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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
COGEAE
ESPECIALIZAÇÃO (PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU) EM
DIREITO ADMINISTRATIVO
INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO PÚBLICA
THIAGO REIS AUGUSTO RIGAMONTI
SÃO PAULO - SP
2016
2
THIAGO REIS AUGUSTO RIGAMONTI
INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO PÚBLICA
Monografia apresentada ao
curso de Especialização
(Pós-Graduação Lato Sensu)
em Direito Administrativo, da
Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo -
COGEAE, como requisito
para obtenção do título de
Especialista em Direito
Administrativo, orientada
pelo Professor Mestre
Mauricio Maia.
SÃO PAULO - SP
2016
3
AVALIAÇÃO: .....................................................................................
ASSINATURA DO ORIENTADOR: ....................................................
4
À minha família e amada, com seu apoio
incondicional.
Aos colegas de labor Dr. Jader Aparecido
Pereira Ferreira e Prof. Dr. Lucas André Netto
Cardoso, que com o auxílio e companheirismo
diários, em muito participaram na edificação
deste estudo e de minhas ideias.
Ao caro Prof. Mauricio Maia, que com sua
simplicidade e inteligência coordenou minhas
atividades.
5
Sumário
INTRODUÇÃO........................................................................................... 07
1. – DO REGIME CONSTITUCIONAL DAS CONTRATAÇÕES
ADMINISTRATIVAS E DOS PRINCÍPIOS QUE AS INFORMAM....... 11
1.1. Do Dever de Licitar................................................................ 29
1.2. Da Lei Geral de Licitações Públicas e dos Demais Princípios
que Informam seus Procedimentos................................................. 35
1.2.1. Das Modalidades Licitatórias da Concorrência Pública,
Tomada de Preços, Convite, Leilão, Concurso, Pregão e do
RDC...................................................................................... 42
1.2.2. Dos Tipos (Critérios) de Julgamento: Do Menor Preço; Da
Melhor Oferta; Da Melhor Técnica e Preço; Da Melhor
Técnica................................................................................. 45
2. – DA INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO............................................ 48
2.1. Da Distinção entre Inexigibilidade e Dispensa de
Licitação.......................................................................................... 51
2.2. Do Conteúdo do Caput do Art. 25 da Lei Federal n.° 8.666/93
– Da Inviabilidade de Competição como hipótese abstrata
autorizativa e do cunho exemplificativo dos Incisos do Art. 25....... 56
3. – DA HIPÓTESE DO INCISO I – DO FORNECEDOR
EXCLUSIVO......................................................................................... 60
6
3.1. Da Vedação à Preferência de Marca e do Atestado de
Fornecimento Exclusivo........................................................................ 67
4. – DA HIPÓTESE DO INCISO II – DO SERVIÇO TÉCNICO
SINGULAR........................................................................................... 75
4.1. Dos Serviços Previstos no Art. 13 da Lei n.° 8.666/93...........84
4.2. Da Contratação dos Serviços Advocatícios.......................... 87
5. – DA HIPÓTESE DO INCISO III – DO PROFISSIONAL DO SETOR
ARTÍSTICO........................................................................................... 97
5.1. Da Consagração pela Crítica Especializada ou pela Opinião
Pública e Da Contratação Direta ou por Intermédio de Empresário
Exclusivo............................................................................................. 101
CONCLUSÃO..................................................................................... 106
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................. 110
7
INTRODUÇÃO
O sistema jurídico normativo nacional, em interpretação sistêmica, é
capaz de, per si, conduzir o intérprete a conclusão da necessidade de que as
relações jurídicas celebradas pela Administração Pública – em especial aquelas
das quais resultarão acréscimos ou decréscimos patrimoniais – hão de ser
antecedidas de procedimento igualitário, a permitir, pois, a observância de que o
gestor administrativo valeu-se, quando do estabelecimento dos vínculos jurídicos
pela máquina gerida, de expediente respeitador da igualdade entre os
administrados, propiciador, concomitantemente, do atingimento da finalidade
administrativa mediante o bom uso (eficiente) do recurso estatal.
Esta é a única conclusão que se pode alcançar ao se deparar com o rol
de princípios e regras de alçada constitucional a embutir, no trato da res publica, a
obrigatoriedade de observância dos pressupostos explícitos da legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, que inauguram o Capítulo
VII da Constituição da República, intitulado “Da Administração Pública”, no caput
do artigo 37, a nortearem, pois, a interpretação dos dispositivos que lhes dão
sequência.
Se é de se esperar – e de se exigir - que a Administração Pública cumpra
os princípios constitucionais como os suprarrelacionados, bem como os que
destes decorrem e aqueles que se poderia dizer prostrarem-se implícitos, é
evidente a obrigatoriedade de expediente administrativo previamente
regulamentado - a guisa de instrumento de segurança jurídica, isonomia e
publicidade -, igualitário - sob normas que não estabeleçam distinções entre
iguais - e instrumental à obtenção da melhor relação jurídica, daí se afirmar dever
ser esta celebrada com aquele que esteja apto e sob condições favoráveis.
Por essas razões que a doutrina afirma, inclusive, a dispensabilidade do
trato expresso com que o constituinte estabeleceu o rito ordinário licitatório.
Todavia, considerando o contexto histórico e jurídico que vigorava à época da
promulgação da Carta Constitucional, mais facilmente apercebe-se a razão pela
qual, de forma expressa e poder-se-ia afirmar robusta, o constituinte originário
8
previu que, em regra, a Administração Pública deverá estabelecer “processo de
licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes,
com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as
condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as
exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do
cumprimento das obrigações”, sempre que tiver de contratar obras, serviços,
compras e alienações (art. 37, XXI, CF).
Vê-se, com rigor, que o constituinte, em dispositivo de profundidade
relevante, previra inúmeros elementos a balizar as contratações administrativas,
dentre os quais, sob a égide constitucional, estampara-se a manutenção das
condições efetivas da proposta (acatando, pois, a teoria da imprevisão aos
contratos administrativos), de permissibilidade excepcional - no mínimo
indispensável - às exigências de qualificação técnica e econômica que objetivem
apenas e tão somente assegurar o cumprimento das obrigações, e, aqui de maior
valor ao objeto do estudo, previra que o procedimento de licitação pública é regra,
“ressalvados os casos especificados na legislação”.
Portanto, de solar evidência que a licitação é o procedimento ordinário,
contudo poderia - como pode - ser excetuada, nos termos da Lei.
O constituinte reconhecera, pois, que o procedimento da licitação pública
é instrumental à satisfação das necessidades estatais, em atendimento aos
princípios sob os quais estas se regem. Em sendo instrumento, não é, por via
lógica, um fim em si mesmo.
Situações existirão em que a licitação pública poderá se mostrar como
verdadeiro empecilho ao atingimento das legítimas necessidades de Estado ou,
de melhor forma, poderia se reconhecer que a licitação não se prostraria como o
melhor instrumento para satisfação de determinada necessidade, havendo meio
mais hábil a satisfazê-la.
De certo, existem hipóteses em que a licitação pública, enquanto
procedimento que se rege sob critérios objetivos, previamente estipulados e
igualitários, é instrumento que não se mostra como um bom meio para
atingimento do fim, de certo que a finalidade perseguida figura como interesse
9
público tão elevado quanto - quiçá superior - aqueles protegidos pelo expediente
licitatório.
Essas hipóteses, de inviabilidade de estabelecimento do certame
licitatório, seja por inviabilidade de competição ou pelo reconhecimento – pelo
Legislador – da existência de legítimo interesse público a ser satisfeito mediante
contratação de determinado sujeito, coisa ou em dado tempo, a Lei Geral de
Licitações e Contratos Administrativos reconheceu como circunstâncias
autorizadoras da inexigibilidade de licitação ou dispensa de licitação,
respectivamente, aquelas previstas nos arts. 25 e 24 do respectivo diploma
normativo.
A inexigibilidade de licitação, que neste trabalho merecerá maior
aprofundamento, configura-se como circunstância de reconhecida inviabilidade de
competição. Ou seja, diferentemente das hipóteses de dispensa de licitação - que
são taxativas e decorrem do reconhecimento estatal prévio de melhor
atendimento do interesse público mediante contratação daquele sujeito, naquele
local, daquela coisa ou em determinado tempo -, a inexigibilidade de licitação
deverá (note, deverá, e não poderá) ser reconhecida sempre que as condições da
contratação se mostrarem incompatíveis com o estabelecimento de uma
contratação sob o rito licitatório ordinário.
O próprio legislador previu, e aqui de forma exemplificativa, as típicas
circunstâncias a avocar a inexigibilidade de licitação, quais sejam, a rigor, a
aquisição de materiais, equipamentos ou gêneros que só possam ser fornecidos
por único sujeito, vedada a preferência de marca (art. 25, I, Lei Federal n.°
8.666/1993); contratação de serviços técnicos de natureza singular e com
profissionais de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de
publicidade e propaganda (art. 25, II); e contratação de profissionais do setor
artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrados
pela crítica especializada ou pela opinião pública (art. 25, III).
Não obstante, a inviabilidade de competição – a ensejar a declaração da
inexigibilidade de licitação – não ocorrerá, nos eventos fenomênicos, apenas
frente às três hipóteses expostas expressamente no diploma normativo e, não
bastasse, estas próprias hipóteses em si guardam um sem fim de combinações
10
casuísticas e de ocorrências que merecerão, para seu cotejo, um estudo muito
mais profundo do que o quanto percebido mediante a mera leitura dos
dispositivos legais.
11
1. DO REGIME CONSTITUCIONAL DAS CONTRATAÇÕES
ADMINISTRATIVAS E DOS PRINCÍPIOS QUE AS INFORMAM
A Constituição da República Brasileira, promulgada no ano de 1988,
possui em seu teor inúmeros dispositivos aplicáveis à realidade do Direito
Administrativo, aprofundando-se, é de se dizer, com relevante rigor no regime
jurídico concernente à Administração Estatal, normatizando, inclusive com riqueza
de regramento, elementos que poderiam sê-lo pelo legislador ordinário.
Credita-se, cediço, a expansão normativa constitucional ao momento
histórico que, à época, prostrava-se recentemente ultrapassado, não sem refletir
no constituinte o receio da concessão de ampla liberdade de produção legislativa
ao rito infraconstitucional.
Preliminarmente, e com o fito de bem situar a estrutura sistêmica a balizar
a compreensão do regime das contratações administrativas, temos como
imperioso se anotar que, no que atine a estas, não há norma que possua regime
hierárquico superior à Constituição da República1. Com rigor, a Lei Magna se
constitui na emanação normativa a condicionar as que lhe forem supervenientes,
inclusive aquelas decorrentes do próprio poder constituinte derivado, de certo
que, ao se considerar o regime jurídico incidente sobre o Direito Administrativo –
onde se incluem os institutos da licitação pública e do contrato administrativo -, o
teor constitucional há de estabelecer-se no espírito do intérprete, de molde a lhe
1 “Tomando a Constituição como o diploma normativo de grau hierárquico superior às demais
normas, sujeitando o Legislativo aos seus termos, delineia-se novo estágio do constitucionalismo,
que bem se resume na proposição Estado Constitucional de Direito. Nota-se que Estado de Direito
é aquele que é subordinado ao Direito. Agora, a palavra Constitucional vem à colação adjetivando
a palavra Direito. Então, Estado Constitucional de Direito é aquele em que o Estado é subordinado
ao Direito, mas só aquele que obedece à Constituição. O Legislativo, por ilação, já não cria o
Direito sem amarras, sem limites, porém em estrita observância á Constituição. Frisa-se, desta vez
de modo peremptório, o papel que cumpre a Constituição para a ordem jurídica, tornando-se o
ponto máximo e imperativo de convergência entre o processo político e o jurídico.” (NIEBUHR,
Joel de Menezes. Dispensa e Inexigibilidade de Licitação Pública. 4° ed. rev. e ampl. Belo
Horizonte: Ed. Fórum, 2015, pág. 94).
12
propiciar a melhor compreensão do regime normativo2, inclusive ao fulminar, se
necessário for, o dispositivo de menor hierarquia que lhe seja conflitante3,
valendo, neste ínterim, transcrever trecho professado pelo Professor José Afonso
da Silva, em sua obra intitulada “Curso de Direito Constitucional Positivo”:
A rigidez constitucional decorre da maior dificuldade para sua
modificação do que para a alteração das demais normas jurídicas da
ordenação estatal. Da rigidez emana, como primordial consequência, o
princípio da supremacia da constituição que, no dizer de Pinto Ferreira,
“é reputado como uma pedra angular, em que assenta o edifício do
moderno direito político”. Significa que a constituição se coloca no
vértice do sistema jurídico do país, a que confere validade, e que todos
os poderes estatais são legítimos na medida em que ela os reconheça
e na proporção por ela distribuídos. É, enfim, a lei suprema do Estado,
pois é nela que se encontram a própria estruturação deste e a
organização de seus órgãos; é nela que se acham as normas
fundamentais de Estado, e só nisso se notará sua superioridade em
relação às demais normas jurídicas.4
2 “As normas constitucionais, além de ocuparem a cúspide da ‘pirâmide jurídica’, caracterizam-se
pela imperatividade de seus comandos, que obrigam – reiteramos – não só as pessoas físicas ou
jurídicas, de direito público ou de direito privado, como o próprio Estado.
O que estamos procurando ressaltar é que a Constituição não é um mero repositório de
recomendações, a serem ou não atendidas, mas um conjunto de normas supremas que devem
ser incondicionalmente observadas, inclusive pelo legislador infraconstitucional, pelo administrador
público e pelo juiz. Afinal, são elas que protegem os cidadãos das eventuais arbitrariedades
estatais.
A Constituição, em resumo, fixa as diretrizes, implícitas e explícitas, a serem observadas por todos
(administrados e administradores, pessoas físicas e jurídicas, nacionais e estrangeiros que aqui
residam ou mantenham negócios, membros dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário etc.),
sob pena de se tornarem sem efeito os atos praticados.
E o mais importante: as normas constitucionais devem receber a interpretação que maior
efetividade lhes empreste, não sendo dado ao aplicador usar de suas próprias idiossincrasias para
‘corrigir’ o que, a seu sentir, está posto de modo inadequado na Lei Maior.” (CARRAZZA, Roque
Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário, 30 ° edição. São Paulo: Ed. Malheiros, 2015.
Págs. 39-40).
3 Daí se compreender a assertiva proferida por Hans Kelsen, ao afirmar que “o fundamento de
validade de uma norma apenas pode ser a validade de outra norma”. (KELSEN, Hans. Teoria Pura
do Direito, 2° ed., vol. II, trad. De João Baptista Machado, Coimbra, Arménio Amado Editor,
Sucessor, 1962, pág. 02).
4 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 36° edição, res. e atual., São
Paulo: Ed. Malheiros, 2013. Pág. 047.
13
Neste diapasão, Ronald Dworkin bem anota, em sua relevante obra
denominada “O Império do Direito”, ao tratar da faceta historicista da corrente
interpretativa constitucional:
O direito serve melhor sua comunidade quando é tão preciso e estável
quanto possível, e isso se aplica particularmente ao direito
fundamental, constitucional. Isso oferece uma razão geral para ligar
a interpretação das leis e de uma constituição a algum fato histórico
que seja, pelo menos em princípio, identificável e imune a convicções
e alianças efêmeras. O teste do autor histórico satisfaz essa condição
melhor que qualquer alternativa. Em sua versão mais forte, que não
permite nenhuma interpretação de um dispositivo constitucional não
extraída das intenções concretas dos autores históricos, confere ao
direito constitucional uma qualidade unilateral e, portanto, propicia a
maior estabilidade e previsibilidade possíveis. A Constituição não será
invocada para anular alguma decisão legislativa ou executiva, a menos
que o saber histórico tenha demonstrado que esse resultado era
pretendido de alguma forma concreta. Contudo, se essa restrição
unilateralista for considerara por demais restritiva, a forma mais frágil
oferecerá mais estabilidade do que qualquer estilo interpretativo que
menospreze as intenções históricas em sua totalidade. Nenhuma lei ou
decisão será anulada se se puder demonstrar, em bases históricas,
que os autores da Constituição esperavam que isso não acontecesse.
(destaque nosso).5
Aliás, cumpre bem anotar que o artigo 1° do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias - que possui status constitucional, embora transitório6
5 DWORKIN, Ronald. O Império do Direito, tradução Jeferson Luiz Camargo, rev. Gildo Sá Leitão
Rios, 3° Ed., São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2014. Pág. 438 6 “De fato, as disposições constitucionais transitórias perdem a eficácia em seu respectivo termo,
que pode dar-se tanto pelo decurso do prazo indicado pelo constituinte originário (fluência do
prazo prefixado de vigência) como pela realização total de seu objeto (adimplemento da condição
resolutiva).
14
- já bem fixa o compromisso das maiores autoridades estatais - dentre elas os
“membros do Congresso Nacional” - em “manter, defender e cumprir a
Constituição, no ato e na data de sua promulgação”.
Do teor da Constituição da República se destacam inúmeros dispositivos
que realçam, explícita e implicitamente, sua condição de superioridade
hierárquica e de condicionantes à validade das regras supervenientes, a saber os
artigos 1°, parágrafo único, 60, § 4° (que estabelece as cláusulas pétreas, cujos
valores por elas protegidos subordinam inclusive o poder constituinte derivado),
102, I, alínea “a”, III, alíneas “a”, “b”, “c”, § 1°, 103, dentre outros.
Posto isto, anotado que compete à Constituição da República a criação
originária do regime jurídico normativo, a condicionar a interpretação dos
diplomas hierarquicamente inferiores, expõe-se que o artigo 37, caput, da Lei
Magna, que inaugura o capítulo legislativo destinado à “Administração Pública”
fixa os princípios que nortearão a atividade estatal, dentre os quais,
explicitamente, determinou obrigatória obediência aos da “legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”7.
Nesta toada, é mister que bem se delineie o significado jurídico que se
reconhece ao signo “princípio”, almejando que estes princípios, adiante
pormenorizados, compreendam adequado realce.
Com rigor, não se olvida que parte da doutrina clássica, nos dizeres de
Robert Alexy8 - que estabeleceu o conceito de princípio como recorrentemente o
reconhecemos -, prega a distinção entre princípios e regras, estabelecendo-os
como espécies do gênero normas, em que os primeiros se reconhecem por sua
A existência das disposições constitucionais transitórias justifica-se plenamente, porquanto são
elas que estabelecem o elo entre o passado e o futuro – isto é, entre a ordem jurídica preexistente
e a inaugurada com a nova Constituição. Parafraseando Luís Roberto Barroso, servem para
‘aplainar a travessia entre o velho e o novo’.” (CARRAZZA, Roque Antonio. Ob Cit., Pág. 41). 7 Constituição Federal. Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: Redação
dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) (...) 8 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais, tradução de Virgílio Afonso da silva da 5°
edição alemã Theorie der Grundrechte, publicada pela Suhrkamp Verlag (2006), 2° edição, 2°
tiragem. São Paulo: Ed;. Malheiros, 2012. Pág. 90-91.
15
maior generalidade e possibilidade de ponderação em sua aplicabilidade
concreta, distintamente das regras, cujo grau de concretude é mais elevado e
sem permissibilidade ponderativa, em seus termos:
O ponto decisivo na distinção entre regras e princípios é que princípios
são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida
possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes.
Princípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização, e pelo
fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente
das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. O
âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e
regras colidentes.
Já as regras são normas que são sempre ou satisfeitas ou não
satisfeitas. Se uma regra vale, então, deve se fazer exatamente aquilo
que ela exige; nem mais, nem menos. Regras contêm, portanto,
determinações no âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível.
Isso significa que a distinção entre regras e princípios é uma distinção
qualitativa, e não uma distinção de grau. Toda norma é ou uma regra
ou um princípio.
Alexy ainda anota que o conflito entre princípios provoca no exegeta a
necessária ponderação, em uma relação de precedência dum sobre outro, a
considerar as condições a lhes determinar o peso, distintamente das regras, cujos
conflitos hão de provocar o reconhecimento da invalidade de uma delas, sendo
incabível relativizar, em juízo de ponderação, os seus termos9.
9 “As colisões entre princípios devem ser solucionadas de forma completamente diversa. Se dois
princípios colidem – o que ocorre, por exemplo, quando algo é proibido de acordo com um
princípio e, de acordo com o outro, permitido -, um dos princípios terá que ceder. Isso não
significa, contudo, nem que o princípio cedente deva ser declarado inválido, nem que nele deverá
ser introduzida uma cláusula de exceção. Na verdade, o que ocorre é de que um dos princípios
tem precedência em face do outro sob determinadas condições. Sob outras condições a questão
da precedência pode ser resolvida de forma oposta. Isso é o que se quer dizer quando se afirma
que, nos casos concretos, os princípios têm pesos diferentes e que os princípios com o maior
peso têm precedência. Conflitos entre regras ocorrem na dimensão da validade, enquanto as
colisões entre princípios – visto que só princípios válidos podem colidir – ocorrem, para além
dessa dimensão, na dimensão do peso. (Alexy, Robert. Ob. Cit., Pág. 93-94).
16
Neste diapasão, reconhece-se, inclusive com o fito de conduzir os
conceitos doravante delineados, que os princípios jurídicos constitucionais devem
sê-lo, pois, mandamentos de otimização, normas a servir como finalidades do
sistema jurídico-normativo, a conduzir a produção científica do Direito10, em seus
caracteres legislativos e em sua aplicação pelo intérprete11.
Cumpre destacar, acerca deste tema, anotação feita pelo Prof. Ricardo
Marcondes Martins12, em relevante dissertação acerca das fases de conceituação
dos princípios jurídicos, ao afirmar que “A compreensão da natureza dos
10
“Concebendo-o como ponto de partida, prima principia (primeiro princípio), alicerce de alguma
coisa, irremediavelmente, o princípio será a pedra angular da noção de sistema. Compreenda-se
sistema como método de análise, lídima técnica para examinarmos, de maneira útil e didática, a
realidade circundante. Através dele, ordenamos, de modo analítico, uma dada esfera do saber,
compreendendo-a lógica e coerentemente. É o que o ‘caráter orgânico das realidades
componentes do mundo que nos cerca e o caráter lógico do pensamento humano conduzem o
homem a abordar as realidades que pretende estudar, sob critérios unitários, de alta utilidade
científica e conveniência pedagógica, em tentativa de reconhecimento coerente e harmônico da
composição de diversos elementos em um todo unitário, integrado em uma realidade maior. A esta
composição de elementos, sob perspectiva unitária, se denomina sistema’ (Geraldo Ataliba,
Sistema Constitucional tributário brasileiro, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1966 p. 4).
O direito positivo (corpo de normas vertidas na linguagem prescritiva do legislador) não é um
sistema, nem tampouco o é a ciência do direito (corpo de enunciados provenientes da linguagem
descritiva do estudioso). Ambos, porém, consignam realidades que podem ser estudadas
sistemicamente, facilitando-lhes o conhecimento e o manejo. (...)
Princípio constitucional é o enunciado lógico que serve de vetor para soluções interpretativas.
Quando examinado com visão de conjunto, confere coerência geral ao sistema, exercendo função
dinamizadora e prospectiva, refletindo a sua força sobre as normas constitucionais.
A violação de um princípio compromete a manifestação constituinte originária. Violá-lo é tão grave
quando transgredir uma norma qualquer.” (BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada,
10° edição revista, atualizada e reformulada até a Emenda Constitucional n. 70/2012, São Paulo:
Ed. Saraiva, 2012., pág. 47). 11
“As normas são preceitos que tutelam situações subjetivas de vantagem ou de vínculo, ou seja,
reconhecem, por um lado, a pessoas ou a entidades a faculdade de realizar certos interesses por
ato próprio ou exigindo ação ou abstenção de outrem, e, por outro lado, vinculam pessoas ou
entidades à obrigação de submeter-se às exigências de realizar uma prestação, ação ou
abstenção em favor de outrem. Os princípios são ordenações que se irradiam e imantam os
sistemas de normas, são [como observam Gomes Canotilho e Vital Moreira], ‘núcleos de
condensações nos quais confluem valores e bens constitucionais’. Mas, como disseram os
mesmos autores, ‘os princípios, que começam por ser a base de normas jurídicas, podem estar
positivamente incorporados, transformando-se em normas-princípio e constituindo preceitos
básicos da organização constitucional’”. (SILVA, José Afonso da. Ob. Cit. Págs. 93-94). 12
MARTINS, Ricardo Marcondes. Abuso de Direito e a Constitucionalização do Direito Privado.
São Paulo: Ed. Malheiros, 2010. Pág. 018.
17
princípios depende da percepção clara do seguinte: toda regra jurídica é a
concretização de um princípio jurídico.”13
Não obstante, em uma das maiores produções científicas sobre o tema,
Humberto Ávila com maestria leciona:
As regras são normas imediatamente descritivas, primariamente
retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para
cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre
centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhes
são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da
descrição normativa e a construção conceitual dos fatos.
Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente
prospectivas e com pretensão de complementaridade e de
parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da
correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos
decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção.14
Assim sendo, valendo-nos da brilhante e didática exemplificação
constante na obra de Antonio Roque Carrazza, que registra analogia professada
pelos Profs. Geraldo Ataliba e Celso Antonio Bandeira de Mello, os princípios são
como o alicerce e a estrutura bruta de um edifício, enquanto as regras, por assim
dizer, são suas paredes, portas, janelas e escadas. É evidente que tão mais
completa e eficiente será a construção edilícia em havendo bastantes e em boa
qualidade divisórias, paredes, portas e janelas. Todavia, essas últimas podem ser
13
“Princípios consistem na positivação de um valor. A dignidade da pessoa humana, por exemplo,
é considerada importante e é, nesse sentido, um valor. Enquanto valor possui caráter axiológico
(âmbito do bom). Quando positivado, o valor é introduzido no ordenamento por intermédio de um
princípio, passa do plano axiológico para o deôntico (âmbito do dever-ser). O princípio determina
que o valor por ele positivado seja concretizado da melhor maneira possível e essa ‘melhor forma
possível’ sempre dependerá do caso concreto, das circunstâncias. Diante destas, outros valores,
também positivados, ou seja, outros princípios podem incidir. Necessitar-se-á efetuar uma
ponderação e apurar, diante das circunstâncias, se e em que medida o valor protegido poderá ser
implementado.” (MARTINS, Ricardo Marcondes. Ob Cit. Pág. 018.
14
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição a aplicação dos princípios jurídicos. 10°
edição, ampliada e atualizada. São Paulo: Editora Malheiros, 2009. Págs. 78-79.
18
modificadas, aliás, com o tempo deverão sê-lo, podendo mesmo serem excluídas
sem afetar os alicerces e a estruturação da obra. Os alicerces, estes não podem
ser excluídos - sequer substancialmente alterados -, sob risco de a construção
sucumbir. As paredes, os pisos, portas e janelas, portanto, dependem diretamente
da qualificação da estrutura predial (aqui reconhecidas como os princípios), e são
implementados conforme esta estrutura lhes permitir15.
Neste ínterim, o eminente publicista Prof. Celso Antonio Bandeira de
Mello ratifica seu raciocínio, expondo o conceito de princípio jurídico, assertiva
esta que adotamos integralmente e que consideraremos em todas as vindouras
oportunidades em que o signo princípio for citado, in verbis:
Princípio é, pois, por definição, mandamento nuclear de um sistema,
verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre
diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para
exata compreensão e inteligência delas, exatamente porque define a
lógica e a racionalidade do sistema normativo, conferindo-lhe a tônica
que lhe dá sentido harmônico. Eis porque violar um princípio é muito
mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio
implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório,
mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de
ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio
violado, porque representa insurgência contra todo o sistema,
subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu
arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.16
Neste diapasão, portanto, a considerar os princípios jurídicos enquanto
mandamentos nucleares de um sistema, temos que à Administração Pública
cumpre obrigatório atendimento, preliminarmente, aos princípios da legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, que figuram, como já dito,
15
CARRAZZA, Roque Antonio. Ob Cit., Pág. 48-49.
16
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 31° edição. São Paulo:
Editora Malheiros, 2014. Pág. 54 (itálico nosso).
19
no caput do dispositivo inaugural do capítulo constitucional intitulado “Da
Administração Pública” (art. 37, caput).
Com rigor, coloca-se acima de qualquer dúvida que a Administração
Pública deverá se submeter a tais conceitos principiológicos, donde, inclusive e
com certo realce, inexoravelmente lhes deverá atendimento em seus
procedimentos de contratações administrativas e licitações públicas.
Vê-se, pois, que sobre a licitação pública - e seus expedientes de
exceção - incidem os princípios aplicáveis ao regime jurídico-administrativo, de
certo, aliás, que o dispositivo constitucional que expressamente fixa a licitação
como rito ordinário de contratação administrativa se encontra em um inciso do
artigo 37 (inciso XXI), cujo caput, como dito, fixa as bases principiológicas a
refletir no sistema normativo “Da Administração Pública”.
Isto posto, é de se frisar que o primeiro princípio exposto no referido
dispositivo normativo é o da legalidade. E a legalidade, realçada no trato da
Administração Pública, possui distinta conotação daquela aplicável às relações
jurídicas privadas, exatamente porque, em seara pública, ao administrador não se
aplica apenas a vedação às condutas defesas em lei, conforme previsto no art. 5°,
II, da Carta Magna, mas, ao revés, faz-se, na Administração Pública, apenas o
que for expressamente autorizado pelo legislador, no que a doutrina também
denomina como princípio da legalidade estrita17.
Celso Antonio Bandeira de Mello leciona:
17
“Pode-se dizer, do princípio da legalidade em relação ao Estado de Direito, que é ‘justamente
aquele que o qualifica e que lhe dá identidade própria’, pois ele representa a submissão do Estado
à lei.
(...)
O sentido princípio do princípio da legalidade comporta o entendimento segundo o qual é o
constituinte, depois o legislador, e, por último, o administrador - nesta ordem hierárquica - que
devem tomar decisões importantes para os destinos do Estado. As decisões fundamentais de uma
sociedade devem ter assento constitucional, e outras tantas, de natureza perene e de importância
e abstração reconhecidas, devem estar presentes em textos de lei e demais atos legislativos.”
(MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional, 7°
edição, Editora Saraiva, 2012. Págs. 892-893).
20
Com efeito, enquanto o princípio da supremacia do interesse público
sobre o interesse privado é da essência de qualquer Estado, de
qualquer sociedade juridicamente organizada com fins políticos, o da
legalidade é específico do Estado de Direito, é justamente aquele que
o qualifica e que lhe dá a identidade própria. Por isso mesmo é o
princípio basilar do regime jurídico-administrativo, já que o Direito
Administrativo (pelo menos aquilo que como tal se concebe) nasce
com o Estado de Direito: é uma consequência dele. É o fruto da
submissão do Estado à lei. É, em suma: a consagração da ideia de
que a Administração Pública só pode ser exercida na conformidade da
lei e que, de conseguinte, a atividade administrativa é atividade
sublegal, infralegal, consistente na expedição de comandos
complementares à lei. 18
Neste ínterim, indispensável se trazer à baila a celebre assertiva de
Seabra Fagundes, ao afirmar que “administrar é executar a lei de ofício”19.
Subordina-se a Administração Pública, igualmente, ao princípio da
impessoalidade, que, inegavelmente, prostra-se, ao menos em parte,
“intimamente relacionado com o princípio da isonomia”20, ao tempo que veda o
tratamento desigual entre aqueles que não possuam desequiparação neles
mesmos, e, aí a sua faceta singular, referido princípio traduz impedimento à
valorização de interesse pessoais pelo servidor estatal, que deve, pois,
administrar de forma “neutra, objetivando exclusivamente a realização do
interesse de todos, jamais de uma pessoa ou um grupo em particular.”21
O Estado também deve atendimento, na execução de seus misteres, ao
princípio da moralidade, reconhecido, na lição de Celso Antonio Bandeira de
Mello, nos seus correlatos princípios da boa fé e lealdade, de certo que sua
18
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Ob Cit. Págs. 102-103.
19 FAGUNDES, M. Seabra. Conceito de Mérito no Direito Administrativo. Revista de Direito
Administrativo, Seleção Histórica. Rio de Janeiro: Renovar, 1979.Pág. 04-05.
20 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 11° Ed., Editora Saraiva, 2013. Pág.
1.063.
21 TAVARES, André Ramos. Ob Cit. Idem.
21
irradiação provoca a que “a Administração haverá de proceder em relação aos
administrados com sinceridade e lhaneza, sendo-lhe interdito qualquer
comportamento astucioso, eivado de malícia, produzido de maneira a confundir,
dificultar ou minimizar o exercício de direitos por parte dos cidadãos.”22
Sobre o princípio da moralidade, ademais, de solar importância a citação
de obra de autoria do publicista Márcio Cammarosano, ao fincar, não sem robusto
estudo e elucidação prévios, que o princípio jurídico da moralidade não se
confunde com a Moral, mas, ao revés, reflete as normas morais juridicizadas, de
molde a que apenas o descumprimento das segundas - moral juridicizada - pode
levar à conclusão de infração ao princípio jurídico da moralidade, em seus
sublimes termos:
A moralidade administrativa não pode ser dissociada da legalidade;
pelo menos da legalidade em sentido amplo, entendida esta como a
qualidade do que está conforme ou compatível com a ordem jurídica, e
não apenas com a lei em sentido estrito.
Na fórmula ‘non omne quod licet honestum est’ – nem tudo que é lícito,
é honesto, isto é, nem tudo o que a lei permite é moralmente aceitável
– o Direito e a Moral podem ser representados por dois círculos
concêntricos, sendo maior o da Moral. A moralidade administrativa,
contudo, não constitui esse círculo maior que extrapola o mundo
jurídico, não expande o Direito de sorte a torná-lo compreensivo
também do que estava em princípio fora dele, para além dele.(...)
Nem todo ato ilegal é imoral. Mas não se pode reconhecer como
ofensivo à moralidade administrativa ato que não seja ilegal. Não
existe ato que seja legal e ofensivo à moralidade. Só é ofensivo à
moralidade administrativa porque ofende certos valores juridicizados. E
porque ofende valores juridicizados, é ilegal. Ofender certos valores
torna o ato especialmente viciado. Não será apenas qualificado como
ilegal, mas também ofensivo à moralidade administrativa.23
22
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Ob Cit. Pág. 122-123.
23
CAMMAROSANO, Márcio. O Princípio Constitucional da Moralidade e o Exercício da Função
Administrativa. Ed. Fórum, 1° Ed., 2006, Págs. 102-103.
22
A imoralidade administrativa é, digamos, resultante de uma
qualificadora de ilegalidade. Sem o vício quanto à legalidade não há
que se cogitar da circunstância que a qualificaria especialmente.
Reconhece-se, igualmente, obrigatório o atendimento ao princípio da
publicidade, refletido no dever de transparência24 da atuação estatal, enquanto
permissivo de exercício democrático do poder de Estado. Com rigor, conforme
anota José Afonso da Silva, a publicidade “não é um requisito de forma do ato
administrativo, não é elemento formativo do ato; é requisito de eficácia e
moralidade.”25.
No que atine às licitações públicas, aliás, é de se dizer que o princípio da
publicidade goza de especial observância, considerando que, cediço, a própria
eficiência do certame depende da efetiva e eficaz competição, sabidamente
apenas exercida se for comunicado - eficientemente - a todos os potenciais
concorrentes o desejo estatal de comprar, alienar, contratar, locar e etc.
Neste diapasão, ademais e com destaque, a Lei que estabelece normas
gerais em Licitações e Contratos Administrativos (Lei Federal n.° 8.666/1993) -
sobre a qual melhor se dirá -, expõe em inúmeros dispositivos requisitos
procedimentais a ensejar a correta publicidade a seus instrumentos, dentre os
quais podemos realçar os artigos 3°, § 3°, 16, caput, 21, 34, § 1°, 38, II, 40, VIII,
61, parágrafo único, e 63.
Não se deve ignorar, cediço, que embora o princípio da publicidade na
Administração Pública seja de contornos ampliadíssimos, a inspirar inclusive o
diploma normativo considerado paradigma do Estado de Direito contemporâneo -
Lei de Acesso a Informação (Lei Federal n.° 12.527/200126) -, nas licitações
24
“A publicidade sempre foi tida como um princípio administrativo, porque se entende que o Poder
Público, por ser público, deve agir com a maior transparência possível, a fim de que os
administrados tenham, a toda hora, conhecimento de que os administradores estão fazendo.”
(SILVA, José Afonso da. Ob. Cit. Pág. 673-674). 25
Ibidem. Pág. 674.
26
“Regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5.°, no inciso II do § 3.° do art.
37 e no § 2.° do art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei no 8.112, de 11 de dezembro de
23
públicas, tais como em seus procedimentos de exceção, a publicidade é efetivo
meio instrumental para atingimento da ampla competitividade, finalidade
notoriamente constituída como precípua da licitação pública (arts. 3°, caput, e §
1°, I, Lei Federal n.° 8.666/199327).
Quando ao princípio da competitividade, aliás, anota a doutrina de Joel de
Menezes Niebuhr:
Além da obrigatoriedade da licitação pública, da excepcionalidade da
contratação direta e da intangibilidade da equação econômica e
financeira, o inciso XXI do artigo ainda traz importante expressão do
princípio da competitividade ao consignar que o legislador, no
processo de licitação, “somente permitirá as exigências de qualificação
técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das
obrigações”.
Quer-se com isso ampliar a competitividade, impedindo que o
legislador erga barreiras à participação no certame de interessados
capazes de satisfazer com excelência ao interesse público, sob a
escusa de formalidades de fundo despropositadas. O constituinte,
portanto, limitou sensivelmente a capacidade de o legislador realizar
exigências em licitação pública, admitindo apenas, repita-se,
1990; revoga a Lei n.° 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei no 8.159, de 8 de
janeiro de 1991; e dá outras providências.”
27 Art. 3.°: A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a
seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento
nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios
básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da
probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos
que lhes são correlatos.
§ 1.°: É vedado aos agentes públicos:
I - admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que
comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo, inclusive nos casos de
sociedades cooperativas, e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da
sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para
o específico objeto do contrato, ressalvado o disposto nos §§ 5.° a 12 deste artigo e no art. 3.° da
Lei no 8.248, de 23 de outubro de 1991;
24
exigências de qualificação técnica e econômica que sejam
indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.28
Em sequência, previu o Constituinte expressamente a subsunção da
Administração Pública - daí aplicar-se em todos os seus misteres - ao princípio da
Eficiência, a significar, portanto, a satisfação do interesse público mediante a
obtenção do fim através do melhor meio possível, menos oneroso, mais ágil e
satisfativo.
Trata-se de conceito principiológico que decorre mesmo do princípio da
Boa Administração29, também correlato, em anotação proferida pelo Prof. Carlos
Pinto Coelho Motta30, ao princípio da economicidade, refletido no teor do artigo 70
da Constituição Federal31.
Por conseguinte, cumpre ressaltar, afigura-se absolutamente enraizado
nos procedimentos licitatórios e de contratação administrativa - daí também se
enraizar nas modalidades de exceção, tal como a inexigibilidade, que
oportunamente destacamos - o princípio da igualdade, que nos permitimos
também reconhecê-lo sob o título de isonomia, de molde a que apliquemos a
ambas nomenclaturas mesmo significado jurídico. Também não ignoramos que
parte da doutrina não o distingue do princípio da impessoalidade32, embora nos
28
NIEBUHR, Joel de Menezes. Ob. Cit., Pág. 128-129.
29
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Ob. Cit., pág. 125. 30
“Outro princípio correlato à licitação, nem sempre objeto da devida análise, é o da
economicidade, constante do art. 70 da Constituição Federal e voltado para o controle da
eficiência do gasto público, no que diz respeito ao custo-benefício. Implica a aplicação de
mecanismos fidedignos de controle da eficiência na gestão financeira e na execução
orçamentária. Tal princípio ganha especial relevo com a introdução do princípio da eficiência no
caput do art. 37.” (MOTTA, Carlos Pinto Coelho. Eficácia nas Licitações e Contratos, 12 ed. Ver. E
atual. Belo Horizonte: Del Rey, 2011. Pág. 122.) 31
Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e
das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade,
economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso
Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.
32 “Nele se traduz a ideia de que a Administração tem que tratar a todos os administrados sem
discriminações, benéficas ou detrimentosas. Nem favoritismo nem perseguições são toleráveis.
Simpatias ou animosidades pessoais, políticas ou ideológicas não podem interferir na atuação
25
permitimos ver naquele maior abrangência do que neste, donde afirmamos se
tratar de gênero e espécie, respectivamente.
Nestas razões, o princípio da igualdade se afigura como o núcleo
principiológico que inaugura o Capítulo II, Título II, da Constituição da República
de 1988, denominado “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, constituindo-se
no caput do art. 5°, cláusula pétrea do sistema jurídico normativo nacional (60, §
4°, IV, da Constituição Federal), a dizer que “todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade”.
Não é forçoso afirmar, pois, que o princípio da igualdade se afigura como
vetor do sistema jurídico normativo e da própria Carta Magna - já que
estabelecido no caput do dispositivo inaugural dos direitos individuais
fundamentais - e, pois, impõe à Administração Pública o seu cumprimento,
notadamente quando esta postula por conferir uma ampliação da esfera jurídica
de quaisquer interessados que cumpram minimamente condições pré-fixadas (art.
37, XXI, CF), outorgando-lhes a obrigação de execução do serviço público (lato
sensu) e a contrapartida remuneratória, com o seu lucro legítimo e consequente.
Acerca dele (princípio da igualdade), aliás, são vastas as disposições
doutrinárias que forçam a reflexão sobre seu conteúdo extremamente
abrangente33, que poder-se-ia afirmar fundamentar verdadeiras estruturas
administrativa e muito menos interesses sextários, de facções ou grupos de qualquer espécie. O
princípio em causa não é senão o próprio princípio da igualdade ou isonomia. Está consagrado
explicitamente no art. 37, caput, da Constituição. Além disso, assim como ‘todos são iguais
perante a lei’ (art. 5°, caput), a fortiori teriam de sê-lo perante a Administração.” (MELLO, Celso
Antonio Bandeira de. Ob. Cit. Pág. 117).
33 “Ora, senhores bacharelandos, pesai bem que vos ides consagrar à ‘lei’, num país onde a lei
absolutamente não exprime o consentimento “da maioria”, onde são as minorias, as oligarquias
mais acanhadas, mais impopulares e menos respeitáveis, as que põem, e dispõem, as que
mandam, e desmandam em tudo; a saber: num país, onde, verdadeiramente, ‘não há lei”, não há,
moral, política ou juridicamente falando.
(...)
Que extraordinário, que imensurável, que, por assim dizer, estupendo e sobre-humano, logo, não
será, em tais condições o papel da justiça! Maior que o da própria legislação. Porque, se dignos
são os juízes, como parte suprema, que constituem, no executar das leis, - em sendo justas, lhes
manterão êles a sua justiça, e, injustas, lhes poderão moderar, se não, até, no seu tanto, corrigir a
26
político-constitucionais, figurando essas últimas, não por poucas vezes, como
instrumentais à satisfação da igualdade entre os homens.
Cumpre transcrever, neste diapasão, trecho da obra intitulada “O
Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade”, de autoria do Prof. Celso Antonio
Bandeira de Mello, em que se destaca, em síntese, o núcleo do princípio da
igualdade a ser observado, no caso, pelo legislador, teoria esta também
observável pelo administrador, na execução de suas finalidades:
Afinal: há de ser nos próprios acontecimentos tomados em conta que
se buscarão diferenças justificadoras de direitos e de deveres distintos
e não em fatores alheios a eles que em nada lhes agregam
peculiaridades desuniformizadoras.
Em suma: é simplesmente ilógico, irracional, buscar em um elemento
estranho a uma dada situação, alheio a ela, o fator de sua
peculiarização. Se os fatores externos à sua fisionomia são diversos
(quais os vários instantes temporais) então, percebe-se, a todas as
luzes, que eles é que se distinguem e não as situações propriamente
ditas. Ora, o princípio da isonomia preceitua que sejam tratadas
igualmente as situações iguais e desigualmente as desiguais. Donde
não há como desequiparar pessoas e situações quando nelas não se
encontram fatores desiguais.34
injustiça.” (BARBOSA, Rui. Oração aos moços. Edição Nacional: Casa de Rui Barbosa, 1949. p.
55, 56, 58 e 59.).
“Dirigir-se a um juiz é dirigir-se à justiça, pois o juiz ideal é, por assim dizer, a justiça personificada.
E também os homens necessitam de um juiz para que este seja um elemento mediano, pelo que,
efetivamente, em alguns lugares, ele é chamado de mediador, pois pensam que se ele atinge a
mediania, atinge o que é justo. (...)
Ora, o juiz restaura a igualdade. Se representarmos a matéria por uma linha dividida em duas
partes desiguais, ele subtrai do segmento maior aquela porção pela qual é excedida uma metade
da linha inteira e a soma ao segmento menor. Quando o todo foi dividido em duas metades, as
pessoas costumam dizer que assim ‘têm o que lhes cabe’, tendo obtido o que é igual.
(ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução, textos adicionais e notas Edson Bini. Bauru, SP:
EDIPRO, 3. ed., 1. reimp. 2013, p. 155).
34 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3° edição,
21° tiragem. Ed. Malheiros, 2012. Págs. 34-35.
27
Daí se dizer que o princípio da igualdade, consoante melhor se exporá
nos capítulos subsequentes, é aquele (não exclusivamente, mas especialmente),
que fundamenta a própria existência do instituto da licitação pública, e da grande
parte de seus expedientes, constituindo-se mesmo em gênero de uma série dos
elementos principiológicos das contratações administrativas e de seus ritos, tais
como, com destaque e anotando que merecerão melhor sublinhamento nos
capítulos que se seguirão, os princípios da vinculação ao instrumento
convocatório e da publicidade, limites à mutabilidade do contrato administrativo
(arts. 57 e 65, Lei n.° 8.666/93), vedação à contratação daquele que não obtenha
a melhor classificação (art. 50), julgamentos de fases habilitatórias e
classificatórias mediante critérios objetivos (arts. 44 e 45), dentre outros, hábeis à
conceder isonomia no expediente ordinário de contratação, aplicável, pois,
àqueles de exceção, no que couber.
Desta feita, adiante, temos como de precípua fonte constitucional e,
portanto, aplicável nos procedimentos administrativos, os princípios da
proporcionalidade e da razoabilidade.
O primeiro, eficientemente já proclamado como mandamento de
otimização do respeito máximo a todo direito fundamental, em situação de conflito
com outro35, costuma ser decomposto pela doutrina nos subprincípios da
35
“O princípio da proporcionalidade, entendido como um mandamento de otimização do respeito
máximo a todo direito fundamental, em situação de conflito com outro (s), na medida do jurídico e
faticamente possível, tem um conteúdo que se reparte em três ‘princípios parciais’
(Teilgrundsätze): ‘princípio da proporcionalidade em sentido estrito’ ou ‘máxima do sopesamento’
(Abwägungsgebot), ‘princípio da adequação’ e ‘princípio da exigibilidade’ ou ‘máxima do meio mais
suave’ (Gebot des mildesten Mittels). O ‘princípio da proporcionalidade em sentido estrito’
determina que se estabeleça uma correspondência entre o fim a ser alcançado por uma
disposição normativa e o meio empregado, que seja juridicamente a melhor possível. Isso
significa, acima de tudo, que não se fira o “conteúdo essencial” (Wesensgehalt) de direito
fundamental, com o desrespeito intolerável da dignidade humana, bem como que, mesmo em
havendo desvantagens para, digamos, o interesse de pessoas, individual ou coletivamente
consideradas, acarretadas pela disposição normativa em apreço, as vantagens que traz para
interesses de outra ordem superam aquelas desvantagens. Os subprincípios da adequação e da
exigibilidade ou indispensabildiade (Erforderlichkeit), por seu turno, determinam que, dentro do
faticamente possível, o meio escolhido se preste para atingir o fim estabelecido, mostrando-se,
assim, ‘adequado’. Além disso, esse meio deve se mostrar ‘exigível’, o que significa não haver
outro, igualmente eficaz, e menos danoso a direitos fundamentais.” (GUERRA FILHO, Willis
Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais. 5. ed. rev. e ampl. São Paulo: RCS
Editora, 2007, p. 88 e 89).
28
adequação, a ensejar avaliação de possibilidade de atendimento do fim pelo meio
eleito, necessidade, enquanto balizador de inexistência de meio menos gravoso
tão eficaz quanto, e da proporcionalidade em sentido estrito, propiciadora da
ponderação se as mazelas provocadas pelo meio justificam sua adoção em
consentâneo aos fins obteníveis36.
A razoabilidade, a seu turno, é bem conceituada na doutrina de Humberto
Ávila37, cumprindo destacar:
Relativamente à razoabilidade, dentre tantas acepções, três se
destacam. Primeiro, a razoabilidade é utilizada como diretriz que exige
a relação das normas gerais com as individualidades do caso concreto,
quer mostrando sob qual perspectiva a norma deve ser aplicada, quer
indicando em quais hipóteses o caso individual, em virtude de suas
especificidades, deixa de se enquadrar na norma geral. Segundo, a
razoabilidade é empregada como diretriz que exige uma vinculação
das normas jurídicas com o mundo ao qual elas fazem referência, seja
reclamando a existência de suporte empírico e adequado a qualquer
ato jurídico, seja demandando uma relação congruente entre a medida
adotada e o fim que ela pretende atingir. Terceiro, a razoabilidade é
utilizada como diretriz que exige a relação de equivalência entre duas
grandezas.
Adiante, o doutrinador distingue os postulados da proporcionalidade e da
razoabilidade, anotando que o primeiro “faz referência a uma relação de
36 “Costuma-se decompor o princípio da proporcionalidade em três elementos a serem observados
nos casos concretos: a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito.
Conforme expressões de Canotilho, a adequação ‘impõe que a medida adotada para a realização
do interesse público deve ser apropriada à prossecução do fim ou fins a ele subjacentes’; o
princípio da necessidade ou menor ingerência possível coloca a tônica na ideia de que ‘o cidadão
tem direito à menor desvantagem possível’ e o princípio da proporcionalidade em sentido estrito é
‘entendido como princípio da justa medida. Meios e fins são colocados em equação mediante um
juízo de ponderação, com o objetivo de se avaliar se o meio utilizado é ou não desproporcionado
em relação ao fim. Trata-se, pois, de uma questão de ‘medida’ ou ‘desmedida’ para se alcançar
um fim; pesar as desvantagens dos meios em relação às vantagens do fim.” (MELLO, Celso
Antonio Bandeira de. Ob Cit., Pág. 114). 37
ÁVILA, Humberto. Ob Cit. Pág. 154.
29
causalidade entre um meio e um fim”, distintamente da razoabilidade, que impõe
“uma relação de equivalência entre a medida adotada e o critério que a
dimensiona”, hipótese em que se exige “relação entre critério e medida, e não
entre meio e fim”. O autor, aliás, não deixa de anotar ser possível compreender a
razoabilidade alocada no subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito38,
tomando este último como abrangente ponderação a ensejar a vedação do
excesso39.
Isto posto, é indispensável que se reconheça, na interpretação da Lei
Geral de Licitações e Contratos Administrativos, notadamente nas margens
interpretativas de seus dispositivos em face das circunstâncias dos casos
concretos, o cabimento dos princípios retrocitados, todos, pode-se dizer, com
status constitucional.
1.1. Do Dever de Licitar
Nestas razões, a priori, expostos os princípios que informam a atuação
administrativa quando da celebração de suas contratações, tem-se que dizer que
o instituto jurídico que, em regra, presta-se como instrumento de saciamento da
necessidade estatal é o da licitação pública.
A licitação, neste ínterim, pode perceber o seguinte conceito, nos dizeres
do Prof. Celso Antonio Bandeira de Mello:
38
ÁVILA, Humberto. Ob Cit. Págs. 161-162.
39
“Como bem salienta Willis Santiago Guerra Filho, na Inglaterra fala-se em princípio da
irrazoabilidade e não em princípio da razoabilidade. (...) E esse teste da irrazoabilidade, conhecido
também como teste Wednesbury, implica tão somente rejeitar atos que sejam excepcionalmente
irrazoáveis. Na fórmula clássica da decisão Wednesbury: ‘se uma decisão [...] é de tal forma
irrazoável, que nenhuma autoridade razoável a tomaria, então pode a corte intervir’. Percebe-se,
portanto, que o teste sobre a irrazoabilidade é muito menos intenso do que os testes que a regra
da proporcionalidade exige, destinando-se meramente a afastar atos absurdamente irrazoáveis.”
(SILVA, Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais 798 - 2012: 23-50.
P. 29).
30
Pode-se conceituar licitação da seguinte maneira: é o procedimento
administrativo pelo qual uma pessoa governamental, pretendendo
alienar, adquirir ou locar bens, realizar obras ou serviços, outorgar
concessões, permissões de obra, serviço ou de uso exclusivo de bem
público, segundo condições por ela estipuladas previamente, convoca
interessados na apresentação de propostas, a fim de selecionar a que
se revele mais conveniente em função de parâmetros
antecipadamente estabelecidos e divulgados.40
O Prof. Marçal Justen Filho41, considerado um dos administrativistas com
obra mais profunda em matéria de Licitações e Contratos Administrativos, expõe
o seguinte conceito do procedimento de licitação pública:
Licitação é o procedimento administrativo destinado a selecionar,
segundo critérios objetivos predeterminados, a proposta de
contratação mais vantajosa para a Administração e a promover o
desenvolvimento nacional sustentável, assegurando-se a ampla
participação dos interessados e o seu tratamento isonômico, com
observância de todos os requisitos legais exigidos.42
40
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Ob. Cit., pág. 534. 41
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 15° Ed.,
São Paulo: Ed. Dialética, 2012. Pág. 011. 42
“1) A licitação como procedimento
O dispositivo [art.4°, parágrafo único, Lei Federal n.° 8.666/93] acentua a natureza procedimental
da licitação. Ratifica que os atos da licitação não são independentes entre si nem podem ser
enfocados isoladamente. A licitação é uma série preordenada de atos. A Lei e o edital
estabelecem a ordenação a ser observada. O descumprimento das fases ou sequências
estabelecidas acarreta o vício do procedimento como um todo.
2) A licitação como processo
(...)
Já o vocábulo processo indica uma espécie de relação jurídica cujo conteúdo consiste no exercício
de poderes decisórios a propósito de interesses contrapostos. A composição processual de
interesses pressupõe o respeito ao contraditório, o que significa que a decisão final deverá ser
produzida por meio de participação (colaboração) de todos os interessados.
Seria possível existir um procedimento sem processo? A resposta é positiva. Nada impede que o
Direito subordine a validade de um ato unilateral à observância de uma certa ordenação
predeterminada, ainda que não haja qualquer conflito de interesses.” (JUSTEN FILHO, Marçal.
Ob. Cit. Pág. 106).
31
Ressaltando o caráter instrumental da licitação pública, Carlos Pinto
Coelho Motta anota que a “licitação constitui, portanto, o instrumento de que
dispõe o Poder Público para coligir, analisar e avaliar comparativamente as
ofertas, com a finalidade de julgá-las e decidir qual será a mais favorável”43. O
mesmo doutrinador não deixa de ressaltar, por conseguinte, que “Esse
instrumento é obrigatório, como mencionado em diversos dispositivos da Carta
Magna (art. 22, XXVII, com redação dada pela Emenda Constitucional 19/98; art.
37, XXI; art. 175).”44
É de salutar importância que, especialmente devido aos objetivos do
presente trabalho, bem se assevere que a licitação é a regra, donde não realizá-la
é absolutamente excepcional.
É lógico que para chegar a tal conclusão bastaria tomar o conteúdo
hermenêutico constitucional, com a clareza do inciso XXI do art. 37, ao
estabelecer que “ressalvados os casos especificados na legislação, as obras,
serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de
licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os
concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento,
mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente
permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à
garantia do cumprimento das obrigações”.
Não se ignore, ademais, o quanto dispõe o artigo 175 da Carta Magna,
que fixa que a prestação de serviços públicos, quando prestada sob regime de
concessão ou permissão, será “sempre através de licitação”.
Não obstante, e aqui se expõe com a devida ressalta, a Administração
Pública executa seus misteres com atendimento aos preceitos da igualdade,
isonomia, impessoalidade, publicidade e moralidade.
43
MOTTA, Carlos Pinto Coelho. Ob Cit., Pág. 02.
44
Idem. Pág. 02.
32
Com o relevo ao princípio da igualdade, temos que este se configura em
singular pressuposto do Estado Democrático de Direito, ao tempo em que a
satisfação das liberdades e direitos individuais - dentre os quais se presta o
tratamento igualitário aos cidadãos (art. 5°, caput, Constituição Federal) - é o que
motiva toda a conjuntura do sistema político constitucional, ao estabelecer o
regime democrático de Direito, a Separação dos Poderes Estatais, bem como a
fixação de que “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.” (art. 1°,
parágrafo único, Constituição Federal).
Neste contexto, em se prostrando a Administração Pública com
necessidade de tomar serviços, adquirir bens ou aliená-los, é de solar evidência
que estes vínculos jurídicos, que potencialmente poderão provocar benesse
econômica a administrados, haverão de ser antecedidos de expediente que
garanta referida “concessão” de maneira igualitária, impessoal e eficiente. Para
sê-lo, neste ínterim, logicamente deverá possuir ampla e eficaz publicidade, com
critérios de julgamento objetivos preestabelecidos.
Está posta, pois, de forma - inclusive afirmamos ser - explícita, no bojo da
Constituição, a obrigatoriedade do procedimento, intitulado por liberalidade
hermenêutica do Constituinte, de licitação.
Não é outro o raciocínio da melhor doutrina, donde destacamos aquele
professado por Joel Menezes Niebuhr:
De acordo com o explanado no primeiro capítulo, a licitação pública é
obrigatória em tributos aos princípios regentes da Administração
Pública, que visam a proteger o interesse público de atos imorais,
marcados pela pessoalidade e, com destaque, que imputem aos
membros da coletividade tratamento discriminatório apartado da
razoabilidade. Enfatizou-se que a causa mor da licitação pública é o
princípio da isonomia, uma vez que o contrato administrativo implica
benefício econômico ao contratado e, por isso, todos aqueles que
tiverem interesse em auferir o aludido benefício devem ser tratados de
modo igualitário por parte da Administração Pública, pelo que se impõe
a ela realizar procedimento administrativo, denominado licitação
33
pública. Como o caput do artigo 5° da Constituição Federal abriga o
princípio da isonomia, ele já fornece subsídio normativo suficiente para
que o cientista jurídico conclua pela obrigatoriedade da licitação
pública.
Além disso, o constituinte houve por bem, para não permitir espaço
para interpretações conservadoras, realçar que a licitação pública é
efetivamente obrigatória, inserindo, no capítulo referente à
Administração Pública, o inciso XXI do artigo 37. É como se o
constituinte reforçasse a dicção geral do princípio da isonomia contida
no caput do art. 5° da Constituição Federal, dando-lhe concreção
especial, repelindo interpretação conservadora e restritiva. Na
realidade, é um plus que se incorpora na formulação geral da
isonomia. Nesse talante, por força do caput do artigo 5°, todos
merecem tratamento igualitário e, em especial, desta vez com estribo
no inciso XXI do artigo 37, a Administração Pública deve dispensar o
mesmo tratamento a todos os interessados em com ela celebrar
contratos, procedendo, para tanto, à licitação pública.45
Neste sentido, em obra intitulada Dispensa e Inexigibilidade de Licitação,
Eduardo Martines Junior e Valdemar Latance Neto chegam a denominar de
Princípio a obrigatoriedade de licitação46, observando:
O princípio da licitação, igualmente, é desdobramento da
impessoalidade, sendo este, por sua vez, decorrente da isonomia e do
princípio republicano. (...)
A licitação, dada sua relevância, vem expressamente estabelecida no
inciso XXI do artigo 37 da Constituição, revelando a preocupação da
Carta de 1988 em mostrar que a regra é a realização de licitação
pública que assegura igualdade de condições a todos os concorrentes,
para todas as contratações da Administração Pública, podendo,
45
NIEBUHR, Joel de Menezes. Ob. Cit., Pág. 123-124.
46
MARTINES JUNIOR, Eduardo; LATANCE NETO, Valdemar. Dispensa e Inexigibilidade de
Licitação: a responsabilidade civil e criminal de seus agentes. 1° Ed., São Paulo: Editora Verbatim,
2009. Pág. 34-35.
34
contudo, haver exceções, nos termos da lei, que deve dar execução e
estar adequada ao prescrito na norma superior.
O Prof. Celso Antonio Bandeira de Mello assevera que “deve-se entender
que o simples princípio da igualdade de todos perante a lei (art. 5° da CF) e, a
fortiori, perante a Administração - obrigada a agir com ‘impessoalidade’, nos
termos do art. 37, caput, da Lei Magna -, normalmente imporá licitação no caso
(...) de qualquer outro ato ampliativo que se destine a investir terceiros no desfrute
de situação jurídica especial a que mais de um poderia aspirar.”47
Ínterim em que cumpre trazer à baila precedente jurisprudencial do
Tribunal de Contas da União, que bem anota a excepcionalidade da
inexigibilidade (ou dispensa) do certame licitatório:
O procedimento licitatório legitima a presunção de que a proposta
selecionada no certam representa a proposta mais vantajosa que
poderia ser obtida pela Administração Pública. A ausência de
procedimento licitatório representa exposição da Administração ao
risco potencial de não escolher a proposta mais vantajosa, de agir de
modo antieconômico. O descumprimento da regra de licitar configura
não apenas prática de ato ilegal, mas também prática presumidamente
ilegítima ou antieconômica, exceto quando demonstrado
inequivocadamente que o procedimento não era cabível, nos termos
da lei.48
47
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Ob. Cit., pág. 534.
48TCU, Acórdão n.° 3.403/2010, Plenário, rel. Min. Weder de Oliveira.
35
Isto posto, deve-se compreender que se mostra estabelecida a licitação
como regra fundamental. A ausência de licitação somente se admite por
exceção49.
1.2. Da Lei Geral de Licitações Públicas e dos Demais Princípios que
Informam seus Procedimentos
Neste diapasão, e em cumprimento da competência legislativa estampada
no artigo 22, XXVII, da Constituição da República, com a redação dada pela
Emenda Constitucional n.° 19/199850, fora promulgada a Lei Federal n.°
8.666/1993 - que Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal,
institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras
providências.
Não se ignora que, além do diploma normativo supracitado, ainda têm-se
as Leis Federais n.os 8.987/199551, 10.520/200252, 11.079/200453, 12.462/201154 e
49
JUSTEN FILHO, Marçal. Ob. Cit. Pág. 045.
50 Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
XXVII – normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as
administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e
Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de
economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº
19, de 1998).
51 “Dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto
no art. 175 da Constituição Federal, e dá outras providências.”
52 “Institui, no âmbito da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, nos termos do art. 37,
inciso XXI, da Constituição Federal, modalidade de licitação denominada pregão, para aquisição
de bens e serviços comuns, e dá outras providências.”
53 “Institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da
administração pública.”
54 “Institui o Regime Diferenciado de Contratações Públicas - RDC; altera a Lei no 10.683, de 28
de maio de 2003, que dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios,
a legislação da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e a legislação da Empresa Brasileira de
Infraestrutura Aeroportuária (Infraero); cria a Secretaria de Aviação Civil, cargos de Ministro de
Estado, cargos em comissão e cargos de Controlador de Tráfego Aéreo; autoriza a contratação de
36
13.019/201455, que poderiam, cada qual, considerar-se “normas gerais de
licitação”, ao tempo em que as fixam nas modalidades em que regulamentam.
Não obstante, temos que, em que pese não seja a única, é inegável que
é a Lei Federal n.° 8.666/93 que se constitui no dito Estatuto das Licitações e
Contratos Administrativos, ao tempo em que expõe com amplitude os
procedimentos a que se sujeitam os certames licitatórios, suas fases, matrizes
principiológicas, bem como normatiza com profundidade - o quê não se constitui
em objeto precípuo dos demais diplomas normativos correlatos - o regime dos
contratos administrativos, chegando mesmo a abordar regramentos de processo
administrativo recursal e sancionatório, além de tipificar condutas infratoras
penais, em matéria de licitações e execução contratual.
Ademais, considerando o objeto sob estudo - inexigibilidade de licitação -,
é a Lei Federal n.° 8.666/93 que se constitui como diploma paradigma, ao tempo
em que os demais textos pouco dizem deste instituto, quando muito remetem-se
ao específico artigo 25 da Lei 8.666/93, valendo, pois, anotar o disposto nos
artigos 35 da Lei Federal n.° 12.462/201156 e 31 da Lei Federal n.° 13.019/201457,
controladores de tráfego aéreo temporários; altera as Leis nos 11.182, de 27 de setembro de
2005, 5.862, de 12 de dezembro de 1972, 8.399, de 7 de janeiro de 1992, 11.526, de 4 de outubro
de 2007, 11.458, de 19 de março de 2007, e 12.350, de 20 de dezembro de 2010, e a Medida
Provisória no 2.185-35, de 24 de agosto de 2001; e revoga dispositivos da Lei no 9.649, de 27 de
maio de 1998.”
55 “Estabelece o regime jurídico das parcerias entre a administração pública e as organizações da
sociedade civil, em regime de mútua cooperação, para a consecução de finalidades de interesse
público e recíproco, mediante a execução de atividades ou de projetos previamente estabelecidos
em planos de trabalho inseridos em termos de colaboração, em termos de fomento ou em acordos
de cooperação; define diretrizes para a política de fomento, de colaboração e de cooperação com
organizações da sociedade civil; e altera as Leis nos 8.429, de 2 de junho de 1992, e 9.790, de 23
de março de 1999.” (Redação dada pela Lei nº 13.204, de 2015).
56 Art. 35. As hipóteses de dispensa e inexigibilidade de licitação estabelecidas nos arts. 24 e 25
da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, aplicam-se, no que couber, às contratações realizadas
com base no RDC.
Parágrafo único. O processo de contratação por dispensa ou inexigibilidade de licitação deverá
seguir o procedimento previsto no art. 26 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.
57 Art. 31. Será considerado inexigível o chamamento público na hipótese de inviabilidade de
competição entre as organizações da sociedade civil, em razão da natureza singular do objeto da
parceria ou se as metas somente puderem ser atingidas por uma entidade específica,
especialmente quando: (Redação dada pela Lei nº 13.204, de 2015)
I - o objeto da parceria constituir incumbência prevista em acordo, ato ou compromisso
internacional, no qual sejam indicadas as instituições que utilizarão os recursos; (Incluído pela Lei
nº 13.204, de 2015)
37
que, respectivamente, remetem as hipóteses de dispensa e inexigibilidade do
RDC àquelas previstas na Lei 8.666/93 e, quanto aos procedimentos de
chamamento público para celebração das parcerias com entidades do terceiro
setor, declaram a aplicabilidade da inexigibilidade às hipóteses de inviabilidade de
competição, denotando, pois, a incorporação da exegese da Lei 8.666/93
aplicável ao instituto em testilha, conforme adiante melhor se dirá.
Daí se dizer que a Lei 8.666/93, em matéria de licitações e contratos
administrativos, bem se intitula Lei de Regência, nomenclatura à qual por vezes
acudiremos.
Isto posto, vê-se que, a corroborar a regra de obrigatoriedade da licitação,
o artigo 2°, caput, de referido diploma bem assevera que “As obras, serviços,
inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e
locações da Administração Pública, quando contratadas com terceiros, serão
necessariamente precedidas de licitação, ressalvadas as hipóteses previstas
nesta Lei.” Anota, ainda, que referido procedimento “destina-se a garantir a
observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais
vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional
sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os
princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade,
da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento
convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.” (art. 3°,
caput, Lei 8.666/93).
Evidente, portanto, que o legislador, reconhecendo o quê a interpretação
sistemática da Constituição da República já designa, ressaltou a
instrumentalidade da licitação pública ao asseguramento da isonomia, da
economicidade (seleção da proposta mais vantajosa) e, chegou a pontuar, da
promoção do desenvolvimento nacional sustentável.
II - a parceria decorrer de transferência para organização da sociedade civil que esteja autorizada
em lei na qual seja identificada expressamente a entidade beneficiária, inclusive quando se tratar
da subvenção prevista no inciso I do § 3o do art. 12 da Lei no 4.320, de 17 de março de 1964,
observado o disposto no art. 26 da Lei Complementar no 101, de 4 de maio de 2000.
(Incluído pela Lei nº 13.204, de 2015).
38
Quanto a esta última finalidade - promoção do desenvolvimento
sustentável - considerando não se tratar de matéria precipuamente correlata ao
tema de licitações, embora não deixe de sê-lo ao cerne da Administração Pública
- bastando observância dos artigos 5°, LXXIII, 23, VI, 24, VI e VIII, 129, III, 170,
VI, 174, § 3°, 186, II e 225 -, cumpre destacar o que a doutrina anota sobre a
mesmo:
Há duas questões inconfundíveis, que são as finalidades da licitação e
as finalidades da contratação administrativa. Ora, a promoção do
desenvolvimento nacional sustentável não é uma finalidade da
licitação, mas da contratação administrativa. A licitação é um mero
procedimento seletivo de propostas - esse procedimento não é hábil a
promover ou a deixar de promover o desenvolvimento nacional
sustentável. O que o legislador pretendia era determinar que a
contratação pública fosse concebida como um instrumento interventivo
estatal para produzir resultados mais amplos do que o simples
aprovisionamento de bens e serviços necessários à satisfação das
necessidades dos entes estatais.
(...)
A proposta adotada no art. 3° é que a contratação administrativa
funcione como um incentivo ao desenvolvimento nacional sustentável.
Isso significa a existência de uma relação de causalidade, cuja
intensidade pode ser variada, entre a contratação administrativa e
objetivos relacionados ao desenvolvimento nacional.58
Da obra do saudoso Hely Lopes Meirelles se extrai o conceito da
finalidade da promoção do desenvolvimento nacional sustentável, ao se afirmar
que deve ser “entendida como a busca do desenvolvimento econômico e do
fortalecimento de cadeias produtivas de bens e serviços domésticos, usando-se
para esse fim o poder de compra governamental, mediante novas normas que
asseguram ‘atuação privilegiada do setor público com vistas à instituição de
58
JUSTEN FILHO, Marçal. Ob. Cit. Págs. 062-064.
39
incentivos à pesquisa e à inovação que, reconhecidamente, consubstanciam
poderoso efeito indutor ao desenvolvimento do País’”59.
Por conseguinte, vê-se que o transcrito artigo 3° da Lei de Regência
reitera os dispositivos principiológicos constitucionais da isonomia,
economicidade, eficiência, legalidade, impessoalidade, igualdade, moralidade,
publicidade, probidade administrativa, majorando-os aos pressupostos da
vinculação ao instrumento convocatório e do julgamento objetivo, bem como dos
que lhes forem correlatos.
Estes dois últimos extravasam aqueles que já foram devidamente
anotados nos capítulos acima, todavia é evidente que são seus reflexos. Ora, a
licitação se consubstancia em procedimento de seleção de particulares que
cumpram regras pré determinadas aptas a lhes evidenciar a aptidão a celebração
do contrato mais vantajoso para a Administração Pública. Evidente, pois, que
referido expediente seletivo, para que seja isonômico, igualitário e moral,
demandará vinculação de todos participantes ao regramento interno estabelecido
(instrumento convocatório) e critérios de julgamento objetivos.
Tão importantes são tais pressupostos que a doutrina os anota como
princípios da licitação pública, valendo destacar o quanto aplicável ao caráter
vinculativo do Edital Convocatório:
O princípio da vinculação ao instrumento convocatório obriga a
Administração a respeitar estritamente as regras que haja previamente
estabelecido para disciplinar o certame, como, aliás, está consignado
no art. 41 da Lei 8.666.60
(...) a vinculação ao edital é princípio básico de toda licitação. Nem se
compreenderia que a Administração fixasse no edital a forma e o modo
de participação dos licitantes e no decorrer do procedimento ou na
59
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 39° edição. São Paulo: Ed. Malheiros,
2013. Pág. 292.
60 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Ob Cit. Pág. 548.
40
realização do julgamento se afastasse do estabelecido, ou admitisse
documentação e propostas em desacordo com o solicitado. O edital é
a lei interna da licitação, e, como tal, vincula aos seus termos tanto os
licitantes como a Administração que o expediu (art. 41).61
Natureza vinculativa do ato convocatório
O instrumento convocatório cristaliza a competência discricionária da
Administração, que se vincula a seus termos. Conjugando a regra do
art. 41 com aquela do art. 4.º, pode-se afirmar a estrita vinculação da
Administração ao edital, seja quanto a regras de fundo seja quanto
àquelas de procedimento sob um certo ângulo, o edital é o fundamento
de validade dos atos praticados no curso da licitação (...) Ao
descumprir normas constantes do edital, a Administração Pública
frustra a própria razão de ser da licitação. Viola os princípios
norteadores da atividade administrativa, tais como a legalidade, a
moralidade, a isonomia. O descumprimento a qualquer regra do edital
deverá ser reprimido, inclusive através dos instrumentos de controle
interno da Administração Pública. Nem mesmo o vício do edital justifica
pretensão de ignorar a disciplina por ele veiculada.62
O Supremo Tribunal Federal, aliás, neste sentido já deliberou:
1. A Administração, bem como os licitantes, estão vinculados aos
termos do edital (art. 37, XXI, da CF/88 e arts. 3°, 41 e 43, V, da Lei n.
8.666/93), sendo-lhes vedado ampliar o sentido de suas cláusulas, de
modo a exigir mais do que nelas previsto”.63
61
MEIRELLES, Hely Lopes. Ob Cit. Pág. 298.
62 FILHO, Marçal Justen. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 16ª edição.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. Págs. 764 e 765.
63 RMS - AgR n.° 24.555/DF, 1° T., rel. MIn. Eros Grau, j. em 21.02.2006, DJ de 31.03.2006.
41
Quanto ao critério objetivo de julgamento aplicável às fases64 da licitação
pública, que com veemência se reconhece como reflexo dos princípios da
isonomia e moralidade, é anotado por Carlos Pinto Coelho Motta, com rigor, como
a vedação a sua antítese, qual seja a valia de critério subjetivo de julgamento65,
daí destacar-se ser vedado o uso de critérios sigilosos, secretos, subjetivos ou
reservados (art. 44 e §§, Lei 8.666/93).
Neste diapasão, aliás, assevera-se em doutrina portuguesa a
aplicabilidade de conceitos principiológicos semelhantes aos retrocitados, donde
se denota refletirem do necessário princípio da isonomia, tais como os da
transparência, igualdade, concorrência, legalidade, prossecução do interesse
público, proporcionalidade, boa-fé, responsabilidade, imparcialidade, estabilidade,
eficiência, transparência, entre outros, valendo transcrever:
São identificados (...) como princípios gerais, o da legalidade, o da
prossecução do interesse público, o da proporcionalidade, o da boa-fé,
e o da responsabilidade, tendo-nos limitado a excluir desse elenco o
da responsabilidade por não considerarmos um princípio, mas antes
um instituto. Como princípios relacionados com os contratos com
prestações submetidas à concorrência, podem destacar-se a
transparência e publicidade, igualdade, concorrência, imparcialidade e
estabilidade.
64 “Esquema analítico das fases
90. Ante o exposto, e considerando-se a licitação desde o ato de abertura até o encerramento,
pode-se decompô-la nas seguintes fases, explicadas sinteticamente:
a) edital - ato pelo qual são convocadas os interessados e estabelecidas as condições que irão
reger o certame;
b) habilitação - ato pelo qual são admitidos os proponentes aptos;
c) julgamento com a classificação - ato pelo qual são ordenados as propostas admitidas;
d) homologação - ato pelo qual se examina a regularidade do desenvolvimento do procedimento
anterior;
e) adjudicação - ato pelo qual é selecionado o proponente que haja apresentado proposta havida
como satisfatória.” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Ob Cit. p. 592-592).
65
MOTTA, Carlos Pinto Coelho. Ob Cit., Pág. 573.
42
Mário ESTEVES de OLIVEIRA e Rodrigo ESTEVES de OLIVEIRA,
destacam para além dos princípios constitucionais, ainda os princípios
da publicidade, da eficiência, do inquisitório e da informação, como
princípios gerais resultantes do CPA sem base constitucional, e
indicam como princípios qualificados da contratação pública os
princípios da transparência, igualdade e concorrência, afirmando ainda
que são princípios da contratação electrónica os princípios da
disponibilidade, do livre acesso, da interoperacionabilidade e da
intangibilidade.66
Desta feita, quando do cotejo das hipóteses de exceção de contratação
direta (sem licitação prévia), não se deve ignorar que também são cabíveis,
logicamente aqui será dentro das singulares circunstâncias - cuja
excepcionalidade inclusive justifica a fuga da regra da licitação -, os princípios
aplicáveis ao procedimento geral licitatório, que também informam, por conclusão,
os procedimentos a ensejar o reconhecimento da inexigibilidade de licitação.
1.2.1. Das modalidades licitatórias da Concorrência Pública, Tomada de
Preços, Convite, Leilão, Concurso, Pregão e do RDC
Por conseguinte, a Lei Geral de Licitações previu 05 (cinco) modalidades
de rito procedimental para se cumprir o ordinário estabelecimento da licitação
pública (art. 22, Lei 8.666/93), diferenciando-as quanto ao vulto econômico do
objeto licitado, sua complexidade ou critério de julgamento.
A modalidade mais simples do rito procedimental licitatório é a da Carta
Convite (art. 22, III), destinada aos “interessados do ramo pertinente ao seu
objeto, cadastrados ou não, escolhidos e convidados em número mínimo de 3
(três) pela unidade administrativa, a qual afixará, em local apropriado, cópia do
instrumento convocatório e o estenderá aos demais cadastrados na
66
FREITAS, Lourenço Vilhena de. Direito dos Contratos Públicos e Administrativos. AAFDL -
Associação Acadêmica da Faculdade de Direito de Lisboa, 2014. Págs. 211-212.
43
correspondente especialidade que manifestarem seu interesse com antecedência
de até 24 (vinte e quatro) horas da apresentação das propostas.” (art. 22, § 3°).
O chamado Convite, simplificado e mais célere que as demais
modalidades, é cabível quando o objeto licitado for de pequeno vulto, assim
compreendidos os de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais) para serviços e coisas
comuns ou até R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) para obras e serviços
de engenharia.67
Após o convite, com rito mais complexo, se estabelece a modalidade da
Tomada de Preços “entre interessados devidamente cadastrados ou que
atenderem a todas as condições exigidas para cadastramento até o terceiro dia
anterior à data do recebimento das propostas, observada a necessária
qualificação” (art. 22, § 2°), quando da licitação para objetos de vulto
intermediário, entendidos como de até R$ 650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil
reais) para serviços e coisas comuns ou até R$ 1.500.000,00 (Hum milhão e
quinhentos mil reais) para obras ou serviços de engenharia.
Doravante, quando o objeto licitado ultrapassar os limiares de cabimento
do Convite ou da Tomada de Preços, ter-se-á apenas a modalidade licitatória da
Concorrência Pública “entre quaisquer interessados que, na fase inicial de
habilitação preliminar, comprovem possuir os requisitos mínimos de qualificação
exigidos no edital para execução de seu objeto” (art. 22, § 1°).
67 “O convite (art. 22, § 3°) é a modalidade licitatória cabível perante relações que envolverão os
valores mais baixos, na qual a Administração convoca para a disputa pelo menos três pessoas
que operam no ramo pertinente ao objeto, cadastradas ou não, e afixa em local próprio cópia do
instrumento convocatório, estendendo o mesmo convite aos cadastrados do ramo pertinente ao
objeto que hajam manifestado seu interesse até 24 horas antes da apresentação das propostas.”
(MELLO, Celso Antonio Bandeira. Ob Cit. Pág. 572).
“Carta-convite: a carta-convite é o instrumento convocatório dos interessados na modalidade de
licitação denominada convite. É uma forma simplificada de edital que, por lei, dispensa a
publicidade deste, pois é enviado diretamente aos possíveis proponentes, escolhidos pela própria
repartição interessada.
À carta-convite aplicam-se, no que for cabível, as regras do edital, dentro da singeleza que
caracteriza o procedimento do convite. O essencial é que identifique o objeto da licitação,
expresse com clareza as condições estabelecidas pela Administração, fixe o critério de julgamento
e indique os recursos cabíveis, aplicando-se, no que couber, o que escrevemos acima sobre o
edital.” (MEIRELLES, Hely Lopes. Ob Cit. Págs. 319-320).
44
A Lei Geral ainda fixa as modalidades do Leilão e do Concurso,
reconhecidos o primeiro como procedimento que visa à venda de bens móveis
inservíveis ou de produtos legalmente apreendidos ou penhorados, ou de bens
imóveis cuja aquisição haja derivado de procedimentos judiciais ou de dação em
pagamento, entre os interessados que ofertem melhor lance (arts. 22, § 5°, e 19,
caput, da Lei 8.666/93), e o segundo como procedimento que “destina-se à
escolha de trabalho técnico, científico ou artístico, mediante a instituição de
prêmios ou remuneração prefixada aos vencedores, através de critérios
constantes do edital.”68 Cumpre esclarecer, ademais, que o julgamento dessa
modalidade de licitação não está afeito às comissões normais de julgamento de
licitação, mas através de comissão integrada por especialistas nas áreas técnica,
científica ou artística objeto da licitação69.
Por conseguinte, não sendo forçoso destacar como a modalidade
licitatória mais frequente nos Diários Oficiais, estabelece-se o Pregão, aplicável
para compras e contratação de coisas e serviços conceituáveis como comuns70 e
com procedimento mais célere e simplificado, instituído pela Lei Federal n.°
10.520/2002, com prevalência da fase de classificação de propostas sobre a de
habilitação, aplicável esta última apenas ao proponente do menor preço,
invertendo-se as fases estampadas nos “tradicionais” ritos da Lei 8.666/9371.
Sobre essa modalidade se aplica, subsidiariamente, referida Lei 8.666/93 (art. 9°,
Lei Federal n.° 10.520/2002).
68 TOLOSA FILHO, Benedicto de. Licitações, contratos & Convênios: incluindo a modalidade de
pregão, o registro de preços e a contratação de publicidade. 2° edição. Curitiba: Ed. Juruá, 2014.
Pág. 149.
69 TOLOSA FILHO, Benedicto de. Ob Cit. Pág. 149.
70 “Para determinação do cabimento do pregão, apresentam relevância os objetos não comuns
e não singulares. São aqueles que apresentam características de individualização que os
tornam diferenciados e específicos, mas que não chegam ao ponto de infungibilidade. A
aquisição dos objetos não comuns e não singulares pode (e deve) fazer-se por meio de
licitação, mas o pregão não é a modalidade adequada.” (JUSTEN FILHO, Marçal. Ob Cit. Pág.
35-36).
71 “Apresenta como característica distintiva em relação às modalidades da concorrência, tomada
de preços e convite, previstas na Lei 8.666 pelo menos duas muito salientes. Uma, a de que, ao contrário delas, em que o valor é determinante de suas variedades, o pregão é utilizável qualquer que seja o valor do bem ou serviço a ser adquirido; outra, a de que o exame da habilitação não é prévio ao exame das propostas, mas posterior a ele” (MELLO, Celso Antonio bandeira de. Ob Cit. Págs. 579-580).
45
Ao fim, cite-se o RDC - Regime Diferenciado de Contratações, aplicável
inicialmente às obras necessárias aos Jogos Olímpicos, Paraolímpicos e Copa
Mundial de Futebol, recentemente estendido a outras circunstâncias estratégias
(art. 1° e incisos da Lei Federal n.° 12.462/2011, complementados pelas Leis
Federais n.os 12.688/2012, 12.745/2012, 13.190/2015 e 13.243/2016).
Mesmo aos objetos licitáveis pelo RDC, não obstante, aplicam-se a
dispensa e a inexigibilidade de licitação nos termos da Lei de Regência (Lei
8.666/93), conforme art. 35 do diploma específico.
1.2.2. Dos tipos e Critérios de Julgamento: Do Menor Preço, Da Melhor
Técnica e Preço; Da Melhor Técnica.
Neste diapasão, e com o fito de bem delinear as hipóteses em que se
reconhece o descabimento do procedimento licitatório mediante as características
subjetivas (do sujeito) envoltas na contratação administrativa, cumpre destacar
que os elementos técnicos da proposta destinada à execução da necessidade
estatal não são olvidados pelos procedimentos licitatórios.
Além do critério de julgamento do menor preço ou da melhor oferta (art.
45, I e IV, Lei Federal n.° 8.666/93), donde será vencedor o proponente do preço
mais vantajoso ao órgão licitante, merecem destaques os critérios (também
denominados de “tipos”) de julgamento da melhor técnica e preço e melhor
técnica, estampados nos incisos II e III do art. 45 da Lei de Regência, aplicáveis
exclusivamente para serviços de natureza predominantemente intelectual, em
especial na elaboração de projetos, cálculos, fiscalização, supervisão e
gerenciamento e de engenharia consultiva em geral e, em particular, para a
elaboração de estudos técnicos preliminares e projetos básicos e executivos72.
Desta feita, são tipos de julgamento que consideram as características
das propostas desenvoltas, aplicáveis, pois e exclusivamente, em objetos de
natureza intelectual. De sublime ponderação para bem situar as hipóteses
72
Artigo 46, caput. Lei Federal n.° 8.666/1993.
46
excepcionais da inexigibilidade da licitação - adiante melhor delineadas - vê-se,
com rigor, que os tipos da melhor técnica e preço e melhor técnica se distinguem
das situações de cabimento de inexigibilidade de licitação exatamante porque,
nos primeiros, ainda é absolutamente indispensável a fixação de critérios
objetivos de julgamento - característica esta que tem que ser considerada de
inviável fixação em reconhecimento da inexigibilidade de licitação -, consoante
anota a melhor doutrina:
O ato convocatório deverá estabelecer critérios adequados a eliminar o
subjetivismo no julgamento. Os critérios de julgamento deverão
permitir apreciação homogênea das diversas propostas. A seleção da
melhor técnica não pode se fazer por critérios aleatórios nem por
preferências pessoais. A Administração deverá recorrer aos postulados
da ciência ou da arte, acolhendo padrões de excelência para nortear o
julgamento. Exemplificativamente, podem ser arrolados alguns critérios
referentes à boa técnica, a que aludia a lei anterior.
Insista-se em destacar que não basta o edital eleger critérios de
julgamento. É necessário estabelecer parâmetros objetivos de
avaliação das propostas, de modo que o julgamento reflita uma
avaliação consistente sobre a vantajosidade das ofertas dos
particulares.73
Servem estas assertivas para bem delinear que mesmo quando se
pretende a contratação de objeto cuja natureza seja intelectual, em que, pois, não
basta apenas a seleção do menor preço para saciamento da necessidade estatal,
não se descartará o rito licitatório ordinário, pois existem tipos procedimentais
satisfativos à avaliação e classificação qualitativa da proposta.
As hipóteses de exceção, portanto, quando fundamentadas nas
características do sujeito e na singularidade do objeto, hão de ter delineações
rigorosamente específicas, a demandar - em razão de sua especificidade,
73
JUSTEN FILHO, Marçal. Ob Cit., Págs. 725-726.
47
complexidade e/ou singularidade - inevitável subjetividade na escolha da melhor
opção à Administração, pois apenas este caractere (subjetividade) foge
inexoravelmente do estabelecimento de licitação pública74.
74
(...) o projeto básico não indica a variável e o critério de avaliação da qualidade dos serviços,
incluindo a escala de valoração e os valores mínimos aceitáveis que deverão ser utilizados na
aferição. Em consequência dessa falha, não há meios de realizar a avaliação, o que pode vir a
resultar na aceitação de serviços insatisfatórios. Portanto, é necessário que a (...) estabeleça
objetivamente a forma de avaliação de qualidade dos serviços, incluindo a definição da variável a
ser avaliada, os critérios de avaliação, a escala de valores e o patamar mínimo considerado
aceitável. Cabe ressaltar também que, como forma de fundamentação da avaliação, deve ser
previsto um campo específico na solicitação de serviço para preenchimento com as justificativas
do avaliador e a identificação desse servidor. (...) 84. Anote-se, em reforço, que a avaliação da
qualidade deve ser realizada com a utilização de variáveis objetivas, a exemplo do grau de
conformidade com as especificações inicialmente estabelecidas, o número de falhas detectadas
no produto obtido, etc.” (Acórdão n.° 2.171/2005, Plenário, rel. Min. Augusto Sherman Cavalcanti).
“(...) em vista do que dispõem os arts. 40, inciso VII, 43, inciso V, 44, caput e § 1°, 45 e 46, § 3°,
da Lei 8.666/1993, informe no edital, objetivamente, os critérios de pontuação, de modo que
possam ser conhecidas, por todas as potenciais licitantes, as notas que serão atribuídas conforme
as especificações técnicas das soluções adotadas pelas concorrentes, sopesando, para
estipulação de notas máximas, a complexidade de cada item” (Acórdão n.° 1.891/2006, Plenário,
Rel Min. Ubiratan Aguiar).
48
2. DA INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO
A inexigibilidade de licitação se consubstancia em permissivo excepcional
de contratação direta das obras, serviços, compras e locações, pelo Poder
Público, em virtude de, em determinadas hipóteses, ser inviável se estabelecer
uma competição entre potenciais proponentes, por ausência de pluralidade de
competidores ou de critérios objetivos pertinentes e instrumentais à seleção
daquele hábil à satisfação do interesse administrativo posto sob cura, ou, de
forma genérica, quando “houver inviabilidade de competição”75.
Neste sentido, são desanuviadoras as palavras de Marçal Justen Filho:
É usual afirmar que a “supremacia do interesse público” fundamenta a
exigência, como regra geral, de licitação prévia para contratações da
Administração Pública, o que significa, em outras palavras, que a
licitação é um pressuposto do desempenho satisfatório pelo Estado
das funções administrativas por ele atribuídas. No entanto, existem
hipóteses em que a licitação formal seria impossível ou frustraria a
realização adequada das funções estatais. O procedimento licitatório
normal conduziria ao sacrifício dos fins buscados pelo Estado e não
asseguraria a contratação mais vantajosa. Por isso, autoriza-se a
Administração a adotar um outro procedimento, em que formalidades
são suprimidas ou substituídas por outras.76
No mesmo sentido leciona Celso Antonio Bandeira de Mello, em seus
termos:
75
BARROS, Wellington Pacheco. Licitações e Contratos Administrativos. São Paulo: Ed. Atlas,
2009.
76
JUSTEN FILHO, Marçal. Ob Cit., pág. 328.
49
É pressuposto jurídico o de que, em face do caso concreto, a licitação
possa se constituir em meio apto, ao menos em tese, para a
Administração acudir ao interesse que deve prover.
Posto que a função de tal instituto é servir - não desservir- o interesse
público, em casos que tais percebe-se que falece o pressuposto
jurídico para sua instauração. Com efeito: a licitação não é um fim em
si mesmo; é um meio para chegar utilmente a um dado resultado: o
travamento de uma certa relação jurídica. Quando nem mesmo em
tese pode cumprir tal função, seria descabido realizá-la. Embora fosse
logicamente possível realizá-la, seria ilógico fazê-lo em face do
interesse jurídico a que se tem que atender.77
Ademais, a Constituição da República, embora tenha bem estabelecido
que a regra é a realização de procedimento licitatório, não olvidou permitir ao
legislador - em sua competência a ser exercida de maneira excepcional - excetuar
as hipóteses em que tal expediente (licitação) seria cabido, fazendo-o através da
parte inicial do inciso XXI do art. 37, que, cristalinamente, fixou que “ressalvados
os casos especificados na legislação” as contratações administrativas dar-se-ão
por licitação pública.
Nesta seara, a Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos, objeto
central de estudo, fixa em seu artigo 25 e incisos78 que “é inexigível a licitação
77
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Ob Cit. Págs. 551-552.
78Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:
I - para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes;
50
quando houver inviabilidade de competição”, em especial nas hipóteses de
ausência de pluralidade de fornecedores em decorrência de exclusividade no
fornecimento do material, equipamento ou gênero de que necessita a
Administração (inciso I), quando da contratação de serviços técnicos singulares a
se executar por profissionais de notória especialização (inciso II) e para valer-se
de profissional do setor artístico, desde que contratado diretamente ou mediante
empresário exclusivo (inciso III).
Sobre as hipóteses especiais destacadas pelo legislador, é de se dizer
que as mesmas merecerão detença específica, cumprindo anotar, por ora, que a
basilar norma a se decantar para compreensão da hipótese em que a licitação é
inexigível se compreende na inviabilidade de competição, conceito este de
obrigatória presença mesmo diante das ditas especiais circunstâncias expostas
nos incisos do supracitado art. 25.
Neste diapasão é que a doutrina professada por Maria Sylvia Zanella Di
Pietro afirma que a “inexigibilidade é decorrência da inviabilidade de competição
(...). Se a competição inexiste, não há que se falar em licitação”. A mesma autora
não se olvida de ressalvar que a “inviabilidade de competição deve ficar
adequadamente demonstrada”79.
Na obra do saudoso Hely Lopes Meirelles se depreende didática
exposição, que, após a abordagem das hipóteses destacadas nos incisos do art.
25 da Lei de Regência, bem assevera:
II - para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação;
III - para contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública.
§ 1.° Considera-se de notória especialização o profissional ou empresa cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica, ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato.
§ 2.° Na hipótese deste artigo e em qualquer dos casos de dispensa, se comprovado superfaturamento, respondem solidariamente pelo dano causado à Fazenda Pública o fornecedor ou o prestador de serviços e o agente público responsável, sem prejuízo de outras sanções legais cabíveis.
79 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 27° edição. São Paulo: Ed. Atlas, 2014.
Págs. 397-398.
51
Em todos esses casos a licitação é inexigível em razão da
impossibilidade jurídica de se instaurar competição entre eventuais
interessados, pois não se pode pretender melhor proposta quando
apenas um é proprietário do bem desejado pelo Poder Público ou
reconhecidamente capaz de atender às exigências da Administração
no que concerne à realização do objeto do contrato. Falta o
pressuposto da licitação, que é a competição.80
Neste ínterim, evidente, pois, que o pressuposto da inexigibilidade é a
antítese daquele que embasa a licitação pública, configurando-se, o primeiro, na
impossibilidade ou inviabilidade de competição.
2.1. Da Diferença entre Inexigibilidade e Dispensa de Licitação.
Por conseguinte, a Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos
prevê basicamente dois institutos jurídicos permissivos à contratação direta, isto
é, alheios ao ordinário certame licitatório, sendo eles a dispensa de licitação, em
seu artigo 24, e a inexigibilidade de licitação, em seu artigo 25.
Ambos os institutos, embora sejam distintos em suas causas, sempre hão
de ser reconhecidos como hipótese de exceção e ,sob este prisma, não é de se
compreender que a parte inicial do inciso XXI do artigo 37 da Constituição Federal
concedeu ao legislador ordinário o permissivo para estampar hipótese de
ausência de dever de licitar que não seja reconhecida como suficiente a sufragar -
considerando os outros interesses estatais alcançáveis mediante a direta
contratação - o dever de estabelecer licitação pública81.
80
MEIRELLES, Hely Lopes. Ob Cit. Pág. 310.
81 “O legislador, como já observamos, não escolheu aleatoriamente alguns casos em que, a seu
talante, julgou ser dispensável ou inexigível o certame licitatório. Se assim tivesse procedido,
52
Isto posto, de início, é de se dizer que as hipóteses de dispensa de
licitação e de inexigibilidade de licitação não se confundem e comportam em si,
pois, profundas distinções, sobre as quais leciona com propriedade Joel de M.
Niebuhr, após, como dito, ponderar que ao legislador ordinário não é dado
excepcionar a licitação sem causa proporcional que a justifique:
A rigor jurídico, sob a mira do desvio de poder legislativo, os casos de
dispensa é que merecem maiores atenções, porque determinados pelo
legislador. Como visto, a dispensa só é legítima nas hipóteses em que
a realização de licitação pública imporia prejuízos a valores
concernentes ao interesse público, conforme critério do legislador, por
corolário, dependente de expressa disposição legal. Para a dispensa é
que se dirige com ênfase o comando programático do constituinte, pois
nela o legislador é quem vai decidir o que se sujeita e o que não se
sujeita à licitação pública.
O problema não se põe com intensidade quanto à inexigibilidade,
porque ela ocorre nas hipóteses em que a competição é inviável, o que
impossibilita a licitação pública, independente da vontade do legislador.
Sempre que se verifica a inviabilidade de competição está-se diante de
inexigibilidade, queira o legislador ou não. Destarte, se a inexigibilidade
independe do legislador, no que tange a ela a norma programática,
que prescreve a tarefa de tratá-la como exceção, aplica-se com suave
amplitude, tornando remota a possibilidade de desvio de poder
legislativo.
A dispensa ocorre nas hipóteses em que a realização de licitação
pública imporia sacrifícios ou gravames de monta ao interesse público,
haveria manifesta ofensa aos princípios constitucionais que estribam a obrigatoriedade da
licitação. Além disso, esvaziar-se-ia a obrigação decorrente da Constituição de licitar, porquanto
de nada valeria o mandamento constitucional que determina a realização da competição se
pudesse o legislador ordinário criar livremente exceções a tal determinação. Haveria,
efetivamente, a possibilidade ilógica de a regra constitucional (obrigatoriedade) tornar-se exceção
por força da legislação infraconstitucional.
Disso se conclui que tanto as hipóteses de dispensa, como as de inexigibilidade de licitação
devem revestir-se de determinadas características que as tornem harmoniosas com os princípios
constitucionais dos quais decorre o dever de licitar. Em outras palavras, nesses casos específicos
(dispensa e inexigibilidade) não haverá licitação, mas isso não afrontará o princípio republicano,
nem o princípio da isonomia etc.” (MARTINES JUNIOR, Eduardo; LATANCE NETO, Valdemar.
Ob. Cit. Págs. 50-51).
53
que não poderiam, com arrimo na razoabilidade, ser suportados pela
coletividade. Verifica-se a ocorrência de tensão entre valores
prestigiados pelo ordenamento: de um lado, o princípio da isonomia,
que acarreta a obrigatoriedade de licitação pública, uma vez que se
deve propiciar o mesmo tratamento a todos os interessados nos
benefícios econômicos do contrato; e, de outro, valores de porte
diverso, porém importantes para o interesse público, tais como a
emergência, a segurança nacional, etc, que propugnam a dispensa de
licitação pública. O legislador está autorizado a criar hipóteses de
dispensa perante situações, mesmo ainda gerais e abstratadas, em
que esses outros valores fossem sacrificados ou agravados em larga
escala pela realização de licitação e em que os mesmos se
apresentassem com mais força do que o princípio da isonomia.82
Maria Sylvia Zanella Di Pietro corrobora o entendimento acima versado,
expondo com objetividade a principal distinção entre os institutos:
A diferença básica entre as duas hipóteses está no fato de que, na
dispensa, há possibilidade de competição que justifique a licitação; de
modo que a lei faculta a dispensa, que fica inserida na competência
discricionária da Administração. Nos casos de inexigibilidade, não há
possibilidade de competição, porque só existe um objeto ou uma
pessoa que atenda às necessidades da Administração; a licitação é,
portanto, inviável.83
Por conseguinte, Marçal Justen Filho, com a maestria que lhe é peculiar
no que atine ao tema de Licitações e Contratos Administrativos, bem assevera
que nas hipóteses de dispensa de licitação eventual instauração de certame
provocaria a obtenção de uma proposta inadequada, mas não haveria obstáculo à
percepção das propostas em si, embora submetê-las à competição sufragaria
outros interesses estatais, reconhecidos estes últimos pelo legislador como
82
NIEBUHR, Joel de Menezes. Ob. Cit., Págs. 134-135.
83 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Ob. Cit. Pág. 395.
54
suficientes à dispensa do certame. A inexigibilidade, por sua vez, é uma
imposição da realidade extranormativa84, pois decorre do exame da viabilidade de
se estabelecer a competição85.
Celso Antonio Bandeira de Mello sintetiza a distinção entre a dispensa e a
inexigibilidade de licitação, ao afirmar:
Em tese, a dispensa contempla hipóteses em que a licitação seria
possível; entretanto, razões de tomo justificam que se deixe de efetuá-
la em nome de outros interesses públicos que merecem acolhida. Já a
inexigibilidade resultaria de inviabilidade de competição, dada a
singularidade do objeto ou do ofertante, ou mesmo - deve-se
acrescentar - por falta dos pressupostos jurídicos ou fáticos da licitação
não tomados em conta no arrolamento dos casos de licitação
dispensável.86
Por essas razões é que se afirma que as hipóteses de dispensa de
licitação são numerus clausus, a depender, para seu reconhecimento, da
84
“As diferenças entre inexigibilidade e dispensa de licitação são evidentes. Não se trata de
questão irrelevante ou meramente retórica, mas de alternativas distintas em sua própria natureza,
com regime jurídico diverso.
A inexigibilidade é um conceito logicamente anterior ao da dispensa. Naquela, a licitação não é
instaurada por inviabilidade de competição. Vale dizer, instaurar a licitação em caso de dispensa
significaria deixar de obter uma proposta ou obter proposta inadequada. Na dispensa, a
competição é viável e, teoricamente, a licitação poderia ser promovida. Não o é porque, diante das
circunstâncias, a Lei reputa que a licitação poderia conduzir à seleção de solução que não seria a
melhor tendo em vista as circunstâncias peculiares,
Em suma, inexigibilidade é uma imposição da realidade extranormativa, enquanto a dispensa é
uma criação legislativa. Como decorrência direta, o elenco de causas de inexigibilidade contido na
Lei tem cunho meramente exemplificativo. Já os casos de dispensa são exaustivos, o que não
significa afirmar que todos se encontram na Lei n.° 8.666. Outras leis existem, prevendo casos de
dispensa de licitação.
Como decorrência, a conclusão acerca da caracterização da inexigibilidade faz-se em momento logicamente anterior ao do reconhecimento da dispensa. Num primeiro momento, avalia-se se a competição é ou não viável. Se não o for, caracteriza-se a inexigibilidade. Se houver viabilidade de competição, passa-se à verificação da existência de alguma hipótese de dispensa.” (JUSTEN FILHO, Marçal. Ob. Cit. Pág. 406).
85 JUSTEN FILHO, Marçal. Ob. Cit. Pág. 406.
86 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Ob Cit. Págs. 554-555.
55
expressa e induvidosa previsão legislativa. Conceito distinto, como adiante se
dirá, é reservado à inexigibilidade de licitação, a conter pressuposto
extranormativo.
Por estas razões também é possível se afirmar que a subsunção da
hipótese concreta à circunstância de licitação inexigível - por ser inviável a
competição - não concede ao administrador outra via que não a contratação
direta, isto de forma distinta do que se dá em face das hipóteses de dispensa do
rito licitatório, em que, em virtude da possível competição, socorre ao gestor a
discricionariedade ao declarar, ou não, a contratação direta.
Não se ignore, todavia, que embora também se diga licitação
dispensável87, exatamente em virtude da possibilidade de não a declarar, há
determinadas hipóteses previstas pelo legislador como de dispensabilidade de
licitação que, de fato, pela natureza das razões que motivam a ausência do
certame, tornam mesmo imperioso - obrigatório, pode-se dizer - declarar a
dispensa de licitação, visto que, embora se trate de circunstância reconhecida
pelo legislador como de licitação dispensável, é, inobstante, inegável sua
representatividade de verdadeira hipótese de inviabilidade de estabelecimento do
certame, notadamente naquelas em que não se licita em virtude da singularidade
do imóvel que se pretende locar - em decorrência de sua localização e
infraestrutura (art. 24, X88) - e por reflexo da urgência89 no atendimento da
necessidade estatal (art. 24, IV90).
87
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Ob Cit. Pág. 555.
88 Art. 24. É dispensável a licitação:
X - para a compra ou locação de imóvel destinado ao atendimento das finalidades precípuas da
administração, cujas necessidades de instalação e localização condicionem a sua escolha, desde
que o preço seja compatível com o valor de mercado, segundo avaliação prévia;
89 “A decisão de não licitar decorre de uma valoração subjetiva da situação e do interesse social
envolvido. Quando a norma menciona prejuízo, este deve ser interpretado em sentido amplo. Não
me parece existir dúvida de que prejudicada fica a parcela da sociedade envolvida, direta ou
indiretamene, quando, por exemplo, uma obra pública não é posta à sua disposição no prazo
adequado. O conceito de prazo adequado comporta um certo grau de subjetividade e é
determinável em cada caso.
Não pretendo dizer que o juízo sobre a urgência seja arbitrário (...) e sim discricionário que a
Administração emite sobre o interesse social envolvido. (...).
56
2.2. Do Conteúdo do Caput do Art. 25 da Lei Federal n.° 8.666/93 – Da
Inviabilidade de Competição como hipótese abstrata autorizativa e do
cunho exemplificativo dos incisos do Art. 25.
Neste diapasão, cumpre reiterar que o dispositivo legal autorizativo da
inexigibilidade de licitação possui pressuposto fático e lógico, qual seja de, no
caso concreto, ser inviável o estabelecimento de competição.
Trata-se, distintamente do que ocorre com as hipóteses de dispensa de
licitação, de instituto que não demanda a expressa e prévia eleição das hipóteses
de proporcional sufragamento do dever de licitar - em prol de outros interesses
reconhecidos como suficientes para justificar a contratação direta91 -, pois que,
frise-se, repousa na observância de ocorrência a evidenciar uma inocuidade no
estabelecimento do certame licitatório92.
Configurados, pois, os pressupostos da não realização de licitação, que mencionei acima, a
Administração deve efetuar a contratação sem o prévio procedimento licitatório. É o interesse
social que exige a contratação sem licitação. Assim, a Administração está proibida de realizá-
la, pois se o fizesse estaria contrariando o interesse social tutelado pelo ordenamento jurídico.”
(AMARAL, Antonio Carlos Cintra do. Dispensa de Licitação por Emergência. Salvador: Instituto
Brasileiro de Direito Público, n.° 13, janeiro/fevereiro/março, 2008. Disponível na internet:
<www.direitodoestado.com.br/rede.asp> Acesso em 02/09/2016. Págs. 05-06, grifos do
original).
90
Art. 24. É dispensável a licitação:
IV - nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de
atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas,
obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens
necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e
serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e
ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou calamidade, vedada a prorrogação dos
respectivos contratos;
91 “As hipóteses descritas no artigo 24 da Lei n.° 8.666/93 são exaustivas e estão previstas em
função da economicidade, em função da pessoa, da ineficácia ou desnecessidade do próprio certame ou de acordo internacional, impondo a dispensa.” (MARTINES JUNIOR, Eduardo; LATANCE NETO, Valdemar. Ob. Cit. Pág. 52).
92 “Em suma: sempre que se possa detectar uma induvidosa e objetiva contradição entre o
atendimento a uma finalidade jurídica que incumba à Administração perseguir para bom
57
Por se tratar, desta forma, de meio de contratação direta que não se
esgota em alternativas fáticas previstas pelo legislador, torna-se logicamente
reconhecível que o caput do artigo 25 da Lei Geral de Licitações, ao estabelecer a
inexigibilidade de licitação “quando houver inviabilidade de competição”, “em
especial” nas hipóteses estampadas em seus incisos, preconizou regra abstrata
de reconhecimento da inexigibilidade, sendo as hipóteses de seus incisos,
portanto, tidas como “especiais”93, isto é, exemplificativas de circunstâncias
recorrentes ou induvidosamente representativas de inviabilidades de competição.
Neste sentido, leciona Joel de Menezes Niebuhr:
Então, sempre que inviável a competição, sucede inexigibilidade de
licitação pública, cabendo à comunidade jurídica sistematizar os casos
mais frequentes, sem pretender exauri-los, pois o enunciado está em
aberto. Isto é, por mais que seja conveniente inventariar os casos de
inexigibilidade, tal empreendimento provavelmente jamais se
completará, porque o caput do artigo 25 da Lei n.° 8.666/93 se refere
amplamente à inviabilidade de competição, abraçando hipóteses que o
comércio jurídico pode vir a configurar no futuro em vista de situações
sequer hoje supostas, bem à frente das que se delineiam na
atualidade. Por maiores que sejam os esforços para inventariar todos
os casos de inexigibilidade, podem surgir outros, que talvez até se
tornem bastante frequentes.94
cumprimento de seus misteres e a realização de certame licitatório, porque este frustraria o correto
alcance do bem jurídico posto sob sua cura, ter-se-á de concluir que está ausente o pressuposto
jurídico da licitação e, se esta não for dispensável com base em um dos incisos do artigo 24,
deverá ser havida como excluída com supedâneo no art. 25, caput.” (MELLO, Celso Antonio
Bandeira de. Estudos e pareceres de Direito Público, vol. 11. São Paulo: RT, 1991, p. 25).
93
“Ademais, da leitura do caput do artigo 25 da Lei n.° 8.666/93 deflui que o legislador, após ter
traçado a inexigibilidade sob o espectro da inviabilidade de competição, se preocupou em elucidar algumas hipóteses especiais dela, sem pretender, percebe-se à evidência, exauri-las. Tratou de dispor das hipóteses de inexigibilidade mais usuais, disciplinando critérios e o modo como o agente administrativo deve proceder em relação a elas. Nesse contexto, os três incisos do artigo 25 da Lei n.° 8.666/93 versam, respectivamente, (I) sobre a contratação de bens que só podem ser fornecidos ou prestados por produtor; (II) serviços técnicos de notória especialização de natureza singular; e (III) serviços artísticos em linha geral.” (NIEBUHR, Joel de Menezes. Ob. Cit., Pág. 144).
94
NIEBUHR, Joel de Menezes. Ob. Cit., Pág. 143.
58
O Tribunal de Contas da União reflete mesmo posicionamento, donde se
destaca o precedente:
As hipóteses de inexigibilidade relacionadas na Lei n.° 8.666/1993 não
são exaustivas, sendo possível a contratação com base no caput do
art. 25 sempre que houver comprovada inviabilidade de competição.95
Marçal Justen Filho, ao analisar o tema, denota referido raciocínio,
expondo que são variáveis as circunstâncias a provocar a inviabilidade de
competição e, por consequência, a inexigibilidade de licitação:
A inviabilidade de competição também se verificará nos casos em que
houver impossibilidade de seleção entre as diversas alternativas
segundo um critério objetivo ou quando o critério da vantajosidade for
incompatível com a natureza da necessidade a ser atendida. Ou, ainda
quando a realização da licitação inviabilizar a contratação de um
dentre os diversos sujeitos aptos a executar satisfatoriamente o
contrato visado pela Administração.96
Celso Antonio Bandeira de Mello é objetivo ao afirmar:
Cumpre salientar que a relação dos casos de inexigibilidade não é
exaustiva. Com efeito, o art. 25 refere que a licitação é inexigível
quando inviável a competição. E apenas destaca algumas hipóteses.97
95
TCU. Acórdão n.° 2.418/2006, Plenário, rel. Min. Marcos Bemquerer Costa.
96 JUSTEN FILHO, Marçal. Ob. Cit., pág. 436.
97 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Ob Cit. Pág. 561.
59
Nestas circunstâncias, pois, a inexigibilidade de licitação afigura-se como
hipótese abstrata autorizadora de contratação direta, sendo os incisos do art. 25
circunstâncias excepcionais que preveem as mais comuns e “especiais” situações
que se reconhecem como, em tese, hábeis ao cotejo da inviabilidade de
competição, pressuposto do art. 25, caput, da Lei 8.666/93.
60
3. DA HIPÓTESE DO INCISO I – DO FORNECEDOR EXCLUSIVO
Previu o legislador como primeira hipótese a ensejar a inexigibilidade de
licitação a aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser
fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a
preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade ser feita através
de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se
realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou
Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes (art. 25, I, Lei
8.666/93).
Trata-se de circunstância em que a competição é inviável em virtude da
inexistência de pluralidade de proponentes a acudir ao eventual certame
licitatório, daí se dizer inócuo - e, pois, inviável - o estabelecimento do
procedimento da licitação, lastreado como é no pressuposto da isonomia e
competitividade.
Joel de Menezes Niebuhr observa que o inciso I destaca hipótese de
precioso relevo à Administração Pública, considerando que o interesse público
deveras usualmente reclama esse tipo de contrato, retratado em “situações em
que uma única pessoa dispõe do que pretende a Administração Pública, por efeito
do que o contrato administrativo deve ser celebrado inevitavelmente com ela,
mediante inexigibilidade de licitação, já que inviável a competição”98.
Neste ínterim, encontra-se excelente assertiva sobre o tema na já citada
obra “Dispensa e Inexigibilidade de Licitação”, subscrita por Eduardo Martines J. e
Valdemar Latance N. 99, que se vale de citação à obra do jurista Carlos Ary
Sundfeld100, em seus termos:
98
NIEBUHR, Joel de Menezes. Ob. Cit., Pág. 144.
99
MARTINES JUNIOR, Eduardo; LATANCE NETO, Valdemar. Ob. Cit. Pág. 57.
100
SUNDFELD, Carlos Ary. Licitação e Contrato Administrativo de Acordo com as Leis 8.666/93 e
8.883/94. São Paulo: Ed. Malheiros, 1994, pág. 043.
61
A inviabilidade, portanto, decorre da unicidade do fornecedor; daí não
ser exigível a licitação. Cumpre, portanto, lembrar a lição de Carlos Ary
Sundfeld: “Questão fundamental, no atinente à inexigibilidade, é a
determinação do conteúdo ou do objeto da contratação. É quando
escolhe as características do objeto a ser contratado que a
Administração define a viabilidade ou não do certame. Tomando
exemplos: se, pretendendo adquirir computadores, fixa-se naqueles
com especificidades tais que só sejam atendidas pela marca X,
comercializada por uma única empresa, inviabiliza qualquer licitação;
se, ao contrário, admite espectro mais amplo de características,
presentes nos produtos de diversas marcas, torna-a possível. A
determinação do objeto requer cuidados especiais para evitar a burla
aos princípios da licitação, sobretudo ao da igualdade.”
Em vista disso, conclui o referido autor que a Administração Pública
pode exigir determinada característica no bem ou no serviço a ser
contratado apenas se sua ausência tornar aquele bem ou serviço
absolutamente imprestável ao interesse público que animou a
contratação.
Neste diapasão, Marçal Justen Filho bem elucida que o reconhecimento
da inviabilidade de competição com fulcro no inciso I do art. 25 reflete típica
“ausência de pluralidade de alternativas de contratação”, considerando a
“necessidade de contratação de objeto somente fornecível por determinado
empresário”101. Anota Justen Filho que tais hipóteses se afiguram quando há uma
única solução técnica hábil à satisfação da pretensão administrativa, que reflete
único proponente possível à Administração, unicidade esta provocada por
proteção do Direito ou por questão meramente fática:
Haverá hipóteses em que a única alternativa disponível está tutelada
por privilégio de exclusividade, segundo as regras de propriedade
imaterial (direitos autorais, direitos de propriedade industrial).
101
JUSTEN FILHO, Marçal. Ob. Cit., pág. 411.
62
Suponha-se a necessidade de adquirir um certo equipamento que está
tutelado por patente de investigação. É óbvio que o Estado não poderá
adquirir um produto equivalente, fornecido irregularmente por quem
não é titular de direitos de comercialização. Mas a ausência de direito
de exclusividade não elimina a inviabilidade de competição quando se
caracteriza a mera circunstância fática de ausência de outro sujeito em
condições de produzir objeto equivalente.102
Sob este raciocínio, a doutrina costuma sintetizar a hipótese de
inexigibilidade prevista no inciso I como circunstância de necessidade de objeto
singular103, ou, nas palavras do Prof. Celso Antonio Bandeira de Mello, de bens
singulares104, em seus dizeres:
Os bens singulares, consoante se disse, não são licitáveis. Um bem
qualifica-se desta maneira quando possui individualidade tal que o
torna inassimilável a quaisquer outros.
Esta individualidade pode provir de o bem ser singular (a) em sentido
absoluto, (b) em razão de evento externo a ele ou (c) por força de sua
natureza íntima.
a) Singular em sentido absoluto é o bem de que só existe uma
unidade. Um selo do qual se emitiu apenas um exemplar ou, se
emitido vários, os demais foram destruídos, é objeto singular único em
sentido absoluto.
102
JUSTEN FILHO, Marçal. Ob. Cit., pág. 411.
103
“A inexigibilidade está diretamente relacionada com a singularidade. Nesta seara podemos
afirmar que, existem três causas que tornam inexigível a licitação: objeto singular, serviço singular e profissional singular: 1.° Objeto singular: a licitação é inexigível quando o objeto for único, isto é singular. Sendo assim, terá inexigibilidade a licitação que tiver como fundamento a aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes. Como exemplo, podemos citar uma invenção produzida apenas por uma empresa brasileira. Neste caso, não há concorrência e a licitação se torna inexigível.” (DALVI, Luciano. Manual das Licitações e Contratos Administrativos, 1° Ed. Campo Grande: Contemplar, 2012. Pág. 167).
104
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Ob Cit. Pág. 562.
63
b) Singular em razão de evento externo é o bem a que se agregou
significado particular excepcional. Uma espada utilizada em
acontecimento histórico relevante é objeto que se tornou único por
força de fator externo que se incorporou nele. Poderão existir inúmeras
espadas do mesmo formato, fabricação, época e composição metálica;
sem embargo, àquela aderiu irremovivelmente uma qualidade que a
singularizou.
c) Singular em razão da natureza íntima do objeto é o bem em que se
substancia realização artística, técnica ou científica caracterizada pelo
estilo ou cunho pessoal de seu autor. Uma produção intelectual, como
um livro de crônica, uma obra de arte, um quadro, são singulares pela
natureza íntima do objeto.
Nestas circunstâncias se afirma que a inexigibilidade com fulcro no inciso I
do art. 25 da Lei de Regência há de pressupor não apenas a exclusividade - por
questões fáticas e/ou de Direito - no fornecimento da coisa ou do serviço105, mas
notadamente que o objeto pretendido em si comporte peculiaridade tal que
inviabilize o estabelecimento de competição em prol da obtenção de outros, a ele
assemelhado.
Daí se dizer da vedação à preferência de marca - sobre a qual melhor se
dirá adiante - e à fixação de características do objeto pretendido que sejam
despiciendas, isto é, que não atendam indispensavelmente às necessidades
hábeis à satisfação do interesse público.
Ocorre que, como dito, a regra matriz nas contratações administrativas se
consubstancia através da licitação pública - enquanto instrumento de atingimento
da isonomia e seleção da melhor proposta -, de forma que se evidencia que a
hipótese de inexigibilidade epigrafada depende, com rigor, da forma como for
descrita ou idealizada a necessidade estatal. Diga-se, se a Administração Pública
necessita de um determinado reagente químico para uso em laboratório, v.g.,
105
“O inc. I do art. 25 alude apenas a compras e somente ao caso do representante exclusivo. Isso
não significa, porém, excluir a possibilidade de contratação direta em contratos que envolvam serviços (ou obras). Aliás, a própria redação do inc. I induz essa amplitude, diante da referência final a ‘local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço’, admitindo implicitamente que também essas espécies de contratações comportam inexigibilidade.” (JUSTEN FILHO, Marçal. Ob. Cit., pág. 415-416).
64
descrevê-lo de molde a que diversos fabricantes o produzam no mercado e em
formato que todos atendam à necessidade estatal, extremamente possível - e
obrigatório - será o estabelecimento da licitação, com o fito de selecionar, dentre
aqueles disponíveis no mercado, aquele que contenha a melhor proposta à
Administração, promovida por proponente habilitado. Agora, se ao mesmo
reagente químico for imposto um caractere que o distinga dos demais, por suas
peculiaridades, a ponto de apenas poder ser atendido por único fabricante que
detém a exclusividade de seu fornecimento - não outorgando, portanto,
autorização de comercialização para pluralidade de fornecedores -, tem-se a
hipótese de inexigibilidade de licitação.
Nestas razões, é evidente que tão regular será a inexigibilidade de licitação
quanto for proporcional e motivada a descrição pormenorizada do objeto
pretendido pela Administração Pública, a ensejar reconhecimento de única
solução técnica para saciamento da necessidade que justifica a contratação. Se,
de fato, explorando o exemplo supracitado, em virtude das características do
laboratório houver um único reagente químico a elas compatível, é, a rigor, lícita a
inexigibilidade. Mas, noutravia, se forem inúmeros os produtos que atenderiam à
necessidade administrativa, o pressuposto da inviabilidade de competição terá
sido errôneo, lastreado em má dimensão da necessidade estatal e equivocado
reconhecimento do pressuposto da inexigibilidade de licitação.
Há de se ter em vista que a regra constitucional é a licitação, sendo a sua
inexigibilidade uma hipótese excepcional, de forma que, indubitavelmente, sempre
que for possível a licitação, está deve ser procedida, jamais denegada por arbítrio
do gestor que não seja harmônico à seleção do objeto tido como indispensável
para saciamento do interesse público sob cura.
Neste diapasão é que se expõe a específica lição doutrinária:
É frequente que os produtos ou serviços de qualquer empresa,
fabricante ou fornecedor tenham características especiais, que os
distinguem dos demais produtos ou serviços ofertados por seus
concorrentes. Sob esse contexto - enfocando a questão de modo
bastante débil -, qualquer produto ou serviço poderia ser reputado
65
como exclusivo, na medida em que possui características que os
diferenciam de seus concorrentes, e, por efeito disso, ensejar a
inexigibilidade de licitação pública. Esse argumento acabaria por
inverter a norma programática enlaçada na parte inicial do inciso XXI
do artigo 37 da Constituição Federal, segundo a qual a licitação pública
é a regra e a contratação direta, quer por inexigibilidade, quer por
dispensa, a exceção, uma vez que qualquer produto ou serviço poderia
ser considerado exclusivo e sua contratação realizada através de
inexigibilidade.
Por isso, é evidente que não cabe aos agentes administrativos
ressaltarem quaisquer características de produtos ou serviços,
chegando mesmo a reputá-las exclusivas, justamente com o intento de
declararem a inexigibilidade de licitação pública. Quer dizer que os
agentes administrativos não devem ressaltar as características que
bem ou mal entendam, mas devem ater-se só aquelas que são
determinantes para a satisfatória consecução do interesse público.
Isso tem a ver com a descrição do objeto do futuro contrato, que deve
ser realizada com toda a parcimônia, valendo-se a Administração
Pública de estudos técnicos sólidos, para definir, de maneira precisa, o
que realmente contempla o interesse público. Ora, é necessário que a
Administração saiba o que quer e, para tanto, não há outro caminho
afora procurar conhecer as possibilidades ofertadas no mercado,
consultando especialistas a respeito do objeto que se pretenda
contratar.106
Pela necessária motivação quando do estabelecimento do objeto
pretendido pela Administração Pública, notadamente quando sua descrição
provocar a inviabilidade de competição em virtude da existência de único sujeito
em condições de atendê-la, cumpre destacar precedente do Tribunal de Contas
da União, didático em tal ponderação:
(...) levando-se em conta que a empresa (...) é a detentora de direitos
autorais sobre os personagens SESInho e sua turma, conforme
106
NIEBUHR, Joel de Menezes. Ob. Cit., Pág. 149.
66
amplamente noticiado no relatório precedente, a realização de licitação
para o objeto em foco demandaria a troca dos mencionados
personagens, caso a (...) não se sagrasse vencedora do certame.
28. Como afirmado pelo responsável, tal solução não guardava
alinhamento aos objetivos estratégicos do SESI, que já contava com
uma publicação de qualidade que vem conseguindo, de modo
satisfatório, atingir o objetivo pretendido - difusão de ideias - junto ao
público-alvo, em especial, as crianças.
(...) 32. A notória especialização da (...) deriva da produção da revista
desde o ano de 1998 - SESI, Departamento de Santa Catarina -, com a
grande aceitação pelo público-alvo, que tem demandado, inclusive, a
criação de mais histórias, focando assuntos específicos (estudo da
Ideorama, pág. 120). A inferência acerca da plena satisfação do objeto
contratado é decorrente de a referida firma ser, como já dito,
possuidora de direitos autorais sobre os traços dos personagens.
33. Tais observações, levam-me a apontar que o afastamento da
licitação justificou-se em função de o interesse público a ser atendido
apresentar peculiaridade e anomalia que tornavam a licitação
contraproducente. A anomalia reside no fato de a contratada possuir
exclusividade no traço de personagens que vinham sendo utilizados de
longa data, com elevada aceitação, e a peculiaridade está na
constatação de que tais personagens vêm conseguindo difundir os
conceitos almejados pela publicação ao longo de vários anos, o que
demonstra alinhamento da contratação ao interesse público. (...)
(...). 37. Em linha de conclusão, a meu ver, ficou evidenciada nos autos
a inviabilidade de competição, condição sine qua non para o
afastamento da licitação.107
Nestas razões se evidencia que, em havendo produto que singularmente
atende às necessidades estatais e sendo o mesmo ofertável por único
proponente, será inviável a competição e, portanto, inexigível a licitação.
107
TCU. Acórdão n.° 197/2010, Plenário, rel. Min. Marcos Bemquerer Costa.
67
3.1. Da Vedação à Preferência de Marca e do Atestado de
Fornecimento Exclusivo;
A delimitação das características da coisa ou serviço pretendidos pela
Administração, como exposto, é de sublime valia quando da avaliação da
existência, ou não, de pluralidade de fornecedores em condições de atender à
necessidade estatal, pois que especifica o objeto cuja exclusividade de
comercialização dá ensejo à inexigibilidade de licitação.
Logo, a regularidade da contratação direta repousa, precipuamente (mas
não apenas nisto), na boa técnica manejada para se delimitar o objeto licitado,
especialmente se evitando que elementos dispensáveis para o atendimento da
função administrativa acabem por delimitar o universo de competidores a apenas
um fornecedor, em casos nos quais, com mais parcimônia, eventualmente fosse
possível estabelecer competição entre outros que igualmente - ou com razoável
proximidade - cumpririam os desígnios pretendidos108.
Neste sentido, seria mesmo despiciendo que o inciso I do art. 25 fixasse a
vedação à especificação de marca, de forma genérica, como causa para o
reconhecimento da inviabilidade de competição. Ocorre que, é de se dizer, em
108
“Repita-se que o critério administrativo redunda forçosamente em discricionariedade. Tudo
porque o objeto do contrato depende das peculiaridades e das necessidades de cada caso. Nesse talante, o critério administrativo gira em torno de uma zona de certeza negativa, uma zona de certeza positiva e outra zona de incerteza, onde se situa verdadeiramente a discricionariedade. E a questão é que essas zonas são sempre determinadas em razão dos casos concretos, a serem avaliados um a um consoante o aludido critério administrativo.
O critério administrativo é decisivo para a descrição do objeto do contrato, vale dizer que se trata de ato discricionário, dependente das circunstâncias de cada caso. Disso decorre que não há parâmetro absoluto e abstrato, posto de antemão, prestante a avaliar se a descrição do objeto levada a cabo pela Administração Pública é lícita ou ilícita. Na melhor das hipóteses, o que se pode oferecer são parâmetros a fim de orientar o critério administrativo. Nada mais do que isso.
O fim e ao cabo, o interesse público é a pedra de toque em relação à definição do objeto da futura contratação, bastante ou não a justificar a inexigibilidade de licitação.
Em apertada síntese:
A Administração Pública deve descrever o objeto com todas as características que definem o seu gênero. Trata-se das características principais ou essenciais do objeto, que definem a sua funcionalidade básica; das características que definem a própria natureza do objeto que se pretende contratar. Vai-se atentar às funções que se pretende do objeto e descrevê-lo de modo a assegurar o cumprimento delas. Sob essa perspectiva, todas as especificações que se fizerem necessárias são lícitas, mesmo que restrinjam o objeto a tal ponto de inviabilizar a competitividade e de justificar a inexigibilidade.” (NIEBUHR, Joel de Menezes. Ob. Cit., Pág. 153-154).
68
âmbito de licitações públicas, a especificidade de marca já é prática relativamente
vedada, por se mostrar forma abstrata de restrição à competição, conduta esta
contrária ao disposto no art. 3°, § 1°, I, da Lei de Regência109.
Isto posto, vê-se que os artigos 7°, § 5°110, e 15, § 7°, I111, da Lei Federal
n.° 8.666/93, já bem asseveram o descabimento, em regra, da indicação de
marca a ser fornecida para atendimento da necessidade administrativa. E isto se
justifica, é de se ressaltar, exatamente em virtude do necessário atendimento às
finalidades da licitação pública, quais sejam a concessão da isonomia,
competitividade, correlata seleção da proposta mais vantajosa e promoção do
desenvolvimento nacional sustentável, objetivos estes que seriam todos
sufragados se fosse facultado à Administração indicar a marca de sua
preferência, de forma dissociada do indispensável à obtenção de proposta que
atenda seus misteres, ceifando da competição potencial concorrente.
Noutravia, é de se dizer que também não se cogita de uma absoluta
vedação à indicação - tácita ou expressa - de uma marca que melhor atenda às
necessidades estatais, se, sob o aspecto técnico, esta for a única prestável à
109
Art. 3.° A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a
seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.
§ 1.° É vedado aos agentes públicos:
I - admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo, inclusive nos casos de sociedades cooperativas, e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato, ressalvado o disposto nos §§ 5o a 12 deste artigo e no art. 3o da Lei no 8.248, de 23 de outubro de 1991;
110 Art. 7.° As licitações para a execução de obras e para a prestação de serviços obedecerão ao
disposto neste artigo e, em particular, à seguinte seqüência:
(...) § 5.° É vedada a realização de licitação cujo objeto inclua bens e serviços sem similaridade ou de marcas, características e especificações exclusivas, salvo nos casos em que for tecnicamente justificável, ou ainda quando o fornecimento de tais materiais e serviços for feito sob o regime de administração contratada, previsto e discriminado no ato convocatório.
111 Art. 15. As compras, sempre que possível, deverão:
(...) § 7.° Nas compras deverão ser observadas, ainda:
I - a especificação completa do bem a ser adquirido sem indicação de marca;
69
função administrativa112. Logicamente, a licitação é um instrumento para servir - e
não desservir - o aparelhamento do Estado. Se tecnicamente não houver meio
comparavelmente apto ao serviço público, a especificidade do produto pretendido
- de forma a provocar a inviabilidade de competição - evidentemente provocará,
de forma declarada ou implicitamente, a oferta de apenas uma marca, visto que a
fixação de marca é a prática empresarial vigente.
Neste sentido a especializada doutrina de Joel de Menezes Niebuhr:
A propósito do assunto, impende destacar que o inciso I do artigo 25
da Lei n.° 8.666 veda literalmente a preferência de marca. Quer dizer
que, para preservar a competitividade, o agente administrativo não
pode indicar a marca do produto, uma vez que, agindo dessa forma,
frequentemente o singulariza, porquanto a disputa se torna restrita
àqueles que dela dispõem.
Apesar da clareza e da objetividade do dispositivo, a proibição de
indicar marca deve ser sopesada, com o fito de interpretar a Lei n.°
8.666/93 sistematicamente.
(...) Agregue-se que o inciso I do artigo 25 é um tanto contraditório ao
proibir a indicação de marca. E o é na medida em que ele se refere à
contratação de bem exclusivo, realizada junto à empresa, fabricante ou
fornecedor exclusivo. A prática empresarial é que as empresas deem
112
O silêncio da Lei n.° 8.666/1993 não pode ser interpretado como vedação à previsão editalícia
da aceitabilidade apenas de determinados produtos, que tiverem sido devidamente testados anteriormente, propiciando a convicção de sua satisfatoriedade. Mais ainda, deve admitir-se a possibilidade de rejeição de produtos cujo desempenho anterior tiver sido incompatível com as necessidades inerentes à natureza da contratação.
(...) Aplicam-se ao caso princípios constitucionais, entre os quais avultam o da proporcionalidade e da indisponibilidade do interesse público (ou seja, da supremacia dos direitos fundamentais, cuja realização deve obrigatoriamente ser promovida pelo Estado).
A Administração Pública não pode ser constrangida a adquirir produtos de qualidade inferior à necessária. Se houve experiência anterior comprobatória da ausência de adequação do produto, é dever da Administração Pública deixar de adquirir dito produto. Mais ainda e pelos motivos já expostos, a Administração tem de ponderar a natureza da prestação e as precauções a adotar. Não é possível impor à Administração o dever de adotar todas as cautelas para evitar a consumação de um dano e, concomitantemente, submetê-la ao dever de aceitar um produto de qualidade insuficientes ou duvidosa. Dito de outro modo, a imposição do dever de não falhar tem de ser acompanhada de poderes (funcionais) que permitam seu atendimento. (JUSTEN FILHO, Marçal. Ob. Cit. Pág. 249).
70
uma marca aos seus produtos. Se só determinada empresa dispõe do
produto pretendido pela Administração, não há outro caminho afora
indicar a marca que fora posta no produto. Ou seja, se o produto é
exclusivo, a marca exclusiva, de uma ou outra maneira, vai ser
indicada.
A proibição de indicação de marca contida no inciso I do artigo 25 da
Lei n.° 8.666/93 é relativa, mesmo que pela letra do dispositivo não o
pareça. Ela é relativa em decorrência da visão sistêmica que deve ser
dada à Lei, e, talvez com mais força, porque produtos exclusivos
possuem marcas exclusivas, o que torna incontornável indicar a
marca, mesmo que seja implicitamente.113
No sentido das lições de Marçal Justen Filho, que assevera a inexistência
de absoluta vedação à indicação de marca, mas apenas a necessidade de que tal
hipótese seja antecedida de rigorosa ponderação técnica a indicar a
imprescindibilidade das características específicas do objeto escolhido114,
expõem-se os precedentes do Tribunal de Contas da União, em seus termos:
A indicação de marca na licitação deve ser precedida da apresentação
de justificativas técnicas que demonstrem, de forma clara e inafastável,
que a alternativa adotada é a mais vantajosa e a única que atende às
necessidades da Administração.115
(...) ressalto que farta jurisprudência do Tribunal de Contas da União
considera suficiente, na hipóteses de ofensa ao disposto no art. 25,
inc. I, do Estatuto das Licitações e considerando circunstâncias
específicas de cada processo, que seja determinado ao órgão ou
entidade que se abstenha de indicar a preferência de marca e que
comprove cabalmente a inviabilidade de competição em função de o
113
NIEBUHR, Joel de Menezes. Ob. Cit., Pág. 155-156. 114
JUSTEN FILHO, Marçal. Ob. Cit., pág. 410.
115
Acórdão n.° 636/2006, Plenário, rel. Min. Valmir Campelo.
71
objeto pretendido só poder ser fornecido por produtor, empresa ou
representante comercial exclusivo (Acórdãos 116/2008 e 2.099/2008
ambos da 1° Câmara e 3.645/2008, 5.053/2008 e 2.809/2008 da 2°
Câmara, entre muitos outros).116
Por conseguinte, vê-se que o inciso I do art. 25 da Lei de Licitações
prevê, ademais, que deve “a comprovação de exclusividade ser feita através de
atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se
realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou
Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes”.
Ocorre que, com rigor, os órgãos de registros de comércio local não
possuem competência para outorgar, com segurança jurídica, declaração de
exclusividade no fornecimento de determinado produto, tampouco o possuindo os
sindicatos patronais, que poderão, no máximo, conceder certidões das
informações constantes em seus bancos de dados, logicamentes limitadas
àqueles registrados ou submetidos à sua esfera de competência, excluídos,
portanto, fabricantes, empresários ou distribuidores que possuam registro
comercial distinto ou sejam signatários de diferente entidade sindical117.
Nestas razões, bem anotou o Superior Tribunal de Justiça, em precedente
didático, que melhor seria a emissão de referido atestado apenas por órgão de
registro de comércio que contenha abrangência nacional:
(...) o inciso I do art. 25 da Lei de Licitações, ao exigir que certificado
seja expedido pelo órgão de registro do comércio do local em que se
realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação
116
Acórdão n.° 1.975/2010, Plenário, rel. Min. Benjamin Zymler.
117 “Em regra, a conclusão é que as Juntas Comerciais, Sindicatos, Federações ou Confederações
Patronais, entidades referidas no inciso I do artigo 25 da Lei n.° 8.666/93, não são hábeis para
atestar a exclusividade de dado objeto e de seu fornecedor. Logo, ainda que sejam emitidas
declarações nesse sentido, tais declarações não comprovam adequada e suficientemente a
exclusividade para efeitos de inexigibilidade de licitação pública. Os agentes administrativos
responsáveis pela contratação por inexigibilidade não devem contentar-se com tais declarações,
devem eles próprios pesquisar e investigar a pretensa exclusividade.” (NIEBUHR, Joel de
Menezes. Ob. Cit., Pág. 160).
72
ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes,
não veda que carta de exclusividade seja fornecida por órgão de
registro de comércio com abrangência a nível nacional, ao revés, induz
que esses órgãos é que são competentes para tanto.118
Neste diapasão Marçal Justen Filho também anota a impropriedade de se
delimitar competência de emissão de declaração de exclusividade aos órgãos
intitulados no inciso I do art. 25 da Lei de Regência, observando que a solução da
problemática repousa em obter tais informações através de instituição idônea
para tal desiderato, considerando a específica área de atuação em cotejo:
A interpretação formalista do inciso I tem conduzido a reputar
indispensável um atestado fornecido pelo órgão de Registro Público de
Empresas Mercantis ou por Sindicato, Federação ou Confederação
Patronal. Ora, o legislador incorreu em extrema infelicidade, ao adotar
a solução ora examinada. É que não incumbe ao Registro Público de
Empresas Mercantis controlar a existência de exclusividades de
representantes. Não há nem obrigatoriedade de arquivamento dos
instrumentos contratuais em face do Registro Público de Empresas
Mercantis. Por outro lado, essa questão não apresenta qualquer
pertinência aos órgãos sindicais. Logo, trata-se de formalidade
destituída de qualquer seriedade, inútil para a Administração Pública.
(...) De todo o modo, o inc. I refere-se a “entidades equivalentes”. Deve
interpretar-se o dispositivo como indicando instituições dotadas de
credibilidade e autonomia em relação ao mercado privado. A
inviabilidade de competição pode ser evidenciada através de
documentação emitida por instituição confiável e idônea, ainda que
não integrante no Registro Público de Empresas Mercantis e sem
natureza sindical.119
118
Apn n.° 214/SP, Corte Especial, rel. Min. Luiz Fux, j. em 07.05.2008, DJe de 1°.07.2008.
119
JUSTEN FILHO, Marçal. Ob. Cit. Págs. 416-417.
73
Neste sentido, o artigo 10 da Instrução Normativa n.° 20/2013, do
Departamento de Registro Empresarial e Integração, órgão integrado à
Presidência da República, prevê:
A Junta Comercial não atestará comprovação de exclusividade, a que
se refere o inciso I, do art. 25, da Lei n.° 8.666, de 21 de Junho de
1993, limitando-se, tão somente, à expedição de certidão de inteiro
teor do ato arquivado, devendo constar da certificação que os termos
do ato são de exclusiva responsabilidade da empresa a que se referir.
O Tribunal de Contas da União, a seu turno, já possui entendimento
consolidado na Súmula 255:
Nas contratações em que o objeto só possa ser fornecido por produtor,
empresa ou representante comercial exclusivo, é dever do agente
público responsável pela contratação a adoção das providências
necessárias para confirmar a veracidade da documentação
comprobatória da condição de exclusividade.
Neste sentido são as sugestões entabuladas por Joel de Menezes
Niebuhr, para que o administrador se valha, com o fito de diagnosticar a efetiva
exclusividade no fornecimento dos produtos, além de atestados eventualmente
fornecidos por órgãos de registros comerciais, associações ou sindicatos, também
de pareceres técnicos de especialistas, pesquisas de contratações pretéritas do
produto epigrafado por outras entidades administrativas - através de consultas a
antecedentes extratos de ratificações de inexigibilidade - e diligências no
mercado, aferindo, junto a outros fornecedores, se aquele que se declara
exclusivo de fato o é120.
120
NIEBUHR, Joel de Menezes. Ob. Cit., Pág. 161.
74
Desta feita, o esmero a avaliação do cabimento da inexigibilidade de
licitação em virtude da exclusividade no fornecimento de determinado produto ou
serviço há de exigir, por parte do gestor, não apenas a detença na confecção do
descritivo do objeto pretendido, mas notadamente a apuração se este possui, de
fato, exclusivo fornecedor, de molde a inviabilizar o estabelecimento de
competição e, por consequência, declarar-se inexigível a licitação.
75
4. – DA HIPÓTESE DO INCISO II – DO SERVIÇO TÉCNICO SINGULAR
Exposta a possibilidade de contratação direta em virtude da exclusividade
no fornecimento do objeto pretendido pela Administração, há de se expor a
segunda hipótese eleita pelo legislador como exemplificativa - por se mostrar
dentre as mais comuns - da inviabilidade de competição e, por consequência,
inexigibilidade de licitação.
Prevê, pois, o inciso II do art. 25 da Lei 8.666/93, que é inexigível a
licitação “para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta
Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória
especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e
divulgação”. O § 1° de referido dispositivo declara, ainda, que é de notória
especialização o proponente cujo conceito, no campo de sua especialidade,
permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais
adequado à plena satisfação do objeto do contrato121.
Trata-se de hipótese consubstanciada em típica circunstância de
inviabilidade de competição, mas aqui já não mais em decorrência da
exclusividade de direito ou fática no fornecimento do objeto pretendido - o que,
por via lógica, torna impossível ou inviável se estabelecer uma competição, pois
que único o proponente -, mas sim em virtude da inexistência de critérios
objetivos comparativos ou do risco do sacrifício dos interesses estatais na não
eleição subjetiva da melhor opção disponível no mercado122.
121
§ 1.° Considera-se de notória especialização o profissional ou empresa cujo conceito no campo
de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações,
organização, aparelhamento, equipe técnica, ou de outros requisitos relacionados com suas
atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à
plena satisfação do objeto do contrato.
122 “Quer-se dizer que o fundamento para a inexigibilidade de licitação albergada no inciso II do
artigo 25 da Lei n.° 8.666/93, referida como contratação de serviços técnicos profissionais
especializados de natureza singular, reside na indeclinável subjetividade para comparar tais
profissionais, que realizam seus préstimos com toque pessoal, de modo impregnado pela
subjetividade, fruto de experiência profissional própria. A natureza singular reside na pessoalidade
com que tais serviços são prestados, que impedem comparação objetiva, a única admissível em
76
Neste sentido professa Marçal Justen Filho:
A contratação de serviços, nos casos do inc. II do art. 25, visa a obter
não apenas uma utilidade material. É evidente que interessa à
Administração a produção de um certo resultado, mas a contratação
também é norteada pela concepção de que esse resultado somente
poderá ser alcançado se for possível contar com uma capacidade
intelectiva extraordinária. O que a Administração busca, então, é o
desempenho pessoal de ser humano dotado de capacidade especial
de aplicar o conhecimento teórico para a solução de problemas do
mundo real.
(...) No esforço de definir a regra legal, deve iniciar-se pela afirmação
de que a natureza singular não significa ausência de pluralidade de
sujeitos em condições de desempenhar o objeto. A ausência de
pluralidade de alternativas de contratação é objeto de disciplina no inc.
I do mesmo art. 25. Mais ainda, a existência de um único sujeito em
condições de ser contratado conduz à inviabilidade de competição
relativamente a qualquer serviço, mesmo quanto àqueles que não
forem técnicos profissionais especializados. Ou seja, a “natureza
singular” deve ser entendida como uma característica especial de
algumas contratações de serviços técnicos profissionais
especializados. Enfim e para concluir essa questão, singular é a
natureza do serviço, não o numero de pessoas capacitadas a executá-
lo.
licitação pública. Acrescenta-se que, em alguns casos, realmente, os profissionais que se procura
contratar nem sequer se disporiam a participar de licitação pública, o que força a Administração
Pública a contratá-los diretamente. Nada obstante essa situação possa vir a também justificar a
inexigibilidade, porque os profissionais que se pretende contratar não disputam entre si,
inviabilizando a competição, mesmo assim o seu derradeiro fundamento é a subjetividade na
prestação dos serviços, que impede o julgamento objetivo. Ora, mesmo se esses profissionais se
dispusessem a participar da licitação, ainda assim a competição permaneceria inviável, haja vista
a ausência de critérios objetivos para cotejá-los. Ademais, na maioria dos casos a especialidade
dos profissionais contratados é de natureza singular, mas o prestígio dos mesmos no mercado
não é de grau tão elevado, a ponto de fazê-los recusarem-se a participar de licitação pública. Tais
profissionais, embora não tão afamados, são especialistas de natureza singular, e, por
consequência, devem ser contratados diretamente, em obséquio à inexigibilidade de licitação
pública.” (NIEBUHR, Joel de Menezes. Ob. Cit., Pág. 170).
77
O Prof. Celso Antonio Bandeira de Mello, a seu turno, bem sintetiza a
hipótese de inexigibilidade em comento:
Em suma: a singularidade é relevante e um serviço deve ser havido
como singular quando nele tem de interferir, como requisito de
satisfatório atendimento da necessidade administrativa, um
componente criativo de seu autor, envolvendo o estilo, o traço, a
engenhosidade, a especial habilidade, a contribuição intelectual,
artística, ou a argúcia de quem o executa, atributos, estes, que são
precisamente os que a Administração reputa convenientes e necessita
para a satisfação do interesse público em causa.
Embora outros, talvez até muitos, pudessem desempenhar a mesma
atividade científica, técnica ou artística, cada qual o faria à sua moda,
de acordo com os próprios critérios, sensibilidade, juízos,
interpretações e conclusões, parciais ou finais, e tais fatores
individualizadores repercutirão necessariamente quanto à maior ou
menor satisfação do interesse público. Bem por isto não é indiferente
que sejam prestados pelo sujeito “A” ou pelos sujeitos “B” ou “C”, ainda
que todos estes fossem pessoas de excelente reputação.123
Trata-se de evidente hipótese de ausência de critérios objetivos de
julgamento124 por decorrência da singularidade do serviço de que o Estado
necessita, cuja contratação não se mostra viável de ser submetida aos típicos
tipos de julgamento estabelecidos nos ritos licitatórios, quais sejam os do menor
123
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Ob Cit. Pág. 564.
124 “Não há como estabelecer padrões objetivos de avaliação dessas características, visando a
uma classificação entre os seres humanos. Até é possível afirmar que alguns não possuem
habilidade, mas é problemático estabelecer que alguém apresenta maior habilidade do que outrem
(especialmente quando se consideram prestações futuras de contornos indeterminados).
Por outro lado, os profissionais de grande êxito e qualificação superior não colocam seus serviços
no mercado. Não se dispõe a competir num certame aberto, mesmo pelos efeitos derivados de
uma eventual derrota. Serviços assim especializados conduzem a uma situação de privilégio para
o prestador, que assume posição de aguardar a procura por sua contratação antes do que de
participar em processos coletivos de disputa por um contrato”. (JUSTEN FILHO, Marçal. Ob. Cit.
Págs. 421-422).
78
preço, melhor técnica e preço e melhor técnica, considerando que mesmo a
habilitação da proponente ou sua boa tecnicidade teórica em proposta não
garantem, de maneira razoavelmente certa, a satisfação da necessidade
administrativa125.
Neste diapasão se mostra oportuna menção à lição de Maria Sylvia
Zanela Di Pietro, em seus termos:
Quanto à menção, no dispositivo, à natureza singular do serviço, é
evidente que a lei quis acrescentar um requisito, para deixar claro que
não basta tratar-se de um dos serviços previstos no artigo 13; é
necessário que a complexidade, a relevância, os interesses públicos
em jogo tornem o serviço singular, de modo a exigir a contratação com
profissional notoriamente especializado; não é qualquer projeto,
qualquer perícia, qualquer parecer que torna inexigível a licitação.
É neste sentido que se pode afirmar que, para o reconhecimento da
inviabilidade de competição em virtude da singularidade do serviço, tem-se que
cumular os conceitos de serviço técnico singular126 a ser executado por
125
“A contratação direta desses serviços com profissionais ou empresas de notória especialização,
tal como a conceitua, agora, o § 1° do art. 25, enquadra-se, genericamente, no caput do mesmo
artigo, que declara inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição. Essa
inviabilidade, no que concerne aos serviços técnicos profissionais especializados em geral,
decorre da impossibilidade lógica de a Administração pretender ‘o mais adequado à plena
satisfação do objeto do contrato’, pelo menor preço, ou que renomados especialistas se sujeitem a
disputar administrativamente a preferência por seus trabalhos.
Todavia, a lei apresenta um rol de serviços técnicos profissionais especializados que podem ser
contratados diretamente com profissionais ou empresas de notória especialização, sem maiores
indagações sobre a viabilidade ou não de competição, desde que comprovada a sua natureza
singular, como resulta do confronto dos arts. 13 e 25, II.” (MEIRELLES, Hely Lopes. Ob. Cit. Págs.
311-312).
126 “Serviços singulares são os que se revestem de análogas características. De modo geral são
singulares todas as produções intelectuais, realizadas isolada ou conjuntamente - por equipe -,
sempre que o trabalho a ser produzido se defina pela marca pessoal (ou coletiva), expressada em
características científicas, técnicas ou artísticas importantes para o preenchimento da necessidade
administrativa a ser suprida. Neste quadro cabem os mais variados serviços: uma monografia
escrita por experiente jurista; uma intervenção cirúrgica realizada por qualificado cirurgião; uma
pesquisa sociológica empreendida por uma equipe de planejamento urbano; um ciclo de
79
profissional de notória especialização. Ora, em sendo o serviço caracterizado
como técnico-profissional, mas concorrendo a ele uma gama razoavelmente
grande de profissionais que poderiam induvidosamente fazê-lo em satisfatórias
condições, não será, de fato, singular o serviço127, o mesmo se dizendo quando
da contratação de profissional de notório saber para execução de um serviço
comum, hipótese em que terá sido despicienda128 - desproporcional, poderia se
dizer - tal contratação de renomado técnico, visto que poderia ser objeto da
ordinária e, em regra, exigível, competição. 129
conferências efetuado por professores; uma exibição de orquestra sinfônica; uma perícia técnica
sobre o estado de coisas ou das causas que o geraram.
(...) Evidentemente, o que entra em causa, para o tema da licitação, é a singularidade relevante,
ou seja: cumpre que os fatores singularizadores de um dado serviço apresentem realce para a
satisfação da necessidade administrativa. Em suma: que as diferenças advindas da singularidade
de cada qual repercutam de maneira a autorizar a presunção de que o serviço de um é mais
indicado do que o serviço de outro.” (MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Ob Cit. Pág. 554).
127 “Não devem ser considerados de natureza singular, de modo a ensejar inexigibilidade, a
contratação de empresa para oferecer cursos de capacitação e aperfeiçoamento de professores.
Tais serviços podem ser prestados por diversas empresas, impondo-se, dessa maneira, a
realização de licitação (...) Abstenha-se de contratar cursos de capacitação e aperfeiçoamento
com inexigibilidade de licitação, por notória especialização, uma vez que tais serviços não
possuem natureza singular, podendo ser realizados por diversas empresas ou profissionais
capacitados para tal, observando o disposto no art. 25 da Lei n.° 8.666/1993, restringindo as
contratações por inexigibilidade de licitação estritamente aos casos em que seja inviável a
competição.” (Acórdão n.° 3.249/2006, 1° C., rel. Min. Marcos Bemquerer Costa).
Noutro sentido: “(...) as contratações de professores, conferencistas ou instrutores para ministrar
cursos de treinamento ou aperfeiçoamento de pessoal, bem como a inscrição de servidores para
participação de cursos abertos a terceiros, enquadram-se na hipótese de inexigibilidade de
licitação prevista no inciso II do art. 25, combinado com o inciso VI do art. 13 da Lei n.° 8.666/93”
(Decisão n.° 439/1998, Plenário, rel. MIn. Adhemar Paladini Ghisi).
128
“Os argumentos dos recorrentes também não podem ser aproveitados no tocante à contratação
direta de serviços relacionados à assessoria na área de licitações e acompanhamento de processos junto ao TCU, por meio de inexigibilidade pautada no art. 25, inc. II, da Lei n.° 8.666/93. Isso porque é assente nesta Corte o entendimento de que a qualidade do profissional a ser contratado não é parâmetro suficiente para caracterizar a singularidade do objeto.” (TCU, Acórdão n.° 520/2011, 2° C., rel. Min. Raimundo Carreiro).
129 “A identificação de um ‘caso anômalo’ depende da conjugação da natureza própria do objeto a
ser executado com as habilidades titularizadas por um profissional-padrão que atua no mercado.
Ou seja, não basta reconhecer que o objeto é diverso daquele usualmente executado pela própria
Administração. É necessário examinar se um profissional qualquer de qualificação média enfrenta
e resolve problemas dessa ordem, na atividade profissional comum.
Ou seja, a natureza singular resulta da conjugação de dois elementos, entre si relacionados. Um
deles é a excepcionalidade da necessidade a ser satisfeita. O outro é a ausência de viabilidade de
seu atendimento por parte de um profissional especializado padrão.” (JUSTEN FILHO, Marçal. Ob.
Cit. Pág. 420).
80
Neste sentido, aliás, o Tribunal de Contas da União inclusive já exarou
verbete sumular:
A inviabilidade de competição para a contratação de serviços técnicos,
a que alude o inciso II do art. 25 da Lei nº 8.666/1993, decorre da
presença simultânea de três requisitos: serviço técnico especializado,
entre os mencionados no art. 13 da referida lei, natureza singular do
serviço e notória especialização do contratado.130
Há de se tornar obrigatório - indissociável mesmo - que o objeto
pretendido pela Administração seja de singularidade tal que demande apenas um
ou pequeno rol de profissionais em condições de satisfazê-lo, profissionais estes
cuja seleção seja inviável, pois que ausentes critérios objetivos para tal, além de
que muito provavelmente eles sequer se submeteriam a uma competição
mediante “prova” de sua melhor técnica ou, pior, oferta do menor preço.
Exemplifica-se: suponham-se serviços de manutenção necessários em
bem de relevante valor histórico, como a Basílica de São Francisco de Assis, na
Itália, incluindo limpeza e pintura, e, depois, suponha-se a restauração dos
afrescos do teto de referido bem, mantendo suas características originais. Ambos
poderão ser tidos como técnicos profissionais, mas apenas ao segundo será
inviável contratar algum profissional que não um restaurador extremamente
experiente, renomado e com títulos131. Um curso para apresentação de
orquestras por alunos do ensino médio demandará técnico profissional, mas a
apresentação de uma orquestra sinfônica em inauguração de um relevante centro
cultural nacional não pode se submeter a uma competição ordinária, sendo, neste
último caso, inviável o certame, melhor se satisfazendo o interesse estatal
mediante a seleção de profissional de notória especialização, induvidosa perante
sua experiência e títulos.
Trata-se, com rigor, de hipótese de contratação que inexoravelmente
conterá subjetividade em seu proceder, donde haverá indissociável
130
TCU. Súmula n.° 252.
131
JUSTEN FILHO, Marçal. Ob. Cit. Pág. 419.
81
discricionariedade do gestor ao selecionar o profissional dentre aqueles que
possuam notório saber (em existindo uma pluralidade), que lhe inspire maior
confiança. Neste sentido, aliás, cumpre destacar precedente do Supremo Tribunal
Federal, de relatoria do então Ministro Eros Grau:
Serviços técnicos profissionais especializados são serviços que a
Administração deve contratar sem licitação, escolhendo o contratado
de acordo, em última instância, com o grau de confiança que ela
própria, Administração, deposite na especialização desse contratado.
Nesses casos, o requisito da confiança da Administração em quem
deseje contratar é subjetivo. Daí que a realização de procedimento
licitatório para a contratação de tais serviços – procedimento regido,
entre outros, pelo princípio do julgamento objetivo – é incompatível
com a atribuição de exercício de subjetividade que o direito positivo
confere à Administração para a escolha do ‘trabalho essencial e
indiscutivelmente mais adequado à plena satisfação do objeto do
contrato’ (cf. o § 1° do art. 25 da Lei 8.666/1993). O que a norma
extraída do texto legal exige é a notória especialização, associada ao
elemento subjetivo da confiança.132
O Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal de Contas da União exaram
raciocínios lógico-jurídicos equivalentes, conforme respectivos precedentes:
Assim, embora possam existir vários profissionais dotados de notória
especialização em determinada área do conhecimento, a circunstância
que inviabiliza a competição são as suas características individuais
que despertam a confiança do administrador, analisadas sob o
enfoque do objeto do contrato a ser executado, bem como do interesse
público que deve ser buscado em toda atuação da administração.133
132
AP n.° 348/SC, Plenário, Min. Eros Grau, j. em 15.12.2006, DJ de 03.08.2007 (negrito nosso).
133
Superior Tribunal de Justiça. HC n.° 228.759, 5° Turma. Rel Min. Jorge Mussi. Julg. 24/04/2012.
Publ. 03/05/2012.
82
(...) 8. Verifico, entretanto, que o requisito da singularidade de que trata
o inciso II do art. 25 da Lei n.° 8.666/1993 não se confunde com a ideia
de unicidade. Ou seja, o fato de haver mais de uma empresa atuando
em determinado segmento do mercado não é incompatível com a ideia
de singularidade do objeto a ser contratado.
9. Até porque, caso o conceito de singularidade significasse um único
sujeito possível de ser contratado, estar-se-ia diante de inviabilidade
de competição subsumível diretamente ao caput do art. 25 da Lei
8.666/1993. Não teriam, pois, qualquer aplicabilidade as disposições
do inciso II desse artigo, que exigem o atributo da singularidade para
as contratações diretas de serviços especializados com profissionais e
empresas de notória especialização.134
Joel de Menezes Niebuhr bem elucida a questão:
Na perspectiva dessa competência discricionária, observa-se elemento
de extrema relevância para visualizar a inviabilidade de competição,
qual seja o juízo de confiança do agente administrativo em
determinado especialista, que o leva a contratá-lo, preterindo outros
com similar capacitação.
É evidente que a confiança ou a desconfiança revelam avaliações
impregnadas pela discricionariedade, em tributo aos elementos
subjetivos a serem tomados pelo agente administrativo para apurá-la.
Cabe ponderar, como já se fez noutra passagem, que a
discricionariedade não é absoluta; antes disso, sempre limitada. Com
isso se quer dizer que o grau de confiabilidade, conquanto
determinado subjetivamente, depende de certos requisitos objetivos,
entre os quais avultam a experiência do especialista, a sua boa
reputação, o grau de satisfação obtido noutros contratos etc.135
134
TCU, Acórdão n.° 7.840/2013, 1° Câmara, Rel. MIn. Benjamim Zymler, julg. Em 05.11.2013.
135
NIEBUHR, Joel de Menezes. Ob. Cit., Pág. 167.
83
Daí se dizer que os critérios objetivos formam uma zona de certeza
negativa – relacionada à exclusão daqueles que não denotem consagração - e
positiva – concernente a profissionais cujo grau de experiência, êxitos
antecedentes e títulos, denotem notória especialização -, a partir das quais o
“grau de confiabilidade do agente administrativo no especialista é o fator
determinante da contratação”136.
Nesse sentido também se vislumbra a antiga Súmula n.° 039 do Tribunal
de Contas da União, que, embora sob a égide do Decreto-lei n.° 200/67, possui
excerto integralmente aplicável à atual legislação:
A dispensa de licitação para a contratação de serviços com
profissionais ou firmas de notória especialização, de acordo com alínea
“d” do art. 126, § 2°, do Decreto-lei 200, de 25/02/67, só tem lugar
quando se trate de serviço inédito ou incomum, capaz de exigir, na
seleção do executor de confiança, um grau de subjetividade,
insuscetível de ser medido pelos critérios de qualificação inerentes ao
processo de licitação.
O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo não demonstra divergir do
entendimento doutrinário majoritário, anotando em seus precedentes:
Com efeito, para que a contratação direta por inexigibilidade de
licitação esteja justificada é necessário a demonstração da notória
especialização do contratado, conjugada com a singularidade do
objeto avençado, caso contrário, não haverá o binômio legal, requisitos
indissociáveis e indispensáveis para eficácia do ato.
Nessa trilha, Diógenes Gasparini, define que, “por natureza singular do
serviço há de se entender aquele que é portador de tal complexidade
executória que o individualiza, tornando-o diferente dos da mesma
136
NIEBUHR, Joel de Menezes. Ob. Cit., Pág. 168.
84
espécie, e que exige, para sua execução, um profissional ou empresa
de especial qualificação”.137
Isto posto, denota-se que se deve interpretar o disposto no inciso II e § 1°
do art. 25 à luz do caput do referido dispositivo, de molde a que a notória
especialização do proponente e a singularidade do serviço pretendido conduzam
ao reconhecimento, pela natureza do caso concreto, da inviabilidade de se
estabelecer uma competição sob os tipos ordinários de licitação (menor preço,
melhor técnica e preço ou melhor técnica), considerando que induvidosamente o
interesse público apenas poderá eficazmente ser satisfeito mediante a
contratação de notório especialista que, mesmo que não seja o único no mercado,
possa transmitir a confiabilidade de, por sua experiência, êxitos pretéritos e
títulos, induvidosamente bem atender à singular necessidade estatal.
4.1. Dos Serviços Previstos no Art. 13 da Lei n.° 8.666/93
Prevê o inciso II do art. 25 que será inexigível a licitação para contratação
dos profissionais de notória especialização quando da prestação dos singulares
serviços técnicos previstos no artigo 13 da Lei de Regência138.
137
TCESP. TC 2712/003/14, rel. Conselheira Cristiana de Castro Moraes, j. em 05/04/2016.
138
Art. 13. Para os fins desta Lei, consideram-se serviços técnicos profissionais especializados os
trabalhos relativos a: I - estudos técnicos, planejamentos e projetos básicos ou executivos; II - pareceres, perícias e avaliações em geral; III - assessorias ou consultorias técnicas e auditorias financeiras; III - assessorias ou consultorias técnicas e auditorias financeiras ou tributárias; IV - fiscalização, supervisão ou gerenciamento de obras ou serviços; V - patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas; VI - treinamento e aperfeiçoamento de pessoal; VII - restauração de obras de arte e bens de valor histórico. VIII - (Vetado) § 1.° Ressalvados os casos de inexigibilidade de licitação, os contratos para a prestação de serviços técnicos profissionais especializados deverão, preferencialmente, ser celebrados mediante a realização de concurso, com estipulação prévia de prêmio ou remuneração. § 2.°: Aos serviços técnicos previstos neste artigo aplica-se, no que couber, o disposto no art. 111 desta Lei.
85
É induvidoso, e para tal conclusão basta a leitura do dispositivo
epigrafado, que os serviços elencados no artigo 13 são técnico-profissionais, que
ensejam, aliás, obrigatória formação acadêmica e/ou experiência profissional para
sua execução. Daí se dizer que, quando de sua contratação, se não se vislumbrar
hipótese de inexigibilidade de licitação, preferencial será a competição mediante a
modalidade licitatória do concurso139, ao invés daquelas submetidas aos
tradicionais critérios objetivos do menor preço, melhor técnica e preço ou melhor
técnica.
Já se afirmou que doutrina e jurisprudência das Cortes Judiciais e de
Contas reconhecem que para se depreender a inviabilidade de competição frente
ao disposto no inciso II do art. 25 se prostra necessária a cumulação da
singularidade do serviço e da notória especialização do profissional. Isto presente,
se vislumbra inviável a competição e, por consequência, será inexigível a
licitação.
Sob esta óptica, é de se afirmar que os serviços descritos no artigo 13 da
Lei de Regência hão de ser reconhecidos como aqueles em que há preferência
de fixação de modalidade licitatória distinta das mais comuns, prevalecendo-se o
concurso se incabível a inexigibilidade. O rol do inciso 13, pois, em sendo o
pressuposto da inexigibilidade de licitação a inviabilidade de competição - e não a
tecnicidade do serviço, pode-se dizer -, apenas pode ser reconhecido como
exemplificativo140.
§ 3.°: A empresa de prestação de serviços técnicos especializados que apresente relação de integrantes de seu corpo técnico em procedimento licitatório ou como elemento de justificação de dispensa ou inexigibilidade de licitação, ficará obrigada a garantir que os referidos integrantes realizem pessoal e diretamente os serviços objeto do contrato. 139
Art. 13, § 1°, Lei 8.666/93.
140 “Antes de outras considerações, vem a lume precisar se somente os serviços enumerados nos
incisos do artigo 13 da Lei n.° 8.666/93 são capazes de ensejar a inexigibilidade de licitação
referida no inciso II do artigo 25 da mesma Lei ou não. Ora, o inciso II do artigo 25 dispõe que a
inexigibilidade nele prevista se destina à contratação dos serviços enumerados no artigo 13,
dando a impressão de que somente os serviços nele consignados é que permitem a
inexigibilidade.
Entretanto, recorda-se que a inexigibilidade resulta da inviabilidade de competição, dependente
não de disposição legislativa, mas de situação fática. Isto é, em todas as situações em que se
estiver diante da inviabilidade de competição, tem lugar inexigibilidade. Seguindo essa exegese,
se houver outros serviços que revelam natureza singular, afora os enunciados no artigo 13 da Lei
86
Neste sentido as lições de Marçal Justen Filho:
Por isso, o art. 13 não é obstáculo ao reconhecimento de outras
modalidades de serviços técnicos profissionais especializados.
Estando presentes os elementos integrantes do conceito, aplicam-se
as disposições legais pertinentes.
Anote-se, ademais, que a discussão não apresenta maior relevância
prática. A maior utilidade do elenco do art. 13 se relaciona com a
contratação direta por inexigibilidade de licitação. Como visto, o art. 25,
inc. II, da Lei n.° 8.66/1993 determina que se configura hipótese de
inviabilidade de competição nos casos de serviços técnicos
profissionais especializados referidos no art. 13. Oras, seria irrelevante
afirmar que o elenco do art.13 seria exaustivo, eis que o caput do art.
25 é exemplificativo. Dito em outras palavras, se um certo serviço
técnico profissional especializado não estiver referido no art. 13, isso
não impedirá a contratação direta – a qual se faria não com
fundamento no art. 25, inc. II, mas diretamente com base no caput do
dito artigo.141
Carlos Pinto Coelho Motta, a seu turno, já se vale do termo
exemplificativo ao anotar o rol dos serviços situados no artigo 13 do diploma em
apreço, consoante se depreende de sua assertiva:
Consagra o inciso II do art. 25 a inexigibilidade de licitação para
contratação de serviços técnicos especializados - exemplificativamente
enumerados no art. 13 da mesma LNL - de natureza singular, com
profissionais ou empresas de notória especialização.142
n.° 8.666/93, também eles não se encontram sujeitos à obrigatoriedade de licitação pública, visto
que inviável é a competição.” (NIEBUHR, Joel de Menezes. Ob. Cit., Pág. 163).
141 JUSTEN FILHO, Marçal. Ob. Cit. Pág. 201.
142 MOTTA, Carlos Pinto Coelho. Ob Cit., Págs. 25-26.
87
Ademais, nesta seara, Justen Filho bem observa que também não será o
simples fato de o serviço caracterizar-se como técnico-profissional - visto que
descrito no artigo 13 da Lei 8.666/93 - para que se conclua pela inviabilidade de
competição ao ser contratado, sendo indispensável cotejar sua singularidade e,
pois, complexidade143. Assim sendo, conclui-se ser mesmo despicienda a
remissiva do inciso II do art. 25 ao elenco do art. 13, visto que, em sendo inviável
a competição - em decorrência da especificidade do serviço e da notória
especialização de seu mais confiável144 prestador -, poderá a inexigibilidade ser
procedida com amparo no caput do art. 25, se se compreender incabível
reconhecê-la com fulcro no inciso II145.
4.2. Da Contratação dos Serviços Advocatícios
Riquíssimo debate é promovido pela doutrina e jurisprudência nacional
quando do cotejo dos requisitos para se reconhecer inviável a competição quando
da contratação de serviços jurídicos, exclusivamente prestados por profissional
com registro na Ordem dos Advogados do Brasil146, com supedâneo no dito art.
25, caput e inciso II, não se olvidando do conteúdo do inciso V do art. 13 da Lei
n.° 8.666/1993.
Ocorre que os serviços jurídicos se mostram, com elevado grau de
percepção, como incompatíveis à seleção mediante critérios como os de menor
preço, até mesmo de melhor técnica ou através de concurso, visto que, quanto a
esses últimos, não se reconhece - para execução de um serviço jurídico
143
JUSTEN FILHO, Marçal. Ob. Cit. Pág. 419.
144 “É natural, pois, que, em situações deste gênero, a eleição do eventual contratado - a ser
obrigatoriamente escolhido entre os sujeitos de reconhecida competência na matéria - recaia em
profissional ou empresa cujos desempenhos despertem no contratante a convicção de que, para o
caso, serão presumivelmente mais indicados do que os de outros, despertando-lhe a confiança de
que produzirá a atividade mais adequada para o caso.” (MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Ob
Cit. Págs. 564-565).
145 JUSTEN FILHO, Marçal. Ob. Cit. Pág. 435.
146 Artigo 1°, Lei Federal n.° 8.906/1994.
88
singular147 - uma boa contratação advocatícia como aquela em que o profissional
melhor se desenvolve apenas teoricamente sobre um tema.
Não bastasse, o Código de Ética e Disciplina da OAB148 veda a prática
mercantil da advocacia, estabelecendo em seu artigo 5° que o “exercício da
advocacia é incompatível com qualquer procedimento de mercantilização”.
Daí se dizer da incompatibilidade de declarada competição para
celebração de contrato advocatício, reconhecida, pelo Conselho Federal da
Ordem dos Advogados do Brasil, como causa suficiente para se declarar cabível
a inexigibilidade de licitação quando da contratação de serviços jurídicos,
consoante verbete sumular fixado sob o n.° 04/2012, in verbis:
ADVOGADO. CONTRATAÇÃO. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.
INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO. Atendidos os requisitos do inciso II
do art. 25 da Lei nº 8.666/93, é inexigível procedimento licitatório para
contratação de serviços advocatícios pela Administração Pública, dada
a singularidade da atividade, a notória especialização e a inviabilização
objetiva de competição, sendo inaplicável à espécie o disposto no art.
89 (in totum) do referido diploma legal.
Na obra de Hely Lopes Meirelles se depreende seu raciocínio no sentido
da típica inviabilidade de competição para obtenção de serviços jurídicos:
Não só existe a impossibilidade jurídica de competição de preço ou de
técnica entre os serviços jurídicos, como também a instauração de
licitação contraria as normas do próprio Estatuto da Ordem dos
Advogados e respectivo Código de Ética (arts. 39 e 41 [art. 48, §6º
147
“Essas hipóteses, de casos excepcionais, denotam a singularidade do objeto do contrato e, por
isso, autorizam a contratação de profissional de notória especialização, o que, por sua vez, como
delineado no tópico antecedente, é realizado através da inexigibilidade de licitação pública.”
(NIEBUHR, Joel de Menezes. Ob. Cit., Pág. 163).
148
Disponível em: <http://www.oab.org.br/visualizador/19/codigo-de-etica-e-disciplina>, acesso em
27/09/2016.
89
NCE] e Precedentes do Tribunal de Ética 1.062, no Processo E-1.355).
Assim, nem mesmo o concurso seria viável.149
Contudo, tem-se que também seria inapropriado declarar de maneira
abstrata, geral e incondicionada o não cabimento da licitação pública para
contratação de serviços jurídicos, já que, a rigor, não se diria que a mera
apresentação de uma proposta técnica e/ou de preço, quiçá a participação em um
concurso, faria do advogado um profissional em atuação mercantilizada150.
É indiscutível, inobstante, que a advocacia se compreende em prática
profissional em que se destaca a seleção do profissional mediante o critério
subjetivo da confiabilidade - daí se dizer de típica hipótese de inviabilidade de
competição -, de certo que, aliás, é mesmo remoto, tratando-se de um serviço
singular, dizer-se de eficiente seleção do melhor profissional mediante critérios
unicamente teóricos. Neste sentido é que leciona Marçal Justen Filho:
Havendo a necessidade de contratação de advogado autônomo, cabe
verificar se a licitação será obrigatória ou se caberá promover a
contratação direta por inviabilidade de competição. Por força do inc. II
do art. 25, a contratação direta somente é admitida quando se
configurar a existência de um serviço advocatício de natureza singular.
Se o serviço objeto da contratação não apresentar natureza singular,
será obrigatório o procedimento licitatório.
(...) A natureza singular do serviço advocatício envolve situações
bastante diversas entre si. Não cabe afirmar que a natureza singular
149
MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e Contrato Administrativo. 13ª ed. São Paulo: Malheiros,
2002. Pág. 155. 150
Joel de Menezes Nieburh afirma que a Súmula n.° 04/12 do Conselho Federal da OAB é
equivocada “ao excluir de antemão qualquer possibilidade de licitar serviços jurídicos, por efeito de que sempre seriam contratados por meio de inexigibilidade. Nem todo serviço jurídico é singular. Por exemplo, o assessoramento jurídico de questões cotidianas de um órgão administrativo não se reveste de singularidade e, pois, se fosse para ser contratado com terceiro, teria que ser licitado. Ademais, exigida prova de qualificação e experiência dos advogados interessados em contratar com a Administração, é bem possível selecioná-los por meio de licitação, especialmente com julgamento do tipo técnica e preço. A cotação de preços por parte de escritórios e advogados não importa por si só aviltamento dos honorários, mesmo porque a tabela da própria Ordem dos Advogados do Brasil define apenas algumas balizas, conferindo margem de liberdade para que os advogados formulem seus preços.” (NIEBUHR, Joel de Menezes. Ob. Cit., Pág. 184).
90
configura-se apenas e exclusivamente em vista de uma determinada
circunstância. A natureza singular do serviço advocatício caracterizar-
se-á em virtude da presença de requisitos de diferente natureza: a
complexidade da questão, a especialidade da matéria, a sua
relevância econômica, o local em que se exercitará a atividade, o grau
de jurisdição e assim por diante. Nada impede que a singularidade
derive da complexidade do conjunto de atividades e tarefas:
individualmente, cada atuação poderia ser considerada como normal e
comum, mas existem centenas ou milhares de processos e a
singularidade decorre dessa circunstância quantitativa. É impossível
sumariar todas as características aptas a produzir no âmbito de um
órgão e não no de outro, tendo em vista a dimensão das atividades
usualmente desenvolvidas e a qualificação dos serviços jurídicos
existentes.151
O Supremo Tribunal Federal já bem delineou o cabimento da
inexigibilidade de licitação para contratação de serviços e patrocínios jurídicos,
em havendo, cumulativamente, a complexidade do tema e o relevante interesse
do órgão contratante que inviabiliza a atuação do seu corpo jurídico ordinário
(elementos formadores do conceito de serviço singular), bem como a notória
especialidade do proponente, consoante precedentes de relatoria dos Ministros
Roberto Barroso e Dias Toffoli, respectivamente:
IMPUTAÇÃO DE CRIME DE INEXIGÊNCIA INDEVIDA DE
LICITAÇÃO. SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA
POR FALTA DE JUSTA CAUSA.
A contratação direta de escritório de advocacia, sem licitação, deve
observar os seguintes parâmetros: a) existência de procedimento
administrativo formal; b) notória especialização profissional; c)
natureza singular do serviço; d) demonstração da inadequação da
prestação do serviço pelos integrantes do Poder Público; e) cobrança
de preço compatível com o praticado pelo mercado. Incontroversa a
especialidade do escritório de advocacia, deve ser considerado
151
JUSTEN FILHO, Marçal. Ob. Cit. Págs. 427-428.
91
singular o serviço de retomada de concessão de saneamento básico
do Município de Joinville, diante das circunstâncias do caso concreto.
Atendimento dos demais pressupostos para a contratação direta.
Denúncia rejeitada por falta de justa causa. 152
PENAL E PROCESSUAL PENAL. INQUÉRITO. PARLAMENTAR
FEDERAL. DENÚNCIA OFERECIDA. ARTIGO 89, CAPUT E
PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 8.666/93. ARTIGO 41 DO CPP. NÃO
CONFORMIDADE ENTRE OS FATOS DESCRITOS NA EXORDIAL
ACUSATÓRIA E O TIPO PREVISTO NO ART. 89 DA LEI Nº 8.666/93.
AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA.
(...)2. As imputações feitas aos dois primeiros denunciados na
denúncia, foram de, na condição de prefeita municipal e de procurador
geral do município, haverem declarado e homologado indevidamente a
inexigibilidade de procedimento licitatório para contratação de serviços
de consultoria em favor da Prefeitura Municipal de Arapiraca/AL. 3. O
que a norma extraída do texto legal exige é a notória especialização,
associada ao elemento subjetivo confiança. Há, no caso concreto,
requisitos suficientes para o seu enquadramento em situação na qual
não incide o dever de licitar, ou seja, de inexigibilidade de licitação: os
profissionais contratados possuíam notória especialização,
comprovada nos autos, além de desfrutarem da confiança da
Administração. Ilegalidade inexistente. Fato atípico. (...) 6. Acusação,
ademais, improcedente (Lei nº 8.038/90, art. 6º, caput).153
Em voto proferido pelo Ministro Relator Carlos Velloso, vislumbra-se
assertiva de relevante raciocínio lógico-jurídico154:
152
STF. Inq 3074, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 26/08/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-193, Publ. Em 03/10/2014. 153
STF. Inq 3077, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 29/03/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-188, publ. em 25/09/2012. 154
No julgamento da Ação Penal n.° 348-5, Santa Catarina, a Ministra Carmen Lúcia Antunes
prolatou voto destacado, ressaltando: “No caso de contratação de advogados, tal como justificado, motivado, ocorreria realmente a situação prevista de inexigibilidade de licitação, pois não há, como disse o Ministro Eros Grau, condições de objetivamente cumprir o artigo 3° da Lei n.° 8.666/93. Um dos princípios da licitação, postos no artigo 3°, é exatamente o do julgamento objetivo. Não há
92
Acrescenta-se que a contratação de advogado dispensa licitação, dado
que a matéria exige, inclusive, especialização, certo que se trata de
trabalho intelectual, impossível de ser aferido em termos preço mais
baixo. Nesta linha, o trabalho de um médico operador. Imagine-se a
abertura de licitação para realizar delicada cirurgia num servidor. Esse
absurdo somente seria admissível numa sociedade que não sabe
conceituar valores. O mesmo pode ser dito em relação ao advogado,
que tem por missão defender interesses do Estado, que tem por
missão a defesa pública.155
O Superior Tribunal de Justiça, a seu turno e em seus precedentes, bem
delineia ser obrigatório, para aferição de inviabilidade de competição, que os
serviços objeto da contratação jurídica sejam singulares, a demandar inequívoca
e notória especialização de seu prestador, sob pena de, não ocorrendo tais
quesitos, não se reconheça inviabilidade de competição hábil a ensejar a
contratação direta156, donde se destaca o julgado:
como dar julgamento objetivo entre dois ou mais advogados. De toda sorte, como verificar se um é melhor do que o outro? Cada pessoa advoga de um jeito. Não há como objetivar isso. Este é o típico caso, como mencionou o Ministro Eros Grau, de inexigibilidade de licitação - artigo 25 c/c artigo 13.” 155
Processual penal. Ação Penal: Trancamento. Advogado: Contratação. Dispensa de licitação. I -
Contratação de advogado para defesa de interesses do Estado nos Tribunais Superiores: dispensa de licitação, tendo em vista a natureza do trabalho a ser prestado. Inocorrência, no caso, de dolo de apropriação do patrimônio público. II - Concessão de habeas corpus de ofício para o fim de ser trancada a ação penal. (STF, 2° Turma. RHC n.° 72830, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 20.10.95, DJ de 16.02.96, p. 2.999).
156
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. OFENSA AO ART. 535 DO CPC.
INOCORRÊNCIA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONTRATAÇÃO DE ADVOGADO SEM LICITAÇÃO. DEVOLUÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS. INVIABILIDADE. (...) 5. Quanto ao mérito, a questão cinge-se na contratação de advogado e contador por Câmara Municipal sem licitação, com fundamento no art. 25 da Lei n. 8.666/93 - que refere-se à inexigibilidade de licitação. 6. Conforme depreende-se do artigo citado acima, a contratação sem licitação, por inexigibilidade, deve estar vinculada à notória especialização do prestador de serviço, de forma a evidenciar que o seu trabalho é o mais adequado para a satisfação do objeto contratado e, sendo assim, inviável a competição entre outros profissionais. 7. No entanto, apesar do caso tratado nos autos não ser hipótese de dispensa de licitação, o pedido do recorrente de que o advogado efetue a devolução dos valores recebidos não pode prosperar. Este Tribunal entende que, se os serviços foram prestados, não há que se falar em devolução, sob pena de enriquecimento ilícito do Estado. (...). (STJ. REsp 1238466/SP, Rel.
93
ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA. CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS DE ADVOCACIA
SEM LICITAÇÃO. ATO ÍMPROBO POR ATENTADO AO PRINCÍPIO
DA LEGALIDADE, QUE REGE A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.
SANÇÕES DO ART. 12 DA LEI DE IMPROBIDADE. CUMULAÇÃO DE
PENAS. DESNECESSIDADE. DOSIMETRIA DAS PENAS.
Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/09/2011, DJe 14/09/2011). PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONTRATAÇÃO DE ADVOGADO. INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO. SERVIÇO SINGULAR PRESTADO POR PROFISSIONAIS DE NOTÓRIA ESPECIALIZAÇÃO. HISTÓRICO (...) 6. De acordo com o disposto nos arts. 13 e 25 da Lei 8.666/1993, a regra é que o patrocínio ou a defesa de causas judiciais ou administrativas, que caracterizam serviço técnico profissional especializado, devem ser contratados mediante concurso, com estipulação prévia do prêmio ou remuneração. Em caráter excepcional, verificável quando a atividade for de natureza singular e o profissional ou empresa possuir notória especialização, não será exigida a licitação. 7. Como a inexigibilidade é medida de exceção, deve ser interpretada restritivamente. AUSÊNCIA DE SINGULARIDADE DO SERVIÇO CONTRATADO 8. Na hipótese dos autos, o Tribunal de origem julgou improcedente o pedido com base na seguinte premissa, estritamente jurídica: nas causas de grande repercussão econômica, a simples instauração de processo administrativo em que seja apurada a especialização do profissional contratado é suficiente para justificar a inexigibilidade da licitação. 9. A violação da legislação federal decorre da diminuta (para não dizer inexistente) importância atribuída ao critério verdadeiramente essencial que deve ser utilizado para justificar a inexigibilidade da licitação, isto é, a comprovacão da singularidade do serviço a ser contratado. (...) Friso uma vez mais: não há singularidade na contratação de escritório de advocacia com a finalidade de ajuizar Ação de Repetição de Indébito Tributário, apresentar defesa judicial ou administrativa destinada a excluir a cobrança de tributos, ou, ainda, prestar de forma generalizada assessoria jurídica. 14. É pouco crível que, na própria capital do Estado de Goiás, inexistam outros escritórios igualmente especializados na atuação acima referida. 15. O STJ possui entendimento de que viola o disposto no art. 25 da Lei 8.666/1993 a contratação de advogado quando não caracterizada a singularidade na prestação do serviço e a inviabilidade da competição. Precedentes: REsp 1.210.756/MG, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, DJe 14/12/2010; REsp 436.869/SP, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, DJ 01/02/2006, p. 477. (...). ART. 11 DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA 19. A conduta dos recorridos - de contratar diretamente serviços técnicos sem demonstrar a singularidade do objeto contratado e a notória especialização, e com cláusula de remuneração abusiva - fere o dever do administrador de agir na estrita legalidade e moralidade que norteiam a Administração Pública, amoldando-se ao ato de improbidade administrativa tipificado no art. 11 da Lei de Improbidade. (...) DISCIPLINA CONSTITUCIONAL 23. De acordo com o exposto, a contratação de escritórios profissionais de advocacia sem a demonstração concreta das hipóteses de inexigibilidade de licitação (singularidade do serviço e notória especialização do prestador), acrescida da inserção de cláusulas que transformam o prestador de serviço em sócio do Estado, negam aplicação ao art. 37, caput, e inciso XXI, da CF/1988. (...). (REsp 1377703/GO, Rel. Ministra ELIANA CALMON, Rel. p/ Acórdão Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/12/2013, DJe 12/03/2014).
94
(...) 3. A contratação embasada na inexigibilidade de licitação por
notória especialização (art. 25, II, da Lei de Licitação) requer:
formalização de processo para demonstrar a singularidade do serviço
técnico a ser executado; e, ainda, que o trabalho do contratado seja
essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do
objeto do contrato.
4. O contrato para prestação de serviços técnicos no assessoramento
à Câmara Municipal de Raposos/MG nas áreas jurídica, administrativa
e parlamentar (fls. 45-46) não preenche os requisitos do art. 25, II e §
1º, da Lei de Licitação, não configurando situação de inexigibilidade de
licitação.
5. A conduta dos recorridos — de contratar serviços técnicos sem
prévio procedimento licitatório e de não formalizar processo para
justificar a inexigibilidade da licitação — fere o art. 26 da Lei de
Licitação e atenta contra o princípio da legalidade que rege a
Administração Pública, amoldando-se ao ato de improbidade
administrativa tipificado no art. 11 da Lei de Improbidade
7. Verificada a prática do ato de improbidade administrativa previsto no
art. 11 da Lei 8.429/1992 (...)
10. Recurso Especial provido.157
O Tribunal de Contas da União revela interpretação mais restritiva acerca
do cabimento da inexigibilidade para contratação de serviços jurídicos158, sendo
pacífico o entendimento de obrigatória e indubitável singularidade, especificidade
e complexidade do serviço, bem como da notória especialização de seu
157 REsp 1038736/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em
04/05/2010, DJe 28/04/2011. 158
“(...) 7. Importa asseverar que a questão primordial analisada nestes autos diz respeito à
terceirização de serviços advocatícios, que o (...) insiste em manter mediante a contratação de
escritórios de advocacia para a prestação de serviços judiciais e extrajudiciais em geral, em vez de
contratar os referidos profissionais por meio de concurso público.
8. A matéria já tem entendimento firmado por este Tribunal no sentido de que contratações dessa espécie somente podem ser consideradas legais se efetivadas para serviços específicos, de natureza não continuada e com características singulares e complexas, que evidenciem a impossibilidade de serem prestados por profissionais do próprio quadro da Entidade.” (Acórdão n.° 852/2012, Plenário, rel. Min. Valmir Campelo).
95
contratado, conforme se evidencia de oportuno voto do Ministro Relator Augusto
Nardes:
Com efeito, esta Corte, regra geral, condena a contratação de
escritórios de advocacia sem a prévia realização de licitação, a não ser
em casos especiais em que os requisitos exigidos no art. 25 da Lei
8.666/1993, a saber, notória especialização do contrato e a
singularidade do objeto, estão manifesta e incontroversamente
presentes na situação circunstante à contratação. Aqui, o último dos
elementos autorizadores da contratação direta não se apresenta de
modo inconteste.159
Eduardo Martines e Valdemar Latance, em sua já citada obra “Dispensa e
Inexigibilidade de Licitação”, lecionam que as correntes interpretativas da
inexigibilidade de licitação para serviços jurídicos se dividem em corrente
subjetiva e objetiva. Enquanto a primeira assevera o sempre cabimento da
inexigibilidade de licitação para serviços jurídicos em virtude de seu caráter intuitu
personae e inviabilidade de competição entre advogados - dadas as
peculiaridades, inclusive éticas, da profissão -, a corrente objetiva - à qual os
autores se filiam - defende interpretação restritiva do requisito da singularidade do
objeto e notória especialização do profissional, como pressupostos da
inviabilidade de competição, independentemente da natureza jurídica do serviço
prestado160.
Nestas últimas razões é que se afirma que, já em conclusão, embora
serviços jurídicos sejam tipicamente incrementados de elementos subjetivos na
eleição do mais vantajoso prestador, não se deve ignorar que a advocacia pública
deve ser ordinariamente executada por membros da carreira (arts. 131 e 132 da
159
Acórdão n.° 1.774/2011, 2° Câmara, rel. MIn. Augusto Nardes.
160
“Quanto à corrente subjetiva, alguns de seus defensores vão ao extremo de afirmar que, sendo
ou não viável a competição entre interessados, não pode haver licitação entre advogados, porque estes teriam o dever ético de não aviltar sua profissão para captar clientes. (...) A corrente objetiva, à qual nos filiamos, defende uma exegese estrita das regras de inexigibilidade de licitação, haja vista que se trata de exceção ao relevante princípio constitucional da obrigatoriedade de licitação (artigo 37, inciso XXI, da Constituição)”. (MARTINES JUNIOR, Eduardo; LATANCE NETO, Valdemar. Ob. Cit. Págs. 88 e 105/106).
96
Constituição da República), advogados públicos detentores de cargos de
provimento efetivo mediante prévio concurso de provas e títulos (art. 37, II, CF) ou
de provimento em comissão se em exercício de funções de assessoria, chefia e
direção (art. 37, V, CF)161, razões pelas quais, quando do cotejo do cabimento da
inexigibilidade de licitação na hipótese, a singularidade do serviço deve ser
avaliada não apenas para fins de se vislumbrar inviabilidade de competição, mas
também inviabilidade de atuação pelo corpo jurídico ordinário do órgão
contratante (se existente), para que, ultrapassados ambos os pressupostos,
declare-se inexigível a licitação na espécie.
161
“Se há corpo jurídico próprio, somente é lícito contratar serviços jurídicos de terceiros em casos
excepcionais, verdadeiramente singulares, que fogem do padrão normal das causas e assuntos
tratados ordinariamente por seus procuradores. A contratação de novos advogados estranhos ao
corpo jurídico da entidade pressupõe o reconhecimento da incapacidade ou inadequação dos
presentes para aportar aos fins visados pela Administração Pública. (...) Advirta-se, por oportuno,
que a referida incapacidade ou inadequação não implica menoscabo aos advogados da entidade,
porque não há advogados que entendam com profundidade de todos os assuntos jurídicos, bem
como de questões complexas ou de alto envolvimento econômico, cujo alcance seja
singularmente relevante para a Administração Pública, merecendo atenção redobrada, que,
frequentemente, não pode ser dispensada pelos profissionais da Casa, haja vista o volume de
trabalho ordinário.” (NIEBUHR, Joel de Menezes. Ob. Cit., Pág. 177).
97
5. – DA HIPÓTESE DO INCISO III – DO PROFISSIONAL DO SETOR
ARTÍSTICO
Em continuidade, o legislador elegeu como terceira exemplificativa
hipótese de inviabilidade de competição aquela destinada a “contratação de
profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário
exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião
pública” (art. 25, III, Lei Federal n.° 8.666/93),
Trata-se, com solar evidência, de circunstância ensejadora da
inexigibilidade de licitação por motivos em muito semelhantes àqueles que
fundamentam a hipótese de inviabilidade competitiva estampada no inciso II,
notadamente em virtude da ausência de critérios objetivos de julgamento.
Todavia, destaque-se, a contratação de profissionais artísticos exige com
menor intensidade a aferição de singularidade do serviço pretendido, e isto
porque a emanação artística é singular em si mesma, nasce com este caractere,
forma pela qual a remissão da Lei à consagração pela crítica especializada almeja
mesmo exigir a motivação da escolha – coibindo desvios de finalidade -, já não
mais enquanto fundamento determinante do próprio cabimento da inexigibilidade
de licitação162.
Joel de Menezes Niebuhr, com sua notável detença, bem sintetiza a
inviabilidade de competição que magnetiza a contratação dos préstimos de
profissional artístico:
162
“Como bem esclarece Marçal Justen Filho, ‘a atividade artística consiste em uma emanação
direta da personalidade e da criatividade humana. Nesse medida é impossível verificar-se identidade de atuações’.
O critério aqui utilizado é, pois, meramente subjetivo. Em outras palavras, levam-se em conta os atributos particulares do artista a ser contratado pela Administração. A lei apenas exige, a fim de evitar fraudes, que tal artista seja consagrado ou pela crítica especializada ou pela opinião pública.” (MARTINES JUNIOR, Eduardo; LATANCE NETO, Valdemar. Ob. Cit. Pág. 58).
98
A inexigibilidade para contratação de serviços artísticos, por sua vez,
encontra fundamento na subjetividade que lhes é imanente. A arte não
é ciência, não segue métodos, não é objetiva. Antes disso, a arte é
expressão da alma, do espírito, da sentimentalidade, da criatividade,
por tudo e em tudo singular. Desta maneira - é imperativo ressaltar em
virtude de ser muito frequente a confusão -, a inexigibilidade para a
contratação de serviços artísticos não depende da inexistência de
outros artistas que também possam prestar o serviço. Aliás, pode e
costuma haver vários artistas capazes e habilitados, mas, mesmo
assim, inexigível é a licitação pública, em tributo à singularidade da
expressão artística.
Veja-se que também os serviços técnicos profissionais especializados
de natureza singular revelam inexigibilidade em razão da subjetividade,
porém em vista da experiência do profissional a ser contratado e do
grau de confiança depositado em seu desempenho pela Administração
Pública.163
O autor sintetiza adiante que, no que tange aos serviços técnicos
profissionais, a singularidade reside na aptidão do especialista a executar o
serviço específico que a exige, enquanto no tocante aos serviços artísticos a
singularidade reside na própria natureza do serviço, e isto porque todos os
artistas o prestam de modo subjetivo e singular, com percepção pessoal,
independente da tecnicidade de sua figura.164
A seleção do artista consagrado para execução de um mister público,
como a celebração de show musical em comemoração do Dia Nacional da
Consciência Negra, v.g., mediante evento de promoção do lazer e entretenimento
(artigos 6º, caput, 7º, IV, 217, § 3º, e 227 da Constituição da República),
evidentemente não deverá se dar mediante a seleção do melhor artista sob
critérios técnicos – como melhor voz ou percussão instrumental -, sob pena de ser
ineficiente aos fins propostos, mas, ao revés, deverá sê-lo mediante escolha
163
NIEBUHR, Joel de Menezes. Ob. Cit., Pág. 187.
164
NIEBUHR, Joel de Menezes. Ob. Cit., Pág. 187.
99
daquele com aptidão popular hábil a atração ou entretenimento do público, em
sendo esta última a finalidade administrativa envolta na despesa.
Trata-se, portanto, de típica contratação administrativa que não se sujeita
a critérios objetivos de competição, até porque, de maneira bastante peculiar,
sequer se almeja estabelecer rito apto a selecionar o melhor. A emanação
artística, na maioria das vezes, não se consagra sequer por ser a melhor sob o
ponto de vista técnico, mas apenas aquela que agrada seu público, não se
olvidando que por inúmeras vezes tal consagração é absolutamente
desacompanhada do rigor técnico165.
Se fosse o caso de escolha do profissional com maior capacidade
artística sob o aspecto técnico, poder-se-ia dizer da realização de um concurso,
mas, como já exposto, não é o rigor técnico o fundamento de escolha do
profissional, daí o revestimento da subjetividade que afasta o cabimento da
licitação, considerando ser, este último, um procedimento obrigatoriamente
norteado pela objetividade em seus procederes (arts. 3°, caput, 44 e 45 da Lei
Federal n.° 8.666/1993).
Neste sentido a lição de Marçal Justen Filho:
Quando houver interesse de premiação da melhor performance em
determinada área das artes, a Administração Pública deverá valer-se
do concurso disciplinado na Lei n.° 8.666. Assim, por exemplo, a
escolha de uma composição musical para símbolo de instituições
públicas poderá ser produzida através de um concurso com premiação
para a melhor obra.
Mas há casos em que a necessidade estatal relaciona-se com o
desempenho artístico propriamente dito. Não se tratará de selecionar o
melhor para atribuir-lhe um destaque, mas de obter os préstimos de
um artista para atender certa necessidade pública. Nesses casos,
torna-se inviável a seleção através de licitação, eis que não haverá
critério objetivo de julgamento. Será impossível identificar um ângulo
165 “O legislador foi sensível à circunstância não rara de que artistas absolutamente consagrados entre os especialistas na área não gozam da menor reputação entre a população e vice-versa.” (MARTINES JUNIOR, Eduardo; LATANCE NETO, Valdemar. Ob. Cit. Pág. 58).
100
único e determinado para diferenciar as performances artísticas. Daí a
caracterização da inviabilidade de competição.166
Neste diapasão já decidiu o Tribunal de Contas da União, com destaque
ao precedente de relatoria do Ministro Guilherme Palmeira, que bem distingue a
produção artística daqueles serviços ditos manufaturados:
No tocante à aquisição direta de objetos para presentes, o Tribunal,
acompanhando entendimento por mim manifestado na ocasião,
entendeu descaracterizada a irregularidade, ante a efetiva condição,
na hipótese, de inexigibilidade de licitação, quer pelas características
dos artigos adquiridos - peças de arte confeccionadas em prata e em
pedras brasileiras -, quer por sua destinação - cerimônias protocolares
de troca de presentes com autoridades estrangeiras, por ocasião de
visitas oficiais. (...) A Lei neste caso não estabelece, como faz crer a
Unidade Técnica, que devam ser apresentados documentos que
comprovem que se trata de único fornecedor, até porque a existência
de mais de um fornecedor pressupõe que os produtos adquiridos são
manufaturados, passíveis de comparação com outros de mesma
finalidade, circunstância inconcebível para objetos de arte.167
Por tais razões que a emanação artística se reveste de caracteres a
inviabilizar o estabelecimento do rito licitatório ordinário, compondo, em havendo
consagração ou renome hábil a motivar a escolha do profissional e em sendo
contratado diretamente ou mediante exclusivo empresário intermediário –
pressupostos dos quais melhor se dirá adiante -, compõe-se como típico serviço
que fundamenta a declaração de inexigibilidade de licitação.
166
JUSTEN FILHO, Marçal. Ob. Cit. Pág. 435.
167
TCU. Acórdão n.° 210/2001, Plenário, Rel. Min. Guilherme Palmeira.
101
5.1. Da Consagração pela Crítica Especializada ou pela Opinião Pública e
Da Contratação Direta ou por Intermédio de Empresário Exclusivo
Previu o legislador que a inexigibilidade de licitação para contratação de
profissionais do setor artístico conteria como pressupostos a consagração do
artista pela crítica especializada ou pela opinião pública, devendo sê-la celebrada
diretamente – isto é, com o próprio profissional – ou através de empresário
exclusivo.
Exigir-se-á, portanto, a demonstração de consagração do profissional –
seja pela crítica ou pelos populares – para fins de contratação direta. A questão
que insurge é como proceder se o artista pretendido, embora comporte sua
peculiaridade artística, não for induvidosamente consagrado? Conclui-se, com
rigor, que a consagração requisitada pelo dispositivo normativo melhor se
compreende enquanto elemento motivador da contratação, evitando, pois, o
desvio de finalidade na contratação do profissional, e isto porque, frise-se, seja o
artista pretendido pela Administração muito consagrado ou praticamente
desconhecido no meio artístico, com idêntica forma não haverá critérios objetivos
de seleção para efetivar a contratação168.
Quer-se dizer que o pressuposto da inexigibilidade de licitação repousa na
inviabilidade de competição, e não na consagração do profissional, de certo que,
no setor artístico, sempre que se almejar a prestação por determinado profissional
em circunstância que não se confunde com a seleção do melhor (sob o aspecto
técnico), falecerá a possibilidade de estabelecimento de licitação sob critérios
objetivos. Neste sentido, e inclusive com curiosa ironia, depreende-se a assertiva,
em nota de rodapé, na obra de Joel de Menezes Nieburh:
168
“Destarte, do inciso III do artigo 25 da Lei n.° 8.666/93 depreende que, na contratação de
artistas consagrados, a competição é inviável, por isso, a licitação pública é inexigível. Noutro lado, para o dispositivo, na contratação de artistas não consagrados a competição é viável, razão pela qual a licitação pública é obrigatória. Todavia, esse sistema padece de coerência lógica, porque, para determinar a viabilidade ou a inviabilidade de competição e, por ilação, a obrigatoriedade ou inexigibilidade de licitação pública, o que importa são os critérios a serem adotados para a escolha do contratante, se objetivos ou subjetivos. O ponto fulcral reside em que tanto a contratação de artistas consagrados, quanto de artistas não consagrados, depende de critério em tudo e por tudo subjetivo, que diz respeito à criatividade.” (NIEBUHR, Joel de Menezes. Ob. Cit., Pág. 191).
102
Ivan Barbosa Rigolin, com peculiar tom sarcástico, é esclarecedor e
incisivo: ‘De nada adianta, também aqui, pretender a lei revestir esta
inexigibilidade de licitação de condições ou requisitos, como o de o
artista ser consagrado pela opinião pública, ou a crítica especializada,
ou bobagem equivalente. Se o artista pretendido não for consagrado
nem por um nem por outro então a sua contratação precisará ser
licitada? Com que critério de julgamento, o de menor preço? Venceria
um calouro do apresentador Ratinho, de discutíveis pendores para a
arte de Caruso e para quem, em função disso, um sanduíche de
mortadela como cachê já terá valido a empreita; assim, não serve este
critério. O de melhor técnica de imitação de Cauby Peixoto? Nesse
caso, a imitação do artista quando ostentava bigode ensejaria talvez
maior atribuição de pontos que a imitação na fase atual, sem bigode?
Seria aconselhável quiçá o critério da técnica e preço, em que se
combinaria a melhor imitação, com bigode ou sem, a depender do
edital, com o maior parcelamento para pagamento, que o licitante
vencedor consignaria em sua proposta? Alguém consegue imaginar
algo mais ridículo?’169
A nota exposta pelo autor prossegue, sopesando que, ante a inviabilidade
de também se estabelecer competição para a contratação do artista não
consagrado, seria de se afirmar que a ausência de renome acabaria por impedir a
própria contratação do profissional, e não a declaração de inexigibilidade de
licitação, fato que seria ilógico170.
Não obstante, não se ignora que a jurisprudência da Corte de Contas
Paulista, tomando a consagração e renome do artista como elemento
precipuamente motivador da contratação direta ao invés do estabelecimento de
169
NIEBUHR, Joel de Menezes. Ob. Cit., Pág. 192. 170
“Ou, por outro lado, estaria pretendendo a lei que se o artista consagrado pode ser contratado
diretamente, e se não o for simplesmente não pode ser contratado, tendo-se em vista algo semelhante a uma contratação que ameace a segurança auditiva nacional? Então, aquele artista, ainda que não se possa afirmar ‘consagrado’ mas que é conhecido e estimado pela população do pequeno Município interiorano, cuja arte - seja de engolir espadas, seja de cuspir fogo pelas ventas, seja ainda a façanha de executar o scherzo-tarantella de Wieniawski em octobaixo - é significativamente estimada na localidade, esse, por não ser inquestionavelmente consagrado, estará impedido de ser contratado? Onde a lógica de tal ideia?” (NIEBUHR, Joel de Menezes. Ob. Cit., Pág. 192).
103
um rito licitatório (que poderia ser o concurso), expõe em seus precedentes a
inequívoca obrigatoriedade de demonstração de tal atributo por parte do
diretamente contratado:
(...) 2.2. De fato, não restou demonstrada, nos autos, que as
contratações amoldam-se ao disposto no inciso III do artigo 25 da Lei
Federal n.° 8.666/93.
Referido dispositivo legal requer, para a inexigibilidade de licitação,
que o artista a ser contratado “seja consagrado pela crítica
especializada ou pela opinião pública”, o que não se comprovou nos
casos ora apreciados.
Necessário ressaltar, a propósito, que, por não se tratar de
profissionais notoriamente conhecidos pela população em geral, cabia
à Administração o ônus de demonstrar sua consagração, ao menos,
pela crítica especializada ou opinião pública regional ou local, mas
também isto não ocorreu.171
A jurisprudência do Tribunal de Contas Paulista também revela
acolhimento da doutrina de Jorge Ulisses Jacoby, expondo que basta a
demonstração de consagração ou renome em âmbito local, quando se tratar de
valor econômico sob dispêndio que, por seu menor vulto, amoldar-se-ia à licitação
na modalidade da Carta Convite, para qual basta a veiculação do instrumento
convocatório em veículo de publicidade local.172
171
TCESP. TC 15703/026/12, 1° Câmara, Cons. Rel. Dimas Eduardo Ramalho, em 10/07/2014.
172
“Feita esta consideração, afasto a crítica atinentes à falta de prova de consagração do artista.
Isto porque o inciso III do artigo 25 da Lei de Licitações não faz qualquer alusão à amplitude geográfica de tal aclamação, o que me leva a esposar a linha de raciocínio adotada por Jorge Ulisses Jacoby Fernandes em sua obra sobre contratação direta: ‘ [...] parece que a amplitude geográfica da consagração não deve levar em conta propriamente a modalidade da licitação, mas o universo dos possíveis licitantes, estabelecido a partir do âmbito alcançado com a divulgação do ato convocatório, nos termos do art. 21 da Lei n.° 8.666/1993. Nesse sentido, para convite, que só precisa ser afixado no local da licitação, a consagração pode restringir-se ao âmbito local, da cidade ou do município licitante; no caso de editais que são publicados apenas em jornal local ou Diário oficial do Estado, a consagração pode ser Regional; mas, quando se tratar de serviços que exijam publicação mais ampla ou nacional, este será o âmbito em que se deverá avaliar a consagração pela crítica especializada ou opinião pública.’
104
Na obra atualizada de Hely Lopes Meirelles se depreende assertiva
contundente expondo, no que atine ao disposto no artigo 25, III, que o “essencial
para legitimar a dispensa do procedimento licitatório é que o artista seja
consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública”173.
Tem-se, pois, que a consagração e renome do artista impõem-se como
elementos a motivar a contratação direta, de molde a, por sua peculiaridade -
inclusive em âmbito local - justificar a inviabilidade de estabelecimento de
competição. Embora não se ignore que a consagração não influi necessariamente
nos critérios de julgamento, não se deve ignorar que a absoluta ausência de
renome faz se questionar a razão pela qual se elegeu determinado profissional,
de molde a que, ausentes razões para a específica escolha, nada impediria,
mesmo, proceder-se ao concurso, pelo quê, de fato, é indispensável o renome -
mesmo que em menor nível de repercussão - do profissional a ensejar sua
contratação direta.
Por conseguinte, previu o legislador que referido profissional há de ser
contratado diretamente ou mediante empresário exclusivo. Com isto se quer dizer
que, se houver distintos empresários que possuem condições jurídicas a
representar o artista, nada impede que o Poder Público estabeleça uma
competição entre os mesmos, obtendo o menor preço reflexo de potencial
diminuição das taxas de comissão174.
Por tal razão, que guarda inquestionável lógica, deve a Administração
Pública, em elegendo o profissional que melhor satisfará a necessidade estatal,
promover sua contratação direta - isto é, firmando contrato com o próprio artista -
ou mediante empresário que detenha exclusividade (e, provavelmente, fixação de
remuneração fixa mediante contrato particular de representação), evitando que
empresários obtenham lucros desproporcionais sobre o artista representado.
Partindo dessa premissa, no caso em apreço, em que o valor contratado se amoldaria à licitação na modalidade convite, seria suficiente a indicação de artista consagrado no âmbito local (...)” (TC 002709/003/14, 2° Câmara, Relator Sr. Conselheiro Sidney Estanislau Beraldo, 19/05/2015).
173
MEIRELLES, Hely Lopes. Ob Cit. Pág. 312.
174
NIEBUHR, Joel de Menezes. Ob. Cit., Pág. 188-189.
105
Neste sentido, também pacífica a jurisprudência da Corte de Contas do
Estado de São Paulo, que, aliás, bem observa que a exclusividade do empresário
contratado deve ser robustamente demonstrada, sequer sendo hábil para tal
desiderato a apresentação de declaração para data ou local específico, devendo
ser abrangente e genérica, a denotar, pois, efetiva exclusividade
representativa175, evitando-se burlas ou fraudes:
Com efeito, quer me parecer que, ao se referir a ‘empresário
exclusivo’, o comando legal pretendeu afastar a intervenção de
intermediário não necessário para a formalização do ajuste, partindo
do pressuposto de que a contratação direta com o próprio artista ou
com seu empresário exclusivo proporcionaria o menor preço
possível.176
Neste diapasão, pois, para o aperfeiçoamento da declaração de
inexigibilidade para contratação de profissionais do setor artístico, para objetos
que demandem tal específica expertise, prostra-se indispensável a demonstração
de consagração e/ou renome do proponente - aqui na medida que se prestar à
justificar a contratação direta e, por consequência, a inviabilidade de competição
por ausência de critérios objetivos de escolha -, bem como de exclusividade de
representação de seu empresário, caso não o seja contratado diretamente.
175
“Não como aceitar as justificativas encaminhadas pelo responsável, quanto à fundamentação
das inexigibilidades licitatórias no inciso III do artigo 25 da Lei n.° 8.666/93, haja vista que, para tal mister, necessário seria que os artistas fossem contratados diretamente ou por intermédio de empresário exclusivo.” (TCESP. TC 2708/003/14. 1° Câmara, Rel. Cons. Cristiana de Castro Moraes, j. em 13/09/2016). 176
TCESP. TC 002709/003/14, 2° Câmara, Conselheiro Rel. Sidney Estanislau Beraldo, j. em
19/05/2015.
106
CONCLUSÃO
1. O regime jurídico nacional submete a Administração Pública ao
cumprimento de princípios que, fixados na Constituição da República, norteiam
sua atuação, enquanto, nos dizeres de Celso Antonio Bandeira de Mello,
mandamentos nucleares do sistema jurídico fixado à atuação estatal.
Tais emanações principiológicas repercutem nas regras entabuladas ao
gestor público, dentre as quais, com rigor, destaca-se a de obrigatória promoção
da licitação pública, a anteceder a celebração de contratos de compra, prestação
de serviços, locação e alienação, pelo Poder Público, enquanto instrumento que
visa assegurar a legalidade, impessoalidade, publicidade, moralidade, isonomia e
eficiência nos procederes da Administração, notadamente quando da convocação
dos particulares a celebrarem com si negócios jurídicos que lhes concedam - na
legítima exploração do mercado - oportunidades de obtenção de lucro.
Os princípios constitucionais a que se submete o Estado já guardariam
grau de concretude em si mesmos para se exigir o estabelecimento de um rito
hábil a promover isonômica condição de se angariar a oportunidade de celebrar o
contrato, seja qual for sua natureza, com o Poder Público. Os demais princípios e
regras lhes seriam mesmo subjacentes. Ora, a impessoalidade, a moralidade e a
publicidade, bem como os princípios licitatórios como vinculação ao instrumento
convocatório, vedação ao estabelecimento de cláusulas que firam a competição e
obrigatório julgamento objetivo de propostas, prestam-se, integralmente, a
instrumentalizar o atingimento da isonomia quando dos procedimentos de
licitação pública.
2. Daí se dizer, pois, que o regramento aplicável às licitações, donde se
destaca a Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos (Lei Federal n.°
8.666/1993), é instrumental - e como tal deve ser interpretado - à satisfação do
quanto exposto no inciso XXI do artigo 37 da Constituição da República, que,
além de fixar a obrigatoriedade da licitação pública - ressalvadas as hipóteses
previstas na lei -, também estabeleceu apenas o cabimento de exigências de
107
participação - de natureza técnica e econômico-financeira - que sejam
indispensáveis à demonstração de aptidão do licitante.
3. Neste ínterim, em sendo a licitação um instrumento de isonomia entre os
potenciais competidores e de seleção da proposta mais vantajosa, evidencia-se
que, na volátil atuação administrativa, haverá hipóteses em que falecem os
pressupostos da licitação pública, por existir maior saciamento do interesse
público mediante a eleição de específico contratado - assim reconhecido pelo
legislador (hipóteses de dispensa de licitação) - ou por ser inviável a fixação de
competição, em virtude de sua absoluta impossibilidade ou inviabilidade em
virtude da singularidade do objeto pretendido a demandar determinado prestador.
São as segundas hipóteses, denominadas de circunstâncias de
inexigibilidade de licitação, por não se prostrarem numerus clausus e, por tal,
serem mais interessantes (pode-se dizer), que provocam tantos e ferrenhos
debates jurídicos.
4. A inexigibilidade de licitação está prevista no artigo 25 da Lei n.° 8.666/93
e decorre, regra geral, do conceito de inviabilidade de competição (caput do
dispositivo). Seus três incisos guardam hipóteses exemplificativas que, por serem
mais comuns e quiçá complexas, foram especialmente fixadas pelo legislador,
cada qual com suas peculiaridades e especiais pressupostos. Todas as
hipotéticas circunstâncias dos incisos do art. 25, inobstante, sempre haverão de
perceber interpretação de molde a, por seu teor, refletir a inviabilidade de
competição, que, este último atributo, sempre será de percepção obrigatória para
se declarar inexigível o certame.
Por estas razões é que as especificidades dos incisos do art. 25 se
prestam à expor condições em que a contratação de referido objeto acabará por
se mostrar inviável de ser efetivada mediante o estabelecimento de rito licitatório,
notadamente diante dos princípios que informam este último procedimento, quais
sejam o do julgamento objetivo e mediante eleição do menor preço, melhor
técnica e preço ou melhor técnica, incompatíveis à melhor escolha para a
Administração Pública quando se prostrar em face de singulares necessidades.
108
5. São elas - singulares necessidades -, em primeiro lugar (art. 25, I), as de
aquisição ou contratação de produto ou serviço que, em denotando especificidade
que os vincule ao atendimento da necessidade estatal - observada, em regra, a
vedação à preferência de marca -, sendo fornecido ou executado por apenas um
fornecedor (exclusivo), cuja exclusividade seja atestada por órgão ou entidade
com atribuições e expertise suficiente para reconhecê-la e atestá-la, sem prejuízo
de diligência da Administração com o fito de evidenciar a inequívoca
exclusividade no fornecimento de tal objeto, de molde a, em inexistindo uma
pluralidade de potenciais concorrentes, reconhecer-se inviável o estabelecimento
do rito licitatório.
6. Em segundo, previu o legislador o cabimento da inexigibilidade de
licitação para contratação de serviços singulares técnico-profissionais, com
proponentes de notória especialização (art. 25, II). Cabível o reconhecimento da
inviabilidade de competição sempre que a necessidade estatal for singular,
específica e complexa, de forma a exigir, para seu cumprimento, profissional cujo
nível de capacitação permita aferir induvidosa possibilidade de saciamento da
necessidade estatal com elevado grau de confiança. Inviável, pois, que se
submeta tal serviço a uma competição sob o rito licitatório, e isto porque o nível
de notória especialização - títulos, experiências, renome e confiança - não se
valora sob critérios objetivos, muito menos pelo menor preço, o que poderia
sacrificar o atendimento do singular e técnico serviço pretendido pela
Administração Pública, como se depreende, v.g., em hipóteses de contratação de
especiais restaurações, conferências, patrocínio advocatício em demandas de
notória especificidade, e etc.
7. Por último, fixou-se como inviável a competição quando da contratação
de profissionais do setor artístico, desde que consagrados pela crítica
especializada ou pela opinião pública, e o seja contratado diretamente ou
mediante representação por empresário detentor de exclusividade (art. 25, III).
Sem se ignorar que a consagração ou não do profissional pouco influi no
reconhecimento da existência de critérios objetivos para eleição do contratado,
tem-se que tais atributos constam enquanto motivadores da escolha de
determinado profissional, em correlação lógica de seus atributos e da específica
109
necessidade estatal. Ausente necessidade de específico profissional, nada
impediria, diz-se, o estabelecimento de um concurso.
Mesma sorte acompanha a forma de contratação, direta ou através de
empresário exclusivo, que se afigura como indispensável para se aferir a
impossibilidade de se efetivar rito competitivo entre os potenciais representantes
do profissional, que poderiam cada qual propor menor taxa de comissão. Daí se
exigir a contratação direta ou mediante exclusivo representante, evitando a figura
do intermediário e o eventual e desproporcional aumento de seus lucros.
8. Isto posto, em sendo o instituto da inexigibilidade de licitação reconhecido
como exceção à regra de licitar, comportando, ainda, um sem número de
circunstâncias de cabimento - embora todas se submetam a aferição de seus
pressupostos -, reconhece-se como uma das figuras jurídicas de maior
complexidade no manejo da res publica, dando azo a razoáveis debates
interpretativos, na doutrina e jurisprudência nacional.
110
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