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Romance de tecnologia e ficção científica sobre um grupo de hackers adolescentes e o futuro da humanidade.
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1
Piratas da Rede e os Mil Anos de Desconhecimento –
Marcos Flávio Araújo Assunção
Introdução .............................................................................................................................. 2
1 – Piratas da Rede ................................................................................................................ 3
1.1 - Um garoto complicado ............................................................................................... 4
1.2 - Uma nova amizade ..................................................................................................... 6
1.3 - A primeira vez nem sempre é a melhor ................................................................... 10
1.4 – Capturado... e agora? .............................................................................................. 11
1.5 – Um prato que se serve frio ...................................................................................... 19
1.6 – Um novo integrante ................................................................................................. 24
1.7 – Planos mirabolantes ................................................................................................ 31
1.8 – Um sério problema... ............................................................................................... 37
1.9 – Um final conturbado ............................................................................................... 42
2 - Mil anos de desconhecimento ........................................................................................ 45
2.1 - O projeto ultra-secreto ............................................................................................. 50
2.2 – Congelados por mil anos ......................................................................................... 55
2.3 – Século XXX .............................................................................................................. 58
2.4 – Uma garota do futuro .............................................................................................. 65
2.5 – A reflexão de Anabella ............................................................................................ 70
2.6 - O ataque dos sentinelas............................................................................................ 71
2.7 – Descendência Universal .......................................................................................... 75
2.8 - O treinamento ........................................................................................................... 81
2.9 – A revelação .............................................................................................................. 87
2.10 – Século XXXX ......................................................................................................... 93
2.11 - O santuário no antigo Brasil ............................................................................... 101
2.12 – Uma difícil batalha .............................................................................................. 109
2.13 – Fim do pesadelo ................................................................................................... 115
2
Introdução
Esse livro é um sonho realizado. Desde criança, sempre gostei de escrever
histórias. Das mais bobas às mais fantásticas e imaginativas. Justamente por isso,
tinha como redação a minha matéria favorita. O que vocês tem em mãos hoje, são
duas das histórias que eu criei durante a minha vida. Ambas as histórias tem como
protagonista Roberto Araújo, nerd de carteirinha e fanático por tecnologia.
A primeira, Piratas da Rede, é contada em 3ª pessoa e mostra a história de um
grupo de adolescentes na cidade de Lavras, Sul de Minas. São garotos que
descobriram os poderes mágicos dos computadores e tudo de bom (ou ruim) que
poderiam fazer com eles.
Já na segunda história, Mil Anos de Desconhecimento, é narrada em 1ª
pessoa, e é um conto de ficção científica que envolve todos os clichês tradicionais
do gênero, os quais não quero revelar para estragar as surpresas. E esteja avisado:
elas acontecerão.
Espero que ache a leitura tão divertida quanto eu achei escrever tais histórias.
Para me contactar, utilize os endereços abaixo:
mflavio2k@yahoo.com.br
mflavioaa@hotmail.com
mflavio@defhack.com
marcosflavioaraujo@gmail.com
Ou visite www.defhack.com
Marcos Flávio Araújo Assunção
Certified Ethical Hacker
3
1 – Piratas da Rede
Ipês, escolas, festas de rodeio, belas igrejas, feiras, gente bonita. Uma cidade
mediana do interior, não tão pequena nem tão grande... o tamanho perfeito. Lavras,
situada no sul de Minas, possui cerca de 100 mil habitantes. Também é conhecida
por suas excelentes faculdades... suas festas... suas praças e sua bela história Sempre
foi uma cidade muito tranquila, com pouca violência. E seus moradores em sua
grande maioria, possuem uma condição relativamente pois dizem que a cidade é
uma das que possui mais carros por habitante nas ruas.
Até o final do século XX, às pessoas costumava se reunir todos os domingos na
principal praça da cidade. Isso mudou quando fundaram um shopping, o
LavrasShopping. Agora é o novo ponto de encontro das pessoas da cidade.
Cinco rapazes , estão se divertindo no Shopping. Sentados em uma mesa,
observam o local se encher aos poucos. A cerveja é servida. Muitos passam e os
cumprimentam... outros viram a cara e sentam bem longe.
Um dos rapazes, moreno claro de olhos castanhos, baixo, de cavanhaque e alguns
quilos a mais se levanta e diz...
- Acho que fizemos um bocado de inimigos aqui. – diz Roberto , olhando ao seu
redor
- Um brinde a isso – brinca Sales
- Um brinde ! – todos respondem
Um minuto de silêncio se passa. Todos estão um pouco ansiosos, afinal a anos não
se viam. Marinho retira uma pasta de dentro da mochila e a abre em cima da mesa.
- Aqui estão as velhas reportagens sobre hackers. E uns outros papéis.Guardei
todas. – continuou Marinho
- Cara, que louco, não acredito... – empolga-se Rico - Têm até nossas listas de
dados...
- Já estou vendo que vamos nos divertir hoje relembrando tudo – disse Euler.
4
Todos riram. Belas lembranças que não acabariam jamais. Após todos os problemas
e situações perigosas, finalmente foram guardadas apenas as recordações positivas.
Roberto se lembra bem das histórias que os trouxeram até esse ponto. Como em um
flash, tudo passa novamente pela sua cabeça...
1.1 - Um garoto complicado
Nascido em Belo Horizonte, onde morou até seus treze anos, Roberto Araújo
Pinelli sempre foi fascinado por coisas brilhantes e barulhentas. Em vez de brincar
com carrinhos e bonecos articulados sempre preferia presentes diferentes, como
videogames e até um computador de brinquedo.
Dezembro de 1993. Roberto e sua família chegam em Lavras, após seu pai, Jorge
Araújo, ser transferido para realizar um trabalho em uma multinacional. Jorge é um
reconhecido cientista especialista em química avançada e física quântica. Mas é
claro que Roberto não enxergava muito bem tal mudança, já que um pré-adolescente
acha muito difícil deixar uma cidade como Belo Horizonte , com todos os poucos
amigos conquistados, para morar em um lugar desconhecido. Começou a estudar em
um colégio público a noite, e a contragosto foi aos poucos se adaptando à nova
cidade.
Apesar de já ter conhecido computadores desde criança, Roberto não era
muito bom com PCs. O que ele gostava era de instalar joguinhos no computador.
Em novembro de 1995, o computador que a família de Roberto possuía
ganhou um upgrade, uma placa de modem. Só que ninguém nem sabia para o que
aquilo servia. Até que um dia, Roberto viu em um jogo de computador o telefone de
uma “BBS”. Mas o que seria isso? Ele não tinha a menor idéia, mas seu interesse
por computadores havia retornado. Descobriu que o seu modem serviria para discar
para esse local e conectar-se a um outro computador. Seguiu-se um barulho irritante
de gato escaldado. Logo depois, a seguinte mensagem aparecia na tela do seu
computador:
5
Welcome to WGWorld Bulletin Board System (BBS)
Please, if you are new type newuser to begin
User:
Password:
Ele se cadastrou nesse sistema e começou a conversar com uma brasileira que
morava nos Estados Unidos. Conectava toda noite nesse BBS e em outros brasileiros
que havia descoberto. Em um deles, o Mandic BBS, descobriu algo que mudaria a
sua vida. Em um dos acervos para download, ele encontrou a seção “Hackers”.
Baixou um arquivo com perguntas frequentes sobre hackers e suas técnicas. O
arquivo era de um grupo mundialmente famoso, chamado 2600.
Mas Roberto mal havia começado a estudar o arquivo, quando poucos dias
depois seu pai apareceu aos berros exigindo uma explicação para o tamanho da
conta-telefonica... foi aí que a ficha caiu. Ele estava gastando pulsos telefônicos ao
se conectar aos BBSs . E a maioria das ligações eram internacionais, o que fez a
conta vir mais de R$ 2000 reais. Logo em seguida tiveram que vender o computador
para pagar a dívida.
Em março de 1996, Roberto foi chamado para trabalhar em uma empresa de
informática por indicação de seu pai, a mesma na qual o suporte havia rido dele dois
anos antes. Começou como “infoboy”, fazendo trabalhos como instalação do
Microsoft Office 6.0 em computadores de clientes e empresas. Logo após assistir as
aulas de um curso de programação, Roberto tornou-se professor. Ensinava MS-DOS
e Windows 95. A medida que o tempo foi passando, também começou a ministrar
aulas mais avançadas. Tudo isso aos 15 anos de idade.
O fato de estar passando o dia inteiro mexendo com computadores e tentando
melhorar o material de suas aulas fez com que o garoto que gostava de
computadores apenas para joguinhos criasse uma paixão pelo que fazia. Ele
começou a aprender a fazer coisas que nem o seu patrão sabia... como mudar a cor
da tela e renomear teclas, e aplicar funções e scripts ao ambiente “DOS”.
Nas férias de janeiro de 1997, um parque de diversões veio até Lavras. Roberto foi
procurar a sua ex-namorada, mas nada de encontrá-la. Enquanto estava encostado
tomando um refrigerante alguém chegou e cumprimentou-o.
...
6
- Roberto, não é? Tudo bem?
- Tudo... você é... ?
- Rico Pomivo, muito prazer ...
1.2 - Uma nova amizade
Sabe aqueles rapazes comportados, que nunca criam problemas para os pais,
são exemplos na escola e dedicam-se apenas a atividades pouco perigosas? Bom,
Rico definitivamente nunca será assim. Nascido e criado em Lavras, sempre foi
bagunceiro. No primário costumava colocar “tachinhas” nas cadeiras dos colegas,
que sempre eram espetados, coitados. No ginásio costumava furar o pneu do diretor
do colégio e jogava ovos nos carros dos professores, além de algumas batatas em
quem passava em frente ao seu prédio à noite, claro, apenas se estivesse fazendo
muito barulho e incomodando o seu sono.
Claro que com esse temperamento, Rico teve alguns problemas de
relacionamento com sua família, o que o levou a ser um pouco menos complicado
no colegial. Aliás, parecia um anjo comparado com anos anteriores. Tudo porquê
toda a sua energia se concentrava no seu novo hobby, tecnologia. Ele adorava
eletrônica e tudo que se relacionava com telefones. Aprendeu como reaproveitar
fichas e mais tarde cartões telefônicos. Depois soube como ouvir conversas de
celular usando papel alumínio e outros truques.
Pesquisando na Internet depois, descobriu que o seu hobby tinha um nome:
Phreaking. Um tipo de nerd que é viciado em telefonia. Ele também conhecia sobre
os hackers, viu até um filme sobre isso mas parecia ser tudo ficção. Não conhecia
ninguém que provasse o contrário. Isso começou a mudar com uma conversa que
teve no colégio.
- Rico, você ficou sabendo do rapaz lá do colégio Moggan? – perguntou Hugo,
goleiro do time de futebol da sala do segundo ano.
- Não, o que é ? – respondeu Rico, meio desinteressado
- Um amigo meu que estuda na sala dele me disse que ele andou entrando em
computadores no estrangeiro e transferindo dinheiro, a conta dele veio caríssima e
ele teve que vender o computador para pagar.
- Quando foi isso? – Os olhos de Rico até brilharam
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- Bom, acho que foi no ano passado, ele estudava em outro colégio na ocasião.
- Mas isso é verdade?
- Não sei, porquê você não pergunta a ele? Me disseram que ele vai viajar com a
família agora no fim de ano e volta no final do ano.
Vou averiguar essa história em janeiro, logo que voltar de Cabo frio - pensou.
Rico descobriu depois que o nome dele era Roberto. Muitos no colégio Moggan
confirmaram a história da conta telefônica, mas não souberam dar maiores detalhes.
Após alguns dias, conseguiu o telefone que queria.
- Alô? É da casa do Roberto Araújo?
- É sim, mas ele não está no momento. Quem gostaria?
- É um amigo dele do colégio. Sabe onde ele foi?
- Ele foi até o novo parque de diversão que chegou na cidade.
- Ah sim, obrigado.
Após chamar um colega que conhecia pessoalmente o “alvo”, e ir para o parque,
finalmente Rico viu quem era a pessoa que ele tinha ouvido falar. Chegou de
mansinho e disse:
- Roberto, não é? Tudo bem?
Ainda um pouco em choque, ambos continuaram a conversa
- Muito prazer, Rico. Eu te conheço de algum lugar?
- Não mas já ouvi falar muito bem de você. Me disseram que você é um hacker ...
isso é verdade?
- Quem te disse isso?
- Comentários de alguns colegas meus. Me contaram um caso sobre a sua conta
telefônica ter vindo um absurdo e que você teve que vender o computador para
pagar.
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- Hmmm – murmurou Roberto, pensativo – não sabia que essa história havia se
espalhado. Só um momento que conversaremos sobre isso, tenho que ir ali
rapidamente e volto.
- Ok, tudo bem.
Uma garota morena clara e baixa gesticulou para Roberto, que foi ao seu encontro.
- Rico, esta é Fabíola, minha namorada. Eu vou levá-la em casa agora, mas não
esqueci da nossa conversa. Estou muito interessado em falar no assunto. Qual o seu
telefone?
- É 5657 ... me ligue lá pelas três da tarde amanhã...
- Beleza, combinado. Está indo também?
- Não, vou curtir o parque mais um pouco. Ainda não andei na montanha-russa.
Realmente Rico curtiu muito aquela noite. Empolgou-se tanto que jogou a metade
de uma maçã do amor em um trio de amigos que andava na montanha russa. Ele só
descobriu que os brutamontes eram peões de rodeio depois que tomou alguns chutes
de bico. Depois na delegacia, ao ouvir sermão de seu pai e do delegado, concluiu
que deveria descarregar suas emoções de uma forma diferente. Coisa que seu novo
colega havia aprendido com as artes marciais.
No dia seguinte, às exatas três horas os dois recém-conhecidos marcaram de
conversar. O papo seria no apartamento da família Pomivo.
- Desculpe por ontem, Rico. Eu tive um assunto delicado pra tratar com a Fabíola.
Bom, mas continue a sua história. O que mais você ouviu falar, além de que minha
conta telefônica havia vindo alta?
- Me disseram também que o motivo da conta vir alta é porquê você estava
invadindo computadores nos Estados Unidos.
Roberto começou a rir...
- Qual é a graça?
- Corromperam um pouco a história. Na verdade eu gosto de pesquisar e estudar
sobre técnicas de hackers, e para isso me conectava em diversos BBSs ao redor do
mundo, já que na época a Internet ainda estava sobre domínio da Embratel no Brasil.
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Não invadi nenhum computador, ainda não aprendi como fazer isso e nem sei se
devo...
- Claro que deve !!! Foi por isso que te chamei aqui... que tal montarmos um grupo
de hackers??
- Grupo? Com que finalidade?
- De invadir computadores, claro.
- Hmm...Vai ser divertido invadir computadores sim, desde que não causemos
nenhum prejuízo.
- Ainda temos um problema, Roberto...
- O quê?
- Qual vai ser o nome do grupo?
- Não tenho a menor idéia...
Após tentativas fracassadas com nomes como Masters of Destruction e Lords of
Chaos, desistiram temporariamente de tentar bolar o nome. Nenhuma nomenclatura
ainda conseguia captar o espírito do grupo que estava sendo criado.
O primeiro passo foi a tentativa de aprenderem Unix. Ambos sabiam que sem o
conhecimento desse avançado sistema nada poderiam fazer. O problema é que o
Unix era praticamente apenas corporativo na época, tirando versões limitadas como
Xenix e Minix. Linux então, era pouco conhecido.
Tinham que conseguir acesso a algum shell (linha de comandos em Unix) via telnet
(aplicativo que permite se conectar a um computador remoto). Mas como?
Descobriram que uma Universidade particular local estava implementando o curso
de ciências da computação e utilizava Digital Unix no seu CPD, que era diretamente
ligado na Internet. Hora de atacar.
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1.3 - A primeira vez nem sempre é a melhor
Regiane Resende trabalha no CPD da Universidade Frederico Heral . É
esforçada, sempre tenta dar o melhor de si e ajudar todos que puder. Seu hobby é a
cultura antiga, os Astecas, Maias e Incas. Seu sonho é visitar Machu Picchu algum
dia. Sua produtiva manhã foi logo interrompida por dois estudantes.
- Pois não, em que posso ajudar? – perguntou Regiane, educadamente
- Nós somos do colégio Moggan, meu nome é João Carlos e esse é Rodolfo.
Estamos fazendo uma pesquisa para a aula de conhecimentos gerais sobre como um
provedor de
Internet funciona... achamos que você poderia nos ajudar...
- Eu estou meio ocupada agora... só se for bem rápido...
- Tudo bem – completou Rodolfo – Nós também temos que voltar para terminar o
trabalho. A entrega é amanhã.
- Ok, por aqui...
Regiane os levou pelo pequeno CPD da universidade. Explicou para que serviam os
modems, o roteador, como funcionava a Internet e a função do provedor. Sentaram
em uma máquina de estação para que ela explicasse como se deve configurar um
computador Windows 95 para acessar a Internet. Finalmente, João Carlos
perguntou...
- Vocês têm um computador central ou algo do tipo para configurar o acesso?
- Sim, temos um sistema chamado de Unix, venham que mostrarei a vocês.
Atravessaram um pequeno corredor, cheio de modems empilhados em pequenas
estantes de ferro, até uma pequena sala, com uma porta de vidro. Só havia um
enorme computador na sala. Entraram e Regiane explicou:
- Esse computador é um Alpha rodando um sistema chamado de Digital Unix. É
como se fosse um Windows bem mais complexo e avançado. Vamos nos logar nele.
Na tela aparecia a mensagem pedindo nome de usuário e senha. Os dois estudantes
gelaram. Cada um deles se posicionou em um lado do teclado.
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Logo após digitar o login e a senha , uma tela preta apareceu, com apenas um “#”.
Era o shell de comandos do Unix.
- Esse símbolo significa que entrei no sistema como administrador. Assim agora eu
poderia controlar o que eu quisesse... modificar usuários, criar novos serviços, enfim
ter controle total. Bom, acho que isso é tudo que eu poderia lhes mostrar. Vocês têm
mais algumas perguntas?
- Sim... por que você escreveu root em vez de Administrador? – perguntou Rodolfo
- Ah, sim. É porquê no sistema Unix o administrador se chama root.
- Ah tá. Bom, muito obrigado pela sua ajuda, Regiane. – disse João – nós temos que
voltar agora para terminar o trabalho.
- De nada... sempre que precisarem é só pedir.
Sem perceber que se tratava de um ataque de Engenharia Social, Regiane havia
demonstrado aos dois garotos a senha de acesso ao sistema. Só percebeu que algo
estava errado quando um dia depois uma mensagem piscava repetidamente na tela
assim que ela se logava na máquina.
“Obrigado por me deixar entrar. Um grande beijo e obrigado pela bondade”.
...
Anna riu quando Roberto acabou de contar o caso. Ele disse que ainda havia muitas
histórias interessantes ainda, que era apenas o início. Perguntou se ela estava com
pressa.
- De maneira alguma – respondeu Anna – por favor continue.
- Tudo bem. Mas antes, vamos terminar essa apetitosa refeição... que por sinal,
já está ficando fria.
1.4 – Capturado... e agora?
Duas semanas depois do ocorrido, o recém formado, mas ainda sem nome,
grupo de hackers tinha outra idéia. Haviam passado essas semanas estudando tudo o
que podiam sobre sistemas Unix. Aprenderam comandos e técnicas utilizadas.
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Descobriram um modo de obter a senha de root que queriam... mas apenas se o
sistema da Universidade estivesse muito mal-configurado.
- Rico, conseguiu a conta de acesso ao provedor?
- Consegui a do meu tio. Observei enquanto ele entrou na Internet.
- Ótimo... vamos repetir o nosso plano mais uma vez...
- Sim. De acordo com o que lemos no “manual prático” , é comum muitos
sistemas fornecerem acesso aos usuários à certas portas. Esse acesso varia, pode
ser diretamente de linha de comandos ou simplesmente um programa de e-mail.
- Isso mesmo. E como descobrimos antes uma das portas está aberta, pois nos
apareceu um menu pedindo nome de usuário e senha.
- O que nós temos agora... – animou-se Rico
- Exatamente. Vamos tentar então.
Se conectaram à porta do sistema do provedor. Após digitar Login e Senha, se
frustraram um pouco. Receberam de volta um menu com vários comandos. Era um
software de e-mail chamado Pine que estava rodando.
- Droga, não caímos nos comandos do sistema... como vamos fazer agora ? –
comentou Rico
- Vamos pesquisar sobre esse programa na Internet para ver o que podemos
descobrir...
Após algumas horas de pesquisa, descobriram algo interessante...
“ O comando ! (exclamação) do Pine permite a execução de comandos do sistema
de dentro do software. O Pine executa o processo e espera o seu encerramento “
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Era exatamente o que precisavam. Um comando permitia que eles rodassem
qualquer coisa dentro do sistema que estava rodando o Pine. Mas ainda correriam o
risco desse comando estar desativado... se estivesse teriam que encontrar outro
caminho.
- Ainda temos outro problema... – exclamou Roberto
- O quê ? – perguntou Rico
- O quê nós iremos executar?
- Não sei... – riram os dois da própria falta de conhecimento – temos que estudar
mais...
Mais algumas horas de pesquisa...
- Rico, já são onze horas da noite, eu tenho que ir. Vamos continuar amanhã, ok?
- Tudo bem...
Assim se despediram e Roberto voltou para o apartamento em que morava. Ele
não sentia como se fosse um apartamento, pois morava no primeiro andar e não
havia praticamente nem dez degraus para subir até lá. Ele estava acostumado a
morar em casas durante toda a vida antes de se mudar para Lavras. Achou que iria
estranhar muito morar em condomínio mas não teve maiores problemas.
O apartamento é bem espaçoso. Possui uma sala, com dois sofás brancos, tapete
vermelho, uma mesinha de centro , uma televisão de 29 polegadas e o computador
da família. O lugar possui também uma sala de jantar, uma pequena mas bonita
cozinha com copa e três quartos... um dos seus pais, um dos seus dois irmãos
menores e claro, o seu cantinho sagrado. Onde ele se sentia bem e recuperava suas
forças após um dia chato e cansativo. Possui uma TV pequena, um videogame, um
guarda-roupa, dois criados-mudos... e claro... a deliciosa e aconchegante cama com
colchão ortopédico. Após se deitar, pensamentos vagavam na cabeça do adolescente.
- Foi tão perto dessa vez... eu sei que vamos conseguir, tenho certeza disso. Estou
louco para começar logo a aprender os comandos de Unix na prática... tenho
tanta coisa a aprender que fico até tonto só de pensar. Mas espere...
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Roberto se levantou de súbito...
- O que eu serei? Eu li nos documentos que eu peguei na Internet que existem dois
tipos de hackers, bons e maus. Os maus são chamados de Black Hats ou crackers
e os bonzinhos são chamados de White Hats ou hackers. A partir do momento
que eu ganhar acesso... o que eu serei? Não quero causar nenhum prejuízo nem
ter problemas... então acho que vou ficar na minha apenas aprendendo Unix
mesmo. É isso. Eu serei um white-hat.
Logo após o término das aulas no colégio Moggan, dois aspirantes a hackers
combinaram de se reunir na casa de um deles. Ou melhor, no apartamento. Poucos
minutos após chegar, Roberto ouviu a campanhia. Sua irmã estava deitada no chão
da sala em que está o computador usando um short minúsculo. Ela assistia televisão.
Ele advertiu:
- Sofia, sente no sofá, vou receber visita agora.
- Tá bom, rob...
Roberto abriu a porta e era mesmo Rico. Eles se cumprimentaram e combinaram que
dessa vez a coisa iria engrenar. Ao retornarem para sala levaram um choque. Sofia
estava coberta da cintura para baixo pelo tapete vermelho.
- O que você está fazendo ???
- Ah, desculpa rob... eu fiquei com vergonha...
- Não seria mais fácil sentar no sofá?
- Meu short ainda ia aparecer, Rob...
- Tá, tá, deixa pra lá... – suspirou Roberto
Rico deu uma risadinha baixa. Após o momento de descontração retomaram a sua
tarefa do dia anterior. Ambos tinham estudado muito a apostila de Unix que
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conseguiram à noite. E descobriram uma possível maneira de ganhar o acesso.
Identificaram uma possível falha que poderiam usar para ganhar acesso.
- Vamos recapitular para não fazermos nada errado. Quais serão os nossos passos?
- Conectar novamente no sistema pela porta aberta. Acessar o programa de e-mail.
Utilizá-lo para cir no prompt de comandos...
- Digitando “ ! /bin/sh ” ou algo do tipo. Vamos usar o notebook ou o pc ? –
indagou Roberto
- Acho melhor ligarmos seu notebook a um orelhão por garantia.
- Você sabe fazer isso?
- Isso e muitas coisas... já uso o orelhão de graça para fazer discagens a bastante
tempo.
- Cara, depois você me ensina isso. Eu acho que devemos usar o computador de
mesa mesmo, afinal não vamos causar prejuízo nenhum, queremos apenas
aprender...
- Hmmm... Sei lá... você é quem sabe. Mas vou te pedir uma coisa.
- O quê?
- Não comente com ninguém o que estamos fazendo para não dar nada errado.
- Ok, tudo bem.
Tentaram novamente conseguir acesso ao sistema. Para o espanto dos dois, dessa
vez funcionou e caíram no local onde se digita os comandos, o Shell do sistema.
Rico ainda esfregou o rosto para assegurar que estava enxergando direito.
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- Ei, que símbolo “$” é esse ?
- Pelo que eu li na apostila, isso significa que entramos com acesso de usuário
comum. O “#” aparece quando se é super usuário, com acesso total ao sistema.
- Bem, ser super usuário seria melhor mas, vai ter que servir o usuário comum.
Os dois riram. Tremiam de satisfação.
Bom, vamos começar a testar alguns comandos.
- Vejamos, para listar o conteúdo das pastas e arquivo no sistema eu devo o
comando “ls” . Para ver a pasta a minha pasta atual, eu digito o comando “pwd”.
Nas duas semanas que se seguiram, os dois ficaram por horas e horas
mexendo no sistema para aprender seus comandos. Bom, nem tanto. Rico
geralmente ligava seu micro system, colocava um rock pesado em altíssimo volume
no fone e após cerca de meia-hora no sistema Unix, caía no sono, tranquilo. Já
Roberto, era só chegar do Moggan que ficava a tarde e a noite toda mexendo no
sistema. Nunca teve problemas, até que um dia ele recebeu a seguinte mensagem.
Roberto deu um pulo da cadeira de susto. Alguém conectado ao sistema da
Universidade havia mandando uma mensagem para ele. Quem poderia ser ? E como
assim estava com problemas? Curioso para saber mais, ele entrou na conversa.
Roberto > Eu, com problemas? Não estou fazendo nada demais...
Maia > Está sim... mexendo onde não deve. Se eu fosse você saía agora.
Roberto > E se eu não sair...
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Maia > Bom, você já vai saber...
E de repente o telefone tocou. Sofia atendeu.
- Rob... pediram para você ir agora ao provedor NavegueNet. Disseram que é
urgente.
- Hmmm... disseram do que se trata?
- Não.
E assim, Roberto foi ao provedor, apreensivo. Ele já suponha o que acontecera. O tal
“Maia” o havia rastreado até a sua conta de usuário no NavegueNet. O provedor
ficava dentro de uma faculdade, apesar de ser comercial. Prestava serviço com
desconto aos alunos, e cobrava preços absurdos para todos as pessoas de fora. Nessa
época, deviam cobrar em média cem reais mensais pelo acesso de horas ilimitadas.
Ao chegar na porta do provedor, viu três pessoas lá dentro, conversando em voz alta.
- Isso é um absurdo...
- O que vamos fazer ???
Ambos os três se viraram para alguém que entrava ali.
- Oi, sinto muito, estamos em reunião e ... – falou um deles
- Meu nome é Roberto, alguém me chamou aqui...
- Ahh, você é o delinquente ? – um senhor de óculos grandes, baixo, obeso e de
poucos e brancos cabelos se dirigiu a Roberto
- Delinquente? Eu? – o medo e a tremedeira começaram a se transformar em raiva.
Tenho que ficar calmo, pensou.
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- É, Delinquente sim... nos causou um problema enorme invadindo o sistema da
faculdade Frederico Heral e causando o maior estrago.
A concentração foi em vão...
- Quem é você pra falar comigo assim? Não causei prejuízo nenhum, estava
apenas aprendendo a usar o sistema Unix – berrou Roberto
- Como ousa, seu marginalzinho... – o volumoso homem se dirigia com fúria, mas
foi segurado pelas duas outras pessoas que estavam ali...
- Calma, Jorjão... vamos só cancelar a conta dele e pronto... – argumentou Ricardo
- Tudo bem, tudo bem... – esfriou Jorjão, arrumando os óculos fundo de garrafa..
Os quatro se sentaram na mesa da recepção (na realidade, nas cadeiras em volta da
mesa). Começaram a mexer alguns papéis e entregaram um a Roberto.
- Por favor, assine aqui... esse documento retira a nossa responsabilidade pelo
ocorrido e cancela a sua conta aqui no provedor. Aqui está a minha assinatura,
aqui a do Jorjão e do Renato como testemunha. Agora você, por favor...
Roberto assinou sem argumentar. Ele sabia que ficaria sem internet e por causa de
um mal-entendido. Afinal ele não havia feito absolutamente nada de errado no
sistema.
- Por quanto tempo vou ficar sem conta? – perguntou
- Acho que você não entendeu... nunca mais poderá criar conta nesse provedor... e
como somos o único provedor comercial aqui, essa é a única maneira de deixar
um marginalzinho como você sem Internet. Assim não prejudica mais ninguém.
– sorriu Jorjão
- Ahn... tudo bem... – respondeu, engolindo a raiva
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Ao chegar em casa ligou para Rico e contou o ocorrido. Combinaram de se
encontrar na praça Augusto Silva em meia hora. Ao redor da praça se localizam o
colegial e a Faculdade Moggan, além de alguns barzinhos, lojas de roupas e bancos.
Pouco antes desse tempo os dois já estavam lá.
- Pô, tremenda sacanagem isso... – revoltou-se Rico – .. não fazíamos nada de
mais !
- Eu sei disso... e além do mais ainda fui humilhado. Tudo por causa daquele Maia
e do tal do Jorjão.
- Pois é, agora você tem inimigos na faculdade Frederico Heral e no provedor
NavegueNet.
Roberto levantou-se de súbito. Girou o corpo e deu um chute no banco da praça, que
tremeu um pouco.
- Pois bem... se eles queriam um inimigo, vão ter um. Agora é guerra.
- É assim que se fala. Qual vai ser o nome do nosso grupo, então?
- UHOL. Abreviação de Ultimate Hackers Of Lavras. E vamos fazer com que
todos de Lavras temam esse nome. Ou não me chamo Roberto Araújo.
- Eu assino embaixo... – empolgou Rico
1.5 – Um prato que se serve frio
Vingança. Sentimento que começava a remoer dentro de Roberto. Já fazia
uma semana desde o ocorrido, e ele estava sem acessar a Internet por culpa dos
provedores. Jurou para si mesmo que nunca mais pagaria para navegar na rede.
Conversando com algumas pessoas, descobriu que a Universidade Frederico havia
montado um laboratório de informática, utilizando só máquinas Unix em rede. Era a
chance perfeita.
- Mãe, depois da aula eu vou ter que ir na Frederico Heral , você poderia me dar
uma carona?
20
- Claro, Roberto. – respondeu Angélica – após passar no supermercado eu te levo
lá.
- Tá bom, obrigado.
Angélica era uma típica dona de casa. Baixa, magra, de cabelos curtos até o ombro,
um pouco ondulados e clareados. Olhos castanhos e pele branca. Ficava por conta de
seus filhos e de seu marido. Era ela que tinha a função de dar conselhos sentimentais
para a filha, e suporte moral nas atividades escolares de ambos. Jorge, devido ao
trabalho, estava quase sempre fora de casa.
No horário combinado, Angélica pegou Roberto em frente ao colégio
Moggan. Fizeram as compras do mês e logo depois foram para a Universidade.
- Pronto, filho... está entregue.
- Obrigado, mãe. Depois você me busca?
- Claro, é só ligar.
A Frederico Heral ficava um pouco longe de onde eles moravam, dá tranquilamente
para ir a pé até ela. Mas como Roberto só estava aparecendo para treinar Karatê de
vez em quando, perdeu muito de seu condicionamento e passou a ter preguiça de
caminhar. Se informou com algumas pessoas e descobriu onde era o laboratório.
“Vou dizer que sou um dos estudantes de Ciência da Computação”, pensou. Mas
não foi preciso.
A sala estava praticamente vazia. Havia vários computadores, e quase todos
estavam na tela que pede nome de usuário e senha. Exceto um. Provavelmente
alguém havia esquecido de se desconectar do sistema. A oportunidade perfeita.
Roberto sentou-se, evitando olhar para outras pessoas que estavam na sala para não
levantar suspeitas. Ele já sabia exatamente o que fazer.
Entrou no diretório etc onde fica as configurações do sistema Unix, e copiou
para si o conteúdo dos arquivos de senha do sistema, o shadow. O problema é que as
senhas contidas nesses arquivos estão criptografadas. Ele pensaria nisso depois.
Após enviar o que pegou para um antigo e-mail que havia criado, Roberto
desconectou do sistema e voltou para a tela de login. Fez um pouco de hora pelo
campus e depois ligou para sua mãe.
Ao chegar em casa, a primeira coisa que fez foi ligar para Rico.
21
- Alô?
- Rico ? Beleza? Preciso de um favor seu. Baixe um programa chamado
CrackerJack da Internet e traga em disquete aqui pra casa.
- Mas por quê você... ah é, esqueci que está sem net. O que é esse programa?
- É uma surpresa... traga aqui que você vai ver.
- O que você aprontou??
- Venha que te mostro.
Meia horas após a conversa pelo telefone, os membros da UHOL estavam em sua
primeira reunião.
- Diz aí, qual é a novidade, você me deixou muito curioso !! – desesperou-se Rico
- Eu peguei o arquivo de senhas da Frederico Heral. Eu fui lá mais cedo, passei no
laboratório de informática e utilizei um dos computadores para pegar.
- O quê? hahahahaha... Você é maluco... quer dizer que temos todas as senhas
agora?
- Não, agora começa o processo mais chato de todos.
- Que processo?
- Pelo que eu li na apostila de Unix estão criptografadas. E não podem ser
descriptografadas.
- Então não adiantou nada !!!
22
- Adiantou sim. Por isso te pedi o CrackerJack. Esse programa consegue
criptografar uma lista de senhas fornecidas por nós usando o mesmo método das
que estão nesse arquivo.
- Não estou entendendo...
- É simples... como exemplo, vamos supor que a senha de um dos usuários seja
amor. Utilizando um método muito básico de codificar, eu vou inverter a
palavra, ficará roma. Pense bem... se existir a palavra amor na nossa lista, e o
programa também inverter essa palavra...
- A senha criptografada vai ficar igual à que está no arquivo de senhas... agora eu
entendi. Mas pode ser que não encontremos nada...
- Me empresta o disquete, vou colocar no meu notebook para rodar com uma lista
de palavras bem grande. Vamos torcer.
-
Depois de dois dias rodando, algumas senhas já haviam sido descobertas.
Usuário Senha
Anaflavia 101010
Carlos sapato
Hugo alien3
Mais alguns dias depois, havia dezenas e dezenas de senhas descobertas. Uma em
especial.
Usuário Senha
Maia tricolor
Márcio Silva Maia completou a pouco tempo seu doutorado em Ciências da
Computação. Para ele isso é um título importantíssimo, já que é o coordenador do
CPD e responsável pelo curso de graduação em computação na Universidade
23
Frederico Heral. Apesar de ser bastante calmo, é uma pessoa angustiada. Não
consegue facilmente esquecer quem se opõe a ele. Muitas vezes quando algum aluno
tinha alguma discussão ou de alguma maneira afrontava suas idéias, ele permanecia
aparentemente tranquilo , mas depois pegava no pé daquela pessoa até o fim do ano.
Maia está na sua sala, quando recebe um chamado urgente do CPD.
- Doutor Maia, por favor, compareça aqui no CPD agora.
- Não pode ser depois, Regiane?
- Não, doutor. Temos um problema grave.
Chegando no CPD, Márcio Maia percebeu um tumulto no balcão da recepção. Era
comum haver algumas pessoas pois ali também funcionava o provedor de Internet.
Mas tinha muita gente. Pediu licença para algumas pessoas e entrou na sala.
- O que aconteceu, Regiane?
- Alguém mudou a senha de mais de cinquenta usuários...
- O quê ?? quem fez isso?
- Não tivemos tento de olhar os logs... estamos colocando novas senhas para o
pessoal, isso vai levar o dia todo.
Como o CPD também cuidava dos assuntos relacionados à Universidade muita coisa
importante atrasaria por causa do problema das senhas. Maia sabia disso.
Visualmente irritado, pediu para os usuários se acalmarem que tudo iria ser
consertado. Saiu do local e voltou para sua sala. Tentando esquecer um pouco a
raiva, sentou-se no seu computador e abriu suas três contas de e-mail do provedor.
Eram maia@fredheral.br , computacao@fredheral.br e cpd@fredheral.br . Todas as
três receberam a mesma mensagem, que também foi enviada para todos os outros e-
mails da Universidade.
De: sysop@naveguenet.com.br
Assunto: Demônio na Universidade
24
Mensagem:
Atenção irmãos... tomem cuidado... Maia é Lúcifer encarnado, o demônio em
carne em osso. A Universidade Frederico Heral é uma tentativa de levá-los para o
inferno. Não se deixem enganar !! Resistam !!
O Profeta
Após alguns minutos, todos que passavam em frente à sala do responsável pelo
curso de Ciências da Computação ouviram alguns palavrões e murros no teclado.
1.6 – Um novo integrante
Sales é baixo, moreno claro e muito magro, mas um excelente programador.
Profundo conhecedor da linguagem clipper e Visual Basic, começou a se interessar
por invasão de computadores após conhecer um hacker com o apelido de Snake_Ice
na rede de bate-papo IRC. Com seu novo amigo, Sales aprendeu a programar na
linguagem assembler e ganhou boas noções da linguagem C. Ele trabalha em uma
empresa que fabrica todo tipo de software comercial, seja de controle de estoque ou
qualquer outra finalidade.
Claro que sempre coloca seu toque pessoal nesses programas, como quando fez o
programa do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) mostrar que a ficha dele e de
vários colegas estava sempre em dia. Um outro grande interesse de Sales é pelas
artes marciais. Ele sempre quis treinar Kung-Fu, mas como não existia em Lavras,
teve que fazer Karatê. Era o seu primeiro dia.
- Muito bem. – afirmou o Sensei – você pode começar agora se quiser.
- Não preciso esperar meu quimono chegar?
- Não, pode fazer...
A sala de treinamento tinha vários tatames, espelhos por toda a parede e alguns
objetos como um saco de pancada. Havia também várias pessoas treinando, um faixa
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preta, um marrom , um vermelha e um faixa amarela. O Sensei se dirigiu ao faixa
amarela.
- Olha, esse é o Sales. Ele está começando hoje. Treine com ele.
- Ok, mestre. Muito prazer, Sales. Meu nome é Roberto Araújo.
- O meu é Sales Silva.
Após as apresentações, todos fizeram aquecimento e foram treinar o Kumite (luta).
Todos tinham que se revezar, cada um lutaria com o outro por cinco minutos. Sales
pegou primeiro o faixa preta, que fez movimentos muito lentos para não machucá-
lo. Logo depois chegou a vez de lutar com o faixa amarela.
- Tome cuidado comigo, estou começando agora – pediu o novato
- Pode deixar – respondeu Roberto
E treinaram bastante naquele dia.
Alguns dias depois, à noite, Sales se conectou ao chat do provedor NavegueNet. Foi
por puro acaso, já que praticamente ninguém frequentava aquilo. Lá havia duas
pessoas conversando. Ele ficou prestando atenção na conversa.
Alpha One > Mas me diz aí, o que você entende sobre isso?
Cyrus > Ah um pouco, eu já li alguns textos.
Alpha One > Deixa eu te explicar então... a Blue Box você usa para discar de
graça do seu computador. Ela gera um tom de 2600 hz, que é enviado pela sua
placa de som. Com isso o sistema telefônico não detecta. Já a Red Box ...
Sales ficou entusiasmado se intrometeu na hora...
Frensic > a Red Box gera tons que podem ser utilizados para se falar de um
orelhão de graça.
Alpha One > é isso mesmo. Valeu aí, ô Frensic... é a primeira vez que te vejo aqui
no Chat da NavegueNet...
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Frensic > É, sou novado aqui no provedor. Mas diz aí, vocês entendem de hacking
pelo papo?
Cyrus > Eu sou um hacker nato...
Alpha One > hahahaha, eu não li isso... bom, tenho que sair agora. Até mais para
vocês.
Sales se desconectou da Internet e ficou pensativo. Será que existiam hackers em
Lavras? Afinal o único que ele conhecia era o Snake_Ice, que por sinal morava em
outro estado. Ele tinha que descobrir. Continuou freqüentando o Chat do provedor
local e não encontrou mais o tal Alpha One.
Um dia, conversando sobre o assunto com seu amigo Marinho, descobriu o nome de
uma das pessoas que mexiam com hacking.
- Como chama o cara, Marinho?
- Chama Rivo Pomivo, eu conheci ele ontem através de um colega.
- Pô, leva o cara lá no meu serviço qualquer hora.
- Beleza, vou ver se eu chamo ele amanhã.
Era um dia agitado para Roberto Araújo. Ele estava no Moggan, cansado de
ter ficado no computador até bem tarde, e para piorar era aula de matemática. A
primeira aula! Ainda haveria duas aulas de física e duas de química naquele dia.
Nem o Jeová vai me salvar hoje, pensou, lembrando do divertido professor de física.
Tenho que sair daqui – pensou. Arrumou sua mochila ao acabar o primeiro horário e
saiu da sala.
O Moggan era muito conhecido pela sua segurança, e por vigiarem bastante
os estudantes para não matarem aulas. Às vezes, o diretor costumava dar algumas
voltas de carro nos quarteirões próximos do colégio, para ver se encontrava algum
aluno cabulador. Há casos no qual ele encontrou o garoto já no portão da sua casa.
Todos tinham medo de serem pegos e tomarem uma advertência, ou até suspensão
por isso. Roberto pensou, pensou e descobriu um jeito muito seguro de matar as
outras aulas.
27
Saiu pela porta traseira do prédio, e foi se esgueirando pela parede. Foi
caminhando em direção ao portãozinho principal da entrada. Parou e pensou... – isso
não vai dar certo – virou as costas e voltou para a entrada principal do prédio. Deu
de cara com o diretor, Paulo Monte. Segurou bem o ar, olhou nos olhos do diretor, e
disse:
- Olá, Monte... bem, infelizmente eu perdi o primeiro horário hoje mas cheguei o
mais rápido que pude. Será que eu ainda posso entrar?
- Olha, Roberto, se fosse outra pessoa eu deixaria entrar, mas você quase nunca
chega no primeiro horário. Sinto, mas terá que voltar e aprender a chegar na hora
certa.
- Mas tenho aulas importantes hoje, me deixe entrar, por favor...
- Não posso. Por favor, vá embora. Volte amanhã às sete em ponto se quiser entrar.
- Ta bom... – em tom de desânimo – até amanhã...
Após matar aula com a permissão do diretor, Roberto se dirigiu à casa de Rico.
Tocou interfone e nada, ninguém atendeu. “Ele deve ter ido à aula hoje”, pensou.
Como não poderia voltar para casa até o fim do horário de aula para não dar na cara,
Roberto foi até o provedor NavegueNet fazer uma visitinha. O operador chamado
Ricardo havia sido demitido, e no seu lugar entrou um tal de Renato Soares, vulgo
Renatão pelo seu tamanho lateral avantajado.
- Olá, no que posso ajudá-lo? – perguntou Renatão
- Eu quero ver se posso reaver a minha conta antiga, ou abrir uma nova. – disse
Roberto
- Seu nome é ... ?
- Roberto Araújo.
- Só um momento...
Renatão checou no sistema a conta pedida. Mexeu um pouco nos seus óculos,
concentrado no que fazia.
- Parece que você teve uns probleminhas por aqui, não é? – perguntou, voltando-se a
Roberto
28
- Foi uma coisa boba..
.
- Imagino que deve ter sido... o pessoal daqui é bem chato mesmo. Olha, no seu
nome eu não vou poder mais fazer a conta. Você pode fazer no nome de algum
familiar, assim não tem problema, ok?
- Ah, fazer o que né... tudo bem. Obrigado.
Durante os dias que se passaram, Roberto voltou várias vezes à NavegueNet para
papear com seu novo conhecido. Ficavam um bom tempo conversando bobagens.
Um dia ele levou um amigo ao provedor e perguntou se poderia mostrar a página de
Internet que estava fazendo em um dos computadores do provedor, o que fica na
entrada.
- Tudo bem, mostra aí pra ele... – respondeu Renatão, enquanto preenchia algumas
fichas em cima da mesa da recepção
Foi quando Roberto percebeu que o operador havia deixado minimizado um
programa com o seguinte título: “Controle de Acesso WorldGroup Manager”. “É a
minha chance”- pensou. Fez um sinal para que seu colega William ficasse na sua
frente, e ele entendeu na hora. Roberto então abriu a janela de controle de usuários e
rapidamente procurou o nome do seu usuário, e colocou para ele acesso de Sysop, o
acesso administrativo do sistema. Fechou os menus e deixou o programa novamente
minimizado. Levantou-se da cadeira e disse...
- Bom, preciso ir pra casa. Tenho coisas importantes a resolver. Até mais Renatão.
- Até mais.
Roberto então correu até o prédio em que morava, conectou-se na Internet,
acessou o sistema de BBS com a sua conta privilegiada e recebeu o seu prêmio:
acesso total a todos os usuários e arquivos do provedor. Ele começou então a estudar
o sistema... checou todos os menus, baixou diversos arquivos e começou a tentar
entender como aquilo tudo funcionava. Para garantir o seu acesso, criou uma nova
conta com acesso administrativo e removeu o acesso da sua, para que não
desconfiassem.
Após algum tempo, descobriu o arquivo BBSUSR.DAT. Dentro dele estava a
mina de ouro: endereços e telefones de todos os usuários, além das senhas... e
totalmente descriptografadas. Ele não conseguia acreditar no que estava vendo.
Copiou rapidamente o arquivo e se desconectou do sistema. Pegou rapidamente o
telefone e ligou para Rico.
29
- Alô?
- Rico? É o Roberto. Tenho ótimas novidades. Vamos nos reunir hoje na sua casa?
- E aí maluco, também tenho uma novidade. Tem problema da gente se reunir na
praça Dr. Augusto Silva?
- Nenhum. Sete da noite lá então.
- Beleza, combinado.
Que novidade seria essa? Pensou Roberto. Pela empolgação da voz do seu
colega de grupo no telefone, parecia algo muito bom. Teria que esperar pra ver.
Enquanto a hora do encontro não chegava, ele ficou observando e lendo as contas
que haviam no arquivo. Encontrou algumas bastante interessantes e teve ótimas
idéias do que fazer com elas. Anotou os dados na sua agenda.
Às 19 horas, Rico Pomivo já estava aguardando sentado em um banco da
praça Doutor José, lugar que fica ao lado da filial do Moggan que possui os alunos
do 1º grau. É um local bem famoso da cidade de Lavras, especialmente pelos
barzinhos, perdendo apenas para a praça Augusto Silva. O carnaval costuma ser
celebrado ali também todos os anos, com direito a trio elétrico e barraquinhas. A
praça não é tão arborizada quanto a outra, mas ainda assim possui uma certa
elegância.
Roberto chegou poucos minutos depois. Viu que havia outra pessoa além de
seu amigo aguardando. Escondeu rapidamente as folhas impressas que havia na mão
no seu bolso traseiro da calça jeans azul que vestia. Chegou meio desconfiado nos
dois.
- Roberto, quero te apresentar alguém – disse Rico – esse é Sales Silva
- Muito prazer, Alpha One – cumprimentou Sales, com um olhar malicioso.
- Não me diga que... você é o Frentic que conversei por esses dias? – perguntou
Roberto
- Sou eu sim.
- Mas como nos encontrou?
30
- Deixa que eu explico – interrompeu Pomivo – um amigo em comum nosso, o
Marinho, me apresentou para o Sales. Conversamos e ele mostrou interesse em
entrar para o UHOL, se concordássemos. Disse que por mim tudo bem e queria falar
contigo.
- Creio que posso ajudar bastante... entendo bastante de programação, especialmente
a linguagem de baixo nível assembler.
- Perfeito – animou-se Roberto – é um prazer ter você conosco. Chegou em uma boa
hora.
Retirando as folhas do bolso, mostrou-as aos outros e explicou do que se
tratavam. Rico não acreditou. Discutiram uma maneira de conseguir sempre colocar
a mão nesse arquivo sem precisar acessar como administrador do sistema, o que
faria o provedor desconfiar. Sales sugeriu criar um programa em assembler que
criptografasse o arquivo de senhas e o copiasse a cada 10 minutos para o diretório de
alguma página web. Assim, através do Netscape ou Internet Explorer o arquivo
poderia ser puxado por quem soubesse o endereço certo.
- Ótima idéia ! – disse Roberto – mas como faremos para descriptografar o
conteúdo?
- Simples. Vou criar um programa para realizar essa tarefa. E colocar nele uma
senha gigantesca que apenas nós iremos saber. Assim mesmo que a informação
vaze, estaremos sempre por cima.
E assim o fizeram. Roberto chegou em casa dois dias depois e testou o
processo. Baixou o arquivo e rodou o UHOL PASSWORD DECRYPTOR. Digitou
a senha gigantesca que combinaram e o processo resultou em sucesso total.
UHOL – Ultimate Hackers Of Lavras – PW Decrypt
Senha: ******************************************
BBSUSR.DAT DESCRIPTOGRAFADO
31
1.7 – Planos mirabolantes
Já havia alguns dias que o UHOL tinha acesso total às contas e senhas do
NavegueNet. Em uma segunda-feira, Roberto teria aula de inglês no Moggan, e
havia descoberto entre as contas do arquivo BBSUSR a do seu professor. Antes da
aula começar, ele entrou antes na sala e escreveu no quadro “HOFNER”. Depois
voltou à sua cadeira.
- Quem escreveu isso aqui?? – perguntou o professor de inglês
Silêncio na sala...
- Respondam, quem escreveu isso? Quero saber agora...
Novamente a sala ficou quieta. Os alunos não entenderam nada o que
significa aquilo no quadro.
- Muito bem, não darei aula até que o engraçadinho que escreveu isso
apareça. É a minha senha de acesso à Internet. Caso não apareça ninguém,
chamarei a polícia.
Reclamou e reclamou mas ninguém confessou nada. Visivelmente irritado ,
começou a aula. Logo que chegou em casa trocou a senha de internet.
No próximo dia que haveria aula de inglês, a nova senha estava escrita no
quadro antes da aula :”RHODES”. O professor José brigou e esperneou novamente,
mas por fim desistiu e começou a rir da situação. Alguns dias depois, Roberto
confessou para alguns colegas que foi o autor da brincadeira. Isso fez a sua fama no
colégio correr depressa.
Durante meses tiveram acesso à essas informações do provedor de Internet.
Usaram dessas contas para descobrir e explorar novas falhas na universidade
Frederico Heral. Todos eles buscaram aperfeiçoar seus conhecimentos em
programação, sistemas Unix e Vax/Vms e técnicas diversas. Nesse período, novos
membros foram sendo adicionados ao grupo: Marinho, o amigo de Sales, Euler, um
estudante do Moggan conhecido de Roberto e por último Arnoldo, que acabou de ser
apresentado ao grupo.
32
Em Fevereiro de 1998, o terceiro provedor de Internet surgiu na cidade, com
o nome de RogiNet. A fama do grupo de hackers da cidade era tanta que nessa
época um jornal local publicou a seguinte reportagem:
Os provedores de acesso à rede Internet NavegueNet, FredericoHeral e o novo RogiNet, se reuniram para discutir e tratar
do problema dos Backers em Lavras. Maia Alves , diretor de um
dos reunidos, disse que “o problema será levado às autoridades competentes”
O UHOL estava reunido na casa de Roberto Araújo. Todos sentados
confortavalmente na sala enquanto Sales lia a notícia do jornal. Após terminar,
risadas ecoaram no ambiente.
- Backers??? O problema dos backers??? que caras ridículos !!! – riu Euler
- Estamos bem servidos aqui na cidade... nem hackers o pessoal sabe escrever...
- Concordo, Marinho... feio demais isso... – completou Arnoldo
- Risadas à parte, vamos voltar para os tópicos em questão da nossa reunião. – disse
Roberto
Apesar de se reunirem freqüentemente, Sales, Rico e Roberto muitas vezes
eram os únicos que acabam decidindo alguma coisa e tomando ações. Eles queriam
mudar isso, divindo igualmente as tarefas para o grupo, assim aumentando
consideravelmente o seu poder de fogo. Essa reunião era para decidir e aprender
com as informações do novo membro, Arnoldo. Ele forneceu ao grupo o programa
de terminal exclusivo de uso da operadora Telemig, explicando os comandos
específicos e fornecendo uma conta de acesso. Isso possibilitaria que executassem
tarefas de telefonia remotamente, o que abriria novos horizontes. Os integrantes se
reuniram ao redor do pequeno notebook 486 DX2 66 da IBM que tinham à frente.
Após copiar um arquivo que trazia em disquete para o computador e executá-lo,
Arnoldo virou-se para os seus colegas.
- Apresento-lhes o OZTERM ! – disse, enquanto mostrava uma pequena tela azul e
preta que piscava no monitor.
- Um programa de terminal... bem interessante. Você possui os dados de conexão? –
perguntou Sales, olhando curiosamente para a tela.
33
- Não adiantaria nada se não possuísse. Tenho o número de conexão para discar com
o modem, cinco contas e senhas. Podem usar à vontade.
- O pessoal da Telemig não vai descobrir? – perguntou Euler, temeroso...
- Nada, eles quase nem monitoram. Se estiver com medo, use de madrugada. Aí sim
te garanto que o risco é zero. – complementou Arnoldo.
Enquanto discutiam, Roberto entrou com as credenciais fornecidas e começou a
brincar com o sistema. Cinco minutos depois Arnoldo percebeu e interrompeu a
conversa que estava tendo com Marinho, para advertir o seu anfitrião.
- Tome cuidado, Roberto. Os comandos desse sistema são complexos, não tem nada
baseado em DOS ou UNIX. Tem um grande e complexo manual que eu trouxe no
disquete para aprendermos a usar e ...
Foram interrompidos pelo som do telefone. Roberto fez um sinal para que um deles
atendesse. A conversa foi um pouco estranha.
- Alô? – atendeu Sales Silva – o quê? Acho que ...
Sales segurou a risada. Respondeu de modo firme e decidido.
- Não senhora, me desculpe mas hoje não temos vaga. Por favor ligue mais tarde. – e
desligou o telefone. Começou a dar gargalhadas, junto com Roberto. Os outros não
entenderam nada.
- Quem era? – perguntou Marinho
- Ligação para o Hotel Papagaio. Uma senhora confirmando a reserva que havia
feito.
- Engano? – sugeriu inocentemente Euler
- Não. Eu transferi as chamadas do número deles para cá.
Arnoldo ficou horrorizado. Era possível que aquele garoto em cinco minutos
aprendeu o complexo comando de transferência de chamada do ozterm? Impossível,
pensou. Ele mesmo que já havia trabalhado na própria telemig levou mais de um dia
após ler o material explicativo para conseguir realizar a tarefa. Exaltou-se.
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- Não acredito nisso. Se for mesmo verdade transfira o telefone da funerária para o
seu e eu quero atender – disse em tom de desafio.
Alguns minutos depois o telefone tocou e Arnoldo atendeu. Arregalou o olho,
murmurou alguma coisa e desligou a ligação. Depois olhou para Roberto,
cabisbaixo.
- De qual tipo de madeira eles queriam? – ironizou Roberto, causando a risada de
todos os outros que estavam na sala.
A sensação de poder que os amigos sentiam era enorme. Para a maioria dos
membros, que na época eram apenas meros adolescentes, poder controlar o sistema
telefônico ia além de sua mais louca imaginação. Foi aí que começaram a se
interessar pra valer pelo Phreaking, que é a arte de burlar o sistema telefônico.
Logo partiram para os telefones celulares. Graças à maior parte da rede
analógica e dos antigos aparelhos “tijolo” existentes na época, Roberto conseguiu
montar um pequeno esquema de escuta de conversas alheias, utilizando um pedaço
de papel alumínio colocado sobre os pinos da bateria. Era uma maneira de acessar o
“test mode” que permitia realizar a varredura de diversos canais.
Em uma dessas brincadeiras, ele conseguiu capturar uma conversa de um
representante do NavegueNet. Aparentemente iriam receber ajuda de alguns peritos
externos para tentar descobrir os responsáveis pelas constantes invasões do provedor
e roubo dos arquivos de senhas.
Claro, eles já desconfiavam que era o UHOL. Mas precisam de provas para tentar
um processo.
Imediatamente, o grupo agendou uma reunião. Arnoldo não pôde comparecer.
Reuniram-se novamente na sala da casa onde Roberto morava. Explicou o que havia
ouvido. Sales Silva se exaltou:
- O quê? Como é possível terem descoberto que o arquivo de senhas estava
vazando?
- Não tenho a menor idéia... sempre guardamos o BBSUSR.DAT da forma mais
segura possível. – disse Euler
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- Vamos com calma... alguém por acaso está falando para os usuários que está
roubando as senhas? – perguntou Marinho
Roberto e Rico se entreolharam. Roberto relembrou na hora de seu professor de
inglês. Fiz besteira, pensou.
- Ah, mas que graça que tem se não pudermos assustar os usuários – disse Rico
Pomivo
- A graça vai ser que você vai ter a polícia batendo na porta da sua casa, só isso –
explodiu Sales Silva
- Calma gente, calma... – falou Euler - .. agora já está feito... o que podemos fazer?
Roberto se levantou. Foi até a janela, parou e pensou por um tempo. Depois, disse:
- Nós precisamos de um bode expiatório. Alguém que assuma estar fazendo isso.
- E como iremos fazer isso?
Sales fez uma cara de satisfação.
- Já sei como. Deixem comigo. – disse ele
O grupo se reunião dois dias depois na porta do condomínio Flamboyan. Com
exceção de Sales Silva, ninguém entendeu o que estavam fazendo ali. Ele perguntou:
- Vocês se lembram do Buick?
- Sei, aquele moleque metido a hacker que vivia espalhando pela cidade que o nosso
grupo não é de nada, e que ele é praticamente um semi-deus do conhecimento? –
ironizou Marinho
- Esse mesmo. – disse Sales – engraçado é que ele falava mal do UHOL, mas
aceitou imediatamente quando o convidei para entrar no grupo.
- Você fez o que? – surpreendeu-se Rico Pomivo – ta doido? O cara é um chato
danado.
- Calma, vocês vão entender logo.
36
Entramos no condomínio. Era um local grande, muito arborizado. Possuía ruas
largas e construções no estilo americano, grandes casas sem muros e com belos
jardins. Ao descer uma das ruas principais, paramos em frente à uma residência de
dois andares, de portas marrons e pintura vermelho claro. Um rapaz com cara de
índio e cheio de espinhas na cara estava à nossa espera.
- Você que é o Buick? – perguntou Sales
- Sim, sou eu – respondeu Buick, visualmente nervoso
- Não precisar tremer, ó grande hacker. – ironizou Rico
- Ficamos sabendo que você falava mal do grupo? Por que quer entrar agora? –
perguntou Roberto
Buick engoliu seco. Tentou se explicar. Sales interrompeu-o.
- O que você fez no passado não importa. Você é bem vindo para entrar no grupo.
Mas tem uma coisa... só aceitamos membros que tenham já tenham realizado
alguma invasão.
Finalmente estavam entendendo qual era o plano de Sales Silva. Bem cruel, pensou
Roberto. Todos entraram na farsa.
- Claro, claro... eu já fiz várias invasões. – disse Buick
- Fui informado que você conseguiu invador o sistema do NavegueNet e estava
roubando o arquivo de senhas dele? É verdade? Pois se for, você é mais que capaz
para fazer parte do grupo – disse Marinho, olhando profundamente nos olhos do
adolescente espinhoso
Por um momento, Buick pareceu pensar um pouco. Mas logo após respondeu:
- Claro, fui em sim. Eu que invadi o sistema do NavegueNet e peguei o arquivo de
senhas. Estão vendo como sou bom?? Aposto que vocês mesmo não conseguiriam
fazer isso.
Todos soltaram uma risadinha. Rico disse:
- Com certeza nós não conseguiríamos. Você é o cara, Buick.
Desconversaram e saíram do condomínio. Sales retirou um pequeno gravador que
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estava no seu bolso. Rebobinou a fita e tocou o conteúdo. “Perfeito”, pensou.
Um dia após a fita aparecer misteriosamente na caixa de correio do provedor, Buick
foi chamado junto a seu pai para comparecer no provedor. E não foi nada bonito. Ele
jurou vingar-se de todos nem que fosse a última coisa que faria.
1.8 – Um sério problema...
O ano de 1999 já estava quase no fim e as atividades do grupo haviam
esfriado um pouco. As reuniões já não eram tão freqüentes, nem os membros tão
empolgados, com exceção de Roberto, que continuava estudando por dias a fio.
Decidiram então começar a se reunir mais no Internet Relay Chat, assim todos
poderiam encontrar um bom horário para a reunião já que passavam boa parte do dia
na Internet. Registraram o canal #UHOL e toda noite se reuniam para trocar novas
idéias. Em 90% dos casos, era apenas mais um bate-papo sem definir nada. Um dia,
Marinho convidou um cracker que havia invadido o site dos correios para a
conversa, ele havia sido citado até na revista veja... seu apelido era Snake_Ice. Nesse
dia Arnoldo não pôde comparecer ao bate-papo. Problemas com a namorada.
Snake_Ice > e aí galera, tudo beleza?
Marinho > Gente, o snake é um dos grandes hackers da atualidade.
Sales > Isso aí... foi ele que me ajudou a aprender assembler. Fera demais.
Euler > Pô que legal conhecer um cara da elite... dá algumas dicas pra gente
Snake_Ice > não tem mistério, é só estudar... ralei muito pra chegar onde estou...
Rico > Nós estudamos bastante mas não conseguimos chegar no seu nível, estamos
errando onde?
Snake_Ice > antes de aprender a invadir um sistema, primeiro saiba como deixar o
seu protegido. Se você não consegue fazer isso, não terá conhecimento para entrar
no dos outros.
Sales > Roberto, cadê você?
Rico > eu sei disso, mas você segue alguma linha de exploração de
vulnerabilidades? Quais são suas dicas?
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Snake_Ice > ah, um mágico não revela seus truques... estudem, um dia
conseguirão...
Euler > será que vamos conseguir mesmo ?
Marinho > Claro que sim, o Snake é o exemplo aí.
Rico > fala alguma coisa aí, Roberto...
Snake_Ice > parece que o colega de vocês ta mudo... hehehe...
Roberto > opa gente, desculpa eu tava ocupado aqui.
Euler > você ta acompanhando o Chat?
Roberto > Estou sim... e tenho uma pergunta para fazer ao Snake_Ice.
Sales > pode perguntar que o cara é fera...
Marinho > com certeza, muito bom ele...
Snake_Ice > manda ae, rookie ...
Roberto > bom, lá vai… esse Prince of Persia que eu estou baixando aí do seu
computador no diretório Jogos é o 1 ou o 2?
Euler > quê ???
Marinho > ?!?
Sales > não me diga que...
Rico > hehehehehe...
Snake_Ice saiu da sala.
Após quatro anos de existência, em 2000, o UHOL estava começando a
perder forças. A maioria dos membros originais estava ocupada dando um sentido às
suas vidas, como faculdade e concursos públicos. Havia pouco tempo para se
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encontrarem e se divertirem como antigamente. Roberto sentia isso e sentia falta da
adrenalina que havia se acostumado nos últimos tempos.
- Irei continuar com o grupo, nem que seja sozinho – pensou.
Foi então conhecer pela primeira vez o provedor RogiNet, que havia surgido
em 1998. O grupo já havia feito alguns ataques contra ele, mas ninguém havia ido
até lá conhecê-lo na “vida real”. Roberto chegou ao provedor, virou-se para a
secretária e perguntou:
- Bom dia... gostaria de falar com o proprietário?
- Bom dia.. o senhor Igor que é o dono mas ele está em reunião no momento.
Gostaria de deixar recado?
- Diga a ele que Roberto Araújo esteve aqui e gostaria de conhecê-lo.
Obrigado.
Lucile, a secretária, engoliu em seco ao ouvir esse nome. Já o havia ouvido
anteriormente em discussões acaloradas entre Igor e o suporte técnico. Disfarçou o
seu incômodo e respondeu:
- Só um momentinho. Vou contactá-lo imediatamente.
Nessa ocasião foi quando Roberto percebeu pela primeira vez o temor que
suas ações estavam causando em algumas pessoas. Até esse momento ele via tudo o
que ele e o grupo faziam como um mero jogo mental, uma brincadeira de
adolescentes buscando aprovação do seu conhecimento. Igor, o proprietário do
RigoNet, comprovou esse temor ao oferecer uma conta ilimitada e gratuita de
usuário para Roberto, em troca dele nunca tentar atacar o provedor.
- Obrigado. Pode contar comigo. - Agradeceu Roberto.
Foi um momento importante na vida de Roberto pois ele finalmente estava
visualizando fazer algo mais com o conhecimento que adquiriu do que apenas
“brincadeiras de mal-gosto”, invadindo sistemas e causando danos. Mas ele iria
aprender que largar esse vida seria bem mais difícil do que pensava.
Por meses , o UHOL deixou de existir. Não houveram mais ataques, roubos
de senhas ou nada do tipo. Aparentemente, a época dos tempos selvagens havia sido
deixada para trás. Nem mesmo os membros se encontravam mais, isso apenas
acontecia por coincidência e em raras ocasiões. Tudo isso até um belo dia...
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No meio do ano de 2000, o computador da família de Roberto teve um
problema de memória. Uma delas queimou e deveria ser trocada. O PC foi então
levado para uma assistência técnica em uma empresa conhecida como NNA
informática. Cerca de duas horas depois, o telefone na casa de Roberto toca.
- Alô? – atendeu Roberto
- Roberto, é seu pai. Me ligaram agora lá da NNA informática e disseram que
encontraram no nosso computador o arquivo com os nomes de todos os usuários e
senhas do provedor NAVEGUENET. Irão entrar em contato com o provedor de
Internet agora, e ele irá tomar as medidas legais. Você está com problemas.
Aquilo atingiu o adolescente como um raio. O maldito arquivo BBSUSR.DAT ! Ele
havia esquecido de apagá-lo do computador quando abandonou o hacking em
definitivo. Nunca imaginaria que uma situação como essa poderia acontecer... e
agora estava em apuros. Não teve saída, a não ser tentar reunir o antigo grupo. Ligou
para Sales Silva e contou o que aconteceu.
- Você é muito burro ! – Disse Sales
- Eu sei disso, não precisa me lembrar... – respondeu secamente Roberto
- Especialmente por uma questão. Não sei se você sabe mas o Buick é filho do dono
da NNA Informática. Tenho certeza que ele deve ter incitado a procurarem o
arquivo no seu computador.
- O Buick é filho do dono? Como eu saberia disso? Que droga... – pensou Roberto
- Não se preocupe, daremos um jeito. Já conversei com o Rico e sei o que fazer. –
completou Sales
Realmente ele sabia. Utilizando-se do temor que a simples menção do UHOL
causava, Sales Silva, Rico Pomivo e Euler foram à empresa de informática e logo
foram atendidos por um funcionário:
- Pois não? – perguntou Gustavo, funcionário da NNA.
- Ah sim, eu gostaria de saber quando fica para consertar o meu computador aqui –
perguntou Euler
- O senhor deve trazê-lo para podermos analisar e fazer um orçamento.
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Como em uma peça de teatro, Rico entrou ao palco e interrompeu o vendedor.
- Olá Euler, tudo bem? Eu ouvi, você está pensando em trazer o seu computador
aqui?
- Sim, Rico. Qual o problema?
- Olha, se eu fosse você não faria isso. Ouvi uma história de que eles vasculham o
computador de todos os clientes e lêem todos os seus arquivos e dados pessoais.
Gustavo, o funcionário, se assustou com o comentário e tentou consertar as coisas
- O Senhor está enganado. Nunca faríamos isso. É uma calúnia.
- Ah não? Acontece que se eu estivesse inventando isso outros não saberiam não é?
Nesse instante Sales passou em frente à porta do estabelecimento. Todo o teatro foi
bem combinado.
- Sales Silva, você apareceu bem na hora. – empolgou-se Rico – poderia dizer ao
nosso amigo Euler se ele deve trazer o computador dele para ser arrumado nessa
loja?
- Nunca.. ! A menos que não queira ver as fotos de sua namorada espalhadas pela
Internet, pois todos conhecem a fama da NNA de fuçar onde não devem.
Começaram a parar algumas pessoas na rua e contar o caso. Gustavo começou a
ficar vermelho com uma mistura de excitação e raiva, tentando mudar o assunto.
Finalmente, o funcionário desistiu de responder, respirou fundo e abaixou a cabeça.
Algumas horas depois, Roberto recebeu outro telefonema de seu pai na sua casa.
- Roberto, me ligaram da NNA informática e aparentemente eles não haviam
encontrado nada no computador. Não sei como é possível mas se enganaram quanto
ao arquivo. Está tudo certo.
“É, eu sei bem como é possível”, riu Roberto.
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Foi a última atuação do grupo UHOL. Ao final do ano 2000, as atividades foram
definitivamente encerradas.
1.9 – Um final conturbado
Um dia , Roberto recebeu um telefonema de alguém que se dizia um
“amigo”. Dizia-se um conhecido de um conhecido, e que gostaria de fazer uma
proposta. O telefone registrado era de um número de São Paulo. Após diversas
conversas a intenção ficou bem clara: o sujeito estava montando um esquema de
roubo de senhas de acesso à banco pela internet, e estava tentando reunir pessoas
capazes para fazê-lo.
Robertou irritou-se profundamente com o convite. Hackers não são
criminosos, pensou. Utilizar-se de hacking para fraudar contas de banco para ele era
quase um sacrilégio. Respondeu ao telefone:
- Obrigado, mas eu não vou aceitar a proposta. – respondeu secamente
Roberto
- Mas vai rolar um ótimo dinheiro na sua mão... – disse o homem misterioso
- Eu não sou ladrão, e não quero causar prejuízos para ninguém. Se você me
ligar novamente vou lhe denunciar à polícia. – irritou-se Roberto
- E desde quando hackers são éticos? Se você disser qualquer coisa sobre essa
ligação vou enfiar uma bala no meio da sua cabeça, entendeu?
Roberto se assustou. Sua mãe perguntou se estava tudo bem e ele balançou a cabeça
que sim. Pensou que já havia causado muitos problemas para a sua família e não
queria mais prejudicá-los em nada.
No final de 2001, Roberto tentou conseguir um emprego para novamente dar
aulas de informática como havia feito no passado. Foi procurar a “Socorro”, maior
empresa de cursos que existia na época em Lavras. Se inscreveu e foi para participar
da prova de seleção.
Ao entrar na sala para fazer a prova, viu Buick, que também estava tentando a vaga
para instrutor. Os dois se entreolharam com fúria. Ao acabar a prova, Buick passou
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ao lado de Roberto e disse baixinho no seu ouvido:
- Se prepare para pagar na mesma moeda.
E saiu da sala.
Depois de três dias, Roberto soube que foi aprovado na prova de teste. A próxima
etapa para a contratação seria uma entrevista. Marcou o horário pelo telefone, e
compareceu.
A entrevista correu muito bem, com os donos mostrando muito interesse em
realizar a contratação. Disseram que Roberto foi muito bem na prova de seleção e
suas chances eram altas. Perguntaram se ele entendia de Segurança de Redes , pois
isso estava em seu currículo, e se acha que haviam falhas na rede interna da
empresa. Ele disse que provavelmente sim, mas que poderia checar para ter certeza.
- E senhas? Você conseguiria as nossas senhas se tentasse? – perguntou Wellington,
um dos donos.
Roberto pensou... enfim respondeu:
- Sim, conseguiria. Mas não é por saber como fazer que eu o faria.
- Tenho certeza que sim. – Wellington olhou profundamente nos olhos de Roberto,
como se estivesse querendo dizer alguma coisa.
Cerca de uma semana depois o resultado da aprovação ou não de Roberto para a
vaga ainda não estava disponível. Ele ligava com freqüência para a empresa, mas
todos desconversavam.
Mais tarde nesse dia, bateram à porta, e o adolescente estava sozinho em casa. Sofia
estava na escolha, Jorge trabalhando em seu laboratório e Angélica havia ido visitar
algumas amigas. Quando abriu a porta, um susto: várias pessoas engravatadas,
segurando um papel.
- Meu nome é delegado Silas e temos um mandado para recolher os computadores
da sua casa.
Era a polícia civil. O susto foi tão grande que Roberto ficou paralizado. Apenas
conseguiu perguntar do que aquilo se tratava.
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- Você sabe. A Socorro Computação recebeu um e-mail seu com as senhas deles de
acesso ao provedor NavegueNet. No conteúdo do e-mail havia uma ameaça dizendo
que caso você não fosse contratado no processo, divulgaria os arquivos de projetos
da empresa para todos. Isso foi antes da sua entrevista com eles. Foram instruídos a
gravar toda a conversa com você. Após isso me contactaram e pedimos o mandado.
“Buick!” – pensou Roberto. Essa era a sua vingança. Ele copiou o arquivo de senhas
quando o computador foi parar na NNA INFORMÁTICA e ficou esperando o
momento certo de usá-lo. Assim, enviou um e-mail falso parecendo que estava
vindo de Roberto, com as senhas de acesso dos donos da empresa. Como a fama
dele já não era das melhores, Wellington, o proprietário, deve ter se assustado
acreditando que realmente a ameaça era real e criou um plano para entregar Roberto
à polícia.
Portanto, gravaram a entrevista e a conduziram de forma que pareceria que Roberto
estava interessado em realizar um ataque e quebrar a Segurança da rede da empresa.
Tudo começou a rodar, e foi o momento mais negro da vida de Roberto. A
pressão foi tanta... o medo, desprezo e decepção que ele sabia que a sua família teria
para com ele... que o fez entãotentar o suicídio ao tomar uma caixa de pílulas para
dormir.
Foi parar no hospital. Ficou desacordado por três dias. Após uma lavagem
estomacal e uma lenta recuperação, e observando o sofrimento de sua família,
Roberto pensou que era amaldiçoado. Lembrou das diversas vezes que seus pais e
sua irmã tiveram problemas com ele, devido à sua paixão pelo hacking. Finalmente
enxergou que não conseguiria escapar dessa sina com facilidade e que o futuro não
seria fácil, a menos que ele tomasse uma decisão.
Decidiu então nunca mais realizar nenhuma ação ilegal como invadir outro
sistema, roubar senhas ou coisas do tipo. Voltou para Belo Horizonte junto com o
seu pai, e começou a estudar engenharia da computação. Fundou um novo grupo,
mas de combate aos bankers, pessoas que se diziam hackers mas que apenas
roubavam senhas de banco das pessoas. Roberto os detestava profundamente.
Curiosamente, uma das ações deste grupo ajudou a polícia a localizar e prender uma
quadrilha em Belo Horizonte. Ao ouvir a entrevista na televisão de um dos presos,
reconheceu o homem que havia lhe ligado e ameaçado anos antes.
“Ainda estou esperando aquela bala, idiota” – pensou.
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2 - Mil anos de desconhecimento
Século XX
Local: Belo Horizonte, Planeta Terra
Fraco. Essa é a melhor maneira de me descrever. Um covarde fraco. Mesmo sendo
quase um especialista em eletrônica e lógica digital, continuo tendo problemas com
a biologia. Especialmente a feminina. É quase meia noite e faz muito frio, do tipo
que pode congelar até a alma. Estou sentado em um bar de estudantes chamado o
copo de ouro, rodeado de algumas centenas de pessoas, algumas das quais
extremamente alcoolizadas, e me sinto um tomate. O culpado disso é um grande
amigo meu, Lucas, que fez com que uma amiga sua, do tipo loira bem turbinada
vestida com um top preto e jeans, sentasse no meu colo. Creio que minha voz
abandonou o meu corpo. Meu companheiro se diverte.
- Ora, Roberto, o que é isso? Seja mais desinibido... abrace a Cláudia - murmura
Lucas, rindo.
- Desculpe... - respondi, retirando a garota do meu colo meio sem jeito - estou com
meus pensamentos um pouco longe para isso.
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- Vindo de você isso é mais do que normal - respondeu, despedindo-se da garota
com três beijinhos.
Comecei a observar o copo de cerveja que estava na minha frente. Segurei-o e bem
devagar levei à frente dos meus olhos. Aquele conteúdo me intrigava. Ingredientes
simples como a cevada, mas inúteis se não forem trabalhados com perfeição. Meu
amigo me interrompe.
- Que é isso, cara, apaixonado pela cerveja?
- Não - soltei uma risada - estou pensando. Às vezes acho que deveria ter seguido
meu pai como ele sempre quis. Ser um físico famoso, trabalhar em grandes
laboratórios.
- Que nada! O seu dom é para a informática, você sabe disso. Você construiu um
sistema operacional com uma linguagem de programação que você mesmo criou em
seu projeto da universidade. Quantos conseguiriam fazê-lo?
- É. Mas não cheguei a terminar o meu curso de engenharia da computação. Tive
uma anemia profunda que me impediu de continuar os estudos por um tempo.
Tranquei a matrícula. E creio que não tenho mais ânimo de voltar.
- Bom, você é quem sabe - disse Lucas, levantando o seu copo de cerveja e batendo-
o em direção ao meu, brindando.
Conheci o Lucas a cinco anos, após me mudar para Belo Horizonte. Fui morar
com meus tios que cuidaram muito bem de mim enquanto eu fazia um tratamento
extensivo em hospitais. Fui melhorando aos poucos e ficando amigo de um
assistente de enfermeiro muito brincalhão do hospital. Ficamos amigos e comecei a
frequentar a sua casa, tendo uma ótima convivência com seus pais e sua irmã mais
nova Glória. Viemos aproveitar a Savassi para comemorar a formatura do curso de
Enfermagem, que aconteceu hoje. O formando à minha frente às vezes parece que
explodirá de tanta felicidade.
- Mas me diga Roberto, o que você queria me falar?
- Bom, Lucas. Estou me mudando para Los Angeles. Uma empresa norte-americana
contratou os serviços do meu pai e ele quer que eu vá junto.
- Que legal! - Disse, esbugalhando os olhos e quase cuspindo a cerveja - Já era
tempo do grande cientista Jorge Araújo ser reconhecido. Pelo que você me conta dos
estudos dele de física quântica, isso já estava demorando.
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- Pois é. O problema é que ele acha que eu me formei. Eu menti que havia pedido
transferência e já havia terminado o meu curso de computação.
- Vixi. Disso eu não sabia. Mas não se preocupe. Bola para a frente. Quando você
vai para os Estados Unidos?
- Amanhã cedo. O avião saíra do aeroporto de Confins às onze e meia.
Lucas levantou-se de um pulo e veio em minha direção.
- Mas jáááá? Ahhh, que pena, meu amigo. - disse, dando-me tapinhas nas costas -
Mas de qualquer maneira espero que seja muito feliz e que os americanos
aproveitem bem os seus conhecimentos.
- Obrigado. Não me esquecerei de você, pode ter certeza. Vou lhe enviar algumas
cartas e e-mails. Agora devo ir para acabar de arrumar a minha mala. Adeus.
Abracei-o com força. Lucas, meio tonto, se despediu de mim aos gritos de "eu
possuo um amigo que é um gênio, vocês não". Sorri e peguei um táxi para casa.
Sábado de manhã. Quando meu pai chegou ao bairro Santa Inês, eu já estava de
mala pronta e esperando ansiosamente. Conversamos um pouco com meus tios,
agradeci-os muito por terem deixado eu passar uma estadia aqui. Belo Horizonte
sempre foi um lugar muito bom para mim e onde eu nasci, apesar de ter passado
muito tempo em Lavras, no sul de Minas Gerais. Minha adolescência foi muito
conturbada nessa cidade, eu e alguns amigos aprontávamos muito invadindo
computadores e roubando senhas alheias. Ainda bem que deixei essa vida para trás
faz tempo.
Meus tios Bernardo, Celma e meu pai são os últimos de uma família de dez pessoas.
Minha tia Celma sofre de câncer nos pulmões a dois anos e tenho acompanhado o
seu sofrimento e as dores terríveis que sente. Quantas vezes já me peguei chorando
sentado a uma poltrona, e meu tio Bernardo se derretendo na outra. Sinceramente,
espero que ela consiga se curar, de todo o coração. Sentamos para tomar o
maravilhoso café de meu tio.
- Como é esse emprego que você arranjou, Jorge? - perguntou Bernardo
- Não sei exatamente, mas pelo que sei eles criaram uma tecnologia que permite o
aceleramento de párticulas a velocidades muito maiores que o normal, pelo menos
foi o que eu vi anunciar na rede CNN. Procuravam um grande físico, enviei o meu
currículo, respondi algumas perguntas e me aceitaram. Recebi uma carta a uma
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semana dizendo que eu havia conseguido o emprego e poderia embarcar
imediatamente.
- Mas quanto você irá ganhar ? - perguntou tia Celma, com a voz um pouco rouca
- Creio que... - meu pai levou um gole de café à boca - cerca de vinte mil dólares por
mês.
Até eu me assustei. É muito dinheiro. Sei lá, eu não pagaria isso tudo para ver
alguns pedaços de átomos apostarem corrida. Têm louco para tudo.
- Queridos irmãos, o café estava ótimo. Vamos, Roberto. Senão perdemos o avião.
Quando chegar lá ligarei para que não fiquem preocupados. Devemos voltar no fim
do ano por alguns dias.
Após a triste despedida, seguíamos de táxi para o aeroporto. Meu pai viu que eu
estava abatido e passou o braço sobre o meu ombro para me animar. Observei
aquela figura completamente diferente de mim. Eu sou moreno claro, capelo preto
um pouco crespo, olhos profundamente castanhos, bem magro e baixo. Já ele é alto,
forte, têm a pele muito branca, olhos meio azulados e grande parte do cabelo
grisalho. Enquanto eu estou de calça de moletón e uma camiseta de dois reais, meu
pai veste um terno muito bonito. Acho que nunca conseguirei ser como ele. A
medida que a paisagem passava, sentia como se todas as àrvores, postes e pessoas se
inclinavam para despedir de mim. Senti algo engraçado quando vim para Belo
Horizonte, foi como se eu fosse um soldado voltando da guerra que se sente
completamente em casa, parece que nenhum outro lugar no mundo existe. Talvez
em uma vida passada eu tenha nascido aqui. Quem sabe?
O motorista do táxi me ajudou a retirar a mala e colocá-la no chão. Apesar de
extremamente pesada, ela possui rodinhas. Eu e meu velho nos sentamos cerca de
cinco minutos até que ouvimos uma voz chamando para o embarque. Los Angeles,
aí vamos nós!
Ai. No exato momento creio que morrerei. Estou segurando com todas as minhas
unhas o apoio de braço da poltrona do avião. Cada vez que sinto uma tremida
afundo mais na poltrona e fecho os olhos, tremendo como se estivesse no polo nórte.
Meu pai já dormia e roncava. A aeromoça viu a cena e tentou me acalmar.
- Acalme-se... isso é só uma turbulência, é comum e já vai passar. Quer alguma
coisa para comer?
- Com-m-er? - respondi tentando encontrar as sílabas - Eu gostaria de um copo de
àgua apenas, por favor.
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- Aqui está. - entregou-me um copo de plástico que retirou de dentro do carrinho.
O avião acaba de pousar em seu destino final. Papai está com uma cara de sono...
também pudera, toda hora que eu ficava com medo do avião eu o acordava só para
que ele dissesse que aquilo não era nada, era normal. Logo que desembarcamos no
aeroporto tomei um choque... apesar de que eu sei bem o inglês nunca havia ouvido
tantas pessoas juntas conversando nesse idioma. Me senti um completo estranho.
Era como se olhassem para mim e pensassem "esse aí têm cara de terrorista". Ainda
bem que fiz a barba antes de vir. Um senhor, com um traje completo de motorista,
desses usados nos filmes de hollywood, nos recepcionou.
- Senhor Silva? – perguntou
- Sou eu sim. - respondeu meu pai
- Por favor, me acompanhe - disse o velho, acompanhando-nos a um carro da
empresa a que meu pai trabalharia, uma tal de "BioPhysicLabs".
E que carro. Eu chamaria mais de sonho. É o tipo de carro gigantesco que eu
pensei que apenas o Bill Gates andaria. Que bom eu estar errado. Até que
observando bem, Los Angeles não é tão diferente de Belo Horizonte. Apenas as
ruas, as pessoas e as casas. Impressionantemente, o céu e as nuvens eram igual. A
civilização foi sumindo e o carro seguindo por meio do que parecia um bosque.
Alguns minutos depois chegamos em frente a um portão gigantesco. O motorista fez
um cumprimento de cabeça ao guarda-vigia, que abriu o portão. Ao entrarmos,
pasmem, haviam feito uma festa para a chegada do meu pai. Eu também queria ter
um emprego dele. Cerca de quarenta pessoas de fora do prédio com roupinhas
brancas, com exceção de uns três que acho que devem ser os proprietários do lugar.
- Seja bem vindo, caro senhor Silva. - um dos três senhores, que usava um belo
terno, comprimentou.
Ainda não me acostumei com esses formalismos.
- Obrigado, John. Também estou muito feliz por ter vindo. E empolgado também.
- Quem é esse? - disse, apontando para mim. Eu disse que tinham achado que eu era
um terrorista.
- É meu filho Roberto Araújo.
- Ele sabe da missão?
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Missão? Missão? Será que as pessoas do aeroporto acionaram a polícia por minha
causa?
- Não, deixei para contar a ele depois que chegássemos. Quero levá-lo comigo.
- Mas senhor Silva, não haverá espaço.
- Discutiremos isso lá dentro. Todos os responsáveis já chegaram?
- Faltam apenas o general McDon.
- O presidente não virá?
- Ele já chegou. - disse, abrindo a grande porta de metal que dava entrada ao
gigantesco prédio (gigantesco tanto pra cima, quanto para os lados. Devia ter mais
de cinquenta andares).
Presidente? Não estou entendendo mais nada. Tentei falar algo com o meu velho
mas minhas pernas ficaram tão fracas que caí sentado, murmurando alguma coisa.
Meu pai me acudiu, me estendendo a sua mão.
- Não se preocupe, meu querido filho. Daqui a pouco você entenderá tudo que se
passa aqui.
2.1 - O projeto ultra-secreto
Entramos no prédio, que por sinal possuía um saguão muito grande. Subimos
para o vigésimo segundo andar. Andamos em um longo corredor até chegar em uma
enorme sala com uma mesa redonda em que estavam sentadas cerca de vinte
pessoas. Ao redor, haviam muitas outras sentadas e algumas em pé. Após entrarmos,
um senhor careca, gordo, com um óculos enorme , barba branca e calça de
suspensórios se levantou para cumprimentar-nos.
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- É um prazer conhecer o famoso físico Jorge Araújo - disse , estendendo a mão a
meu pai
- O prazer é todo meu Isaac. - cumprimentaram-se como se fossem velhos amigos
- Este é o meu filho - apontou seu dedo para mim.
Isaac veio em minha direção, apertou minha mão e a sacudiu com uma força
extraordinária.
- Tudo bem com você... ? – antes mesmo do simpático senhor de cabelos branco
terminar a frase dirigida a mim, uma das pessoas da sala interferiu. Uma mulher,
ruiva bem clara e cerca de trinta anos. Não muito alta.
- Vamos começar logo? Estou ficando impaciente. Tenho compromissos – quase
berrou a mulher, para a surpresa de todos
- Já estamos começando. – respondeu o general McDon. – Por favor, sentem-se
todos.
Nos aconchegamos em algumas poucas cadeiras que sobravam. Olhares
desconfiados observavam McDon passar e se sentar na ponta da mesa. Após
alguns segundos de silêncio, levantou-se de impulso com as mãos apoiadas
sobre uma pasta e disse
- Por favor Sr. Presidente, estamos prontos.
Uma pequena porta lateral se abriu, primeiro dois homens muito mal encarados,
de óculos escuros, ternos pretos e fios de microfone passando por trás da orelha
saíram da porta. Logo em seguida, entrou o presidente dos Estados Unidos. Tive
que piscar umas dez vezes para que meu cérebro se certificasse de que aquilo era
verdade. Ele trazia uma pasta azul debaixo dos braços. Logo após as apresentações,
dirigiu-se para a cadeira da outra ponta da mesa.
- Peço desculpa a todos pelo atraso – disse o presidente John Jonah Jameson– Por
favor não culpem o general McDon pois ele está recebendo ordens minhas.
- Mas senhor presidente, do que se trata? – perguntou Nagar, um historiador da
Àfrica do Sul.
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- Eu passarei a palavra para o general, caro Nagar.
- Obrigado, sr. Presidente. Apenas Jorge Araújo e Isaac sabem do que se trata,
então peço que me auxiliem na explicação. Como sabem o mundo sempre esteve
correndo perigo. Quando não são países com ditadores enlouquecidos são
facções terroristas como a Al Qaeda. O perigo de ser atingido por uma bomba
nuclear, um míssil ou alguma arma química aumentou muito atualmente.
- A questão principal é ... – meu pai entrou na conversa – se a humanidade
sobreviver a um ataque devastador, uma guerra sem precedentes, e alguns
poucos seres sobreviverem, voltaremos novamente para a era medieval, ou
dependendo do estrago, para a idade da pedra.
- Obrigado Jorge... – agradeceu McDon – pensando nessa obscura possibilidade
os governos dos mais ricos países do mundo se uniram a dez anos em segredo
para pensar em algo que poderia evitar que a perda do conhecimento da
humanidade possa acontecer. Encontramos uma solução.
- Você não quer que façamos algum tipo de arma, é isso? – perguntou Giovanni,
exaltando-se.
- Não, não é nada disso. Por favor me acompanhem, imagens são melhores que
palavras.
Saímos da sala e caminhamos para a extremidade do corredor. Chegamos a uma
sala cheia de computadores e com uma janela de vidro enorme. Do outro lado da
janela dava para se ver um buraco enorme, de muitos andares. Dava-se a
impressão que só aquele cômodo ocupava metade do prédio.
- Por favor senhores, sentem-se. Sr. Presidente, acomode-se aqui. Como eu estava
dizendo, Estados Unidos, Canadá, França, Alemanha, Inglaterra, Japão,
Espanha, Rússia, China e Brasil juntaram-se para ajudar no projeto. Durante
muito tempo pessoas de todas essas nações estiveram nessa mesma sala. O
resultado é o que verão agora.
Senti um estrondo enorme. Parecia uma especie de plataforma se abrindo. Algo
estava subindo, vindo da sala gigantesca do outro lado do vidro. Após alguns
minutos, uma gigantesca estrutura metálica em forma de bola, com cerca de 600
metros de diâmetro apareceu na nossa frente. Estávamos todos paralisados.
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- Senhores... apresento-lhes o FreezeCon , o resultado do projeto “Mil anos de
conhecimento”. Será a casa de vocês se aceitarem trabalhar conosco.
- O que exatamente é isso? – arrisquei a pergunta
- É uma câmara de criogenia avançada. Ela manterá os seus moradores em um
estado criogênico durante mil anos.
- Então é disso que se trata – exclamou Joshua, um francês enorme, muito branco,
de cabelos castanhos escuros e com cara de espanhol.
- Creio ser muito arriscado esse seu brinquedinho, general. Desculpe-me senhor
Presidente mas que irresponsabilidade é essa? É assim que gastam o dinheiro
público? – uma voz saiu escondido do meio do bolo de gente
O presidente ficou um pouco sem graça. Meu pai, com sangue de embaixador nato,
reverteu a situação constrangedora com uma explicação.
- O FreezeCon vai funcionar da seguinte maneira: dez escolhidos entre nós
entrarão nas câmaras criogênicas e como o general explicou anteriormente,
ficarão lá por mil anos. Não há perigo algum para os seus corpos, que serão
mantidos em estabilidade. É improvável também que possam acontecer danos ao
FreezeCon, já que ele foi projetado para suportar um ataque atômico dez mil
vezes pior que o de Hiroshima e Nagazaki. Sua estrutura externa é composta de
um novo tipo artificial de metal, construído sobre a base do titânio. Após o
período se passar, a câmara se abrirá e vocês sairão. Terão o objetivo de
aprender em um ano tudo o que a humanidade levou mil para conseguir, esse é o
período que o FreezeCon levará para se recarregar. Serão congelados também
algumas toneladas de alimentos, caso precisem. Alguma pergunta?
Todos ouviam atentamente. Perguntas começaram a ser feitas.
- Mas como a esfera mentêm energia para a sua sobrevivência?
- Ela possui um processo mecânico envolvendo a força da gravidade e o
magnetismo da Terra que faz com que ela gere até mais energia do que gasta.
Mas após cada mil anos de funcionamento, apenas as funções básicas ficarão
disponíveis por um ano até que a cápsula seja recarregada.
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- Funções básicas? Seriam aparelhos dentro do FreezeCon?
- Temos aparelhos condicionares do ar, um forno de microondas para esquentar a
comida congelada e tudo o que for preciso para uma emergência. Se acontecer
algum imprevisto e vocês tiverem que permanecer durante o tempo de
recarregamento do FreezeCon dentro dele, vocês poderão se manter bem. Mas o
estoque de comido foi calculado para no máximo três viagens, ou seja, três mil
anos que passarem congelados e três anos comendo.
- E se a comida acabar?
- Essa é uma hipotese difícil, já que com a tecnologia que vocês encontrarão
poderão criar alimentos facilmente. Mas os escolhidos terão que correr o risco...
O general interrompeu.
- Senhores, todas as suas outras dúvidas serão tiradas no devido tempo. Por favor,
dirijam-se aos seus quartos no segundo andar e descansem. Um funcionário os
levará até lá. Amanhã começarão os testes. Estejam preparados.
O quarto que cederam possui apenas uma cama, já que não esperavam por
mim. Mas é um quarto enorme, meio azulado, com todo o conforto que se têm
direito. E o melhor é que a cama é de casal. Deitei, comecei a assistir um filme
em DVD. Depois fui para o computador com conexão a Internet, que por sinal
era muito rápida. Estava agitado. Após um cochilo rápido, meu pai fez um sinal
para que eu me sentasse na cama.
- O que está achando de tudo isso, filho? Sei que te pegou muito de surpresa.
- Estou fascinado, pai. E ao mesmo tempo com medo. Não quero ficar sem você.
- Você não irá ficar sem mim, irá comigo.
- Ir com você? Impossível. Eu não sou especialista em nada.
- Não seja modesto, Roberto. Amanhã começarão os testes, pedi para que você
participe.
55
- Como serão esses testes?
- Existem dez àreas, que são: Medicina, Física, Química, Biologia, Matemática,
História, Tecnologia, Astronomia, Engenharia e Arquitetura.
- Mas e as línguas, não vai ter nenhum poliglota?
- Um dos pré-requisitos dos selecionados é que falem no mínimo três línguas.
Além do mais, o historiador selecionado também deverá ser um poliglota.
- O que englobará tecnologia?
- Eletrônica, eletrônica digital, arquitetura de computadores e tudo o mais que se
refere ao mundo tecnológico. Esse será o seu teste, que vai ser feito na quinta-
feira. Amanhã teremos o teste de Astronomia. Agora durma, pois deve estar
cansado da viagem. Boa noite – disse, virando-se com o travesseiro para o lado.
- Boa noite – respondi
2.2 – Congelados por mil anos
Começaram os testes. Acompanhei atentamente as primeiras eliminatórias. A
prova de conhecimentos práticos e teóricos sobre astronomia envolveu
mapeamentos rápidos de constelações, além de uma certa facilidade matemática.
Uma japonesa de nome Nozomi Hazuki, ganhou a vaga. Nos dois dias foi a
escolha do físico e do químico. Vitória de Jorge Araújo, meu pai, e de seu amigo
Issac Gnolo. Já era de se esperar. Rapidamente a Quinta-feira chegou e com ela
a minha vez de testar meus conhecimentos.
Às nove horas da manhã eu e mais dezenove pessoas fomos levados para uma
sala cheia de computadores muito antigos, de arquitetura Alpha. Várias peças
eletrônicas como diodos, resistores e outros componentes estavam esparramadas
pelo chão. Nossa tarefa era clara. Teríamos o dia todo para criar pequenos e
inteligentes robôs, usando apenas as peças do chão e os computadores antigos.
Quem fizer o melhor robô, ganha.
Nas duas primeiras horas, eu praticamente brincava em vão. Depois, ao
observar as outras pessoas, tive uma idéia. Havia cerca de quarenta
computadores, a grande maioria não sendo usada, achei que não haveria
56
problema de pegar algumas peças de um deles. Eu trabalhava rodeado de
chaves, fios, placas e parafusos. Após a estrutura física de meu robô estar
montada, liguei-o ao computador e comecei a programar suas funções primárias.
O tempo estava se esgotando.
Logo soou o alarme e os juízes entraram na suada e bagunçada sala. Hora de
fazer as apresentações. Fui sorteado para ser o penúltimo a se apresentar. Foram
apresentados robôs de todo o tipo. Alguns que detectavam obstáculos e
desviavam, outros que agiam como jogadores de futebol, ainda outros que
dançavam. Muitos repetiram idéias básicas como essas. Mas uma coisa fizeram
em comum. Todos construíram um controle remoto para controlar as suas
criações. Eu não. Rapidamente fui chamado.
- Agora o concorrente número 19, senhor Roberto Araújo. Por favor queira nos
explicar o que o seu equipamento faz?
- Bom, sr. Juiz, ele é um simulador de exercícios táticos militares.
- Simulador de quê? Onde está seu controle remoto?
- Não fiz um, senhor.
Percebi que todos estavam rindo baixo de mim. Não ia deixá-los na mão muito
tempo.
- Por favor então, mostre-nos sua invenção – pediu o general McDon, que
observava de uma sala lateral.
Pedi para que todos os participantes deixassem seus robôs no chão. Coloquei meu
robô no meio da sala, e disse para todos se afastarem.
- Alpha One, sentido. – gritei, em tom firme. O robô piscou uma pequena luz
vermelha indicando que estava tudo ok. Todos olhavam ansiosos por ver que eu
tinha programado o robô para entender meus comandos de voz.
- Alpha One, em linha!
Eu gostaria de poder ter contado quantas exclamações de “ooh” eu ouvi naquele
momento. Todos os outros dezenove robôs se moveram e fizeram uma linha junto
ao meu.
- Alpha One, formação de ataque. Avançar.
57
Os robôs fizeram um “V” ao contrário e avançaram lentamente para a frente.
- Alpha One, ataque á direita.
Todas as pequenas máquinas viraram noventa graus à direita. Continuaram a
marcha.
- Já chega, é suficiente – exclamou um dos juízes
- Alpha One, dispensar.
Antes de se desligar, meu robô fez com que todos os outros voltassem para a
posição inicial em que seus criadores os colocaram. Pude notar um grande sorriso
na cara de meu pai na outra sala.
Acompanhei o resto das eliminatórias. Após alguns dias o resultado oficial
saiu. Confesso que não consegui segurar a minha alegria.
Charles Nagar – História e Geografia– Àfrica do Sul
Nozomi Hazuki – Astronomia – Japão
Jorge Araújo – Física – Brasil
Giovanni Pinelli – Arquitetura – Itália
Joshua Lebeau – Matemática – Francês
Isaac Gnolo – Química – Turquia
Roberto Araújo – Tecnologia – Brasil
Bem Reilly – Biologia – Estados Unidos
Breno Gonzalez – Engenharia – Porto Rico
Shirley Jane – Medicina – Australiana
Dois dias depois já estávamos na véspera de nosso embarque. Não acredito
que vou dormir por mil anos. É tão excitante saber que vamos conhecer novas
tecnologias e culturas, as quais nem sonhamos existir. Fomos rapidamente ao Brasil
explicar para os meus tios que participaríamos de um experimento que levaria anos,
claro, sem entrar em detalhes. E que nesse período que não se preocupassem
conosco. Foi quando bateu uma idéia na minha cabeça. Será que precisaremos de
uma mala? Creio que não pois provavelmente seremos bem recepcionados no futuro
e ganharemos vestimentas fantásticas do século XXX. Pelo menos espero que não,
já que não vou arrumar nada.
Finalmente a nossa última hora no século vinte chegou. Nos deram algumas roupas
especiais metálicas, creio que deve ter algo a ver com a criogenia. Entramos na sala
58
em que estava o FreezeCon. De perto ele parece maior ainda. Como uma enorme
bola de boliche. Após um pequeno barulho, a porta da bola se abriu e saiu um pouco
de fumaça de dentro. Frio, pensei.
O FreezeCon é lindo por dentro. Além de um compartimento com as cápsulas
criogênicas, existiam outros cômodos com aparelhos elétricos e até camas. Devem
ter sido feitas com material bem resistente, ou na nossa próxima parada só restará
pedaços podres. Nos organizamos nas cápsulas. Meu pai ficou bem do meu lado. O
presidente, o general McDon e algumas pessoas relacionados ao projeto nos
desejavam boa viagem.
- Caros amigos, espero que tenham sucesso na sua jornada em busca do
conhecimento. O que estão fazendo é muito importante para toda a humanidade,
não só para nós. Eu os aplaudo, bravos heróis, e desejo-lhes boa sorte.
Após cerca de um minuto de exaltados aplausos, o FreezeCon foi fechado.
Nossas cápsulas desceram sobre nós e começaram a soltar um vapor frio. Ainda
consegui perceber nossa “máquina do tempo” descendo ao subsolo antes que
minha consciência se esvaísse. Estava congelado.
2.3 – Século XXX
Por um instante tive um sonho muito estranho. Eu estava em uma mesa de
cirurgia, com muitas lâmpadas voltadas para o meu corpo. Enxergava a silhueta de
cinco pessoas, mas não conseguia ver seus rostos ou corpos, a luz não permitia.
Tentei levantar e percebi que estava fortemente amarrado a uma espécie de mesa.
Olhei para o lado e vi vagamente outras mesas com outras pessoas. Acho que devia
ser meus amigos. Antes que eu pudesse falar alguma coisa escutei minha própria voz
dizendo... “Relaxe Roberto. Acabou. Você esquecerá daqui”.
Acordei com um barulho enorme. A operação não foi bem sucedida, pensei.
Afinal, eu havia acabado de perder a consciência naquele mesmo segundo. Comecei
a me desesperar para abrir a cápsula, estava bem embaçada. Lembrei do botão ao
meu lado, apertei-o e praticamente pulei para fora. Minhas pernas pareciam não me
dar apoio, não conseguia ficar em pé. Caí duas vezes em minhas vãs tentativas de
me apoiar. Ben, Giovanni e meu pai me ajudaram.
- O que está acontecendo comigo? – perguntei a eles
- É o efeito da criogenia, como você ficou muito tempo sem usar seus músculos,
eles demoram cerca de dez minutos para se reacostumar. - respondeu Ben
Reilly
59
- Não se preocupe, filho. Apoie-se em mim.
- Ei, a porta da cápsula está se abrindo! – exclamou Isaac
A porta se abriu vagarosamente. O sol que entranhava a cápsula fazia doer
nossos olhos, e denunciava cinco vultos caminhando em nossa direção. Três
homens e duas mulheres, todos trajando calça jeans e com camisetas iguais, mas
de cores diferentes. O que aparentava ser mais velho, era bem branco, com um
cavanhaque castanho, cabelos negros lisos até o pescoço e camiseta branca.
Percebendo melhor, notei que os outros homens eram idênticos, e as mulheres
também. Os homens usavam a cor verde e as mulheres a azul. O cansaço
segurou um pouco a minha curiosidade.
- Amigos, sejam bem vindos ao Quadrante XY2541. Estamos em festa pois
recebemos pessoas queridas. Meu nome é Quasir, sou representante da
irmandade humana nesse quadrante. – anunciou nosso visitante
- O prazer é todo nosso – agradeceu Breno Gonzalez
- Venham. Há pessoas que os aguardam.
Saímos do FreezeCon. Logo em seguida o ambiente mudou completamente. A
terra do subsolo em volta da cápsula e ela própria desapareceram como em um
passe de mágica.
Luzes de abajures se acenderam do nada e uma sala gigantesca com móveis
antigos apareceu ao nosso redor. Creio que do tamanho de um campo de futebol.
Centenas de luzes apareceram de repente, alternadamente, dando lugar à pessoas
com roupas estranhas. Algumas usavam vestimentas do século XVII e XVIII,
outras tecidos metálicos de várias cores diferentes. Todos olhavam para nós como
se fossemos astros de cinema. Várias pessoas olhavam umas para as outras sem
dizer absolutamente nada. Achei estranho. Após Quasir olhar fixamente para
algumas delas, começaram a falar. Com um sotaque inglês bem estranho.
- Por favor, sentem-se – pediu uma das pessoas à nossa volta – desejam comer
alguma coisa?
- Não – respondi, com o consenso de todos – A cápsula nos nutriu bastante, mas
obrigado pelo convite.
60
- Ótimo. Gostaríamos de fazer algumas perguntas sobre o seu século.
Poderíamos?
Nunca vi repórteres tão educados. Século XXXI, tomara que todos os seus
filhos sejam assim. Fizeram várias perguntas a cada um dos dez, sobre nossos
conhecimentos específicos e como era o modo de vida na nossa época. As
pessoas pareciam estar tão entusiasmadas que me dava vontade de falar cada vez
mais. Uma das perguntas trocou a vontade pela curiosidade.
- Como é sentir-se sem o biochip? – perguntou uma mulher bonita, um pouco
baixa, de bochechas rosadas, olhos azuis e cabelos loiros. Quasir a interrompeu
– Eles ainda não sabem da existência do chip. Por favor, sem mais perguntas
desse tipo pois nossos visitantes têm que ser adaptados aos poucos na nossa
tecnologia.
- Tudo bem, desculpe. Posso fazer outra pergunta, então?
- Claro – respondi sem querer. Todos olharam para mim de uma maneira meio
estranha
- Pode sim – completou Quasir
- Gostaria de saber as suas expectativas com a nossa época.
Respondemos mais algumas perguntas. Eu não conseguia parar de pensar na
repórter. Não sei por quê. Fomos levados a alguns quartos para descansarmos.
Quartos esses com camas de um estilo bem antigo. Cheguei a conclusão que
para que nos sentissemos o mais em casa possível, tentaram arrumar móveis o
mais perto possível de nossa época. Que pessoas legais, pensei. Eu e meu pai
sentamos lado a lado em uma das duas camas de nosso quarto.
- Não acredito. Estamos mil anos à frente da nossa época. Todas as pessoas que
conhecemos, seus filhos, seus netos e bisnetos, já deixaram de existir. Baseando-
se no avanço científico considerável que tivemos em todo o século XX e no
início do XXI, posso dizer que estamos em uma Terra completamente diferente.
– murmurava meu pai, olhando para o teto do quarto.
- Mas como você pode saber, pai? Até agora não vi nada aqui que me mostrasse
uma tecnologia tão considerável, a não ser a mudança do sub-solo para a sala.
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- Pense bem, Roberto. Aquilo era uma espécie real de holograma. Foi como se
todas as moléculas do lugar que estávamos se transformassem para criar a sala.
E as pessoas que apareceram em luzes, lembra-se? Creio ser teletransporte. Sem
tirar que conversavam por telepatia, ou você estava achando que uma estava
olhando para outra à tóa?
Me senti embaraçado por não ter percebido nada disso. É que achei
fantasioso demais, como em um capítulo de Jornada nas Estrelas. Mas como
viajamos mil anos, realmente, tudo é possível. Dormi pensando no que o capitão
Piccard faria.
Nos dias seguintes, fomos introduzidos aos poucos às novas tecnologias e feitos dos
séculos em que estivemos dormindo. Não existem mais países, o mundo foi dividido
em pequenos quadrantes, mais fáceis de serem governados. Muitos deles ainda
preservam a sua antiga cultura, o que aconteceu com alguns quadrantes onde ficava
os Estados Unidos. A minha àrea foi a que mais sofreu avanços.
Tudo é feito com a tecnologia. Robôs com a inteligência artificial
superdesenvolvida, e componentes orgânicos, conseguem construir um prédio
enorme em apenas uma semana. Como a população já estava na casa dos 100
bilhões de habitantes, todos os cômodos residenciais existentes no mundo são
apartamentos, de no mínimo cem andares. Colônias em outros planetas, como na
Lua, em Marte ou em Saturno também são habitadas.
Não há mais carros, nem voadores como se pensava ter no futuro. Tudo é
feito à base do teletransporte. Há uma entidade processadora (antigo computador)
responsável por registrar a sequência genética de uma pessoa. Isso porquê o corpo
físico inicial é destruído no teleporte, e outro é “remontado”. Isso é feito em uma
velocidade tão grande que a consciência não sofre alteração, não podendo ser
percebido. Você simplesmente deseja ir a algum lugar e pronto, está lá em um piscar
de olhos. Todas as roupas, alimentação e o lazer são feitos à base do pensamento e
da reestruturação molecular. Essa super-tecnologia só é possível graças a um
pequeno chip, batizado de Neo BioChip, instalado no cortéx cerebral dos seres ao
nascer.
Esse BioChip monitora as ondas geradas pelo cérebro, enviando-as a algum dos Bio-
Sensores, uma espécie de pequenos satélites. Esses processam o pensamento e
decidem o seu destino, dependendo de sua classificação. Se o pensamento da pessoa
foi para comer uma goiaba, por exemplo, um dos Bio-Sensores enviará essa
informação para a central de alimentos, que analisará a composição química, física e
biológica da goiaba e retornará a informação para o Bio-Sensor. O Bio-Sensor
mandará os dados para o seu bio-chip, que fará com que alguns dos àtomos ao seu
62
redor se transformem milagrosamente na fruta, em um processo um pouco mais
complicado. E tudo isso é feito em cerca de um nanosegundo.
Da maneira que o processo de criação está evoluindo, em dez ou vinte anos não
precisaremos mais dos andróides para construir habitações. Apenas a força do
pensamento bastará. Por enquanto o BioChip oficial têm o poder de criar apenas
coisas menores.
Suponhamos agora que alguém esteja para cometer qualquer espécie de
crime. Todo esse processo é usado para avisar da infração. A capacidade motora do
indivíduo é desligada com cargas eletromagnéticas até que os guardthinks, especie
de policiais dessa época, se teletransportem para carregar a pessoa a um centro de
recuperação. Nesse centro, dependendo da evolução mental do infrator, ele pode ter
seus movimentos liberados aos poucos ou se acontecer de tornar-se agressivo, ficar
paralítico para sempre.
O BioChip também é usado para que controlemos as ações de robôs e
andróides. Apesar de terem inteligência própria, ficam vulneráveis a nossos desejos
e pensamentos. E ao contrário de filmes como “Exterminador do Futuro”, mesmo
que algumas máquinas se revoltassem, seria impossível uma rebelião por dois
motivos. Primeiro: toda e qualquer informação sobre dispositivos bélicos não existe
mais no mundo e a capacidade criativa dos robôs não foi tão desenvolvida assim.
Segundo: mesmo que alguns robôs se rebelassem seriam contidos rapidamente, já
que todos as suas peças internas possuem sensores que antendem a solitações dos
Bio-Sensores. E como existem bilhões de Bio-Sensores em todo o mundo, é
impossível que sejam destruídos.
Confesso que fiquei um pouco atordoado com tantas informações. Era ficção
científica demais para o meu gosto. Mas uma coisa eu percebi nesses dias. Não
possuíamos o tal do chip implantado e não poderíamos tê-lo, já que ele precisa ser
instalado no nascimento do indivíduo para que se adapte mais facilmente ao seu
pensamento. Isso nos tornava prisioneiros, de maneira alguma queriam que
saíssemos do complexo. Aliás, eu nem sei o tamanho do lugar que estamos. Acho
que o medo de não terem controle sobre nossas ações é tanto que nos acompanham
vinte e quatro horas por dia. Durante um almoço com frutas e saladas, Nozomi tocou
no assunto.
- Quando poderemos conhecer o seu mundo?
- Não poderão. Sinto muito. – Quasir pronunciou baixo, quase mudo.
- Mas por quê? – Charles Nagar e Shirley Jane se entreolharam e perguntaram
63
- Vocês não podem ter o chip implantado. Seria muito perigoso se os rebeldes os
encontrassem e usassem vocês como iscas.
- Mas o BioChip avisaria sobre eles, não?
- Não sabemos como mas eles conseguem desativar parte das funções do chip.
Nem a função de localizaçãofunciona, e seus pensamentos não são censurados.
- Eles retiram o Chip? – perguntou meu pai
- Não. Morreriam se tirassem o BioChip. Conseguem apenas manipular algumas
funções básicas. Ou seja, vocês são os únicos da raça humana que não possuem
o Chip instalado.
- Você se refere muito a “raça humana”. Por acaso temos alguma presença de
alienígenas entre nós? – indagou Ben Reilly
- Bom, depois desse tempo conosco acho que já estão preparados para saber. –
mal Quasir falou e três seres se teleportaram para a sala. Meu queixo foi ao pé.
Estamos frente a frente com três espécies de Extra-Terrestres. O primeiro ser
parecia muito conosco, mas era bem mais magro e muito mais alto. Quase três
metros de altura. Vestia roupas prateadas e possui cabelos dourados até o joelho.
Percebi que a testa possuía três veias um pouco mais elevadas. Os olhos eram
negros com a retina branca. O segundo ser me chamou a atenção por se parecer
com o ET que apareceu na cidade de Varginha em 1996. É baixo, bege, possui o
rosto meio triangular, duas elevações no crânio que parecem chifres e olhos bem
vermelhos. O terceiro possuía o corpo verde, com o queixo um pouco
salientado. Possui uma estatura normal e veste uma roupa azulada, com um
símbolo estranho em vermelho.
- Estes são os embaixadores locais das raças Mit´hrein, Dazzien e Tsuru. São as
únicas três raças alienígenas que convivem conosco nas colonias terrestres, de
Marte e Saturno. Os Mit´hrein são mensageiros universais da paz, são incubidos
de resolver conflitos entre raças. Os Dazzien são seres fisicamente fracos mas
dotados de uma grande inteligência e sabedoria. E por fim, os Tsurus já foram
uma raça traçoeira e guerreira, mas hoje está harmonizada conosco. Sua
característica especial é a transmutação, conseguem tomar a forma que quiserem
sem precisar de nenhum chip especial.
64
- Quando a humanidade começou a manter contato com esses seres? – perguntou
o historiador Nagar, visualmente muito excitado
- Desde os primórdios da pré-história eles nos visitam. Mas o primeiro encontro
oficial aconteceu em 1947, quando uma nave dos Jozzens, meio que parentes
dos Dazzien mas um pouco brancos e com olhos negros, se chocou com a Terra.
A partir daí a existência de seres extra-terrenos foi oficialmente mantida em
segredo até o ano de 2203, quando os Mit´hrein nos ajudaram a reimplantar a
camada de ozônio, que não mais existia.
- Mas e as religiões, o que acharam disto?
- Elas se acabaram em 2200, após a humanidade ter recebido provas de que o
Deus que todos veneravam é um ser não-consciente, melhor ainda, é
simplesmente um sentimento universal que une todos os povos, chamado
Amor.Depois vou lhe contar essa história direito. Agora, vamos comer, meus
amigos.
Os três alienígenas fizeram uma reverência para os onze na mesa e se
retiraram como em um passe de mágica. Percebi que alguns dos nossos colegas
comiam, outros estavam excitados demais e conversavam animadamente uns
com os outros, com certeza comentando as novidades que temos visto nesse
novo mundo. Eu agradeço por não poderem ler o meu pensamento. Senão
saberiam que a minha vontade de sair dessa “prisão” é enorme.
Uma noite eu cismei que gostaria de ver o céu e as estelas. Esperei todos
dormirem e fui caminhando devagar, bem rente às paredes para que ninguém me
visse. Entrei em uma sala com um quadro de Albert Einstein e um sofá
vermelho escuro. Continuei em frente e dei de cara com um banheiro. Sorri
comigo mesmo lembrando que as pessoas dessa época não usam mais privadas,
já que o chip permite a desintegração dos excrementos e da urina antes mesmo
que deixem o nosso corpo. Andei por cerca de meia-hora em linha reta. Saí
novamente no quarto com o quadro do Einstein. A estação deve ser circular,
pensei. Tomei um caminho alternativo, andei o máximo possível para a direita.
Estava de novo com Albert. Parei, sentei no sofá e pensei o que poderia estar
acontecendo.
De repente uma luz branca apareceu na minha frente. Era a repórter de
bochechas rosadas. Ela colocou o indicador na linda boca, fazendo um sinal de
65
silêncio. Segurou no meu braço e eu senti uma luz crescendo ao meu redor. Meu
estômago estava quase pulando para fora.
2.4 – Uma garota do futuro
Eu estava com enjoô. Demorei alguns segundos para entender que a garota
me teletransportou junto a ela. Estávamos em uma sala típica do século XX,
com os móveis intactos. Uma cortina enorme cobria a gigantesca janela. Um
prédio, pensei.
- Olá, Roberto Araújo. Desculpe o mau jeito. Meu nome é Anabella. Trouxe você
aqui para mostrar-lhe algo a mais do que você poderia ver no complexo 2541.
- Ah, tudo bem. Eu queria sair de lá de alguma maneira. Só não posso deixar que
sintam a minha falta.
- Pode ficar tranquilo quanto a isso. O que lhe disseram sobre o BioChip? –
perguntou Anabella, materializando um suco de limão na mão para me servir.
- Detalhes técnicos do seu funcionamento apenas. Além do teletransporte não vi
nenhum exemplo real de materialização, claro, tirando o seu suco que está uma
delícia.
Anabella sorriu e sentou-se ao meu lado.
- Quantos anos você acha que eu tenho? – perguntou, olhando fixamente nos
meus olhos. Senti até um arrepio
- Vinte e cinco?
- Dez.
Espirrei o suco a um metro de distância. Ainda bem que virei para um outro lado.
Me recuperei rapidamente.
- O quê? Mas você têm o corpo de uma completa adulta.
- Pois é. Isso é culpa de um dos efeitos colaterais do BioChip, envelhecimento
precoce. A nossa média de vida é de cinquenta anos.
66
- Mas como... você tendo dez anos de idade não pode ter a mesma estrutura
mental e emocional de uma pessoa de vinte e cinco.
- Estamos no futuro, não há mais escolas e nem necessidade de se trabalhar mais.
Todo o conhecimento necessário sobre todas as coisas é trazido pelo BioChip.
Com um mês de idade os seres de hoje já falam e andam normalmente. Outra
ocorrência colateral é o câncer cerebral. Em algumas pessoas o cérebro tenta
inconscientemente se livrar do Chip, fazendo com que cresça um tumor ao seu
redor.
- Isso é horrível. Quasir não se preocupa com esse problema?
- Quasir não consegue admitir que a tecnologia inventada pelo bisavô do seu
bisavô pode conter falhas. Mesmo se admitissem, com certeza ergueriam a
bandeira de “É melhor viver trinta anos em total paz e tranquilidade do que
padecer cem na podridão”
Me lembrei da função de monitoração de pensamentos do BioChip.
- Ei, você é uma das pessoas com o Chip modificado, não é? Só assim você
poderia estar falando isso sem que monitorem seus pensamentos.
- Já vi que devem ter falado mal sobre a rebelião a vocês. Eles tentam por debaixo
dos panos, acabar conosco enviando andróides de extermínio.
- Mas pelo que entendi não existem mais dispositivos bélicos.
- Vã engano, meu amigo. Com toda a tecnologia existente hoje, você acha que
não seria possível criar algo assim?
Anabella olhou para mim. Uma pistola 9mm apareceu e desapareceu da palma da
minha mão em um piscar de olhos.
- Com o BioChip padrão, quem fizesse isso teria seus movimentos paralisados.
Mas o nosso nos permite isso, pois opera com uma criptografia de um trilhão de
bits, o que significa que é praticamente impossívem monitorar o que pensamos.
A questão agora é, você acha que os chips dos governantes dos quadrantes,
como Quasir, também possuem limitações?
Fiz um movimento com a cabeça querendo dizer “sei lá, continue”.
67
- A versão do BioChip que eles usam é bem mais poderosa que a entregue à
população. Eles podem manipular a massa de seu corpo pelo próprio chip, sem
correr o perigo do teletransporte. Se eu me teletransportar para um local
querendo que minha pele se torne negra e meus olhos verdes, corro de dez a
quinze por cento o risco de ter meu material genético disperso pelo sistema.
Basicamente, morte instantânia. Já aconteceu diversas vezes, tanto que hoje
ninguém se arrisca a mudar sua aparência. Mas esse problema não existe para
nossos governantes. Você entenderá tudo logo, não se preocupe.
- Entenderei como? – comecei a ficar um pouco tonto - ... você colocou algo no
meu suco...
Senti um frio inigualável. Imagens de meu amigo Lucas, assim como de meus
tios e dos meus amigos que ficaram um milênio atrás de mim varriam a minha
cabeça. Tentei abrir meus olhos mas eles lacrimejavam demais e eu não
conseguia enxergar nada. Melhorou um pouco depois. Percebi que estava em
uma espécie de maca flutuante, com Anabella e mais três pessoas à minha volta.
Levantei de uma vez.
- O que vocês fizeram comigo? Por quê me deram remédio para dormir?
- Calma, explicaremos tudo. Primeiro, toque a sua nuca com a ponta dos seus
dedos e veja se sente alguma diferença.
Senti uma minúscula elevação na minha vértebra. Era o BioChip modificado,
modelo 089-BETA. Como eu sei disso??
- Creio que o próprio chip já deve ter lhe informado, meu amigo – tentou
tranquilizar-me Anabella, enquanto me ajudava a levantar.
- Por quê você me drogou? – avancei furiosamente em direção a ela, antes de ser
derrubado por um dos homens que estavam na pequena sala
- Desculpe, mas foi necessário. Agora posso lhe explicar melhor a dimensão das
coisas.
Em um simples movimento de dedo estávamos novamente na sala do apartamento
de Anabella e os brutamontes haviam sumido.
- Exijo explicações – esbravejei – se não é possível instalar o chip em pessoas
68
adultas e ele causa câncer, por quê colocou em mim?
- Tente entender: essa é uma versão modificado do chip original. Nós o
chamamos de Neo BioChip. Ele não possui todos os efeitos colaterais do outro,
e como disse anteriormente, não permite que nos localizem. O poder desse chip
também é maior que o outro, além de permitir que seja colocado em um adulto.
Mas você têm algumas vantagens que não possuímos – disse muito calmamente,
segurando a minha mão
- Que vantagens é essa?
- O nosso chip original não pode ser retirado, ou morreríamos. Nosso outro
BioChip é colocado próximo ao original na nossa nuca, anulando o efeito deste.
Assim, não podemos usar o poder do chip ao máximo, já que metade de suas
funções são apenas para anular o efeito do outro chip. Você não possui o
primeiro chip, pode utilizar a tecnologia ao máximo.
- E as outras?
- Isso não posso lhe revelar agora.
Levantei e comecei a andar em círculos pela sala. A repórter bonitinha ficou
sentada no sofá imóvel, apenas observando e esperando alguma resposta minha.
Mais calmo, resolvi experimentar o que essa pequena peça de silício na base do
meu crânio poderia fazer. Ordenei para que o apartamento fosse reformulado
para se parecer com a casa dos meus tios no século XX. Fechei bem os olhos e
pedi com força. Não escutei barulho algum. Abri os olhos e quase caí de costas
quando vi tudo exatamente como era. A estante, o velho sofá, os vasos de
plantas, tudo lá. E a televisão antiga que eles possuíam estava passando notícias
que eu já havia assistido quando morava lá.
Antes que eu pudesse pensar para que tudo voltasse ao normal, escutei um
latido e a voz de alguém. Meus olhos se esbugalharam quando vi minha tia
vindo na minha direção com o seu cachorrinho bobby, um poodle preto.
- Levantou cedo hoje, Robertinho. Vá tomar seu café que fiz a rosca que você
gosta. – disse, me abraçando.
- Ah....... tá, tia. Obrigado.
Enquanto isso Anabella estava no sofá me observando com um belo sorriso na
cara. Ordenei que tudo voltasse a ser o que era. Vi os móveis mudarem de lugar,
69
a estante desaparecer, os cômodos sumirem e a cor acizentada da casa
desaparecer. Tudo em menos de meio segundo. Sentei no sofá e respirei fundo.
- O ... que aconteceu?
- Simples, você pediu ao chip que transformasse o apartamento na casa de seus
tios, com todos os detalhes. Ora, sem seus tios e o cachorro não seria a casa dos
seus tios. O chip criou uma projeção holográfica deles utilizando a sua memória.
- Mas eu toquei a minha tia...
- Quando você encostou na holografia, o chip informou ao seu cérebro que ela era
sólida.
- Que impressionante... o que mais posso fazer com ele? – perguntei extasiado,
passando a mão na nuca para sentir novamente o chip
- Praticamente o que você quiser. As limitações são poucas. O mundo está à sua
disposição, agora. Só você pode nos ajudar contra os poderosos. Vá em frente.
A grande cortina do apartamento se abriu para dar lugar à vista. E que vista
incrível. Enormes residências flutuantes em forma de disco. Estruturas
gigantescas cobertas por redomas de vidro, algo como uma pequena cidade do
século XX, mas com uma fauna e flora incrível. Àrvores, lagos... tudo dentro de
um Arcologie, como são chamados. Olhei para baixo e não enxerguei nada.
Percebi que estávamos muito alto. De repente, cinco seres, quatro humanos e um
Mit´hrein, passaram voando sem nenhum tipo de equipamento.
- Eu... também posso? – indaguei sozinho
- Tente – Anabella respondeu, colocando a mão sobre meu ombro.
Com um pensamento meu, a enorme janela de vidro desapareceu e eu pulei
do apartamento. Era uma sensação maravilhosa, sentir o vento bater no meu
rosto a uma velocidade incrivel. Lembrei-me do gesto que antigo personagem de
história em quadrinhos fazia. Fechei o punho, levantei a minha mão para cima, e
ao mesmo tempo que pedia para meu corpo flutuar, disse:
- Para o alto e avante!
70
Eu estava voando!! Para onde eu quisesse. Dei piruetas, voei rapidamente em
direção a um arcologie e consegui parar no último instante. Fiquei horas e horas
dançando pelos céus. Esse sempre foi meu sonho de criança... poder voar... após
a empolgação inicial voltei para o apartamento de Anabella. Ao chegar, uma
mensagem começou a piscar em uma das paredes.
“ Volte para o centro antes que desconfiem que você saiu. É só você pensar que
deseja ser transportado para onde o seu pai está. Eu lhe procurarei depois. Tome
cuidado “
Logo depois, ela sumiu. Fechei os meus olhos e pensei com força em meu pai.
Senti um tapinha nas costas.
- Onde você estava?
- Ah, pai, que susto. Eu tinha... ido ao banheiro.
- Então você foi muito rápido... vi você dormindo poucos instantes atrás.
Um holograma. Bastante esperta aquela jornalista gatinha.
- Sim, já está na hora de começarmos por hoje?
- Claro. Vamos.
2.5 – A reflexão de Anabella
Meu nome é Anabella.Fiz o possível para alertar Roberto sobre parte do
problema. Ele não têm idéia do peso que cairá sobre suas costas e da difícil
decisão que terá logo em sua vida. Estou no quadrante X7613 com os membros
da resistência. Temos que discutir o que fazer antes que uma nova guerra
comece, o que parece inevitável.
- Reshmar, mais notícias?
- Sim, ó mestra. Os Arcanos e os Hundyos vão apoiar o nosso ataque.
- Isso é muito bom, mas espero que a força deles seja suficiente.
71
- Se o amor quiser. – respondeu Reshmar
O quadrante X7613 é muito bonito. Antigamente era chamado de Caribe. Aqui
fizemos nosso quartel general, já que nessa àrea o BioChip têm dificuldades de
detectar atividades suspeitas. Talvez pelas fortes ondas magnéticas geradas pelo
lugar. Estamos sentados ao ar livre, perto do mar. Comigo estão Reshmar, o
segundo comando dos rebeldes, Tayra, sua esposa, Jhunyr e Kyhtle.
- Alguma novidade, mestra Bella? – perguntou Tayra – você parece... distante
- Estou chateada por não ter podido contar toda a verdade ao predestinado.
- A hora certa chegará, minha ama. Logo ele saberá dos Sete, da Escuridão e
completará seu destino.
- Tomara, Jhunyr. Meu medo é do caminho que ele vai escolher .
- O chip o protegerá – completou Kyhtle, o mais velho de todos.
-
- Infelizmente o chip não pode protegê-lo dele mesmo. - exclamei
Mal acabei de falar, fomos pegos de surpresa por uma esquadrilha de
ciborgues. São robôs gigantescos, de tonalidade branca, feitos de um metal espacial
chamado adamantium. Devem ter cerca de dez metros de altura cada. Eu ouvi falar
deles em alguns arquivos históricos do BioChip. Foram usados em guerras entre os
anos 2400 e 2600, após disso foram destruídos. Bom, parece que nem todos.
Passaram a uns 500 metros sobre nós, e não nos avistaram. Estão se dirigindo para o
quadrante governado por Quasir. Finalmente começou. Que o amor nos proteja.
2.6 - O ataque dos sentinelas
Arrumei uma blusa com gola rolê. Não sou muito fã desse tipo de roupa mas
não quero que ninguém veja o chip em minha nuca. Estou jogando uma partida de
video-game com alguns amigos. Video-game é modo de dizer. Estamos em uma
sala especial, vivendo uma simulação em realidade virtual da era jurássica.
Acabamos de matar um velociraptor. Parece de verdade, estamos no cenário do
filme Jurassic Park. É noite, nosso jipe estragou e estamos tentando arrumá-lo.
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Estamos em uma pequena estrada com grades eletrificadas ao nosso redor. De
repente pequenos “terremotos repentinos”. Meu copo de àgua sobre o painel
começa a balançar.
- Xiiii... – pensei
- Vamos sair de dentro dos carros – Shirley enviou uma mensagem para todos
Saímos dos jipes. Olhei para baixo e vi uma gigantesca pata com três dedos. Fiquei
aterrorizado.
- Roberto, cuidado – Giovanni pulou em minha direção e me salvou da mordida
do tiranossauro Rex.
- Vamos, apontem suas armas para ele – gritou Ben Reilly, rolando pelo chão com
um boné do parque, meias longas de jogador de futebol, sapato baixo e um
macacão marrom com uma camiseta verde por baixo.
- Fogo ! – atirou Charles Nagar
Nossas armas não estavam sendo efetivas. Pegamos apenas algumas pistolas e rifles
de baixo alcance. Achamos que se as armas fossem muito poderosas não teria graça.
Apesar de ser apenas uma espécie de jogo, lembrei-me de ter abraçado minha tia e
realmente estou com medo desse bicho me morder. Será que eu me machuco igual
em Matrix? Por quê não perguntei isso antes? Mal acabei de pensar, uma linda
oriental surge de dentro da mata, ofegante.
- Estou vendo que cheguei bem na hora. – comentou docemente Nozomi, que
estava utilizando um traje com cores do exército, inclusive com uma boina
verde.
Quando vi o tamanho da arma na mão da japonesa me assustei. Parecia um lança
mísseis. Após puxar o gatilho, uma bola de energia verde foi lançada contra a pobre
simulação de dinossauro, fazendo Nozomi voar com a força do tiro. Fiquei cego por
um instante. Quando voltei a enxergar vi que havia sobrado apenas poeira do T-
Rex. Fui acudir a senhorita Hazuki..
- Que arma é essa??? – perguntei, observando a gigantesca peça de metal
- BFG 9000. Vocês nunca jogaram o jogo Doom na vida?
73
Começamos a soltar gargalhadas. Ajudei-a a se levantar e encerramos a simulação
com um comando de voz. Logo, a noite, os jipes, a estrada e as grades deram lugar
a uma sala muito luminosa, toda cinza. As roupas típicas do filme que estávamos
utilizando foram trocadas por um tecido cinza-luminoso. Nosso pequeno horário de
folga havia acabado. Voltamos para mais aulas teóricas e chatas sobre o
funcionamento do BioChip em cada àrea do conhecimento. Entramos na sala
principal, a mesma de quando fomos recepcionados, e percebi que todos estavam
eufóricos. Meu pai, Isaac e o os outros discutiam com alguns funcionários da
estação. Quasir estava imóvel, com uma expressão triste.
- O que aconteceu? – perguntei
Todos olharam para mim e depois se entreolharam. Quasir levantou e anunciou:
- Já estão aqui.
De repente, um enorme estrondo. O Tiranossauro não pode ser, já que terminamos a
demonstração. O teto começou a desmoronar. Pânico geral. Gritei para que Quasir
ou algum outro possuidor do BioChip nos transportassem dali. Para meu espanto,
eles não ouviram (ou não quiseram) e desapareceram.
- Venha, meu filho, vamos! – meu pai me puxou para sairmos da sala, antes que
um pedaço do teto me acertasse.
Começamos a correr por alguns corredores. Chegamos a uma sala que eu nunca
havia visto antes. Havia uma entrada e cinco ramificações.
- Vamos nos separar para dificultá-los ! - mandou Joshua, com um tom firme na
voz.
Nos separamos de dois a dois. Na primeira ramificação entraram Joshua Lebeau e
Breno Gonzales. Na segunda, Isaac Gnolo e Charles Nagar. Na terceira, Nozomi
Hazuki e Ben Reilly. Na quarta, Shirley Jane e Giovanni Pinelli. Na quinta e última
ramificação, eu e meu pai entramos correndo. Seguimos por um longo corredor e
escutamos um forte barulho vindo da esquerda. Tomara que nossos amigos estejam
bem. Nos escondemos em uma pequena sala para descansarmos.
- Ufa... não estou entendendo, o que significa isso? Não foi dito que não havia
dispositivos bélicos nesse época? – perguntou meu pai, visualmente triste e
aborrecido.
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- Esses robôs são chamados de sentinelas. Algum maluco do século XXVII deve
ter tirado esse idéia de alguma revista em quadrinhos. Foram utilizados para
caçar bandidos e foragidos durante dois séculos. Era simples, a sequência
genética do procurado era inserida na memória do robô e esse detectava essa
sequência em qualquer lugar do mundo. A versão que vimos no salão, é a versão
Nemesis. Pensou-se que ela nunca havia saido do papel. Vã engano nosso.
- Como você sabe disso tudo, meu filho?
Droga. Ele é meu pai mas... não posso contar sobre o chip.
- Eu pesquisei em um dos bancos de dados da estação. Você sabe como gosto de
estudar.
- Ah, sim. – estranhamente percebi um pingo de decepção nas atitudes de Jorge
Araújo
- Já deu para descansarmos. Vamos sair daqui, rápido.
Voltamos para o corredor e continuamos correndo muito durante alguns
minutos. A estação realmente é gigantesca. Depois de alguns minutos, vi no fim de
um corredor uma luz. Parecia ser a luz do sol. Segurei a mão do meu pai e corri
para lá. Quando cheguei, vi a cena mais aterradora de toda a minha vida. O teto
havia desabado, e cinco sentinelas gigantescos estavam na minha frente.
Todos de um cor espelhada, quase branca. O reflexo da luz do sol estava fazendo
meus olhos doerem. No chão, muito sangue. Todos os nossos companheiros de
viagem estavam lá, mortos. Vi que ainda faltavam dois, Nozomi e Ben. Os dois
estavam na mão de um dos robôs, sendo apertados. Quase sem fôlego, sussurraram
quando me viram.
- Por favor, nos ajude. Não queremos morrer.
Um arrepio subiu pela minha espinha e congelou minha alma. Comecei a sentir o
ódio dominando o meu ser. Que se dane poder ou não poder usar o novo BioChip.
Eu terei a minha vingança.Essas sucatas vão me pagar. A carnificina não ficará
impune.
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Tentei levitar alguns dos entulhos do chão para jogar nos robôs. Não
consegui levantar muitos, acho que não tenho treino suficiente para isso. Joguei os
poucos que levantei com toda a minha vontade contra o sentinela que segurava os
dois sobreviventes. Meu pai olhou espantado para mim. Os olhos do robô se
tornaram vermelhos ao olhar para mim.
- Bzzzz... Potencial ameaça ao mestre detectada... função primária... extermínio.
- Só sonhando ! – gritei, correndo para baixo do robô
Segurei meu velho, levitei rapidamente do chão e toquei a mão de Nozomi Hazuki e
Ben Reilly. Deixe-me ver se lembro. Pensar em alguém. Teletransportar.
Minha teoria estava correta. Consegui teletransportar os outros comigo ao tocar
neles. Estávamos salvos. Por ora.
Pelo que o chip me informou, estávamos na base rebelde. Antigo Caribe.
Ignorei a surpresa de Anabella à minha frente para ajudar meus amigos.
- Vocês estão bem?? Se machucaram muito? – murmurei, ainda chocado com a
cena
- E-Estamos bem, graças a você, meu amigo. – agradeceu Nozomi, segurando a
mão de Ben, a minha e levando-às ao rosto, que sangrava.
- Pai, e você, tudo b... – olhei para ele e tomei um susto. Estava vomitando uma
coisa branca, e sua pele possuía umas pequenas bolas azuis, como espinhas.
- Para trás! – berrou Anabella, retirando um pequeno objeto de dentro da roupa,
parecendo uma caneta.
Antes que eu pudesse fazer alguma coisa a repórter disparou impiedosamente um
feixe de laser contra meu pai, transformando-o em cinzas. Em menos de cinco
minutos era meu segundo ataque de fúria. Perdi a consciência.
- Nãããããããooo ! – gritei furiosamente, levitando telecineticamente Anabella e
jogando-a com força contra à parede. Antes que eu tentasse mais alguma coisa,
alguém me bateu com força na cabeça e eu desmaiei.
2.7 – Descendência Universal
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Eu estou começando a pensar que essa garota têm alguma implicação comigo. Já é a
segunda vez que ela me tira a consciência. Espero que da próxima seja de alguma
maneira mais agradável. Estava de volta no apartamento de Anabella. Me deitaram
em um dos sofás. No outro estavam a repórter, Ben e Nozomi, visualmente
esperando que eu acordasse.
- Por quê, Ana? – perguntei, sentando-me no sofá com dificuldade
- Fatos são melhores que palavras. Observe.
Uma imagem holográfica apareceu na sala. Uma espécie de prisão, mas as barras
não são de metal, são de alguma espécie de energia. O prisioneiro é... é... meu pai...
- O quê? O que significa isso? Exijo uma explicação! – gritei, com as duas mãos
sobre a boca, bastante perturbado
- Anabella nos explicou tudo, Roberto. Esse é o seu pai, não o que ela matou. –
disse Nozomi, tentando me acalmar.
- O ser que eu matei não era Jorge Araújo, e sim um tsuru se passando por ele.
- Um Tsuru? Aquela raça com homens e mulheres verdes que conseguem mudar a
sua forma?
- Certo. Você pegou o alien de surpresa ao se teletransportar. A estrutura física
desses seres não permite o teletransporte, eles começam a ficar doentes, com
manchas azuis sobre o corpo. Logo que vi, não perdi tempo.
- Mas então por que meu pai está preso? Acho que mereço uma explicação mais
completa aqui.
- Tudo bem, vou explicar tudo a vocês... – levantou-se Anabella e caminhou até a
janela
Por alguns segundos aquela linda mulher ficou parada, imóvel, até que virou-se e
disse:
- Roberto, você... é nossa única esperança.
77
- Você já me disse isso... eu posso usar o chip em sua totalidade e vocês não
- Não, não é por isso. Deixe-me contar desde o começo. A alguns milhões de anos
atrás, uma gigantesca guerra estava sendo travada. Se chamou “Guerra
Reptiliana”. Nela, algumas linhagens de extra-terrestres muito parecidas
fisicamente com nossos répteis atuais atacaram a federação galáctica, composta
por centenas de povos, entre eles os Yukkas e os Sheran, raças que se pareciam
muito fisicamente.Os Yukkas tinham poderes telepáticos e telecinéticos
incríveis, sem a necessidade de nenhum chip. E os Sheran, a capacidade de
interagir com o espaço, conseguindo viajar para qualquer lugar. É dito que
alguns poucos Sherans, muito desenvolvidos, eram também capazes de interagir
com o tempo, podendo viajar entre várias épocas e eras. O único lugar que essas
raças conviviam juntas era no planeta Koros, atual Terra. Quando o ataque dos
répteis começou, a federação não estava preparada para eles. Eles conseguem se
propagar muito rápido, e após uma sangrenta batalha, um enorme setor da via-
láctea ficou sobre o controle dessas criaturas. Inclusive a Terra.
- Ei... espere um pouco – interrompeu Ben Reilly – se os Yukkas tinham poderes
psíquicos por quê não dominaram as mentes dos reptéis?
- É... e por quê os Sheran não fugiram para algum lugar? – perguntei
- Os poderes telepáticos dos Yukkas não tinham efeito no escamoso corpo réptil.
E os Sheran têm um senso de responsabilidade muito grande, estiveram sempre
batalhando para ajudar outras raças atacadas. Não é do seu feitio simplesmente
fugir. Além do mais seus poderes apenas funcionavam graças à influência dos
Yukkas, não poderiam fazer nada longe. Isso se deveu a milhares de anos nos
quais essas raças conviveram juntas, o Yukka se tornou o Ying e o Sheran o
Yang. Um Sheran só consegue se teletransportar com um Yukka por perto, e
vice-versa. Após o quase extermínio da federação, e morte de bilhões de Yukkas
e Sherans, os répteis começaram a disseminar sua raça. Na Terra, agora
devastada, liberaram algumas formas de vida primitivas para que pudessem se
desenvolver em outros répteis.
- Epa... Não seria mais fácil eles simplesmente irem morar lá? – entusiasmou-se
Nozomi
- O clima da Terra não possibilitava a vida dos reptéis. Então, para evitar que
alguns poucos remanescentes da federação tomassem o planeta como base,
resolverem inseminá-lo para criar répteis resistentes à aquele ambiente. Essa
parte vocês conhecem... foram surgindo e evoluindo vários seres, até se
tornarem répteis gigantescos, como os dinossauros. O que vocês não sabem é
que o lado derrotado tinha um plano. Utilizando engenharia genética, os
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pouquíssimos Yukkas exilados criaram milhões de pequenos seres, cada um
deles com uma pequena porção do código genético dos Yukkas e dos Sherans.
Muitos repetidos. E foram enviando-os escondidos em pequenos asteróides. A
grande maioria morreu no caminho ou na queda.
Mas alguns conseguiram chegar. Aos poucos, tornaram-se mamíferos e
foram caçados pelos dinossauros. Até que algo inesperado aconteceu: um
meteoro chocou-se com a Terra, exterminando os dinossauros e grande parte dos
répteis. Os mamíferos conseguiram sobreviver pelo seu tamanho e pela
consequente facilidade de se esconderem em cavernas. Como alguns reptéis
sobreviveram, não houve preocupação em re-inseminar o planeta, acreditando-se
que os mamíferos não sobreviveriam aos répteis. Assim, aos poucos os
mamíferos foram se desenvolvendo, até chegar aos humanos, que são uma
mistura dos seres Yukkas e Sherans.
- Isso é muito interessante... mas por quê os reptéis extra-terrestres deixaram
chegar a esse ponto? Digo... por quê deixaram a humanidade evoluir?
- Durante esse tempo a federação conseguiu se reerguer e destruir quase
completamente o movimento réptil. Comandadas pelos Sheran, os Dazzien, os
Valuans, os Hurnians e dezenas de raças da federação fizeram um cerco aos
poucos répteis sobreviventes, prendendo-os no nosso sistema solar. Eles se
esconderam em Marte, Júpiter e Saturno.
Levantei-me do sofá. Comecei a ficar nervoso.
- Vá logo ao assunto, pare de enrolar! – ordenei a Anabella, em um tom enérgico.
- Acalme-se, meu amigo – Nozomi me puxou novamente para o sofá – vamos
acabar de ouvir o que ela têm a dizer. Ana, se o que você diz é verdade, por quê
eles não tomaram a Terra?
- Eles tentaram. Mas a federação agiu antes. Essa característica genética Yukka-
Sheran dos humanos terrestres possibilitou que eles tivessem alguns dos poderes
dessas raças, de forma inconsciente e muito fraca. E para utilizá-los, teriam de
concentrar-se bastante nas energias positivas que regem o universo. Assim,
enquanto os inimigos eram derrotados, a federação fez um trabalho de
“mistificação” na Terra. Renomeou o Amor de Deus, deu a ele uma consciência
e criou uma cultura de adoração. Assim, quando os humanos oravam e rezavam,
mesmo que fosse para deuses diferentes, animais ou astros, um campo de força
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psíquico era criado em volta da terra, de modo que nenhum réptil conseguiria
entrar ou sair. Isso diminuiu o nosso problema apenas aos Tsurus que já estavam
aqui. Mas nas últimas centenas de anos essa barreira foi ficando mais fraca e eu
acredito que mais devem tem passado por ela.
- Claro, por isso a bíblia cita que uma cobra foi responsável pelo fim do paraíso
para os humanos. – raciocinou Ben – Acabou?
- Quase. Os Sherans continuaram a nos visitar, já que os Yukkas foram
destruídos. O campo psíquico não é problema para eles, já que são nossos
“pais”. Mas aos poucos, com alguns momentâneos enfraquecimentos da barreira
causados por energias negativas como guerras e chacinas, alguns pouquíssimos
reptéis da raça tsuru conseguiram ingressar na Terra. Como são transmorfos,
conseguiram se passar por humanos sem serem detectados. Assim, os Tsurus
instigaram através dos tempos mais e mais guerras para que mais remanescentes
pudessem penetrar no planeta. Algumas civilizações promissoras foram
arruinados pelo seu comando, assim como os Incas, Maias e Astecas. Só se
descobriu a presença dos reptéis na terra, quando em 1947 uma nave Dazzien
caiu em Rosswell. Os Dazzien têm o poder de enxergar através da transmutação.
Antes de ser morto por alguns soldados tsurus “disfarçados”, um dos dois
integrantes da nave enviou uma mensagem para a federação avisando do
problema.
- É tudo muito confuso – disse – por quê a federação não interveio, se ela sabia?
- Se um ataque direto fosse feito, a única herança genética dos Yukkas em todo o
universo seria perdida. A federação nada podia fazer, a não ser esperar que os
tsurus cometessem um erro.
- Isso faz sentido... por isso que muitas vezes pessoas alegavam ver extra-
terrestres parecidos com reptéis. Eram os tsurus. Malditos. Eu imagino que além
de controlar os governos e não deixar nenhuma informação sobre aliens vazar,
esses reptéis faziam com que os humanos nada percebessem satirizando a si
próprios. Filmes como “Homens de Preto” faziam com que os humanos vissem
os extra-terrestres como seres engraçados, e pior, fictícios... – sacou Ben Reilly
– Eu até me lembro de uma revista em quadrinhos sobre super-heróis que havia
uma raça inimiga chamada Tsuru... só nunca imaginei que fosse verdade.
- É verdade. Os reptéis estão com a posse de nosso planeta. Mas o problema
maior não é esse. De alguma maneira estão usando nosso planeta como “porta”
para a chegada de uma raça superior de reptéis, muito mais fortes e praticamente
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invencíveis, os Shadows. Eles conseguem mesclar-se com as sombras e matar
seres vivos apenas tocando neles. Nossa organização foi criada há trezentos
anos, quando conseguimos obter esses dados de uma nave Tsuru descoberta
enterrada nesse quadrante em que estamos. Desde então contactamos a
federação e estamos tentando descobrir mais sobre essa porta. Achamos que
deve ser uma ligação com um universo paralelo ao nosso, mas como existem
bilhões de quadrilhões de universos, ainda não conseguimos descobrir qual deles
é. Quasir é humano sim, mas trabalha para os Sete.
- Os Sete? Quem são esses? – perguntei, fazendo um suco de uva materializar-se
na minha mão... estou melhorando no uso desse chip... só faltou o açúcar
- Os Sete são tsurus extremamente poderosos, física e mentalmente. É como
comparar a rainha de uma colméia de abelhas com os operários. Eles vivem
cerca de mil anos a mais do que os tsurus comuns e têm poderes telepáticos. São
os responsáveis pelo projeto de trazer os Shadows para o nosso universo.
- Está escuro aqui – estalei os dedos e fiz com que virtualmente estivéssemos
sentados em pedras na frente de uma imensa praia.
- Parabéns, Roberto, estou vendo que está dominando rapidamente as funções do
novo BioChip. – sorriu Anabella. Como ela é linda!
- Ainda não entendi algo. Por quê só eu posso fazer algo contra eles?
- Simples. Após milhões de anos, você é o único ser vivo que possui a
combinação genética completa dos Yukkas e dos Sherans. Os humanos comuns
possuem apenas parte desses genes, sejam Sheran ou Yukka. Mas apenas você
possui o poder das duas raças!
Não sei se eu arregalei mais os olhos do que Ben ou Nozomi, mas cheguei perto.
Assustei muito com essa declaração.
- Quer dizer... que posso ler a mente das pessoas e me teletransportar?
- Sim ! E como você possui os genes das duas raças, não precisa de nenhum outro
ser vivo para canalizar o seu poder. Poderá usá-lo como ninguém usou antes...
talvez, só talvez pois é uma chance muito remota, você poderá se utilizar dos
poderes de viagem no tempo que os Sherans mais desenvolvidos possuíam.
- Mas como descobriram que eu sou essa mistura?
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- Tinhamos informações, mas ainda não sabíamos ao certo. Fizemos o teste do
Chip para ter certeza. Eu menti para você. Seu BioChip é mais poderoso que o
normal sim, mas se fosse implantado em uma pessoa normal e adulta, ela
morreria na hora. Você não. Seus poderes adormecidos conseguiram adaptar o
chip ao seu cérebro. Fizemos uma experiência.
Senti minha alma congeler por um momento.Com um movimento brusco, levantei e
chutei com toda a minha força a mesa à minha frente. Tentava me acalmar mas era
difícil.
- Vocês me usaram de cobaia? E seu eu tivesse morrido? Como quer que confie em
você ?!
2.8 - O treinamento
Anabella se assustou com meu grito. Ben veio tentar me segurar mas com um
movimento brusco joguei-o no chão. Estava em fúria.
- O que estão pensando que eu sou? Um cachorrinho? Como ousaram me usar?!
Como seu eu fosse um... um rato de laboratório!!!
- Acalme-se , ó Escolhido - falou calmamente Anabella, em uma voz doce e
tranqüila - nós tínhamos certeza de que você era a pessoa certa. Quando levei-o ao
meu apartamento, tratei de analizar seu espectro. É o que os antigos místicos
chamavam de Aura. Os Yukkas possuiam uma aura azul e os Sheran, uma vermelha.
Água e Fogo, dois opostos. O seu espectro possui as duas cores.
- Está bem... - sentei-me, já mais calmo - a essa altura do campeonato não adianta
mais ficarmos brigando. Apenas me diga: o que devo fazer para salvar meu pai??
Anabella levantou-se, levou suas mãos à cabeça e depois ao chão, em um
movimento circular. Uma imagem holográfica foi criada. Nela, sete pontos de luz
apareciam fazendo uma espécie de círculo bizarro. Cada luz tinha uma cor diferente.
Preto, verde, azul, roxo, vermelho, amarelo e branco.Ana afastou o zoom da imagem
e revelou o mapa do mundo. Os pontos estavam espalhados pelos continentes do
planeta, e toda a sua luz convergia em um ponto apenas... no meio do oceano
atlântico.
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- Cada ponto representa a fonte de poder de um dos Sete. Se pudermos anular essas
fontes os Shadows não poderão ser trazidos para o nosso mundo. Mas existe um
problema...
- Deixe-me adivinhar - apressou-se Nozomi - somos poucos demais e eles muito
fortes. Seria impossível destruírmos os sete pontos.
- Exatamente - desanimou Anabella - teríamos que escolher um dos pontos,
enfraquecer sua energia e torcer para que os outros seis não sejam suficientes.
Mesmo assim teremos que nos preparar bastante. Creio que tentarão trazer os
Shadows na época do próximo eclipse solar, o que ocorrerá daqui a dois meses.
Ainda temos algum tempo...
- Tempo ?? Tempo?? Vamos logo acabar com isso para que eu possa libertar meu
pai !!!
- É uma pena... ter herdado apenas o poder das duas raças sagradas... um pouco de
sabedoria antiga também lhe faria muito bem - intrometeu-se Kyhtle , que até o
momento apenas olhava curioso e atendia as necessidades, um "quase-mordomo"
exemplar.
Todos riram. Morri de vergonha.
- Calma Roberto... vamos aproveitar esse tempo para tentarmos desenvolver um
pouco seu poder adormecido. Ele será necessário na hora da batalha. Descansem
todos agora. Amanhã começaremos o treinamento.
Na manhã seguinte,fomos para um rochedo enorme, no ponto mais alto da ilha.
Lanchamos criando um picnic improvisado. Enquanto nos preparávamos para o
misterioso treinamento, Anabella pulou em cima de mim. Caimos e nos sujamos de
terra. Ela havia criado para si uma camiseta branca e calça jeans, que se sujaram
completamente.
- O que foi isso? Está ficando louca?? - disse indignado
- Aproveite da situação, cara. - brincou maliciosamente Ben Reilly. Nozomi
devolveu para ele uma risadinha de desprezo.
-Tente ler meu pensamento. - ordenou Anabella, séria. Concentre-se.
- Tentar fazer o quê? Não sei como fazer isso!! - exclamei
- Apenas tente - ordenou , segurando meu rosto contra o seu, testa à testa.
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Concentrei-me por alguns minutos e tentei visualizar a mente de Anabella. Nada.
Não conseguia me desviar do ódio, da raiva e da visão de meu pai naquela maldita
prisão. Nos levantamos e ela limpou sua roupa em um piscar de olhos. Também
limpei a minha.
Tentamos algumas outras vezes naquele dia, sempre com meus amigos tentando me
acalmar.
Com o passar dos dias fui me acostumando às novidades e conseguindo me acalmar
mais. Consegui ler algumas palavras da mente das pessoas que estavam ao meu
redor. Logo escutava todos os pensamentos como se fossem sons. Entendi que meu
cérebro conseguia transformar as ondas captadas em sons para meu aparelho
auditivo. Era divertido ouvir os pensamento.
- Ai... será que o Roberto consegue mesmo ouvir... e se... Ben... ah, ele nunca ia
imaginar algo assim... - pensava distraidamente Nozomi
- Como essa Anabella é bonita... ela me lembra alguém... - raciocinava Ben Reilly
- .................................
- Engraçado. Não consegui captar seus pensamentos, Ana. Isso é por causa do chip?
- Não. Apenas um antigo exercício chinês utilizado nas artes marciais. Deixar a
mente limpa.
Já haviam se passado três semanas. Eu comecei a treinar meus poderes telecinéticos.
Conseguia mover objetos com o poder da minha mente. Pelo que me explicaram, ao
contrário das pessoas que usavam o BioChip comum, eu não teria limite de peso,
desde que minha mente estivesse bem treinada. Isso porque eu possuía os poderes
telecinéticos dos Yukkas, ainda que latentes.
- Posso levitar uma montanha então?
- Talvez... com alguns anos de treino.
- Anos? Quantos?
- 10 ou 12 – respondeu Anabella
- Ahnn... - suspirei, entristecido...
Uma noite, enquanto todos dormiam eu observava as estrelas. Nunca havia pensado
nelas como agora. Há tantas coisas que não entendo... como por exemplo: como
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posso ter o poder de viajar no tempo e espaço, herança extraterrestre, e não poder
usar essa dádiva para voltar no tempo e impedir que as coisas ruins aconteçam?
Anabella diz que isso é ruim, pode deteriorar o fluxo do tempo e levar até a
destruição do universo. Mas e se eu fizesse tudo certinho? Meus pensamentos foram
interrompidos por uma mão segurando a minha. Suspirei de felicidade e disse:
- Ana... Nozomi? O que está fazendo aqui? - perguntei surpreso
Nozomi estava com uma fisiologia estranha. Havia algo de errado nela. Estava
visualmente assustada. Vestia uma blusa de lã branca e uma saia xadrez vermelha.
Seus olhos estavam inchados. Um pesadelo talvez?
- Roberto... venha comigo, preciso lhe mostrar algo importante... Anabella... não é
quem imaginamos.
Estarrecedora. Essa era a cena que eu via na minha frente. Nozomi estava quase
petrificada de medo. Ela não poderia estar fingindo, estava até tremendo. Alguma
coisa muito ruim estava acontecendo.
- Calma Nozomi... calma... me conte direito o que aconteceu...
- Ontem, eu... gasp... ia pedir um conselho para Anabella... procurei-a dentro da casa
e nada. Todos já dormiam. Ouvi então um barulho na porta. Corri para a janela e vi
Ana chegando. Ela estava ... diferente... com um brilho estranho nos olhos. Apaguei
a luz e me escondi perto da janela. Vi quando ela saiu novamente.
- Para onde ela foi ??? – perguntei
- Em direção ao antigo celeiro, aquele que fica a um quilômetro da casa. Eu a segui
muito despistadamente. Me escondi atrás de algumas àrvores. Então vi ela bater três
na porta da celeiro e alguém sair lá de dentro! Depois os dois conversaram por
alguns minutos e ela voltou.
- Alguém... quem???
- Qua.. Qua.. Quasir !!
- O QUÊ?????????????????????? - exclamei em voz alta
- Fale baixo, Roberto... - sussurrou Nozomi, tapando minha boca - podem nos ouvir.
- Será que estamos sendo feitos de idiotas? Tenho que descobrir.
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- Concordo. Acho que nos próximos dias devemos observar cautelosamente
observar os passos de An... o que você está fazendo??
Utilizando o chip, modifiquei meu corpo e deixei-o exatamente igual ao de
Anabella. Nozomi deu um pulo de susto.
- Ahhhhh, um tsuru !!! - gritou a japonesa
- Shhhh fique quieta. Sou eu mesmo, Roberto - disse, com uma voz feminina - meu
chip me permite realizar esse tipo de coisa, mas só posso ficar transformado por
alguns minutos. Deve ser mais do que suficiente. Vamos.
Corremos até o celeiro. Nozomi se escondeu atrás de uma àrvore e eu bati três vezes
na porta. Lentamente ela se abriu e ...
- Agente Bella, esqueceu alguma coisa?
- Ahn... está tudo bem... é que eu esqueci de dizer boa noite... – respondi
- Algo errado ? Você está... diferente...
Argh... li os pensamentos dele e percebi que olhava para minhas pernas...
- Não... está tudo perfeito.
- Que bom. Mantenha-o assim por mais alguns ciclos. Ele não pode desconfiar de
nada.
- Manterei.
Após a conversa, Quasir entrou no celeiro novamente. Eu não entendo... se Anabella
não está do nosso lado, por quê me ajudou da primeira vez? Por quê está me
ajudando agora a desenvolver meus poderes? Isso não faz sentido. Só existe um jeito
de saber...
No dia seguinte tentei em vão ler os pensamentos de Anabella. Ela sempre
estava concentrada, séria. Ela deve estar criando uma espécie de barreira. Tenho que
encontrar um jeito de baixar essa sua guarda... e acho que sei como.
- Ana, chega aqui um pouco... - pedi, sentado na ponta do rochedo. O sol estava se
pondo e dava para ver uma grande parte da ilha.
- Estou escutando, ò Escolhido.
- Pare de me chamar assim, só Roberto está bom. Sente-se aqui do meu lado.
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Anabella sentou-se. Nesses últimos dias estavamos praticando apenas eu e ela. Os
outros ficavam no nosso "quartel", a casa colonial. Então não tive problemas com a
privacidade.
Antes que ela dissesse algo, passei meu braço por ela, abraçando-a e dando-lhe um
beijo.
Segui fazendo várias carícias sem parar um segundo e sem deixá-la falar nada. Sua
boca soltava gemidos e isso fez com que sua guarda baixasse por alguns momentos.
Tempo suficiente para ler seus pensamentos!
"Não posso... ele... têm que morrer"
Soltei um grito e larguei-a.
- O que aconteceu? - a traidora me perguntou com a cara mais santa do mundo,
arrumando seu sutiã.
Usando meus poderes telecinéticos, arranquei do chão a cerca que ficava ao redor da
casa e em um instante usei-a para enrolar Anabella em uma espécie de casulo,
deixando só a cabeça para fora.
- Eu ouvi seu pensamento sobre minha morte. Eu sei de Quasir no celeiro e de suas
saídas à noite. Me diga toda a verdade agora e eu lhe pouparei. Ou posso continuar
apertando a cerca até estraçalhar todos os seus ossos. A escolha é sua.
- Não... não... não posso contar... eu... não posso... não vou contar!!!!! - gritava
Anabella soluçando
- Acho que tenho uma proposta melhor para lhe fazer.
Levitei uma rocha gigantesca e fiz com que ela parasse no ar poucos metros acima
da mulher.
- Ou me conta toda a verdade sem enrolar, ou vai virar pasta. Se tentar me deter com
seu chip inferior , a pedrá lhe esmagará. Portanto, fale !!
- Não... você... já está começando a ... Está bem... eu falo. Agora me solte.
- Não solto enquanto não falar.
- Está bem... Deixe-me explicar. O tempo não é uma dimensão unilateral. Apesar
das épocas passarem para nós, elas continuam existindo para outros que ainda as
passarão... e virão novamente outros... o tempo é como uma fábrica: apesar de um
produto ter passado pelas fases de testagem e empacotamento, e nunca poder voltar
87
para elas, sempre haverá outros produtos passando nesses fases. Resumindo: o nossa
época atual é presente para nós mas passado para outros. Sabemos exatamente o que
vai acontecer.
- Sabem? Mas se sabem o que vai acontecer, por quê não me avisou antes para que
eu pudesse impedir que meu pai fosse preso e meus amigos mortos?? Fala!
- Eu não podia ... - disse Ana chorando - seria alterações demais no fluxo do tempo.
Eles estavam destinados a morreu. Isso já aconteceu. A única alteração que podemos
fazer é eliminar o responsável por trazer os Shadows a esse mundo e comandá-los
para um mundo de caos e destruição. Esse sim é um risco que vale a pena.
Joguei a pedra para o lado e ela fez um barulho muito alto. Libertei Anabella, que
caiu agachada, ainda com as mãos no rosto e chorando muito.
- Por quê não me disse antes? Então você previu que eu vou morrer ajudando
vocês a combater os Sete?
- Não Roberto. Você é o líder que destruirá a todos nós...
2.9 – A revelação
O grito daquela mulher me acertou como um golpe de espada. Como assim eu sou o
líder que causará a destruição? Isso... é ridículo... provavelmente é uma mentira. Ou
não? Estou com medo de saber a verdade. Ajudei Anabella a se levantar.
- Me desculpe Bella... fiquei nervoso. Como assim... eu ...?
- Como lhe expliquei anteriormente, você é o único ser que possui o poder
combinado dos Yukkas e Sherans. Mas o termo “único” é variável se
observarmos a linha de tempo. Nesse exato momento existem Robertos
nascendo, crescendo e envelhecendo. O que passou da sua vida e o que você virá
a viver muitos outros seres estão vivendo agora. E todos eles são você. Um
desses seres vai ser corrompido por fortuna e poder daqui a exatamente mil
anos.
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- Daqui a mil anos? Como isso é possível?
- Esse outro “você” chegou nessa época e viajou mais mil anos para o futuro
utilizando o FreezeCon. Quando ele esteve aqui não existiam os problemas que
você está passando hoje. Isso significa que mesmo estando daqui a mil anos,
esse Roberto comanda exércitos de tsurus e humanos maléficos, usando-os para
que ninguém consiga alcançar sua época e impedí-lo.
- Espere aí... você quer dizer que eu, daqui a mil anos quero matar a mim mesmo
agora? Isso é ridículo.
- A você mesmo e a todos os outros que utilizarem o FreezeCon. Entenda, ao
contrário da concepção tradicional de viagens no tempo, se você for destruído
ele vai continuar existindo.
- Isso é muito pra minha cabeça... como aqueles Sete, os tais Shadows... como
tudo se encaixa nisso?
- A melhor época para tentar invocar os Shadows de outra dimensão é agora. Se
seu outro deixasse para invocá-los daqui a mil anos, daria tempo para que nós e
a confederação nos armássemos para a guerra. Com um milênio de preparação,
os Shadows não durariam muito em nossas mãos. Tudo que sabemos é que
NightShadow, o codinome de seu outro, enviou os sete de sua época futura. Não
temos idéia do que foi que aconteceu com ele, como foi seduzido, que tipo de
tecnologia usou para a viagem no tempo ou como conheceu os Tsurus. A única
coisa que sabemos com certeza é que...
- O quê???
- Ele consegue exercer uma espécie de controle mental passivo em seu próprio
passado. Sempre que um Roberto alcança essa época, ele começa a se tornar
agressivo até
ter um colapso nervoso e morrer. Até hoje, você só perdeu essa guerra contra
você mesmo. Mas existe uma chance... mesmo que milhões de vidas suas já
tenham sido perdidas. Apesar de você e todos os outros Robertos terem o
mesmo DNA, em um nível sub-molecular você é o único a se igualar a
NightShadow. É a primeira vez desde a chegada dele que outra cópia possui a
herança completa Sheran-Yukka. Por isso só você consegue enfrentá-lo.
- Ei pessoal... o que estão fazendo aí – gritou Ben, que chegava junto com
Nozomi.
89
Nozomi ainda estava assustada pelo que aconteceu na noite anterior. Acalmei-a.
- Tudo bem Nozomi, Anabella não é nossa inimiga. – disse
- Mas e Quasir? – perguntou a japonesinha
- Aquele não é o Quasir que vocês conheceram .– explicou Anabella – É seu
irmão gêmeo, Quasar. Ele faz parte da resistência.
- Ahhh... isso explica tudo ... – brincou Ben
- Ana, vamos continuar com os exercícios telepáticos. Depois terminamos nossa
conversa.
Às sete horas da noite, nos reunimos na sala de reunião da casa colonial.
Anabella, eu, Quasar, Nozomi, Ben e vários membros da resistência. Quasar
abriu a sessão.
- Meus amigos, sejam bem vindos. Suas preces foram atendidas. Aqui está o
nosso salvador. O escolhido. O único a possuir não só a aparência, mas poderes
iguais ao da escuridão...
- Escuridão !? – perguntei baixinho para Anabella
- É como conhecem NightShadow. – Anabella respondeu
- Nós sabemos disso Quasar. Mas como podemos confiar em nosso próprio
inimigo?
- Ele se parece com nosso inimigo, possui os mesmos poderes... como confiar em
tal ser vil?
O tumulto tomou conta da reunião. Levantei-me e disse em voz alta:
- Chega !!
- Viste? E ainda por cima age como a Escuridão. Como saberemos que a sua
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mente também não vai ser tomada pelo outro? Se ele for corrompido pela
maldade, serão dois seres poderosos contra todos nós.
Fiquei sem graça. Resolvi sentar e ficar quieto. Alguém se levantou e colocando as
mãos na mesa, disse:
- O chip e sua herança genética podem protegê-lo da influência de NightShadow.
Isso significa que as atitudes enérgicas tomadas por ele ultimamente são
realmente suas. Totalmente explicável devido ao choque de ver seus amigos
morrerem e seu pai ser sequestrado. Qualquer outro ser humano perderia a
cabeça – interrompeu Anabella
Discussões paralelas pipocavam por toda a sala. Quasar interrompeu.
- Meus amigos, isso é inútil. Temos que nos focar no que é realmente importante
para a nossa sobrevivência. Deter o mal. De acordo com nossos estudos, temos
apenas mais um mês para o próximo eclipse solar. Quando a total escuridão
varrer o nosso planeta, os Shadows chegarão até nós por outra dimensão e
perderemos essa guerra. Temos que evitar que isso aconteça.
- Mas como podemos fazer isso? – indagou Nozomi
- Temos um plano arriscado. Iremos para o tudo ou nada. Vamos constituir duas
equipes: uma se dirigirá para um dos sete santuários localizado no antigo Brasil.
Cremos ser o santuário do réptil mais fraco dos Sete e também é menos bem
guardado que os outros. Faremos um ataque total, rápido e devastador com todas
as nossas forças. Teremos que destruir todo o equipamento antes que os
sentinelas cheguem, em um prazo de no máximo uma hora. Nosso ataque será
daqui a três semanas.
- Só uma hora? Isso é muito pouco... – exclamei
- Sim, mas é aí que você irá nos ajudar. Roberto, você, Nozomi Hazuki e Ben
Reilly utilizarão novamente o FreezeCon para alcançar a época de NightShadow
e detê-lo. Farão mais uma viagem de mil anos. Sua missão é deter o inimigo,
descobrir como funciona a tecnologia de viagem no tempo e voltar para nos
ajudar. Se você falhar, todos morremos, inclusive seu pai.
Levantei-me , andei de um lado para o outro pensando sem parar. Disse:
- Esperem aí. Primeiro problema: o meu BioChip não funcionará daqui a mil
91
anos. Como posso ter chance sem ele? Vocês mesmo disseram que é ele que me
protege da influência do meu “eu” maligno. Outra coisa, o FreezeCon está na
fortaleza de Quasir. Mesmo que pudéssemos invadí-la, seria impossível tirar
aquilo de lá. E como vou me ausentar por mais mil anos? Assim vocês vão
perder a guerra... como irei voltar?
Anabella sentou-se ao meu lado. Seu rosto havia tomado um ar angelical. Olhava
direta e profundamente nos meus olhos, acalmando-me.
- Não se preocupe, Roberto. Tudo ficará bem. Seu chip resistirá, apesar de não
mais poder utilizar suas funções devido à falta de BioSensors no futuro ele
continuará lhe protegendo do controle mental. E com nosso treinamento você já
desenvolveu alguns de seus poderes herdados. Tenho certeza que o efeito de um
confronto com um sósia seu libertará o resto de seus poderes latentes, assim
você terá a capacidade de viajar pelo tempo e poderá voltar a esse século. E
quanto ao FreezeCon, acha que o que você veio foi o único a chegar nessa
época?
Fomos todos para o lado oeste da ilha. Nos posicionamos sobre um gigantesco
círculo desenhado sobre a terra fofa. Um coral de vozes disse:
- Kai Chai
A terra começou a tremer. O círculo em que estávamos começou a descer,
revelando uma estrutura metálica interna da ilha. Ao parar, uma esteira nos
levava para o fim de um gigantesco corredor. O lugar é tão grande que não
conseguíamos nem ver o teto.
- Que lugar é esse, afinal? – perguntei
- É nossa base real. Ou você achava que uma resistência que se preze teria apenas
uma casa de campo?
Rimos daquilo. Não é que Quasar tinha senso de humor? Chegamos a uma porta
gigantesca. Parecia ter uns 50 metros de altura. Quasar e Anabella se
posicionaram um de cada lado da porta, colocaram seus olhos em um sensor e
uma voz robótica exclamou:
- Bzzzz – General Anabella – Mestre Quasar ... Permissão concedida.
General?? Pensei comigo... a porta se abria lentamente. Fazia um barulho
estrondoso. De repente enxergamos a sala. Era absolutamente enorme. Parecia
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extender-se por um quarto da ilha. Fiquei mais impressionado ainda vendo o que
existia dentro daquela sala. Dezenas de FreezeCons. Alguns parecidos com o
que eu usei, outros completamente diferentes.
- Aí está... FreezeCons de vários seres que chegaram até aqui. Sei que vocês
devem estar se perguntando por quê uns são diferentes dos outros. Como
Anabella explicou, nosso passado e futuro não é uma época remota. Para outros
seres essa época é o “agora”. Acontece que não é por você ter feito alguma coisa
no seu passado, que seu outro “eu” também o fará. É o que chamamos de tempo
alternativo. São passados alternativos que podem levar a futuros alternativos.
Por isso, a cada passado nossos antepassados criaram freezecons de maneiras
diferentes, uns com uma melhor tecnologia, outros bem precários e grande parte
dos nossos passados não existiu um FreezeCon.
- Não estou entendendo... eu vivia vendo esse tipo de coisa em filmes como De
Volta para o Futuro, mas... – resmungou Ben - um passado alternativo não leva
a um futuro alternativo? Cada um desses FreezeCons não deveria ter seu próprio
futuro? É o que chamamos na ficção científica de realidades alternativas...
- Ou universos alternativos... – pensei em voz alta...
- Exatamente... você chegou onde queremos. Por quê tudo isso está aqui? Que
universo alternativo é esse que dele chegarão os Shadows? Eu creio que
imagens são melhores que palavras. Por favor, Roberto... leia minha mente e
contemple a verdade.
Me concentrei na mente de Anabella. Dessa vez não existia nenhuma
resistência. Enxerguei momentos do passado dela, o sofrimento da perda de entes
queridos, os primeiros contatos da federação com ela... sua vida inteira. Agora
entendo tudo.
- Me desculpe por desconfiar de você, Bella. Vou explicar aos nossos amigos o
que está acontecendo. Realmente como Ben Reilly disse, existem várias
dimensões temporais. Muitos “tempos” passados e muitos “tempos” futuros.
Mas por quê então NightShadow escolheu essa época? Simples... o século em
que nos encontramos é o único período em que todas as realidades se
encontram. O modo mais simples de explicar é imaginando um X. As realidades
passadas vão se condensando em um único ponto. A partir daí elas começam a
se expandir novamente. Isso significa que...
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- Qualquer alteração brusca nessa época, como uma guerra sanguinária, pode
levar à destruição de todos os futuros existentes. Bilhões e bilhões de pessoas
morrerão no “vazio do tempo”. – completou Quasar
Anabella olhava fixamente para um dos FreezeCons. Passava a mão nele como se
estivesse tentando se lembrar de alguém. Alguém que eu vi na sua mente. Mas não
é hora de tratar desses assuntos. Pedi à jornalista, repórter, general, rebelde que
terminasse a explicação.
- Descobrimos que NightShadow e seu exército tsuru só existem em uma
dimensão futura. Temos as coordenadas dela. Isso significa que destruindo o
inimigo... acabou. O tempo não correrá mais riscos. Por isso prepararemos três
FreezeCons. Roberto, Ben e Nozomi irão em um e nosso pessoal de apoio nos
outros. Vocês partirão daqui a dois dias.
Treinei arduamente meus poderes mais um pouco. Passados dois dias, novamente eu
estava entrando no FreezeCon. Mas dessa vez com muito medo do que poderia
acontecer.
- Nós contamos com vocês... – disse Quasar.
Senti meus olhos pesarem e o frio ao meu redor. De repente adormeci.
2.10 – Século XXXX
Por um instante tive um sonho muito estranho. Eu estava em uma mesa de
cirurgia, com muitas lâmpadas voltadas para o meu corpo. Enxergava a silhueta de
cinco pessoas, mas não conseguia ver seus rostos ou corpos, a luz não permitia.
Tentei levantar e percebi que estava fortemente amarrado a uma espécie de mesa.
Olhei para o lado e vi vagamente outras mesas com outras pessoas. Acho que devia
ser meus amigos. Antes que eu pudesse falar alguma coisa escutei minha própria voz
dizendo... “Relaxe Roberto. Acabou. Você esquecerá daqui”.
Acordei tremendo de frio... mas dessa vez não precisei de ajuda para me
levantar. Ajudei Nozomi primeiro, ela estava sentindo náuseas. Ben acordou de um
pulo.
- Opa chegamos... século XXXX. Vamos... estou curioso para ver como é aqui.
Abrimos a porta do FreezeCon com o coração na boca... e o que eu vi... era
inacreditável. Sinceramente, eu esperava um futuro caótico, com o céu escuro e
a terra infértil. Com pessoas morrendo de fome. Na verdade era totalmente o
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contrário. Estávamos no meio de uma espécie de estádio, ao nosso lado as
pessoas aplaudiam a nossa chegada. Eram pessoas vestidas como no século XX.
Senti um prazer muito grande em encontrá-las. Meus amigos estavam tão
pasmos quanto eu.
- Eu... não acredito... que lega... AHHHHHHH...
- Ahhhhhh , que dor !!!
Minha cabeça começou a doer demais... parecia que ia estourar. Vi que não era
só a minha. Fechei os olhos de tanta dor e me agachei. Novamente abri e vi a
realidade: um futuro caótico, com o céu escuro, a terra infértil e as pessoas
morrendo de fome.
- Como acordamos fora do FreezeCon? – perguntou Nozomi
- Não tenho a menor idéia. Só sei que devemos nos apressar e exterminar
NightShadow. Vamos!
Andamos muito e só víamos mendigos em trapos pedindo ajuda. Alguns nos
seguravam e não nos deixavam passar por suas pequenas favelas. Tive que usar a
força algumas vezes. Meu objetivo deve ser alcançado a qualquer custo.
Já cansados, com fome e frio, chegamos a um vale com imensos desfiladeiros.
Eram tão altos que não conseguia ver o fundo. Uma neblina nos impedia.
- Acho que só existe uma maneira de chegarmos lá rápido. Segurem-se em mim.
Segurei bem os dois e decolei. Os meus treinos haviam me proporcionado um
controle quase absoluto de minha telecinésia. Devia estar voando a quase 200 km /
h. O estranho é que de vez em quando eu tinha a impressão de esbarrar em alguma
coisa... mas não havia absolutamente nada. A Terra havia se transformado em um
grande deserto. Continuei firme até avistar uma espécie de fortaleza prateada no
meio do nada. Havia encontrado, afinal!
Ao chegarmos, dezenas de guardas tsurus vieram nos atacar. Rapidamente
destruí a todos. Entrei na fortaleza sem maiores dificuldades. Era gigantesca. Tudo
era de cristal, e havia um carpete vermelho no corredor principal. As portas também
tinham desenhos de hieroglifos ou coisas assim.
- Como faremos para chegar à NightShadow? – perguntou Nozomi
- Vamos à força. – respondi
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Quebrei todas as portas de vidro que encontrava. Fui seguindo em direção ao
centro da fortaleza. Quando quebrei a última porta, vi uma sala enorme, toda
decorada com estilo medieval e um trono no meio. Nele eu estava sentado.
- Finalmente chegou aqui, irmão – disse NightShadow, levantando-se do trono e
agitando sua capa. Era impressionante a semelhança. Absolutamente igual a
mim
- Não venha com conversa barata. Chegou o seu fim!. – gritei
Voei em direção a ele. Com um gesto, meu outro fez meu corpo parar e ficar
imóvel.
- Desculpe, Roberto. Essa é a única maneira de fazê-lo me ouvir. Eu não sou seu
inimigo. Olhe, vou confiar em você e peço que confie em mim. Vou soltá-lo e
deixarei que faça comigo o que quiser.
NightShadow me soltou. Tirou sua capa e agachou na minha frente. Ele estava
vestindo uma roupa igual à minha... a mesma que utilizamos para usar o
FreezeCon. Era como olhar minha imagem no espelho.
- Se sente algo maligno em mim, me mate agora. Senão acalme-se.
- Eu... não posso matar alguém em uma situação indefesa... eu... ahhhhhh
Minha cabeça começou a doer demais de novo. Sentia o ódio invadindo o meu ser.
Queria sangue.
- Não vou perdoá-lo maldito. Tome isso. – disse, desferindo um chute no
estômago de NightShadow, que bateu na parede e caiu no chão.
- Isso, mata ele, Roberto !!! – gritavam Ben e Nozomi,
- Pode bater. Não vou reagir. Têm que confiar em mim.
- Você não vai me enganar, maldito... eu... não posso bater em alguém que não
reage... não posso... ahhhhhhhhh – urrei de dor, caindo no chão
- Resista, Roberto, resista – gritava meu outro eu.
- Não Roberto, mate-o agora! – gritou Ben, avançando para NightShadow com
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uma faca
Consegui me controlar. Me levantei, e antes que Ben desferisse um golpe em
NightShadow, coloquei meu braço na frente. O americano bateu a cabeça no meu
braço e caiu no chão.
- Ninguém fará nada até eu descobrir o que está acontecendo aqui – disse,
olhando para Ben e Nozomi. – Fale, NightShadow. Você têm cinco minutos.
- Obrigado, Roberto. Primeiramente, pode me chamar de Carlos. Esse nome
NightShadow foi criado por nossos inimigos para me transformar em um vilão.
Sei que lhe disseram diversas mentiras a meu respeito, uma delas seria que eu
poderia controlá-lo e fazer com que ficasse irado, certo? Meu irmão... isso é
mentira. O chip implantado em você que faz isso. Ele dava a sua localização e
estimula seus nervos para que você fique cada vez mais nervoso, além de alterar
sua percepção. Gwroll e Urtuy, venham aqui.
Dois Tsurus entraram na sala. Se agacharam diante de Carlos.
- Peço que confie em mim, Roberto. Vou pedir a esses dois que retirem o chip da
sua cabeça.
- Não faça isso!! Não confie neles. Você morrerá se retirar o chip !! – gritou
Nozomi, visualmente brava
- Eu concordo. Não sei por quê motivo mas confio em você. – disse, apertando a
mão do meu “irmão”.
- Ok. Vamos começar a cirurgia então. Já está tudo preparado. Meus amigos lhe
guiarão para o local. Por favor, siga-os.
Segui os dois Tsurus e deixei os três para trás. Ainda ouvi Carlos dizer alguma
coisa, mas não entendi.
- Aonde vocês acham que vão? Guardas, prendam esses dois!
Adormeci com a anestesia. Tive alguns sonhos estranhos, mas extremamente reais.
Me debatia em uma cama. Quando acordei, vi Carlos parado na minha frente.
- Pronto, meu irmão. O chip foi retirado.
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Passei a mão na minha nuca e vi que realmente não havia nada ali. Me senti muito
mais calmo e tranquilo. Carlos não havia mentido.
- Agora que viu que eu não mentia, acho que você merece algumas explicações.
Você foi enganado. Olhe para essas pessoas que você julgava serem Tsurus.
Olhei para Gwroll e Urtuy e tive uma surpresa. Eram seres humanos normais.
Mesmo quando os Tsurus mudavam de forma, eu ainda sentia a presença deles.
Agora isso não aconteceu..
- Isso quer dizer que... todos aqueles que enfrentei antes de entrar aqui eram...
humanos?
- Sim... e não se preocupe. Nesse século, nossa tecnologia médica é muito
avançada. Eles estão bem. Quando eu disse que o chip alterava a sua percepção,
não estava mentindo. Saia da sala e olhe ao ser redor.
Saí da pequena sala de cirurgia e observei o palácio. Que palácio nada, era uma
espécie de museu antigo muito bem cuidado. Que cafona fazerem com que eu
enxergasse um palácio de cristal. De onde tiraram isso, do filme História Sem Fim?
Caminhei com Carlos até a porta do museu. O deserto, o céu escuro e os mendigos
deram lugar a prédios gigantescos de alta tecnologia, muito mais bonitos que os do
século XXX. As pessoas usavam carros voadores para todo o lado. A cidade parecia
limpa e feliz.
- Aqui não se usa mais o BioChip? - perguntei a Carlos, apontando para um carro
vermelho que dava um rasante no céu.
- Não. Após comprovar os problemas que o chip causava no cérebro, o uso foi
proibido. Rapidamente a idéia dos carros como meio de transporte foi
novamente adotada. Claro que carros tecnologicamente muito superiores aos da
sua época, capazes de servirem também como possíveis naves em viagens
espaciais de curta duração. Chegamos a um ponto que não precisamos mais de
chips para conter a criminalidade. As pessoas hoje só desejam o bem umas das
outras. Por isso, nossos maiores avanços agora são nos campos de medicina e
ecologia. Visualmente você pode não perceber a diferença que um milênio fez.
Mas se observar os olhos das pessoas e ver como estão felizes, você sentirá essa
diferença.
- Onde estão Ben e Nozomi?
- Acho que uma imagem valerá mais que mil palavras. Venha.
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Novamente entramos no museu e descemos uma escadaria na parte central. Essa
escadaria leva ao porão, onde antigamente guardava-se as peças mais importantes
que precisavam ser conservadas. Quando chegamos no porão, ouvi alguns
grunhidos.
- Gruuufff .... Grrrrrr... . Roberto... nos ajude !!! – pediu um dos Tsurus
- Não adianta, “Nozomi”. Ele consegue enxergar a verdade agora.
- Maldição. Vocês vão morrer, infiéis!!! – gritou o falso Ben
- Digam, onde estão os verdadeiros Ben e Nozomi?
Os Tsurus grunhiram mais um pouco. Estavam exaltados. Carlos me disse:
- Eles estão presos junto com seu pai mil anos atrás. Não se preocupe, vamos
salvá-los.
- Droga... Quasar e Anabella me enganaram direitinho...
- Não. Anabella é uma vítima, o chip implantado nela também é modificado. Isso
também acontece com vários membros da rebelião. Os Tsurus disfarçados são
Quasir e Quasar. Eles fazem parte dos Sete. Eles que matavam todos os nossos
“outros” que chegavam naquela época. Quando descobriram que sua herança
genética e poderes eram iguais aos meus, pretenderam lhe enviar aqui na
esperança que você me matasse graças à fúria que o chip lhe concedia e assim
ficasse preso para sempre nessa época. Quando Quasar chegar no santuário
localizado no Brasil, não haverá ninguém poderoso o suficiente para detê-lo. Ele
matará todos os outros rebeldes, ordenará que os sentinelas controlados pelos
Sete massacrem os seres humanos de todas as regiões e abrirá o portal para
trazer os Shadows.
- Não podemos deixar isso ocorrer !! – respondi, exaltado
- Você não pode fazer nada, humano inútil . – disse um dos Tsurus
- Ah, podemos sim. Roberto, peço que confie em mim mais uma vez.
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- Claro. Sem pensar duas vezes, irmão.
-
Passei dois dias ótimos no século XXXX. Conheci os projetos de medicina
avançada, fantásticos por sinal. Conseguiam reverter completamente a velhice.
Doenças como câncer, AIDS, pneumonia asiática e ebola eram coisas do passado.
Se uma nova doença grave aparecesse, em menos de alguns minutos uma cura já era
desenvolvida. Eu gostaria de ter conhecido os outros avanços da civilização mas o
prazo do nosso passeio havia se esgotado.
Carlos reuniu uma grande equipe em um enorme centro médico, uma espécie de
hospital. Conversou um pouco com essas pessoas e me deixou sentado na sala de
espera. Depois veio até mim e sentando do meu lado, disse:
- Já está tudo pronto. Mas depende da sua decisão. Não quero que faça nada a
força.
- Fazer o quê?
- Como você sabe... em teoria nós dois somos um só. Nossa herança genética e
temporal é igual. Mas o nosso nível de poder ainda não é tão grande...
- ... quando estamos separados? Você está querendo que nos juntar em um só
corpo?
- Sim. É chamado fusão. Existe uma máquina nesse centro médico capaz de fazê-
lo. Essa máquina pegará cada átomo de nós dois e remontará em um só. Com
isso, teremos o dobro de poder que tinhamos antes.
- Mas por quê isso? Você acha que nós dois separados não podemos com os
Tsurus?
- O problema é o seguinte... Com certeza lhe disseram que além dos poderes
telepáticos e telecinéticos, uma de suas heranças alienígenas era a viagem no
tempo, certo? Era assim que eu conseguia enviar pequenos grupos de pessoas
para o passado. A minha energia acabava rapidamente. Sendo assim eu nunca
pude voltar e ajudar. Sempre acompanhava por registros históricos. Se nos
fundirmos, teremos tanto poder que podemos enviar um grande exército ao
passado junto conosco. Assim, enquanto o exército luta com os Tsurus, nós
enfrentaremos os Sete. É a nossa única chance.
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- É justo. Se é o necessário, eu concordo.
A equipe deu o sinal de ok. Ouvi alguém dizer a Carlos: “Filho, boa sorte”.
Claro, era o pai dele, igualzinho ao meu. Bom, vai ser interessante pois teremos
dois pais de duas realidades diferentes. A gigantesca máquina tinha três portas
enfileiradas. Carlos entrou na primeira, e eu na última. Fiz um sinal com a cabeça
de que poderiam prosseguir. Estava com medo.
A sensação que eu sentia era inigualável. Era como morrer e nascer ao mesmo
tempo. Uma dor terrível e uma incrível sensação deliciosa. Sentia novas lembranças
e pensamentos se juntarem aos meus. A chegada ao século XXXX. A nomeação
como um dos protetores dessa época... tudo estava se encaixando... eu comecei a
sentir minha consciência se esvaindo... tudo começou a ficar branco...
- Acabou. Desligue a máquina! – gritou o pai de Carlos.
- Não consigo desligar... ela está para explodir!! Vamos sair daqui... – gritou o
responsável pela equipe.
As pessoas começaram a correr para fora do hospital mas não deu tempo. A
máquina explodiu. Todos agacharam e fecharam os olhos esperando o pior.
Quando abriram, os milhares de estilhaços estavam parados no ar.
- Não se preocupem... eu estou bem. Vou dar um jeito nesses estilhaços. – eu
disse, um pouco fraco.
Condensei todos os estilhaços em uma enorme bola de metal e joguei em um canto
da sala.Todos me aplaudiram. Ainda tentei sorrir antes de desmaiar. Pouco depois
acordei na minha cama no Museu. Ao abrir os olhos vi José Silva me observando.
Ele nem piscava.
- Olá filho... – disse
- Olá... pai... é estranho. Você é pai de metade de mim e Jorge Araújo da outra
metade. Tenho lembranças de estar com você e com ele. Espero que não tenham
ciúmes um do outro.
- De modo algum, filho. Que bom que tudo deu certo. Como devemos chamá-lo
agora... Roberto Carlos ou Carlos Roberto?
- Tanto faz. Pode me chamar de Roberto ou Carlos. Nomes não importam. Estou
101
acostumado com os dois. Já está tudo pronto para o retorno?
- Sim. Nosso exército já foi preparado. Apesar de não desenvolvermos tecnologia
bélica nesse milênio, eles possuem...
- ... seus lasers atordoantes. Sim, eu me lembro. Eles não matam, mas dependendo
da potência, podem deixar alguém desacordado durante dias. Perfeito. Vamos lá,
não podemos perder nem mais um segundo.
Fomos de air-car para o topo do prédio mais alto da cidade. Era gigantesco. Esse
prédio, construído por imigrantes Franceses, chega a ocupar oito quarteirões. A
cobertura é toda metalizada, em aço puro. Isso foi feito para que os air-cars não
dispersassem muita energia quando estivessem parados ali. Vai servir perfeitamente
aos meus propósitos. Centenas de soldados já estavam a espera quando cheguei.
Fizeram uma rápida reverência.
- Estamos prontos, senhor! – disse o General Ross.
- Tudo bem então. Isso pode doer um pouco. Segurem-se.
Em poucos instantes , irradiei uma luz branca fortíssima que cobriu toda a
cobertura. Menos de um milésimo depois, não havia mais ninguém ali.
2.11 - O santuário no antigo Brasil
- Como estará Roberto agora? – pensei, enquanto voava junto ao nosso exército da
rebelião em direção ao santuário brasileiro.
- Por quê não pudemos nos teleportar até lá, general Anabella? – indagou um dos
rebeldes
- Quasar nos informou que os tsurus descobririam. Devemos manter o elemento
surpresa. - respondi
A nossa tropa estava com muito medo. Não era para menos, estávamos indo
ao Brasil. Todos tremiam ao ouvir esse nome. É uma terra amaldiçoada. Após as
antigas superpotências capitalistas no início do século XXII acabarem com todos os
recursos naturais da floresta amazônica, pantanal e outras florestas, a única riqueza
do país se tornou sua àgua potável. Que por sinal hà alguns anos já faltava no resto
do mundo. Foi então que um ditador tirano, descendente de famílias de políticos
102
americanos e ingleses, declarou que a àgua do Brasil pertenceria por direito aos
Estados Unidos da Europa. Claro que não houve concordância entre as partes.
Houve então um massacre infinitamente pior do que quando os espanhóis
matavam índios. Crianças, adultos, mulheres, velhos... milhões foram mortos por
bombas inteligentes de neutrons... que não destruíram um galho de àrvore sequer,
mas exterminou todos os seres humanos que moravam ali. Depois disso, ninguém
mais habitou essas terras.
Hoje sabemos que o próprio presidente dos EUE , Michael Bush e seus
antepassados eram tsurus.
Chegamos rapidamente na antiga cidade de Brasília, onde fica o santuário do
mais fraco dos Sete. Seu nome é Ell Kajik e ouvi dizer que mesmo sem ter tanto
poder, o pouco que possui lhe dá habilidades magníficas. Estava com medo de
encontrarmos Quasir e Quasar também. Como a minha parte Carlos havia me dito,
os dois também são do grupo dos Sete. Portanto, não podem ser facilmente
derrotados. Ele possui habilidades de controle do elemento terra. Sua residência
estava mais para fortaleza que santuário. Era uma torre gigantesca, constituída de
terra e destroços da cidade. Fica onde existia o palácio da Alvorada. Voamos até a
sua base e chegamos em uma complexo cheio de teleportadores e elevadores.
- Tudo bem pessoal. Completamos a primeira fase.
- Afirmativo.
- Vamos sincronizar nossos leitores. Exatamente daqui à meia hora uma equipe
usará a escada e a outra entrará voando pela janela, assim podemos surprêende-
los. As informações de que temos é que o centro de comando está no centésimo
andar. – completou Anabella
- Tenham em mente que enfrentaremos muita represália. Não deixe que isso os
desanime. Somos melhores que eles. – animou Jhunyr, a segunda-em-comando
- Eu irei com a equipe das escadas, Jhunyr acompanhará a outra equipe. Pessoal,
boa sorte a todos.
E assim, nossos cinquenta rebeldes se dividiram em dois grupos de vinte e cinco.
As escadas circulares eram muito grandes, todas revestidas de terra e destroços
assim como as paredes internas. Após poucos minutos de subida apareceu o
primeiro grupo de resistência com cinco Tsurus. Foram facilmente eliminadas.
Antes que tivessemos tempo de comemorar, apareceram outros cinco.
103
- Essa vai ser uma longa subida... – suspirou Anabella
Enquanto isso...
Um instante após o brilho ofuscar meus olhos, estávamos novamente no
século XXX, mais exatamente na ilha da base rebelde, próximo à casa colonial.
Havia pouquíssimo movimento ali, isso significava que já haviam iniciado o plano
de ir ao santuário do Brasil. Não podíamos perder mais tempo.
- Muito bem, bravos soldados. General Ross, eu preciso de cem soldados para me
acompanhar ao antigo Brasil.
- Tudo bem, Roberto. Eu lhe arranjarei os melhores.
- Eu agradeço. Todo o resto das tropas deve permanecer na ilha e planejar a
próxima etapa do nosso ataque.
Organizamos a tropa em menos de dez minutos. Convoquei meus soldados para a
viagem. Eu não vou nos teletransportar para não gastar energia desnecessária.
Como todos os soldados possuem avançada tecnologia, também tem uma espécie de
cinto anti-gravidade... que os permite voar sem necessidade de chips. Enquanto
voávamos, repassei a minha estratégia para essa missão.
- Vou aumentar a minha velocidade então para chegar primeiro, aguardo vocês
depois.
- Sim senhor !! – responderam em coro
Com uma maior velocidade, consegui chegar ào santuário brasileiro em trinta
minutos. Era uma torre enorme, toda suja de terra. Entrei por uma das muitas
janelas no topo da torre. Entrei em uma espécie de labirinto. Fui seguindo os sons
de batalha, torcendo para que chegasse a tempo.
Voltando à Anabella ...
Sim... estou tão perto agora. Apesar de estar cansada, e de termos perdido
muitos homens a vitória foi nossa. De acordo com as instruções de Quasar, o
104
caminho que fizemos até o centro de comando da torre é o mais oculto de todos.
Assim poderemos lançar um vírus nos sistemas deles, impedindo que sejam usados
para ajudar a trazer os Sete.
- Vigiem as duas saídas da sala. Atirem em tudo que se mova.
- Afirmativo, General Anabella.
O sistema de computadores que eles usavam parecia tão precário... ainda utilizava o
modelo de holografia de baixa resolução. E o sistema ocupava quase a sala toda,
junto com todo o barro e terra, sem nenhuma janela e com uma luz branca. Retirei
do meu bolso um pequeno mini-cubo de dados contendo o vírus. Vou colocá-lo no
receptor do sistema agora.
Ao erguer meu braço fui interrompida...
- Pare Ana. É uma armadilha. Vai explodir tudo se você colocar esse cubo.
- Roberto ?? O que você está fazendo aqui. Como sabe disso?
- Eu vou te contar tudo depois. Eu já confiei em você várias vezes, agora peço que
confie em mim.
- Mas o vírus... Quasar disse...
- Esqueça o que ele disse... vamos sair daqui que vou explicar tudo.
O que é que Roberto quer me explicar? Eu não entendo... mas sinto que devo
confiar nele.
Três minutos antes ...
Droga, não vou chegar a tempo !!! Onde será que eles estão... parece que a luta
acabou, estou ouvindo a voz de Anabella conversando com os outros. Ali, achei... é
logo virando o corredor a noroeste... sim, estou vendo os rebeldes na porta.
- Deixem-me entrar ! – gritei para um dos vigias
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- Sr. Roberto... o que você está fazendo aqui ...
Pela porta eu vi Bella encaixando um cubo em um sistema holográfico de dados.
Uma contagem regressiva apareceu na tela. 3.. 2.. 1..
- Anabella !!! – gritei, enquanto pulei para dentro da sala...
BABOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOM
Toda a torre se desintegrou na explosão. Milhares de pedaços de Terra e Cinzas
voaram pelo ar. Senti o tempo bem devagar. Eu estava semi-morto. Tudo estava
escuro e eu estava enxergando uma luz muito brilhante. Me recusei a morrer...
muitas pessoas dependiam de mim. Gritei com toda a força do ar em meus pulmões.
Ou o que restava deles.
- Eu vou viver !!!!!!!!!!
Senti a luz indo embora. Consegui voltar no tempo alguns segundos para evitar a
tragédia. Vi novamente Anabella mexendo no sistema. Em milésimos de segundo,
fui até ela e retirei sua mão do painel.
- Pare Ana. É uma armadilha. Tudo vai explodir.
..........
Já do lado de fora do santuário, eu tentava explicar para Anabella tudo que
aconteceu.
- ... e foi assim então que eu consegui aperfeiçoar a minha habilidade de se viajar
no tempo e consegui lhe impedir antes que tudo explodisse.
- Eu ainda não acredito... eu conheço Quasar faz tempo, ele nunca...
- Deixe-me lhe mostrar.
Passei telepaticamente para ela todo o conhecimento da minha parte Carlos sobre o
problema. Logo após ela entrou em prantos.
- Não acredito... eu o considerava quase como um pai...
- Calma, depois você terá tempo para pensar nisso. Agora temos que ir antes que
...
106
Mal acabei de pronunciar essa frase, um punho formado de terra e pequenas pedras
saiu do chão e me acertou em cheio, me jogando a uns cinco metros de distância.
Uma estátua de pedra com o formato de um lagarto se levantou do chão e me
encarou.
- ANTES QUE EU DESTRUA VOCÊS ?
- Ell Kajik, eu suponho ... – comentei, limpando o sangue da minha boca – onde
estão seus amiguinhos Quasir e Quasar? Gostaria de levar um papinho com
vocês três.
- TERÁ QUE LIDAR COMIGO PRIMEIRO, HUMANO.
... alguns segundos de silêncio...
Anabella se recuperou rapidamente e ordenou ao resto de sua tropa para abrir fogo
contra o réptil. Com uma velocidade incrível, uma parede de pedra e terra se
formou ao redor de Ell Kajik, englobando também a mim. Todos os outros ficaram
de fora. A parede se fechou totalmente, parecendo um enorme casulo de terra.
- Atirem !! – ordenou Anabella
- Mas general, os lasers só atordoam... – comentou Jhunyr
- Coloque todos eles na potência máxima, concentrados em um só ponto... já!!
Os soldados atiraram o laser em um ponto do casulo de pedra. Houve apenas uma
leve queimadura.
- É inútil, temos que esperar... – comentou um dos soldados
- Sim... apesar de ninguém nunca ter conseguido enfrentar um dos Sete antes,
Roberto não é um ser humano comum. Estamos torcendo por você...
Dentro do casulo...
- ENTÃO VOCÊ É O HUMANO QUE VEM CAUSANDO PROBLEMAS?
- E se eu for? Você tem algum problema com isso? – respondeu Roberto em tom de
desprezo, cruzando os braços e dando as costas para o inimigo.
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- SEU VERME. ACHA QUE PODE IMPEDIR QUE OS SHADOWS VENHAM
PARA ESSE MUNDO PATÉTICO?
- Hmmm talvez... mas de uma coisa eu sei... essa sua casinha de barro não vai me
segurar por muito tempo... mas acho que você já sabe disso, não é?
- HÁ, NINGUEM NUNCA ESCAPOU VIVO DO MEU CASULO TERRESTRE,
PREPARE-SE PARA MORRER.
- É, sempre há uma primeira vez.... – respondi, calmamente, enquanto esfregava
minhas mãos.
- Roberto??? Roberto !!! , você está bem ? – eu gritava sem parar... comecei a me
preocupar ainda mais quando o casulo e toda a terra em volta começou a tremer.
Está acontecendo uma briga feia lá dentro... comecei a esmurrar a parede de pedra
Jhunyr e outra mulher do nosso grupo me seguraram.
- Me deixem , me soltem !!
- Calma, general Anabella... vamos tomar distância daqui, isso está ficando
perigoso.
- Não, me solte !! – gritei enquanto era levada para longe...
Os barulhos continuaram vindo de dentro do casulo... parecia que bombas estavam
sendo estouradas lá dentro... até que o casulo começou a rachar e logo depois
quebrou em centenas de pedaços, levantando uma poeira enorme.
- O que está acontecendo??? Alguém consegue ver algo?? - perguntei
- Negativo – respondeu a tropa – mas espere, a poeira está começando a baixar...
Não acreditei no que vi... Roberto flutuava a uns dois metros do chão, e seu dedo
apontava para a frente, encostando na cabeça do réptil, que parecia bem cansado...
os barulhos cessaram e dava até pra ouvir o que conversavam...
- Muito bem, Ell Kajik ... já nos divertimos bastante, agora está na hora da
brincadeira acabar.
- ARGH... PFFF... NUNCA, HUMANO... NUNCA VOU SER DERROTADO
108
POR UM DA SUA ESPECIE... POR MAIS QUE ME DESTRUA EM PEDAÇOS
EU VOU CONTINUAR VOLTANDO... MEU CORPO SE EXTENDE POR
TODA A TERRA DESSA CIDADE...
- Obrigado por me contar seu ponto fraco... – respondeu Roberto, colocando a mão
na cabeça do adversário.
Logo em seguida desapareceram. Alguns segundos depois somente meu amor
retornou. Fraco, com alguns ferimentos e a roupa bastante rasgada, conseguiu dizer
duas palavras antes de desmaiar...
- Eu... consegui...
...
- Roberto...
Novamente ouvi vozes... lembro de estar em uma espécie de hospital... alguém
chamava meu nome... eu tentava me levantar mas parecia que alguém me
segurava... e logo depois dizia...
- Descanse...
Horas depois...
- O que, onde estou... Anabella !! – gritei, levantando-me de uma vez... estava em
uma das salas do quartel general da Rebelião
- Calma, Roberto – disse uma linda garota que estava ao meu lado... percebi que era
minha amada Bella...
- Que bom que você está bem... eu... fiquei com medo de te perder... – disse,
enquanto segurava a mão dela
- Não se preocupe, estou bem aqui... e sempre estarei.
- Ungh... minhas costas ainda doem...
- O que aconteceu ali? Para onde foi Ell Kajik?
- Eu o teletransportei para o meio do oceano. Assim despedacei facilmente o seu
109
corpo de terra e pedras e ele não pôde se recompor. Mas antes disso ele me feriu
bastante, em questão de segundos, e somando ao esforço que eu fiz para me
transportar de volta, meu organismo não agüentou.
- É uma pena que não pudemos extrair nenhuma informação importante dele... –
desanimou Anabella... levando as mãos ao rosto...
- Você ainda está triste por causa de Quasar, não é? – comentei, abraçando-a
- É que ... não consigo aceitar...
- Bom, vamos pensar nisso depois... eu consegui extrair algumas informações
importantes da mente daquela pedra ambulante. Reúna seu pessoal na sala de
comando pois temos que tomar um novo foco se quisermos vencer essa guerra.
2.12 – Uma difícil batalha
Pouco depois, na sala de comando do quartel-general, os líderes da revolução
faziam uma reunião com Roberto. Quase todos estavam alegres e comemoravam a
morte de um dos Sete. Exceto uma pessoa.
- Isso não é hora de comemorar, respondeu Roberto.
- Por que não? – perguntou um dos líderes – Nós os deixamos com medo e
provamos que podemos com eles.
- A coisa não é bem assim. Pelo que eu vi na mente de Ell Kajik, seis dos sete
santuários são armadilhas para nos capturar e separar. Aquele que eu enfrentei era
apenas o clone de um dos Sete. Eles colocaram versões clonadas de si mesmos
nesses santuários, para que não desconfiássemos. Todos os originais, estão reunidos
em um só local.
Todos começaram a cochichar na sala. Tinham uma expressão de espanto nos
olhos. Um dos rebeldes perguntou:
- Mas como você conseguiu ler a mente dele? Os répteis são imunes a telepatia...
- Eles não contaram com o fato da minha fusão ter tornado meus poderes muito
mais fortes. Eu vi na mente do clone onde é que os Sete se escondem. Só não
consegui ver direito o plano deles.
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- Não podemos perder tempo. Vamos atacar agora. – exaltou-se Anabella
- Calma – respondi, colocando a mão no ombro dela - ... sei que está chateada por
causa de Quasar. Apesar de ele ter fugido, vamos encontrá-lo. Assim você poderá
conversar à vontade com ele. Agora temos que pensar com cuidado no que fazer.
- O que você sugere? – perguntou Charles, o mais velho entre todos os rebeldes
- Eles não podem desconfiar que descobrimos o seu pequeno truque. Vamos enviar
tropas a outro Santuário. Enquanto isso eu irei estragar a pequena reunião que nosso
inimigos estão fazendo. Sozinho.
- Nunca, é suicídio ir sozinho... mesmo para você ... – disse Jhunyr
Todos concordaram. Me levantei da cadeira e disse:
- Eu sei me cuidar muito bem. Pode não parecer mas estou bem mais forte que
antes. Além do mais, se ocorrer algum problema mais grave, posso me
teletransportar de imediato. Não se preocupem. Sigam o que eu disse.
E sem dizer mais nada, saí de lá como um raio. Sei onde aqueles malditos estão, em
uma pequena ilha no meio do oceano atlântico. Justamente onde a holografia que eu
vi mostrava os pontos de luz dos Santuários se cruzando. Viajei o mais rápido que
pude.
Em poucos instantes eu cheguei no local. Era uma ilha relativamente
pequena, com uma grande floresta e o que parecia ser uma espécie de templo grego
bem no centro. As pilastras que revestiam o templo eram gigantescas e estavam
destruídas pela metade. O céu estava se tornando cada vez mais negro, como se uma
chuva muito forte fosse desabar a qualquer momento.
Aterrisei na porta da entrada do templo. Eu sabia que meu amor e meus outros
companheiros logo tentariam me seguir, e não poderia arriscar a segurança deles.
Algo me dizia que eu tinha que fazer isso sozinho. Ao entrar, vi uma luz azul muito
forte sendo iluminada de dentro de um grande buraco no chão. Havia uma escada
em espiral descendo até onde a vista alcançava.
“Parece ter mais de cem metros de profundidade.”- Pensei.
Resolvi descer e tentar surpreender a reunião dos Sete. Ou provavelmente era apenas
uma armadilha e eu iria cair bem em cheio nela. De qualquer forma, não me
111
importava. Estava com muita raiva por tudo o que haviam feito e queria resolver as
coisas de forma rápida.
Após descer muito, comecei a ouvir vozes estranhas. Me escondi mas não
conseguia enxergar direito graças à força da luz azul, que me ofuscava
completamente.
- ESTÁ TUDO PRONTO? – perguntou uma voz macabra
- SIM. PODEMOS COMEÇAR – respondeu outra
Minha vista começou a melhorar e enxerguei vagamento seis formas ao redor de um
círculo. Todos eram altos e fortes, e estavam vestindo capuzes negros. Quasir e
Quasar estavam entre eles... mesmo em suas formas originais eu consegui perceber a
semelhança. Estavam em frente a uma mesa branca de mármore onde havia um
largo e estranho pote. Era dele que a luz estava vindo.
- O IDIOTA de Ell Kajik FOI DERROTADO. TEREMOS QUE CONSEGUIR
SEM ELE. – disse Quasir
- ELE NÃO FARÁ DIFERENÇA. NADA MAIS PODERÁ INTERROMPER O
PROCESSO. – respondeu Quasar
- SIM, FINALMENTE A NOSSA RAÇA TSURU RECUPERARÁ A SUA
GLÓRIA. – completo Quasir
E ao dizer isso, começaram a recitar termos estranhos. A luz azul tornou-se
infinitamente mais forte, como se passasse de um calmo lago para um oceano
selvagem. Fiquei completamente cego. Não entendia o que queriam fazer, mas sabia
que não era coisa boa. Sabia que não era uma boa idéia, mas avancei na direção do
pote para aproveitar enquanto estavam distraídos.
Que arrependimento.
Quasar me pegou pelo pescoço com a mesma facilidade de se pegar um boneco de
brinquedo. Me deitou sobre a mesa e disse:
- NÓS JÁ SABÍAMOS DA SUA PRESENÇA, HUMANO. VOCÊ É ESPINHO
NOS NOSSOS PLANOS, MORRA.
112
E ao dizer isso, me jogou contra a parede com força, causando uma rachadura. O
local era relativamente apertado, tentei revidar mas foi em vão. Logo os seis
partiram para cima de mim. Quasir segurou meus braços, enquanto Quasar
esmurrava no estômago e na cabeça.
“Vou morrer” – pensei – “E eu que acreditava ser invencível. Ledo engano.”
Se eu não saísse de lá, iria morrer com certeza. Mesmo muito machucado fiz um
esforço tremendo para me livrar dos dois Tsurus que me seguravam e voei o mais
rápido que pude pelo buraco vertical. Mas já não tinha mais forças. Assim que
cheguei no topo do templo, senti que estava perdendo a consciência. Desmaiei.
Senti um calor muito grande e ao mesmo tempo algo bem úmido. Quando voltei a
mim, Anna estava chorando sobre mim e me abraçando com força. Enormes
estrondos vinham ao meu redor. Tudo estava quase completamente destruído. Eu vi
então centenas de soldados da resistência avançando contra o grupo dos Sete. Mas
pareciam não causar nem arranhões, estavam sendo derrotados como baratas.
- Estou bem, Anabella. Não chore. Parece que essa cena já está se tornando comum
para nós, não é? – eu disse
Ela riu. Enxugou as lágrimas.
- Olha, eu sei que você está triste por Quasar. Mas o seu amigo era uma farsa. Pense
nele como se tivesse morrido. O que vemos aqui nada mais são do que inimigos a
serem derrotados.
Bella balançou a cabeça como dizendo que sim, apesar de visivelmente perturbada.
- O que faremos agora? Não temos chance contra todos eles.
- Mas temos que tentar. Pelo menos pior não pode ficar.
De repente, um dos soldados foi arremessado contra o buraco e entrou em contato
com a luz azul. Caiu, se retorceu e em poucos segundos seu corpo se cobriu de
escamas. Havia se transformado em um Tsuru. Quasar soltou uma risada...
- HAHAHA, VOCÊS HUMANOS SÃO MUITO TOLOS.
- Maldito, o que você fez com ele ! – gritei
- O BIOCHIP QUE VOCÊS USAM FOI CRIADO POR NÓS, TSURUS. ELE
NADA MAIS É DO QUE UMA COLEIRA QUE NOS PERMITE CONTROLAR
113
O ORGANISMO DAQUELE QUE O UTILIZA. COM A LUZ ORIANA NÓS
CONSEGUIMOS ESTIMULAR O CHIP A MODIFICAR A ESTRUTURA
GENÉTICA DE HUMANOS COMUNS, TRANSFORMANDO-OS EM TSURUS.
– completou Quasar
- Quasar... porquê... achei que fóssemos amigos ... pare com essa abominação –
disse Anabella, chorando, com as mãos sobre o rosto.
- Anabella, ele não vai ouvi-la. Vamos recuar... temos que tirar todos os soldados
daqui, antes que o pior aconteça. Mande recuarem para que eu possa teletransportá-
los... senão...
- TARDE DEMAIS... – gritou Quasir
Um estrondo enorme seguido de uma rachadura aumentou o diâmetro do buraco,
fazendo a luz azul se propagar para todos os lados. Dezenas de soldados estavam se
transformando em répteis e se voltando um contra o outro. O lugar havia virado uma
carnificina.
- Não... se essa luz se propagar para fora daqui , o mundo todo estará perdido... por
favor, faça alguma coisa... – Anabella gritou para mim, já sem voz de tanto
desespero.
Vi que a luz iria atingi-la. Corri para protegê-la, mas Jhunyr estava mais perto e
pulou na frente dela, fazendo uma sombra sobre seu corpo. Olhou para mim com
uma expressão séria e disse.
- Escolhido, você sabe o que deve ser feito. – disse, enquanto resistia à
transformação – se isso continuar logo o mundo inteiro será transformado em
Tsurus, e com isso os Shadows retornarão para causar o caos a toda a galáxia.
Arghhh.
Jhunyr já não existia. Um réptil de olhos frios e odiosos havia tomado o seu lugar.
Olhei para as coisas acontecendo ao meu redor... eu realmente sabia o que fazer,
mesmo que isso me deixasse muito triste. Corri e abracei Anabella, alguns segundos
antes da luz nos atingir. Teletransportei-a para o quartel general.
- Obrigado por tudo, meu amor – disse a ela – Sou um homem mais feliz desde que
lhe conheci.
- O que? Roberto... o que vai fazer? – perguntou Anabella me abraçando com força..
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- Salvar a todos.
- Não seja idiota... você está pensando em se sacrificar, eu sei disso... ! Eu não irei
deixar...
- Nós sabíamos desde o início que ser o Escolhido significa fazer sacrifícios. E como
descendente dos Yukkas e Sherans, sou o último que pode fazer isso.
- Não, não... !! – gritava Anabella
Ela estava exaltada e começou a tentar me bater e me arranhar para impedir que eu
retornasse. Tive que golpeá-la no estômago para fazer com que ela desmaiasse.
- Me desculpe. É o único jeito
Me teletransportei de volta. A essa altura todos os soldados já haviam se
transformado em répteis. Havia centenas de inimigos à minha volta, com os seis
membros restantes do grupo dos Sete liderando-os. Todos olharam para mim com
fúria, enquanto um deles disse.
- VOCÊ PERDEU HUMANO. NÓS VENCEMOS. COM OS HUMANOS SE
TRANSFORMANDO EM TSURUS TEREMOS FORÇA SUFICIENTE PARA
TRAZER OS SHADOWS DA DIMENSÃO NEGRA E DOMINARMOS TODO O
UNIVERSO – gritou Quasir, gargalhando.
Andei com calma na direção do Tsuru, e cara a cara com ele, disse:
- Sabe qual foi o maior erro de vocês? Ter permitido que eu visite o século XXXX.
Vocês me mandaram para matar o meu outro, mas ao invés disso eu acabei me
juntando a ele. – respondi, olhando nos olhos do Tsuru
- E DE QUE ISSO VAI ADIANTAR CONTRA TODOS NÓS?
Eu sorri.
- Sempre tive vontade de tentar fazer uma coisa com esse poder de viagem no
tempo. Você verá.
Fiz uma força gigantesca. Retornei um segundo no tempo para encontrar a mim
mesmo. Juntos, retornamos mais um segundo. O processo se repetiu até haver
centenas e centenas de Robertos. Eu sabia que era um processo arriscado, e que não
115
podia manter por muito tempo para não causar danos permanentes ao espaço-tempo.
Eu sabia que seria um caminho sem volta, pois é um efeito dominó. Se um morrer,
todos os outros irão. Mas alguns minutos seriam suficientes. Tinham que ser.
Uma batalha tremenda aconteceu. Os soldados transformados em Tsurus, caiam um
a um, até restar apenas o grupo dos Sete. Ao ver que estavam encurralados, Quasar
disse:
- NOS MATAR NÃO MAIS IRÁ REVERTER O PROCESSO. A LUZ DA
TRANSFORMAÇÃO NÃO PODE MAIS SER IMPEDIDA, E LOGO CUBRIRÁ
TODO O MUNDO. NÃO HÁ COMO IMPEDIR OS SHADOWS.
- É aí que você se engana. Morram. – todos os Robertos responderam em conjunto
Nos comunicando por telepatia para formar a estratégia, resolvemos se posicionar
nas bordas do templo. Ao dar as mãos, formamos um círculo cobrindo toda a área ao
redor. Nos concentramos e o chão começou a tremer. Nos concentramos mais e
mais, a ponto de escorrer sangue pelo nariz de cada um das centenas de minhas
versões. Então... tudo ficou branco.
Alguns segundos antes de ser atingido por magma quente, vi o horrívem e
monstruoso rosto real de Quasar. Muito parecido com o de Ell Khajik, pensei. Ele
estava paralizado de medo quando finalmente entendi o que eu fiz. Conseguimos
teletransportar não só os reptéis, mas todo o palácio para o centro da terra, jogando-
nos em magma fervente. “Não preciso de dez anos de treino quando combino forças
comigo mesmo”, ri, pensando que isso é algo que Anabella me falaria.
Era o meu fim. Me senti caindo enquanto todos os meus músculos, ossos e pele se
derretiam em um calor infernal.
2.13 – Fim do pesadelo
Acordei assustado. Estava em uma cama. Não conseguia respirar, havia
vários tubos ao meu redor. Estava muito fraco mas tentei remover todos eles. Tentei
me levantar mas não conseguia.. mal consegui abrir os olhos. Escutei uma gritaria e
algumas pessoas se movimentando.
- Venham, venham... ele acordou... rápido. – gritou uma moça, com uma voz
rouca e triste. Estava chorando de emoção aparentemente. Parecia ser uma
enfermeira.
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Minutos depois vi algumas figuras bem familiares no quarto. Meu pai e minha mãe,
minha irmã e amigos de adolescência que eu não via a muito tempo.
- Rico? Sales Silva? O que estão fazendo aqui? Estou sonhando – perguntei,
quase sem voz.
- Sonhando é o que você já fez demais, meu amigo. – disse Rico – você
estava em coma faz cinco anos
- Coma? Mas... como?
- Olá meu filho... – interrompeu Jorge Silva, chorando – estamos tão felizes
de lhe ver bem. Você não se lembra do que aconteceu?
- Não me lembro, disse.
- Quando você tomou os remédios para dormir por causa do problema com a
polícia, os médicos conseguiram lhe salvar. Mas você entrou em coma
profundo. – respondeu minha mãe, passando a mão no meu rosto, muito
emocionada
- Quer dizer que meu curso de Engenharia da Computação, meu retorno a
Belo Horizonte... tudo... foi um sonho?
- Temo que sim, meu filho. Você ficou o tempo todo nessa cama – respondeu
Jorge Araújo
- Mas não se preocupe que você foi muito bem tratado nesse tempo. A
médica que cuidava de você é uma gata – brincou Sales Silva
Entrou então no quarto uma mulher que me era bem conhecida. Toda vestida de
branco, utilizando um belo vestido até o joelho e um jaleco por cima, veio até mim e
disse.
- Muito prazer, Roberto. Já somos íntimos pois fui eu que cuidei de você todo esse
tempo. Meu nome é Doutora Anabella.
Ela sentou-se do meu lado e segurou a minha mão. Eu sorri.
Abril, ano de 2015
Nova York, EUA
John Smith não poderia estar mais feliz. Suas mãos tremiam de satisfação.
Suas pupilas se dilatavam de ansiedade. Ele sabia que o seu futuro estava garantido.
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Sabia que ficaria rico com o seu projeto. Mereço muito mais depois de tudo que
passei, pensou. Meses de trabalho a fio, sem praticamente nenhuma vida social.
Estava tão concentrado que esqueceu o dia do próprio casamento, coisa que
obviamente não foi perdoada pela sua ex-noiva. Posso ter quantas mulheres eu
quiser depois que enriquecer, disse a si mesmo. Pelo que havia ouvido de uma
pessoa importante no meio, a sua idéia era fantástica. Irá revolucionar
automaticamente o conceito de privacidade no mundo inteiro na hora que for
lançado. Tudo o que já foi criado até agora se tornará obsoleto. Ele se lembra bem
desse encontro, que aconteceu em um pequeno restaurante na quinta avenida.
John estava roendo as unhas. Já havia tomado dois copos grandes de café.
Para se distrair, começou a prestar atenção no local onde estava. Parecia mais uma
lanchonete que um restaurante. Era pouco maior que um trailer, com muitos vidros
na parte da frente. As mesinhas de madeira escura tinham um sofá vermelho
bastante confortável ao seu redor. No balcão alguns operários de uma obra próxima
bebiam uma cerveja e conversava animados. Às vezes olhavam para o tipo estranho
sentado sozinho que aparentava estar extremamente ansioso. Provavelmente um
outro membro chato daquela organização greenpeace , disse um dos trabalhadores
apontando para a camiseta preta com um pingüim e a palavra “Linux” que o
estranho usava. John percebeu e imaginou que estavam comentando algo de seu
corpo avantajado.
Ele é relativamente simpático, ruivo com um sorriso cativante. Nem muito baixo
nem alto. Seus amigos diziam que o problema era que estava a um quilo da
obesidade, culpa dos seus eternos lanches noturnos que consumia quando estava
envolvido em projetos. E sempre se envolvia com alguma coisa. Com meia hora de
atraso, um homem de terno preto, camisa branca e uma gravata vermelha escura
entrou no local, retirando John de seus veraneios. Usava um óculos escuro, tinha os
cabelos esbranquiçados mas não aparentava ter mais do que quarenta anos.
- Para que você me chamou aqui, Sr. Smith... estou muito ocupado – disse o homem
- Sente-se. – respondeu John
- Você tem dez minutos
- Preciso apenas de um... – brincou John – veja isso...
Retirou um pequeno tablet do bolso de sua estranha jaqueta marron. Com a caneta
stylus, fez alguns rabiscos na tela e mostrou ao homem. Houve um momento de
apreensão. Após piscar duas vezes e levantar o óculos escuro para ter certeza de que
o que estava vendo era real, disse a John:
- Parabéns. A sua idéia é fantástica. Me conte mais sobre ela.
- E os seus dez minutos?
- Rapaz, você acabou de ganhar a minha atenção para todo o dia. Comece.
118
Isso aconteceu a uma semana. Contrariando as instruções que recebeu, John
resolveu que deveria registrar logo a patente do seu invento. Afinal, não sabe o
quanto seu contato seria confiável.
O prédio de marcas e patentes é todo branco, com uma arquitetura grega.
Parece um museu de longe. Fica em uma região movimentada da ilha de Manhattan.
E infelizmente John só pôde sair na hora do rush, após o seu emprego de
programador sênior em uma gigante do setor de software. “Brain”, como é chamado
pelos colegas menos intelectualmente privilegiados, estava com problemas
financeiros devido a seus extravagantes gostos por tecnologia. Ele sempre gostava
de estar anos luz à frente dos meros mortais. Montou um supercomputador à base de
clusters e gastou mais de 50 mil dólares nele. Foi um excelente investimento, pois
graças a isso ele hoje iria registrar o trabalho da sua vida.
Os pensamentos de John foram interrompidos por um motoqueiro que bateu
na janela do seu Corvette. Sem tempo de reagir, o programador sentiu uma dor
horrível dilacerar o seu peito e duas mais se seguiram. Quando olhou para si, estava
todo vermelho de sangue... começou a se sentir fraco e percebeu o pior: havia sido
baleado. Tentou gritar por socorro mas era tarde demais. Verificou se o seu palmtop
havia sido atingido. O motoqueiro havia partido. Utilizando suas últimas forças,
enviou um importante e-mail que já havia preparado para essa situação.
- Assim não morrerei em vão... – pensou, antes de perder a consciência...
Logo começaram gritos histéricos das pessoas que estavam no trânsito e pedestres
próximos. O local ficou um caos. Pouco tempo depois, policiais haviam
interrompido o cruzamento. Ouvia-se o barulho ensurdecedor de sirenes.
Continua em “Piratas da Rede e o segredo de Rathrus”.
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