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Universidade Estácio de Sá
Programa de Pós-graduação em Educação (PPGE)
A Educação Online e o Desafio da Formação do Sujeito na
Incerteza da Transição de Paradigma
Comunicação apresentada ao 9º Encontro – Educação e Tecnologias de Informação e
Comunicação (9º E-TIC), Evento Organizado pelo Programa de Pós-graduação em
Educação da Universidade Estácio de Sá – Rio de Janeiro 27 e 28 de Outubro de 2011.
Autor: Maurílio Luciano Sabino Luiele (doutorando PPGE)
Orientador: Professor Marco Silva
Rio de Janeiro, Outubro 2011
Resumo:
A primeira década do século XXI registra profundas alterações na configuração social a
escala planetária o que se supõe tratar-se de um período conturbado de transição em
direção a uma ordem global de contornos ainda indefinidos. Em movimento paralelo,
alguns autores registram sinais que sugerem uma crise no paradigma de racionalidade
da modernidade responsável em grande medida pelos avanços científicos e
tecnológicos registrados nos séculos XIX e XX. Em face disso, um clima de incerteza
parece dominar o panorama planetário neste início de século o que redobra a
importância do papel da Educação na formação do sujeito capaz de conviver neste
ambiente de incerteza. Em um ambiente marcado por uma pletora de manifestações
da cibercultura, fruto do desenvolvimento de novas tecnologias de informação e
comunicação urge a Educação se ajustar incorporando o modelo comunicacional
emergente para se situar a altura do desafio da formação do sujeito da incerteza. A
Educação Online (EOL) se apresenta assim como uma modalidade de Educação com
muitas potencialidades. Neste trabalho discutem-se as possibilidades que a EOL
oferece para formar o sujeito neste período de transição.
Palavras-chave: Paradigma de racionalidade; Educação Online; cibercultura
INTRODUÇÃO
Verdadeiros movimentos tectônicos vêm abalando de forma sísmica a
sociedade em escala planetária nesta primeira década do século XXI sugerindo estar
em curso um período de transição para uma nova ordem social, amplamente
modificada, cujos contornos não estão ainda completamente definidos. Nesta fase de
transição vários paradigmas, mormente aqueles que coordenaram a vida social na
modernidade, vêm sendo questionados fazendo pairar um ambiente dominado pela
incerteza em detrimento da certeza que deixa o sujeito vulnerável à crises emocionais,
de identidade e mesmo existenciais, que devem ser compreendidas e devidamente
contextualizadas. Com efeito, assiste-se a uma completa reconfiguração social, que, de
um modelo essencialmente piramidal hierarquizado talhado por ideologias e
metanarrativas homogeneizantes vem assumindo de forma cada vez mais perceptível
uma configuração reticular não hierarquizada alimentada por informação profusa
sustentada pelas novas tecnologias de comunicação e informação. Com isso o modelo
de comunicação unidirecional até então hegemônico tende a ceder lugar a um modelo
comunicacional bidirecional que contempla interatividade e que remete o sujeito
necessariamente a um papel mais ativo nos pontos de fluxo de informação em que se
situa ao contrário do papel de receptor passivo que desempenhava no modelo
comunicacional anteriormente hegemônico.
O próprio modelo de racionalidade da modernidade caracterizado pela lógica
e objetividade que está na base dos grandes avanços tecnológicos e sociais que a era
moderna registrou parece que não tem escapado ileso destes movimentos convulsivos
e autores como Santos, (2003) e Morin (1990, 2008, 2011) vêm registrando em seus
múltiplos estudos sinais que apontam para a emergência de um novo paradigma de
racionalidade que busca não apenas objetividade, mas que considera importantes as
subjetividades no ato de conhecer procurando desse modo escapar da simplificação e
reducionismo muitas vezes presentes no conhecimento racional objetivo. Morin,
2007(pág, 46) é incisivo ao afirmar que “o mundo atual não se pode conceber como
um sistema organizado, racional. É um caos, uma vertigem em movimento. É muito
difícil entender o que se passa”. E socorre-se de Ortega y Gasset para afirmar que “não
sabemos o que se passa. E é isso que se passa” (MORIN, 2007, pág. 46). No meio desse
turbilhão situa-se o sujeito, procurando reencontrar o norte, aprisionado nas
contradições da globalização impiedosa, em busca de uma “tribo” que o acolha, para
que, identificando-se, possa dar sentido à sua existência. A comunicação encontra aqui
um espaço fecundo tornando-se um elemento vital para a busca de sentido e fuga à
exclusão, mas, é preciso conjugar comunicação e compreensão, pois, segundo Morin,
“estamos num planeta de tantas comunicações e pouca compreensão” e “não basta
multiplicar as formas de comunicação, também é preciso a compreensão” (MORIN,
2007, pág. 43).
Assim, um dos grandes desafios neste início do século parece ser capacitar o
sujeito a conviver com a incerteza. Para Edgar Morin,
“... a consciência da complexidade faz-nos compreender que não
poderemos nunca escapar à incerteza e que não poderemos nunca ter um
saber total... estamos condenados ao pensamento inseguro, a um
pensamento crivado de buracos, um pensamento que não tem nenhum
fundamento absoluto de certeza. Mas somos capazes de pensar nestas
condições dramáticas” (Morin, 1990, pág.)
O que Morin (1990) parece sugerir é uma forma diferente de olhar e pensar o
mundo, uma outra racionalidade, talvez, já que no contexto incerto que nos move “ser
sujeito é ser autônomo, sendo ao mesmo tempo dependente. É ser provisório,
vacilante, inseguro, é ser quase tudo por si e quase nada pelo universo”. Enfrentar a
incerteza será assim compreender o mundo na sua complexidade e contradições,
separar e tudo religar e assim encontrar a certeza na incerteza. Uma tal racionalidade
é possível? Morin, 2011 (a), pág. 43, diz que “é preciso compreender que o universo é
complexo e que, para nossa mente, incluirá sempre incerteza e contradição” por isso
entende que,
“... precisamos de uma racionalidade complexa que enfrente as
contradições e a incerteza sem asfixiá-las ou desintegrá-las. Isso implica uma
revolução epistemológica, uma revolução no conhecimento. Precisamos tentar
repudiar a inteligência cega que nada vê além de fragmentos separados e que é
incapaz de ligar as partes e o todo, o elemento e seu contexto; que é incapaz de
conceber a era planetária e de apreender o problema ecológico” (MORIN, 2011,
pág. 42).
Enfrentar os problemas hoje implica, pois, considerar que eles comportam
“incertezas e imprevisibilidades, interdependências e inter-retroações, em extensão
planetária relativamente rápida com descontinuidades, não linearidades,
desequilíbrios, comportamentos ‘caóticos’ e bifurcações” sendo assim necessário “um
pensamento que reconheça sua imperfeição e negocie com a incerteza, sobretudo na
ação, porque não existe ação senão no incerto” (MORIN, 2011, pág. 60).
Picanço, 2001, nota que a idéia de desordem como um componente dos
fenômenos naturais, nasce da física, daí advindo a idéia de incerteza. Refere ainda
Picanço que,
“isso acontece no bojo dos questionamentos acerca dos princípios da
ciência moderna – da ordem presidindo o movimento do universo, da separação
das coisas do meio natural e a fragmentação no intuito de controlar e conhecer, da
coerência racional através da obediência aos princípios clássicos - que tem
procurado pela certeza”. (PICANÇO, 2001)
Esta autora entende que “as ciências sistêmicas que surgem no século XX
correm em paralelo com a notória insuficiência e dependência das ciências clássicas” o
que, no seu entender, “contribui com a idéia de que a compreensão se dá pela
contextualização e globalização da informação, pela integração num conjunto que dá
sentido à informação, não separada, não compartimentalizada, através de uma razão
aberta, não substituindo uma coisa por outra, mas dialogando”. (PICANÇO, 2011).
Assim urge capacitar o sujeito de modo a colocar-se de maneira firme e
segura no centro deste turbilhão o que significa capacitá-lo a atuar como um sujeito
crítico, capaz de resistir às tentações consumistas e enveredar pelo consumo
consciente, socialmente incluído e não marginalizado, capaz, portanto, de absorver
positivamente as amplas mudanças que se assistem. Trata-se de um sujeito inquieto,
inconformado, capaz de questionar e examinar conscientemente as possibilidades que
se colocam diante de si e assim posicionar-se de forma cidadã diante delas. É que,
como afirma Morin,
“mesmo a realidade mais objetiva sempre tem um lado mental e subjetivo.
Para conhecer a realidade, é necessário um sujeito capaz de pensar de modo
autônomo e crítico e, por isso mesmo, capaz de questionar as verdades que
parecem dogmas evidentes no sistema de idéias em que se encontram” (MORIN,
2011, pág. 142)
Este cenário representa, pois, um grande desafio à Educação que tem
grande responsabilidade em capacitar o sujeito a enfrentar os desafios colocados ao
exercício da cidadania e a enfrentar a incerteza característica do nosso tempo. Isto
implica que a Educação também ela seja objeto de ampla reconfiguração visando
ajustar-se ao modelo social emergente com suas pujantes tecnologias de informação e
comunicação e incorporando o modelo comunicacional inerente. Assim temos
assistido a um recrudescimento de ações no âmbito da Educação à Distância (EaD) com
o propósito de ampliar a oferta em Educação diante de demandas crescentes em
decorrência dos movimentos atrás referidos. Contudo, muitas destas ações em EaD
tendem a reproduzir modelos de educação obsoletos pela sua incapacidade de formar
o sujeito que o novo tempo requer. A modalidade de Educação Online oferece amplas
possibilidades para aliar as tecnologias de informação e comunicação (TIC) ao novo
modelo social e comunicacional e assim abrir amplas possibilidades para contribuir de
forma decisiva para formar o sujeito nos termos que o tempo conturbado em que
vivemos exige. Mas é preciso assinalar que as técnicas não agem por si só, ou seja,
podem estar disponíveis, mas, de nada servirão se o homem, o sujeito afinal, não for
capaz de usá-las racionalmente e não apenas de forma instrumental. Por isso “os
professores precisam ser formados para o uso crítico e criativo dos meios de
comunicação e ultrapassar a mera racionalidade tecnológica”, para o que precisarão
entender “os meios como ferramentas de comunicação e não de simples transmissão,
promovendo o diálogo e a participação, para gerar e potenciar novos emissores ao
invés de contribuir para o crescimento de emissores passivos” (KAPLÚN, 1999 apud
CERNY e ERN, 2001, pág. 11).
O PARADIGMA DE RACIONALIDADE EM GESTAÇÃO
Para Sousa Santos (2003, pág. 20) o modelo de racionalidade que preside à
ciência moderna, tem a sua origem no século XVI a partir da revolução científica
aplicado basicamente às ciências ditas naturais. No século XIX este modelo de
racionalidade se estende então às ciências sociais emergentes podendo-se falar, desde
essa altura, de um modelo global de racionalidade científica. Este modelo caracteriza-
se fundamentalmente pelo seu caráter totalitário, na medida em que “nega o caráter
racional a todas as formas de conhecimento que se não pautarem pelos seus princípios
epistemológicos e pelas suas regras metodológicas”. Trata-se de um modelo “que
admite variedade interna, mas que se distingue e defende, por via de fronteiras
ostensivas e ostensivamente policiadas” de outras formas de conhecimento
entendidas assim como não científicas e, portanto, irracionais (SANTOS, 2003, pág. 21).
Este paradigma de racionalidade, cuja consciência filosófica lhe foi atribuída por Bacon
e Descartes moldou-se, sobretudo, com a teoria heliocêntrica dos movimentos dos
planetas de Copérnico, com as leis de Kepler sobre as órbitas dos planetas e de Galileu
sobre a queda dos corpos que desembocaram na grande síntese da ordem cósmica de
Newton (idem, 2003, pág. 22). Daí emana uma nova visão do mundo e da vida que
“reconduz-se a duas distinções fundamentais, entre conhecimento científico e
conhecimento do senso comum, por um lado, e entre natureza e pessoa humana, por
outro, distinção que se tornará num traço profundo desta racionalidade. Outros traços
serão o rigor, emprestado essencialmente pelas idéias matemáticas, e a objetividade
assente na redução da complexidade. Diz Sousa Santos que,
“Um conhecimento baseado na formulação de leis tem como pressuposto
metateórico a idéia de ordem e estabilidade do mundo, a idéia de que o
passado se repete no futuro. Segundo a mecânica newtoniana, o mundo da
matéria é uma máquina cujas operações se podem determinar exatamente por
meio de leis físicas e matemáticas, um mundo eterno a flutuar num espaço
vazio, um mundo que o racionalismo cartesiano torna cognoscível por via da
sua decomposição nos elementos que o constituem. Esta idéia do mundo-
máquina é de tal modo poderosa que se vai transformar na grande hipótese
universal da época moderna, o mecanicismo” (SANTOS, 2003, pág. 30),
A epistemologia anglo-saxônica dos anos 1950-60 do século passado,
capitaneada justamente por Karl Popper, “descobriu (redescobriu) que nenhuma
teoria científica pode pretender-se absolutamente certa” (MORIN, 1990). Desse modo
acabou inaugurando um novo conceito de ciência, “que deixou de ser sinônimo de
certeza para se tornar sinônimo de incerteza, ou melhor, de fiabilismo (MORIN, 1990).
Desde esse momento foi posta em causa toda a tentativa para “adquirir e
fundamentar a certeza científica”. Com efeito, até então, acreditava-se que o
conhecimento científico assentava sobre dois fundamentos seguros: a objetividade dos
enunciados científicos, estabelecida pelas verificações empíricas, e a coerência lógica
das teorias que se fundavam nestes dados objetivos. Este edifício, aparentemente
sólido, ruiu diante da constatação por Popper de que
“nossas tentativas de ver e descobrir a verdade não são definitivas, mas
passíveis de aprimoramento; que nosso conhecimento, nossa doutrina, é
conjectural, consiste em suposições, em hipóteses, e não em verdades
definitivas e certeiras; e que a crítica e o debate são os únicos meios de
chegar mais perto da verdade. Isso criou a tradição de conjecturas ousadas e
de crítica livre, a tradição que deu origem à atitude racional ou científica e,
com ela, à nossa civilização ocidental, a única civilização baseada na ciência
(embora, é claro, não apenas nela). (Popper, 2010, pág. 29)
Popper vai mais longe quando afirma que “na ciência fazemos o melhor
possível para descobrir a verdade, mas sabemos que nunca poderemos ter a certeza
de havê-la alcançado. Aprendemos no passado, à custa de muitas decepções que não
devemos esperar algo definitivo e a não ficar decepcionados quando nossas teorias
científicas são superadas” e argumenta,
“não existe um critério de verdade ao nosso dispor, e isso corrobora o
pessimismo. Contudo, dispomos de critérios que, se tivermos sorte, podem
nos permitir reconhecer o erro e a falsidade. Clareza e nitidez não são
critérios de verdade, mas obscuridade e confusão podem indicar erros. Da
mesma maneira, a coerência não pode determinar a verdade, mas a
incoerência e a inconsistência determinam a falsidade. Quando são
reconhecidos nossos próprios erros proporcionam a tênue luz vermelha que
nos ajuda a tatear para fora das trevas de nossa caverna”. (Popper, 2010,
pág. 53)
Apesar da fumaça que, nesta perspectiva, parece envolver a busca da
verdade, Popper acredita que “vale a pena tentarmos aprender algo sobre o mundo,
mesmo que nessa tentativa só aprendamos que não sabemos muita coisa. Esse estado
de douta ignorância pode ser útil em muitas de nossas dificuldades” (Popper, 2010,
pág. 54). O que sobressai, portanto, das constatações de Popper é o caráter provisório
das teorias científicas o que “equivale a dizer que todas as leis e teorias são
conjecturas ou hipóteses provisórias” que podem ser refutadas com base em novos
dados (Popper, 2010, pág. 101). Para ele o que distingue a ciência de outras formas de
busca da verdade (mitos, religião) é a ousadia dos cientistas em prever aspectos do
mundo das aparências que passaram despercebidos até então, mas que este mundo
deve possuir se a realidade conjecturada estiver correta e se as hipóteses explicativas
forem (aproximadamente) verdadeiras, ousadia que permite o teste do seu conflito
com a realidade e a refutação da teoria inerente ². Portanto, “as idéias ousadas são
hipóteses ou conjecturas novas e arrojadas. E as rigorosas tentativas de refutá-las são
debates críticos e testes empíricos severos”. (Popper, 2010, pág. 115). A questão que
se coloca então é como aprimorar e desenvolver este conhecimento conjectural.
Popper evoca o princípio da preferência assente em motivos puramente racionais,
regidos pela idéia da verdade, como fundamental para que determinadas teorias
sejam preferidas em relação às rivais. Assim salienta que regidos pela idéia da verdade
e na busca de uma verdade nova e interessante “somos levados à idéia de aumento do
conteúdo informacional e, em especial, do teor da verdade”, e conclui que,
“de modo geral, uma teoria com grande conteúdo informativo é mais
interessante, antes mesmo de ser testada, do que uma teoria com pouco
conteúdo. Talvez tenhamos de abandonar a teoria com conteúdo maior,
mais ousada, se ela não resistir aos testes. Mesmo nesse caso, porém, talvez
aprendamos mais com ela do que com uma teoria de pouco conteúdo, pois
às vezes os testes refutadores revelam fatos e problemas novos e
inesperados (Popper, 2010, pág. 111).
Assim, deixam de ter sentido as tentativas que visam dar um fundamento
lógico absoluto às teorias científicas, instalando-se assim uma crise dos fundamentos
do conhecimento científico, que para Morin (2002) é um aspecto importante da crise
de fundamentos que afeta todo o pensamento contemporâneo.
Popper, que entende “a epistemologia como a teoria do conhecimento
científico”, vai questionar a epistemologia tradicional ao considerar que esta “tem
estudado o conhecimento ou o pensamento em um sentido subjetivo” o que, segundo
ele, “levou os estudiosos da epistemologia a irrelevâncias: pretendiam estudar o
conhecimento, mas, na verdade, estudaram algo que não tem relevância para esse
conhecimento” (Popper, 2010, pág. 59). Para este filósofo das ciências, o relevante
seria “estudar os problemas científicos e as situações problemáticas, as conjecturas
científicas, os debates científicos, os argumentos críticos e o papel que a evidência
desempenha nos argumentos” (idem, pág. 62). Propõe assim uma epistemologia
objetivista para a qual “é decisivo estudar um Mundo 3 de conhecimentos objetivos,
um mundo predominantemente autônomo” 1. Apesar de reconhecer que existe um
“intenso efeito de retroalimentação” entre o mundo subjetivo, e que o conhecimento
objetivo aumenta como resultado desta interação, a epistemologia objetivista de
Popper pressupõe que o estudo dos produtos, isto é, do mundo 3 “é mais importante
do que o estudo dos problemas de produção” já que “... contrariando a impressão
imediata, o estudo dos produtos nos ensina mais sobre o comportamento de produção
do que o estudo desse comportamento nos ensina sobre os produtos (Popper, 2010,
pág. 64). Popper que chega a esta conclusão ao estabelecer analogia entre o
crescimento do conhecimento e o crescimento biológico, considerando, por exemplo,
que o estudo de estruturas produzidas por animais como teias de aranha forneceriam
informações relevantes sobre as condições de produção e comportamento dos
animais, cunha esta tese de antibehaviorista e antipsicologista, mas admite que o
comportamento humano seja a causa das estruturas objetivas para as quais reclama
prioridade. O paradoxo da epistemologia objetivista popperiana é que, ao considerar
as teorias científicas constituintes do mundo 3, como conjecturas e, portanto sujeitas à
1 Popper, por mera conveniência, considera existirem três mundos ou universos diferentes: o primeiro
seria segundo ele, o mundo dos objetos físicos ou dos estados físicos; o segundo seria o mundo dos estados de consciência ou dos estados mentais, ou, talvez, das predisposições comportamentais à ação; o terceiro seria o mundo dos conteúdos objetivos do pensamento, em especial dos pensamentos científicos e poéticos e das obras de arte (Popper, 2010, pág. 57). Para o autor a epistemologia enquanto teoria do conhecimento científico, deveria se ocupar essencialmente do estudo do mundo 3 e considera que, o fato de se ter dedicado fundamentalmente ao estudo do mundo 2, subjetivo só a conduziu a irrelevâncias. Popper confere certa autonomia ao mundo 3, do conhecimento objetivo, por considerar que, apesar de construído pelo homem, pode existir sem ele, “cria seu próprio campo de autonomia” (Popper, 2010, pág. 68) pela sua inata potencialidade para ser interpretado, compreendido, enfim, decifrado.
refutação por meio de testes severos e do debate crítico, deixou assim evidente a
marca da comunicação intersubjetiva entre observadores e experimentadores na
definição deste mundo objetivo. Ele próprio afirma que a objetividade dos enunciados
científicos reside no fato de poderem ser intersubjetivamente submetidos a testes
(Popper, apud Morin, 2002, pág. 16). Desse modo não devem ser desprezíveis as
funções recursivas entre o mundo subjetivo e o mundo 3 o que relativiza a autonomia
atribuída a este por Popper. Na verdade, “a objetividade que é o elemento primeiro e
fundador da verdade e da validade das teorias científicas, pode ser considerada, ao
mesmo tempo, como o último produto de um consenso sociocultural e histórico da
comunidade/sociedade científica” (Morin, 2002, pág. 16) Morin encontra a explicação
para esse fato na gênese ectodérmica do cérebro que “encerrado numa caixa negra”
recebe mensagens de forma indireta e codificada, interpreta e traduz estas mensagens
à sua maneira, a imagem do original, de modo que,
“... não há nenhum critério intrínseco que permita diferenciar uma
alucinação de uma percepção, o que prova bem que nada nos diz, de uma
forma infalível e certa, que o que cremos ver é verdadeiramente visto, é
verdadeiramente real... mas é possível, através da comunicação entre espíritos,
verificar a percepção, daí a necessidade da comunicação intersubjetiva para
estabelecer a objetividade do que é percepcionado. Uma vez mais se vê que o
problema da objetividade do conhecimento não é simples, necessita da
comunicação entre espíritos, mas não é menos certo que esta comunicação não
consegue nunca anular e apagar totalmente um princípio de incerteza inscrito
na própria natureza do nosso conhecimento. (MORIN, 2002, pág. 26)
Na verdade, ao rotular de irrelevantes os estudos que incidem sobre o mundo
subjetivo, Popper não faz mais do que subscrever “o grande paradigma do Ocidente”
que Descartes formulou ao separar o sujeito (ego cogitans) do objeto (res extensa). O
mundo 3 na verdade, sobrepõe-se à res extensa cartesiana. Esta disjunção remete o
sujeito para a filosofia e o objeto para a ciência e bloqueia a comunicação entre os dois
campos do conhecimento; obedece, portanto, a uma lógica redutora que, no entender
de Morin “não permite pensar a unidade na diversidade ou a diversidade na unidade, a
unitas multiplex, só permite ver unidades abstratas ou diversidades também abstratas
porque não coordenadas” (Morin, 2002, pág. 31). Por isso, limitar o foco da
epistemologia ao mundo 3 tal como propõe Popper seria necessariamente mutilar o
pensamento e, como diz Morin (ibidem), “o pensamento mutilante, isto é, o
pensamento que se engana, não porque não tem informação suficiente, mas porque
não é capaz de ordenar as informações e os saberes, é um pensamento que conduz a
ações mutilantes”. Morin vai mais longe ao afirmar que
“... quando se mergulha na investigação do que é a cientificidade, o
conhecimento científico vêem-se surgir muitos temas não científicos... a
cientificidade é a parte emersa de um icebergue profundo de não-
cientificidade. A descoberta de que a ciência não é totalmente científica é, a
meu ver, uma grande descoberta científica. Infelizmente, a maior parte dos
cientistas ainda não a fizeram...” (Morin, 2002, pág. 18)
Coincide com Popper quando afirma “que o progresso dos conhecimentos
constitui ao mesmo tempo um grande progresso do desconhecimento” (ibidem, pág.
20) e por isso entende que “todos os elementos constitutivos do conhecimento
científico – uns que têm suas raízes na cultura, na sociedade, outros no modo de
organização das idéias, da teoria – obrigam-nos a uma interrogação que excede o
quadro da epistemologia clássica”, pois, nos leva “a encarar o problema da relação do
espírito humano, da teoria, relativamente ao real. (Morin, 2002, pág. 18). Considera
Morin (2011, pág. 142) que “a subjetividade não é inimiga do exame objetivo das
realidades” pelo que é necessário “estabelecer o difícil diálogo entre a reflexão
subjetiva e o conhecimento objetivo” (Morin, 2008, pág. 29) de modo a “operar uma
nova articulação do saber, assim como um esforço de circulação do saber e um esforço
de reflexão fundamental” (ibidem, 2002, pág. 20). O que Morin está propondo é de
fato uma epistemologia da complexidade que se opõe ao paradigma da simplificação
que sustenta a visão de que o mundo é uma máquina determinista perfeita em que
desordem, incerteza e o aleatório são simplesmente rechaçados. Na verdade, embora
fecundo, na medida em que sob ele se produziram grandes descobertas, o paradigma
da simplificação se vê impotente para enfrentar as grandes contradições que vêm
surgindo na física e biologia; ao separar em especialidades as diferentes ciências
(disjunção) e ao unificar o disperso buscando a ordem absoluta (redução), a
simplificação perdeu de vista as interações entre estas que são fundamentais para
entender a relação dialética entre ordem e desordem, certeza e incerteza. Portanto,
pensar na complexidade é “apreender tais interações a partir da ótica da diversidade,
da incorporação do acaso, da incerteza e, portanto, como superação da causalidade
linear, do determinismo simplificador (Silva, 2010).
Paulo Freire também encontra a complexidade na estrutura social e afirma:
“Não há permanência da mudança fora do estático, nem deste fora da
mudança. O único que permanece na estrutura social, realmente, é o jogo
dialético da mudança-estabilidade. Desta forma, a essência do ser da estrutura
social não é a mudança nem é o estático, tomados isoladamente, mas a
“duração” da contradição entre ambos”. (FREIRE, 1979, pág.45)
Diz ainda Paulo Freire
“Como um ser de práxis, o homem, ao responder aos desafios que partem
do mundo, cria seu mundo: o mundo histórico-cultural... Todo este mundo
histórico-cultural, produto da práxis humana, se volta sobre o homem
condicionando-o. Criado por ele, o homem não pode, sem dúvida, fugir dele.
Não pode fugir do condicionamento de sua própria produção”. (ibidem, pág.46)
Por isso Paulo Freire conclui em relação à estrutura social que “é preciso
tomá-la na sua complexidade”, pois “se não a entendemos em seu dinamismo e em
sua estabilidade, não teremos dela uma visão crítica”. (ibidem, pág. 45). Vemos assim
que o posicionamento crítico inerente ao exercício da cidadania pressupõe antes de
mais a visão da complexidade que a estrutura social encerra. Ainda assim Morin
considera que uma imposição da complexidade como paradigma surgirá do conjunto
de novas concepções, de novas visões, de novas descobertas e de novas reflexões que
vão conciliar-se e juntar-se. Neste contexto o paradigma da simplificação ficará
esgotado e a complexidade basear-se-á sobre a predominância da conjunção
complexa. Tudo isso, diz Morin, “será uma tarefa cultural, histórica, profunda e
múltipla”. (MORIN, 1990, pág. 113).
CIBERCULTURA E EDUCAÇÃO
A conjunção e recursão entre as formas de sociabilidade pós-moderna e o
desenvolvimento tecnológico que caracterizou a segunda metade do século XX fez
emergir uma nova forma sociocultural que “revolucionou” hábitos sociais, práticas de
consumo cultural, ritmos de produção e distribuição de informação que resultaram em
novas relações no trabalho e no lazer, novas formas de sociabilidade e de comunicação
e, até mesmo, impondo novas relações com o saber. Emerge deste modo a
CIBERCULTURA, que, segundo André Lemos (2010) representa um “conjunto
tecnocultural impulsionado pela sociabilidade pós-moderna em sinergia com a
microinformática e o surgimento das redes telemáticas mundiais”. Para Lévy, o termo
cibercultura “especifica o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas,
de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente
com o desenvolvimento do ciberespaço” (Lévy, 1999, pág. 17). É, portanto, no
ciberespaço que a cibercultura se realiza. Assim, para Lemos, “toda a economia, a
cultura, o saber, a política do século XXI, vão passar (e já estão passando) por um
processo de negociação, distorção, apropriação a partir da nova dimensão espaço-
temporal de comunicação e informação planetárias que é o ciberespaço” (Lemos 2002,
pag.127). Para Lévy, o ciberespaço define-se como “o espaço de comunicação aberto
pela interconexão mundial dos computadores e das memórias dos computadores”. O
termo refere-se “não apenas à infra-estrutura material da comunicação digital, mas
também o universo oceânico de informações que ele abriga, assim como os seres
humanos que navegam e alimentam esse universo” (Lévy, 1999). Fica assim evidente
que o ciberespaço instaura uma nova pragmática das comunicações. Para Lemos “as
novas tecnologias de informação devem ser consideradas em função da comunicação
bidirecional entre grupos e indivíduos, escapando da difusão centralizada da
informação massiva” (Lemos 2002). Assim, a comunicação unidirecional, massificadora
corporizada pelos media de massa como a imprensa e rádio e que encontrou na
televisão sua máxima sofisticação rivaliza agora com a comunicação dialógica “... onde
a circulação de informações não obedece à hierarquia da árvore (um - todos), e sim à
multiplicidade do rizoma (todos - todos)” (Lemos 2002). Uma das conseqüências que
daí decorre é a ampliação do espaço de conversação mundial como o demonstra a
expansão de sistemas e ferramentas de comunicação como blogs, wikis, podcasting,
softwares sociais. É importante ter em conta que não se trata da simples substituição
da comunicação de massa, mas sim, de uma reconfiguração da paisagem
comunicacional já que o modelo de informação baseado na lógica da distribuição das
mídias de massa persistirá, mas, ao mesmo tempo, se vai assistir a um crescimento do
modelo conversacional das mídias digitais e redes telemáticas (Lemos & Lévy, 2010).
O paradigma da universalidade e totalidade evocado por Lévy para explicar a
pragmática comunicacional do ciberespaço se ancora na epistemologia moriniana da
complexidade. Também Marco Silva (2010, pág. 18) percebe “uma oportuna
compatibilidade entre a epistemologia da complexidade de Morin e a modalidade
comunicacional (interativa) disponibilizada pelas tecnologias hipertextuais ou novas
tecnologias informáticas”. Deste modo, apesar de considerar que as novas tecnologias
renovam a relação do usuário com a imagem, com o texto e com o conhecimento e
que são, de fato, um novo modo de produção do espaço visual e temporal mediado,
entende que a mudança estrutural da pragmática comunicacional não ocorre
simplesmente porque o computador tornou-se conversacional. No seu entender ela
emerge de uma conjunção complexa envolvendo interações das esferas social,
tecnológica e mercadológica. É que, como descreve Lévy:
O ciberespaço se constrói em sistema de sistemas, mas, por esse mesmo fato,
é também o sistema do caos. Encarnação máxima da transparência técnica
acolhe, por seu crescimento incontido, todas as opacidades do sentido.
Desenha e redesenha várias vezes a figura de um labirinto móvel, em expansão,
sem plano possível, universal, com qual o próprio Dédalo não teria sonhado.
Essa universalidade desprovida de significado central, esse sistema da
desordem, essa transparência labiríntica, chamo-a de “universal sem
totalidade”. Constitui a essência paradoxal da cibercultura (Lévy, 1999, pag.
111).
É sensato acreditar que um sistema assim não pode ser abordado no quadro
de um “paradigma da simplificação”, mas, antes uma abordagem que busca
compreender e atender sua complexidade, sua natureza fractal, agregadora e, ao
mesmo tempo, disjuntora, ou seja, na perspectiva do pensamento complexo que
aspira ao conhecimento multidimensional, mas tem ciência que o conhecimento
completo é impossível. Na verdade, um dos axiomas da complexidade é a
impossibilidade, mesmo em teoria, de uma onisciência (Morin, 1990, pág. 100).
A cibercultura é, portanto, nos dias de hoje, uma realidade insofismável. O
nosso cotidiano é marcado por traços que deixam exposta esta realidade. A cada vez
maior percepção dos traços da cibercultura deve-se à crescente expansão do
ciberespaço. Para Lemos (2010, pag. 45):
...As novas tecnologias de informação e comunicação alteram os processos
de comunicação, de produção, de criação e de circulação de bens e serviços
neste início de século XXI, trazendo uma nova configuração social, cultural,
comunicacional e, conseqüentemente, política. Essa nova configuração
emerge com os três princípios básicos da cibercultura: liberação da emissão,
conexão generalizada e reconfiguração social, cultural, econômica e política.
Estes princípios vão nortear os processos de “evolução cultural”
contemporâneos. Sob o prisma de uma fenomenologia do social, esse tripé
(emissão, conexão, reconfiguração) tem como corolário a mudança social na
vivência do espaço e do tempo (Lemos e Lévy, 2010, pag. 45).
O primeiro princípio, aqui evocado por Lemos é o da liberação do pólo da
emissão que se constitui na LIBERAÇÃO DA PALAVRA em seu sentido mais amplo: sons,
imagens, textos, produzidos e distribuídos livremente, fruto da paisagem
comunicacional contemporânea propiciada pelas novas mídias e suas funções pós-
massivas (Lemos e Lévy, 2010, pag. 87) Estes autores sustentam ainda que o “interesse
não é de um sistema destruindo o outro, mas garantir a amplitude da diversidade
trazida pelas funções pós-massivas, e sustentar que esse novo quadro expressa um
enriquecimento da paisagem midiática contemporânea. O segundo princípio, da
interconexão generalizada, resulta no alcance planetário do ciberespaço, transpondo
fronteiras geográficas e culturais enquanto o terceiro princípio se refere a uma
profunda transformação de estruturas sociais, instituições e práticas comunicacionais.
Esses três princípios estão na base do “progresso” da cultura como um todo. A
liberação da emissão, a conexão planetária e a conseqüente reconfiguração social,
política e cultural emergem da nova potência da liberação da palavra (grifo meu) que
as tecnologias digitais possibilitam, servindo para recombinar e criar processos de
inteligência, de aprendizagem e de produção coletivos e participativos (Lemos e Lévy,
2010, pag. 46). Lévy, por seu turno, entende que a inteligência coletiva é um dos
principais motores da cibercultura e o ciberespaço é assim um dos instrumentos
privilegiados da inteligência coletiva e, como seu suporte, esta se torna uma das
principais condições do seu desenvolvimento, havendo aqui um processo de retroação
positiva, fenômeno complexo e ambivalente que resulta na “automanutenção da
revolução das redes digitais” (Lévy, 1999).
Educar em nosso tempo deve ser muito mais do que preparar o sujeito para o
mercado de trabalho. A educação hoje deve abrir muito mais seus horizontes, deve
ajudar o sujeito a construir uma consciência cidadã, consciência crítica que o engaja no
ideal de construção de um mundo melhor. Isto implica que o sujeito aprenda a olhar o
mundo desde uma perspectiva complexa e não apenas no prisma da simplificação. Só
assim ele se torna apto a “aprender a aprender” condição necessária para que possa
dar conta do ecossistema caótico de informações no qual se insere. É evidente que a
escola centrada na lógica da distribuição na qual teima em persistir não é capaz de
aportar ao sujeito esta educação que o nosso tempo reivindica pelo que é necessário
“modificar este modelo, promover efetivamente as bases da comunicação livre e
plural – a participação, a bidirecionalidade e a multiplicidade de conexões (Silva, 2010,
pág. 188). Isto significa antes demais reconfigurar a sala de aula de modo a incorporar
a dinâmica comunicacional que o novo contexto sócio-técnico propicia, isto é, a
liberação da palavra. Este desafio não diz respeito apenas ao professor, pois “é certo
que ele não progredirá muito nessa tarefa se apenas sua sala de aula configurar-se de
modo interativo, enquanto toda a escola se mantém aferrada à lógica da distribuição”.
O desafio se estende, pois “para a educação em geral, para as autoridades que atuam
na gestão dos sistemas gerais de ensino e para os responsáveis pela gestão de cada
unidade escolar” (Silva, 2010, pág. 91). Os alunos tendem a uma postura menos
passiva diante da emissão, pois aprendem desde cedo a manipular imagens nas telas
cada vez menos estáticas enquanto os professores “não sabem raciocinar senão na
transmissão linear e separando emissão e recepção” (Silva, 2010).
Fica assim claro que o esforço no sentido da reconfiguração da sala de aula,
seja ela presencial ou virtual, e o esforço tendente a fazer a educação se apropriar
deste modelo comunicacional deve engajar não apenas alunos e professores, mas,
também, gestores e autoridades em educação.
A EDUCAÇÃO ONLINE, CIBERCULTURA E O PARADIGMA EM
GESTAÇÃO
A Educação à Distância (EaD) vem assumindo há já alguns anos um papel
preponderante no ensino superior como alternativa à modalidade presencial visando
ampliar a oferta e diversificar as possibilidades em educação, na perspectiva do ideal
“educação para todos” que vem sendo defendido em sociedades democráticas. A sua
evolução guarda uma estreita relação com a evolução dos meios de comunicação,
pois, estes são indispensáveis à sua realização. Assim, com a emergência das
tecnologias de informação e comunicação mediadas pelo computador conectado pelas
redes telemáticas, abrem-se novas e amplas possibilidades à EaD já que estas
tecnologias favorecem a interatividade possibilitando uma comunicação mais intensa
entre interlocutores, fazendo repensar os conceitos de tempo e espaço na EaD e
atenuando as diferenças desta com a modalidade presencial. Emerge aqui a Educação
Online que, se é verdade que pode ser considerada como uma evolução da tradicional
Educação a Distância (EaD) propiciada pelas tecnologias de comunicação e informação,
não é menos verdade que ela emerge, de fato, como fenômeno da cibercultura já que,
como afirma Santaella, (2002, pág. 46) “quaisquer meios de comunicação ou mídias
são inseparáveis das formas de socialização e cultura que são capazes de criar de
modo que o advento de cada novo meio de comunicação traz consigo um ciclo cultural
que lhe é próprio”. Por isso, pensar em Educação hoje é também considerar essa
forma de docência e aprendizagem, considerá-la, sobretudo, como um campo de
pesquisa que precisa ser sondado cada vez mais em proveito da formação do sujeito
que o novo tempo impõe.
A Educação a Distância se caracteriza como uma modalidade de Educação
que promove situações de aprendizagem em que professores e estudantes não
compartilham os mesmos espaços e tempos curriculares, comuns nas situações de
aprendizagem presencial. Para tanto, é necessária a utilização de uma multiplicidade
de recursos tecnológicos que ajam como interfaces mediadoras na relação
professor/estudante/conhecimento (SANTOS 2002).
De acordo com Moore (1983), Ensino a Distância pode ser definido como o
conjunto de métodos instrucionais nos quais as ações do professor são executadas a
partir das ações dos alunos, incluindo aquelas situações continuadas que podem ser
feitas além do presencial e cuja comunicação é facilitada por meios impressos,
eletrônicos, mecânicos e outros, beneficiando-se do planejamento, direção e instrução
da organização do ensino.
Santos, 2005, conceitua a Educação Online como o conjunto de ações de
ensino e aprendizagem ou atos de currículo mediados por interfaces digitais que
potencializam práticas comunicacionais interativas e hipertextuais, enquanto
Almeida, 2003 a entende como uma modalidade de educação a distância realizada via
internet, cuja comunicação ocorre de forma síncrona ou assíncrona podendo utilizar
a internet tanto para distribuir rapidamente as informações como para fazer uso da
interatividade para concretizar a interação entre as pessoas, cuja comunicação pode
se dar de acordo com distintas modalidades comunicativas (ALMEIDA, 2003). Para
Moran, 2003, a Educação Online não equivale à Educação a Distância já que “um curso
por correspondência é à distância e não é online”. Por outro lado, “não podemos
confundir a Educação Online só com cursos pela Internet e somente pela Internet no
modo texto” (MORAN, 2003). Este autor pretende assim pôr em evidência o que
diferencia a Educação Online de outras práticas de Educação à Distância, diferença que
se situa na lógica comunicacional, baseada na interatividade, que favorece a
aprendizagem colaborativa.
Interatividade é a “atitude de partilhar saberes intervindo no discurso do
outro, produzindo coletivamente a mensagem, a comunicação e a aprendizagem”
(SILVA, 2010). Para este autor, interatividade “é a disponibilização consciente de um
mais comunicacional de modo expressivamente complexo, ao mesmo tempo
atentando para as iterações existentes e promovendo mais e melhores interações -
seja entre usuários e tecnologias digitais ou analógicas, seja nas relações “presenciais”
ou “virtuais” entre seres humanos” (Silva 2010, pág. 23). O autor aponta como
fundamentos da interatividade os seguintes:
• Participação-intervenção: participar não é apenas responder "sim" ou "não" ou
escolher uma opção dada, significa modificar a mensagem.
• Bidirecionalidade-hibridação: a comunicação é produção conjunta da emissão
e da recepção, é co-criação, os dois pólos codificam e decodificam.
• Permutabilidade-potencialidade: a comunicação supõe múltiplas redes
articulatórias de conexões e liberdade de trocas, associações e significações.
As novas tecnologias de informação e comunicação com seu suporte digital
contemplam de fato a interatividade e, com isso, favorecem a comunicação
bidirecional que funde e confunde receptor e emissor, pois permitem vívidas e vivas
interações que tornam possível a aprendizagem colaborativa. Como diz Lévy (1998,
pág. 28), “o papel da informática e das técnicas de comunicação com base digital não
seria ‘substituir o homem’ nem aproximar-se de uma hipotética ‘inteligência artificial’,
mas, promover a construção de coletivos inteligentes, nos quais as potencialidades
sociais e cognitivas de cada um poderão desenvolver-se e ampliar-se de maneira
recíproca”. Lévy encontra aqui a possibilidade de “superar a sociedade do espetáculo
para abordar uma era pós-mídia, na qual as técnicas de comunicação servirão para
filtrar o fluxo de conhecimentos, para navegar no saber, e pensar juntos, em vez de
carregar consigo massas de informação”.
Moore, 1997 discute profundamente a questão da distância na EaD. Para
este autor a distância implicada na expressão “Educação a Distância” não se limita a
simples separação geográfica entre professores e alunos, trata-se na verdade de um
conceito pedagógico que leva em consideração o universo de relações que se
estabelecem quando aprendizes e instrutores se encontram separados no espaço e/ou
no tempo. A abordagem deste campo de pesquisa nesta perspectiva levou a
formulação da teoria da distância transacional (MOORE, 1997). O autor entende que a
separação entre instrutores e aprendizes na EaD determina padrões peculiares de
comportamento de uns e outros afetando profundamente o processo de ensino e
aprendizagem. Com a separação cria-se um espaço psicológico e de comunicação a ser
vencido, um espaço capaz de distorcer mensagens emitidas por uns e outros e assim
gerar possíveis incompreensões. É este espaço psicológico e de comunicação que
constitui a distância transacional característica da Educação à Distância. Segundo
Moore (1997) a amplitude da distância transacional em um programa educacional
depende essencialmente de duas variáveis, ou melhor, dois conjuntos de variáveis: o
diálogo, que tem como interlocutores professores e alunos, e a estrutura do curso.
O diálogo se estabelece entre professores e alunos como corolário das
interações que ocorrem quando um (o professor) dá instruções e os outros (alunos)
respondem. O termo “diálogo” está reservado para interações positivas cujo valor se
situa na natureza sinérgica da relação das partes envolvidas. O diálogo é intencional,
construtivo e valorizado por cada uma das partes. Cada uma das partes no diálogo é ao
mesmo tempo um ouvinte passivo e ativo. Cada um contribui e constrói a contribuição
dos interlocutores. Vários fatores podem condicionar a fluidez do diálogo, sua
natureza e amplitude em um processo educativo tais como a filosofia educacional do
indivíduo ou grupo responsável pela concepção do curso, a epistemologia que
estrutura o projeto pedagógico, a personalidade do professor e dos alunos, a matéria
do curso bem como diversos fatores ambientais. Entre estes fatores ambientais
assume particular destaque o meio comunicacional. A natureza dos meios de
comunicação ao favorecer ou não interações positivas, é determinante para o diálogo
que se estabelece no ambiente de ensino-aprendizagem tendo um impacto direto
sobre a qualidade do diálogo. Manipulando os meios de comunicação é possível
incrementar o diálogo entre alunos e professor e assim diminuir a distância
transacional.
Outro conjunto de variáveis capaz de afetar a distância transacional pode
ser agrupado sob a designação genérica de estrutura do curso. A estrutura exprime a
medida que um determinado programa educativo pode acomodar ou responder as
necessidades individuais dos alunos e expressa a flexibilidade ou rigidez dos objetivos,
estratégias docentes e métodos de avaliação do programa. A semelhança do diálogo,
a estrutura é uma variável qualitativa e a sua medida é também determinada pela
natureza dos meios de comunicação a ser utilizados e também pela filosofia e
características emocionais dos professores, personalidades e outras características dos
estudantes e as limitações impostas pelas instituições de ensino. Quanto mais rígida a
estrutura do curso, menores são as possibilidades de interação entre alunos e
professores, enquanto programas de estrutura flexível tendem a favorecer o diálogo e
assim encurtar a distância transacional. Portanto, programas mais abertos, com
estrutura flexível promovem intensas interações, viabilizam o diálogo e assim tendem
a encurtar a distância transacional; por seu turno, programas rígidos proporcionam
baixas interações, oferecem poucas oportunidades para o diálogo e dessa forma
tendem a aumentar a distância transacional. Almeida (2003) diz a este respeito que,
“A noção de proximidade é relativa à abordagem educacional adotada, a
qual subjaz a todo ato educativo, presencial ou à distância. Além disso, a educação
presencial também pode fazer uso de recursos hipermediaticos. A amplitude da
distância é dada pela concepção epistemológica e respectiva abordagem
pedagógica, a qual separa ou aproxima professor e alunos. Existe um conjunto de
aspectos indicadores da coerência com a concepção epistemológica que interferem
na distância e direção comunicacional criada entre professor e alunos, os quais se
fazem presente tanto na educação presencial como na educação à distância. A
distância, que pode afastar ou aproximar as pessoas se refere à mediação
pedagógica, sendo designada por Moore como “distância transacional”, cuja
amplitude pode ser medida pelo nível do diálogo educativo que pode variar de
baixo a freqüente e pelo grau da estrutura variável entre rígida e flexível”
(ALMEIDA, 2003).
A Educação Online poderia ser assim traduzida como a prática de EaD que
se caracteriza por intensas interações, em todos os sentidos, logo um intenso diálogo
entre os envolvidos e uma grande flexibilidade na estrutura do curso, fatores que,
combinados, resultam em grande proximidade, portanto, curta distância transacional.
Interatividade e aprendizagem colaborativa seriam assim as molas impulsionadoras
dessa aproximação entre envolvidos que se observa na Educação Online. A sua
materialidade situa-se nos ambientes virtuais de aprendizagem (AVA) tidos por Santos,
2005, como “um espaço fecundo de significação onde seres humanos e objetos
técnicos interagem potencializando a construção de conhecimento, logo a
aprendizagem” enquanto Almeida, 2003, que prefere designá-los como ambientes
digitais ao invés de ambientes virtuais os considera de modo mais objetivo como
sendo,
“sistemas computacionais disponíveis na internet, destinados ao suporte de
atividades mediadas pelas tecnologias de informação e comunicação. Permitem
integrar múltiplas mídias e recursos, apresentar informações de maneira
organizada, desenvolver interações entre pessoas e objetos de conhecimento,
elaborar e socializar produções tendo em vista atingir determinados objetivos”.
(ALMEIDA, 2003)
O desenho didático é a forma pela qual as interfaces de conteúdo e
comunicação, que compõem os ambientes virtuais de aprendizagem, se articulam com
vistas a estruturar um ambiente favorável à cocriação, compartilhamento de sentido e
significados que caracterizam a Educação Online. Ele é, portanto, a “arquitetura de
uma teia de conteúdos e situações de aprendizagem para estruturar uma sala de aula
online contemplando as interfaces de conteúdo e de comunicação” (SILVA, 2010b, pág.
220). Para “exprimir o perfil da sala de aula online” o desenho didático pode
estruturar-se como hipertexto estruturando links com textos, imagens, sons, palavras,
páginas, gráficos, etc. assegurando assim que os conteúdos e situações de
aprendizagem contemplem “o potencial pedagógico, comunicacional e tecnológico do
computador online bem como das disposições de interatividade próprias dos
ambientes virtuais de aprendizagem” (SILVA, 2010b, pág.219). É por via do desenho
didático que se torna possível o planejamento, produção e operacionalização de
conteúdos e situações de aprendizagem que estruturam processos de construção de
conhecimento na sala de aula online. Silva, 2010b, afirma que o desenho didático deve
contemplar “uma intencionalidade pedagógica que garanta a educação online como
obra aberta, plástica, fluída, hipertextual e interativa”, ou seja, diálogo e estrutura
flexível são aspectos que devem conformar o desenho didático para assim, através
dele, aproximar alunos e professores em um mesmo propósito: construir juntos o
conhecimento a partir de um manancial caótico e inesgotável de informações.
Silva, 2010, propõe cinco agendas de engajamento com as quais se pode
potencializar a autoria do professor “com atos de comunicação capazes de contemplar
o perfil da cultura do digital e as exigências da educação cidadã”:
• Propiciar oportunidades de múltiplas experimentações e expressões,
promovendo oportunidades de trabalho em grupos colaborativos, desenvolvendo o
cenário das atividades de aprendizagem a fim de possibilitar à participação livre, o
diálogo, a troca, e a articulações de experiências, favorecendo a participação coletiva
em debates presenciais e online e garantindo a exposição de argumentos e o
questionamento das afirmações.
• Disponibilizar uma montagem de conexões em rede que permita
múltiplas ocorrências, mediante o uso de diferentes suportes e linguagens midiáticos
(texto, som, vídeo, computador, internet) e propondo a aprendizagem e o
conhecimento como espaços abertos à navegação, colaboração e criação, permitindo
que o aprendiz conduza suas explorações.
• Provocar situações de inquietação criadora, despertando a coragem do
enfrentamento em público, encorajando esforços no sentido da troca entre os
envolvidos, convocando à participação na resolução de problemas de forma autônoma
e cooperativa e formulando problemas para o desenvolvimento de competências que
possibilitem ao aprendiz ressignificar idéias, conceitos e procedimentos.
• Arquitetar colaborativamente percursos hipertextuais articulando o
percurso da aprendizagem em caminhos diferentes, explorando as vantagens do
hipertexto.
• Mobilizar a experiência do conhecimento modelando os domínios do
conhecimento como espaços conceituais, nos quais os aprendizes possam construir
seus próprios mapas e conduzir suas explorações, desenvolvendo atividades que
permitam o aguçamento da observação e da interpretação das atitudes dos atores
envolvidos e implementando situações de aprendizagem que considerem as
experiências, os conhecimentos e as expectativas que os estudantes já trazem consigo.
(SILVA, 2010, pág. 255)
Entender as práticas da Educação Online pressupõe ter uma noção clara do
contexto social em que ela emerge. Com efeito, como acima referido, assiste-se a uma
plena reconfiguração do mundo que parece encaminhar-se para uma tessitura social
reticular fortemente potencializada por novas e potentes tecnologias de informação e
comunicação que como sustentam Lemos e Lévy, “alteram os processos de
comunicação, de produção, de criação e de circulação de bens e serviços neste início
de século XXI, trazendo uma nova configuração social, cultural, comunicacional e,
conseqüentemente, política” (Lemos e Levy, 2010, pág. 45).
Deve-se, portanto, situar a emergência da Educação Online como
fenômeno da cibercultura, entendida por Lemos (2008) como “forma sociocultural que
emerge da relação simbiótica entre sociedade, a cultura e as novas tecnologias de base
microeletrônica que surgiram com a convergência das telecomunicações com a
informática na década de 70” (LEMOS 2008). A dimensão planetária que esses
movimentos parecem adquirir justifica que se fale em um processo de globalização
que aproxima pessoas e lugares geograficamente separados e implica repensar os
conceitos de espaço e tempo. A globalização é segundo Santos, 2010, “o ápice do
processo de internacionalização do capitalismo mundial fruto da convergência da
disseminação das técnicas e tecnologias de informação e comunicação que
favoreceram a interconexão e comunicação planetária, por um lado, e as ações
tendentes à emergência de um mercado, dito global, responsável pelo essencial dos
processos políticos atualmente eficazes” (SANTOS, 2010, pág. 23-24). Este autor
questiona a “maneira neoliberal de fazer a globalização” que, no seu entender “está se
impondo como uma fábrica de perversidades” porque, paralelamente ao
desenvolvimento tecnológico fruto de um conhecimento maior, tende a engendrar um
aprofundamento das desigualdades sociais como resultado da “adesão desenfreada
aos comportamentos competitivos que atualmente caracterizam as ações
hegemônicas” (SANTOS, 2010, pág. 20) Se por um lado, se exaltam virtudes que
decorrem da globalização, como seja a rapidez nos negócios, a informação em tempo
real e o conhecimento mais compartilhado, o fato insofismável é que paralelamente
ela vem engendrando o acentuar de desigualdades sociais e outros processos
perversos que suscitam manifestações locais de contestação e que explicam diferentes
crises que se vêm observando. Chomsmky, 2010, pág. 36, não tem dúvidas e afirma
taxativamente que “as doutrinas neoliberais... debilitam a educação e a saúde,
aumentam a desigualdade social e reduzem a parcela na distribuição da renda”. Os
efeitos perversos da globalização são atribuídos assim ao (pre) domínio do mercado
sobre outras forças que conduzem este processo o que levou Zaoual, 2003, (pág. 97) a
afirmar que a “globalização tornou-se uma máquina excludente já que é governada
por mecanismos econômicos culturalmente anônimos”. Deste modo ela se torna um
processo cego que busca homogeneizar atropelando diversidades culturais e
ecológicas com conseqüências muitas vezes desastrosas. O mundo parece assim
caminhar a duas velocidades: por um lado se assiste a um forte desenvolvimento
tecnológico impulsionado por um conhecimento científico crescente, por outro a
expansão da pobreza, miséria e exclusão social ficando assim manifesto que nem
sempre “o crescimento econômico e tecnológico é o motor necessário e suficiente
para o desenvolvimento moral, psíquico e emocional da sociedade” (MORAES, 2008,
pág.22).
Em movimento paralelo, como acima descrito, autores como Santos
(2003) e Morin (1990; 2011) notam de forma cada vez mais incisiva, uma crise do
paradigma de racionalidade da modernidade (que em grande medida impulsionou o
desenvolvimento nos séculos XIX e XX) e a emergência paulatina de um novo
paradigma. Moraes, 2008, afirma a este propósito que
“somos testemunhas de uma crise nos fundamentos do conhecimento, ou
seja, uma crise de natureza epistemológica, a partir do avanço da ciência ocorrido
desde o século passado. É uma crise de natureza filosófica e epistemológica que
emergiu da descoberta da inexistência de certeza absoluta em nosso trato com a
realidade” (MORAES, 2008, pág.22)
Morin, 1990, assevera que Karl Popper, “descobriu (redescobriu) que
nenhuma teoria científica pode pretender-se absolutamente certa” e desse modo
acabou inaugurando um novo conceito de ciência, “que deixou de ser sinônimo de
certeza para se tornar sinônimo de incerteza, ou melhor, de fiabilismo” o que, em seu
entender, instalou uma “crise dos fundamentos do conhecimento científico, que é um
aspecto importante da crise de fundamentos que afeta todo o pensamento
contemporâneo” (MORIN, 1990). Assim, uma enorme sombra de incerteza que paira
sobre a humanidade parece ser a tônica neste início de milênio, derrubando
metanarrativas que dão lugar a discursos localizados e circunstanciais, maleáveis,
efêmeros e sempre renováveis desenhando um contexto onde “a informação se torna
o principal ingrediente de nossa organização social, e os fluxos de mensagens e
imagens facilitados pelas conexões entre computadores via Internet vão consolidar a
tessitura em rede da estrutura social” (CASTELLS, 1999). É evidente que o campo da
educação não fica imune a este movimento global que a todos afeta. Como afirma
Moraes, 2008,
“realidade e mundo como totalidades, estrutural e funcionalmente
enredadas também repercutem e afetam o trabalho docente, o planejamento
curricular, os processos de ensino e de aprendizagem, os papeis desempenhados
por alunos e professores, a dinâmica das infra-estruturas educacionais. Ao mesmo
tempo ela exige novas competências e habilidades para continuar aprendendo ao
longo da vida” (MORAES, 2008, pág. 25).
O fato, porém, é que se assiste muitas vezes a resistências em buscar
modelos novos em educação que sejam compatíveis com a nova realidade movediça.
Privilegia-se a transmissão de um “saber fossilizado que não leva em conta a evolução
rápida do mundo” quando se deveria “preparar o indivíduo para responder às
necessidades pessoais e aos anseios de uma sociedade em constante transformação,
aceitando desafios propostos pelo surgimento de novas tecnologias, dialogando com
um mundo novo e dinâmico” através da criação de “espaços educacionais autônomos,
criativos, solidários e participativos” (OLIVEIRA, 2006) que possibilitariam, de fato,
habilitar o sujeito a “viver/conviver com as diferenças, compreender a diversidade e as
adversidades, reconhecer a pluralidade e as múltiplas realidades, ter abertura, respeito
e tolerância em relação às formas de pensar e de ser de cada um” que são condições
fundamentais para se viver nesse novo milênio (MORAES, 2008, pág. 25).
A Educação Online se apresenta como sendo capaz de formar o sujeito do
século da incerteza, oferecendo-lhe o instrumental cognitivo necessário para se
posicionar criticamente diante das grandes questões que hoje se colocam e
habilitando-o a navegar no oceano caótico de informações que caracteriza o nosso
tempo e daí construir conhecimento. A Educação Online propõe-se assim a formar um
sujeito crítico, apto à participação cidadã, simultaneamente autônomo e dependente
porque só coletivamente se constrói e é como indivíduo que se firma o sentido de
pertença a um grupo. Para tanto ela se propõe desenvolver no sujeito a consciência
crítica, descrita por Freire (1979, pág. 40) como sendo aquela que é intensamente
inquieta, repelindo posições quietistas e que se torna “mais crítica quanto mais
reconhece em sua quietude a inquietude e vice-versa”. Procura se colocar a altura dos
“três grandes desafios da atualidade” que no entender de Moraes, 2008, pág. 38, são
“aprender a construir, a desconstruir e reconstruir conhecimento; formar cidadãos
conscientes e responsáveis; e colaborar para a evolução da consciência humana”. Visar
este sujeito implica abandonar perspectivas lineares do tipo causa/efeito,
fundamentos epistemológicos das práticas pedagógicas instrucionistas, isto é, torna
necessária uma “revisão nos paradigmas que prevalecem nos ambientes educacionais,
sejam eles presenciais ou digitais” ressignificando-os de modos a incorporarem
“referenciais teóricos que colaboram para a consolidação de uma percepção holística,
global, complexa, que enfatize a dinâmica do todo e não apenas de cada parte”
(MORAES, 2008, pág. 27).
Ao definir ambiente virtual de aprendizagem como “um espaço fecundo de
significação onde seres humanos e objetos técnicos interagem potencializando a
construção de conhecimento, logo a aprendizagem”, Santos, 2005, deixa claro que as
bases epistemológicas que fundamentam as práticas pedagógicas na Educação Online
são diferentes e inscrevem conceitos como construcionismo e interacionismo, entre
outros, que pressupõem dinâmicas próprias nos processos de construção do
conhecimento e conseqüente desenvolvimento da aprendizagem que acontecem
nestes ambientes. Moraes, 2008, pág. 27, sustenta que se podem encontrar estas
“sementes epistemológicas significativas”, subjacentes ao pensamento biológico e às
implicações epistemológicas da física quântica, teorias das quais se podem extrair
fundamentos de natureza epistemológica tais como: complexidade, intersubjetividade,
auto-organização, emergência, interatividade, inter e transdisciplinaridade.
Fundamentar as práticas pedagógicas com base nestes pressupostos seria assim
“ressignificar os paradigmas vigentes a partir de uma visão ecológica e sistêmica, na
verdade, eco-sistêmica da vida” (MORAES, 2008, pág. 27) que é completamente
oposta ao modelo causal tradicional instrucionista que ainda prevalece tanto em
ambientes presenciais como digitais. Pela intersubjetividade compreendemos as
relações dialéticas entre sujeito e objeto, ligados por múltiplas e complexas relações
recursivas que conformam um todo que não pode ser “captado única e exclusivamente
por um olhar disciplinar que isola e fragmenta a realidade”. O conhecimento é,
portanto, fruto desta rede indissociável de relações entre sujeito e objeto o que
significa que todo desenvolvimento cognitivo/emocional tem sua origem em uma
organização biológica de onde emergem as estruturas de pensamento como resultado
dos diferentes processos envolvidos (MORAES, 2008, pág. 30). Isto pressupõe que no
processo de conhecer o ser humano se envolve por inteiro implicando as dimensões
sensorial, intuitiva, emocional e racional que intervêm de forma não hierarquizada,
mas complementar. Por seu turno, pensar estes processos a partir da visão de
complexidade nos permite perceber que todo o fenômeno é constituído por um feixe
de relações, de objetos multidimensionais inter-relacionados, por interações lineares e
não-lineares que explicam a existência de aleatoriedade, indeterminação e incerteza
nos diferentes processos que ocorrem nos seres vivos (MORAES, 2008, pág. 31)
O pensamento eco-sistêmico, amparado em pressupostos como a
intersubjetividade e a complexidade permite renovar as bases epistemológicas que
fundamentam as ações educacionais e permite abordar a educação como “sistema
aberto” o que implica
“a existência de processos transformadores inerentes às interações
sujeito/objeto, indivíduo/contexto. Significa que tudo é dinâmico e está em
constante movimento. Nada é pré-determinado, rígido ou fixo, mas aberto às
trocas, aos diferentes tipos de diálogos, às transformações e aos enriquecimentos
mútuos, onde os processos são desenvolvidos gradualmente, vivenciando cada
etapa, explorando novas conexões, relações e processos de auto-organização”
(MORAES, 2008, pág. 41, grifo meu).
Em jeito de resumo pudemos dizer que a Educação Online deve ser
entendida como uma prática pedagógica que emerge em decorrência do
desenvolvimento das novas tecnologias de informação e comunicação, num contexto
marcado pela globalização e todas as suas contradições e como fenômeno da
cibercultura. Este contexto está igualmente marcado por sintomas que evidenciam
uma crise no paradigma científico da modernidade e sinais da emergência de um novo
paradigma de contornos ainda indefinidos. A Educação Online procura assim formar o
sujeito habilitado a viver/conviver com a incerteza, capaz de construir, desconstruir e
reconstruir conhecimento, o sujeito/cidadão consciente e responsável e de modo
geral, procura elevar a consciência da humanidade em sua fase crítica. O pensamento
eco-sistêmico condensa as bases epistemológicas que fundamentam a Educação
Online enquanto prática pedagógica.
Convém finalmente assinalar que apesar do tom amplamente democrático
e plural de que se reveste o discurso da Educação Online pode trazer embutido alguma
dose de autoritarismo baseado numa racionalidade técnica cega. Na verdade, as
tecnologias que pilotam a Educação Online podem ser por si só, fatores de exclusão, a
chamada exclusão digital, que se soma a outras causas de exclusão social alargando
assim o espectro da marginalização. Contudo, o discurso das tecnologias digitais e, por
arrasto, da Educação Online se atém muitas vezes ao lado da luz, isto é, o poder de
inclusão das mesmas ignorando o lado da sombra, da exclusão digital. Incluir
digitalmente pressupõe letramento digital que habilita o sujeito a operar os códigos da
cibercultura. Os professores, por seu turno, avessos em muitos casos a operar estas
tecnologias, “precisam ser formados para o uso crítico e criativo dos meios de
comunicação e ultrapassar a mera racionalidade tecnológica”, para o que precisarão
entender “os meios como ferramentas de comunicação e não de simples transmissão,
promovendo o diálogo e a participação, para gerar e potenciar novos emissores ao
invés de contribuir para o crescimento de emissores passivos” (KAPLÚN, 1999 apud
CERNY e ERN, 2001, pág. 11). Com isso fica evidente que a Educação Online está longe
de ser a panacéia que pode resolver por si só os problemas que se colocam à Educação
no século da incerteza. A despeito da profusão das conexões e da mobilidade cada vez
maior associada aos dispositivos tecnológicos de informação e comunicação,
permanecem bolsas não desprezíveis arredadas das tecnologias digitais, que é, de
resto, uma característica perversa do alardeado processo de globalização que,
simultaneamente, engloba e fragmenta, aprofundando desigualdades sociais e
gerando novas bolsas de exclusão. Por isso, deve-se pensar na Educação Online em
contextos específicos e aliada a outras formas de ensino, atuando sinergicamente em
direção ao ideal “educação para todos”.
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