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Patrícia Oliveira da Silva
A agricultura familiar na Região Metropolitana de Belém - Pará
as estratégias de reprodução dos
agricultores do município de Marituba
1ª edição
© 2019 por Todos os direitos reservados.
Capa e editoração eletrônica Editora Itacaiúnas
Editor de publicaçõesWalter Luiz Jardim Rodrigues
Conselho editorial Editora Itacaiúnas Colaboradores:
Bruno Nunes Batista (IFC)Miguel Rodrigues Netto (UNEMAT)
Viviane Corrêa Santos (UEPA) Josimar dos Santos Medeiros (UEPB) Wildoberto Batista Gurgel (UFERSA)André Luiz de Oliveira Brum (UNIR)
O conteúdo desta obra, inclusive sua revisão ortográfica e gramatical, bem como os dados apresentados, são de responsabilidade de seus participantes, detentores
dos Direitos Autorais.
Esta obra foi publicada pela Editora Itacaiúnas em setembro de 2019.
DOI: 10.29327/53648
AGRADECIMENTOS
Preciso expressar minha imensa gratidão a todos que comigo construíram
este trabalho, principalmente ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da
Universidade Federal do Pará, ao meu orientador no curso de mestrado professor
João Santos Nahum, à Rosanira Portal pela colaboração na pesquisa empírica, ao
Frank Campos pela produção dos mapas e à Sirlene Oliveira, minha mãe, e José
Luiz Sirotheau, meu companheiro, que juntos me fortalecem nesta vida.
RESUMO A presente pesquisa versa sobre a reprodução da agricultura familiar na Região
Metropolitana de Belém-Pará, enfocando de forma mais específica agricultores dos
bairros de Almir Gabriel e Uriboca no município de Marituba. Nesta perspectiva,
centrou-se a análise em aspectos diversos, como a visão da agricultura presente
nos documentos no âmbito do poder municipal, as políticas públicas voltadas a este
segmento, as trajetórias vivenciadas, as práticas empreendidas por estes grupos no
que concerne à produção e comercialização, que resultaram em uma amostra das
incontáveis ações e processos que afetam a reprodução destes agricultores no que
concerne à sua limitação ou favorecimento. Estes processos revelaram as
estratégias que possibilitam a reprodução socioespacial dos agricultores familiares
que inseridos em espaços metropolitanos, desenvolvem atividades ligadas à
agricultura o que nos remete a uma tradição rural expressa em movimentos
migratórios experimentados.
Palavras-chave: Reprodução, Agricultura familiar, Marituba, Região Metropolitana
de Belém.
Dedicatória
Aos inúmeros agricultores familiares, que em meio às adversidades dos contextos socioespaciais nos quais estão inseridos, persistem e recriam-se em um estilo de vida peculiar.
Sumário
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 8
CAPÍTULO 1 - ABORDAGEM TEÓRICO-CONCEITUAL ACERCA DA REPRODUÇÃO DA
AGRICULTURA FAMILIAR EM ESPAÇO METROPOLITANO........................................... 19
1.1 AGRICULTURA FAMILIAR: UMA REFLEXÃO NECESSÁRIA ........................................ 20
1.2 A NATUREZA DA REPRODUÇÃO DA AGRICULTURA FAMILIAR ............................... 26
1.3 A RELAÇÃO RURAL-URBANA NA ANÁLISE DA AGRICULTURA FAMILIAR EM
ESPAÇO METROPOLITANO ...................................................................................................... 31
CAPÍTULO 2 - FORMAÇÃO HISTÓRICO-GEOGRÁFICA DO MUNICÍPIO DE MARITUBA E
SUA RELAÇÃO COM A AGRICULTURA ........................................................................... 44
2.1 A FORMAÇÃO DO MUNICÍPIO DE MARITUBA E SUA RELAÇÃO COM A
AGRICULTURA .............................................................................................................................. 45
2.2 A ALUSÃO À AGRICULTURA FAMILIAR NO PLANO DIRETOR MUNICIPAL DE
MARITUBA ...................................................................................................................................... 58
2.3 ESPACIALIZAÇÃO DAS INICIATIVAS DE AGRICULTURA FAMILIAR NA REGIÃO
METROPOLITANA DE BELÉM ................................................................................................... 66
CAPÍTULO 3 - DIMENSÕES DAS POLÍTICAS PÚBLICAS VOLTADAS AOS
AGRICULTORES FAMILIARES COM ÊNFASE NO PRONAF ........................................... 80
3.1 ASPECTOS GERAIS DA POLÍTICA ESTATAL PRONAF ................................................ 81
3.2 CARACTERÍSTICAS DO PRONAF NA REGIÃO NORTE E NO ESTADO PARÁ ....... 90
3.3 INDICATIVOS DO PRONAF NA REGIÃO METROPOLITANA DE BELÉM COM
ÊNFASE NO MUNICÍPIO DE MARITUBA ................................................................................. 95
CAPÍTULO 4 - ESTRATÉGIAS SOCIOESPACIAIS DE REPRODUÇÃO DA
AGRICULTURA FAMILIAR NO MUNICÍPIO DE MARITUBA ........................................... 100
4.1 CARACTERIZAÇÃO DOS PRODUTORES FAMILIARES: TRAJETÓRIAS, PERFIL
SOCIOECONÔMICO E ORGANIZAÇÃO SOCIAL ................................................................. 101
4.2 AS MÚLTIPLAS PRÁTICAS SOCIOESPACIAIS RELACIONADAS À PRODUÇÃO E A
COMERCIALIZAÇÃO .................................................................................................................. 114
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 140
REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 144
8
INTRODUÇÃO
Esta obra tem como objeto de estudo a reprodução da agricultura familiar na
Região Metropolitana de Belém (RMB), enfocando de forma específica agricultores
de dois bairros do município de Marituba. O objetivo geral foi analisar as estratégias
que possibilitam a reprodução social dos agricultores familiares que inseridos em
espaços considerados urbanos, desenvolvem atividades ligadas à agricultura o que
nos remete a uma tradição rural presente nesta região metropolitana.
É precisamente a partir da consideração do agir e do fazer dos agricultores,
em consonância com a relevância da perspectiva da interação e imbricação dialética
entre rural e urbano, que é possível compreender que em meio a um espaço no qual
as relações urbanas são predominantes, conectam-se a estas práticas tidas
enquanto sinais de um espaço rural, ratificado em muito pelas trajetórias de vida dos
sujeitos históricos.
As regiões metropolitanas guardam em sua essência um mosaico de relações
que se mostra espacial e temporalmente de forma diversa, ainda que estas
apresentem uma tendência homogeneizante moldada pelo processo de
urbanização, expressa também espaços e relações diferencialmente
complementares, produzidas pelos grupos sociais diversos, são relações cotidianas
que podem ser visualizadas num estilo de vida que se tece tanto no interior das
propriedades dos trabalhadores, nas produções, na organização familiar, na relação
com a terra, quanto externamente na comercialização do que foi produzido, nas
feiras, nas portas das casas, entre outros.
A agricultura familiar, enquanto uma noção chave neste estudo é considerada
na sua essência uma categoria complexa, ligada aos diferentes tipos de agricultores,
que possuem interesses particulares, assim como estratégias próprias de
sobrevivência e de produção. Tal produção se sustenta sobre o tripé terra, trabalho e
família, e guarda um conteúdo socioespacial diverso. A esta abordagem, soma-se a
análise referente à relação rural-urbana que permeia este processo. Estes
referenciais teóricos da pesquisa foram delineados no primeiro capítulo.
O campo teórico no qual esta pesquisa se insere tem como elemento de
análise a reprodução da agricultura familiar em regiões metropolitanas. Neste
campo, encontra-se a tese de Corona (2006), que demonstra as diversas inter-
relações da reprodução social da agricultura familiar na Região Metropolitana de
9
Curitiba (RMC), revelando as estratégias criadas pelos agricultores, que garantem
sua permanência no espaço rural; rural este submetido constantemente ao processo
de transformação, intensificado pela inserção deste em uma região metropolitana.
Os trabalhadores, comumente apresentando trajetórias de vida diferenciadas,
imprimem no espaço metropolitano das cidades, outras formas de apropriação social
e espacial, que muitas vezes destoam do que é predominante no espaço entendido
enquanto urbano. Tratam-se de características diferenciadas de sobrevivência que
se fazem presentes por meio de atividades como a agricultura, as quais se
constituem enquanto atividades que possibilitam uma grande contribuição no
sustento das famílias na metrópole, configurando-se espacialmente de forma
diferenciada no espaço metropolitano.
Noronha (2008) em seu estudo revela que o rural apresenta transformações e
reformulações em sua forma e seu conteúdo, mostrando isso no processo de
urbanização que se apresenta de forma difusa em bairros rurais do município de
Jundiaí (São Paulo). Um dos elementos analisados por Noronha (2008) diz respeito
à pluriatividade, que se configura enquanto uma estratégia tida pelos agricultores
para se reproduzirem em meio aos espaços dos bairros rurais da Toca e da Roseira,
que tem relação direta com o processo de urbanização.
Em outro sentido, Lima (2008) estuda não a expansão da urbanização sobre
o rural, mas a reprodução do rural nas cidades, observando em sua pesquisa, no
espaço urbano de Imperatriz (Maranhão), que a mudança de residência dos
trabalhadores rurais para a cidade não significou, ao menos em parte, uma
transformação de sua cultura, das atividades, das relações sociais. Mesmo morando
na cidade de Imperatriz os trabalhadores mantiveram as práticas, bem como o modo
de viver trazido de suas experiências no meio rural.
A partir do estudo de Lima (2008) é possível verificar que nas regiões
metropolitanas, as quais revelam uma dimensão material e simbólica dos grupos
sociais, a unidade contraditória e ao mesmo tempo complementar entre o rural e
urbano é expressa nos espaços criados e recriados pelos trabalhadores rurais, os
quais por meio de atividades tidas rurais, vão engendrando na cidade espaços que
contribuem para sua reprodução.
Estes espaços onde se revelam estratégias de sobrevivência ligadas à
agricultura são geralmente tidos como periféricos, enfocados na pesquisa de
Miranda (2008), que estão inclusos num estágio de transição rural-urbana. Conforme
10
esta autora é precisamente nestes espaços, onde os estudos sobre as
possibilidades de planejamento e a aplicação de instrumentos de política urbana
apresentam um déficit.
De acordo com Miranda (2008) estas áreas de transição rural-urbana seriam
espaços em que coexistem características e usos do solo tanto urbanos como rurais,
marcados pela inexistência ou diminuta estrutura urbana contínua, estando propício
a transformações econômicas, sociais e físicas, com uma dinâmica estreitamente
vinculada à presença próxima de um núcleo urbano.
No entendimento das relações e práticas socioespaciais a partir da relação
rural-urbana, faz-se necessário a compreensão de que estes conteúdos se
complementam e se diferenciam nas suas particularidades, como explanou Bagli
(2006) em sua pesquisa acerca do rural e urbano nos municípios de Álvares
Machado, Presidente Prudente e Mirante do Paranapanema em São Paulo.
Neste estudo a partir de uma análise das origens da perspectiva dicotômica
entre o rural e urbano, tem reconhecido destaque o esforço de Bagli (2006) em
reconceituar rural e urbano, diante das transformações recentes presentes em
ambos, partindo do princípio de que há complementaridades entre rural e urbano,
contudo estas interrelações não anulam as diferenças entre estes que imprimem no
espaço conteúdos socioespaciais particulares.
Estas diversidades presentes nestes conteúdos, urbano e rural, nos espaços
metropolitanos são resultantes das relações tecidas entre os sujeitos e estes com o
espaço, entendido, conforme Santos (2006), enquanto um sistema de objetos e
ações, que se encontra imbricado num processo de complementaridade, bem como
de diferenciação, expresso na vida cotidiana dos sujeitos sociais.
É precisamente neste debate acerca da reprodução da agricultura familiar em
espaço metropolitano, que se dá a valorização da agricultura familiar enquanto uma
categoria que auxilia na compreensão das transformações no espaço rural, bem
como no espaço tido enquanto urbano. Neste sentido, este estudo teve como ponto
de partida as transformações na dinâmica espacial amazônica que aconteceram em
dois períodos, primeiramente com a colonização dirigida e espontânea para a
Região Bragantina no estado do Pará no século XIX e em segundo a colonização
incentivada pelo Governo Federal a partir da metade do século XX quando a
Amazônia é reinventada a partir de vetores externos de modernização conservadora.
11
Estas transformações, enquanto resultado da primeira e segunda colonização
empreendida pelo Estado, incidiram diretamente no conteúdo e forma da RMB, visto
que se por um lado esta difunde um padrão urbano de vivência, por outro recria
espaços/fragmentos, os quais contêm práticas socioespaciais como a agricultura,
que não necessariamente obedecem a uma lógica reconhecidamente urbana.
Deste modo, analisam-se nesta pesquisa as condições e possibilidades de
reprodução da agricultura familiar na RMB, para tanto enfocou os agricultores de
dois bairros do município de Marituba, a saber, Almir Gabriel e Uriboca. A opção
pelo estudo detalhado deste município se sustenta em decorrência da realização de
um levantamento prévio e sucinto acerca da incidência de agricultura familiar nos
municípios da RMB e a constatação que esta região metropolitana, assim como as
demais são marcadas pela expressão da agricultura familiar em sua composição.
O trabalho empírico empreendido neste estudo se deu no plano do bairro,
primeiramente porque o município de Marituba, não apresenta uma divisão oficial
em zona urbana e zona rural, isto é, os espaços do município, conforme seu plano
diretor, são considerados espaços urbanos ou em expansão urbana, o que resulta
na divisão do município em bairros, caracterizando uma divisão fundamentalmente
urbana, desta forma, para situar os agricultores espacialmente no município, utilizou-
se o nome dos bairros nos quais os mesmos estão inseridos.
Em segundo, o bairro foi considerado tendo em vista a perspectiva de Carlos
(2001), segundo esta autora, o mesmo se apresenta como uma prática que se
revela no plano do vivido, o qual tem sentido na evidência da vida cotidiana, na qual
se tem a aproximação maior com a dimensão das necessidades, mas também dos
prazeres e emoções dos grupos sociais.
A pesquisa realizada em nível do bairro se justifica pelo entendimento de que
no bairro é possível perceber com uma maior riqueza de detalhes as relações
socioespaciais, sendo estas as relações de vizinhança, bem como as construídas
entre o sujeito e o seu espaço. Nesta perspectiva, concordando com Certeau (1996,
p. 40) o bairro “[...] constitui para o usuário uma parcela conhecida do espaço urbano
na qual [...] ele se sente reconhecido”.
Nestas acepções a escala do bairro é por excelência a escala dos
acontecimentos presentes no cotidiano das famílias, dos vizinhos, das cooperativas
e associações. Cotidiano este, que representa, de acordo com Martins (2008), o
12
espaço do homem comum, que no seu mundo de todos os dias dá vazão as suas
vontades individuais e coletivas.
Com base na pesquisa concisa realizada sobre os municípios da RMB, a
partir de diagnósticos realizados pelo Serviço Brasileiro de Apoio a Micro e Pequena
Empresa no Pará (SEBRAE/PA), bem como por meio de informações obtidas em
outras pesquisas que são especificadas no subtópico do segundo capítulo,
possibilitou o reconhecimento desta agricultura na RMB, permitindo eleger um
município que fosse representativo desta característica presente nesta região
metropolitana, que é a permanência da agricultura familiar enquanto produção
relevante. Neste sentido, selecionou-se o município de Marituba, precisamente os
agricultores dos bairros de Almir Gabriel e Uriboca para análise minuciosa da
reprodução desta agricultura familiar.
O município de Marituba compõe a RMB, em conjunto com mais cinco, a
saber, Belém, Ananindeua, Benevides, Santa Bárbara e Santa Izabel. Destes,
Marituba apresenta um elevado grau de urbanização 87,18 % em 2000, segundo
dados do Relatório de Avaliação do Plano Diretor de Marituba (2009). Contudo,
conforme os resultados preliminares do censo 2010 do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), esta taxa de urbanização sofreu alteração em
decorrência do aumento da população urbana em detrimento da rural, quantitativo
referente a 127.109 e 1.122 pessoas respectivamente. Apesar destes números,
pode-se dizer que o município apresenta ao mesmo tempo uma produção espacial
relevante pautada na agricultura familiar, muitas vezes desconsiderada ou
negligenciada pelas ações políticas, mas que responde pelo complemento alimentar
e financeiro de muitas famílias.
O estudo das estratégias de reprodução da agricultura familiar contribui para
demonstrar a importância desta atividade para o sustento das famílias, bem como
para os mercados locais em termos de abastecimento e assim apreender em que
medida as estratégias utilizadas na produção dos cultivos neste município se
assemelham e/ou se diferenciam. É exatamente no esforço de se considerar estes
espaços enquanto essenciais na contribuição do sustento de um número
considerável de famílias, residente nesta área metropolitana, que os mesmos
necessitam ser discutidos e valorizados no âmbito de uma proposta de gestão do
espaço regional e local.
13
Por isso, analisou-se o processo de reprodução da agricultura familiar na
RMB, precisamente nos referidos bairros de Marituba, por meio também da
revelação de estratégias de sobrevivência tidas pelos trabalhadores, bem como do
conhecimento de suas trajetórias, as quais guardam muitas vezes idas e vindas
experimentadas pelos grupos sociais. Em meio a esta discussão acerca da
reprodução da agricultura familiar e considerando os meandros da relação entre o
urbano e o rural na dinâmica espacial da composição desta região metropolitana,
tendo como base empírica da pesquisa, os agricultores dos bairros de Almir Gabriel
e Uriboca em Marituba, questionou-se:
De que forma se dá a reprodução da agricultura familiar na Região Metropolitana
de Belém, especialmente no município de Marituba?
Esta problemática emergiu da necessidade de se compreender sobre que
bases tal organização social e produtiva se reproduz diante de um conteúdo
(urbano) e de uma forma (cidade) que pretendem e tendem à homogeneização do
espaço. Por conseguinte, de posse desta problemática mais geral, levantou-se
questões secundárias em torno das estratégias socioespaciais, desenvolvidas pelos
agricultores no município de Marituba. Deste modo, a questão norteadora se
desdobrou em três questões secundárias que subsidiaram a presente pesquisa:
Os agricultores familiares enfatizados são alcançados pelas políticas públicas
direcionadas à agricultura?
Quem são estes sujeitos sociais, suas trajetórias, experiências?
Quais as estratégias de reprodução socioespaciais destes agricultores?
Com base nestes questionamentos levantados, os quais suscitaram diversos
outros enfoques como a construção das políticas públicas, as trajetórias dos
agricultores, contudo tendo por objeto de estudo a reprodução dos agricultores,
frente à expansão crescente das relações e dos espaços predominantemente
urbanos, objetivou-se em linhas gerais:
14
Revelar e analisar as condições socioespaciais que explicam a persistência da
agricultura entendida neste estudo enquanto familiar desenvolvida na Região
Metropolitana de Belém, precisamente nos citados bairros de Marituba.
Este objetivo geral esteve intrinsecamente relacionado a outros três objetivos
secundários pretendidos nesta pesquisa, para a melhor compreensão da
problemática:
Verificar o nível de participação dos agricultores nas políticas públicas
direcionadas a este segmento
Revelar as trajetórias vivenciadas pelos trabalhadores e familiares envolvidos na
atividade da agricultura
Identificar as estratégias socioespaciais realizadas pelos agricultores
Para a realização deste estudo partiu-se da hipótese de que a permanência
destas práticas socioespaciais diferenciadas em Marituba está associada a
necessidade material de sobrevivência dos trabalhadores, assim como a
necessidade subjetiva de trabalhar na atividade da agricultura, seja no espaço
urbano ou rural.
Estes, por sua vez, recriam estratégias socioespaciais ligadas tanto ao
envolvimento da organização familiar na atividade, assim como à inserção destes
trabalhadores em associações e cooperativas que possibilitam o fortalecimento dos
mesmos. Estes fatores combinados representam possibilidades reais de
sobrevivência para os envolvidos direta e indiretamente na produção.
As trajetórias vivenciadas pelos sujeitos indicam uma diversidade de ações e
caminhos percorridos, que expressam encontros e desencontros com um cotidiano
essencialmente rural, fatores estes que influenciam uma produção socioespacial que
se constitui em objeto de análise da presente pesquisa.
Pressupõe-se também que apesar de ter tido um acréscimo nas políticas
públicas voltadas para as atividades ligadas aos espaços rurais, ainda assim um
número considerável de trabalhadores não é beneficiado com os incentivos, fator
que decorre entre outros, do desconhecimento ou negligência quanto ao caráter
15
heterogêneo intrínseco aos grupos sociais envolvidos, sejam estes atuantes em um
espaço rural ou urbano.
Contudo, os agricultores familiares vêm assumindo espaço político destacado
no período recente e buscam afirmar-se como categoria social estratégica, haja vista
que estão apresentadas as condições políticas e institucionais para que estes
agentes possam participar de um desenvolvimento rural tão propagandeado nas
políticas. Estas políticas que se configuram isentas de neutralidade, visto que
expressam um movimento contraditório intrínseco da sociedade.
No que se refere ao instrumental metodológico, realizou-se pesquisa e análise
bibliográfica, assim como levantamento e análise documental e de dados
secundários em instituições públicas ligadas à agricultura familiar, como a Empresa
de Assistência Técnica e extensão Rural (EMATER); Secretária Municipal de
Agricultura e Abastecimento (SEMAB); Prefeitura Municipal de Marituba (PMM);
Secretária Estadual de Agricultura (SAGRI); Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), entre outros, com o objetivo de conhecer os números da
população rural e urbana, planos, políticas públicas concebidas para este grupo,
cadastro dos agricultores, dados relativos à produção agrícola, entre outros.
A entrevista semiestruturada é uma técnica adotada nesta pesquisa por
permitir conforme May (2004) que sejam apreendidas nos diálogos, não somente
elementos quantitativos, mas de igual importância informações qualitativas, uma vez
que o entrevistador ao utilizar esta técnica possa ir além da padronização contida
nos questionários.
Associada à entrevista semiestruturada, utilizou-se as entrevistas não
estruturadas ou abertas, especificamente a história de vida. Esta técnica permite
perceber com mais clareza as contradições sociais que envolvem a vida cotidiana
dos trabalhadores, a relação destes com o espaço produzido, com a família, com a
terra, com o espaço de comercialização e a possível relação entre este cotidiano
vivenciado e as experiências reveladas por meio das histórias relatadas por estes
trabalhadores.
Para May (2004, p. 150) a opção por determinada técnica de pesquisa está
intrinsecamente ligada aos objetivos e resultados pretendidos pelo pesquisador e no
geral, a escolha pela técnica de entrevista aberta se justifica pela compreensão de
que “[...] as entrevistas estruturadas dão pouco espaço para as pessoas
16
expressarem as suas próprias opiniões da maneira que escolherem. Elas têm que se
ajustar a quadros ou categorias que o pesquisador já predeterminou”.
Partindo da necessidade de conhecer os espaços dos trabalhadores, bem
como suas práticas socioespaciais, as quais produzem espaços diferenciados, fez-
se necessário observar os processos experimentados pelos sujeitos, por meio das
conversas com os mesmos. Segundo Silva (2004) os relatos podem revelar que a
memória é uma reconstrução social, e pode transformar o presente, na medida em
que reinterpreta o passado.
Para analisar as estratégias que respondem pela reprodução dos agricultores
dos bairros selecionados, foi delimitado o número de agricultores entrevistados,
utilizando a técnica da amostragem. Diante da impossibilidade de entrevistar todos
os agricultores familiares residentes em Marituba, em decorrência da natureza da
entrevista implementada, que requer um tempo maior para a realização e análise,
bem como a ausência de recursos suficientes para subsidiar os procedimentos,
dentre outros fatores, priorizou-se a seleção de um número predefinido de
agricultores.
O total de agricultores entrevistados obedeceu a uma seleção pautada em
critérios indissociáveis, que dizem respeito, tanto à representatividade dos
agricultores, quanto à espacialidade destes no que se refere à agricultura. A amostra
de agricultores, não necessariamente representativa, encontra-se inserida no
universo de estabelecimentos da agricultura familiar contabilizados pelo censo
agropecuário do ano de 2006 (BRASIL, 2006), o qual totalizou cento e dezesseis
unidades familiares produtivas.
Neste sentido, foram entrevistados vinte agricultores familiares, sendo dez
agricultores, localizados no bairro Almir Gabriel, reconhecidos pela produção
hidropônica e orgânica e dez agricultores do bairro Uriboca, representativos, pela
produção de hortaliças para o fornecimento, principalmente, na feira do Ver-o-Peso
no município de Belém. Na sistematização das informações obtidas no trabalho
empírico, buscou-se preservar a identidade dos entrevistados, para evitar possíveis
contratempos, entretanto, os mesmos foram identificados por meio de números, de 1
a 20, conforme o número de entrevistas.
Essa etapa de campo se constituiu em uma das etapas fundamentais desta
pesquisa, uma vez que nela se deu a reconstrução das trajetórias familiares no
estabelecimento por meio de uma detalhada investigação, da qual resultaram
17
importantes e enriquecedores depoimentos, os quais foram utilizados no processo
de análise e expostos nesta pesquisa, sobretudo no terceiro capítulo.
Além da utilização das entrevistas como ferramenta essencial, o aporte
metodológico da pesquisa foi desenvolvido por levantamento cartográfico, bem como
visitas ao recorte empírico com observação sistemática, registro fotográfico, tanto
dos espaços de produção, quanto de comercialização com o propósito de conhecer
e revelar as práticas socioespaciais cotidianas destes grupos sociais. Tanto as
observações sistemáticas, quanto as entrevistas, e o registro fotográfico,
configuram-se enquanto instrumentos fundamentais para a constatação da
persistência destas estratégias no espaço metropolitano, precisamente em Marituba,
ratificando a relevância da análise em questão para a região.
Do mesmo modo que a pesquisa balizou-se por um aporte metodológico, esta
também se orientou por um referencial teórico-conceitual, que tem como teorias e
conceitos chaves, primeiramente o espaço enquanto a indissociação entre sistema
de objetos e sistema de ações conforme Santos (2006). A agricultura familiar
enquanto uma categoria genérica que guarda uma diversidade de formas sociais na
perspectiva de Wanderley (1996; 2003), assim como uma categoria socioprofissional
institucionalizada conforme Neves (2007) e a concepção da reprodução das
relações sociais, concebida, sobretudo por Lefebvre (1999), Bourdieu (2004);
Bourdieu e Passeron (1992), além da utilização de apontamentos da obra de Marx e
Engels (2009).
A pesquisa necessitou da orientação de algumas noções e conceitos
secundários, mas não menos imprescindíveis para o entendimento dos processos, a
saber, a relação de diferenciação e complementaridade entre rural e urbano,
baseando-se em Alentejano (2000), Marques (2002) e Spósito (2006), além da
discussão sobre metropolização do espaço partindo da concepção de Lencioni
(2003), assim como os aspectos do cotidiano concebido por Martins (2008), entre
outros.
A pesquisa estruturou-se em alguns momentos que se materializaram em
quatro capítulos, os quais foram subdivididos em tópicos para o melhor
direcionamento do trabalho escrito. Contudo os capítulos resultantes desta pesquisa,
não se encontram isolados, mas conectados pela problemática central deste estudo.
No primeiro capítulo intitulado “Abordagem teórico-conceitual acerca da
reprodução da agricultura familiar em espaço metropolitano”, discutiu-se as
18
perspectivas conceituais acerca da agricultura familiar, bem como os elementos
caracterizadores. Em seguida, foram analisadas algumas interpretações referentes
ao conceito de reprodução, assim como a ênfase na relação rural-urbana, relação
esta que permeia o processo de reprodução da agricultura familiar na região
metropolitana de Belém.
No segundo capítulo “Formação histórico-geográfica do município de Marituba
e sua relação com a agricultura”, caracterizou-se de forma geral o processo histórico
de ocupação do município em sua relação com a atividade agroindustrial, sua
constituição enquanto município, sua localização, dados secundários relativos à sua
população. Destacando-se, neste segundo capítulo, como o plano diretor municipal
definiu o zoneamento dos espaços agrícolas em Marituba e por fim a espacialização
da composição metropolitana com ênfase para as iniciativas da agricultura familiar
na RMB.
Já no terceiro capítulo intitulado “Dimensões das políticas públicas voltadas
aos agricultores familiares com ênfase no PRONAF”, partiu-se das políticas públicas
direcionadas aos agricultores, explorando os conteúdos dos programas,
principalmente do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
(PRONAF), além da análise de dados secundários e primários que indicaram o nível
de participação dos agricultores nestas políticas, bem como a relevância destas na
reprodução destes grupos.
Finalmente no quarto capítulo ”Estratégias socioespaciais de reprodução da
agricultura familiar no município de Marituba”, sistematizou-se as estratégias
socioespaciais de reprodução destes agricultores, revelando as estratégias dos
agricultores no que concernem as práticas socioespaciais de produção e
comercialização, perpassando pelas suas trajetórias, características
socioeconômicas e organização social em cooperativas e associações. Estas
estratégias conjugadas convergem para reprodução das famílias ligadas à
agricultura no município de Marituba, inserido na RMB.
19
CAPÍTULO 1 - ABORDAGEM TEÓRICO-CONCEITUAL ACERCA DA
REPRODUÇÃO DA AGRICULTURA FAMILIAR EM ESPAÇO METROPOLITANO
A análise acerca da compreensão da categoria agricultura familiar no campo
teórico, assim como os processos que envolvem a sua reprodução em espaço
metropolitano e que por sua vez expressam uma relação rural-urbana presente
nestes espaços recortados para a análise, configuram-se sobremaneira no objeto de
apreciação neste primeiro capítulo.
Neste sentido este primeiro momento da pesquisa foi sistematizado em três
itens. Primeiramente destacam-se às distintas concepções sobre a agricultura
familiar, presente nos estudos de Abramovay (2007), Fernandes (2002),
principalmente de Wanderley (1996; 2003), Neves (2007), Schmitz (2008), entre
outros que se debruçaram sobre a temática.
No segundo, discute-se o conceito de reprodução, pautando-se, sobretudo no
trabalho de Lefebvre (1999) intitulado “Estrutura social: a reprodução das relações
sociais”, além dos escritos de Bourdieu (2004); Bourdieu e Passeron (1992) acerca
da problemática da reprodução em consonância também com apontamentos da obra
de Marx e Engels (2009), buscando neste subtópico os elementos que caracterizam
este processo de reprodução dos agricultores.
Já a abordagem, desenvolvida no terceiro e último item deste capítulo, refere-
se à relação rural-urbana, a qual é entendida a partir da imbricação dialética entre os
conteúdos, tanto de complementaridade, quanto de diferenciação, fundamentou-se
principalmente nos trabalhos de Marques (2002), Alentejano (2000), Guerra (2006),
Spósito (2006) entre outros, enfatizados neste estudo.
Este momento foi construído com o intuito de subsidiar de forma teórica e
conceitual o objetivo que busca identificar as estratégias socioespaciais dos
agricultores, uma vez definida à perspectiva conceitual de agricultura familiar, bem
como de reprodução atrelada às estratégias, no contexto da relação rural-urbana,
associada à pesquisa empírica propriamente desenvolvida no terceiro capítulo,
certamente será realizada a análise acerca das estratégias empreendidas pelos
agricultores.
Objetivou-se em síntese, nesta primeira parte, entender no plano teórico a
reprodução da agricultura familiar, presente não somente no espaço rural, mas
20
também sendo desenvolvida no espaço urbano, demonstrando uma relação de
complementaridade e diferenciação entre o par rural-urbano, frisando a valorização
da agricultura familiar não a partir de sua forma, mas sobremaneira tomando como
referencial seu conteúdo, sendo esta desenvolvida no campo ou na cidade, no rural
ou no urbano ou na imbricação entre ambos.
1.1 AGRICULTURA FAMILIAR: UMA REFLEXÃO NECESSÁRIA
O recorte empírico privilegiado neste estudo apresenta atividades pautadas
na produção agrícola, sobretudo de hortaliças, bem como na criação de animais de
pequeno porte, realizadas por familiares ou cooperados no município de Marituba.
Estas práticas socioespaciais são desenvolvidas nos quintais das casas, em áreas
não utilizáveis por residências ou outras construções, estes espaços utilizados são,
geralmente, reduzidos, pois estão localizados em espaços urbanos ou próximos a
estes, conforme zoneamento proposto pelo plano diretor municipal do município de
Marituba vigente desde o ano de 2007.
A percepção da realidade presenciada condicionou ao entendimento de que
esta forma de produzir, associada à produção propriamente dita, apresenta
proximidade com uma concepção genérica de agricultura familiar, pautada na
organização social e produtiva administrada pela família ou por cooperados.
Ao se definir a agricultura familiar enquanto um primeiro termo essencial para
a pesquisa, o qual guarda uma discussão teórica extensa, faz-se necessária uma
apreciação teórica do termo agricultura familiar, conforme a análise de alguns
autores, principalmente de Wanderley (1996, 2003), Neves (2007), Abramovay
(2007), Schmitz (2008), Fernandes (2002), entre outros, que se debruçaram sobre a
temática.
Schmitz (2008) em consonância com Neves (2007) demonstra que a
discussão acerca do termo agricultura familiar comumente aparece associada
distinta ou indistintamente a dois conceitos, de campesinato e pequena produção.
Estes termos, segundo os autores enfatizados, surgiram no Brasil de forma
cronológica relacionados a diferentes modelos de desenvolvimento, cuja emergência
21
se deu tanto em âmbito político, quanto em âmbito analítico com o propósito de
descrever a categoria.
No âmbito político, inúmeras instituições tiveram significativa contribuição na
elaboração e uso dos conceitos, seja referente ao campesinato, a pequena
produção, ou a agricultura familiar, dentre estas, destaca-se, conforme Schmitz
(2008) O Partido Comunista Brasileiro (PCB) que criou o Bloco Operário e
Camponês (BOC) em 1927 e as primeiras ligas camponesas nos anos 1940; o
Governo Militar (anos 1960), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Universidades, Governos
democráticos (anos 1990), entre outros.
Nesta perspectiva cronológica, a literatura indica que o campesinato como um
conceito chave no contexto da questão agrária brasileira surge a partir dos anos
1950, incorporando uma diversidade de relações de trabalho e de formas de acesso
a terra. Desta forma o conceito de campesinato foi, de acordo com Schmitz (2008, p.
3) “associado a um conteúdo político-ideológico e o conceito oposto foi o de
latifúndio”.
Conforme Moraes (1998) a análise que as Ciências Sociais no Brasil fazem
sobre o campesinato perpassou basicamente por três grandes matrizes, uma de
cunho marxista, com ênfase no processo de proletarização, portanto enfatizando
muito mais o desenvolvimento do capitalismo em detrimento do campesinato. Em
outro enfoque primou-se pelas análises ditas culturalistas, pautadas em Redfield,
Wolf, Mendras, Shanin.
E por último a análise chayanoviana a partir de sua teoria dos sistemas não-
capitalistas e ainda a teoria marxista do modo de produção camponês, com base em
Tepicht e Galeski compondo o terceiro enfoque. No âmbito da análise do
campesinato propriamente dito, estes dois últimos enfoques se destacam, por
analisarem o camponês “[...] como algo específico, seja como cultura ou como
economia, buscando a partir ora de um, ora de outro desses aspectos, o irredutível,
a identidade” camponesa. (MORAES, 1998, p. 124)
Outro conceito que emerge no cenário político e acadêmico brasileiro é o
conceito de pequena produção atrelado aos camponeses, o qual tem seu
surgimento por volta dos anos de 1970, este estava estritamente relacionado com as
transformações políticas do Estado com a Ditadura Militar, e a consequente
valorização do latifúndio e desarticulação de alguns movimentos que tinham por
22
base a unidade camponesa, atribuída, sobretudo neste período o adjetivo de
pequena produção.
Já a agricultura familiar, configura-se em outro termo que emerge nas
análises da questão agrária. Para Neves (2007), foi precisamente a partir da última
década do século XX (1990), que o termo passou a receber destaque em nível
internacional, frisando que em pesquisas foi constatado que de 1935 até 1984, não
houve referência ao uso do termo agricultura familiar. Este termo surge inicialmente
nos trabalhos estadunidenses e europeus, contrapondo-se ao modelo de
interdependência entre agricultura e indústria.
É exatamente neste contexto que segundo Neves (2007) se inicia um
processo de construção do agricultor familiar a partir da redemocratização do Brasil,
bem como da elaboração de políticas públicas direcionadas a esta categoria, a qual
é denominada pela autora de socioprofissional, uma vez que seu reconhecimento
resulta de um processo político de enquadramento institucional.
A emergência desta categoria traz consigo um debate acerca das abordagens
que enfocam os termos agricultura familiar e campesinato a partir do prisma da
diferenciação. Nesta perspectiva é elucidativa a tese de doutoramento de
Abramovay (2007). Neste estudo o referido autor demonstra que as unidades
familiares de pequeno porte, associadas a sua crescente tecnificação e
investimentos por parte dos estados europeus e dos Estados Unidos se mostraram
mais eficazes na produção de alguns tipos de produtos alimentares, ressaltando,
porém que este agricultor em nada se assemelha ao campesinato tradicional.
Numa perspectiva de mudanças e permanências e até certo ponto
evolucionistas, Abramovay (2007) explicita que as mudanças sofridas pela produção
familiar na agricultura são tão intensas que não permitiram que as características
centrais da produção camponesa permanecessem, pontuando que
Tanto Chayanov como Tepicht [...] têm perfeita consciência de que por mais importante que seja a caracterização do camponês como uma forma social estável, esta tende irrefreavelmente a transformação e, no limite, à extinção. (ABRAMOVAY, 2007, p. 67)
Neste sentido Abramovay (2007, p. 137) frisa os camponeses do Sul do
Brasil, os quais se integraram plenamente às estruturas do mercado nacional,
transformando sua base técnica e conseqüentemente se metamorfoseando “[...]
23
numa nova categoria social: de camponeses, tornam-se agricultores profissionais.
Aquilo que antes de tudo era um modo de vida converte-se numa profissão, numa
forma de trabalho”.
Com uma abordagem visando à valorização do campesinato, em detrimento
do agricultor familiar, tem-se outro trabalho significativo, o estudo de Fernandes
(2002) intitulado “Agricultura familiar e/ou agricultura camponesa”, no qual
demonstra a importância, valor histórico e político-ideológico que o conceito de
camponês tem frente ao termo agricultura familiar. Para Fernandes (2002) há um
grupo de teóricos que valoriza a agricultura familiar em detrimento do campesinato,
enquanto conceito, alegando que este último vem perdendo seu poder explicativo,
diante das transformações ocorridas no espaço agrário.
Fernandes (2002) enfatiza que em geral as análises que elegem a agricultura
familiar, pautam-se sobremaneira numa racionalidade econômica, sugerindo uma
compreensão parcial, na qual não há o aprofundamento da análise da questão
agrária. Para este autor a construção teórica acerca da agricultura familiar tem
contribuído para uma imagem negativa dos camponeses, visto que as abordagens
relacionam o camponês ao velho, arcaico e atrasado ao passo que o agricultor
familiar representa o novo, o moderno, o progresso.
Em sentido divergente a análise de Fernandes (2002) e partindo da
compreensão de que a agricultura familiar tem na sua base a combinação genérica
terra-trabalho-família, Wanderley (1996), entende que a agricultura familiar
corresponde a uma categoria que incorpora uma diversidade de situações
específicas, podendo se caracterizar, entre outras formas, enquanto uma agricultura
camponesa, ou uma agricultura de subsistência, multiplicidades estas que se
associam às particularidades inerentes às diferenciadas produções socioespaciais
dos agricultores.
Esta combinação inerente à categoria agricultura familiar em recortes
temporal e espacialmente distintos revela formas sociais que demandam uma
análise com base no empírico, por sua vez uma formulação conceitual, como no
caso da agricultura camponesa, da agricultura de subsistência, entre outras.
Contudo para outros autores como Neves (2007), este caráter diverso
atribuído à agricultura familiar é forjado por políticas públicas voltadas a este
segmento, que visando à construção de uma única categoria socioprofissional,
reúne num mesmo aporte analítico, diversos e heterogêneos grupos sociais. Tal
24
postura, ao invés de esclarecer, segundo a autora, confunde as características
essenciais de grupos com organização social, cultural e econômica diferenciadas.
É reconhecida também por Schmitz e Mota (2007) a dificuldade de
diferenciação interna concernente à agricultura familiar, porém quando se trata de
distingui-la da agricultura dita patronal, além do tamanho da área do
estabelecimento como critério notoriamente utilizado, deve-se considerar outros
critérios relevantes como o grau de utilização da mão-de-obra familiar, a renda do
agricultor, a significância do autoconsumo, as regras de herança, o aspecto cultural,
a relação com os recursos naturais, dentre outros.
Para Hurtienne (2005) a diversidade da agricultura familiar na Amazônia não
se esclarece somente pelos fatores socioeconômicos e políticos, mais também com
base nos agroecológicos, estes últimos ainda pouco compreendidos, uma vez que
ainda perdura a concepção equivocada de que a agricultura familiar eleva, em
grande escala, os níveis de desmatamento. Divergindo deste pensamento
incoerente acerca da agricultura familiar, o mesmo expõe que,
[...] o que sempre foi percebido como pequena produção de subsistência sem grandes chances de aumentar sua produtividade é reinterpretado como um campo bem mais diverso de formas de agricultura familiar com possibilidades econômicas também diversas. (HURTIENNE, 2005, p. 30)
A dificuldade em se caracterizar uma agricultura familiar, deve-se inicialmente
ao não reconhecimento de sua heterogeneidade, bem como a consideração de
somente um critério ou outro para a definição da mesma. Comumente se utiliza, de
forma inconsistente, um único critério, a saber, tamanho da propriedade, para se
definir a agricultura familiar, bem como produtores familiares.
Dentre os elementos para se caracterizar a agricultura familiar, bem como
seus produtores, há de se considerar, além do tamanho dos estabelecimentos, a
significância da subsistência, assim como as tradições e heranças relacionadas à
estruturação e práticas socioespaciais que envolvem a vivência destes sujeitos, bem
como sua organização social são elementos fundamentais no entendimento desta
categoria.
Partindo da diversidade intrínseca à categoria agricultura familiar e
convergindo com Wanderley (2003), tem-se certa resistência em valorizar
demasiadamente o camponês como único sujeito detentor de conteúdo histórico, em
25
detrimento do agricultor familiar como supõe Fernandes (2002), assim como há um
descontentamento com a proposição, essencialmente evolucionista, de que o
camponês estará cedo ou tarde fadado ao desaparecimento, visto que com a
inserção de tecnologias, investimentos estatais e intensificação da relação com o
mercado, este estará “irrefreavelmente” nos termos de Abramovay (2007) se
transformando em agricultor profissional.
Antes de se considerar esta passagem irreversível da condição de camponês
tradicional para de agricultor familiar profissional nos moldes de Abramovay (2007),
ou a negação do agricultor familiar enquanto sujeito ausente de história e
resumidamente objeto de ação do Estado, deve ser considerado conforme
Wanderley (2003) a capacidade de resistência e de adaptação dos agricultores aos
novos contextos econômicos e sociais, os quais são outros e, por sua vez
demandam outras estratégias, conforme o que ocorreu com os agricultores de
Marituba, dentre os quais, um número relevante foi forçado a migrar de suas terras
anteriormente.
Mesmo não devendo conceber agricultura familiar enquanto um conceito, mas
uma categoria de ação política como advoga Neves (2007), em geral, veiculada pelo
Estado, é necessário, ponderar como explicita Wanderley (2003) que,
Mesmo sendo uma identidade “atribuída”, na maioria dos casos, ela é incorporada pelos próprios agricultores e à diferença de outras denominações impostas de fora (agricultor de baixa renda, por exemplo), ela aponta para qualidades positivamente valorizadas e para o lugar desse tipo de agricultura no próprio processo de desenvolvimento. (WANDERLEY, 2003, p. 58)
Convém esclarecer, que o objetivo desta análise foi menos uma proposição
de distinção e conceituação entre agricultores familiares e camponeses e mais uma
necessidade de entendimento deste caráter diverso da agricultura frente às
atividades industriais, comerciais e de serviços, predominantes nos espaços
metropolitanos, como é percebido no recorte espacial.
Neste sentido, enfatiza-se a natureza da reprodução desta agricultura familiar,
no próximo item, relacionando às diversas e diferenciadas formas que estes
dispõem para a organização em cooperativas ou no núcleo familiar para produzir,
para seleção de critérios sobre o que produzir, a relação tida com o mercado, entre
26
outros. Estas questões possivelmente são passíveis de esclarecimentos, quando se
eleva a importância da pesquisa empírica com estes produtores, em espaços rurais
ou urbanos, atrelada às apreciações teóricas.
1.2 A NATUREZA DA REPRODUÇÃO DA AGRICULTURA FAMILIAR
O entendimento da permanência da agricultura familiar em regiões
metropolitanas perpassa necessariamente pela compreensão do processo de
reprodução, possibilitado pelas diversas estratégias realizadas pelos agricultores.
Estas estratégias estão diretamente associadas às práticas socioespaciais das
famílias, que envolvem desde a organização do núcleo familiar e das cooperativas
até a comercialização da produção. Neste sentido, objetivando compreender a
reprodução, buscando um quadro de análise no que concerne ao termo, enfocou-se
a categoria a partir das elaborações, sobretudo de Lefebvre (1999), bem como de
Bourdieu e Passeron (1992); Bourdieu (2004), para o qual o processo de reprodução
está intrinsecamente relacionado às estratégias, além de alguns apontamentos da
obra de Marx e Engels (2009).
A teoria marxiana em geral, e os escritos de Marx e Engels (2009)
especificamente na primeira parte da Ideologia Alemã, já delineavam princípios
essenciais na compreensão da reprodução nas suas diversas dimensões. Partindo
da diferenciação entre “os homens” e os animais, pautada não somente na
consciência e religião por parte do primeiro, mas sobremaneira na sua capacidade
de produção dos meios de subsistência, os quais conforme os autores não devem
ser entendidos somente enquanto uma reprodução biológica, mas uma reprodução
social, conforme expõe Marx e Engels (2009, p. 24).
Esse modo de produção não deve ser considerado no seu mero aspecto de reprodução da existência física dos indivíduos. Trata-se já, isto sim, de uma forma determinada da atividade desses indivíduos, de uma forma determinada de exteriorizarem a sua vida, de um determinado modo de vida dos mesmos. Como exteriorizam a sua vida, assim os indivíduos o são. [...] Aquilo que os indivíduos são depende, portanto, das condições materiais de produção. (MARX E ENGELS, 2009, p. 24, grifo nosso).
27
Na concepção de Marx e Engels (2009) a reprodução para além de uma
reprodução biológica, deve ser entendida enquanto social, a qual consiste na
produção, por parte dos grupos sociais, dos meios de sobrevivência, os quais estão
associados aos estilos de vida dos grupos. Neste sentido, a reprodução dos
agricultores de Marituba expressa um “determinado modo de vida”, o qual
possivelmente revela uma tradição rural presente no cotidiano destes trabalhadores.
Marx e Engels (2009, p. 23-24/40) ao definirem que a concepção materialista
da história, em contraposição a concepção idealista, seria engendrada tendo por
base “[...] os indivíduos reais, a sua ação e as suas condições materiais de vida,
tanto as que encontraram quanto as que produziram pela sua própria ação”, os
autores negaram a perspectiva embasada na imaginação e consciência enquanto
determinantes, e primaram pela percepção empírica fundamentada na história, a
qual por sua vez tem como primeiro ato, a produção dos meios para satisfação das
necessidades, fazendo parte, sobretudo “[...] comer e beber, habitação, vestuário e
ainda algumas outras coisas”.
Para Lefebvre (1999) se num primeiro momento analítico Marx e Engels ao
formular acerca do sistema de produção capitalista e a gênese deste na história,
ainda que se tenha indicado outros elementos, enfocaram a reprodução de forma
marcadamente produtiva no sentido dos meios de produção, em outro momento por
volta de 1863, Marx em uma carta encaminhada a Engels comentando o quadro
econômico de Quesnay, reconhece o conceito de “reprodução total”, o qual é
permeado por uma dinâmica relação entre permanência e inovação, a qual envolve
todo o processo de reprodução das relações sociais.
[...] Marx julga que este quadro não resume apenas uma circulação de bens e dinheiro, mostra de que modo e por que razão o processo não se interrompe, pois reproduz as suas próprias condições [...] Já não se trata, portanto, da reprodução dos meios de produção, mas da reprodução das relações sociais. (LEFEBVRE, 1999, p. 222)
Lefebvre (1999) analisa a reprodução das relações sociais de produção,
demonstrando que os trabalhos que se dedicaram ao esclarecimento dos processos
que permearam e possibilitaram a reprodução das relações sociais apresentaram
um caráter reducionista e parcial, constituindo-se em abordagens incompletas sobre
a problemática da reprodução.
28
Neste sentido Lefebvre (1999) aponta que um segmento da corrente
estruturalista reduziu o problema da reprodução das relações de produção a um
componente elementar, os meios de produção, as indústrias, as empresas,
centrando excepcionalmente na reprodução da força de trabalho, conforme é
possível perceber na citação a seguir:
Na perspectiva do marxismo estrutural-funcionalista, a reprodução das relações de produção reduz-se a um simples reforço, a uma duplicação destas relações pela intervenção do estado. [...] Este Estado intervém enquanto moderador, reduzindo os conflitos conforme interesse da fração hegemônico-burguesa. (LEFEBVRE, 1999, p. 236)
Nesta perspectiva de demonstrar que a reprodução das relações sociais de
produção não se explica tão somente pelas indústrias, ou pela empresa, Lefebvre
(1999) frisa que a problemática da reprodução foi abordada de forma prudente, mas
incompleta pelo marxista Wilhelm Reich, o qual percebeu nas relações sexuais e
familiares analogias com as relações de produção capitalistas, propondo o lar
familiar enquanto centro onde se produz e reproduz as relações sociais de produção
em analogia a empresa capitalista.
Outras análises parciais, mas não menos coerentes sobre o processo de
reprodução e suas nuances foram construídas. Lefebvre (1999, p. 245) partindo do
pressuposto de que ao contrário de um sistema acabado, sempre existirá o esforço
com propósito de sistematização, defende enquanto hipótese estruturante que “[...] o
lugar da reprodução das relações de produção não se pode localizar na empresa, no
local de trabalho e nas relações de trabalho”.
A partir de um exame retrospectivo acerca da realidade francesa, Lefebvre
(1999) constrói sua tese no âmbito da reprodução das relações de produção,
pautando-se na concepção de que o capitalismo como se apresenta transformou
concepções, bem como criou elementos chaves na sociedade, a concepção de
lazer, cultura, entre outros, apropriando-os ao seu uso.
O capitalismo não subordinou apenas a si próprio, setores exteriores e anteriores: produziu setores novos transformando o que preexistia [...] Não é apenas toda a sociedade que se torna o lugar da reprodução (das relações de produção e não já apenas dos meios de produção): é todo o espaço. (LEFEBVRE, 1999, p. 247)
29
Com base na citação acima, observa-se que a hipótese estruturante de
Lefebvre (1999) perpassa menos pelas abordagens isoladas e parciais acerca da
reprodução e mais pela perspectiva totalizante, haja vista o enfoque no espaço, no
qual são condicionadas, bem como erigidas as inúmeras possibilidades de
reprodução das relações sociais de produção.
A reprodução das relações sociais de produção no âmbito do sistema de
produção capitalista, para Lefebvre (1999) não pode ser mais associado unicamente
aos meios de produção, as empresas, ainda que se considere o lucro imediato ou o
crescimento da produção, há além deste valor quantitativo, uma mudança qualitativa
nas relações reveladas num cotidiano reduzido ao consumo programado mascarado
pelas aparências e ideologias.
A reprodução da agricultura familiar na RMB e especialmente em Marituba ao
mesmo tempo em que revela um cotidiano reduzido ao consumo programado,
expressa também relações cotidianas que estão além das rotinas. Na acepção de
Martins (2008) está associada a um modo de viver, o qual não se reduz aos
aspectos repetitivos e rotineiros ausentes de história.
Nesta perspectiva de demonstrar outras dimensões da reprodução das
relações sociais, que não necessariamente via indústria, enfatiza-se o trabalho de
Bourdieu e Passeron (1992) intitulado “A Reprodução”, no qual os autores se voltam
para o funcionamento do sistema educacional francês e identificam que a escola, no
geral, não cumpre com seu papel de transformação social, acentuando as
desigualdades de classe.
Esta relação desigual deve-se ao fato da escola negligenciar as diferenças
socioculturais entre as classes abastada e desprovida, privilegiando em sua teoria e
prática pedagógica os valores culturais que dizem respeito à classe dominante.
Neste sentido para Bourdieu e Passeron (1992) esta ação pedagógica se configura
enquanto uma violência simbólica, na medida em que esta é imposta
arbitrariamente, tendendo a uma reprodução cultural e social.
As transformações empreendidas pelo capitalismo e que permeiam as
relações sociais em todas as suas dimensões, não são isentas de conflitos e
contradições apesar dos poderes e tendências coercitivas. Se o espaço por um lado,
torna-se lugar por excelência da reprodução das relações de produção, por outro
lado, este tende a reproduzir-se conforme as práticas sociais fruto das contestações
30
e insatisfações próprias dos grupos sociais descontentes com a tendência
homogeneizante diante das diferenças, como expõe Lefebvre (1999).
Se o espaço se torna lugar da reprodução (das relações de produção), torna-se também lugar de uma vasta contestação não localizável, difusa, que cria o centro às vezes num sítio e logo noutro. Essa contestação não pode desaparecer, pois o rumor e a sombra prenhe de desejo e de expectativa que acompanham a ocupação do mundo pelo crescimento econômico, pelo mercado e pelo Estado (capitalista e socialista). (LEFEBVRE, 1999, p. 248)
Esta contradição inerente ao processo de reprodução das relações sociais
revela o imprevisível, o incalculável, visto que a reprodução dos grupos sociais, não
se configura enquanto uma repetição, caracterizada por uma determinação
mecânica. Para Bourdieu (2004, p. 81) este caráter dinâmico implícito à reprodução
tem relação direta com outro elemento chave na sua pesquisa, as estratégias, as
quais constituem, conforme o autor “[...] produtos do senso prático como sentido do
jogo, de um jogo social particular”.
As estratégias na análise de Bourdieu (2004) não devem ser entendidas e
consideradas de forma isolada, nem na valorização de uma em detrimento de outra,
como no seu estudo sobre casamento no Béarn, onde as estratégias matrimoniais
não podiam ser dissociadas do conjunto das estratégias (de fecundidade,
educativas, econômicas, entre outras), visto que é,
Através das quais que a família visa se reproduzir biologicamente e, sobretudo socialmente, isto é, reproduzir as propriedades que lhe permitem conservar sua posição, sua situação no universo social considerado. (BOURDIEU, 2004, p. 87)
Transferido a concepção de Bourdieu (2004) acerca das estratégias para a
análise da agricultura familiar nos bairros enfatizados, pode-se dizer que as
estratégias praticadas pelos agricultores não devem ser analisadas de forma
isolada, uma vez que as estratégias de organização política, técnicas, produtivas,
territoriais, de comercialização, entre outras, convergem para um único objetivo, a
reprodução destes agricultores.
Bourdieu (2004) ao longo de sua dedicação à pesquisa das sociedades
contemporâneas e das relações sociais que mantêm os diferentes grupos sociais, e
convergindo metodologicamente com Marx e Engels (2009, p. 41) no que se refere à
31
valorização de condições vitais como a satisfação das necessidades, a produção da
própria vida material, observou problemas fundamentais, muitas vezes
desconsiderados, como por exemplo, a compreensão da,
[...] lógica específica das estratégias que os grupos, e particularmente as famílias, empregam para se produzir e reproduzir, isto é, para criar e perpetuar sua unidade, logo, sua existência enquanto grupos, que é quase sempre, e em todas as sociedades, a condição da perpetuação de sua posição no espaço social. (BOURDIEU, 2004, p. 94)
A necessidade de entender os mecanismos, as estratégias que perpassam e
dão sentido a todo o processo de reprodução dos grupos sociais desde a produção
das necessidades elementares à reprodução das condições de existência, como
enfocou Marx e Engels (2009), assim como Bourdieu (2004), consiste no principal
propósito deste estudo, ou seja, a reprodução dos agricultores na RMB que estando
em espaços urbanos ou próximos a estes conseguem resistir a esta tendência
homogeneizante da qual versou Lefebvre (1999) e reproduzir-se a partir de
condições materiais diferenciadas do entorno.
A reprodução da vida social envolve tanto a mudança de algumas estruturas
quanto a permanência de outras. É um processo dinâmico, não implica na
perpetuação imutável de uma realidade: dá-se em meio a transformações e
adaptações, viabilizadas pelas estratégias engendradas pelos indivíduos. Estas
transformações, considerando os agricultores enfatizados na pesquisa e sua
localização em recortes entendidos como urbanos, tem como processo balizador a
relação rural-urbana, processo que será analisado no tópico seguinte.
1.3 A RELAÇÃO RURAL-URBANA NA ANÁLISE DA AGRICULTURA FAMILIAR
EM ESPAÇO METROPOLITANO
Apesar da predominância de relações socioespaciais urbanas, bem como
comerciais e de serviços, revela-se no espaço metropolitano das cidades outras
formas de apropriação, imprimindo neste, características diferenciadas de vivência e
sobrevivência que podem significar a possibilidade do rural nas regiões
metropolitanas, visualizadas na relação intrínseca entre os objetos e as ações.
32
Estes objetos e ações interdependentes e articulados dialeticamente,
conforme Santos (2006) designam um espaço geográfico provisório, o qual antes de
indicar o sentido de localização, expressa processos sociais que guardam
organizações socioespaciais próprias que interagem numa dada região
metropolitana.
Os objetos sociais são entendidos, neste estudo, como sendo a materialidade
das práticas sociais, ou seja, produto das ações dos sujeitos, resultando na
espacialização dos mesmos. Este par objeto-ação é lido no espaço e compreendido
a partir da interação destes entre si e com o espaço como um todo.
Os objetos na leitura de Santos (2006) são tudo o que existe na terra, herança
da história natural e resultante da objetivação das ações humanas. Os objetos nesta
visão designam o extenso, a objetividade, o que o homem constrói e se torna
instrumento material de sua vida.
A análise geográfica que se empreende do espaço metropolitano, no que
circunscreve o município de Marituba, deve está alicerçada na inseparabilidade
entre as ações e os objetos, uma vez que “[...] o enfoque do espaço geográfico,
como resultado da conjugação entre sistemas de objetos e sistemas de ações,
permite transitar do passado ao futuro, mediante a consideração do presente.”
(SANTOS, 2006, p. 100).
O espaço, neste sentido, exprime a produção histórico-social da sociedade,
consequentemente a visualização das marcas desta sociedade só pode ser possível
no mesmo e a partir dele, em consonância com Carlos (2001);
Os diversos elementos que compõem a existência comum dos homens inscrevem-se em um espaço; deixam aí suas marcas. Lugar onde se manifesta a vida, o espaço é condição, meio e produto da realização da sociedade humana em toda a sua multiplicidade. (CARLOS, 2001, p. 11)
Este espaço aludido por Carlos (2001), num contexto metropolitano, guarda
um mosaico de relações múltiplas e diferenciadas, que por sua vez, fazem com que
estes espaços, enquanto materialidades do viver expressem as intermináveis
possibilidades do ser humano.
A compreensão destes espaços individualizados, inseridos numa lógica
metropolitana, dá-se com base na interpretação do conteúdo dos objetos que por si
só não se explicam, se não associados ao conjunto das ações. Nos termos de
33
Santos (2006, p. 66) “[...] a forma nos dá um ponto de partida, mas está longe de
nos dá um ponto de chegada, sendo insuficiente para oferecer, sozinha, uma
explicação”.
Associando-se esta abordagem à leitura de Lefebvre (2001), faz-se pertinente
a diferenciação concernente à cidade, bem como ao urbano, na qual a cidade
constitui a realidade “presente”, “imediata”, “arquitetônica”, ao passo que o urbano
designa um modo de viver que,
[...] comporta sistemas de objetos e sistema de valores. Os mais conhecidos dentre os elementos do sistema urbano de objetos são á água, a eletricidade, o gás (butano nos campos) que não deixam de se fazer acompanhar pelo carro, pela televisão, pelos utensílios de plástico, pelo mobiliário “moderno”, o que comporta novas exigências no que diz respeito aos “serviços”. Entre os elementos do sistema de valores, indicamos os lazeres ao modo urbano (danças, canções), os costumes, a rápida adoção das modas que vêm da cidade. E também as preocupações com a segurança, as exigências de uma previsão referente ao futuro, em suma, uma racionalidade divulgada pela cidade. (LEFEBVRE, 2001, p. 19)
É inconcebível o entendimento de uma determinada realidade, pautando-se
somente em seus objetos, faz-se necessário, conforme Santos (2006), o diálogo
entre o sistema de objetos e o sistema de ações e/ou valores na acepção de
Lefebvre (2001), além da consideração da intencionalidade do sujeito, o que por sua
vez, anima e recria estes objetos.
A intencionalidade das ações, das práticas sociais é guardada pelos objetos,
os quais são valorizados e/ou renovados para aquisição de novo valor. Visto que os
sistemas de objetos e ações, não são estáveis, estes se alteram, através de novas
formas, bem como de novas intencionalidades, ao longo do processo histórico.
Este dinamismo inerente ao espaço é frisado também por Carlos (2001), ao
analisar o espaço da metrópole sob a ótica da acumulação do capital, assim como a
partir da reprodução da vida. Enfatizando, no primeiro a padronização dos espaços a
partir do capital, por outro lado, evidenciando, no segundo, as relações cotidianas
vivenciadas e reproduzidas pelos sujeitos.
Relações cotidianas estas, que estão além das rotinas e banalidades de todos
os dias, este cotidiano, ou melhor, a vida cotidiana, na acepção de Martins (2008),
está associada a um modo de viver, o qual não se reduz aos aspectos repetitivos e
rotineiros ausentes de história.
34
Nesta perspectiva, Martins (2008) pautando-se numa leitura lefebvriana do
cotidiano, expõe que este só tem coerência perante a relevância das contradições
do processo histórico, uma vez que não há cotidiano sem história, partindo do
pressuposto de que o:
[...] cotidiano não é residual, [...] mas sim a mediação que edifica as grandes construções históricas, que levam adiante a humanização do homem. A história é vivida e, em primeira instancia decifrada no cotidiano (MARTINS, 2008, p. 125)
É necessário entender o cotidiano aludido neste estudo, associando-o a um
espaço-tempo qualitativo das relações, dos usos dos sujeitos em intensa relação de
interação e diferenciação com um cotidiano regido por um tempo da acumulação,
condicionado pela mediação do valor de troca das mercadorias, conforme a análise
de Martins (2008).
É no fragmento de tempo do processo repetitivo produzido pelo desenvolvimento capitalista, o tempo da rotina, da repetição e do cotidiano, que essas contradições fazem saltar fora o momento da criação e de anúncio da história [...]. Esse anúncio revela ao homem comum, na vida cotidiana, que é na prática que se instalam as condições de transformação do impossível em possível. (MARTINS, 2008 p. 57)
Partindo, sobretudo, da acepção de Santos (2006) acerca dos sistemas de
objetos e ações, associada à contribuição conceitual de Lefebvre (2001) referente ao
par cidade-urbano, além da pertinência do cotidiano na leitura de Martins (2008),
pode-se reconhecer no espaço, especialmente o metropolitano, uma multiplicidade
de ações/práticas sociais que o torna diferenciado apesar da tendência
homogeneizante, conforme expõe Carlos (2001).
A construção da cidade, hoje, revela a dupla tendência entre a imposição de um “espaço que se quer moderno”, logo homogêneo e monumental, definido, ou melhor, “desenhado” como espaço que abriga construções em altura associadas a uma rede de comunicação densa e rápida, e de outro “as condições de possibilidade”, que se referem à realização da vida (que se acham à espreita, de modo contestatório) revelando uma luta intensa em torno dos modos de apropriação do espaço e do tempo da metrópole – um processo que ocorre de modo profundamente desigual, revelando-se em seus fragmentos. (CARLOS, 2001, p. 36)
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Em consonância com a reflexão de Carlos (2001) sobre os fragmentos na
cidade, observam-se no município de Marituba, “fragmentos” que destoam de uma
forma espacial padronizada apresentada pela cidade capitalista, a qual, através de
seus elementos, predomina no espaço urbano da região metropolitana de Belém.
Haja vista a existência no espaço de Marituba formas outras de produção espacial,
alicerçada em objetos e ações que possivelmente caracterizam e revelam práticas
socioespaciais diversas.
É especificamente nestes “fragmentos” contidos na metrópole que segundo
Carlos (2001), a vida cotidiana, enquanto produto e condição da reprodução humana
se revela no:
[...] cenário da superação das necessidades, lugar onde nasce o novo, onde se dá sua busca de como romper o igual, porque o vivido ocorre no plano do imediato, que corresponde ao nível de realização da sociedade e dos modos como é produzida a existência dos homens em sua plenitude. (CARLOS, 2001, p. 303)
Partindo da constatação de práticas socioespaciais diferenciadas, resultante
de um sistema de objetos e ações particulares presentes na vida cotidiana, que se
buscou, por meio da pesquisa empírica o conhecimento da trajetória de vida destes
agricultores, com o propósito de verificar se estes objetos ou elementos, decorrentes
das práticas sociais destas famílias, designam as marcas no urbano de um espaço
rural de onde estes moradores, certamente, provieram.
Visto que para Wanderley (2000), pautando-se numa análise dialética dos
espaços e relações, as populações entendidas enquanto rurais, assim como
urbanas interagem cotidianamente nas distintas e múltiplas dimensões da vida
social, sendo o espaço:
[...] por excelência, o lugar da convergência entre o rural e o urbano, no qual as particularidades de cada um não são anuladas, ao contrário, são a fonte de integração e da cooperação, tanto quanto da afirmação dos interesses específicos dos diversos atores sociais [...]. (WANDERLEY, 2000, p. 120)
Observa-se um processo intenso no campo brasileiro, sobretudo no que diz
respeito ao processo de mecanização do espaço rural. Contudo, assim como há um
entendimento do rural para além das atividades agrícolas, deve haver uma
compreensão do urbano para além das atividades industriais, comerciais e de
serviços, uma vez que se percebe a reprodução de atividades ligadas a agricultura,
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sendo desenvolvidas no espaço urbano, precisamente em quintais, terrenos baldios,
entre outros espaços revelando, ao menos aparentemente, uma relação rural-urbana
presente nas cidades.
Estas observações já foram registradas por muitos pesquisadores, dentre
estes tem destaque os trabalhos de Bicalho (1992), os quais estiveram voltados ao
estudo das atividades agrícolas em áreas urbanas no contexto das regiões
metropolitanas. Bicalho (1992) advoga que estas produções agrícolas por estarem
sendo desenvolvidas nas áreas urbanas ou próximas a estas, em espaços
reduzidos, indefinidos enquanto rurais ou urbanos, possam ser definidas enquanto
agricultura urbana ou até mesmo metropolitana.
Estas produções agrícolas encontradas na cidade, se por um lado não
transformam os espaços em rural, por outro, expressam a possibilidade de uma
imbricação ainda mais efetiva entre o par rural e urbano conforme Guerra (2006).
Todavia, sem a pretensão de discutir se esta agricultura é urbana ou rural, mas,
considerando o interesse de agricultores pela delimitação da zona rural no
município, negligenciada pelo plano diretor de Marituba, cabe a este estudo a
análise deste processo e sua reprodução, mediante a intrínseca ligação que este
processo de reprodução da agricultura familiar tem com a relação rural-urbana.
A análise acerca da compreensão do par rural-urbano, diante das
transformações no espaço geográfico, no que tange, a inserção de inovações
tecnológicas no campo, bem como a expansão do processo de urbanização, resulta
no descortinamento de distintas abordagens sobre a relação rural-urbana,
perspectivas presentes nos estudos de Marques (2002), Endlich (2006), Graziano da
Silva (1999), Alentejano (2000), entre outros, enfatizados neste estudo.
Em meio a estas vertentes, sobressai-se à visão dicotômica, a qual fragmenta
o espaço, evidenciando o urbano em detrimento do rural, Marques (2002) insere os
estudos de Sorokim e Zimmerman (1986) nesta perspectiva, por expressarem de
forma fragmentada a relação rural-urbana.
(1) diferenças ocupacionais ou principais atividades em que se concentra a população economicamente ativa; (2) diferenças ambientais, estando à área rural mais dependente da natureza; (3) diferenças no tamanho das populações; (4) diferenças na densidade populacional; (5) diferenças na homogeneidade e na heterogeneidade das populações; (6) diferenças na diferenciação, estratificação e complexidade social; (7) diferenças na mobilidade social e (8) diferenças na direção da migração. (SOROKIN E ZIMMERMANN, 1986 apud MARQUES, 2002, p. 97)
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Nas diferenças evidenciadas por Sorokin e Zimmermann (1986) apud
Marques (2002), nota-se o rural, de modo geral, sendo definido a partir do urbano,
numa relação de dependência, portanto, com base em suas deficiências, postura
esta que negligencia as particularidades inerentes a este espaço denominado de
rural.
Endlich (2006) em seu trabalho acerca das perspectivas sobre o rural e
urbano, sistematizou determinados critérios adotados na designação de rural e
urbano, que aparecem como insuficientes para caracterizarem estes conteúdos
socioespaciais. Dentre os critérios de diferenciação, tem-se a delimitação pelos
limites político-administrativos definidos oficialmente, ou seja, sedes e distritos são
considerados urbanos.
Outro critério exposto pela referida autora é a definição de rural e urbano a
partir do fator demográfico, estabelecendo o espaço com maior número de
habitantes como urbano, e a carência enquanto rural, a natureza das atividades
econômicas também se configura num elemento de classificação. Considerando
estas perspectivas sobre rural e urbano, observa-se uma tendência de definição do
rural a partir do urbano, isto é, de suas deficiências. Para Endlich (2006),
Estabelecer o rural e o urbano a partir dos critérios mencionados, de forma descontextualizada, sem analisar a historicidade presente nos fatos e processos, parece estático demais. Ainda que se justifique pela finalidade pragmática, torna-se inadequado para compreender a dinâmica da sociedade. (ENDLICH, 2006, p. 19)
Esta visão dualista da realidade também foi questionada por Alentejano
(2000, p. 103), o qual frisa que nesta há implicitamente a construção de um
estereótipo do rural como “agrícola”, “atrasado”, “natural”, ao passo que o urbano é
empreendido, no cerne desta abordagem, como sinônimo de “moderno”, de
“progresso” de sede industrial e tecnológica.
Não muito distinta da vertente dicotômica, emerge outra perspectiva
denominada de continuum, a qual apreende o rural meramente como uma extensão
do espaço urbano. Esta interpretação do espaço rural pressupõe uma
homogeneização entre os espaços, sobretudo no contexto das transformações no
campo. Dentre os expoentes desta perspectiva do rural, enquanto um contínuo do
urbano está Graziano da Silva (1999), para o qual:
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A diferença entre o rural e o urbano é cada vez menos importante. Pode-se dizer que o rural hoje só pode ser entendido como um “continuum” do urbano do ponto de vista espacial; do ponto de vista da organização da atividade econômica, as cidades não podem mais ser identificadas apenas com a atividade industrial, nem os campos com a agricultura e a pecuária; e, do ponto de vista social, a organização do trabalho na cidade se parece cada vez mais com a do campo e vice-versa. (GRAZIANO DA SILVA, 1999, p.1)
Para Marques (2002), em síntese as vertentes dicotômica e de continuum,
diferem no que diz respeito aos seus princípios, contudo convergem em sua
essência, entendendo este rural produzido e reproduzido com base no urbano,
desconsiderando a interpretação deste espaço diferenciado independentemente do
urbano, ou seja, a partir de suas características intrínsecas.
É com base na análise de outros trabalhos que a concepção da categoria
rural, enquanto uma categoria dispensável ao entendimento das distintas e diversas
relações e espacializações que se tecem e se constroem no campo brasileiro, não
representa a única alternativa de compreensão destas realidades diferenciadas.
Em contraponto a estas concepções do rural, enquanto antítese ou continuum
do urbano é enfatizado por Alentejano (2000) um processo mais amplo, no qual, em
meio à complexidade, outras formas de organização surgem redesenhando espaços
caracterizados como rurais e urbanos.
Não se trata da eliminação pura e simples do rural e sua transmutação em urbano, mas de um fenômeno mais complexo, onde um novo urbano e um novo rural surgem do choque entre ambos. Na realidade, a diversidade de formas de organização social que proliferam, tanto no campo como na cidade, poderia nos levar a sucumbir à tentação de dizer que não existe um urbano e um rural, mas vários urbanos e rurais (ALENTEJANO, 2000, p. 103)
Diversidades estas expostas por Alentejano (2000) que envolve tanto objetos,
quanto práticas socioespaciais que em conjunto, refletem um modo de viver
diferenciado que, por sua vez, produz e reproduz espaços entendidos enquanto
rurais, os quais não estão ligados diretamente às transformações promovidas pelo
capital.
Nesta perspectiva, frisa-se por fim, uma terceira vertente em vias de
estruturação, que advoga uma análise dialética da relação rural-urbana,
reconhecendo as transformações pelas quais o espaço rural passa, no entanto
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acreditando na pertinência do mesmo enquanto categoria de explicação da
realidade, embora tenha sofrido alterações em seu significado, conforme Alentejano
(2000).
[...] ainda há lugar para o rural como elemento de descrição e explicação da realidade, mas seu significado atual mudou. Consideramos fundamental demonstrar que, apesar das inegáveis transformações sociais, econômicas, culturais e espaciais resultantes do desenvolvimento do fenômeno urbano, o rural não deixou e nem deixará de existir, apenas teve e está tendo seu significado alterado. (ALENTEJANO, 2000, p. 103)
Esta abordagem possibilita um entendimento do rural a partir de suas próprias
características reveladas num modo particular de vivência, diferentemente das
demais abordagens, que concebem o rural secundariamente, a partir da definição do
urbano. É preciso compreender o par dialético rural-urbano, partindo da conexão e
imbricação existente entre ambos, sabendo que ao mesmo tempo em que
interagem, guardam certas particularidades inerentes a cada um, perceptíveis no
espaço. De acordo com Wanderley (2000, p. 90), “[...] destas relações, resultam
práticas e representações particulares a respeito do espaço, do tempo, do trabalho,
da família etc.”.
O espaço rural, na acepção acima, é entendido na/pela sua inter-relação
dialética com o urbano, cujos espaços, enquanto sistema de objetos e ações
encontram-se imbricados num processo de complementaridade, bem como de
diferenciação expressos na vida cotidiana dos sujeitos históricos, os quais, por sua
vez, produzem e reproduzem seus espaços de acordo com seus anseios e
necessidades materiais e subjetivas.
Esta vivência peculiar aludida por Alentejano (2000) estaria relacionada às
práticas socioespaciais que são empreendidas pelos trabalhadores em seus
espaços de morada e produção, os quais exprimem a produção histórico-social
destes sujeitos, visualizada por meio dos objetos e ações produzidos em seus
espaços de produção e de co
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