FILHO2
RESUMO: A palatalização das oclusivas alveolares (tia~tia, dia~dia) é um dos processos variáveis que caracterizam o português brasileiro (KNOLL, 2008). No pequeno município de Antônio Prado (Rio Grande do Sul, Brasil), fundado por imigrantes italianos no final do século XIX, é de 30% a proporção de palatalização (BATTISTI et.al., 2007), índice moderado se comparado ao de outros falares brasileiros e ao da capital do estado, Porto Alegre. O que motiva a moderação verificada na comunidade interiorana? Retoma-se esse estudo anterior, complementa-se a análise estatística e realiza-se análise de práticas sociais para responder a essa questão. A análise de regra variável (LABOV, 1972, 1994, 2001) realizada por aqueles autores, com 26.600 contextos levantados de 48 entrevistas sociolinguísticas do BDSer (Banco de Dados de Fala da Serra Gaúcha, Mestrado em Letras, Cultura e Regionalidade da Universidade de Caxias do Sul), de informantes dos dois gêneros, quatro grupos etários (15 a 29, 30 a 49, 50 a 69, 70 ou mais anos de idade), habitantes das zonas urbana e rural do município, revelou que a palatalização é condicionada, em termos linguísticos, por vogal fonológica ou não derivada /i/ e consoante alvo da regra desvozeada /t/; e, em termos sociais, por jovens e habitantes de zona urbana. Apesar de os jovens condicionarem a aplicação da regra, os autores verificaram a tendência de estabilização da palatalização variável em índices modestos. Se os jovens condicionam a palatalização, o que explica a tendência à estabilização verificada em Antônio Prado? As análises estatísticas complementares mostraram a associação entre escolaridade, gênero, urbanidade, idade e palatalização. A escolaridade tem mais impacto sobre indivíduos urbanos; na zona urbana, os jovens do gênero masculino são os que mais palatalizam. Mediante análise crítica da ideologia (CERQUEIRA FILHO, 1982; ZIZEK, 1996) de afirmações dos jovens sobre suas práticas sociais diárias, verificou-se que em Antônio Prado vive-se um momento de transição entre o tradicional e o moderno, mas preserva-se com alguma força o tradicional. Isso vai ao encontro da produção modesta das variantes palatalizadas (inovadoras) na comunidade, o que afeta os jovens e os demais habitantes da comunidade.
PALAVRAS-CHAVE: variação linguística como prática social; palatalização das oclusivas alveolares no português brasileiro; valor social das variantes. 1 Doutor em Linguística Aplicada. CNPq/Universidade de Caxias do Sul, Centro de Ciências Humanas, Mestrado em Letras, Cultura e Regionalidade. Rua Francisco Getúlio Vargas, 1130, Bloco H. CEP 95070-560 Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil. battisti.elisa@gmail.com 2 Mestre em Matemática Aplicada Computacional. Universidade de Caxias do Sul, Centro de Ciências Exatas e Tecnologia. Rua Francisco Getúlio Vargas, 1130, Bloco V. CEP 95070-560 Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil. aadornef@ucs.br
Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 5 – O Português popular do Brasil, Portugal e África: aproximações e distanciamentos.
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Introdução
O processo fonético-fonológico variável abordado no presente estudo, a
palatalização das oclusivas alveolares, afeta as consoantes /t/ e /d/ antes de vogal
anterior alta, derivada ou não, e envolve, além da palatalização propriamente dita, a
africatização das consoantes. São exemplos de aplicação desse processo variável:
(a) dia~dia, tipo~tipo, medida~medida, castigo~castigo, com a vogal não
derivada /i/ tônica;
(b) última~última, difícil~difícil, médico~médico, tirar~tirar, com a vogal não
derivada /i/ átona;
(c) tarde~tardi, dezenove~dizenove, vinte~vinti, teatro~tiatro, com a vogal [i] de
/e/ átono.
Entendida como um dos aspectos inovadores da fonética brasileira relativamente
ao português europeu, a palatalização aplica-se em proporções bastante distintas em
diferentes comunidades brasileiras: 94 % em Salvador, Bahia (ABAURRE e
PAGOTTO, 2002) e Porto Alegre, Rio Grande do Sul (KAMIANECKY, 2002); 62 %
em Alagoinhas, Bahia (HORA, 1990); 8 % em Florianópolis, Santa Catarina
(KAMIANECKY, 2002). Essa variabilidade nos índices de aplicação da regra talvez
explique a surpreendente caracterização do Sul do Brasil, em obras de referência sobre o
português brasileiro (TEYSSIER, 2007; KNOLL, 2008), como área do país em que a
palatalização não se verifica. Como visto acima, só em Porto Alegre, capital do Rio
Grande do Sul, um dos estados sulinos, o processo chega a se verificar numa proporção
de 94%. O mapa na Figura 1, de Battisti e Guzzo (no prelo), resulta de um levantamento
de estudos de palatalização realizados conforme a sociolinguística variacionista
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(LABOV, 1972, 1994, 2001) em dados de fala de municípios do Rio Grande do Sul e do
estado vizinho, Santa Catarina. As proporções de palatalização por comunidade
marcadas no mapa3 permitem ver que, nessa região do país, se reproduz a variabilidade
atestada no território brasileiro como um todo.
Figura 1 - Estudos de palatalização no sul do Brasil.
No que tange especificamente ao Rio Grande do Sul, observam-se, afora os altos
índices da capital Porto Alegre, proporções médias de aplicação nas demais
comunidades, expressando uma tendência à palatalização moderada no interior do
estado. Com o objetivo de identificar as motivações para esse distinto comportamento
das comunidades interioranas, o presente trabalho retoma os resultados de um estudo
anterior (BATTISTI et al., 2007) em dados de fala de Antônio Prado, um pequeno
município do interior do Rio Grande do Sul. Aprofunda-se tal análise ampliando-se o
3 Na legenda do mapa, identificam-se os autores dos estudos e, entre parênteses, o banco de dados utilizado na análise, quando foi o caso.
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tratamento estatístico dos dados e realizando-se análise crítica de ideologia
(CERQUEIRA FILHO, 1982; ZIZEK, 1996) de afirmações dos informantes de Antônio
Prado sobre suas práticas sociais diárias.
Inicia-se este estudo por uma breve caracterização do município de Antônio
Prado, passando-se à análise de regra variável laboviana realizada por Battisti et al.
(2007), em seguida à análise estatística de correlação com o software SPSS4 e, por fim,
à análise de afirmações sobre práticas sociais constantes nas entrevistas
sociolinguísticas de jovens de Antônio Prado.
1 O município de Antônio Prado (Rio Grande do Sul, Brasil)
Antônio Prado situa-se a cerca de 180 quilômetros de Porto Alegre,
capital do Rio Grande do Sul, Brasil, e a 61 quilômetros de Caxias do Sul, maior cidade
do estado além de Porto Alegre (Figura 2). Antônio Prado possui uma área de 347,62
quilômetros quadrados e uma população de 13.591 habitantes5, dos quais 65,2 % vivem
na zona urbana.
4 Statistical Package for Social Sciences, pacote de programas estatísticos empregados em ciências humanas e sociais (www.spss.com). 5 Estimativa do IBGE para 2007. www.ibge.gov.br/cidadesat. Acesso em 30 de setembro de 2009.
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Figura 2 – Localização de Antônio Prado, Caxias do Sul e Porto Alegre.
Antônio Prado teve uma formação sócio-histórica exógena. Sua população foi
implantada em uma região isolada. Lá permaneceu em virtude das precárias vias de
acesso ao restante do estado e ao país. Essa situação, que começou a mudar somente há
30 anos pela construção de estradas, contribuiu para o desenvolvimento de um
localismo (não-globalizado, de acordo com Santos, 20006) similar ao descrito por
Milroy (1980).
Sexta e última colônia italiana no nordeste do Rio Grande do Sul, Antônio Prado
surgiu como núcleo de colonização por ordem de Dom Pedro II em 1886 e recebeu o
nome do Ministro da Agricultura que introduziu imigrantes italianos no Brasil, a maior
parte vinda do norte da Itália. Passou a município em 1899. Aos fundadores italianos
6Segundo o autor, localismo globalizado representa a situação de uma comunidade que consegue difundir globalmente produtos e processos que reforcem a sua identidade local e que garantam ganhos econômicos e políticos, além de potencializar a preservação de sua própria identidade. No globalismo localizado tem-se o contrário: a comunidade acaba sendo fortemente influenciada por outras comunidades a ponto de abrir mão parcial ou totalmente de sua identidade original, perdendo também poder e recursos econômicos. Produtos e processos semelhantes estão presentes nas duas situações, mas as localidades que conseguem produzir mais do que receber (localismo globalizado) lucram mais, obtêm mais poder e recursos econômicos globais.
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Antônio Prado deve muitas de suas características, como as práticas religiosas católicas
e as micropropriedades rurais com mão de obra familiar.
2 A análise de regra variável
A análise de regra variável (LABOV, 1972, 1994, 2001) de 26.600 contextos de
palatalização levantados das entrevistas de 48 informantes de Antônio Prado do BDSer
(Banco de Dados de Fala da Serra Gaúcha, UCS-CECH/Mestrado em Letras, Cultura e
Regionalidade) foi feita com o software Goldvarb 20017, versão para ambiente
Windows do pacote de programas VARBRUL. Metade dos informantes vive na zona
urbana, metade na zona rural. Pertencem aos gêneros masculino e feminino e a quatro
faixas etárias (15 a 29 anos, 30 a 49 anos, 50 a 69 anos, 70 ou mais anos).
Houve palatalização em 30%8 dos contextos, i.e., 7.971 dos 26.600 contextos
foram palatalizados. Três variáveis sociais – Gênero, Idade, Local de Residência – e
cinco variáveis linguísticas – Contexto Fonológico Precedente e Seguinte, Status da
Vogal, Tonicidade da Sílaba e Qualidade da Consoante-Alvo – foram controladas. Das
oito variáveis, três mostraram-se estatisticamente significativas9 em todas as rodadas:
Idade, Local de Residência, Status da Vogal e Qualidade da Consoante-Alvo. Nas
Tabelas 1 e 2 estão os resultados das variáveis linguísticas Status da Vogal e Qualidade
da Consoante-Alvo, respectivamente, em que se vê que a palatalização é condicionada
por vogal alta não derivada (peso relativo 0,89) e consoante-alvo desvozeada (peso
0,55).
7Programa para análise multivariada desenvolvido por Robinson, Lawrence e Tagliamonte (2001). 8Com margem de erro de ± 0,55 % (IC 95 %). 9Com significância inferior a 0,05.
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Fatores Aplic./Total % Peso relativo
/i/ fonológico (mentira) 5661/9533 59 0,89 [i] fonético (gente) 2310/17067 13 0,23 TOTAL 7971/26600 30
Input 0,198 Significância 0,005 Tabela 1 – Resultados da variável Status da Vogal.
Fatores Aplic/Total % Peso relativo Desvozeada (tipo) 4 338/12 214 35 0,55 Vozeada (dica) 3 631/14 386 25 0,45 TOTAL 7 971/26 600 30
Input 0,198 Significância 0,005 Tabela 2 – Qualidade da Consoante-Alvo.
Se, como afirma Knoll (2008), a palatalização no português brasileiro é
fenômeno urbano de status suprarregional – o que, na linha de raciocínio de Cheshire
(2002), equivaleria a dizer que as variantes palatalizadas são formas padrão ou
prestigiadas –, vale destacar os resultados das variáveis sociolinguísticas que se
mostraram significativas na análise. Nas tabelas 3 e 4 estão os resultados das variáveis
Idade e Local de Residência.
Fatores Aplic./Total % Peso relativo 15 a 29 anos de idade 2426/5707 42 0,76 30 a 49 anos de idade 3223/7448 43 0,75 50 a 69 anos de idade 1873/7187 26 0,46 70 ou mais anos de idade 449/6258 7 0,09 TOTAL 7971/26600 30
Input 0,198 Significância 0,005
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Tabela 3- Resultados da variável Idade.
Fatores Aplic./Total % Peso relativo Zona urbana 4839/13593 35 0,61 Zona rural 3132/13007 24 0,38 TOTAL 7971/26600 30
Input 0,198 Significância 0,005 Tabela 4 - Resultados da variável Local de Residência.
Na variável Idade, os fatores 15 a 29 anos de idade e 30 a 49 anos de idade
favorecem a palatalização (pesos 0,76 e 0,75, respectivamente); na variável Local de
Residência, os informantes urbanos condicionam o processo (peso 0,61), os informantes
rurais desfavorecem-no. Considerando-se apenas os resultados da variável etária, poder-
se-ia pensar estar diante de variação num processo de mudança linguística, dado o papel
condicionador dos jovens. No entanto, guardadas apenas as proporções de palatalização,
e não os pesos relativos dos fatores, percebe-se que o grupo de 15 a 29 anos reproduz o
comportamento do grupo etário seguinte, de 30 a 49 anos de idade. O gráfico na Figura
3 mostra os intervalos de confiança (IC 95%) para a média das proporções da
palatalização para cada faixa etária. Nota-se um patamar entre as duas faixas etárias
mais jovens, não havendo diferença significativa entre os dois grupos (t = 0,053; P =
0,958). Tal situação configura uma curva em S (também denominada sigmóide ou
logística), o que, na linha laboviana, expressa mudanças em processo de conclusão
quando os índices no patamar são altos; sendo moderados os índices, variação em
estabilização.
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Figura 3 - Intervalos de confiança (IC 95%) para a média das proporções da palatalização.
Não se pode, portanto, afirmar que a palatalização esteja em progresso em
Antônio Prado. Há indícios de tendência à estabilização da regra variável na proporção
de 30%, que, como afirmamos anteriormente, é bastante moderada. Surge daí uma
questão: o que motiva a tendência à estabilização da palatalização variável em índices
modestos no município, se os jovens condicionam a variação?
3 Outras análises estatísticas
De forma complementar à análise de regra variável de Battisti et.al. (2007),
efetuaram-se outras análises estatísticas, em especial a comparação entre as médias nas
proporções de palatalização entre diferentes grupos. Também levaram-se em conta
variáveis independentes não consideradas na análise de regra variável, como a variável
Escolaridade. Inicialmente, usaram-se os dados de fala e as informações sociais de
todos os 48 informantes contemplados na análise de regra variável (seção 2).
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Os informantes enquadram-se em quatro níveis de escolaridade: Primário (um a
quatro anos de estudo), Fundamental (cinco a oito anos de estudo), Médio (nove a onze
anos de estudo), e Superior (doze ou mais anos de estudo). A Figura 4 mostra a média e
o intervalo de confiança para a média (IC 95%) das proporções de palatalização por
nível de escolaridade.
Figura 4 –Palatalização e escolaridade.
Observa-se que, embora não exista diferença significativa na média de
proporção de palatalização entre as diferentes escolaridades (ANOVA: F = 1,040; P =
0,385), existe uma clara tendência de aumento da proporção de palatalização com o
incremento do nível de escolaridade. Como visto na Tabela 4, a análise de regra
variável indica que a zona urbana é condicionadora da palatalização. A Figura 5 mostra
as médias e os intervalos de confiança (IC 95%) das proporções de palatalização em
diferentes níveis de escolaridade do informante, agora separados por local de residência.
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Figura 5 – Palatalização, escolaridade e local de residência.
Novamente, não existe diferença significativa na média de proporção de
palatalização entre as diferentes escolaridades, tanto para o grupo urbano (ANOVA: F =
1,944; P = 0,159) quanto para o grupo rural (ANOVA: F = 0,252; P = 0,859). No
entanto, percebe-se que a tendência de aumento da proporção de palatalização com o
incremento do nível de escolaridade é perceptível entre os informantes urbanos, mas
não entre os informantes rurais.
Essas observações nos permitem sugerir que a escolaridade tem efeito positivo
sobre a palatalização. No entanto, esse efeito é maior sobre os informantes urbanos. O
resultado vai ao encontro da interpretação, já antes referida, de ser a palatalização um
processo eminentemente urbano no Brasil. Como comportam-se informantes jovens, de
diferentes gêneros, nesse cenário? A Figura 6 traz a comparação entre palatalização,
gênero e local de residência, considerando-se apenas os dados dos 12 informantes
jovens (15 a 29 anos) da amostra.
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Figura 6 – Palatalização, gênero e local de residência.
Os jovens (faixa etária 15 a 29 anos) apresentam palatalização em níveis
modestos (média = 0,403), como já haviam mostrado os resultados da análise de regra
variável (seção 2). A palatalização entre informantes jovens masculinos (média = 0,430)
é maior do que entre informantes femininos (média = 0,376). Os jovens urbanos (média
= 0,549) apresentam mais palatalização do que os rurais (média = 0,312). Já entre as
mulheres essa diferença é praticamente inexistente (média = 0,376 para urbanas) e
(média = 0,375 para rurais).
No que se refere às variáveis sociais, as análises estatísticas de comparação de
médias revelaram a associação entre escolaridade, urbanidade, gênero e idade na
promoção da palatalização, sugerindo que aspectos identitários, estilísticos, estejam
envolvidos na aplicação (ou não) da regra. Esses aspectos relacionam-se às práticas
sociais dos indivíduos, razão pela qual essas foram analisadas numa etapa seguinte da
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investigação. Não se perdeu de vista a indagação sugerida pelos resultados de Battisti et.
al. (2007), sobre os jovens e a tendência de a palatalização variável estabilizar-se em
índices modestos na comunidade, e a questão perseguida neste trabalho, sobre a
motivação para o comportamento (conservador) das comunidades interioranas frente à
palatalização.
4 Análise crítica da ideologia
A palatalização variável, como outros fatos sociais, está associada a
atitudes e crenças dos indivíduos. Ao analisar aquilo que os informantes afirmam sobre
suas práticas diárias nas entrevistas sociolinguísticas, pode-se verificar tal associação.
Realizou-se uma análise de natureza discursiva seguida nas ciências sociais, a análise
crítica da ideologia (CERQUEIRA FILHO, 1982; ZIZEK, 1996), para identificar as
condições de existência dos indivíduos e a sua representação da relação imaginária que
mantêm com tais condições.
Novamente, a análise considerou 12 das 48 entrevistas sociolinguísticas dos
informantes de Antônio Prado levadas em conta na análise de regra variável (seção 2),
as dos jovens (15 a 29 anos). Seguindo Cerqueira Filho (1982), foram levantadas das
entrevistas afirmações dos informantes sobre suas práticas diárias para verificar, na
superfície discursiva, sintomas de sua identificação com a comunidade pela reprodução
de práticas tradicionais, o que refrearia a palatalização; ou sua orientação para além de
Antônio Prado (doravante AP) pelo abandono dessas práticas, o que promoveria a
palatalização.
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Os trechos de interesse para este estudo são os referentes ao cotidiano. As
categorias que se passa a abordar são os tópicos em torno dos quais giraram os relatos:
família, trabalho, lazer, religião e comunidade.
De modo geral, percebem-se nos relatos dos entrevistados indícios ideológicos
de vivência numa comunidade que já sofreu impactos de outras localidades, isto é, que
já tenha experimentado mudanças culturais, embora não tenha aberto mão de muitas
práticas tradicionais. Os sinais de estabilização da palatalização podem ser vistos como
efeito de um hibridismo10 das culturas local e global, influenciado pelos meios de
comunicação. Por exemplo, quando os entrevistados falam sobre lazer, o peso dos
meios de comunicação de massa sobressai-se na fala dos entrevistados jovens. Assistir a
filmes no cinema e usar computador com acesso a Internet é mais frequente entre os
jovens da zona urbana que se deslocam a outras comunidades para realizar estudos em
nível superior. Todos assistem a programas de televisão, ouvem rádio e leem:
[135: ZU, Masculino, 23 anos]
Inf.: Coisas, assim, mais:: case(i)ras são o que mais me chama a atenção. Ou, (es)to(u) lendo um livro ou assistindo um filme.
[165: ZU, Masculino, 15 anos] Pesq.: [s É?s] Hum... (es)tá certo. Bom, o computador, então, tu usa(s) direto, né? Inf.: Sim. Pesq.: Hum-hum. Tu usa(s) pra e-mail, pra bate-papo, pra:: todas essas coisas? Inf.: É.
O acesso à Universidade – de que boa parte dos informantes de 15 a 29 anos ora
usufrui, e que foi possível para apenas alguns dos informantes de 30 a 49 anos, mas raro
10 Um estudo sobre hibridismo local e regional encontra-se em Canclini (1999).
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para os das faixas etárias maiores – parece fortemente ligado à prática da leitura para
além dos jornais e revistas.
O convívio dos jovens com familiares das horas de folga é prática afirmada,
principalmente para refeições – jantar aos sábados, churrasco aos domingos–, o que
propicia desenvolver localismo. Nas micropropriedades rurais, isso é reforçado pelo
fato de os parentes e vizinhos serem também colegas de trabalho. Na zona urbana, muda
apenas o fato de o convívio com familiares não se dar no trabalho, ocorrendo nos finais
de semana e datas festivas. Em festas de padroeiro, quer na zona urbana quer na rural, é
comum a família toda deslocar-se juntamente e participar em grupo das festividades,
que em geral envolvem um grande almoço. Muitos habitantes urbanos possuem
parentes na zona rural. Essas são práticas que identificamos como tradicionais,
reproduzindo em boa medida as dos primeiros habitantes de AP, os imigrantes italianos.
Percebe-se a importância da família como referência para práticas do trabalho e, de
variadas maneiras, para os momentos de lazer. Os jovens urbanos, aqueles que têm
maior trânsito fora dos limites de AP e relatam não haver na cidade bares e boates para
frequentar, relatam passar momentos agradáveis com amigos e familiares nos finais de
semana, com quem praticam esportes e têm contato com a natureza, acampando,
fazendo rafting ou caminhadas em trilhas nos arredores do município. Muitos afirmam
que vão à praia no verão, mesmo os informantes de zona rural:
[135: ZU, Masculino, 23 anos]
Inf.: Mas sempre, geralmente quando vem ou um... Geralmente é mais no final do ano, reveillon é certo que todo mundo se encontra na praia, daí. Que meus tios têm casa na praia, lá em Albatroz, perto de::Tramandaí, então final do ano geralmente todo mundo lá, né? Ã, e::a cada dois meses, geralmente tem, eles vêm pra cá e tal... com toda a família.
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Sobre AP, entre os jovens, principalmente urbanos e universitários, é comum a
afirmação de que gostam da cidade, mas alguns dizem que deixarão o município no
futuro por falta de opções profissionais. A localidade é descrita como calma, tranquila,
nela todos se conhecem. É frequente a comparação com Caxias do Sul, tida como uma
boa cidade em termos de comércio, oferta de trabalho e saúde, mas descrita como
barulhenta, poluída, com trânsito ruim e violenta. AP ao contrário não teria problemas
de trânsito, seria limpa e segura.
[135: ZU, Masculino, 23 anos]
Pesq.: Mas tu acha(s) que é uma cidade boa pra se vive(r)...? Inf.: É, assim, é uma boa pra se vive(r), mas, assim, pra pessoas de uma certa idade. Por exemplo, nós, que (es)tamos começando uma vida agora, querendo te(r) faculdade, procurando emprego, Antônio Prado não oferece muito isso. Então tu tem(ns) que busca(r) alguma coisa fora, numa o(u)tra cidade::maior, que tenha mais oportunidades, e depois, quando tu se aposenta(r), volta(r) pra Antônio Prado é ótimo, que é mais tranquilo, é mais calmo, ã, o turismo é bacana, ã, da visitação de casas tombadas e tal, toda essa questão histórica que tem é legal. Mas pruma determinada fa(i)xa etária de idade.
Quando dizem algo a respeito de assaltos na cidade, os informantes em geral
atribuem-nos aos de fora, isto é, aos trabalhadores sem vínculo empregatício que
ajudam nas lides rurais apenas em época de colheita, mas não deixam o município na
entressafra. Esses habitam a pequena periferia da cidade e, pela interpretação dos
informantes, são culpados dos poucos delitos que eventualmente ocorrem em AP.
AP possui um casario em madeira preservado desde a fundação da cidade e
tombado pelo patrimônio histórico. Por conta do casario, a prefeitura da cidade e outros
órgãos, como a associação comercial local, promovem o município, tentam atrair
turistas. Há dois grandes eventos municipais que têm esse papel, a Noite Italiana, que
ocorre anualmente no inverno, e a Mostra Del Paese, evento bianual. No primeiro,
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oferece-se um jantar com comida, música e dança italianas em quatro finais de semana.
O segundo é uma feira em que comerciantes, produtores agrícolas e industriais de AP e
municípios vizinhos expõem sua produção e fazem negócios. Há uma considerável
afluência de visitantes de outras cidades a esses dois eventos de AP, e a comunidade
dela participa, em todas as suas faixas etárias, o que inclui os jovens.
Os jovens são católicos em sua grande maioria. É comum a afirmação de que
não são praticantes, isto é, não vão à missa. Não se percebe na fala dos entrevistados um
desencanto com a religião católica ou qualquer resistência às práticas religiosas, apenas
um certo desinteresse motivado, talvez, pelo mais forte apelo de outras atribuições ou
opções de convívio.
[128: ZR, Feminino, 15 anos]
Inf.: Na Salete, assim, a gente vai po(u)co, muito po(u)co vo(u) na Salete. Quando tem missa, aí a mãe me faz i(r), né?
[165: ZU, Masculino, 15 anos]
Pesq.: Hum-hum. E nas, nas missas que tem nas, nas capelas aqui perto, quando tem festa, assim, vocês frequentam?
Inf.: É, de vez em quando uma que o(u)tra a gente vai.
Identificadas com o tradicional, as práticas religiosas são o exemplo claro de
elemento local que faz parte da representação da relação imaginária que os indivíduos
mantêm com suas condições de existência, que é assim componente da identidade que
constroem na comunidade, mas que tem sua força minimizada por outros elementos,
talvez não locais. É em cenários como esse que o novo, o não tradicional entra, embora
não com muita liberdade ou intensidade.
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Nos relatos dos entrevistados sobre família, trabalho, lazer, religião e AP, então,
há registro de práticas tradicionais associadas à cultura local (Noite Italiana, por
exemplo) e, ao mesmo tempo, à modernidade do acesso aos meios de comunicação de
massa, do acesso à Universidade, dentre outras. Se a fala faz parte do quadro maior das
práticas sociais e segue as tendências desse quadro, é de se esperar o hibridismo no
exercício da linguagem, mas um hibridismo moderado que tende a se estabilizar porque
os inovadores – jovens de zona urbana – não realizam na vida em comunidade práticas
completamente distintas das demais faixas etárias. Os introdutores da palatalização o
fazem pela naturalidade com que o processo a eles se espraia nos contatos sociais que
estabelecem fora de AP, mas na localidade a inovação que a fala carrega, variável no
próprio indivíduo, é equilibrada pelas práticas linguísticas locais, sem palatalização.
5 Conclusão
Com a análise de regra variável da palatalização em Antônio Prado,
Battisti et.al. (2007) haviam verificado uma proporção moderada de aplicação da regra
(30%) e condicionamento por vogal alta não derivada, consoante-alvo /t/, jovens
habitantes da zona urbana. Os autores defendem que o processo não pode ser entendido
como mudança em progresso porque a proporção de palatalização do grupo etário
jovem reproduz a proporção do grupo de meia-idade, o que foi tomado como indício de
estabilização da variação na comunidade em índices moderados.
As análises estatísticas de comparação de médias revelaram a associação entre
escolaridade, urbanidade e gênero na promoção da palatalização. A escola tem impacto
na difusão da palatalização apenas sobre os habitantes urbanos. Dentre os jovens
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urbanos, os do gênero masculino são os que apresentam os mais altos índices de
palatalização.
A análise crítica da ideologia mostrou que em Antônio Prado vive-se um
momento de transição entre o tradicional e o moderno, mas preserva-se com alguma
força o tradicional. Isso vai ao encontro da produção modesta das variantes
palatalizadas (inovadoras) na comunidade, até mesmo pelos jovens. Esses, expostos à
palatalização em contatos fora da comunidade e através da mídia, promovem a
aplicação da regra em Antônio Prado, mas, dada sua identificação (positiva) com a
comunidade, orientam-se também pelos padrões locais quando nela interagem com
familiares e amigos, (re)produzindo palatalização moderada.
Práticas sociais tradicionais ainda são mantidas em Antônio Prado, entre elas a
fala com suas características locais, o que pode ocorrer em outros municípios do Rio
Grande do Sul e do Brasil com similar história social. O trabalho realizado sugere que,
no caso desse estado sulino, a manutenção de práticas tradicionais motiva os diferentes,
e em geral modestos, índices de palatalização das comunidades interioranas e, assim,
refreia a difusão do processo a partir da capital.
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