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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Elizete Rodrigues
OS FIOS DA LIBRAS NA VOZ DO SURDO TECELÃO: A TEXTUALIDADE
NA LINGUA BRASILEIRA DE SINAIS
MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA
São Paulo
2017
6
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Elizete Rodrigues
OS FIOS DA LIBRAS NA VOZ DO SURDO TECELÃO: A TEXTUALIDADE
NA LINGUA BRASILEIRA DE SINAIS
Mestrado em Língua Portuguesa Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Língua Portuguesa sob orientação do Prof. Dr. João Hilton Sayeg de Siqueira
São Paulo
2017
7
Banca Examinadora _________________________________________ Professor Orientador João Hilton Sayeg de Siqueira _________________________________________ Professora Examinadora Maria Cristina da Cunha Pereira Yoshioka _________________________________________ Professor Examinador Leland Emerson McCleary
8
Agradecimentos
À minha mãe, que nunca deixou de conversar com o tio Zeca, surdo,
mesmo sem ele, nem ela, saberem libras. Por ser essa mulher guerreira,
forte, única e ter sempre depositado em mim coragem, fé, esperança. Minha
mãe não é somente dada a lidar com plantas, tudo o que toca, floresce.
Ao Meu irmão Geraldo, surdo, que me ensinou algumas palavras em libras,
mas o presente de verdade foi com sua existência, o que me deu voz para
seguir sempre em frente.
A Meu pai, minha irmã Evelyn, meu irmão Edvaldo, que inúmeras vezes
estiveram nos bastidores, ajudando, apoiando diretamente. Sem eles, esse
estudo não seria possível.
A Vanderlei de Souza, que não contente em me ensinar a escrever, me
ensinou a usar a vírgula, não contente em me ensinar a vírgula, me ensinou
a dissertar; não contente em me ensinar a dissertar, me deu três filhos
maravilhosos.
Aos meus dois filhos, Matheus e Lucas, que tantas vezes cuidaram dos
mais novos, para que eu pudesse me dedicar, não somente aos estudos,
mas ao trabalho, aos exercícios, aos momentos de lazer.
Aos três filhos menores, Morgana, Serena e Ector, que são menores na
idade, mas maiores em sabedoria. Em quantos momentos se revezavam
nas advertências: - Silêncio, a mamãe está estudando!
A Carlos Mesquita pelo companheirismo, pelo amor irrestrito, pelas
correções feitas com tanto carinho e zelo.
À minha coordenadora Madalena de Amorim Arone, pelo apoio inúmeras
vezes oferecido, quando compreendia as idas aos Congressos, aulas e
diversas situações que exigiam minha ausência na escola. Por sempre
perguntar com sorriso no rosto e brilho no olhar: “E aí, Lia, como está o
mestrado? ”
Ao amigo Tiago Moreira Gomes, pela melhor amizade que fiz durante o
curso de Mestrado: com ele trabalhei, sorri, chorei, comemorei, ouvi música,
vi o natal da Paulista.
À CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
– Ministério da Educação), sem o apoio financeiro ofertado, essa pesquisa
não existiria.
9
Agradecimento especial I ao Professor João Hilton Sayeg de Siqueira, que
me apoiou, desde o primeiro semestre, quando precisei da bolsa de estudos
e no último semestre, quando precisei de um orientador.
Agradecimento especial II aos Professores Maria Cristina Da Cunha P.
Yoshioka e Professor Leland Emerson McCleary que em duas horas de
qualificação me acolheram, orientaram, ensinaram, compartilharam uma
parte de seus conhecimentos e foram substanciais na elaboração e
reelaboração desse estudo.
Enfim, aos surdos. Desde meu tio Zeca, já falecido, até alunos da escola do
Geraldo CEIC (Centro Especial de Integração da Criança)- Cotia- SP que
sempre foram alvo de boa parte das minhas inquietações.
10
Resumo
A presente dissertação tem, por tema, um estudo que investiga se a língua
brasileira de sinais, a libras, pode ser contemplada com as teorias que definem
o que é texto. Dessa forma, consideramos relevante recuperar na primeira
parte estudos fonológicos, morfológicos e sintáticos que atestaram ser a libras,
de fato, uma língua. Para realizar tal intento, Brito (1995), Quadros e Karnopp
(2004) e Sacks (1998) foram substanciais. Entre as teorias que circundam o
universo textual, optamos pela linguística textual, sobretudo os estudos de
Marcuschi (1983), Koch (1997), Koch e Elias (2013) e Fávero (2009).
Posteriormente, observamos o corpus, sob essa luz teórica, para encontrar,
identificar e apontar, com base na libras, aspectos de textualidade. Descobrir
que é possível fazer uma negociação de olhares foi um dos principais
resultados de nossa pesquisa. Ou seja, as teorias empregadas para investigar
o texto podem ser aplicadas na libras. Também constatamos que o contrário é
admissível: isto é, a libras pode auxiliar a compreender o universo do texto.
Temos ciência de que as considerações que levantamos, apesar de nosso
grande regozijo, são apenas um ponto de partida factível para o estudo do
cruzamento do universo do texto com a língua dos surdos no Brasil.
PALAVRAS-CHAVE: texto, linguística textual, libras
11
ABSTRACT: This study has as a theme a study that investigates if the Brazilian
Sign Language, called Libras in Portuguese, can be contemplated with theories
that define what text is. This way, we consider relevant to recover – in the first
part – phonological, morphological and syntactic studies that attest that Libras
is, as a matter of fact, a language. To accomplish this, Brito (1995), Quadros
and Karnopp (2004) and Sacks (1998) were substantial. Among the theories
that surround the textual universe, we chose textual linguistics, especially the
studies of Marcuschi (1983), Koch (1997), Koch and Elias (2013) and Fávero
(2009). Subsequently, we observe the corpus, in this theoretical light, to find,
identify and point out, based on Libras, aspects of textuality. Finding out that it
is possible to negotiate looks was one of the main results of our research. That
is, the theories placed to investigate the text can be applied Libras. We also find
that the opposite is permissible: libras can help understand the universe of the
text. We are aware that the considerations we raise, in spite of our great
rejoicing, are only a starting point for the study of the crossing of the universe of
the text with the language of the deaf in Brazil.
KEYWORDS: text, textual linguistics, libras
12
Sumário
INTRODUÇÃO .............................................................................................................................. 13
I – LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS ............................................................................................... 16
1.1 O surdo e a Libras ............................................................................................................ 16
1.2 Gramática da Libras ......................................................................................................... 23
1.2.1 Fonologia ..................................................................................................................... 24
1.2.2 Morfologia ................................................................................................................... 27
1.2.3 Sintaxe ......................................................................................................................... 39
II – O TEXTO SEGUNDO A LINGUÍSTICA TEXTUAL ....................................................................... 48
2.1 Critérios de textualidade ....................................................................................................... 53
2.1.1 Contextualização ................................................................................................................ 53
2.1.2 Coesão e Coerência ............................................................................................................ 55
2.1.3 Situacionalidade ................................................................................................................. 56
2.1.4 Informatividade .................................................................................................................. 56
2.1.5 Intencionalidade ................................................................................................................. 57
2.1.6 Intertextualidade ................................................................................................................ 58
III- TECENDO NOVOS FIOS: O TEXTO E A LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS ................................... 59
3.1 Pelo status língua .................................................................................................................. 60
3.2 Critérios de textualidade na libras ........................................................................................ 68
3.2.1 Ter uma língua para poder contextualizar ......................................................................... 68
3.2.3 A seleção do conteúdo na libras: informatividade ............................................................ 75
3.2.4 Movimentos, expressões faciais e não-manuais: algumas faces da intencionalidade. ..... 90
3.2.5 Para aceitar, é preciso conhecer: algumas reflexões sobre a aceitabilidade .................. 102
3.2.5 Coesão e coerência .......................................................................................................... 104
3.2.6 Intertextualidade: só sabe do diálogo dos textos quem contato com textos tem .......... 131
Considerações finais .................................................................................................................. 134
Referências Bibliográficas ......................................................................................................... 138
Referências Bibliográficas retiradas da internet ....................................................................... 141
13
Acontece que a história dos textos abre caminho para a das línguas”
(P. Lardet, 1992)
INTRODUÇÃO
Na definição de texto, Marcuschi (1983, 12-13) foi cauteloso ao
posicioná-lo como genérico e provisório. Possivelmente, o linguista referia-se
às transformações conceituais que poderiam ocorrer ao longo do tempo, fruto
dos novos estudos que cada época apresenta. Propomos, embasados nessa
ideia, uma investigação que possa contribuir com a ampliação dos conceitos
que circundam o universo do texto e da libras. Partimos da definição de
Marcuschi (idem) de que “a Linguística do Texto é o estudo das operações
linguísticas e cognitivas reguladoras e controladoras da produção, da
construção, do funcionamento e da recepção de textos orais e escritos” e
avançamos às seguintes indagações: E a Libras? Não se encaixa como objeto
de estudo da linguística textual e outros estudos que se debruçam sobre o
texto? Ela não pode ser considerada texto? Concebemos que o
desenvolvimento deste levantamento terá um valor expressivo no âmbito
acadêmico, pois poderá contribuir com as reflexões que circundam o universo
do texto, peça tão relevante para o ser humano, como já observaram Koch e
Elias (2013, p. 7):
O texto é lugar de interação de sujeitos sociais, os quais, dialogicamente, nele se constituem e são constituídos; e que, por meio de ações linguísticas e sociocognitivas, constroem objetos de discurso e propostas de sentido, ao operarem escolhas significativas entre as múltiplas formas de organização textual e as diversas possibilidades de seleção lexical que a língua lhes põe à
disposição. (KOCH e ELIAS, idem, ibidem)
Cada vez mais, urgem estudos que posicionam como protagonista não
somente o surdo, mas as chamadas minorias, que, embora componham a
sociedade e fazem dela uma fecunda parte da história, são, amiúdes vezes,
negligenciadas, ignoradas, vítimas de preconceito e desprovidas de
oportunidades.
14
Dessa forma, ao focalizarmos o surdo, almejamos valorizar a libras,
língua usada por ele, que é, sim, responsável pela construção da identidade
dessa comunidade, mas também é o que afirma Vygotsky (apud Sacks, 1998,
p. 74-75): a língua é um instrumento cultural de natureza espontânea essencial
ao ser humano.
Portanto, confiamos que a presente pesquisa, além de proporcionar as
oportunidades anteriormente elencadas, favorecerá o ensejo de conhecermos,
de forma mais aprofundada as teorias do texto sob o prisma da linguística
textual. De mais a mais, consideramos sempre relevante revisitar os
mecanismos linguísticos que conferem à língua brasileira de sinais o status de
língua. A partir das inquietações reveladas na introdução desta pesquisa, nos
nortearemos pelas seguintes indagações: 1) O que é texto segundo a
linguística textual? 2) Oralidade e escrita são diferentes manifestações e
modalidades não só da língua portuguesa, mas das línguas em geral. A libras é
uma língua, portanto, quando em uso, não se trata de uma manifestação
textual?
A fim de atingir os objetivos da presente pesquisa, nosso estudo
projetou, para o capítulo inicial, um levantamento teórico que consideramos ser
imprescindível para compreender a libras. Baseia-se, sobretudo, nos estudos
de Brito (1995), Quadros e Karnopp (2004) e a clássica obra Vendo Vozes, de
Sacks (1998).
Para compreendermos o universo do texto, no segundo capítulo,
procuramos trazer à tona as teorias oriundas da linguística textual, cujos
principais autores brasileiros escolhidos são Koch e Elias (2013), Fávero e
Koch (2008), Marcuschi (2005).
Sob o título “Acrescentando a libras no universo textual”, teremos o
terceiro capítulo. Nessa fase de nosso trabalho, procuramos concatenar a
libras com os conceitos vistos na linguística textual. Nessa seção, procuramos
apresentar o que a teoria defende e como isso poderia ser aplicado ao corpus.
Os critérios de textualidade defendidos pela linguística textual nos serviram de
forma consideravelmente didática. Uma vez divididos em categorias, a análise
tornou mais fácil. Sobre o corpus, vídeos da internet foram selecionados uma
vez que são bem acessíveis e muitos deles apresentam uma natureza
15
profissional, bem como o compromisso com a libras e a educação dos surdos
brasileiros.
Em tempos de rejeição ao chamado spoiller, faremos uma exceção:
encontramos textualidade na libras. A língua brasileira de sinais dos surdos
apresenta aspectos textuais em sua composição. Todavia, há suspenses ainda
a serem desvendados. Como isso acontece, em quais condições, que outras
possibilidades podem ser observadas? Destarte, convidamos o leitor a
conhecer nossas considerações, nossas descobertas. Para ilustrarmos,
fizemos uso do dicionário on-line de libras, disponibilizado por sites como
http://www.ines.gov.br/, http://www.acessibilidadebrasil.org.br/ e
https://www.YouTube.com/?hl=pt&gl=BR.
Almejamos, por fim, que este estudo inspire outros olhares, novas
perspectivas, renovadas reflexões em uma abordagem que consideramos ser o
mérito máximo do presente estudo: ter, como pináculo de nosso propósito, o
surdo e a língua brasileira de sinais, a libras.
16
I – LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS
Neste capítulo, apresentaremos os conceitos que dão suporte à libras,
sustentando-a como língua. Pretendemos convidar o leitor, sobretudo o menos
familiarizado, a conhecer os estudos que se debruçaram em apontar aspectos
fonológicos, morfológicos e sintáticos da língua de sinais dos surdos do Brasil.
1.1 O surdo e a Libras
Equívocos, como referir-se ao surdo como surdo-mudo, à libras como
gesto, mímica, pantomima ou até mesmo linguagem, precisam ser superados
em nossa sociedade. Sabemos que o mudo é aquele que se vê impedido de
usar o aparelho fonador na hora de falar, seja por questões fisiológicas ou
psíquicas. Já o surdo é aquele que tem perda de audição. Ao nomearmos
alguém surdo-mudo conferimos ao sujeito duas dificuldades relacionadas à
comunicação, das quais uma delas, a mudez, o surdo não apresenta,
necessariamente.
Estar mudo é estar impedido de falar, exteriorizar-se, discutir, expor,
argumentar, questionar, difundir, anunciar, ser incapaz de estabelecer as
diversas atividades humanas e sociais que somente a comunicação permite.
Portanto, partindo de tais esclarecimentos, sobretudo no meio acadêmico,
houve, na segunda metade do século XX, um processo de explanação,
conscientização, desmistificação e luta contra preconceitos que têm circundado
o surdo ao longo da história. Um surdo nunca será mudo se conseguir
comunicar-se, principalmente se possuir uma língua como a libras.
O Decreto Federal n°. 5.626 (Brasil, 2005) tornou obrigatório o ensino de
libras como componente curricular nos cursos de formação de professores e de
fonoaudiólogos, passo importante, todavia, muito mais precisa ser feito para
que surdos não sejam chamados de surdos-mudos e para que essa língua seja
considerada como tal. Perini (2010, p. 1) define a língua da seguinte forma:
17
Sistema programado em nosso cérebro que, essencialmente, estabelece uma relação entre os esquemas mentais que formam nossa compreensão do mundo e o código que o representa de maneira perceptível aos sentidos. (PERINI, idem, ibidem)
O pesquisador nomeia as línguas de sistemas, cuja formação se dá com
o regimento de regras no que diz respeito à pronúncia, formação de palavras,
itens lexicais, organização de frases e orações, que foram desenvolvidas
historicamente, graças à capacidade humana para com a linguagem, no
entanto, esclarece que há outros tipos de linguagem, não necessariamente
ligadas à língua, por exemplo, a linguagem das abelhas, dos golfinhos, das
baleias.
O manual do Enem, por exemplo, considera relevante o estudo acerca
da linguagem por parte de seus colaboradores, informando tratar-se de um
produto, e uma produção cultural, que possui um “caráter criativo,
pluridimensional, múltiplo e singular ao mesmo tempo” (ENEM, 2014, p. 5).
Para o Enem, a libras é disposta como linguagem verbal, concepção a partir da
qual se poderá valorizar a língua de uma maneira mais global: desde a
multiplicidade de códigos até a variação linguística. Ou seja, a linguagem é um
caminho no qual o estudo da língua será considerado relevante, entre outros
aspectos, como legitimação social e recurso imprescindível para os
interlocutores.
Essa disposição da língua relacionada a um enfoque social, ligada às
condições de comunicação advém das teorias de Bakhtin, em que se define a
língua como uma necessidade de comunicação, entretanto, não somente de
uma necessidade individual, mas também e, sobremaneira, de uma atividade
social. (BAKHTIN, 2004, p. 16). Para Perini (2010, p. 2) a relação entre
linguagem, língua e sociedade se dá de forma muito importante, pois:
Qualquer sociedade minimamente complexa, só pode funcionar e mesmo surgir, através do uso intensivo da linguagem. A sociedade funciona através da cooperação e/ou conflito entre os homens e a linguagem medeia esses processos de maneira crucial. (PERINI, idem, ibidem)
18
A linguagem pode manifestar-se, porém, de forma mais simplificada,
como em códigos de trânsito e em mímicas icônicas, e não obedecer,
necessariamente, ao que uma língua possui de fato para ser considerada
língua.
O estudo das estruturas que formam as línguas, como morfologia,
sintaxe e morfossintaxe, auxiliou no esclarecimento de que as línguas de sinais
dos surdos brasileiros não são gestos aleatórios, tanto menos português
sinalizado. Ao contrário. Possuem, como as línguas naturais, um curso natural,
algo próprio de cada língua e das características e necessidades de seus
falantes.
(...) são uma realização específica da faculdade de linguagem que se dicotomiza num sistema abstrato de regras finitas, as quais permitem a produção de um número ilimitado de frases. Além disso, a utilização efetiva desse sistema, com fim social, permite a comunicação entre os seus usuários. (QUADROS E KARNOPP, 2004, p. 30).
Essas línguas naturais, explicam Quadros e Karnopp (2004, p. 25 a 28)
possuem propriedades tais como flexibilidade e versatilidade, ou seja, poderão
ser usadas em diversos contextos. Moldar-se-ão à necessidade de seus
interlocutores nas mais variadas situações: ao perguntar, informar, persuadir,
argumentar, discutir, brincar, brigar.
Há também a arbitrariedade, pois formada por signos linguísticos, nas
línguas de sinais há uma convenção reconhecida pelos seus falantes, que não
ocorre de maneira simplificada, pois obedece a regras de formação.
Sobre a descontinuidade, haverá diferenças mínimas entre palavras e
seus significados por meio de distribuição que ocorrerá em diferentes níveis
linguísticos. Assim como ocorre no português com os parônimos e homônimos,
será, muitas vezes, a distribuição semântica que exercerá o papel de significar
o todo enunciativo. Por exemplo: os sinais surdo e moreno possuem
consideráveis semelhanças, pois são realizadas na mesma locação1, com a
mesma configuração de mãos, porém com uma pequena diferença no
1 Esse termo será mais bem explorado quando tratarmos dos aspectos fonéticos da língua de sinais
ainda neste mesmo capítulo. Também chamado de ponto de articulação, trata-se da parte do corpo na qual o sinal está sendo feito.
19
movimento, seria possível de ser confundida na hora do diálogo, não fosse a
disposição linguística que tais palavras provavelmente estarão inseridas no ato
comunicativo. O mesmo, possivelmente, não ocorrerá com os vocábulos
aprender e laranja, porque, embora tenham a mesma configuração de mãos e
mesmo movimento, são realizados em diferentes regiões da face. Um na testa
(aprender) e o outro na altura entre o queixo e a boca (laranja).
Figura 1– Sinal: Surdo. Fonte: Disponível em: http://www.acessibilidadebrasil.org.br/libras/ Acesso em: 16/08/2016
Figura 2– Sinal: Moreno. Fonte: Disponível em: http://www.acessibilidadebrasil.org.br/libras/ Acesso em: 16/08/2016
Figura 3– Sinal: Aprender. Fonte: Disponível em: http://www.acessibilidadebrasil.org.br/libras/ Acesso em: 16/08/2016
Figura 4– Sinal: Laranja. Fonte: Disponível em: http://www.acessibilidadebrasil.org.br/libras/ Acesso em: 16/08/2016
Quadros e Karnopp (2004, p. 25-28) ainda mencionam, como
propriedade da libras, a criatividade e a produtividade, afirmando que, a partir
de um conjunto finito de regras, pode-se transmitir uma mensagem ou mais
20
usando diferentes recursos. Já a dupla articulação ou dualidade é a
propriedade em que a língua se apresenta em dois níveis de articulações. No
primeiro, ocorre o caso das unidades menores e sem significado; no segundo,
desenrola-se a combinação dessas unidades, resultando, dessa forma, na
formação de sentido.
No caso das línguas de sinais, também existem o nível da forma e o do
significado. Como explica Almeida (2013, p. 9), “as configurações, por si só,
não apresentam significado, mas, ao serem combinadas, formam sinais que
significam alguma coisa”. Assim como as línguas orais, as línguas de sinais
possuem um padrão, cujas regras são obedecidas entre seus falantes. O não
cumprimento de tais regras prejudica a compreensão do enunciado, bem como
a última propriedade mencionada por Quadros e Karnopp (2004, p.28),
chamada de dependência estrutural, ou seja, haverá uma relação entre os
elementos da língua, cuja combinação não será feita de forma aleatória.
Diferentemente da língua portuguesa, cuja modalidade é oral-auditiva, a
libras é usada na modalidade gestual-visual. O canal utilizado para a
comunicação são movimentos gestuais e expressões faciais captados pela
visão, órgão que, normalmente, é aguçado no surdo. Como afirmou Sacks
(1998, p.19-21), o surdo poderia ser chamado de visor ou algo do gênero, já
que seria valorizado o que nele funciona de melhor e não o que pouco funciona
ou nada funciona.
Essas diferenças entre as línguas orais e as gestuais levaram ao
surgimento de mitos acerca das línguas de sinais, que, muitas vezes, foram
confundidas com mímica ou pantomima. Por muito tempo, ignorou-se o fato de
tais línguas terem uma organização gramatical, um léxico que pode obedecer a
um caráter icônico, mas também é formado por palavras de natureza arbitrária,
ou seja, embora alguns sinais possam, de fato, representar a forma de um
objeto, por exemplo, ao sinalizar uma bola, uma banana (com o movimento de
se descascar essa banana), o ovo ( e o movimento que se faz ao quebrar um
ovo), as línguas de sinais também podem apresentar sinais, cuja formação do
sinal distancia-se de uma semelhança a ser comparada com formas e
movimentos. A saber, banheiro, por exemplo:
21
Figura 4 B– Sinal: Banheiro. Fonte: Disponível em: http://www.acessibilidadebrasil.org.br/libras/ Acesso em: 08/01/2017
As línguas de sinais possuem uma sintaxe, o que permite topicalizar
elementos em um enunciado. Com isso, concede, aos seus usuários, a
possibilidade de ser usada para abordar assuntos diversos, como política,
filosofia, esportes trabalho, e para expressar-se de forma mais abstrata e/ou
estética, como na música, na poesia, no teatro ou no humor, uma vez que seu
formato gestual-visual propicia essa exploração da linguagem que, muitas
vezes, só é viável no âmbito da desenvoltura corporal.
Foi na década de 1960 que os estudos linguísticos do americano
Stokoe, entre outros, puderam identificar, na American Sign Language (ASL)2,
elementos complexos presentes apenas nas línguas, como os já citados:
fonética, morfologia, sintaxe3, mas também os de ordem semântica e
pragmática4.
Em conformidade com Rosa (2005, p. 20), Stokoe tinha, como objetivo,
comprovar uma isomorfia, isto é, uma aproximação entre os sinais usados
pelos surdos e a língua oral dos ouvintes. Obteve sucesso quando encontrou,
na língua de sinais, o que chamou de “quirema”. Seria esse o segmento
mínimo sinalizado e correspondente ao usado na língua oral: fonema, cuja
conceituação, conforme Paschoalin e Spadoto (1997, p. 330), dá-se,
basicamente, por ser o “som de valor opositivo no sistema coletivo da língua,
de caráter regular e fixo e, por isso mesmo, sistemático”. Elas (idem, ibidem)
explicam que cada língua possui um número restrito de sons, mas que podem
ser combinados a fim de criar um vasto universo de palavras. Segundo
2 Língua de Sinais Americana.
3 Tais estudos serão mais explorados ao longo deste trabalho.
4 Devido à natureza desse estudo dissertativo, em que se faz necessária uma delimitação, não
avançaremos nos estudos que contemplam a semântica e a pragmática.
22
Paschoalin e Spadoto (idem, ibidem), “os fonemas, em seu conjunto, formam o
sistema fônico da língua”.
Stokoe (1960) estabeleceu que cada morfema, sendo uma unidade
mínima provida de significação, seria formada a partir de três quiremas ou,
como conhecemos, fonemas: ponto de articulação, configuração das mãos e
movimento.
O estudioso pôde compreender, a partir de tais constatações e
definições, que a estrutura da ASL se desenvolvera graças ao convívio entre
surdos e como resultado dessas interações comunicativas particulares. A
língua foi se moldando, obedecendo à natureza do tipo de modalidade e de
acordo com as necessidades de seus usuários. Dessa forma, não se limita a
um caráter de iconicidade e, sim, a um conjunto de formação, cujo sistema não
está reduzido às palavras soltas, mas às construídas e organizadas de forma a
obedecer a regras, hierarquias e construção de sentido.
Embora as línguas de sinais de cada país tenham suas particularidades
e não só se desenvolveram como se desenvolvem a cada dia em razão de
seus falantes que a mantêm viva e produtiva, os estudiosos pioneiros no Brasil
conseguiram nivelar a libras com o status de língua a partir dos estudos
elaborados pelos linguistas americanos.
Já é de conhecimento que, entre as Línguas de Sinais, há completa
independência da língua oral-auditiva usada no próprio país ou em relação a
outros países cuja língua é compartilhada. Por exemplo: a Libras mantém-se
independente da Língua Gestual Portuguesa, LGP, e a Língua de Sinais dos
Estados Unidos (ASL) é diferente da Língua de Sinais da Inglaterra (BLS). Não
existe, portanto, uma universalidade rígida no que tange às línguas de sinais.
No Brasil, há estudos que investigaram a variação regional ocorrente na Libras
ao longo de todo o território nacional, já que, como o português, a Língua
Brasileira de Sinais percorre diferentes comunidades em variadas regiões.
Embora estudiosos como Rosa (2005, p. 23) afirmem que surdos de
diferentes lugares provavelmente não se entenderiam entre si usando, cada
um, suas respectivas línguas, há certa influência da Língua de Sinais Francesa
(LSF) em alguns países, como Estados Unidos e Brasil, o que poderia conferir,
não certa fluência entre interlocutores estrangeiros, mas uma aproximação na
formação dos sinais no que diz respeito à configuração de mãos, locação e
23
movimento. De acordo com Pereira (1989, p. 39) os precursores dos estudos
da formação de um determinado sinal a partir desses três parâmetros foram
por Klima e Bellugi (1979) bem como Markowics (1980). Posteriormente,
segundo Pereira (idem, ibidem), um quarto parâmetro foi incorporado no que
diz respeito a orientação das palmas das mãos por Battison (1974; Battison,
Markovics & Woodward, 1975)
Outra justificativa que explica certa aproximação entre algumas línguas
de sinais como a americana e a francesa, por exemplo, está na história
referente a Gallaudet University5. Fundada em 1857 em Washington, nos
Estados Unidos, era apenas um internato para crianças surdas e cegas. A
partir de 1896, entretanto, teve autorização e reconhecimento para que fossem
desenvolvidos cursos acadêmicos. Seu primeiro diretor, Edward Miner
Gallaudet era francês e levou, de seu país, o pioneirismo desenvolvido da
primeira escola para surdos criada por Abbé de L´Epée, Instituto Nacional de
Jovens Surdos de Paris (ALMEIDA, 2013, p. 26 a 28).
No Brasil, é possível afirmar que há uma influência da LSF na Libras,
pois, a pedido do imperador Dom Pedro II, foi trazido para o país, em 1855, o
francês Ernest Huet6, cuja missão foi criar a primeira escola de surdos em solo
brasileiro. Cogita-se que, dentro da família real, havia surdos, o que justificaria
a atenção dada pela realeza a uma parte da população historicamente rejeitada
e ignorada. Localizada no Rio de janeiro, a escola fora, inicialmente, nomeada
de Instituto Imperial de Surdos – Mudos, hoje é o Instituto Nacional de
Educação de Surdos, INES7, (ALMEIDA, idem, ibidem).
1.2 Gramática da Libras
A comunidade surda se identifica culturalmente e esse reconhecimento
cultural ocorre de forma vigorosa por meio de sua identificação linguística.
Strobel (2009, p.12) ao fazer, como nomeia, um passeio pela história de
educação de surdos, menciona o verdadeiro prejuízo que os surdos e a
comunidade surda sofreu, por exemplo, com o chamado Congresso de Milão
5http://www.gallaudet.edu/
6 Há dúvidas em relação ao primeiro nome de Huet – Se Ernest, Edwuard ou Eduard.
7http://www.ines.gov.br/
24
de 1880, que proibiu as línguas de sinais na educação dos surdos. Os reflexos
desse evento, no Brasil, deixaram cicatrizes que, hodiernamente, ainda estão
em processo de cura. Um desses processos para sonar foram os estudos
linguísticos que se debruçaram acerca das línguas de sinais e conferirem às
mesmas o status de língua.
Para os estudiosos, uma das estratégias encontradas para
compreender, reconhecer e admitir a libras como língua natural foi a de buscar
apoio nos preceitos teóricos que orientam o estudo das línguas em geral, tais
como fonologia, morfologia e sintaxe.
A seguir, procuraremos abordar tais estudos a fim de, não somente
registrar, compreender, mas também trazer para essa pesquisa esse processo
considerado fundamental no que diz respeito à libras e seu status de língua.
1.2.1 Fonologia
Segundo Quadros e Karnopp (2004, p. 47), a fonologia das línguas de
sinais é:
O ramo da linguística que objetiva identificar a estrutura e a organização dos constituintes fonológicos, propondo modelos descritivos e explanatórios. A primeira tarefa da fonologia para língua de sinais é determinar quais são as unidades mínimas que formam os sinais. A segunda tarefa é estabelecer quais são os padrões possíveis de combinação entre essas unidades e as variações possíveis no ambiente fonológico. (QUADROS E KARNOPP, idem, ibidem)
Inicialmente, pode parecer equivocado um estudo fonológico que
contemple uma língua que não se manifesta sonoramente. O que os
estudiosos encontraram para as línguas de sinais foi uma equivalência ao
estudo das unidades mínimas do sistema, que ora pode se apresentar por
diferenças, ora pode se apresentar por semelhança ao estudo fonológico das
línguas orais. Quadros e Karnopp (2004, p. 48) explicam que, com o tempo,
não somente Stokoe, que usava a terminologia quirema, mas também outros
pesquisadores adotaram o termo fonema e fonologia uma vez que:
25
O argumento para a utilização desses termos é o de que as línguas de sinais são línguas naturais que compartilham princípios linguísticos subjacentes com as línguas orais, apesar das diferenças de superfície entre fala e sinal. (2004, p. 48)
Em conformidade com Brito (1995, p. 36), essas unidades mínimas são
também chamadas de parâmetros primários e parâmetros secundários.
Quando sozinhas elas, as unidades mínimas, são arbitrárias e desprovidas de
significado, assim como os fonemas nas línguas orais que, ao serem
produzidos pela passagem de ar pela laringe, nariz e boca se estiverem
isoladas de outras unidades, não apresentam um valor significativo. Nas
línguas de sinais, essas unidades organizar-se-ão a partir de parâmetros
visuais.
Nos parâmetros primários, há três unidades, segundo Brito (idem, ibidem):
Configuração da (s) mão(s): Corresponde aos diversos modos que a mão pode
formar na realização do sinal. Na libras, conforme a estudiosa, existem,
aproximadamente, 46 configurações de mãos, todavia estudos linguísticos de
Quadros e Pimenta (2006, 73) catalogam uma numeração consideravelmente
superior: a de 61 formas. Já Felipe e Monteiro (2008, p.28) conseguem
apresentar mais três, totalizando 64 configurações.
a. Ponto de articulação ou locação: Para que os sinais sejam articulados
eles precisam de um espaço. De acordo com Brito (idem, ibidem), o ponto de
articulação pode ser de dois tipos: os que são realizados em um espaço neutro
diante do corpo e os que são articulados em uma determinada região do corpo,
como cabeça, pescoço, cintura, rosto, ombros e etc. Quadros e Karnopp (2004,
p. 54) explicam:
Dentro desse espaço de enunciação, pode-se determinar um número finito de locações, sendo que algumas são mais exatas, tais como ponta do nariz, e outros são mais abrangentes, como a frente do tórax. (QUADROS E KARNOPP, 2004, p. 54)
b. Movimento: Para o surdo, ouvir é ver. Portanto, o movimento das mãos
na libras, em consonância com Quadros e Karnopp (idem, p. 54), “é definido
como um parâmetro complexo que pode envolver uma vasta rede de formas e
direções”. Já afirmava Sacks (1998, p19-22) que o surdo, por viver nessa
26
condição, desenvolve a visão de forma significativa. Explica que a ausência de
um sentido pode levar a mente humana a perceber melhor algum dos outros,
como determinados surdos que, além de desenvolverem o olfato muito bem,
conseguem “ouvir” o som do vento pelo movimento das árvores e comunicar-se
com ouvintes por meio da observação atenta dos movimentos dos lábios, a
chamada leitura labial; o mesmo ocorrerá na composição de um sinal, de uma
palavra. E as variações de movimentos na libras são de forte relevância, pois,
como explicam Quadros e Karnopp (2004, p. 54), “as mudanças no movimento
servem para distinguir itens lexicais”, como substantivos, verbos, tempos
verbais, pronomes. Para Brito (1995, p. 38), os movimentos acontecem entre
mãos e pulsos de forma que:
Nos movimentos internos da mão, os dedos se mexem na realização do sinal, abrindo-se e fechando-se, dobrando-se ou estendendo-se, o que leva a rápidas mudanças na configuração da(s) mão(s). O movimento que a(s) mão(s) descreve(m) no espaço ou sobre o corpo pode ser em linhas retas, curvas, sinuosas ou circulares em várias direções e posições. Em certos sinais o movimento direcional é icônico. (BRITO, idem, ibidem)
Os parâmetros secundários, segundo Brito (idem, p. 40), serão
importantes para a organização fonológica:
a. Disposição das mãos: Diz respeito à mão dominante (esquerda ou
direita) na hora da realização do sinal, assim como o uso das duas. Brito (idem,
ibidem), afirma que, no caso do uso das duas mãos, estas podem “se
movimentar para formar um sinal”, ou quando o movimento é feito apenas com
a mão dominante a segunda funciona como ponto de articulação.
b. Orientação da(s) mão(s): Trata-se, exclusivamente, da direção para a
qual a palma da mão se dirige. De acordo com Brito (idem, ibidem), poderá ser
“voltada para cima, para baixo, para o corpo, para frente, para esquerda ou
para direita”.
c. Região de contato: na hora da execução do sinal, a mão entra em
contato com o corpo, o que pode ocorrer de diferentes modos: “por meio de um
toque, de um risco, de um deslizamento etc.” (BRITO, idem, ibidem).
Brito (idem, p. 41) explica que, dentro dos aspectos fonológicos, há os
chamados componentes não–manuais. A estudiosa esclarece que esses, ao
27
lado dos componentes primários e secundários, são fundamentais, tanto que
são classificados como parâmetros, pois podem funcionar na diferenciação de
significados; incluem-se nos componentes não-manuais, por exemplo,
expressões faciais e movimentos do corpo. Sobre a combinação dos
parâmetros primários, secundários e componentes não-manuais, Brito (idem,
ibidem) afirma:
Podem estar presentes simultaneamente na organização do sinal. O sinal se realiza multidimensionalmente e não linearmente, como acontece em geral, com palavras orais, e a sua realização necessita da presença simultânea de seus parâmetros. (BRITO, idem, ibidem)
Em Quadros e Karnopp (2004, p. 60), a descrição sobre os
componentes não-manuais ou, como nomeiam, expressões não-manuais é
mais minuciosa: os movimentos da face, dos olhos, da cabeça ou do tronco
podem servir especificamente para “marcação de construções sintáticas e
diferenciação de itens lexicais”. Referem-se, mais especificamente, às
questões de ordem sintática da libras.
No que tange às funções sintáticas, serão marcadas sentenças
interrogativas, orações relativas, topicalizações, concordância e foco. Sobre os
itens lexicais, as autoras (idem, ibidem) afirmam: “Marcam referência
específica, referência pronominal, partícula negativa, advérbio, grau ou
aspecto”. Fazem menção mais especificamente às questões morfológicas da
libras.
1.2.2 Morfologia
Quando pensamos na formação do léxico das línguas de sinais,
devemos ficar atentos para a existência de aspectos e propriedades que
podem alterar completamente o significado e o sentido das palavras. Em
relação à relevância do estudo da formação morfológica, Campelo (2011, p. 77)
explica:
É igualmente importante refletir sobre cada formação de sinais e sua descrição imagética, pois elas podem descrever cada objeto, animais e pessoas. (CAMPELO, idem, ibidem)
28
Brito (1995, p. 21) afirma que as estruturas gramaticais nas línguas de
sinais, normalmente, serão construídas com base na simultaneidade. Uma
mudança, por exemplo, na extensão ou na duração do movimento pode
adicionar ideia de grau e, como elucida Brito (idem, p. 42): “os verbos
multidirecionais apresentam flexão para pessoa e número através da direção
do movimento”.
Dessa forma, como em línguas orais, as línguas de sinais possuem
morfemas que, em consonância com Campelo (2011, p. 77), possuem duas
estruturas: os morfemas lexicais, cujas unidades foram naturalmente
convencionadas pela comunidade surda; e os morfemas gramaticais, em que
as unidades foram acrescentadas aos morfemas lexicais para indicar, por
exemplo, plural, advérbio de modo, advérbio de negação etc.
Como no estudo da morfologia tradicional das línguas orais, a
investigação nas línguas de sinais desdobra-se nas áreas derivacional e
flexional, o mesmo ocorre com as línguas de sinais. A seguir, procuraremos
detalhar, com base nos estudos de Brito (1995), Quadros e Karnopp (2007) e
Campelo (2010), algumas peculiaridades de tais aspectos.
Derivação de sinais
Conforme Campelo (2010, p. 83), basicamente, a derivação seria “a
criação de um sinal a partir de outro”, de forma a contribuir na alteração lexical
ou até mesmo na mudança da categoria lexical. Quadros e Karnopp (2007, p.
95) afirmam que sinais, cuja natureza se apresenta morfologicamente
complexa, não são organizados na mente de maneira integral, mas de “uma
forma-base e uma flexão”, em que cada uma é sinalizada e decodificada
separadamente. São, portanto, utilizadas conforme a necessidade
comunicacional de seus falantes.
Por composição
A formação de palavras compostas nas línguas de sinais é semelhante
às palavras compostas na língua portuguesa, como guarda-chuva, girassol,
ciclovia etc. De acordo com Quadros e Karnopp (2007, p. 95), “a composição é
29
um processo autônomo em que se juntam duas bases preexistentes na língua
para criar um vocábulo”. Campelo (2011, p. 84) esclarece que o contato será a
regra para fazer a composição do sinal:
O contato do primeiro sinal, do segundo sinal e da possibilidade do terceiro sinal, que é mantido. Quando se fizer uma nova composição com o novo sinal, através do novo contato, que pode ser em qualquer locação do corpo, cria-se um novo sinal. (CAMPELO, idem, ibidem)
Para exemplificar, Campelo (idem, ibidem) usa como modelo a palavra
ESCOLA, cuja formação é feita pelos sinais CASA e ESCOLA. A composição
acontecerá quando os dois sinais forem feitos sucessivamente, de forma que
os dois sinais de origem serão suprimidos formando, dessa forma, uma única
palavra.
Figura 5– Sinal: Escola. Fonte: Disponível em: http://www.acessibilidadebrasil.org.br/libras/ Acesso em: 16/08/2016
Podemos ilustrar com o sinal IGREJA que, além de ser constituído por
composição, também traz, em sua formação, o sinal CASA. A combinação
acontecerá com o sinal CASA + CRUZ= IGREJA.
Figura 6– Sinal: Igreja. Fonte: Disponível em: http://www.acessibilidadebrasil.org.br/libras/ Acesso em: 16/08/2016
Observando esses dois sinais, formados a partir do sinal CASA, é
possível analisar a natureza da combinação em que a estrutura sintática ocorre
com finalidade lexical. Quadros e Karnopp (2007, p. 103) afirmam que “as
regras morfológicas são aplicadas especificamente para criar novas unidades
com significados”. As pesquisadoras apontam três regras usadas para a
criação de compostos:
30
Regra do contato: A formação de um sinal, às vezes, inclui algum tipo de
contato “seja no corpo, seja na mão passiva” (Quadros e Karnopp, idem,
ibidem). No caso dos vocábulos compostos, as pesquisadoras (idem, ibidem)
explicam que “o primeiro, o segundo ou o único contato é mantido”.
A ligação acontecerá justamente com a permanência de um dos
contatos, isso deixará claro que o sinal não está sendo feito isoladamente,
dessa forma esclarecem que “se o primeiro sinal não apresenta contato, mas o
segundo sim, este contato permanece na composição”.
Regra da sequência única: Na língua de sinais, pode ocorrer o chamado
movimento interno ou a repetição do movimento. Contudo, quando a
composição da palavra é feita a fim de originar compostos, tais atitudes são
eliminadas. Quadros e Karnopp (idem, p. 104) exemplificam com os sinais PAI
e MÃE, em que a configuração das mãos, o ponto de locação e o movimento
são semelhantes. Mas, ao formar o composto PAIS, a configuração de mãos
permanece, havendo uma aglutinação, em um único movimento, no que diz
respeito ao ponto de articulação, resultando, assim, na junção dos sinais com a
finalidade de formar apenas um.
Regra da antecipação da mão dominante: Pressupondo que o sinal
composto seja formado por outros dois e que o segundo tenha, em sua
composição, a mão principal no uso de uma mão passiva, também chamada de
ponto de articulação, esta última, para formar um composto, já estará
posicionada em seu local de origem à espera desse primeiro sinal, que se
juntará ao segundo, articulado pela mão passiva.
Quadros e Karnopp (idem, p. 105) ilustram com o termo BOA NOITE:
enquanto a primeira mão faz o sinal de BOA, a segunda já está posicionada
para formar o sinal noite, que é executado sequencialmente.
Figura 7– Sinal: Boa noite. Fonte: Disponível em: http://www.acessibilidadebrasil.org.br/libras/ Acesso em: 16/08/2016
31
Portanto, sobre compostos na língua de sinais e compostos na língua
portuguesa, as autoras (idem, p. 106) afirmam que:
O distanciamento entre o significado do todo e o significado das partes é normal nas formas compostas pela própria função da nomeação; esse distanciamento é especialmente acentuado no caso das formações compostas metafóricas. Em síntese, o português e a língua de sinais brasileira apresentam processos regidos por regras na formação de compostos. A língua de sinais brasileira apresenta regras morfológicas e fonológicas na criação de novos sinais, e quando dois sinais aparecem juntos para formar um composto, mudanças predicáveis na estrutura do sinal se manifestam. (QUADROS E KARNOPP, idem, ibidem)
Incorporação de numeral
Chamados de morfemas presos ou unidades mínimas com significado,
mas que não ocorrem sozinhos, geralmente se combinam com a finalidade de
criar outros significados. Conforme Campelo (2011, p. 85), há a incorporação
no sinal desses morfemas em formato de numeral. Segundo a autora (idem,
ibidem):
Dependendo das variações linguísticas, há regra de restrição de sinal quando são incorporados os números. A incorporação de números é, no máximo, de quatro. (CAMPELO, idem, ibidem)
Brito (1995, p. 42) explica que a intenção de expressar um valor dual ao
substantivo poderá ocorrer de algumas formas: por meio da repetição do sinal,
do uso do sinal do número dois posposto ao substantivo a ser dualizado ou “de
um movimento semicircular orientado para dois referentes”.
A estudiosa (idem, ibidem) acrescenta ainda que a configuração de
mãos ocorrerá frequentemente nesse processo de numeração, em que os
dedos estendidos darão a ideia de quantidade. Em contrapartida, para obter
um efeito de maior intensidade, tanto a configuração de mãos quanto o
movimento sofrerão mudanças. Os dedos, por exemplo, poderão ser agitados
com maior vigor. Outra forma citada por Brito (idem, p. 42) é a incorporação do
sinal MUITO com os números. Dessa maneira, a informação será acrescida de
maior proporção.
32
Para exemplificar a incorporação de numeral, Quadros e Karnopp (2004,
p. 107) empregam os termos DOIS MESES e TRÊS MESES. A formação se
dará basicamente pela “mudança na configuração da mão não dominante”. Se
for 1 MÊS, a mão de apoio indicará o número 1. Se forem 2 MESES, indicará o
número 2 e assim sucessivamente.
Figura 8– Sinal: Dois meses. Fonte: Disponível em: http://www.acessibilidadebrasil.org.br/libras/ Acesso em:
16/08/2016
A regra observada ocorre de forma que tais morfemas fiquem presos.
Não há como a configuração de mão acontecer isoladamente do ponto de
articulação, que, no caso de MÊS, ocorre na outra mão. Outros morfemas
podem fazer parte dessa composição como orientação e expressões não-
manuais. Com o propósito de apontar morfemas livres, as estudiosas explicam
o sinal ONTEM na libras:
Seus elementos constitutivos – locação, movimento, configuração e orientação de mãos – não têm significado independente e não são morfemas, mas quando eles são articulados juntos, o resultado é uma unidade com significado, um morfema livre. (QUADROS E KARNOPP, idem, p. 108)
Chamados de monomorfêmicos, sinais dessa natureza têm, por si só,
elementos constitutivos que, se separados fonologicamente, são desprovidos
de sentido. Contudo, o sinal feito na íntegra com todas as partes fica completo
e forma um morfema. O mesmo não ocorre com o termo ANTEONTEM, que,
segundo Quadros e Karnopp (idem, ibidem), “tem uma configuração de mão
diferente de ONTEM, caracterizando-se como um morfema preso”. É assim
integrado a dois morfemas.
33
Incorporação de negação
Semelhante às expressões não-verbais usadas na comunicação entre
ouvintes, o movimento da cabeça de um lado para o outro é um recurso para
indicar negação. Quando combinado com um verbo, sinaliza um processo de
composição. No caso do verbo PODER, o sinal é repetido para indicar NÃO
PODER. Para negar, no entanto, é feito o movimento de negação com a
cabeça. Essa seria uma maneira básica e simplificada para a formação da
negação.
Brito (1995, p. 69) encontrou nos estudos de Stokoe (1960), Klima e
Bellugi (1979) e Lyons (1977) formas de variação do intuito da negação nas
línguas de sinais. A partir de tais pesquisas, classificou, na libras, três como as
principais: “Negação proposital (Parece que Paulo não virá), negação
performativa (Não prometo vir à reunião) e negação modal (Eu não acho que
ele virá à reunião). O exemplo utilizado no início do tópico PODER e NÃO
PODER se encaixaria na negação proposital.
Figura 9A– Sinal: Poder. Fonte: Disponível em: http://www.acessibilidadebrasil.org.br/libras/ Acesso em: 16/08/2016
Figura 9B– Sinal: Poder-não Fonte: Disponível em: http://www.acessibilidadebrasil.org.br/libras/ Acesso em: 16/08/2016
Outro formato semelhante de negação entre surdos e ouvintes ocorre
com a formação lexical, em que se usa a mão em um movimento para a direita
e para a esquerda. Conforme Brito (idem, p. 74), ele pode ser empregado antes
ou depois do item a ser negado.
34
Quando a negação é composta de negação simultânea ao item negado,
seja pelo movimento de cabeça aliado ou não por expressão facial, Brito (idem,
p. 76) chama de negação supra-segmental.
Empréstimos do português
Em território nacional, cuja língua é o português, há palavras que não
existem na libras. São, portanto, soletradas manualmente. Como dizem
Quadros e Karnopp (2004, p. 88), “trata-se de um conjunto de configuração de
mão que representa o alfabeto português”, embora não seja uma
representação precisa do português e, sim, “uma representação manual da
ortografia do português”. As autoras (idem, ibidem) comparam esse
empréstimo ao que ocorre nas línguas orais em geral, como no português, em
que existem palavras oriundas de outras línguas, como abajur, yakissoba,
xampu, alecrim e pendrive, entre outras.
Campelo (2011, p. 88) explica que, dessa forma, o sinal é produzido por
soletração. Todavia, esse processo se molda segundo as regras da libras. A
estudiosa (idem, ibidem) usa como exemplo a palavra SAL, cujo alfabeto
manual exclui o A, ficando como um sinal padronizado para sal apenas o S e o
L.
Figura 10– Sinal: Sal Fonte: Disponível em: http://www.acessibilidadebrasil.org.br/libras/ Acesso em: 17/08/2016
Em concordância com Quadros e Karnopp (2004, p. 93), isso ocorre
graças ao seguinte:
Um aspecto específico da modalidade do léxico da língua de sinais é o sistema separado de construções com classificadores que participam densamente na formação de novas palavras. Embora o termo classificador seja usado, estas construções diferem das línguas orais, e aspectos de sua construção são extremamente influenciados pela modalidade visual-espacial. (QUADROS E KARNOPP, idem, ibidem)
35
Flexão
Partindo dos estudos da língua de sinais americana (ASL), vários
processos de flexão foram identificados pelos trabalhos de Klima e Bellugi
(1979, apud Quadros e Karnopp, 2007, p. 111) Em consonância com as
autoras (idem, ibidem), existe uma lista que apresenta algumas dessas flexões:
Pessoa (deixis8): flexão que muda as referências pessoais do verbo. Número: flexão que indica o singular, o dual, o trial e o múltiplo. Grau: apresenta distinções para „menor‟, „mais próximo‟, „muito‟, etc. Modo: apresenta distinções, tais como os graus de facilidade. Reciprocidade: indica relação ou ação mútua. Foco temporal: indica aspectos temporais, tais como „início‟, „aumento‟, „graduação‟, „progresso‟, „consequência‟, etc. Aspecto temporal: indica distinções de tempo, tais como „há muito tempo‟, „por muito tempo‟, „regularmente‟(...) Aspecto distributivo: indica distinções, tais como „cada‟, „alguns especificados‟, „alguns não especificados‟, „para todos‟, etc. (idem, p.111 e 112)
Verbos
Quadros e Karnopp (idem, p. 116) dividem os verbos em quatro classes,
Campelo9 (2011, p 99) nos apresentam essa divisão de forma bastante
didática:
Verbos simples: podem ser feitos em um espaço neutro ou espacial;
entretanto, a maioria tem a sua formação em pontos de locação no corpo;
alguns apresentam flexão de aspecto, mas boa parte dos verbos simples “não
se flexiona em pessoa e número e não incorpora afixos locativos” CAMPELO
(idem, ibidem).
Verbos com concordância: semelhantes aos verbos simples, também
não incorporam afixos locativos; contudo, flexionam-se em pessoa, número e
aspecto.
8 Quadros e Karnopp (2004, p.112) explicam que o termo grego Deixis significa “apontar”ou indicar”. No
caso da libras a função dêitica é feita através da apontação explícita propriamente dita. 9 Não somente nesse item, mas em outros recorreremos a essa autora, muito embora saibamos que sua
área de atuação está ligada à educação mais especificamente. O motivo de nossa escolha está no material elaborado pela Uniasselvi e que a traz como autora, pois ele apresenta uma natureza que para nós parece bastante didática e elucidativa.
36
Verbos espaciais: difere-se dos dois anteriores, pois, enquanto aqueles
não possuem afixos locativos, esses têm afixos locativos.
Verbos classificadores, verbos manuais ou descrição imagética:
conforme Campelo (idem, p.103), “os verbos, os objetos e as pessoas são
incorporados durante a ação”. Será a configuração de mãos que servirá como
classificador.
Diretamente relacionada com a flexão de número nos verbos que
exigem concordância, a incluir os espaciais, a marcação de aspecto distributivo
tem a seguinte apresentação, segundo Quadros e Karnopp (2004, p.120):
a) Exaustiva – a ação é repetida exaustivamente. b) Distributiva específica – ação de distribuição para referentes específicos. c) Distributiva não-específica – ação de distribuição para referentes indeterminados.
Descrição imagética10
No conto grego, em que os personagens apaixonados Píramo e Tisbe,
eram privados de se encontrar por seus pais, o único meio de comunicação
eram gestos, sinais e algumas palavras. Há um momento em que Píramo diz a
Tisbe: “Vejo uma voz”, eis que, dessa inspiração, surgiu o título da obra de
Sacks (1998) Vendo Vozes. Ao longo dela, descobre-se que, afora vozes, tais
línguas informam pensamentos concretizados em palavras sinalizadas,
sentimentos e comportamentos, além de transmitirem cultura de forma natural
e plena entre seus falantes, o que justifica sobremaneira o título a partir do
conto grego.
Campelo (2011, p. 104) já afirmou que o ato de ver é “um instrumento de
medida para as observações das formas que transportam a imagem
apreendida no espaço”. Ver é ler, compreender, relacionar, compreender,
comunicar. Há um desenvolvimento nas línguas de sinais, assim como nas
línguas orais, que não ocorre de maneira automática nem “se compõe apenas
10 Sobre descrição imagética, encontramos em um caderno de estudo formulado pelo grupo
Uniasselvi, cuja autora vem nos dados catalográficos sendo Campelo (2011). Para falar sobre o assunto,
a autora baseia-se em CUXAC (2001)
37
de funções biológicas, mas também de origem social e histórica”, segundo
Sacks (1998, p. 11). Acrescentemos, no aspecto social, o mundo que circunda
o surdo e do que ele é composto.
Muitas vezes, a metáfora, a comparação, a poesia e a arte são
incorporadas não só às expressões faladas, escritas e gestuais. Também estão
na pintura, no desenho, na música, no cinema e na literatura. É nesse
dinamismo que surgem sinais em que “a iconicidade, a corporeidade, as
representações relevantes da imagética, a analogia (...)” aparecem como
instrumentos imprescindíveis para as línguas de sinais, de acordo com
Campelo (2011, p. 104). Entre alguns exemplos apresentados pela estudiosa,
estão termos como cavalgar, cujo sinal é representado como se uma pessoa
estivesse segurando o arreio de um cavalo em movimento; bola, feita com as
mãos em um formato de circunferência; e urso, vocábulo representado por um
composto cuja composição se dá pelas mãos, que indicam as orelhas do
animal; e, na sequência, pelos braços arcados, gesto que simboliza a robustez
do urso.
Figura 11– Sinal: Urso Fonte: Disponível em: http://www.acessibilidadebrasil.org.br/libras/ Acesso em: 17/08/2016
Ainda na morfologia, são destacadas dimensões dotadas de alguma
informação semântica, como ressaltam Quadros e Karnopp (2004, p.122, 123 e
124). Trata-se da flexão incessante. Nela, a realização do sinal ocorre
continuamente toda vez que o movimento é executado para enfatizar. Na
flexão ininterrupta, semelhante à flexão incessante, o movimento pode ser o
mesmo. Só que mais lento. Expressões não-manuais auxiliarão a decodificar o
que se quer exatamente. Já a flexão habitual seria aquela com um movimento
que se desenrola de maneira mais recorrente. Na flexão contínua, “a ação
apresenta recorrência sistemática”. Quadros e Karnopp (idem, ibidem)
apresentam, como exemplo, o verbo gastar combinado com o movimento que
indica maior (gastar mais). Na flexão duracional, existe um caráter permanente
e consecutivo (gastar continuamente).
38
Estarão incorporadas, combinadas ou associadas às línguas de sinais
outras dimensões que podem variar minimamente. Elas são importantes nos
aspectos semânticos, como direção, usada para fazer indicações; velocidade e
tensão, empregadas para dar ênfase; tamanho, como no exemplo do urso
citado anteriormente; e ciclicidade e duplicação das mãos; este caso pode ser
elucidado por meio da palavra vergonha, que, ao ser executada com uma das
mãos ao lado do rosto, pode ter seu grau ampliado; se movimentada
circularmente, terá certa ênfase e, se demonstrada com as duas mãos,
potencializará o efeito da vergonha.
Figura 12– Sinal: Vergonha (feita com apenas uma mão) Fonte: Disponível em:
http://www.acessibilidadebrasil.org.br/libras/ Acesso em: 17/08/2016
Quadros e Karnopp (idem, p. 126) afirmam que os estudos morfológicos
da língua de sinais são escassos, que possivelmente há solo fértil a ser
explorado, pois, além de valorizar a língua em questão, fortalecerá o que Sacks
(1998, p. 86) chamou de inigualável liberdade da língua imposta pelas
restrições gramaticais: “É a gramática, antes de mais nada, que possibilita a
língua, que nos permite articular nosso pensamento, nosso eu, em elocuções”.
Por meio da língua, há uma vastidão de possibilidades que, por exemplo, foram
percebidas pelos Jesuítas quando aportaram em solo brasileiro no período
colonial, um dos primeiros empreendimentos foi não só aprender a língua dos
índios, mas desenvolver uma gramática para uma língua ágrafa, uma língua
que carregava desde os valores culturais até um simples instrumento
comunicativo.
Portanto, procuraremos compreender, a seguir, um pouco da sintaxe das
línguas de sinais, processo sobre o qual Quadros e Karnopp (2006, p. 126)
fazem questão de afirmar:
Analisar alguns aspectos da sintaxe de uma língua de sinais requer “enxergar” esse sistema que é visuoespacial e não oral-auditivo. De certa forma, tal desafio apresenta certo grau de
39
dificuldade aos linguistas; no entanto, abre portas para investigações no campo da teoria da gramática enquanto manifestação possível da capacidade da linguagem humana. A organização espacial dessa língua (...) apresenta possibilidades de estabelecimento de relações gramaticais no espaço, através de diferentes formas” (QUADROS E KARNOPP, idem, p. 127)
1.2.3 Sintaxe
Quadros e Karnopp (idem, ibidem) nomeiam a sintaxe na libras de
sintaxe espacial e dizem que tal organização é tão complexa quanto a das
línguas orais-auditivas. Explicam que os sinais são realizados no espaço e que
o “estabelecimento nominal e o uso do sistema pronominal” são
imprescindíveis para o encadeamento estrutural da sentença.
Para as autoras (idem, ibidem), a referência está diretamente ligada a
um local que pode ser usado “por meio de vários mecanismos espaciais”: sinal
feito em um local particular (por exemplo, o sinal de casa, que pode estar
associado a um referente, é feito na direção de quem pertence a casa ou de
onde está localizada), com a cabeça, os olhos ou o corpo, para direcionar a
uma localização combinada com o sinal de um substantivo, chamado por
Quadros e Karnopp (idem, p. 128) de “apontação ostensiva”. Esse movimento
é feito antecipadamente ao sinal de um referente específico. Por exemplo: com
o dedo indicador, aponta-se para determinado lugar e, na sequência, faz-se o
sinal de casa; isso poderia ser traduzido como “aquela casa”. Um pronome
também pode ser feito em um movimento ostensivo em direção a uma
referência óbvia pelo uso do classificador “que representa aquele referente em
uma localização particular” ou pelo emprego de verbos direcionais (ou de
concordância). Isto é, são incorporados aos referentes que já foram
previamente realizados.
Figura 13– Sinal: Aquele (a) Fonte: Disponível em: http://www.ines.gov.br/dicionario-de-libras/main_site/libras.htm
.Acesso em: 17/08/2016
40
Os referentes, que são indicados pelos sinalizadores, podem estar
fisicamente presentes ou não, Quadros e Karnopp ( idem, p. 130) explicam
que:
Depois de serem introduzidos no espaço, os pontos específicos podem ser referidos posteriormente no discurso. Quando os referentes estão presentes, os pontos no espaço são estabelecidos baseados na posição real ocupada pelo referente. (QUADROS E KARNOPP, idem, ibidem)
Quanto aos referentes, Campelo (2011, p. 114), ao discutir sobre os
presentes, os não-presentes (ausentes), menciona os anafóricos e referentes
pronominais. A estudiosa afirma que, no caso dos referentes ausentes haverá
um local já convencionado, cuja apontação será direcionada. Poderá indicar
pessoas, lugares, objetos em uma direção horizontal ou vertical; frontal, ao lado
do corpo ou paralelo ao sinalizador. Possivelmente haverá entre os
interlocutores o compartilhamento sobre o assunto tratado. Apontado como
uma referência nominal, o referente anafórico será chamado de “correferente”.
Campelo ( idem, p. 115) afirma que:
(...) requer que o sinalizante aponte (olhe ou gire o corpo) para um local estabelecido uma vez e depois volte a apontar duas ou três vezes, depois de outro lugar estabelecido, referindo-se àquele nominal, dependendo do discurso e do contexto introduzido. (CAMPELO, idem, ibidem)
Já os referentes pronominais estarão dispostos em pontos no espaço,
mas não de forma aleatória, uma vez que há, segundo Campelo (idem, p.117),
“certas regras na seleção do local”. Elas serão estabelecidas conforme a
presença ou não do referente. Se o referente estiver presente, no momento do
discurso, o sinalizante conectará o local em que este se encontra diretamente
ao sinal no espaço. Entretanto, se o referente estiver ausente, os pontos serão
arbitrários. Dessa forma, de acordo com Campelo (idem, ibidem), “podem
indicar ou apontar os referentes descritos que não têm nada a ver com os
outros referentes ou para falar alguma coisa”. Assim:
Os pontos no espaço neutro em relação à localização “real” dos referentes dependem sempre da perspectiva de quem está produzindo e vendo os sinais de forma
41
“imaginária”, porém real no discurso. (CAMPELO, idem, ibidem)
A ordem básica da frase
Rodrigues e Souza (2012)11 puderam, a partir de um estudo que, entre
outros aspectos, envolvia a sintaxe da libras, compreender que o corpus
escolhido para a pesquisa12, músicas traduzidas, tratava-se de português
sinalizado e não libras, pois a organização das palavras nas línguas de sinais,
assim como em outras línguas, obedece a uma ordem mais dominante.
Quando o material foi observado, um dos aspectos que não eram
contemplados era, justamente a sintaxe da libras, os sinais até podiam
corresponder em sua formação morfológica, entretanto eram posicionados
exatamente como eram pronunciados na letra da música em português,
transformando-se, portanto do chamado português sinalizado.
De acordo com Quadros e Karnopp (2006, p.139), assim como a ASL,
que possui muitas formas de ordenação, a mais básica é a de Sujeito-verbo-
objeto (SVO). Tal ordenação pode estar tanto nas orações mais simples quanto
nas mais complexas, como as subordinadas em interação com advérbios,
modais e auxiliares. As ordens SOV e OSV, assim como as SVO, serão,
segundo as autoras, chamadas de construções gramaticais e só ocorrerão
quando houver “um algo a mais” na sentença, tais como as marcas não-
manuais e concordância. Se forem desprovidas dessas duas peculiaridades,
elas serão chamadas de construções agramaticais.
Entre as marcas não-manuais, estão as expressões faciais, que podem
apresentar-se para expressar afetuosidade e podem aparecer com efeito
gramatical tanto no morfológico quanto no sintático. No que tange aos aspectos
sintáticos, as expressões faciais permitirão construções nas formas
interrogativas, afirmativas, exclamativas e negativas, complementando o
discurso por meio de movimentos de cabeça e até mesmo do resto do corpo.
Como na língua portuguesa, em que ocorre a ordem inversa, a posição
dos advérbios e locuções adverbiais pode variar. Na libras, os advérbios
11
A escolha em mencionar o estudo feito do português sinalizado se deve, não somente por ter uma relação significativa com a questão da sintaxe, mas também, para valorizar nossa pesquisa, que muitas vezes fica postergada em um emaranhado de títulos disponíveis na internet. 12
Os materiais escolhidos foram músicas publicadas na internet, que eram apresentadas por ouvintes e eram classificadas como uma possível tradução do português para libras.
42
temporais podem vir antes ou depois da oração e os advérbios de frequência,
antes ou depois do complemento verbal. “Os advérbios temporais e de
frequência, porém, não podem interromper uma relação entre o verbo e o
objeto”, o que corrobora os estudos que afirmam que a ordem mais básica na
língua de sinais é a SVO, como mostram Quadros e Karnopp (2004, p. 143).
Topicalização
Embora haja essa tendência básica sobre a formação de frases na
libras, é sabido que existe uma flexibilidade de formação. Em conformidade
com Quadros e Karnopp (idem, p.146), a topicalização tem papel considerável
nessa flexibilidade. Tal processo está diretamente relacionado com “a
marcação não-manual com elevação das sobrancelhas”. Assim:
A marca de tópico associada ao sinal topicalizado é seguida por outras marcas não-manuais, de acordo com o tipo de construção. Ou seja, pode ser seguido por uma marca não-manual de foco (se a sentença for focalizada), de negação (se for negativa), interrogativa (se for interrogativa). (QUADROS E KARNOPP, idem, ibidem)
Basicamente, a topicalização será a forma que o sinalizante encontrará
para hierarquizar, por exemplo, frases interrogativas. Um exemplo apresentado
por Quadros e Karnopp (idem, p.148) é a formação da frase “cadê a bola de
futebol?”. Na libras, fica assim: BOLA FUTEBOL CADÊ? A marcação não-
manual, feita com expressão facial de dúvida, será combinada com “CADÊ”. O
substantivo em questão surge no início da frase, uma vez que é o objeto
principal do discurso.
Figura 14– Sinal: Cadê? Fonte: Disponível em: http://www.ines.gov.br/dicionario-de-libras/main_site/libras.htm .Acesso
em: 17/08/2016
Outra situação em que os tópicos podem surgir, evidenciando objetos ou
sujeitos de uma oração, é quando há intenções argumentativas. A fim de
elucidar, as estudiosas (idem, p.148) apresentam o seguinte enunciado:
43
“FRANÇA EU VOU”. Haverá na ilustração uma combinação de uma marcação
não-manual (erguer de sobrancelhas) junto ao termo FRANÇA que conferirá a
este uma posição de tópico. Caso a ênfase queira ser dada no sujeito e objeto
ficaria EUFRANÇA VOU.
É possível que haja uma relação semântica entre o tópico e o argumento
dentro da oração. Um termo que aparece no início da oração e é retomado de
forma menos genérica. Por exemplo: ANIMAIS, EU GOSTO GATO, Quadros e
Karnopp, (idem, ibidem) explicam que, nesse caso, o tópico foi gerado na base
e teve uma relação semântica com o desfecho do enunciado. As estudiosas
(idem, p.150) mencionam que outro recurso bastante usual na libras é a
repetição literal do tópico gerado na base. Exemplo: ANIMAIS EU GOSTO
MUITO ANIMAIS. Arrematam o tema topicalização da seguinte forma: a partir
da estrutura básica SVO, é possível ter as ordenações SOB, OSV, OSVO e
SSVO.
Construção com foco
Outro exemplo que pode alterar a ordem básica da libras ocorre por
meio da construção feita com foco, que também é elaborada com elementos
duplicados. O objetivo é enfatizar o constituinte, "mas diferentemente da ênfase
dada aos tópicos” (QUADROS E KARNOPP, idem, p. 152). A ordem SOV
ocorre frequentemente quando a construção com foco é realizada com verbos
sem concordância duplos. A fim de exemplificar esse tipo de construção, as
autoras (idem, ibidem) usam, como exemplo, o enunciado EU (PERDER)
LIVRO PERDER. É possível observar a duplicação do termo perder, formando
a sequência SVOV, em que o segundo verbo é combinado com marcações
não-manuais e serve para dar foco ao ato ocorrido.
Há outras situações em que a ordem da frase é modificada, como
quando ocorre uma supervalorização do objeto por meio de uma concordância
verbal. Dessa forma, é possível ter a construção SOV. Existe uma construção
que permite omitir tanto o sujeito quanto o objeto quando existem verbos que
fazem concordância, como o verbo dar, cujo movimento e cuja combinação de
marcações não-manuais já informam o que e a quem. Já a ordem VOS pode
ocorrer quando existe um foco contrastivo. Outras situações em que o foco
44
ocorre habitualmente acontecem nas construções interrogativas, negativas e
adverbiais.
Verbos
Já mencionados anteriormente, quando tratamos dos aspectos
morfológicos, os retomaremos nesse ponto de nosso estudo, pois são
influentes nos aspectos sintáticos. Os verbos com concordância e sem
concordância fazem parte dos dois principais grupos de verbos na língua dos
surdos brasileiros. No intuito de elucidar sobre tema, Quadros e Karnopp (idem,
p. 156) explicam:
Os primeiros são aqueles que exigem argumentos explícitos, uma vez que não há marca alguma no verbo com os argumentos da frase (TER, FALAR, AMAR, CONHECER). Por outro lado, os verbos com concordância estão associados a marcações não-manuais e ao movimento direcional (DIZER, ENTREGAR, AJUDAR, REMETER). ( QUADROS E KARNOPP, idem, ibidem)
As principais diferenças observadas acerca desses dois grupos de
verbos são que os verbos com concordância13 apresentam maior liberdade em
sua ordenação se comparados aos verbos sem concordância que, por sua vez
têm em sua estrutura, a flexibilidade de uso no que diz respeito às marcações
não-manuais, uma vez que para os verbos com concordância essas marcações
são obrigatórias.
A seguir procuraremos elucidar apresentando imagens extraídas do
youtube de alguns verbos. Iniciaremos com exemplos de três verbos sem
concordância:
Figura 15– Sinais: Desculpar, arrepender e ajoelhar. Fonte: Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=XGE7r6GdKG4 . Acesso em: 11/01/2017
13
Há estudos que explicam que tais verbos, intitulados de verbos com concordância, podem ser subdivididos em subgrupos: verbos com concordância única, verbos com concordância dupla regular e verbos com concordância dupla reversa. Nesse estuda, não nos aprofundaremos nessas especificidades devido ao foco que pretendemos direcionar nossa pesquisa.
45
Na sequência exemplificaremos com três verbos com
concordância:
Figura 16– Sinais: Avisar, perguntar e zombar. Fonte: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=euLA-m1nsAo
. Acesso em: 11/01/2017
Quadros e Karnopp (idem, p.161) dizem que a distribuição delas, as
marcações, na frase ocorrerá de modo diferenciado entre verbos com e sem
concordância. Há regras que são obedecidas sobre a negação, que,
basicamente, se resumem a verbos sem concordância não precedem a
negação e “verbo com concordância favorece uma sentença boa, mas, com um
verbo sem concordância, a sentença será boa somente com auxiliar”, afirmam
Quadros e Karnopp (idem, 162).
A seguir, procuraremos elucidar com um exemplo utilizando o verbo
GOSTAR, trata-se de um verbo, que no enunciado a seguir apresenta-se sem
concordância e que exige, portanto da presença de um auxiliar argumentativo a
fim de indicar negação:
46
Figura 17– Sinal: GOSTAR-NÃO Fonte: Disponível em: http://pt.slideshare.net/LiseteLima/lingua-brasileira-de-sinais-
libras-aula-7 .Acesso em: 11/01/2017
Conforme as pesquisadoras na libras é um recurso relevante para que
haja concordância. É marcado pelo movimento de um ponto a outro, pois,
dessa forma, ligam-se sujeito e objeto do discurso, como mostrado no exemplo
anterior (figura 16). É sinalizado com os verbos sem concordância, auxiliando
na argumentação e na compensação dessa falta de concordância. O auxiliar
será requisitado nas ordenações que fugirem das ordenações básicas de SVO.
Há ainda os chamados verbos manuais, cuja configuração se faz a partir
da representação de segurar um objeto com a mão. Tais verbos habitualmente
finalizam uma sentença, segundo Quadros e Karnopp (idem, p.204 e 205).
Esses elementos sintáticos observados são alguns dos que compõem os
estudos sobre a libras. Quadros e Karnopp (2004) basearam-se, entre outros
estudos, na pesquisa de Liddell (1995), que, por sua vez, procedeu a um
levantamento sintático comparativo entre a língua de sinais americana e o
inglês, focando sobremaneira nos verbos.
As observações apresentadas neste capítulo procuraram elencar alguns
elementos que são usados pelos pesquisadores a fim de legitimar a língua de
sinais como língua, sobretudo no que é proposto pela linguística.
Segundo Quadros e Karnopp (idem, p. 214), faz-se pertinente o estudo
que contemple tanto as diferenças quanto as similaridades entre as línguas de
sinais e as línguas orais. As estudiosas (idem, ibidem) encontram em Hulst
(1985) uma afirmação que corrobora o fato inicial de nosso estudo, pois,
segundo o pesquisador, estudar as línguas de sinais é considerar os princípios
47
universais que são aplicados às línguas faladas, princípios esses que regem as
línguas humanas. Nesse sentido, delimitando os princípios que especulam
sobre o que é texto – não nesta pesquisa, que se debruça sobre a libras, mas
nas demais, como as que focam a linguística textual –, percebemos que existe
um hiato a ser investigado, uma vez que os sinais, por exemplo, não foram
contemplados na definição mais básica do que vem a ser texto.
Convidamos o leitor, no próximo capítulo, a nos acompanhar rumo ao
universo da linguística textual.
48
II – O TEXTO SEGUNDO A LINGUÍSTICA TEXTUAL
49
Neste capítulo, almejamos sondar o texto segundo a linguística textual.
Já estamos cientes, posto o que foi resenhado no capítulo I, da legitimidade
que assevera ser a libras uma língua institucionalmente reconhecida, dotada de
organização gramatical e de préstimo impreterível para a comunidade surda.
Pretendemos, ao longo deste estudo, verificar se essa língua também
pode ser examinada como texto. Eis, portanto, a nossa justificativa em
conhecer o que a linguística textual define como texto.
Bagno (2014, p. 61) afirma que a “linguística é a ciência que estuda a
linguagem humana em geral e as línguas humanas particulares”. Explica que
as línguas se aproximam em semelhanças, uma vez que estão inerentes à
necessidade da espécie humana em se comunicar. Mas são dotadas de
particularidades específicas que correspondem aos diferentes contextos em
que vivem os grupos de humanos, que variam desde os distintos ambientes,
climas, recursos naturais até os aspectos de formação cultural e ideológica de
cada comunidade.
Sobre o que a linguística quer descobrir e explicar, Bagno (idem, ibidem)
declara ser “aquilo que cada falante sabe, mas não sabe que sabe”. Pois,
segundo o autor (idem, ibidem), o falante tem um conhecimento amplo e
profundo da sua própria língua, que está enraizada em cada um de forma
cognitiva. Mas tal conhecimento se ocorre de maneira intuitiva e inconsciente.
A linguística buscará observar a língua (ou as línguas) valendo-se de
procedimentos que as ciências usam de modo geral, como a investigação de
seu objeto sob a égide de princípios teóricos, metodologias que conduzem à
verificação, à experimentação e à constatação, entre outros elementos, de
maneira mais inclinada a um proceder empírico.
O que, neste início de capítulo, queremos ressaltar é o que a linguística
considera para as línguas em geral:
Que nenhuma língua é intrinsecamente melhor ou pior do que outra, uma vez que todo sistema linguístico é capaz de expressar adequadamente a cultura do povo que a fala. Desse modo, uma língua indígena, por exemplo, não é inferior a língua de povos considerados “mais desenvolvidos”, como o português, o inglês ou o francês. Além disso, a linguística respeita qualquer variação que uma língua apresente, independentemente da região e do grupo social que a utilize. Isso porque é natural que toda língua apresente variações – de pronúncia (...), de vocabulário, ou de sintaxe (...) – que manifestam níveis
50
semelhantes de complexidade estrutural e funcional. Desse modo, ao observar essas variedades da língua, os linguistas reconhecem sua relação com diferentes regiões do país, grupos sociais, etários e assim por diante. (CUNHA, COSTA E MARTELOTTA, 2015, p. 16 e 17)
Já é sabido que, graças aos estudos linguísticos, a libras foi reconhecida
como língua. Neste levantamento, almejamos descobrir se a língua dos surdos
brasileiros é texto. Reportar-nos-emos, portanto, à linguística textual, uma vez
que esta:
Postula que qualquer manifestação linguística discursiva se concretiza na forma de um texto e que, por isso, é necessário estudar os elementos que fazem um texto ser o que é, os chamados fatores de textualidade (coesão, coerência, informatividade, situcionalidade, aceitabilidade, intencionalidade, intertextualidade, por exemplo). Mais recentemente a linguística textual passou também a se interessar pelos processamentos cognitivos da língua, que exigem uma análise atenta de fatores extratextuais, contextuais etc. (BAGNO, 2014, p.66)
Em seu artigo intitulado Linguística Textual: Quo Vadis, Koch (2001, p.
11), ao discutir o futuro da linguística textual no que diz respeito ao
desenvolvimento das ciências humanas, propõe, em um primeiro momento,
compreender o que é o texto e como ele é considerado dentro da perspectiva
da Linguística Textual. Ela (idem, ibidem) admite que há diferentes tratamento
com relação ao tema.
Textus, termo latino que significa tecido, peça construída pelo
entrelaçamento de várias partes. Para Fávero e Koch (1983, p. 25 apud Fávero
2009, p. 7) o termo texto pode, inicialmente, assumir duas acepções:
Texto em sentido amplo, designando toda e qualquer manifestação da capacidade textual do ser humano (uma música, um filme, uma escultura, um poema etc.), e, em se tratando de linguagem verbal, temos o discurso, atividade comunicativa de um sujeito, numa situação de comunicação dada, englobando o conjunto de enunciados produzidos pelo locutor (ou pelo locutor e interlocutor, no caso dos diálogos) e o evento de sua enunciação (Fávero e Koch, 1983, p. 25, apud Fávero (idem)
A acepção de texto como linguagem verbal, acabou por ser a
responsável em conceder à linguística textual um caráter de ciência. Pôde-se,
portanto, ter, partindo do texto, um objeto de estudo que, ao longo do tempo,
51
iniciando-se na década de 1960, precisou ser revisto, pois, como explica Koch
(2001, p. 11), os conceitos de texto apresentaram falhas de ordem conceitual.
Segundo a estudiosa ( idem, p. 12), tivemos como conceito:
1. texto como frase complexa (fundamentação gramatical) 2. texto como expansão tematicamente centrada de macroestruturas (fundamentação semântica) 3. texto como signo complexo (fundamentação semiótica) 4. texto como ato de fala complexo (fundamentação pragmática) 5. texto como discurso “congelado”– produto acabado de uma ação discursiva (fundamentação discursivo-pragmática) 6. texto como meio específico de realização da comunicação verbal (fundamentação comunicativa) 7. texto como verbalização de operações e processos cognitivos (fundamentação cognitivista). (KOCH, idem, ibidem)
Segundo a pesquisadora (idem, ibidem), o conceito de texto influenciou,
de forma contundente, a ótica direcionada à própria linguística textual na época
de seu surgimento. A análise transfrástica ou a construção gramatical do texto
vinculada à coesão e coerência eram elementos considerados importantes a
serem estudados. A partir da década de 1970, ocorre uma ampliação do estudo
da frase para o texto. É concebida, afinal, a ideia de que diversos fenômenos
só poderiam ser explicados diante do contexto global do texto.
Quando a coerência foi ampliada em conceituação “para uma
perspectiva pragmático-enunciativa”, isso que outrora fora considerado apenas
uma qualidade do texto, tornou-se um aspecto de construção cujos
protagonistas são o texto e seus usuários, no que Koch (idem, ibidem) afirma
ser resultante “da atuação de uma complexa rede de fatores, de ordem
linguística, sociocognitiva e interacional”.
A partir de tais progressos conceituais, sempre considerando o que cada
fase de estudo propôs para a definição de texto, Koch (1997, p. 22) assim o
apresenta:
O texto pode ser concebido como resultado parcial da nossa atividade comunicativa, a qual compreende processos, operações e estratégias que têm lugar na mente humana, e que são postos em ação em situações concretas de interação social. (KOCH, idem, ibidem)
52
Dessa forma, a autora (idem, ibidem) afirma que “a produção textual é
uma atividade verbal” utilizada para fins sociais em diversas atividades. O texto
é produzido mediante a consciência, a criatividade e a busca por estratégias na
formação de sentido. Portanto, estará conectado a um acordo. A sua regra
principal é estabelecer, com os envolvidos, uma comunicação, um
entendimento sobre determinado enunciado em que tenha, como agentes, o
que ela nomeia de “parceiros da comunicação”. Assim, Koch (idem, ibidem)
afirma:
Podemos dizer, numa primeira aproximação, que textos são resultados da atividade verbal de indivíduos socialmente atuantes, na qual estes coordenam suas ações no intuito de alcançar um fim social, em conformidade com as condições sob as quais a atividade verbal se realiza. Poder-se-ia, assim, conceituar o texto como uma manifestação verbal constituída de elementos linguísticos, intencionalmente selecionados e ordenados em sequência, durante a atividade verbal, de modo a permitir aos parceiros, na interação não apenas a depreensão de conteúdos semânticos, em decorrência da ativação de processos e estratégias de ordem cognitiva, como também a interação (ou atuação) de acordo com práticas socioculturais. (KOCH, idem, ibidem)
Ao definir texto sob a perspectiva da linguística textual, Marcuschi (1983,
p.12) também chama a atenção para o fato de que aquele pode ser observado
por meio de uma “organização linear”. Neste aspecto, a coesão é fator
determinante na sua construção. Todavia, há que se considerar também o que
ele nomeia de “organização reticulada ou tentacular” em uma ótica não-linear,
portanto no que diz respeito aos “níveis de sentido e intenções que realizam a
coerência nos aspectos semântico e pragmático. ”
Podemos exemplificar tal afirmação, observando, por exemplo, o texto
de Mário de Andrade (1963) intitulado “Meu engraxate”. Temos pelo narrador, a
princípio, a revelação de um pesar, uma comoção, uma vez que seu engraxate
encontra-se ausente. Inicialmente, poder-se-ia supor que há entre o narrador e
seu engraxate uma relação afetiva, um vínculo de amizade. Porém, em
meados do texto, surge outro menino que, pela ótica do narrador, poderia
substituir o primeiro. É no momento final, que o texto revela ao leitor que a falta
do primeiro engraxate só se fazia pelo seu trabalho e não por qualquer vínculo
com o freguês-narrador. A estratégia da obra está na construção lírica que se
53
mostra, inicialmente, exacerbada com relação ao engraxate ausente, mas que
progride para total frieza e pragmatismo. Marcuschi (1983, apud Fávero, 2009,
p. 12) pondera:
(...) O texto deve ser visto como uma sequência de atos da linguagem (escritos ou falados) e não uma sequência de frases de algum modo coesas. Com isto, entram, na análise geral do texto, tanto as condições gerais dos indivíduos como os contextos institucionais de produção e recepção, uma vez que eles são responsáveis pelos processos de formação de sentido comprometidos com processos sociais e configurações ideológicas. (MARCUSCHI, idem, ibidem)
2.1 Critérios14 de textualidade
No que tange aos critérios de textualidade, procuraremos respaldo em
estudiosos como Fávero (2009), uma vez que essa estudiosa tem profunda
investigação acerca de coesão e coerência, além dos outros critérios de
textualidade e Koch e Elias (2013), pois além de se servirem de tais estudos
para esmiuçar os conceitos sobre texto, apresentam um material bastante
acessível e pedagógico, assim como demais autores selecionados
Maingueneau (2008), por exemplo, uma vez que apresenta estudos sobre
contextualização de forma persuasiva.
A respeito da manifestação do discurso, Fávero (2009, p. 7) diz que,
linguisticamente falando, é pelo texto que ele se concretiza de forma falada ou
escrita. É composto por elementos próprios da textualidade, que incluem
fatores linguísticos, como coesão, coerência e intertextualidade; e elementos
extralinguísticos, como contextualização, intencionalidade, informatividade e
aceitabilidade.
2.1.1 Contextualização
Maingueneau (2008, p.19) exemplifica a questão da contextualização de
maneira didática. Com foco na análise de um enunciado como fruto do
14
Existem muitas discussões sobre a nomenclatura, alguns autores chamam de critérios de textualidade, outros nomeiam de elementos de textualidade e há ainda os que chamam de fatores de textualidade. Adotaremos para nossa pesquisa o termo critérios de textualidade, por ter encontrado nos autores selecionados tal nomenclatura que ao que tudo indica baseiam-se em Beaugrande e Dressler (1981)
54
discurso, o autor (idem, ibidem) afirma que outrora o texto era reconhecido por
desempenhar um papel periférico, porque os participantes de um enunciado já
compartilhariam o conhecimento do léxico e da gramática de uma língua em
comum. Ele (idem, ibidem) explica, entretanto, que a reflexão contemporânea
já não posiciona a contextualização como satélite na construção de sentido, ou
seja, “conteria um sentido parcialmente indeterminado que o destinatário
precisaria apenas especificar” (MAINGUENEAU, idem, ibidem).
Conforme Koch e Elias (2013, p. 59-61), a concepção de contexto
passou por vários momentos em relação à pesquisa. Percorreu da análise
transfrástica até chegar ao contexto sociocognitivo, que defende a concepção
de que, “para que duas ou mais pessoas possam compreender-se
mutuamente, é preciso que seus contextos sociocognitivos sejam, pelo menos,
parcialmente semelhantes” (KOCH E ELIAS, idem, ibidem).
Em suma, as pesquisadoras (idem, ibidem) adotam, para exemplificar o
contexto, a imagem de um iceberg, o qual é dividido por duas partes, a
pequena, localizada na superfície da água (parte explícita) e a maior parte
submersa (parte implícita). Afirmam (idem, ibidem) que o contexto seria todo o
iceberg, tanto a parte de cima quanto a debaixo, pois somente o todo será
capaz de contribuir na construção de sentido.
No que diz respeito à contextualização na escrita, as autoras (idem, p.
71) explicam que ocorre de forma diferente da fala, cuja interação ocorre face a
face. Assim:
O sentido de um texto, qualquer que seja a situação comunicativa, não depende, como já foi dito, apenas da estrutura textual em si mesma. Os objetos de discurso a que o texto faz referência são apresentados em grande parte de forma incompleta, permanecendo muita coisa implícita. (KOCH E ELIAS, idem, ibidem)
As autoras (idem, ibidem) falam do chamado Princípio da Economia em
que o produtor do enunciado levantará hipóteses acerca do leitor/ouvinte de
seu texto. Conhecimentos textuais e enciclopédicos serão supostamente
ativados de forma a garantir o entendimento do enunciado em questão. É
chamado de princípio da economia, pois o produtor do texto não acrescenta
todas as informações em seu texto, já que pode torná-lo redundante e
55
cansativo. Imagina-se que o interlocutor construirá o sentido usando, por
exemplo, de inferências.
Finalmente, Koch e Elias (idem, p.73) encontram em Van Dijk (1997) a
seguinte definição para contexto: “O conjunto de todas as propriedades da
situação social que são sistematicamente relevantes para a produção,
compreensão ou funcionamento do discurso e de suas estruturas”.
2.1.2 Coesão e Coerência
Fávero (1983, p. 10), após realizar uma retrospectiva acerca dos
estudiosos que fizeram da coesão e coerência objeto de estudo, deteve-se em
Beaugrande e Dressler (1989) como ponto de partida, definindo-as assim:
A coesão, manifestada no nível microtextual, refere-se aos modos como os componentes do universo textual, isto é, as palavras que ouvimos ou vemos, estão ligados entre si dentro de uma sequência. A coerência, por sua vez, manifestada em grande parte macrotextualmente, refere-se aos modos como os componentes do universo textual, isto é, os conceitos e as relações subjacentes ao texto de superfície, se unem numa configuração, de maneira reciprocamente acessível e relevante. Assim a coerência é o resultado de processos cognitivos operantes entre os usuários e não mero traço dos textos. (FÁVERO, 1983, p. 10)
Para distinguir coesão de coerência, a pesquisadora (idem, ibidem)
elenca alguns fenômenos. O primeiro é o fato de a coesão “não ser condição
nem suficiente nem necessária para formar um texto” (FÁVERO, idem, ibidem).
Um único item lexical pode fazer parte de diferentes enunciados, sem
necessariamente conferir a eles um todo significativo.
Outro ponto que distingue a coesão da coerência, consoante Fávero
(idem, ibidem), é a possibilidade de haver textos desprovidos de coesão, mas
cuja construção de sentido pode ocorrer no nível da coerência.
A autora (idem, ibidem) elenca: 1 - “A retomada de elementos não é o
único meio para se constituírem relações interfrásticas. 2 - a coerência não
deve ser buscada unicamente na sucessão linear dos enunciados. 3 - a
coerência não é independente do contexto pragmático no qual o texto está
inserido” (FÁVERO, idem, p. 11-12).
56
Koch e Elias (2013, p.189) trouxeram, de Charolles (1983), a concepção
de que “a coerência é um princípio de interpretabilidade do discurso”. Ou seja,
leva-se em consideração a relação que há entre os interlocutores e o texto,
quando ocorrer a construção de sentido, o texto estará coerente. É neste
dinamismo que se considera que a coerência ocorre a partir de uma relação
sociocognitiva e interacional.
Ao referir-se à coesão do texto, Maingueneau (2008, p.195) já apresenta
como elementos constitutivos a anáfora e a catáfora. Segundo o autor, “a
primeira designa qualquer tipo de retomada de uma unidade de um texto” de
forma que o termo que retoma está posposto ao termo retomado. Já o oposto
acontece com a catáfora: “o termo que retoma precede o termo retomado”
(Maingueneau, idem, p.196).
2.1.3 Situacionalidade
Remontando aos conceitos de contexto, a situacionalidade diz respeito à
relevância e pertinência em que o texto é elaborado, de forma a situá-lo a um
contexto sociocomunicativo. Esse fator de textualidade determinará como será
a sua produção. Poderá ocorrer de duas maneiras, da situação para o texto e
do texto para a situação. No primeiro caso, o texto será adaptado para
corresponder com uma determinada situação, o grau de formalidade, o
emprego de termos e vocábulos e etc. No segundo caso, ocorrerá do leitor
para o texto, de forma que o conhecimento de mundo do leitor influenciará a
própria compreensão do texto.
2.1.4 Informatividade
Conforme Fávero (1985, p. 13), “todo texto contém pelo menos uma
informatividade”. O que diferenciará é o grau de previsibilidade que cada um
terá de informações, ou seja, em que medida forma e conteúdo serão
escolhidos. Essa seleção, em consonância com Santos (2002, p. 23), ocorre
assim:
(...) consciente ou inconscientemente, a quantidade e a qualidade das informações que oferecerá ao receptor.
57
Escolhe se colocará à disposição do receptor uma informação menos ou mais conhecida, ou absolutamente nova, ou ainda com maior ou menor riqueza de detalhes.
(SANTOS, idem, ibidem)
Santos (idem, ibidem) afirma que essas escolhas acontecerão em um
momento anterior à construção do texto, de forma que hipóteses e expectativas
são comuns de serem acessadas nessa fase da produção do texto. Fávero
(idem, p. 14) apresenta o que chama de “três ordens de informatividade”:
1ª ordem – no grau mais alto da escala de probabilidades; 2ª ordem – no grau mais baixo da escala de probabilidades; 3ª ordem – aparentemente fora do conjunto.
Sobre cada uma dessas ordens, apenas a segunda nos interessa, uma
vez que a primeira, segundo Fávero (idem, p.14) seria aquele nível de
informação bem básica, óbvia, como por exemplo, uma placa de trânsito
indicando PARE. A terceira ordem encaixa-se em um nível mais elevado de
construção o que exige uma leitura mais concentrada, pois “são
comparativamente infrequentes, requerem muita atenção e recurso de
processamento”, mas que segundo Fávero (idem, p.16) são consideradas mais
interessantes.
2.1.5 Intencionalidade
Visto como um propósito comunicativo, o autor utilizará estratégias de
convencimento, não somente para interagir com o leitor, mas também para
persuadi-lo. Segundo Almeida (2005, p. 25):
A intencionalidade tem estreita relação com a argumentatividade, pois na verdade todo texto tem a intenção de defender uma ideia; logo, a intencionalidade está embutida, subjacente ao texto, e interage com a aceitabilidade do leitor. (ALMEIDA, idem, ibidem)
58
2.1.6 Intertextualidade15
O conjunto de relações existentes entre os textos, seja na forma ou no
conteúdo, é chamado de intertextualidade. Koch e Elias (2013, p.77) afirmam
que a intertextualidade pode ocorrer de forma explícita ou de forma velada. De
forma direta ou indireta. Para avaliar a libras no terceiro capítulo desse estudo,
utilizaremos a seguinte afirmativa: “Todo dizer remete sempre a outro(s) dizer
(es) ou, como sustenta Bakhtin (1992), cada enunciado é um elo de cadeia
muito complexo de outros enunciados”.
A seguir, chegaremos, finalmente, ao capítulo que vai ao encontro do
objetivo geral de nossa pesquisa: verificar se além das modalidades orais e
escritas da língua, a libras, uma modalidade gestual-visual da língua, pode ser
contemplada com as teorias que circundam o universo do texto.
15
Maiores detalhes e exemplos, procuraremos explorar no capítulo de análise desse estudo.
59
III- TECENDO NOVOS FIOS: O TEXTO E A LÍNGUA BRASILEIRA DE
SINAIS
60
Neste capítulo, pretendemos apontar elementos textuais e de
textualidade na língua brasileira de sinais. Observamos que os conceitos que
exploram o texto, sobretudo na linguística textual, sempre o definem dentro das
modalidades orais e escritas da língua. Almejamos investigar, entretanto, se
tais concepções contemplam, similarmente, a língua brasileira de sinais, cuja
modalidade é gestual-visual.
Usaremos como apoio vídeos produzidos pelo canal youtube, pelos
motivos a seguir elencados: A simplicidade e acessibilidade que tais vídeos
ofertam. Fazer um vídeo, editá-lo nos parecem estratégias precursoras e
bastante autênticas, contudo, achamos que ganharíamos tempo usufruindo de
uma ferramenta que se encontra tão exequível como conteúdos veiculados na
internet.
É sabido que muitos canais são produzidos com a finalidade de lucrar
com acessos, portanto, muitas vezes apresentam um contento questionável.
Ficamos atentos, no que tange à seleção escolhida, pois pretendemos extrair
um conteúdo que possa de fato contribuir em nossa análise.
Esperamos que a escolha seja aproveitável para o leitor, pois o recurso
utilizado para a extração de imagens foi o print16 e, a captura de imagens,
sobremaneira, as em movimento são difíceis de serem registradas, o que pode
ocasionar em uma imagem distorcida.
A seguir introduziremos o que já consideramos notar a libras como texto,
naquilo que a caracteriza como língua.
3.1 Pelo status língua
Ao falar de interpretação, Orlandi (2012, p. 19) destaca que ela só é
evidente quando “cada teoria lhe dá um sentido diferente de acordo com os
diferentes métodos aplicados”. Tencionamos aproveitar o que a estudiosa
afirma, sob o prisma da análise do discurso, acerca de alguns pressupostos
sobre interpretação que servem de ponto de partida para nossa análise.
a. não há sentido sem interpretação; b. a interpretação está presente em dois níveis: o de quem fala e o de quem
16
Tecla disponível em teclados com os seguintes dizeres prt sc sysrq, habitualmente localizada no lado direito superior do teclado, na mesma direção da tecla delete.
61
analisa; e c. a finalidade do analista de discurso não é interpretar, mas compreender como um texto funciona, ou seja, como um texto produz sentido. (ORLANDI, idem, ibidem)
As imagens a seguir foram extraídas do YouTube. Dois jovens (um
surdo e uma ouvinte) relatam como começaram um namoro. Segundo a
afirmação acima, já existe em nós um sentido no que diz respeito à
interpretação. Sabemos que o canal eletrônico está sendo utilizado com a
finalidade de mostrar ao internauta que é possível vencer possíveis barreiras
entre pessoas cujas modalidades são distintas. Eles se apresentam,
cumprimentam o público e relatam em libras como se conheceram e como ela,
ouvinte, aprendeu a língua brasileira de sinais.
Como os sinais são realizados de forma consideravelmente rápidos,
faremos o possível para tentar registrar frases em um todo. Infelizmente,
perdemos bastante em relação ao movimento. Empenhar-nos-emos, no
entanto, na transmissão da construção da mensagem.
Figura 18 A – Sinal: oi. Fonte: Disponível em: https://www.YouTube.com/watch?v=WPjB_3P7oes Acesso em: 01/10/16
Esse sinal de cumprimento é feito numa junção entre os ( + ). Assim
como nas línguas orais, os locutores iniciam uma conversa com uma
saudação. Nesse momento, queremos apontar o que Orlandi (2012, p.63)
sugere ao dizer que ir além de interpretar, é compreender como o texto
funciona. Na sequência, o rapaz também se apresenta e produz o “oi” feito pela
jovem, mas registraremos o “tudo bem?”:
Figura 19 B – Sinal: Tudo bem?. Fonte: Disponível em: https://www.YouTube.com/watch?v=WPjB_3P7oes Acesso em:
01/10/16
62
O sinal é produzido de forma bastante jovial e semelhante ao “joia” que
ouvintes usam em um cumprimento trivial. Ao consultarmos o dicionário,
observamos que o sinal é feito de outro modo:
Figura 20 – Sinal: Tudo bem?. Fonte: Disponível em: http://www.acessibilidadebrasil.org.br/libras/ Acesso em: 01/10/16
Voltaremos a acompanhar a construção elaborada pelos interlocutores
para relatar como se conheceram em libras, mas, neste início de trabalho, só
pretendíamos ilustrar que também é possível fazer a análise sob a luz
discursiva. A saudação ocorre de maneira natural e até compreensível para os
desacostumados às línguas de sinais.
Segundo a autora (idem, ibidem), a interpretação está diretamente ligada
à materialidade da linguagem. Um dos primeiros desafios enfrentados pelos
estudos voltados para a língua de sinais no Brasil foi esclarecer que a libras
não era uma linguagem e, sim, uma língua; em outras palavras, o
consubstanciar da linguagem em língua.
Não queremos desmerecer o papel da linguagem, pois, como afirma
Sanchéz (1990, apud Quadros 1997, p. 45), “todos os seres humanos nascem
com os mecanismos da linguagem específicos da espécie”. Trata-se de um
instrumento para relacionar-se com o mundo. Existe para que o homem possa
comunicar-se e interagir. É ainda, seguindo um conceito de Bechara (2004, p.
28), o seguinte: “Qualquer sistema de signos simbólicos empregados na
intercomunicação social para expressar e comunicar ideias e sentimentos, isto
é, conteúdos da consciência”.
Contudo, é importante salientar, como explica Machado (2011, p. 38),
que o processo de significação só acontecerá, realmente, mediante a
apropriação de um código com o qual é possível entender. Nas línguas de
sinais, não é diferente. O surdo possui a capacidade para a linguagem. Essa
característica possibilita que ele proceda a ações e interações sociais e tenha,
por conseguinte, o anseio pelo contato comunicacional com pessoas que
dividam com ele uma língua em comum. É como se existisse uma dimensão
63
além do próprio indivíduo, que veicula representações coletivas e atendem às
necessidades, às virtudes e aos júbilos próprios do ato comunicativo.
Pode ser que não haja prejuízo e até passe despercebida para a
comunidade distante da cultura surda – ouvintes, por exemplo – a realidade
linguística vivida pelos surdos brasileiros, pois, de acordo com Orlandi (2001, p.
40), “a nossa sociedade é constituída por relações hierarquizadas, são
relações de forças sustentadas no poder desses diferentes lugares, que se
fazem valer na comunicação.”
Não é à toa que o protagonista do vídeo que selecionamos, ao relatar
como conheceu a companheira, diz que foi em um contexto de dificuldade
comunicativa de sala de aula. Aproveitaremos as imagens para ilustrar tal
problemática, mas também para mostrar a construção textual feita em libras:
EU ANTES COMEÇAR
ESTUDAR fazer17 FACULDADE18
17
Os termos em caixa-baixa são acréscimos que colocamos a título de complementação dos termos em libras, bem como a conjugação verbal, pois, em libras, os verbos são vistos como se estivessem no infinitivo. 18
Esse sinal foi feito de forma muito rápida o que dificultou registrá-lo com uma boa imagem. A palavra
faculdade é feita, no que diz à configuração de mão com a letra datilológica F ( ), no que diz respeito ao movimento em círculo na altura do ombro.
64
Em 2009
EU INTÉRPRETE NÃO TER
Como NÃO OUVIR o que FALAR19 eu OLHAR
Mas NÃO - ENTENDER nada
Figuras 21 – Fonte: Disponível em: https://www.YouTube.com/watch?v=WPjB_3P7oesAcesso em: 01/10/16
Aproveitaremos o restante do relato em outros momentos a título de
exemplificação. Por ora, queremos ater-nos às dificuldades enfrentadas pelos
surdos, comunidade linguisticamente diferente. Neste contexto, é válido todo e
qualquer esforço cuja finalidade seja esclarecer que Libras é uma língua.
Pudemos comprovar isso em meados do segundo capítulo, em que aspectos
19
Para mencionar o ato de falar, o locutor opta em simular, com a mão, o movimento de bocas falando. Há de destacar que ele faz tal gesto dirigindo a si mesmo para mostrar que essas bocas em movimento estavam voltadas para ele.
65
fonéticos, morfológicos e sintáticos serviram para corroborar os estudos
linguísticos voltados para a libras.
No que tange ao texto, quando o foco dos estudos era dado apenas a
ele como mero produto para comunicação, Koch e Elias (2013, p. 10) contam
que a língua era concebida como uma estrutura que molda o sujeito a um
sistema. Elas (idem, ibidem) afirmam que, dessa forma, o sujeito era chamado
de “assujeitado”; assim, “o princípio explicativo de todo e qualquer fenômeno e
de todo e qualquer comportamento individual repousa sobre a consideração do
sistema, quer linguístico, quer social.”
Sob esse prisma, a língua aparece com uma função determinante não
apenas na comunicação, mas na identificação de um código compartilhado por
uma comunidade. E o texto, neste caso, surge como o instrumento para que
haja essa mediação. Koch e Elias (idem, ibidem) afirmam:
Nessa concepção de língua como código – portanto, como mero instrumento de comunicação – e de sujeito como (pré) determinado pelo sistema, o texto é visto como simples produto da codificação de um emissor a ser decodificado pelo leitor / ouvinte, bastando a este, para tanto, o conhecimento do código utilizado. (KOCH E ELIAS, idem, ibidem)
O relato feito pelos YouTubers Bruno (surdo) e Flávia (ouvinte)
apresenta a realidade de que a libras, assim como qualquer texto, é formada
por um código que é produzido por um emissor e precisa ser decodificado por
alguém que domine esse código. No relato abaixo, Flávia explica que estudava
na mesma sala da faculdade de Bruno e que, quando soube que ele era surdo,
quis conhecê-lo. Para isso, precisou da ajuda de uma colega que conhecia um
pouco de datilologia.
Eu tinha uma AMIG@ que SABER
66
A-B-C-D em libras (DATILOLOGIA)
IR JUNT@S
falar OI
Figuras 22 – Fonte: Disponível em: https://www.YouTube.com/watch?v=WPjB_3P7oesAcesso em: 01/10/16
Quadros (1997, p. 45) destaca o importante papel da libras, não
somente acerca dos aspectos sociais e culturais, mas, sobremaneira, no que
tange aos aspectos educacionais. Ela considera que, a partir de tais elementos,
tanto o social quanto o cultural são contemplados. Não é à toa que Flávia, ao
aprender libras com Bruno, tornou-se intérprete dele.
ELE me ENSINAR
67
A B e todas letras
ATÉ letra Z
Figuras 23 – Fonte: Disponível em: https://www.YouTube.com/watch?v=WPjB_3P7oesAcesso em: 01/10/16
Sabe-se que tais concepções sobre o texto sofreram mudanças.
Contudo, é possível fazer um link com o que Koch e Elias (2013, p. 10) dizem
ao definirem o texto como a ferramenta que colocará a língua em ação.
Podemos ponderar que, se a libras é língua, é texto quando em uso.
Se procurarmos analisar a língua dos surdos brasileiros, já a
conceituando-a como texto, servindo-nos do que Koch e Elias (idem, ibidem)
chamaram de “leitura com foco na interação autor-texto-leitor”, próximo
momento dos estudos sobre o texto, podemos visualizar, com considerável
clareza, os surdos como os “atores/construtores sociais, sujeitos ativos que,
dialogicamente, constroem-se e são construídos no texto”. Quando
mencionamos visualizar, queremos atrair a atenção para o aspecto que as
autoras usaram no que consideraram texto. Na libras, porém, ousamos a dizer
que o texto espaço-gestual em plena atividade é, também, literalmente visível.
O que queremos abarcar com essa observação é que, nesse sentido, a
libras pode até facilitar o entendimento do que é texto, uma vez que muitos
aprendizes tradicionais, ouvintes, não-cegos, possuem facilidades cognitivas
quando estão expostos visualmente a algum conteúdo de natureza mais
abstrata, a presença da imagem, supomos, poderia facilitar.
68
3.2 Critérios de textualidade na libras
Fávero (2009, p.7) afirma que o discurso, linguisticamente falando,
concretiza-se de duas maneiras: da forma falada e da escrita. Uma língua que
serve aos seus usuários de modo pleno e permite a fluência de ideias e ideais,
estabelece interação, possibilita manifestações que extrapolam o diálogo. Por
meio dela, ocorrem até manifestações poéticas. Também possibilita os atos de
expressar, exprimir, protestar, argumentar, ironizar. Tal língua oferece, a uma
comunidade marginalizada, a possibilidade de explorar aquilo que, no homem,
é nato: o acesso ao dispositivo da linguagem. A libras, essa língua gestual, não
é a concretização do discurso também? Não possui os elementos próprios da
textualidade? Convidamos o leitor a visitar os critérios de textualidade a fim de
verificar se é possível identificá-los na língua dos surdos brasileiros.
3.2.1 Ter uma língua para poder contextualizar
Maingueneau (2008, p. 20) diz que o processo de enunciação é
assimétrico, descartando a concepção primitiva de que os falantes se
entenderiam, em relação à ambiguidade, quando estivessem munidos de um
compartilhamento comum de um determinado código linguístico, como léxico e
gramática de uma língua. “Compreender um enunciado é mobilizar saberes
muito diversos, levantar hipóteses, raciocinar, construindo um contexto que não
é um dado preestabelecido e estável” (MAINGUENEAU, idem, ibidem).
Koch e Elias (2013, p. 61), embora não trabalhem sob a perspectiva da
análise do discurso, exploram a questão da contextualização de maneira
similar ao dizerem que a concepção de contexto na atualidade está vinculada a
uma relação sociocognitiva cuja compreensão ocorre por meio de contextos
sociocognitivos com algum grau de semelhança:
Em uma interação, cada um dos parceiros já traz consigo sua bagagem cognitiva (...). A cada momento da interação, esse contexto é alterado, ampliado e os parceiros se veem obrigados a ajustar-se aos novos contextos que se vão originando sucessivamente. (KOCK E ELIAS, idem, ibidem)
69
A seguir, procuraremos demonstrar, sobre a contextualização, o que
ocorreu com Flávia ao falar com Bruno pela primeira vez. Como mencionado,
ela desconhecia a libras. Chamou, então, uma amiga que conhecia o alfabeto
datilológico, composto de sinais que procuram representar o alfabeto
português. É usado, normalmente, para dizer uma palavra desprovida de sinal,
um nome próprio etc. Ao “falar” com ele pela primeira vez, soletrou a palavra O-
I T-U-D-O para tentar “saldar” com um “tudo bem”. Não chegou a completar o
bem. Apenas usou o gesto usual joia, pois considerou bastante difícil soletrar
até o fim:
Figuras 24 – Fonte: Disponível em: https://www.YouTube.com/watch?v=WPjB_3P7oesAcesso em: 06/10/16
A jovem relata que houve uma espécie de ajuste em sua “pronúncia” na
libras quando Bruno, com considerável paciência, ensinou-lhe a libras,
estabelecendo uma relação satisfatória entre ambos em relação à
contextualização do uso da língua brasileira de sinais. A propósito, foi graças à
aprendizagem de Flávia que Bruno, com o passar do tempo, ganhou uma
intérprete e pôde concluir os estudos que até aquele momento estavam
bastante prejudicados pela falta de um intérprete.
Bruno é um caso atípico, pois, ao passo que muitos surdos nem sequer
aprendem a língua de sinais, ele chegou à faculdade. Portanto, é impossível
ignorar o destaque que se deu à educação bilíngue voltada ao surdo no Brasil
nas últimas décadas. O principal foco está em oficializar a libras como primeira
língua dessa comunidade. Isto é:
Se a língua de sinais é uma língua natural adquirida de forma espontânea pela pessoa surda em contato com
70
pessoas que usam essa língua20e se a língua oral é adquirida de forma sistematizada, então as pessoas surdas têm o direito de ser ensinadas na língua de sinais. A proposta bilíngue procura captar esse direito. (QUADROS, 1997, p. 27)
Os vários aspectos positivos que a libras oferece aos surdos são
conhecidos. No que diz respeito ao contexto, todavia, gostaríamos de frisar o
aspecto comunicacional entre a comunidade que emprega e compartilha essa
língua e o que Koch e Elias (2013, p. 39) nomeiam de contexto sociocognitivo.
Será a partir do contato com sua língua natural que o surdo será
contemplado com as possibilidades que apenas uma língua materna
proporciona. Em relação ao aspecto psicossocial, estudiosos como Quadros
(1997, p. 27) afirmam que a criança vai interagir não somente com surdos, mas
também com ouvintes a partir de uma formação de identidade linguística sólida.
Se há estudos que se debruçam sobre o ensino de libras, leis que
amparam os direitos dessa língua é porque ela possui, para seus usuários, um
dos principais elementos da textualidade, que é a contextualização.
Em Sacks (1998)21, podemos conhecer a história de algumas pessoas
que, embora não sejam brasileiras, são surdas e possuem a necessidade de
ter uma língua para comunicar-se. Um caso especial relatado pelo estudioso
(idem, p.50-55) registra a história de um menino que, ao ingressar na escola
aos 11 anos, nunca tinha tido contato com nenhuma língua. “Joseph nascera
surdo, mas isso só fora percebido em seu quarto ano de vida”, narra Sacks
(idem, p. 50). Em razão de variados diagnósticos falsos, fora privado de
aprender a língua de sinais. Sacks (idem, p. 51) diz o quanto a aprendizagem
da criança, mesmo nessa faixa etária tardia, provocava notável deleite:
Ele queria ficar na escola o dia inteiro, a noite inteira, o fim de semana inteiro, o tempo todo. Dava muita pena ver sua aflição ao sair da escola, pois ir para casa, para ele, significava voltar ao silêncio, retornar a um vácuo de comunicação sem esperanças, onde ele não podia conversar, comunicar-se com os pais, vizinhos, amigos; significava ser deixado de lado, tornar-se novamente um ninguém. (SACKS, idem, 51)
20
Grifo nosso. 21
Não mencionaremos as páginas, pois relatos reais de surdos são registrados em inúmeras notas de rodapé ao longo de toda a obra.
71
No que tange ao contexto dentro de um ato comunicativo, Sacks (idem,
ibidem) menciona a incapacidade da criança em narrar algo trivial, como relatar
o fim de semana:
(...) ele não era capaz nem ao menos de entender a ideia de uma pergunta, muito menos de formular uma resposta. Não era apenas a língua que estava faltando: inexistia, estava patente, um claro senso de passado, de “um dia atrás” como algo distinto de “um ano atrás”. Havia uma estranha ausência de um senso histórico, a sensação de uma vida que não possuía dimensão autobiográfica e histórica, a sensação de uma vida que só existia no presente naquele momento, no presente. (Sacks, idem, ibidem)
Queremos, portanto, ressaltar a importância que há, para a comunidade
surda, a língua de sinais; no caso dos surdos brasileiros, a libras. A partir do
contato com a língua, o surdo terá a oportunidade de conhecer os mecanismos
contextualizadores, não somente criados pela comunidade que compartilha
essa língua, mas também aspectos de ordem fonológica, morfológica e
sintática.
Para finalizar a questão da contextualização dentro da estrutura da
libras, citamos, a título de exemplificação, as expressões faciais e corporais
que poderão revelar interrogações, negações, agrados, desagrados, presença
e ausência de pessoas ou coisas.
Outros aspectos que poderão marcar a contextualização são as formas
como os sinais são executados. Aqueles feitos com movimentos mais rápidos e
repetitivos, por exemplo, podem identificar uma ênfase dada em determinado
ponto da conversa. O termo RÁPIDO, sobretudo quando se tratar do “RÁPIDO
de advérbio”, pode ser intensificado no que diz respeito ao movimento,
dependendo do contexto ao qual está inserido na conversa.
Nas imagens acima não é possível registrar a velocidade do movimento,
portanto, optamos em expor o sinal e representar a seguir com setas para
72
tentar indicar a repetição em que esse movimento ganha quando está em um
contexto que indica velocidade:
Figuras 25 – Fonte: Disponível em: http://www.ines.gov.br/dicionario-de-libras/main_site/libras.htm. Acesso em:
15/01/2017
Ainda no que diz respeito à formação do sinal, há por exemplo, a
contextualização na formação da palavra com marcações não-manuais.
Observaremos a formação dos sinais AMOR e ÓDIO. Como a própria
sinalizante explica, o sinal AMOR não pode ser feito, se não estiver em
harmonia com expressões faciais que indicam aprazimento, nas imagens
abaixo, ela procura mostrar a forma incorreta de execução da palavra:
São nas imagens a seguir, que a sinalizante indica a forma como a
palavra, se combinada com a expressão facial, está contextualizada com seu
significado:
O oposto ocorrerá com a palavra ÓDIO, a expressão que acompanha o
sinal condiz com o significado negativo que a palavra abarca:
73
Figuras 27 – Fonte: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=YE7auU1AUcA Acesso em: 15/01/2017
Nessa seção procuramos apontar aspectos de contextualidade em
alguns casos na libras. Cientes de que possivelmente há inúmeros outros
casos, nos delimitaremos a fim de poder seguir em frente em outros critérios de
textualidade apontados pela linguística, como a situcionalidade, que será o
assunto tratado a seguir.
3.2.2 Polidez na libras: um caso de situacionalidade
Refere-se à forma como o texto será produzido. Não é difícil imaginar os
diferentes graus de formalidade ou informalidade que a libras pode assumir,
dependendo do contexto a que se filia. Brito (1995, 172) encontrou em Brown
e Levinson (1978) a revisão de literatura que necessitava para falar sobre os
pedidos e as estratégias de polidez na libras. A partir de tais estudos, Brito
(1995, p.172) afirma:
Os atos da fala são fenômenos que podem ilustrar esta relação entre intenções, situações22 e significado e entre regras de linguagem e sociais. (...) a realização de um ato de fala é procurar não somente comunicar um significado referencial, mas também influenciar ativamente o destinatário de algum modo. (BRITO, 1995, p. 173)
Em consonância com a pesquisadora (idem, ibidem), especialmente ao
ato de fazer um pedido, há diversos tipos de estratégias na libras a fim de
conseguir que o destinatário atenda ao que se pede. Brito (idem, ibidem) usou,
para fazer sua análise, os modelos elaborados por Brown e Levinson (1978),
que variam desde o recurso de “Poder (P)” e da “Escala de imposições
proporcionais ao custo de serviços e bens (C) até o que nomeou de “Intimidade
(I)”, considerando o (I) um recurso bastante estratégico para a língua de sinais.
22
Grifo nosso.
74
Portanto, em relação à pesquisa feita por Brito (1995), podemos notar
que, na língua de sinais, também existe uma adequação mediante as
diferentes situações. É possível visualizar o grau de formalidade que há, por
exemplo, no trabalho executado pelos intérpretes da libras. Posicionam-se de
maneira bastante singular quando estão em serviço.
A TV Câmara, na maioria das vezes, quando apresenta ao público
alguma sessão extraordinária, disponibiliza, no canto do televisor, um
intérprete. Existe definitivamente uma diferença considerável em relação, por
exemplo, a um desenho da Turma da Mônica23, que, em DVD, apresenta a
opção com intérprete de Libras. Por tratar-se de um desenho destinado ao
público infantil, o profissional explora recursos da Libras que correspondam ao
gênero audiovisual.
Figuras 28 e 29. Sendo respectivamente a primeira (19) disponível
em:https://www.YouTube.com/watch?v=OJYMg2JdKvA. A segunda imagem (20) disponível em:
https://www.YouTube.com/watch?v=LTOknRv3ztA Acesso em: 06/10/16
Podemos observar que há um ajuste nos aspectos visuais de acordo
com o conteúdo e a quem esse público se destina. Consideramos que tais
escolhas estão relacionadas ao aspecto situacional. Na imagem extraída de um
vídeo de sessão típica de plenário, voltado para um público mais adulto,
notamos que as roupas da intérprete são mais discretas e que seus
movimentos são contidos, procurando corresponder com a formalidade que o
discurso político exige. Na segunda imagem, extraída de um vídeo produzido
para o público infanto-juvenil, observamos que o intérprete, além de vestir-se
de maneira mais descontraída com roupas coloridas e boné, traz, na execução
dos sinais, movimentos consideravelmente cênicos, pois, dessa forma, pode
conduzir quem vê ao universo do desenho animado.
23
DVD Coleção Turma da Mônica Cine Gibi 1, 2, 3 e 4
75
A própria análise feita por Brito (idem, ibidem) aponta que os sujeitos
que participaram de seu estudo assumiam diferentes posições discursivas a fim
de adequar a situações diversas. Podemos acreditar que, nesse critério, há
textualidade na libras no que diz respeito à situcionalidade.
3.2.3 A seleção do conteúdo na libras: informatividade
Remeter-nos-emos ao exemplo que foi utilizado na situacionalidade, no
qual mencionávamos a transmissão audiovisual com a presença de um
intérprete: um canal de conteúdo político e um DVD destinado ao público
infantil. Não é difícil conceber que o intérprete transmitirá informações distintas
em cada um desses exemplos. A título de esclarecimento, a escolha dos
vídeos não se deu por causa dos intérpretes, questões políticas ou algum tipo
de apologia, se deu exclusivamente pelo assunto que é remetido a diferentes
públicos, o político para jovens e adultos e o desenho animado mais
direcionado ao público infanto-juvenil.
Podemos supor que o conteúdo abordado no desenho será mais
inteligível a todos os públicos. Uma vez que se destina às crianças, possui um
grau de informatividade mais acessível. Mas não podemos depreender o
mesmo de uma tradução feita a partir de um canal voltado para a política.
Podemos supor que, ao público surdo infantil, a informatividade contida em
assuntos voltados para a política, não seja tão acessível. A seguir, tentaremos
registrar alguns trechos, em forma de imagens, dos referidos vídeos:
Figura 30- Disponível em: https://www.YouTube.com/watch?v=OJYMg2JdKvA . Acessado em 07/10/16
Sou PRESIDENTE de TODAS essas MANIFESTAÇÕES no BRASIL.
Quanto à informatividade, podemos observar que a frase traz um
conteúdo direcionado a um determinado público que está habituado com as
recorrentes notícias sobre pessoas que se juntam e vão para as ruas a fim de
manifestar suas insatisfações acerca da administração pública. Faz-se
76
necessária uma retomada de informações para compreender sobre conteúdo
que está sendo transmitido. As imagens, a seguir, conforme mencionado
anteriormente, são de um desenho voltado ao público infantil. A linguagem é
mais simplificada e seu conteúdo pode ser compreendido por um público
menos restrito.
Há também uma considerável diferença em relação ao gênero, ou seja,
o primeiro vídeo corresponde a um pronunciamento. As imagens extraídas são
de um desenho animado cujo objetivo é contar uma breve história.
Imagens 31 – Disponível em: https://www.YouTube.com/watch?v=2TbuksmNsJY. Acessado em: 07/10/16
O título do desenho, “Um dia de cão”, é um jargão conhecido por muitos
e quer dizer algo como ter um dia ruim. O intérprete optou em não traduzir o
título na íntegra, pois possivelmente ponderou que esse jargão pudesse não
fazer parte do repertório do surdo. Portanto, apenas traduziu como sendo: “Um
dia muito ruim. Supomos que, se tivesse sinalizado um dia de cão ao “pé da
letra”, o surdo não compreenderia a polissemia contida no enredo, uma vez
que a personagem Cebolinha, de fato, terá um dia ruim, mas também será
transformado, literalmente, em um cão graças a uma intertextualidade existente
com os chamados contos de fadas, em que uma fada-madrinha surge e atende
ao pedido de seu pupilo. Possivelmente, o intérprete considerou que seria uma
espécie de spoiler esse momento do desenho animado.
Em relação à informatividade, que cremos estar estruturada em uma
linguagem voltada ao público infantil, queremos registrar as imagens abaixo a
77
partir de meados do vídeo. A cena começa com Cebolinha e Cascão,
personagens conhecidas pelo público brasileiro, brincando com Floquinho,
animal de estimação de Cebolinha. Subitamente, as mães dos dois garotos
interrompem a diversão, chamando-os para ajudar com tarefas. Os dois ficam
aborrecidos, mas resolvem obedecer. Cebolinha, quando recebe a ordem de
arrumar o quarto, pergunta: “Eu ainda não sei por que é que eu tenho que
arrumar o meu quarto, porcaria!!!” O intérprete procura, além de fazer a
tradução, transmitir cenicamente a dúvida levantada pela personagem, mas
também o comportamento típico de uma criança birrenta:
EU ENTENDER NÃO POR QUÊ?
ARRUMAR QUARTO
PORCARIA !!!!!
Quando Cebolinha, a contragosto, começa a arrumar o quarto, o intérprete opta
em repetir o sinal que corresponde a arrumar seguidas vezes, sinal intitulado
de continuativo, conforme Brito (1995, p. 50)
78
É interessante ressaltar que o intérprete está em um movimento
constante, muito embora as imagens não tenham falas e apontem apenas para
a forma jocosa como Cebolinha resolve arrumar seu quarto. Ao fim, a
personagem enche uma cômoda de tal forma que ela se desmonta. O
intérprete oferece ao espectador até esse movimento:
Pode-se observar que, diferentemente de um vídeo que está sendo
traduzido para outro tipo de público, no direcionado às crianças, o intérprete
não se limita a traduzir apenas falas. Outras informações são acrescentadas.
Em alguns momentos, nem ocorrem falas. Mesmo assim, o intérprete dialoga
com o espectador. Nas imagens a seguir, é possível identificar que Cebolinha
quer sair despercebido, sem que sua mãe o veja, e o intérprete procura
transmitir essa tentativa da personagem, que, adiantemos, é vã, já que a mãe
dele o percebe.
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Quando a mãe de Cebolinha o surpreende, o intérprete imediatamente
assume a fala dela, bem como a postura de mãe:
CEBOLINHAAA!!!!
Figuras 32 – Disponível em: https://www.YouTube.com/watch?v=2TbuksmNsJY. Acessado em: 09/10/16
LEVE COMIDA para CÃO (Floquinho)
80
As imagens expostas a seguir são de outro gênero que encontramos no
YouTube: reportagem. A matéria foi exibida no dia 1°de maio de 2012 pela TV
TST. O intuito era esclarecer ao público a atuação e a relevância do
profissional intérprete. Observaremos que, além dos recursos audiovisuais, a
informatividade contida é destinada a um público mais adulto e interessado no
assunto.
No início da matéria, a edição optou em mostrar surdos conversando
aleatoriamente em sua língua; portanto, o intérprete opta, obviamente, em
esperar as falas que virão em português pelo condutor da matéria:
Figuras 33- Disponível em: https://www.YouTube.com/watch?v=sLu_fuXHp9Y . Acessado em: 10/10/2016
Será no bloco seguinte que o repórter começa a narração com o
seguinte título: “Libras – Língua Brasileira de Sinais” que o intérprete inicia, de
fato, a tradução:
Figuras 34- Disponível em: https://www.YouTube.com/watch?v=sLu_fuXHp9Y . Acessado em: 10/10/2016
O grau de informatividade contido na sequência do vídeo procura
familiarizar o espectador com o assunto que será abordado, pois o
apresentador explica o que vem a ser a Libras. Não é à toa que ele inicia a
81
frase com: “Para quem não sabe, a libras não é a simples gestualização da
língua portuguesa. É um idioma à parte, reconhecido como segunda língua
oficial do Brasil por meio da Lei 10.436, de 2002. A oficialização da língua de
sinais veio em consequência de uma lei anterior, a da Acessibilidade, que
entrou em vigor no ano de 2000”. Na sequência, tentaremos registrar como o
intérprete procurou traduzir essas informações.
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Figuras 35- Disponível em: https://www.YouTube.com/watch?v=sLu_fuXHp9Y . Acessado em: 11/10/2016
O nível de informatividade contido no trecho a seguir é bem mais
específico, uma vez que uma autoridade no assunto é convidada a explicar o
que exatamente foi a falha na chamada Lei de acessibilidade:
Com a Lei de Acessibilidade ficou faltando uma regulamentação, no caso da comunicação, porque as demais acessibilidades de mobilidade acabam sendo adequadas para o meio físico, no caso a comunicação, ficou sem essa regulamentação, então ficava faltando uma forma de concretizar essa acessibilidade por meio da comunicação. (MARTHIUS SÁVIO, de 1:14 a 1:43)
Na tradução em libras, ficou assim:
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Na sequência, para sinalizar “COMUNICAÇÃO”, o intérprete faz uso da
datilologia. Como os movimentos são muito rápidos, ficou infactível registrar as
imagens.
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Figuras 35- Disponível em: https://www.YouTube.com/watch?v=sLu_fuXHp9Y . Acessado em: 12/10/2016
Consideramos relevante, aproveitar o ensejo do assunto abordado, ou
seja, o trabalho do intérprete que, é reconhecido e assegurado pela Lei
N°12.309 de 1° de setembro de 201024, cuja intervenção consiste em
proporcionar ao surdo a presença desse profissional em palestras, cursos,
congressos, escolas, universidades, locais públicos etc., para finalizar nossa
análise do critério informatividade e levantar algumas inquietações: Estarão
sendo atendidos os surdos sobre esse direito? No ano de 2014, o portal G1, do
grupo Globo.com, noticiou que uma surda, candidata ao Enem25 havia sido
prejudicada no momento da prova. O intérprete estava presente, todavia, fora
instruído a traduzir apenas palavras, desrespeitando completamente a
estrutura da Libras26. Quantos desenhos animados têm o intérprete para o
telespectador surdo? Tais questões nos levam a refletir que, de que adianta
haver a informatividade, mas não haver acesso à informação?
No tópico a seguir continuaremos nossa empreitada: intencionalidade,
contudo as inquietações sempre nos acompanham e procuraremos ao longo de
nosso estudo trazê-las a título de reflexão.
3.2.4 Movimentos, expressões faciais e não-manuais: algumas faces da
intencionalidade.
Na língua de sinais dos surdos brasileiros, há elementos, sobremaneira
no que tange ao movimento, que caracterizarão a intencionalidade do locutor.
Eles estão tanto nos níveis fonológicos quanto morfológicos e sintáticos.
Em fonologia, temos, como uma das unidades mínimas, o chamado
movimento que está ao lado de outros parâmetros fonológicos, como 24
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12319.htm 25
Exame Nacional do Ensino Médio. 26
A notícia pode ser lida no site: http://g1.globo.com/sp/santos-regiao/noticia/2014/11/nao-entendi-nada-afirma-estudante-surda-que-prestou-prova-do-enem.html
91
configuração, locação e orientação das mãos, além de expressões não
manuais. O movimento delas, para o locutor, terá a função de representar
objetos e espaço. É bom que se diga que não se limita sempre a uma
representação preestabelecida e usual, ou seja, pode ser feito de forma
diferenciada para indicar uma intencionalidade destinada a formar a palavra
dentro do contexto conversacional. Assim como a entonação da voz, que pode
indicar a intencionalidade do falante na formação da palavra, na libras é
possível enfatizar, interagir e indicar o que se deseja transmitir no ato
comunicacional por meio do movimento.
A seguir, ilustraremos com o verbo QUERER o que acabamos de dizer.
Essa palavra tem a seguinte formação de unidades mínimas:
Em relação à configuração de mãos, para a formação do verbo, será
usada apenas uma delas, cuja orientação é para cima, como a imagem a
seguir:
Figuras 37a e 37b– Sinal: Querer. Fonte: Disponível em: http://www.ines.gov.br/dicionario-de-libras/main_site/libras.htm
Acesso em: 04/06/16
O ponto de locação desse sinal é na região do tronco na altura do busto.
Mas é em relação ao movimento que identificamos que o enunciador
poderá apresentar graus de intencionalidade. O movimento é feito em um
espaço neutro, como se fosse atrair algo que se quer para si. As setas da
imagem a seguir procuram elucidar isso:
92
Será, no que tange à frequência desse movimento, que poderá haver uma
revelação sobre a intencionalidade do locutor.
Finalmente, ainda inseridos nos aspectos fonológicos, gostaríamos de
destacar as possibilidades que o locutor tem de apresentar a intencionalidade
por meio das chamadas expressões faciais ou não-manuais. De acordo com
Campelo (2011, p. 62), tais componentes podem surgir numa função sintática
de modo a marcar sentenças cujo estudo retomaremos quando estivermos
observando os aspectos sintáticos, mas, como explica a estudiosa (idem, p.65),
“expressões não manuais também se constituem de componentes lexicais que
marcam referência específica”.
Um exemplo bastante elucidativo está nas sentenças negativas. O sinal
a seguir é feito com o dedo indicador em riste, movimentado de um lado para o
outro, a fim de sinalizar não. Mas é possível perceber, na face da locutora, uma
expressão mais carrancuda que dá maior ênfase ao NÃO sinalizado.
93
Figura 38– Sinal: Não. Fonte: Disponível em: http://www.ines.gov.br/dicionario-de-libras/main_site/libras.htm Acesso
em: 04/06/16
Podemos ilustrar a questão da expressão facial, acompanhando o sinal e
destacando uma intencionalidade no sinal FELIZ:
Figura 39– Sinal: Feliz. Fonte: Disponível em: http://www.ines.gov.br/dicionario-de-libras/main_site/libras.htm Acesso
em: 06/06/16
No que tange à parte morfológica, o locutor fará escolhas de sinais
conforme o que pretende dizer. Existe, por exemplo, o quadro de gramatização
intitulada derivação. O verbo ler pode ser transformado em substantivo leitura.
O sinal será executado do mesmo jeito para ambas as palavras. Contudo, a
frequência com a qual se executa o sinal é diferenciada. Ler:
Figura 40– Sinal: Ler. Fonte: Disponível em: http://www.ines.gov.br/dicionario-de-libras/main_site/libras.htm Acesso em:
06/06/16
94
O movimento é feito na diagonal de maneira mais contida em uma
repetição de duas vezes. O mesmo não ocorre com LEITURA, em que o
movimento é mais constante, aberto, rápido e duradouro.
Figura 41– Sinal: Leitura. Fonte: Disponível em: http://www.ines.gov.br/dicionario-de-libras/main_site/libras.htm Acesso
em: 06/06/16
Isso ocorrerá em outros aspectos, como composição do sinal. Ela
ocorrerá por meio da chamada regra do contato, em que o primeiro contato
aliado a um segundo, ou até a um terceiro, resulta em uma determinada
palavra. Por exemplo: se o locutor quiser dizer CASA, o sinal utilizado será:
Figura 42– Sinal: Casa. Fonte: Disponível em: http://www.ines.gov.br/dicionario-de-libras/main_site/libras.htm Acesso
em: 06/06/16
Mas, se a intenção do sinalizante for dizer ESCOLA, haverá a
composição das palavras CASA + ESTUDAR:
95
Figura 43– Sinal: Escola. Fonte: Disponível em: http://www.ines.gov.br/dicionario-de-libras/main_site/libras.htm Acesso
em: 06/06/16
Fenômenos semelhantes ocorrerão quando houver a necessidade de
incorporar números ao sinal, movimento de negação com a cabeça etc. Na
língua de sinais, também existe uma flexão que pode ser empregada para
indicar pessoa, são os pronomes. Ela dependerá da intencionalidade do ato
comunicativo. Caso o locutor queira indicar a si mesmo, apontará o dedo para
si; se quiser indicar outro ou outros, porém, apontará na direção desse ou
desses.
Figura 44– Sinal: Eu. Fonte: Disponível em: http://www.acessobrasil.org.br/libras/ Acesso em: 27/07/2016
Figura 45– Sinal: Ele. Fonte: Disponível em: http://www.acessobrasil.org.br/libras/ Acesso em: 27/07/2016
A seguir, pois este está conectado às expressões faciais e corporais
sobremaneira quando o sinalizante destaca o termo sinalizado.
Exemplificaremos com a palavra GORDO. Para intensificá-la, existem
estratégias, como inflar as bochechas, arcar o ombro e expressar-se até no
olhar o grau em que se quer destacar dessa palavra:
96
Figura 46– Gordo. Fonte: Disponível em: http://www.ines.gov.br/dicionario-de-libras/main_site/libras.htm Acesso em:
06/06/16
Nas palavras ALTO e GIGANTE, também podemos mencionar a
intenção de dar destaque ao grau. O sinal será o mesmo, mas as expressões
faciais e corporais darão ao termo GIGANTE um caráter hiperbólico.
Figura 47a– Alto. Figura 39b- Gigante Fonte: Disponível em: http://www.ines.gov.br/dicionario-de-
libras/main_site/libras.htm Acesso em: 06/06/16
Esses foram alguns exemplos de termos de ordem morfológica que
farão parte do rol de possibilidades que o sinalizante terá à disposição
dependendo da intencionalidade discursiva. Há outros elementos, como
expressões adverbiais, que servirão para indicar tempo, uma vez que, na
língua de sinais brasileira, não existem formas verbais para marcar flexão
temporal, escolhas verbais, substantivos, numerais etc. A seguir, passaremos a
investigar a intencionalidade sob o prisma da análise sintática, pois a ordem da
frase pode estar diretamente conectada a ela, a intenção do locutor.
A formação da frase na libras tem um aspecto bem peculiar em relação
ao sistema pronominal e à concordância verbal, já que se trata de uma
construção feita no espaço. O locutor poderá fazer escolhas sobre o referente
(s), caso este(s) esteja(m) presente(s) ou ausente(s). Farão parte dessas
escolhas o dedo apontado na direção e o olhar direcionado.
O chamado referente anafórico nos interessa sobremaneira no que
tange à intencionalidade, porque poderá ser usado caso o locutor não tencione
97
dar destaque a um elemento pronominal da frase. Exemplo: M-A-R-I-A27 IR
SUPERMERCADO ELA COMPRAR ARROZ. Todavia, se houver uma intenção
em frisar esse pronome, assim como ocorre no texto oral, ele poderá aparecer
de forma duplicada, triplicada ou inúmeras vezes no contexto comunicativo.
Exemplo: M-A-R-I-A IR SUPERMERCADO. M-A-R-I-A COMPRAR ARROZ. M-
A-R-I-A ATRASADA ALMOÇO.
Segundo Campelo (2011, p. 117), há formas de dar destaque ao lugar
de forma a indicá-lo repetidas vezes no ato comunicativo. O exemplo a seguir
foi usado pela autora: “M-A-R-I-A-N-A CHEGAR AQUI ONTEM. AQUI MESM@
CASA ELA DEIXAR CARTA”.28
Outra estratégia para dar destaque a elementos na frase encontra-se no
processo de topicalização. Ele será responsável até mesmo pela mudança da
ordem da frase. A topicalização pode surgir com efeitos argumentativos e,
nesse caso, podemos presumir que se trata, em considerável parte das vezes,
da intencionalidade. O exemplo usado por Quadros, Pizzio e Resende (2008, p.
15) na frase a seguir apresenta uma ordem subjacente e considerada básica
na libras: J-O-Ã-O COMPROU CARRO (SVO)
De acordo com as autoras (idem, ibidem), uma ordem diferenciada em
que apresentaria topicalização seria: CARRO29J-O-Ã-O COMPROU (OVS). As
estudiosas (idem, ibidem) afirmam que, entre outras explicações para as
diferentes formas de organizar a frase na libras, a topicalização seria uma das
principais. Podemos depreender que a escolha da ordem da frase também
poderá acontecer a partir da intencionalidade do enunciador, daquilo a que se
deseja dar destaque no ato comunicativo.
Em sintaxe, marcações não manuais também poderão ser utilizadas
para marcar a intencionalidade discursiva. Quando se deseja fazer pergunta,
expressões faciais são usadas muitas vezes. A seguir, exemplificaremos com
três possibilidades como fazer a pergunta “QUEM?”. Em todas, podemos
destacar as sobrancelhas franzidas como a principal característica da feição:
27
O nome Maria está separado para indicar que não há para ele um sinal específico, portanto ele foi soletrado usando datilologia, ou seja, o alfabeto manual. 28
Grifo nosso. 29
Grifo nosso
98
Figura 48– Quem? Figura 40a- Quem? Figura 40b- Quem? Fonte: Disponível em: http://www.ines.gov.br/dicionario-de-
libras/main_site/libras.htm Acesso em: 07/06/16
A seguir, procuraremos apontar, nas imagens extraídas de um vídeo, um
eleitor surdo que participa de um debate televisivo30. Ele questiona os
candidatos acerca do que pretendem fazer quanto ao atendimento das
necessidades da comunidade surda. Apontaremos alguns aspectos que
considerarmos pertinentes dentro do que já discutimos sobre intencionalidade.
O eleitor, logo de início, já afirma ser alguém que luta pelos direitos dos
surdos brasileiros. Portanto, para dar destaque ao gesto LUTO de lutar, o sinal
é repetido três vezes, o que parece demonstrar uma intenção de enfatizar tal
atitude:
Imagem 49 – Disponível em: https://www.YouTube.com/watch?v=FcwngJ3sIkc Acessado em: 12/10/16
Na sequência, teremos os demais sinais correspondentes à legenda
apresentada pelo próprio vídeo:
30
Eleições para prefeito do ano de 2012.
99
DIREITO SURDO
.
TODO
Destacaremos a palavra TODO, que, nesse caso, indica todos os surdos
brasileiros da forma em que o eleitor resolve executar. O movimento é feito em
uma dimensão bem exagerada, de modo que, em determinado átimo, o braço
fica escondido na imagem colocada na tela:
É possível supor que há uma intencionalidade em colocar esse “todo” de
surdos em uma escala homérica. O que denota certa garra por parte do rapaz.
Na sequência, ele emenda a mão que fazia o sinal de TODO com a mão que
executará o sinal BRASIL:
A seguir, após ter deixado bem claro quem estava representando,
finalmente dá introdução à sua pergunta:
100
Observemos que o que na língua portuguesa se configura, na tradução
em uma frase, na libras é feito em uma única palavra elaborada com todos os
componentes já citados anteriormente: movimento, ponto de articulação,
configuração de mãos, expressões não-manuais etc. A seguir, uma afirmação
antes da pergunta:
Na parte final dessa frase, o jovem retoma a palavra inclusão, mas de
maneira menos enfática. Os movimentos são mais contidos nos limites do
espaço e são feitos de maneira consideravelmente rápida:
101
Finalmente, a pergunta. É possível identificar na fala do locutor que o
discurso foi construído de modo a dar ensejo à questão. Primeiro: Quem sou
eu e a quem estou representando. Segundo: Sabe-se que a chamada inclusão
respeita a cultura surda. Portanto, terceiro: de que forma esse respeito
contempla a libras, a língua dos surdos brasileiros? A seguir, as imagens:
102
Figuras 50 – Disponível em: https://www.YouTube.com/watch?v=FcwngJ3sIkc Acessado em: 13/10/16
Ao chegar realmente à questão, o locutor procura enfatizar a dúvida. O
movimento que é traduzido para a pergunta é expresso por meio de
expressões faciais que indicam clara inquisição, até mesmo a forma como ele
inclina o tronco para frente talvez conduza até para quem desconhece a língua
brasileira de sinais.
Essas foram algumas observações que conseguimos apontar sobre
intencionalidade na libras. Gostaríamos de partir para os dois próximos itens,
que também fazem parte dos critérios de textualidade denominados Coesão e
Coerência, centralizados neste último campo abordado: a sintaxe. Antes,
porém, falaremos sobre a aceitabilidade.
3.2.5 Para aceitar, é preciso conhecer: algumas reflexões sobre a
aceitabilidade
Leite (2010, p.11) estabeleceu, entre a intenção e a aceitação de um
texto, relações que são externas a ele, ou seja, estão mais ligadas aos
usuários. Sobre a intenção, o estudioso (idem, ibidem) diz que, sozinha, é
insatisfatória para a comunicação. Precisa da aceitação do receptor. Dessa
forma, afirma (idem, ibidem): “Se o usuário que recebe um texto não tiver uma
atitude de aceitação, será muito difícil a comunicação ser estabelecida”. Ele
(idem, ibidem) explica que a aceitação está ligada ao chamado princípio da
cooperação.
Vincularemos nosso objetivo a procurar vestígios dos critérios de
textualidade na libras, neste momento a aceitabilidade, com um exemplo
pessoal dado por Leite (idem, p.13), especificamente quando relata que, certa
vez, recebeu uma mensagem de celular escrita em português de um amigo
surdo. O texto continha marcas típicas da escrita do surdo que comprometiam,
103
de certa forma, a informação transmitida: “Olá bom dia? Eu estou aqui metrô já
perto. Vc encontrar me não demorar. Um abraço”.
A fim de elucidar a aceitabilidade, Leite (idem, ibidem) explica que, por
saber que se tratava de um surdo, ele já recebia o texto sem se ater aos
entraves proporcionados pela ausência de elementos conectivos, que são
básicos para coesão e coerência. Mas, como tinha a ciência de que havia uma
intenção comunicacional naquela mensagem, tratou de interagir para
esclarecer os dados de que necessitava: “Vc tá no metrô perto da minha casa?
Ou vc ainda não chegou no metrô? Eu preciso sair 11h pra USP. Depois de
11h, não posso encontrar vc”.
Segundo Leite (idem, ibidem), essa interação, ocorrida via mensagens
de texto de celular (no fundo, um “desejo de compreender o texto”), é uma
atitude de aceitação, uma vez que há, por parte dos interlocutores, uma
negociação dos sentidos. O principal objetivo dela é a unidade comunicativa.
Como estamos tratando da libras e algumas de suas possibilidades em
uso, queremos trazer à baila determinadas sentenças, expressões ou
vocábulos empregados para elucidar informações que possam apresentar-se
equivocadas dentro de um determinado contexto comunicativo.
No contexto fonológico, mencionaremos a expressão facial e o
direcionamento do olhar como elementos importantes para fazer perguntas
esclarecedoras. Por exemplo: ao se perguntar “quem?”no excerto que está na
sequência, notaremos que o olhar e as sobrancelhas franzidas denotam o ar de
inquisição, elemento que será usual em interrogativas:
Figura 51– Quem? Disponível em: http://www.ines.gov.br/dicionario-de-libras/main_site/libras.htm Acesso em: 11/06/16
A morfologia da libras, assim como o universo morfológico de outras
línguas, dispõe de um rol de palavras que servem para indagar algo que não
está esclarecido:
104
Figura 52 – Onde? Disponível em: http://www.ines.gov.br/dicionario-de-libras/main_site/libras.htm Acesso em: 11/06/16
Entretanto, o que queremos destacar como um exemplo equivalente ao
usado por Leite (idem, ibidem) está na expressão “quê?”e toda a explanação
feita sobre essa expressão, no dicionário on-line do INES:
Figura 53 – Que? Disponível em: http://www.ines.gov.br/dicionario-de-libras/main_site/libras.htm Acesso em: 11/06/16
Desfrutaremos do sinal “quê?”, exemplificado acima, para supor um
contexto em que ele pudesse ser prestativo quando inserido em uma realidade
cujo enunciador tenha apresentado a intencionalidade discursiva.
Consideraremos o receptor em um processo claro de aceitabilidade, mas
confuso pela ausência de alguma informação, no qual tenha se servido do sinal
interrogativo. O restante e o desfecho da conversa não nos interessam.
Queremos levantar como hipótese o fato de que a dúvida causada nessa
conversa poderia ter inúmeras justificativas. Vamos nos delimitar, entretanto, a
apenas duas que poderiam ser as causadoras de dúvidas: os critérios coesão e
coerência.
3.2.5 Coesão e coerência
Sobre os critérios de textualidade, em que Leite (2010, p. 4) chama de
fatores de textualidade, há alguns de natureza mais ligada à língua e outros de
105
natureza cognitiva. Conforme o estudioso (idem, ibidem), no caso da coesão a
ligação é com a língua, o que ocorre pela conexão entre as palavras. Na libras,
essas palavras e expressões são vistas como a modalidade escrita; no caso de
cegos surdos, são sentidas pelo contato das mãos. Sobre coesão, Leite (idem,
p. 6) afirma:
Um primeiro aspecto fundamental para dar coesão para um texto é a gramática e um aspecto fundamental da gramática são as regras de combinação de palavras na frase. Por exemplo, em línguas como o português, a ordem dos elementos na frase é muito importante para dar sentido ao texto. (LEITE, idem, ibidem)
Como pudemos observar, a topicalização, com foco na sintaxe da libras,
não ocorre só de forma intencional, mas também por haver regras gramaticais
que as regem. A fim de elucidar a questão da coesão e a forma como estão
dispostas as palavras no enunciado na libras, utilizaremos, como exemplo, uma
variação da ordem básica SVO característica de quando se deseja dar
destaque a um advérbio: AMANHÃ J-O-Ã-O COMPRAR CARRO. Outra forma
possível seria a organização sintática desta maneira: J-O-Ã-O COMPRAR
CARRO AMANHÃ.
Podemos afirmar que ainda está carente de completa coesão, pois a
libras tem, em sua totalidade, outros elementos que envolvem expressões
faciais, direcionamento do olhar, movimentos do corpo e frequência em que
são feitos os movimentos, mas a hipotética escrita dessa frase,
subentendendo-a como parte de um diálogo, jamais poderia ter a estrutura
demonstrada na sequência, porque afetaria, de forma significativa, a coerência
do enunciado: CARRO COMPRAR AMANHÃ J-O-Ã-O
A interpretação poderia estar comprometida, uma vez que nosso
conhecimento de mundo nos diz que um carro não compra uma pessoa. Só
pode ocorrer o contrário, a não ser se levantarmos suposições que, dentro de
um contexto comunicativo, utilizemos de alguma inferência em que, por
exemplo, entenda-se CARRO como o apelido de alguém, um código, uma gíria
ou algo semelhante. Do contrário, podemos afirmar que a informação está
equivocada, isto é, a coerência, tendo os significantes posicionados dessa
forma, compromete o significado.
106
Para dissertar sobre coesão e coerência, reconhecemos que o caso
usado anteriormente pode ser contestado, pois a frase empregada é apenas
uma hipótese vaga de um enunciado. Estar grafada e empregada isoladamente
desconsidera outros fatores – como expressões faciais, movimentos do corpo e
olhares, elementos que, como já vimos, são naturais e essenciais na língua dos
surdos – que fariam do diálogo na libras não somente inferências, mas um
texto completo em comunicabilidade.
Em “CARRO COMPRAR AMANHÃ J-O-Ã-O”, temos as chamadas
palavras de conteúdo, que são bastante comuns na libras. Conforme Leite
(idem, p. 20), elas são providas de conceituação, de “conteúdo semântico bem
definido”. As lacunas que, na língua oral, são preenchidas pelas palavras
gramaticais, como preposições, conjunções e desinências verbais, na libras
são preenchidas por elementos que, apenas no exemplo escrito, não são
possíveis de ver.
Ao usarmos tal modelo, no entanto, queremos exemplificar que ocorre
na libras uma hierarquia relacionada à organização da frase. Ela obedece aos
princípios de coesão, porque, embora haja muitas formas possíveis de
ordenação, predominam lógicas como presença/ausência de referente,
referente anafórico, quando se deseja apontar para uma localização específica;
e topicalização, além de outras formas que, como mencionamos anteriormente,
podem estar ligadas à intencionalidade do enunciador interligadas a um
contexto comunicativo.
As imagens a seguir foram extraídas de um vídeo disponível no youtube.
A intenção dele é apresentar ao público a história da chapeuzinho vermelho
utilizando a libras. Contudo, antes existe uma apresentação de uma das
responsáveis pelo projeto, que, afora contar quem ela é, apresenta o INES,
Instituto Nacional de Educação de Surdos. Utilizaremos essa parte do vídeo
para elucidar como a sinalizante organiza tudo isso em uma sequência que,
embora não empregue os chamados conectivos coesos com os quais os
ouvintes estão acostumados nas modalidades oral e escrita, apresenta para o
surdo a coerência que, dentro da modalidade gestual-visual, se constrói em
sentido. Para começar, temos as imagens a seguir que representam uma
saudação, muito usada entre surdos:
107
Figura 54 – Saudação Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=JuCVU9rGUa8 Acesso em: 17/01/17
Na sequência ela se apresenta : “Meu nome é Emeli”.31 Observaremos
que temos a presença do pronome que indicará a pessoa (MEU) e depois a
soletração do nome.
MEU
NOME
31
A tradução para o português foram extraídas do próprio vídeo, que apresenta junto à fala da sinalizante a presença da legenda.
108
E M E
L I
Em seguida, apresenta seu “sinal”32, observaremos que a execução do
termo “sinal” já indica a pessoa, no caso ela. Anteriormente, vimos que para
dizer “MEU NOME”, a sinalizante precisou do auxílio de um pronome, pois o
sinal NOME não tem em sua composição elementos referenciais. A seguir:
(meu) SINAL
32
Na Libras é habitual que cada pessoa tenha um sinal que funcionará como um tipo de apelido. Dessa forma, acreditamos que o ato comunicativo seja facilitado, pois, evita-se a soletração de nomes.
109
(meu) SINAL
Eis, portanto, um exemplo de sinal que já tem incorporado em si
elementos que indicam coesão, ou seja, são os chamados sinais formados por
composição. Em português precisaríamos do auxílio do pronome possessivo
“meu”, “seu” para a construção referencial. Na libras, se o sinal já possuir em
sua composição tais elementos, não há essa necessidade de complementos
pronominais dentro da frase. O direcionamento do sinal é que indicará se
“meu”, “seu”, “dele”.
Figura 55 – (seu) SINAL Disponível em: http://www.ines.gov.br/dicionario-de-libras/main_site/libras.htm Acesso em:
17/01/2017
Na sequência, a sinalizante apresenta o sinal que a representa na libras:
Figura 56 – Sinal. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=JuCVU9rGUa8 Acesso em: 17/01/17
110
Nos trechos seguidos, relatará sua profissão e onde trabalha: “Eu sou
professora e trabalho há muitos anos no INES”. Veremos que ela aponta para
si a fim de estabelecer coesão com o termo PROFESSOR, pois tal sinal exige
essa indicação assim como vimos anteriormente em “MEU NOME”.
EU
33 PROFESSOR@34
O verbo “ser” foi omitido, pois na libras existem essas palavras, nesse
caso PROFESSOR@, que carregam consigo forte carga significativa. Seria o
que Leite (2010, p.20) explica, serem as chamadas “palavras de conteúdo”, ou
seja, “palavras que representam conceito”. Para transmitir a mensagem não há
a necessidade do registro do sinal SER, uma vez que a palavra
33
A sinalizante executa o sinal PROFESSOR de forma bem rápida, portanto não foi possível registrar em imagens o movimento na íntegra. Nesse espaço, tentaremos ilustrar como esse sinal é feito. No que diz respeito à configuração de mãos teremos a letra P, um movimento em arco é feito no espaço, na frente do corpo:
PROFESSOR Disponível em : http://www.ip.usp.br/lance/Livros/enciclopediavol1.html. Acesso em: 17/01/2016 34
Uso do @ serve aqui para indicar que a palavra está desprovida de gênero. Pode ser tanto masculino quanto feminino.
111
PROFESSOR@ aliada ao pronome EU são capazes de esclarecer de forma
consideravelmente eficaz o enunciado.
A fim de dizer que “trabalha há muitos anos”, a sinalizante opta em fazer
o sinal ANO de forma mais prolongada. Podemos notar que também desloca
esse sinal para o começo do enunciado, o que poderia ser comparado com a
ordem inversa na língua portuguesa, quando se deseja dar ênfase em
advérbios ou locuções adverbiais:
ANOS INES35 TRABALHAR
Figura 57 – Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=JuCVU9rGUa8 Acesso em: 17/01/17
Notamos que, o fato do período ter sido iniciado com a indicação EU,
todo o restante da frase está conectado a esse pronome, ou seja, ligado a um
referente anafórico. Sabe-se, portanto, que até o final desse enunciado há
coesão entre os constituintes graças a essa organização. Sabemos que o
verbo TRABALHAR, que aparece ao final do período, está vinculado à
professora e sua atuação no INES, pois ao longo do discurso tais referentes
foram anteriormente mencionados.
A seguir, notamos que as expressões faciais serão fundamentais para a
construção da frase, pois a professora fará uma pergunta:
“Vocês já conhecem o INES?”
35
Instituto Nacional de Educação de Surdos
112
INES
Com o rosto mais contorcido ela oferece ao termo já um caráter de
questionamento.
CONHECER VOCÊS?
Figura 58 – Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=JuCVU9rGUa8 Acesso em: 17/01/17
Como essa construção é bem habitual entre os surdos SVO, não fica
ambígua a ideia de que a pergunta seria “O INES conhece vocês?”, pois o
próprio contexto sequencial do vídeo conduz o expectador a refletir: “Ela é
professora que trabalha há muito tempo no INES, quer saber se eu conheço o
INES.
A própria sequencia posposta à pergunta relaciona-se com bastante
coerência ao enunciado, pois a sinalizante apresenta o que é o INES: “É o
principal centro de referência de estudo para surdez no Brasil, onde são feitas
diversas pesquisas.”
113
LUGAR PRINCIPAL
BRASIL36 ESTUDO
PESQUISA
36
A sinalizante executa o sinal Brasil com bastante agilidade, o que dificultou nossa captura de imagens, portanto tentaremos ilustrar o sinal aqui, cuja configuração de mãos é feita com a letra B:
BRASIL
114
DIVERSAS
Figuras 59 – Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=JuCVU9rGUa8 Acesso em: 17/01/17
Notamos que a legenda em português apresentou a informação de que
o INES é um lugar voltado para estudo e pesquisa sobre surdez, mas o vídeo
não apresenta essa informação durante esse trecho, supomos que as
informações são subentendidas graças ao contexto ao qual se inserem, ou
seja, para a pessoa fluente em libras fica claro que trata-se de um local
destinado ao estudo e à pesquisa sobre surdez.
Como mencionado anteriormente, essa é a introdução de um vídeo
elabora pelo INES em que, na sequência, é apresentada a história da
Chapeuzinho Vermelho narrada em libras.
A seguir selecionamos um trecho dessa narrativa para analisar servindo-
nos de um estudo elaborado por McCleary e Viotti (2011, p. 289) cujo principal
objetivo foi o de “investigar a interação entre elementos linguísticos e gestuais
nas línguas sinalizadas”. Pretendemos nos valer, sobremaneira, das
estratégias em que a libras possui para narrar e o que os autores (idem)
nomeiam de “coesão discursiva” inserida no gênero narrativo.
McCleary e Viotti (idem, p.296), baseando-se em Liddell (2003) explicam
que a “organização espacial, fruto da conspiração entre gesto e língua, é a
chave para o estabelecimento da coesão e coerência discursivas”.
Para ir ao encontro de tal afirmativa, dividiremos o trecho a ser analisado
em três partes: a primeira contará com a legenda em português que consta no
vídeo; a segunda contará com os sinais feitos pela sinalizante, sem as
imagens; a terceira e última parte contará com as imagens, em que
procuraremos registar os sinais a partir dos vídeos.
Primeira parte:
115
“Era uma vez uma linda garotinha de cabelos cacheados, que tinha uma
vovozinha que gostava muito dela e fazia de tudo para agradá-la. A vovó da
chapeuzinho fez para ela uma linda capa vermelha, que a menina usava todos
os dias, por isso seu nome era Chapeuzinho Vermelho. Um dia, de repente, a
vovó ficou doente, só que a casa dela ficava muito longe, lá no bosque, A mãe
da Chapeuzinho Vermelho preparou uma cesta com leite e bolo e entregou
para ela.
Chapeuzinho perguntou: - O que é isso?
- Isso é uma cesta com leite e bolo para você dar para a vovó que está
doente.
Chapeuzinho Vermelho pegou a cesta começou a se arrumar.
Preocupada a mãe falou:
- Olha, toma cuidado, anda rápido e não conversa com nenhum
estranho, tá bom?
- Tá bom, entendi. – Respondeu Chapeuzinho Vermelho que pegou a
cesta e saiu andando alegremente pelo bosque.” (...)
Segunda parte:
“HÁ- MUITO- TEMPO- ATRÁS” GAROT@ LIND@ VOVÓ TER TRATAR-
BEM GOSTAR FAZER CHAPEUZINH@- VERMELH@ USAR CAP@ TOD@-
DIA CHAPEUZINH@-VERMELH@ DEPOIS UM-DIA FICAR VOVÓ DOENTE
LONGE CASA FLORESTA M-A-E CEST@ LEITE B-O-L-O CHAPEUZINH@
“O QUE É ISSO?” CESTA LEITE B-O-L-O ENTREGAR VOVÓ DOENTE EI
OLHAR CUIDADO ANDAR RAPIDO ANDAR FALAR ESTRANH@ NENHUM
OI “TA-BOM?” “TÁ-BOM” ENTENDER ANDAR BOSQUE ALEGREMENTE.
(...)
Terceira parte:
116
“HÁ MUITO TEMPO ATRÁS” GAROT@
LIND@ “cabelo-cacheado”
VOVÓ TER
TRATAR- BEM GOSTAR
FAZER CHAPEUZINH@- VERMELH@
117
USAR- CAPA TODO- DIA SINAL
CHAPEUZINH@ - VERMELH@
DEPOIS UM- DIA
FICAR
VOVÓ DOENTE LONGE
118
CASA FLORESTA
M-A-E
CESTA LEITE
B-O-L-O
119
NA (cesta)
ENTREGAR (cesta)
CHAPEUZINH@ “O QUE É ?”
120
CEST@ COM
LEITE
B-O-L-O
ENTREGAR
121
VOVÓ
DOENTE Gesto de entregar o cesto para chapeuzinho
Gesto de chapeuzinho pegando o cesto Chapeuzinho se arrumando
EI OLHAR CUIDADO
122
ANDAR RÁPIDO
ANDAR FALAR ESTRANHO
NENHUM gesto de repulsa
OI TÁ BOM?
123
TÁ BOM! ENTENDER
PEGAR (cesto) ANDAR BOSQUE
ALEGREMENTE
(...)
Figura 60 – Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=JuCVU9rGUa8 Acesso em: 19/01/17
Em consonância com McCleary e Viotti (2011, p. 290), o gesto tem
importante função nas línguas de sinais tanto quanto nas línguas orais, pois
através dele, o gesto, é possível entender a gramática e a organização de tais
línguas.
Canalizaremos nossa análise por esse viés, pois notamos que no que
diz respeito à coesão e coerência, no trecho selecionado, muitas vezes não
somente o gesto, mas as expressões faciais, os movimentos do corpo,
124
direcionamento do olhar contribuíram para nossa compreensão acerca da
narrativa37. Notamos que, algumas vezes, tais elementos não faziam parte da
composição do sinal, surgiam como estratégias para estabelecer as chamadas
coesão e coerência textuais.
Na primeira parte, temos a transcrição apresentada pela legenda do
vídeo. Na segunda parte, procuramos registrar sinal por sinal do trecho
escolhido. Quando a sinalizante utilizou de gesto, movimento do corpo,
expressões faciais, não registramos, pois a intenção foi de verificar os sinais
isolados do contexto apresentado pelo vídeo.
Nessa parte de nossos registros, em especial, podemos apontar sinais
que indicam forte fluência para o entendimento da narrativa, embora existam
lacunas que somente na terceira parte é que serão parcialmente38 preenchidas.
Por exemplo, o sinal inicial feito no começo da narrativa que tem função de
locução adverbial de tempo. Assim como o habitual “Era uma vez” que
acompanha muitos dos contos infantis, notamos que esse sinal é repetido em
alguns vídeos que se propõem a “contar” histórias em libras:
Figura 61 – Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ngIoT4X2JdY Acesso em: 19/01/17
37
Embora tenhamos escolhido uma história que é conhecida e termos a presença de uma legenda em português, ao tentarmos nos ater apenas nos sinais, a dificuldade foi grande devido à falta de fluência em libras. 38
Optamos por usar o termo parcialmente, pois aqui procuramos registrar com imagens o que é definitivamente mais completo no vídeo.
125
Figura 62 – Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=sBBulj3HOtM Acesso em: 19/01/17
Mas esse sinal não aparece apenas em contos, encontramos em nossos
registros o relato feito pelo surdo de um dos vídeos selecionados que também
começa a contar sobre quando começou a estudar, como se indicasse “no
passado”
Ainda sobre advérbios e sua importante função, queremos registrar o
sinal LONGE.
Figura 63 – Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=JuCVU9rGUa8 Acesso em: 19/01/17
Referente ao “lugar” onde a vovó da chapeuzinho mora, é extremamente
importante para compreender a narrativa, pois como é sabido, ao longo da
história, a menina terá de se deslocar por esse longo caminho para chegar até
sua avó. Há outros trechos em que aspectos de coesão com advérbios
aparecerão, contudo passaremos para o próximo aspecto que será a descrição
da personagem.
126
Ainda na segunda parte registrada, ou seja, a que não apresenta as
imagens, notamos que a narrativa se desenvolve com uma natureza descritiva
quando diz GAROT@ LIND@, o que queremos apontar é quando a sinalizante
descreve os cabelos cacheados da personagem, ela não usa o sinal
tradicionalmente usado nem para cabelo, nem para cacheados.
Nesse ponto da narração, somente é capaz saber desse aspecto da
personagem se estivermos atentos aos detalhes que somente o vídeo
apresenta. É possível notar que a escolha em gesticular ao lado da cabeça os
cabelos cacheados se dá também pelo gênero discursivo, ou seja, um conto
voltado para o público infantil. Isso é possível, segundo McCleary e Viotti (idem,
p.291), pois:
(...) todas as formas das línguas sinalizadas exibem grande
variabilidade e flexibilidade: tais formas variam desde os sinais
dêiticos (como pronomes e verbos indicadores), que
gestualmente apontam para referentes no discurso, estejam eles
presentes ou não; passam por sinais policomponenciais , que
usam configurações de mão convencionais e movimentos
icônicos, com vários graus de convencionalização; passam
também por sinais não-manuais, como expressões faciais e
direção do olhar, que, além de sua função prosódica e
gramatical, servem como apontamentos dêiticos e como
expressão de emoção e de atitude; até chegar a verdadeiras
pantomimas, conhecidas como troca de referentes (reference
shift), alternância de papéis (role shift), ou ação construída
(constructed action), em que o sinalizador usa seu corpo
para representar um objeto ou, na maioria das vezes, a ação
e a atitude de um personagem39. (McCleary e Viotti, idem,
p.291)
39
Grifo nosso.
127
Figura 64 – Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=JuCVU9rGUa8 Acesso em: 20/01/17
No trecho em questão, percebem-se que as características da
chapeuzinho Vermelho são construídas a partir de uma combinação que
mistura os sinais convencionais como LINDA até a criação da imagem dos
cabelos em volta do rosto e que são cacheados. Isso é completamente
possível e criativo, como explicam os estudiosos (idem, ibidem)
Nas línguas sinalizadas, a criatividade parece estar, sobretudo,
na utilização de diversas combinações, em diferentes graus, de
partes linguísticas e partes gestuais para a criação de novas
expressões, para a adição de qualificações às expressões, para
a indicação do ponto de vista e afeto do sinalizador em relação
aos referentes das expressões, para a descrição de lugares,
objetos ou movimentos, para a narração de eventos e para a
explicação de ideias. (McCleary e Viotti, idem, ibidem)
Na sequência narrativa, alguns verbos são usados: TER, TRATAR-BEM
e GOSTAR. Esses verbos aparecem ligados à protagonista e a uma nova
personagem que surge na história, a Vovó40. Nota-se que quando a narradora
finaliza a descrição da protagonista, logo insere no discurso a Vovó, e os
verbos ficam encaixados nesse “espaço” entre a descrição da protagonista e o
ato da vovó em ter feito para a neta a capa vermelha. Depreendemos através
dessas escolhas que a posição em que os verbos são encaixados há uma
organização que estabelece coesão, uma vez que ficam entre o final da
descrição da protagonista e a inserção da nova personagem.
40
Procuramos inúmeras vezes se a sinalizante havia feito a marcação que indica feminino, contudo, notamos que não. O único sinal feito é o registrado com a configuração de mãos na letra V.
128
No momento que a terceira personagem aparece, a mãe, teremos
novamente a inclusão de um gesto que iconicamente representará o cesto. A
narradora opta em representar com a mão direita que está segurando a alça do
cesto e com a mão esquerda o movimento que simboliza colocar o leite e o
bolo dentro desse cesto. Essa representação cênica favorece ao expectador a
ligação que há entre o cesto e o conteúdo nele colocado. É uma estratégia
bastante comum, que consiste em mostrar o objeto e a partir de um espaço
aleatório, depositá-lo em um local determinado pela outra mão.
Figura 65 – Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=JuCVU9rGUa8 Acesso em: 20/01/17
Ação construída
Enfim, procuramos até aqui, apontar alguns elementos gestuais,
movimentos, que combinados aos sinais, favorecem a fluência da narrativa
tanto em coesão quanto em coerência. A seguir, analisaremos o que McCleary
e Viotti (idem, p.297) usou para analisar seu corpus, a chamada “ação
construída”. Em conformidade com eles (idem, ibidem)
Em ações construídas, parte do corpo do sinalizador se
movimenta de maneira a representar iconicamente o
corpo de um personagem humano ou animal, ou para
representar a localização, o posicionamento e a
movimentação de algum objeto ou entidade. (McCleary
e Viotti, idem, ibidem)
Na segunda parte, em que registramos apenas os sinais, fica bastante
comprometido o diálogo que há entre Chapeuzinho e sua mãe. É somente
dentro do contexto que a narradora assume no vídeo que isso fica bastante
claro. Primeiro ela assume o papel de Chapeuzinho, que por ser uma criança,
ao se dirigir a um adulto deveria olhar para cima:
129
Figura 66 – Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=JuCVU9rGUa8 Acesso em: 20/01/17
Notaremos que o lado escolhido para ser a Chapeuzinho será o mesmo
até o final desse trecho, ou seja o lado direito. Já a mãe, olhará sempre para
baixo e estará posicionada do lado esquerdo, sempre sendo representada pela
própria sinalizante, que ora assume o papel da filha, ora da mãe:
Chapeuzinho mãe
Outros momentos que podemos ilustrar essa estratégia:
Figuras 66 – Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=JuCVU9rGUa8 Acesso em: 20/01/17
A sequência de imagens a seguir mostra a mãe aconselhando a filha,
portanto a narradora assume o lado e se posiciona como se ela própria fosse a
mãe de chapeuzinho:
130
Figura 67 – Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=JuCVU9rGUa8 Acesso em: 20/01/17
Em seguida é a vez de assumir a resposta da protagonista, ou seja
Chapeuzinho:
Figura 68 – Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=JuCVU9rGUa8 Acesso em: 20/01/17
De acordo com os pesquisadores (idem, ibidem) muitos estudos dizem
que o fenômeno da ação construída tem valor morfossintático. Em Liddell
(2003) McCleary e Viotti (idem, p.298) encontraram a descrição desse
fenômeno como sendo executado no chamado “espaço sub-rogado”, ou seja,
131
uso do “espaço real com o espaço do evento”. O espaço real, no trecho que
selecionamos, seria a posição de alguém que vai narrar um conto voltado para
o público infantil. O espaço do evento seria o momento que a narradora
abandona a posição de narrador e assume a posição das personagens a fim de
oferecer ao expectador a coesão e coerência necessária, tanto em ações feitas
isoladamente pelas personagens, como em diálogos.
É importante destacar o quanto a organização do discurso no que tange
o uso da ação construída, torna a narrativa mais fluída e intuitiva. Conclui-se
que a coesão e a coerência podem ser detectadas na libras através da
chamada “organização espacial”, que em consonância com McCleary e Viotti
(idem, p. 301) “se faz fundamentalmente pela movimentação do corpo do
sinalizador, por sua postura, por sua expressão facial, pela direção de seu
olhar, acompanhados da realização de um número reduzido de sinais”. No
trecho selecionado, alguns aspectos foram demonstrados, sobremaneira no
que diz respeito posicionamento que a sinalizante ora assume como narradora,
ora personagens. Cientes de que outros aspectos poderiam ser apontados, nos
limitaremos aos limites de nosso estudo e, passaremos para a próxima seção,
não menos importante: intertextualidade.
3.2.6 Intertextualidade: só sabe do diálogo dos textos quem contato com
textos tem
O critério que se refere à relação dialógica existente entre os textos foi
deixado por último intencionalmente. Afinal, acreditamos que ter apresentado
antes os demais aspectos de textualidade nos daria maior suporte para
legitimar a libras como texto e, nessa condição, em construção com outros
textos.
Já sabemos que a intertextualidade não está somente limitada às
produções literárias de célebres nomes, como Erico Veríssimo e o livro Olhai
os Lírios do Campo, título de um de seus romances; Camões e o soneto em
que narra o amor incondicional de Jacó por Raquel e Murilo Rubião e seus
contos. Podemos observar que não são poucos aqueles que erigiram obras a
partir de um contexto bíblico ou em diálogo com outros tantos textos, revelando
relações intertextuais.
132
Como é sabido por todos, também não precisamos estar em uma esfera
publicitária para nos depararmos com o intertexto oriundo da criatividade dos
profissionais do setor. A intertextualidade está em movimento na mesma
velocidade em que a língua se movimenta, tanto no texto escrito quanto no
texto oral e por que não afirmar no texto visual?
Uma língua comprovadamente completa para seus usuários apresenta,
dentro de um contexto interativo em uso, um conteúdo que se forma de
maneira intertextual. Em conformidade com Rosa e Pontin, (2012, p. 8) temos o
seguinte:
Intertextualidade é percebível dentro das inúmeras possibilidades visíveis de uma língua. Na libras a intertextualidade depende do contexto e do que se quer sinalizar. Há multiplicidade de possibilidades, não há restrição linguística. É preciso observar a necessidade da compreensão da LIBRAS como língua transmissora de conhecimento e facilitadora da interação social do sujeito surdo na polifonia inegável das línguas. (ROSA E PONTIN; idem, ibidem)
Quando o surdo aprende ou apreende sua língua materna – ou seja, a
língua de sinais –, percorre o mesmo caminho feito pelo ouvinte na aquisição
da linguagem. Nesse processo, estão as relações dialógicas que existem entre
os textos.
Também em razão de tais observações, os especialistas orientam que
crianças surdas sejam noviciadas o quanto antes na libras. Assim, estarão
inseridas e não mais em desvantagem em relação aos benefícios que somente
uma língua pode proporcionar a qualquer ser humano.
Na seção anterior, analisávamos um vídeo que narrava o conto da
chapeuzinho vermelho, podemos supor que um surdo fluente em libras, tenha
compreendido a história narrada. Será que, a partir de tais conhecimentos,
esse mesmo surdo conseguiria relacionar a propaganda a seguir com o texto-
fonte?
133
Figura 69 – Disponível em: https://linkandoalto.files.wordpress.com/2010/07/boticario-chapeuzinho-
vermelho.jpg Acesso em: 20/01/17
Sabemos que para analisar a propaganda em suas várias
possibilidades, vários conhecimentos precisariam ser ativados, no entanto, a
referência principal fica bem evidente para alguém que já conhece a história da
chapeuzinho vermelho.
Cremos que não se trata de meramente decifrar a propaganda e ser
conduzido por ela em sua finalidade comercial, pelo contrário, saber além da
referência óbvia é estar preparado para as diversas situações que o brasileiro
está sujeito nos dias atuais: desafios no âmbito educacional e profissional.
Exigências no mercado de trabalho. Formação social, política, financeira.
Posicionamento crítico.
Aproveitaremos a ideia defendida nesse último parágrafo para
encerrarmos nossa análise da libras à luz dos critérios de textualidade
apresentados pela linguística textual.
Há outros estudos que se dedicam em desvendar as faces do texto,
como a análise do discurso, a semiótica, a comunicação e, embora os limites
desse estudo nos engesse em uma delimitação sobre os demais estudos do
texto, ao mesmo tempo, também nos instiga a buscar esses novos horizontes.
Resta, portanto, o sentimento de que estamos em um “começo de conversa” e
que novas perspectivas sobre a libras e o texto estão por vir.
134
Considerações finais
O presente estudo teve, como principal propósito, investigar se a língua
brasileira de sinais, a libras, poderia ser também contemplada com as teorias
que definem, estudam e analisam o texto, tal como ocorre com a oralidade e a
escrita. A fim de atingir nosso objetivo, dividimos a pesquisa em quatro
capítulos.
No primeiro, consideramos pertinente apresentar a libras ao leitor,
destacando, sobremaneira, as teorias que a definem com o status de língua.
Em Perini (2010), encontramos descrições relevantes sobre a relação de
linguagem, língua e sociedade. Com Quadros e Karnopp (2000 e 2004),
pudemos revisitar os estudos que contemplam as propriedades que as línguas
naturais possuem.
Para sedimentar a fundamentação teórica, trouxemos estudos que se
debruçam sobre a gramática na libras, principalmente no que diz respeito à
fonologia, à morfologia e à sintaxe. Para tal empreitada, buscamos respaldo em
Quadros e Karnopp (2000 e 2004), Brito (1995) e Campelo (2011).
Em nosso segundo capítulo, procuramos esquadrinhar o texto à luz da
linguística textual. Inicialmente, encontramos em Bagno (2014) algumas
definições relevantes sobre a linguística. Em Koch (2001), Koch e Elias (2013),
Marcuschi (1983) e Fávero (2009), começamos a nossa peregrinação pelo
universo do texto.
Foi em nosso terceiro capítulo que, finalmente, pudemos analisar nosso
corpus: a língua dos surdos brasileiros. Orientados pelo arcabouço teórico,
iniciamos nossa jornada procurando encontrar, na libras, aspectos textuais a
partir de seu status de língua. Posteriormente, sempre com o mesmo objetivo,
encaramos a textualidade na libras por meio da perspectiva da linguística
textual.
É imprescindível afirmar que a contribuição deste estudo para nossa
formação acadêmica e pessoal foi vasta. Incontáveis foram as vezes em que
nos deparamos com a compreensão teórica graças ao nosso corpus. Ao
135
desenvolver um estudo dessa natureza, cremos estar contribuindo com a
sociedade, seja ela acadêmica ou não. E, para nossa surpresa, pudemos notar
que a libras, muitas vezes, nos auxiliou, proporcionando um aprofundamento
acerca desse elemento fundamental em nossa vida acadêmica, profissional e
pessoal chamado texto.
É sabido que há profusos estudos que direcionam seu foco para a língua
de sinais dos surdos brasileiros. Todavia, não encontramos um que tivesse
assumido algum interesse em relacionar a libras com as teorias que circundam
o texto. Queremos nos resguardar, dizendo que, se houve, não chegou ao
nosso conhecimento.
A contribuição que queremos destacar de nossa pesquisa para a
comunidade acadêmica é dessa possível perspectiva para a libras: aquela que
faz uma negociação de olhares, sendo das teorias que contemplam o texto
para a libras e o contrário, ou seja, as teorias que contemplam a libras para o
texto. Sabemos que há muito a ser desbravado. Há campos de conhecimentos
que não puderam ser explorados, uma vez que existe um limite para um
levantamento deste tipo. Almejamos, portanto, que essa pesquisa seja quiçá
um encetamento, uma amostragem de possíveis veredas a serem sondadas
dentro da temática que procuramos despertar.
No que diz respeito ao prisma pessoal, repetimos, o presente trabalho foi
gratificante. Cada vez que reexaminamos a libras, deparamo-nos com um
universo sui generis. Notamos que sempre existe novidade, mesmo na
literatura já tantas vezes consultada em nossa trajetória, não somente
acadêmica, mas pessoal também. Sobre as teorias que se debruçam em
deslindar o texto, há, além da sapiência adquirida, que tanto nos fortalece
como profissionais, estudantes e pesquisadores da área, o deleite em
compreender esse objeto que nos cativa há anos.
Destarte, ao encerrarmos nosso estudo, não queremos que esse
regozijo se limite a nós. Almejamos que tenha havido uma contribuição
assertiva para as reflexões sobre o texto, mas não o texto com o qual estamos
acostumados. Falamos de um texto novo, enredado pelas mãos, pela força
expressiva, pelas possibilidades espaço-visuais, um texto que cumpre
perfeitamente seu papel para seus usuários, o texto dos surdos. Não aquele
texto que tantas vezes é mencionado como insatisfatório, pois é
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preconceituosamente comparado ao texto escrito de um ouvinte. Pelo
contrário. Esperamos que tenhamos colaborado para difundir a perfeição que
há em um texto do surdo, o texto gestual do surdo, a sua língua: a libras.
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