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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO – MESTRADO
BANTU MENDONÇA KATCHIPWI SAYLA
Reflexões Pedagógicas: diálogo e afeto enquanto motriz pedagógico
Tubarão-SC, Fevereiro, 2012.
BANTU MENDONÇA KATCHIPWI SAYLA
Reflexões Pedagógicas: diálogo e afeto enquanto motriz pedagógico
Tubarão-SC, 14 de Março de 2012.
______________________________________________________
Prof. Christian Muleka Mwewa, Dr. Orientador
Universidade do Sul de Santa Catarina
______________________________________________________ Prof. Felipe Quintão de Almeida, Dr.
Examinador Universidade Federal do Espírito Santo
_____________________________________________________ Prof. Alex Sander da Silva, Dr.
Suplente Universidade do Extremo Sul Catarinense
_____________________________________________________ Prof. André Bocassius Siqueira, Dr.
Examinador Universidade do Sul de Santa Catarina
_____________________________________________________ Prof. Clovis NicanorKassick, Dr.
Suplente Universidade do Sul de Santa Catarina
Profª. Caroline Machado Monn, Drª.
Suplente Universidade Federal de Santa Catarina (NDI)
Tubarão-SC, Fevereiro, 2012.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Educação – Mestrado, da Universidade do Sul de Santa Catarina como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Ciências da Educação, sob orientação do Professor Dr. Christian Muleka Mwewa.
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a Temóteo Soares meu querido pai e Anastácio Cinco Reis ad memoriam eternum e à Andrea Cruz.
AGRADECIMENTOS
Aos meus Pais: Timóteo Soares, de feliz memória e Berta Lusinga, que me
deram a vida e me ensinaram que a vida é um contínuo aprendizado; aos meus irmãos e irmãs de sangue; ao Professor Dr. Christian Muleka Mwewa, meu querido e inesquecível orientador; a Dom Óscar Lino Lopes Fernandes Braga de cujas mãos recebi a Unção Sacerdotal e Abílio Câmara Rodas Ribas que me abriram as portas para o ministério presbiteral na Igreja Una, Santa, Católica, Apostólica e Romana; ao Pe. Jonas Abib e toda a Comunidade Canção Nova à quem devo a formação e presença no Brasil; aos padres Domingos Nandi, Nilo Bus, Lourenir do Nascimento e todo o clero da Diocese de Tubarão que me acolheram fraternalmente; aos professores da UNISUL; aos colegas do PPGE e aos amigos. A todos e a cada um, a minha eterna gratidão.
A criança traz, ao nascer, qualidades positivas; é dotada de potencialidades que cumpre ajudar a realizar. A aprendizagem é, pois, atualização das potencialidades existentes na criança. A mais importante de todas, a que distingue o homem do animal e lhe confere a verdadeira dignidade, é a capacidade de formar conceitos universais. Mas essa potencialidade não se atualiza senão aplicada a um objeto particular ou atual, o que não passa, aliás, de exemplo, de expressão individual do universal, é o intelecto que, desembaraçando o objeto de suas particularidades individuais, de seus acidentes, o transforma em conceito universal. Do ponto de vista lógico, o learning, como diríamos hoje, consiste em identificar objetos e designar-lhes o lugar conceitual em categorias universais (DEBESSE e MIALARET, 1974, p.170). Ou seja, “o sujeito que se abre ao mundo e aos outros inaugura com seu gesto a relação dialógica em que se confirma como inquietação e curiosidade, como inconclusão em permanente movimento na história (FREIRE, 1999, p. 154).
SAYLA, Bantu Mendonça Katchipwi. Reflexões Pedagógicas: diálogo e afeto enquanto motriz pedagógico. Programa de Pós-Graduação em Ciências da Educação (dissertação de Mestrado). Universidade do Sul de Santa Catarina. Tubarão, Fevereiro 2012.
RESUMO Reflexões Pedagógicas: diálogo e afeto enquanto motriz pedagógico é o tema desta Dissertação. Ela, visa fazer uma redescuberta do valor do diálogo e da afetividade no processo de ensino aprendizagem já que, desde os primórdios da humanidade a educação foi e é um fator de socialização humana dentro da conjuntura intersubjetiva. Pretende-se, a partir das complexas relações existentes entre os professores, que são os protagonistas da escola e os alunos, que são os sujeitos de educação, estabelecer uma ponte que torne eficiente o processo pedagógico. Será que em nossos dias ainda não se observam professores autoritários? Os educadores pedantes, os donos do saber,que negamo saber que os alunos foram construindo, ao longo das vidas a partir da leitura do mundo, de seus contextos históricos e sociais em que vivem, fazem realmente parte do mundo da Pedagogia Tradicional?Será que a relação entre professores e alunos hojejá não se baseia no controle excessivo, na ameaça e na punição que poderiam provocar reações diferentes nos educando? Pelo sim ou pelo não, a verdade é que a tarefa educativa sofre a influência de fatores sociais, econômicos e políticos pondo muitas vezes em conflitos os professores e os alunos. Estas atitudes podem cortar a possibilidade de uma pedagogia dialógico/afetiva que consiste na conscientização tanto dos professores quanto dos alunos como sujeitos em relação. Não será que também sejam a causa da indisciplina escolar, do não aprendizado e da evasão escolar que nos últimos anos tem sido alvo de estudos e debates, mobilizando pais, professores e técnicos?Estruturalmente desenvolvemos o trabalho em quatro capítulos: O amor e a implicação no processo educativo; A Pedagogia Libertária e Libertadora: entre tensões pedagógicas; Paulo Freire e a construção de uma práxis pedagógica conscientizadora e libertadora; e Prática educativa e as implicações no processo da formação do/a professor/a. Para a elaboração deste trabalho procuramos, a partir de referências bibliográficas, estudar como acontece a interação professor e aluno sob os enfoques sócio-históricos que envolvem a pedagogia dialógica e afetiva de Paulo Freire,que ele, consiste no respeito ao educando no processo de ensino e aprendizagem. Pois, “não existe docência sem discência”. Sua novidade vai consistir precisamente na analise de como se processa a relação professor-aluno baseada no diálogo e no afeto. Estabelecer laços e implicações eficazes no processo educativo. Incentivar os pedagogos para importância do diálogo e do afeto na educação, para que pela conscientização ocorra uma mudança no comportamento dos professores e alunos. E, finalmente, no processo educativo, capacitar os professores a reconhecer que antes do educando ser um ser cognitivo, é um ser afetivo que só representa e assimila o que lhe é significativo. Depois da nossa pesquisa chegamos a conclusão de que, a interação afeto/dialógica entre professores e alunos é fundamental no processo pedagógico. Pois, serve de mediação, alteração, equilíbrio e auto-regulação na humanização do homem; de que a educação consiste em dar as crianças, sujeito da sua construção histórica, cultural, social e política, a oportunidade de lutar pela sua própria liberdade, emacipação e desbarbarização; e por último, acreditando na utópica ideia de ser possível uma educação na liberdade e para a liberdade, esperamos ter contribuído para a virada de mais uma página do livro da reconstrução humana e humanizadora através do diálogo e do afeto na relação professor e aluno. PALAVRAS-CHAVE: Relação-professor-aluno, diálogo, afetividade.
SAYLA, Bantu Mendonça Katchipwi. Reflexões Pedagógicas: diálogo e afeto enquanto motriz pedagógico. Programa de Pós-Graduação em Ciências da Educação (dissertação de Mestrado). Universidade do Sul de Santa Catarina. Tubarão, Fevereiro 2012. ABSTRACT Pedagogical Reflections: dialogue and affection while driving is teaching the subject of this dissertation. It aims to make arediscovery the value of dialogue and affection in the process of teaching and learning because, since the dawn of humanity education was and is a factor of human socialization within the intersubjective situation. It is intended, from the complex relations between teachers, who are the protagonists of the school and the students, who are the subjects of education, build a bridge that makes efficient learning process. Is that in our day have not observed authoritarian teachers? Educators pedantic, the owners of knowledge, denying knowledge that students have been building over the life from the reading of the world, its historical and social contexts in which they live, are actually part of the world of Traditional Pedagogy? Does the relationship between teachers and students today no longer relies on excessive control, the threat and punishment that could cause different reactions in educating? Yes or no, the truth is that the educational task is influenced by social, economic and political conflicts often put teachers and students. These attitudes can cut the possibility of a dialogic pedagogy / affective is the awareness of both teachers and students as individuals in relationship. There will also be the cause of school discipline, of not learning and school dropout who in recent years has been the subject of studies and debates, involving parents, teachers and technicians? Structurally developed the work into four chapters: Love and involvement in the educational process; The Libertarian Education and Liberation: tensions between teaching, Paulo Freire and the construction of a critical consciousness and liberating pedagogical praxis, and educational and practical implications in the process of formation / the teacher / a. To prepare this paper we, from references, as in studying the interaction between teacher and student in the socio-historical approaches that involve the affective and dialogic pedagogy of Paulo Freire, that he is respecting the pupil in the teaching process and learning. For "there is no teaching without learning." Its novelty will consist precisely in the analysis of how to process the teacher-student relationship based on dialogue and affection. Establish effective links and implications in the educational process. Encourage educators to the importance of dialogue in education and affection, so that the awareness is a change in the behavior of teachers and students. And finally, the educational process, to train teachers to recognize that once the student to be a cognitive, an affective is that only represents and assimilates it is significant. After our research we came to the conclusion that affect the interaction / dialogue between teachers and students is crucial in the educational process. Well, mediates, change, balance and self-regulation in the humanization of man, that education is to give children the subject of their historical, cultural, social and political, the opportunity to fight for their own freedom, promotion and not barbarization, and finally believing in a utopian idea can be an education in freedom and for freedom, hope to have contributed to the turn of another page in the book of human and humane reconstruction through dialogue and affection in the teacher and student. KEYWORKS: Teacher-student raction, dialogue, affection
SUMÁRIO INTRODUÇÃO------------------------------------------------------------------------------10 CAPÍTULO I – O AMOR E A IMPLICAÇÃO NO PROCESSO EDUCATIVO ------------------------------------------------------------------------------------------------------14 I.1 – A interferência filosófica quanto ao conceito do amor no saber pedagógico --14 I.2- Conceitualização do termo Filosofia da Educação ----------------------------------19 I.3 – Saberes necessários sobre a Pedagogia ----------------------------------------------22 I.4 – A Didática enquanto razão instrumental da Pedagogia --------------------------- 35 CAPÍTULO II – APEDAGOGIA LIBERTÁRIA E LIBERTADORA: Entre tensões pedagógicas-------------------------------------------------------------------------43 II. 1 – Antecedentes históricos e o contributo de John Dewey no pensamento escolanovista --------------------------------------------------------------------------- 43 II. 2 – Aproximações entre a Pedagogia Libertária e Libertadora ---------------------- 48 II. 3 – Distanciamentos entre a Pedagogia Libertária e Libertadora -------------------58 II.3.1 – Especificidade da Pedagogia Libertadora ----------------------------------------58 II.3.2 – Especificidade da Pedagogia Libertária ------------------------------------------ 67 CAPÍTULO III - PAULO FREIRE E A CONSTRUÇÃO DE UMA PRAXIS PEDAGÓGICA CONSCIENTIZADORA E LIBERTADORA------------------- 86 III. 1 Ação educativa e o processo de conscientização em Paulo Freire --------------- 87 III. 2 A formação ética do professor e o processo dialógico em sala de aula --------- 98
III. 3 A problemática da educação bancaria: possibilidades de superação ----------- 104 III. 4A Dialogicidade como motriz no agir pedagógico ------------------------------ 108 III. 5 A afetividade e a construção da práxis pedagógica ------------------------------ 110
CAPÍTULO IV - PRÁTICA EDUCATIVA E AS IMPLICAÇÕES NO PROCESSO DA FORMAÇÃO DO/A PROFESSOR/A---------------------------- 133 CONSIDERAÇÕES FINAIS ------------------------------------------------------------- 149 REFERÊNCIAS---------------------------------------------------------------------------- 153
10
INTRODUÇÃO
Será ainda legítimo afirmar que a educação se constitui de relações interativas
destacando-se, dentre estas, a relação professor-aluno e sua influência para o processo
de ensino e aprendizagem? Esta se configura na problemática central que esta pesquisa
pretende desenvolver a partir da metodologia de pesquisa teórica e bibliográfica.
Se for verdade que todo pensamento humano é sustentado por uma antropologia
filosófica ou ideológica, então faz jus que recorramos ao movimento de pedagogos
conhecido por Escola Nova, para que serva de referência e sustentabilidade a presente
dissertação. Trata-se de um movimento que começou a surgir no século XIX, opondo-se
frontalmente à Escola que apelidaram de Tradicional, caracterizada, sobretudo, por um
conjunto de processos educativos introduzidos na escola nomeadamente a partir do Séc.
XVII. Tornou-se especialmente explícito um conflito de contornos bem definidos entre
dois modelos pedagógicos: num o aluno é comparado a um objeto a formar por uma
ação exterior a exercer sobre ele, por referência a valores e normas ideais. O noutro,
considera-se que o aluno tem consigo os meios necessários para ser sujeito da sua
formação.
Como consequência destas questões, muitas vezes nos deparamos com queixas
sobre a indisciplina, não aprendizado e a evasão escolar que são objeto de debates,
mobilizando pais, professores e técnicos, ainda que às vezes discutidas superficialmente
e não se chegue a alguma conclusão. As contradições que aparecem são frutos das
problemáticas do fazer pedagógico, ou seja, busca-se uma solução do professor tendo o
aluno no núcleo concreto das práticas educativas que se alicerçam na práxis da
conscientização pedagógica.
Diante da situação educacional vigente, esta dissertação tem como objetivo geral
compreender e analisar a interação Professor-Aluno no processo de aprendizagem sob
os enfoques do diálogo e do afeto, tendo como referência principal Pedagogia de Paulo
Freire. Como objetivos específicos, propomo-nos analisar como se processa a relação
professor-aluno baseada no diálogo, suas implicações e eficácia no processo educativo;
oportunizar aos profissionais da educação a importância do diálogo e do afeto na
educação, para que ocorra uma mudança no comportamento entre alunos e professores;
relembrar aos professores a reconhecer que antes do educando ser um ser cognitivo, é
um ser afetivo e dotado de um vasto campo de saberes que só representa e assimila o
que lhe é significativo.
11
Paulo Freire (1996) prevê para o professor um papel diretivo e informativo –
portanto, ele não pode renunciar a exercer a autoridade. Segundo o pensador
pernambucano, o profissional de educação deve levar os alunos a conhecerem
conteúdos, mas não como verdades absolutas. Mas, sim, como um saber que se constrói
em conjunto: professores e alunos.
Não basta apenas transmitir informações, é fundamental fazer deles, os alunos,
sujeitos conscientes de suas realidades e ao mesmo tempo seres ativos na construção
desta história e deste mundo.
O primeiro capítulo tentará descrever, a partir de uma visão filosófica do amor, o
conceito de Educação bem como os termos que lhe circunscrevem os contornos:
filosofia da educação, didática e pedagogia. A razão desta escolha é simples: o afeto de
que vamos falar é aquele que no entender de Paulo Freire se traduz no amor caridade
para com os excluídos diferentemente dos outros conceitos antropológicos do amor. A
ser assim, o recurso à noção filosófico/grega do amor nos credencia e torna acessível e
esclarecedor o assunto que presente no terceiro capítulo. Até porque, numa dimensão
religiosa, São Paulo escrevendo aos colossenses no capítulo 3, 14, entende que o amor é
o vínculo da perfeição (2005, p. 1389). Em se falar da Educação, este amor, porém,
difere em seus graus de compreensão, compromisso e responsabilidade segundo os
objetivos dos sujeitos envolvidos.
Para tentar definir o que seja o amor, o mundo grego encontra três palavras
relacionadas que designa de “Amor Eros”; “Amor Philia” ou “Amor Cáritas”; e “Amor
Ágape”. Trataremos no primeiro capítulo de uma maneira demorada, do amor “Philia”,
sem ignorar na ordem de importância dos restantes conceitos de amor por ser aquele que
mais traduz sentimento do objetivo da nossa pesquisa, ou seja, o afeto freiriano. Lendo
entre linhas a citação de Aristóteles, chegamos a conclusão de que “ Amor- Philia” é
para os gregos a mãe de todas as virtudes. Trata-se portanto, de um amor entendido por
Freire de “Amor Caritas”.
No segundo capítulo estabeleceremos tensões pedagógicas a Pedagogia
Libertária e Libertadora como forma de sustentabilidade dos argumentos que norteam o
objeto da nossa pesquisa, já que, recorrendo ao pensamento de Silvio Gallo “toda
filosofia da educação está amparada, necessariamente, por uma Antropologia Filosófica,
ou seja, ideologia” (Apud, MOVIMENTO, 1996, p. 57). Este capítulo serve de
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contraponto no universo pedagógico da Escola Nova1 que busca superar a Escola
Tradicional, reformando internamente a escola para ser como que elemento
transformador da teoria em prática pedagógica sob o ponto de vista
humanístico/democrático. Isto nos dá a permissão de afirmar que, anterior a todo e
qualquer intento de educação, subjaz uma concepção de homem, ou melhor, dito o tipo
de homem que se quer formar e educar.
Por sua vez, no terceiro capítulo apresentamos as concepções de Paulo Freire
como referência de uma pedagogia eficiente na relação intersubjetiva entre “aluno e
professor” e vice-versa, devido aos aspetos indispensáveis no processo de ensino e
aprendizagem. Para ele uma educação verdadeiramente democrática ocorre quando há
“uma relação horizontal. Nutre-se de amor, humildade, esperança, fé e confiança”
(FREIRE, 1978, p. 66). Esta exige a existência do diálogo que implica a honestidade e a
possibilidade de intervir em um clima de confiança. Ou seja, ele é entendido como
intercâmbio e reflexão entre os sujeitos conhecedores da realidade existencial.
Finalmente, no quarto capítulo, nos debruçamos sobre as implicações do
processo da formação dos professores. Como o próprio título diz, faremos alusão à
alguns ‘saberes necessários à prática educativa’, segundo Paulo Freire na sua obra
Pedagogia da Autonomia, e que perfazem o dia a dia do professor no Brasil e na
América Latina. Trata-se aqui de uma formação que, por fim, conduza à autonomia dos
sujeitos: alunos e professores, que precisa de “ [...] levar em conta as condições a que se
encontram subornadas a produção e a reprodução da vida humana em sociedade e na
relação com a natureza” (Cfr. FREIRE, 1999, p. 46 e 48). É um momento do processo
de humanização, um ato político, de conhecimento e de criação. O professor precisa
saber que educação implica o ato do conhecer entre sujeitos conhecedores. Além disso,
faz-se legítimo falar da importância de uma reflexão como esta, quando penso na
1 Escola Nova é um dos nomes dados a um movimento de renovação do ensino que foi especialmente forte na Europa, na América e no Brasil, na primeira metade do século XX. "Escola Ativa" ou "Escola Progressiva" são termos mais apropriados para descrever esse movimento que, apesar de muito criticado, ainda pode ter muitas idéias interessantes a nos oferecer. Os primeiros grandes inspiradores da Escola Nova foram o escritor Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) e os pedagogos Heinrich Pestalozzi (1746-1827) e Freidrich Fröebel (1782-1852). O grande nome do movimento na América foi o filósofo e pedagogo John Dewey (1859-1952). O psicólogo Edouard Claparède (1873-1940) e o educador Adolphe Ferrière (1879-1960), entre muitos outros, foram os expoentes na Europa. No Brasil, as idéias da Escola Nova foram introduzidas já em 1882 por Rui Barbosa (1849-1923). No século XX, vários educadores se destacaram, especialmente após a divulgação do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932. Podemos mencionar Lourenço Filho (1897-1970) e Anísio Teixeira (1900-1971), grandes humanistas e nomes importantes de nossa história pedagógica (in: http://www.educacional.com.br/glossariopedagogico/verbete.asp?idPubWiki=9577. Data de acesso13/02/11.
13
formação docente e a prática educativo-crítica na visão de Paulo Freire (2000, p. 45) ao
longo de sua existência: a coerência entre o discurso e a prática, atitudes próprias de um
verdadeiro construtivista. “Se somos progressistas [...] devemos nos esforçar, com
humildade, para diminuir ao máximo a distância entre o que dizemos e o que fazemos”.
Isto é, educação enquanto conscientização que ao mesmo tempo se torna uma
possibilidade lógica e um processo histórico ligando teoria e práxis numa unidade
indissolúvel no fazer pedagógico. Visto que, a conscientização é um compromisso
histórico, é necessário que o homem assuma o seu papel de sujeito que faz e refaz o
mundo. Exige que os homens criem sua existência com um material que a vida lhes
oferece. Está atuação se baseia na relação consciência-mundo.
Portanto, as dimensões do diálogo e do afeto, uma vez racionalizadas são, a
nosso ver, o campo onde atua o caráter cognitivo protagonizado pelo sujeito que
materializa as ações concretas no cotidiano. Por isso, vale apena fazer-se companheiro
de viagem de todos aqueles que, como nós, estão comprometidos com o fazer
pedagógico por acreditarem na utopia de ser possível uma educação ideal para as novas
sociedades. Pretendemos assim, trazer aspectos preponderantes como o respeito aos
educandos e o desenvolvimento de uma relação intercomunicativa, na qual educador e
educando desenvolvam uma relação de respeito horizontal. Porque, estamos
convencidos de que assim como para Paulo Freire, a relação professor-aluno deve
constituir-se num esquema horizontal de respeito e de intercomunicação, ressaltando o
diálogo e o afeto como componente relevante a uma aprendizagem significativa. Caso
contrário o processo de ensino e aprendizagem consistiria pura e simplesmente na
transmissão do conhecimento por parte dos professores.
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CAPÍTULO I – O AMOR E A IMPLICAÇÃO NO PROCESSO EDUCATIVO
Numa breve introdução, diremos que, a leitura do nosso mundo nos mostra um
planeta em perigo nas diversas dimensões, sejam elas: social, ambiental, econômica,
cultural, espacial etc. Para Tânia D. Queiroz (2010, p. 10) “[...] o cenário é
desanimador, cansativo, precário, absurdo, repleto de inúmeros conflitos, angústias,
disputas, aflições, depressões, frustrações, insatisfações, culpas, compensações e
medos”. E por isso, o pensamento pedagógico, defendido por Paulo Freire na educação,
como leitura de mundo, pode ser uma alavanca para resgatar valores que atravessam a
história pedagógica em nossos dias. Hoje esses valores são essenciais para a
sustentabilidade das relações no campo da educação e não só. A dimensão
antropológica, por exemplo, é a principal referência de mudanças tanto em sua
compreensão primitiva e atual como na maneira em que é utilizada pelos professores a
fim de que ocorram transformações na sociedade, senão vejamos o que nos diz Arnaldo
Nieskier (2001, p.26):
Nas sociedades primitivas a educação norteava as relações sociais e de produção, os costumes, e o comportamento do indivíduo e da coletividade. Hoje, a educação é algo imprescindível para a sobrevivência do grupo e da própria sociedade.
Diríamos, por outras palavras, que a educação desempenha um papel
fundamental em todas as camadas da população, quer sejam elas classificadas por faixa
etária, nível econômico, político, técnico, social ou outro critério. Ela diz respeito a todo
o processo antropológico desde o nascer até a morte.
Já que a educação é este processo que se perpetua ao longo da vida humana e
esta é feita de sentimentos e emoções, é fundamental que durante este processo
tenhamos o amor como uma das características essenciais. Por isso, trataremos, neste
primeiro capítulo, de uma maneira demorada, do “Amor- Philia” sem ignorar, na ordem
de importância dos restantes conceitos de amor. A razão é simples. Lendo, entre linhas a
citação de Aristóteles, chegamos à conclusão de que Amor- “Philia” é, para os gregos, a
“mãe” de todas as virtudes. E uma verdadeira educação, que tenha como prioridade
inculcar, despertar, promover nos alunos as virtudes humanas, não se faz sem amor
como veremos no terceiro capítulo.
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I. 1 – A interferência filosófica no conceito de amor no saber pedagógico
Apontar a filosofia como uma área decisiva no processo de ensino e
aprendizagem, ou seja, da educação, exige algumas considerações tais como as
apontadas por Marilena Chauí (2001, p.9) a respeito da filosofia. Para ela “[...] quando
desejamos conhecer por que cremos no que cremos, por que, sentimos o que sentimos, o
que são nossas crenças e nossos sentimentos estaremos começando a adotar o que
chamamos de atitude filosófica”. Percebemos que em primeiro momento a Filosofia é a
decisão de não aceitar como óbvias e evidentes as coisas, as ideias, os fatos, as
situações, os valores, os comportamentos de nossa existência cotidiana sem antes havê-
los investigado e compreendido.
A primeira característica da atitude filosófica pode ser tida por negativa, ao que
diz não ao senso comum, às ideias da experiência cotidiana, ao estabelecido. A segunda
característica da atitude filosófica é positiva, ao interrogar-se sobre a razão de ser das
coisas existentes; sobre o que são as coisas, as ideias, os fatos, as situações, os
comportamentos, os valores e ao tentar dar uma resposta a pergunta sobre quem é o
Homem, de onde veio e qual é o seu destino. É também uma interrogação sobre o
porquê as coisas são desta e não são de outra forma. A face negativa e a face positiva da
atitude filosófica constituem a atitude crítica e o pensamento crítico. Até porque “[...]
em nossa cultura e em nossa sociedade, costumamos considerar que alguma coisa só
tem o direito de existir se tiver alguma finalidade prática, muito visível e de utilidade
imediata” (CHAUÍ, 2001, p.15). É por isso que ninguém pergunta qual é a razão de ser
das ciências. Uma vez que pelo menos podemos pensar que todo o mundo imagine e
veja a utilidade das ciências na aplicação à realidade cotidiana dos homens.
Assim sendo, caberá a filosofia da educação assumir, “[...] a Filosofia e o pensar
sobre, para que envolva o ato de aprender e ensinar até os problemas do homem e da
humanidade, dos direitos e deveres do indivíduo, e das ideias e princípios presentes na
organização social e política” (NISKIER, 2001, p. 27). O senso comum não enxerga
algo que os cientistas sabem e entendem por verdade, pensamento, conceitos e
procedimentos especiais para conhecer fatos, relação entre teoria e prática, correção e
acúmulo de saberes, tudo isso não é ciência, e sim, são questões filosóficas. O cientista
parte delas como questões já respondidas, mas é a Filosofia quem as formula e busca
respostas para elas. Portanto, o trabalho das ciências da educação, pressupõe como
condição, o trabalho da Filosofia, mesmo que o profissional da educação não seja
16
filósofo. Assim, mesmo se disséssemos que o objeto da Filosofia não é o conhecimento
da realidade, nem o conhecimento da nossa capacidade cognoscente, mesmo que
disséssemos que o objeto da Filosofia é apenas a vida moral ou ética, ainda assim, o
estilo filosófico e a atitude filosófica permaneceriam os mesmos. Pois as perguntas
filosóficas – quem, o que, por que, para que, quando e como – permanecem ao longo
dos séculos e cada geração “balbucia” algumas verdades sobre elas.
A palavra filosofia é grega. É composta por duas outras: “Philo” e “Sophia”.
“Philo” deriva-se de “Philia”, que significa amizade, respeito entre os iguais. “Sophia”
quer dizer sabedoria e dela vem à palavra “Sophos”, sábio. Filosofia significa, portanto,
amizade pela sabedoria, amor e respeito pelo saber. Filósofo: o que ama a sabedoria, o
que tem amizade pelo saber, deseja saber. Assim, filosofia indica um estado de espírito,
o da pessoa que ama, isto é, deseja o conhecimento, o estima, o procura e o respeita.
Na sua obra Ética à Nicômaco, Aristóteles dedica dois livros (VIII e IX) ao tema
da amizade. Para melhor compreensão do tema, devemos lembrar que a expressão grega
possui maior significado, podendo designar qualquer atração mútua entre duas pessoas.
A discussão do assunto constitui uma correção válida a respeito de uma impressão que o
restante da Ética tende a produzir. A maior parte do sistema moral de Aristóteles está
centrada sobre o próprio indivíduo; é próprio do homem, o homem tende e deve tender.
Na totalidade da ética, para além dos livros sobre a amizade, muito pouco é dito no
sentido de se sugerir que o homem pode e deve ter um interesse caloroso e pessoal pelas
outras pessoas; o altruísmo está completamente ausente. Apresentam-se traços de um
ponto de vista egoísta mesmo no respeito à amizade, como poderíamos esperar, pelo
fato de ela não constituir uma mera benevolência, mas exigir reciprocidade.
O filósofo chega a chamar o amor, rainha de todas as virtudes e “quando os
homens são amigos não necessitam de justiça, ao passo que mesmo os justos necessitam
também da amizade; e considera-se que a mais autêntica forma de justiça é uma espécie
de amizade” (ARISTÓTELES, VIII, 01; 1155 a 25-35, p. 173). Assim, para o grego
amar significava uma virtude com o objeto claro, ou seja, com um destino evidente. As
divisões de classe na Polis se associavam ao exercício do amor. Quem não tem
sabedoria, quem não foi iluminado, quem não saiu da caverna, sob ponto de vista
platônico, vive fora da virtude. Por isso, não tem valor e conseqüentemente deve ser
descartado.
Convém afirmarmos que o amor difere em seus graus de compromisso e
responsabilidade segundo os objetivos dos sujeitos envolventes. Por isso, para tentar
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definir o que seja o amor, os gregos encontraram três palavras relacionadas que
designaram de “Amor - Eros”, “Amor - Philia” ou “Cáritas” e de “Amor Ágape”.
O “Amor – Philia” ou “Cáritas” do qual nos ocuparemos com mais afinco, diz
respeito ao amor de amizade, muito bem explorado por Aristóteles na Ética a Nicômico,
sua principal obra de ética. Nela se expõe sua concepção teleológica e eudaimonista, (na
cultura da Grécia antiga, o termo eudaimonia designa o fenômeno da felicidade que não
consiste nem nos prazeres, nem nas riquezas, nem nas honras, mas numa vida de paz do
interior e da alma), de racionalidade prática, sua concepção da virtude como mediania e
suas considerações acerca do papel do hábito e da prudência na Ética. É considerada a
mais amadurecida e representativa do pensamento aristotélico. Trata-se do amor de
regozijo pela mera existência do outro, ou seja:
Implica um desejo de partilhar a companhia do outro, seja pelo prazer, pelo útil ou pela virtude. Este último seria sua forma mais completa, definida por Aristóteles como a amizade entre os bons e virtuosos, que implica querer o bem do outro e ter prazer em sua companhia: a amizade perfeita é a dos homens que são bons e afins na virtude, pois esses desejam igualmente bem um ao outro enquanto bons, e são bons em si mesmos (BORGES, 2004, p. 9-10).
Um homem deve desejar o bem do seu amigo “por amor ao amigo, e não como
um meio para sua felicidade” (ARISTÓTELES, VIII, 02, 1155 b 30-35, p. 174). As
várias formas de amizade mencionadas por Aristóteles constituem todas as ilustrações
da natureza social essencial do homem. No plano inferior, necessita de amizades úteis.
Num plano mais elevado, forma amizades por prazer, isto é, tem um prazer natural no
convívio com os seus amigos. Num plano ainda mais elevado, constitui amizades por
bondade, nas quais um amigo ajuda outro a viver a melhor vida.
A parte mais interessante da discussão é aquela em que Aristóteles defende o
ponto de vista segundo o qual a amizade baseia-se no amor do homem por si próprio.
Noutra passagem, adverte-nos da expressão relação ante si próprio; através da metáfora,
podemos dizer que existe justiça, não entre um homem e si próprio, mas entre duas
partes do mesmo indivíduo. Aristóteles critica o ponto de vista de Platão, segundo o
qual a justiça é essencialmente uma relação com o eu. Aristóteles defende um ponto de
vista semelhante a respeito da amizade, julgando-se, sem dúvida, justificado pela
natureza mais íntima da relação.
Algumas características da amizade podem encontrar-se na relação do homem
consigo próprio; o homem bom deseja e realiza o melhor para seu conhecimento para o
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seu elemento intelectual, o qual representa a si mesmo. Em todo momento ele se
encontra numa completa harmonia consigo mesmo, e de um momento a outro numa
perfeita coerência: é devido ao fato de esta relação existir no homem bom, e porque o
seu amigo é para si outro eu.
A teoria de Aristóteles representa uma tentativa de destruir a antítese entre
“egoísmo e altruísmo”, mostrando que o egoísmo de um homem bom possui
precisamente as mesmas características do altruísmo. No entanto, na tentativa de
encontrar elementos estáticos do “eu”, diz que, “[...] o motivo de interesse e da simpatia
de uma pessoa por outra, fracassa, porque estas relações implicam dois Eus distintos”
(ARISTÓTELES, 2004, VIII, 12; 1161 b 25-30. 1169 b 01-10). Noutra passagem,
Aristóteles quando fala de pessoas, trata os seus amigos como outros Eus. Seguindo
adiante, diz que os Eus, “[...] não consistem numa coisa estática, mas algo capaz de uma
extensão indefinida,” (Idem 161 b. 15-20) ou como partes de si próprios, pretende
significar que um homem pode estender os seus interesses de tal forma que o bem-estar
do outro pode se tornar para si um objeto de interesse, tanto quanto seu bem estar.
Fazendo uma demonstração do que estamos a falar, ele tipifica o seu discurso com o
exemplo do amor de uma mãe:
A amizade parece digna de ser desejada por si mesma. Mas dir-se-ia que ela reside antes em amar do que em ser amado, como mostra o deleite que as mães sentem em amar; pois algumas mães entregam os filhos a outros para serem educados, e, enquanto conhecem o destino deles, amam-nos sem procurar ser amadas em troca (se não lhes são possíveis ambas as coisas), mas parecem contentar-se em vê-los prosperar; e amam os seus filhos mesmo quando estes, por ignorância, não lhes dão nada do que se deve dar a uma mãe (ARISTÓTELES, 2004, VIII, 8, 1159 a 25-35, p. 183).
Esta mãe que sofre a dor do seu filho tanto quanto a dor do seu próprio corpo
torna-se este exemplo de querer para o outro o bem-estar. O altruísmo pode, assim, ser
chamado egoísmo. Mas dizer isso equivale a condená-lo. Existe um amor de si bom,
tanto quanto mau. O problema reside em saber qual espécie de eu que amamos. Pode ser
a que se delicia com o dinheiro, as honras ou os prazeres do corpo, os bens por que
lutamos, os quais são de tal modo que quanto mais os possuímos, menos o outro os deve
ter. Ou, pode ser a que se interessa pelo bem-estar dos seus amigos e concidadãos. Tal
homem desprenderá o seu dinheiro para que os seus amigos tenham mais, mas, mesmo
assim, toma para si a melhor parte. “Os seus amigos apenas obtêm dinheiro, mas ele
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também o que é nobre, a satisfação de fazer o que está certo. E, mesmo que morra por
outros, ganha mais que perde” (Idem, VIII, 12; 1168 a 5-35, p. 205-206).
Portanto, o “Philia” é o amor de amizade. É o amor que não monopoliza, não
escraviza, não cria dependentes. É o amor que vive a alegria de se comunicar com
alguém do jeito que a pessoa é. Esse amor culmina na disposição de expor a vida em
benefício do outro. Na vida precisamos cantar, celebrar as amizades. Para Epicuro,
filósofo grego nascido em Atenas, a amizade é “o máximo que a sabedoria da felicidade
nos pode oferecer na vida”. Portanto, para os gregos a característica dos amigos é a
amizade. Pois aparece bem claro que amar é a virtude característica dos amigos. “[...] A
amizade depende mais de amar que de ser amado, e são os que amam os seus amigos
que são louvados, amar parece ser a virtude característica dos amigos, de tal forma que
só aqueles que amam na medida justa são amigos constantes, e só a amizade desses é
duradoura” (Idem, IX, 8, 1158 b 35, p. 183)
O valor da dignidade humana está naquela certeza indubitável de que este “ser”,
esta “pessoa” que vive, por mais “desconhecida, insignificante e indigente” que seja
para o meu eu, é digna do meu amor, pelo fato da sua existência antropológica, que por
sua vez, exige do meu eu, uma relação intersubjetiva pelo fato de ser o eu do outro, no
sentido histórico, social e cultural. Não amo como cristão somente porque o outro
significa. Mas porque ele é digno de ser amado. Pois constitui o eu do outro. Ele é
“gente” freerianamente falando. Eis uma das verdades essenciais da ética cristã e que se
choca com uma ética neoliberalista com sua gama de questões dentro da genética
capitalista. E é precisamente nesta lógica que Paulo Freire fundamenta o seu fazer
pedagógico. E como pesquisador fala da necessidade de uma filosofia da educação
libertadora.
I. 2 - Conceitualização do termo Filosofia da Educação
Franco Cambi (1999, p. 208), através dos seus estudos demonstra que o fazer
pedagógico moderno é uma retomada do saber do mundo grego, mais concretamente da
filosofia humanística da educação.
A modernidade começa com uma retomada da Paidéia clássica e da sua ideia de cultura literária e retórica, histórica e humanística, como se configurava na tradição antiga, de Isócrates a Quintiliano, mas também de Platão aos estóicos, aos neoplatônico, mesmo que reativada, por
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meio de um trabalho de restauração científica, filosófica, em relação a textos, conceitos, léxicos etc., de modo que a recuperação dos clássicos comportasse também reviver seu mundo, na sua inteireza, complexidade e especificidade, assumindo-o como um novo modelo de formação do homem.
Pode-se dizer que a pedagogia moderna e pós-moderna está amparada, em certa
medida, numa Antropologia Filosófica do mundo em que vivemos. “[...] O homem é um
ser que possui raízes espaço-temporais: um ser situado no e com o mundo. É um ser da
práxis, compreendida por Freire como ação e reflexão dos homens sobre o mundo, com
o objetivo de transformá-lo” (MIZUKAMI, 1986, p. 87), isto equivale a dizer que,
anterior a todo e qualquer intento de educação, subjaz uma concepção filosófica da
humanização do homem. E por isso mesmo, os objetivos educacionais devem adquirir
uma “[...] abordagem que atende a interesses individuais, mas também a necessidades
sociais” (NISKIER, 2001, p.24).
António, J. Severino define a Filosofia como sendo o conhecimento que trata da
“[...] busca sistemática e insistente do sentido mais profundo e mais radical da
existência humana”, tornando-a “[...] mais adequada, mais coerente, cada vez mais
especificamente humana” (1994, p. 37). É precisamente nesta área em que consiste a
sua importância. Fazer do homem humanizado e para compreendermos este fenômeno
temos de refletir sobre três aspectos fundamentais da filosofia da Educação que
envolvem a própria Filosofia, a Educação, a Pedagogia e a Didática. Porém, aqui apenas
fazemos uma indicação e não pretendemos nos debruçar sobre tal reflexão.
A tarefa da Filosofia da Educação é “[...] buscar o sentido mais profundo do
próprio sujeito da educação, ou seja, de construir a imagem do homem em sua situação
de sujeito/educando. Como tal torna-se uma antropologia filosófica, buscando integrar
as contribuições das ciências humanas” (SEVERINO, 1994, p. 37). A filosofia da
educação não está vinculada somente à razão instrumental ou à razão comunicativa
liberal, mas tem como sua produtora a razão enquanto elemento que escolhe fins e,
portanto, que valora. Ela pode falar em "valor de verdade" e "valor moral", pode separá-
los em campos que se excluem ou não, mas, sempre, vai falar em valores e fins. A
razão, aqui diz, quais são os objetivos da educação e, então, que explicita se as normas
da pedagogia podem ser mantidas ou não, e que normas são essas. Tais normas devem
parecer legítimas, caso contrário, pelo menos em princípio, elas não terão seguidores. O
que as torna legítimas? Um discurso – o discurso filosófico, a filosofia da educação ou
fundacionista ou justificadora. Se a legitimação da pedagogia se dá através de uma
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metafísica que encontra um fundamento último para que a educação se processe de uma
maneira e não de outra, dizemos que a filosofia da educação fundamenta a pedagogia e,
consequentemente, a educação. Se a legitimação da pedagogia se dá através de um
conjunto de argumentos que tentam justificá-la, sem requisitar um ponto arquimediano
metafísico, então dizemos que a filosofia da educação justifica a pedagogia e, por justa
causa, a educação.
Se nós acreditamos, por exemplo, no âmbito da filosofia da educação, que
“somos iguais porque todos nós somos filhos de Deus” ou que “somos iguais porque
somos todos seres humanos” ou que “somos iguais porque todos nós possuímos
diferentemente dos animais, razão”, podemos então, no âmbito da fixação de normas
pedagógicas, dizer que nossa educação “tem como objetivo não destruir nossa igualdade
original”. A igualdade baseada na origem divina, ou baseada na noção de ser humano ou
na posse de algo que poderia chamar “razão”, funciona, neste caso, como fundamentos
metafísicos para uma pedagogia igualitária. Mas se alguém diz que tal crença metafísica
não é algo que podemos crer à luz de crenças mais convincentes, e se nós não quisermos
abandonar a nossa pedagogia igualitária, então nos cabe ou convencer nosso interlocutor
da validade do ponto metafísico, o que implica em refazer o sistema filosófico adotado
ou, então, argumentar de modo a justificar que a igualdade como fim da educação vale à
pena, por exemplo, porque ela possibilitará um mundo com menos injustiça, um mundo
melhor – usamos aí um argumento pragmático que não implica qualquer metafísica.
Assim, uma mesma pedagogia, uma pedagogia igualitária, por exemplo, pode ter
discursos legitimadores diferentes, isto é, filosofias da educação diferentes. Quem
legitima a pedagogia pode apelar para a fundamentação ou para a justificação que
perfazem o campo filosófico do pensar humano, que:
Percebe o mundo em mudança constante, não aceitando, portanto, que os objetivos educacionais sejam fixos e finais. Propõe, então, uma reconstrução permanente da experiência e um crescimento criativo e progressivo da educação, somente subordinado a mais crescimento. Nesse processo, porém, intervém a natureza do futuro, o que faz com que a educação se concentre no aqui e no agora (NISKIER, 2001, p.36).
Portanto, o trabalho próprio dos filósofos da educação, é “[...] ocupar-se dos
problemas da educação” (Ibidem). E pensar na legitimação da pedagogia, é próprio da
área da filosofia da educação. Não raro, é uma discussão que envolve argumentos
técnicos em filosofia e, que não produz um saber que possa ser de domínio imediato dos
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que estão executando a relação ensino-aprendizagem, embora os professores conheçam,
ao menos, as máximas filosófico-pedagógicas que escapam do domínio técnico e lhes
caem nos ouvidos, ainda assim, eles ficam satisfeitos com suas pedagogias. Porque,
“[...] embora a filosofia não forneça respostas finais a todas as questões, ela oferece
respostas possíveis para nossas perguntas” (NISKIER, 2001, p.36). É legítimo afirmar
que no processo de ensino e aprendizagem algumas vezes, uma única máxima
filosófico-pedagógica guia uma vida inteira de trabalho de um professor.
I.3 – Saberes necessários sobre a Pedagogia
Há uma ideia recorrente, inclusive entre os próprios pedagogos, de que
Pedagogia seja o modo de ensinar, tem pedagogia quem ensina bem. Uma pessoa se
serve da pedagogia para ensinar, ou administrar melhor a matéria. Utiliza técnicas de
ensino. Desse modo, o pedagógico seria o metodológico. E neste sentido se confundiria
com a Didática que “[...] trata das relações entre educador, educando, conteúdos e
instrumentos (ritos e práticas) no fazer da educação” (MARQUES, 1990, p. 52). Tal
entendimento poderia até ser compreensível, caso fosse atribuído aos professores de
matérias sem vínculo direto com a educação, ou seja, profissionais do ensino leigos em
relação ao campo investigativo da educação. Mas, seria impróprio aos professores
ligados ao campo da educação manter uma ideia de senso comum sobre o caráter
pedagógico.
Segundo Emile Chanel (1977, p. 21), a Pedagogia não é uma ciência, já que é
“[...] um conjunto de regras e visa certo ideal. Mas ela repousa sobre uma ciência, a
ciência da criança ou pedologia”. Às vezes tomamos a palavra “pedagogia” em um
sentido lato; trata-se da pedagogia como o campo de conhecimentos que abriga o que
chamamos de “saberes da área da educação” – como a filosofia da educação, a didática,
a educação e a própria pedagogia, tomada então em sentido estrito. Mas, de fato, é em
um sentido estrito que a pedagogia nos deve interessar.
A pedagogia, em um sentido estrito, está ligada às suas origens na Grécia antiga.
Aquele que os gregos antigos chamavam de “pedagogo” era o escravo que levava a
criança para o local da relação ensino-aprendizagem; não era exclusivamente um
instrutor, ao contrário, era um condutor, alguém responsável pela melhoria da conduta
geral do estudante, moral e intelectual. Senão vejamos como Mario O. Marques (1990, p.
56), descreve a educação elementar dos atenienses:
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Após o período formativo através dos brinquedos esportivos e no seio da família, iniciava aos sete anos, com o menino confiado a um pedagogo, geralmente escravo idoso, que o acompanhava o dia inteiro e o ensinava a conduzir-se na vida e no mundo, tarefa mais importante que a da palestra, onde se cultivavam o corpo e a conduta moral, e que a da didascaléia, onde o mestre-escola (gramático) ensinava a ler e escrever e os rudimentos do cálculo. Aos t13 anos, os filhos das classes inferiores abandonavam a escola para dedicar-se à agricultura ou ao aprendizado de um ofício manual; os abastados prosseguiam com uma educação secundária rudimentar até a eufobia ou escola de guerra.
Cabia assim, ao escravo pedagogo, proporcionar ambiente normativo para a boa
educação e se, por acaso, precisasse de especialistas para a instrução – e é certo que
precisava –, conduzia a criança até lugares específicos, os lugares próprios para o
“ensino de idiomas, de gramática e cálculo” de um lado e para a “educação corporal” de
outro e assim sucessivamente.
Fazendo uma descrição histórica da Pedagogia como ciência, cabe dizer o
seguinte: O conhecimento científico permite a superação das crenças e dos enfoques
empíricos e “[...] determina o ato de pensar, querer, agir e sentir” (NISKIER 2001, p.
23). A par desta determinação se insurge o aspeto ideológico que “insere o individuo na
divisão social” (Ibidem). Como precisar a cientificidade da Pedagogia?
A Pedagogia, como ciência, tem uma longa história. Na Obra “História da
Pedagogia”, Franco Cambi (1999, p. 43 -135) faz como que uma rebuscagem histórica,
crítica, reflexiva e filosófica da pedagogia para descrever os passos que a Pedagogia foi
dando até chegar ao conceito atual. O autor divide o seu trabalho em quatro partes
fundamentais. A primeira que fala do “[...] mundo antigo” e das “características da
educação antiga”. A segunda descreve o fazer pedagógico da “[...] época medieval”
(Idem, p. 141- 190). Enquanto a terceira parte salienta as “[...] características da
educação moderna” (Idem, 1999, p. 195-360). E por último apresenta um relato das
“características da educação contemporânea” (Idem, p. 377-641).
Mário Osório Marques, por sua vez, no seu livro “[...] Pedagogia: a Ciência do
Educador” (1990) chega à conclusão de que a educação ou a humanização do homem
tem a sua origem na Paidéia grega. Porém frisa que “[...] não se trata ainda de
desenvolver as potencialidades do educando, mas de conformá-lo, de formar nele o
homem político, cidadão por inteiro, o homem configurando nas leis que determinam a
essência humana: poeta, homem, de estado e sábio” (1990, p. 55). Segundo este autor,
os primeiros estudos e aportes emergiram, com a origem e o desenvolvimento da
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própria civilização “[...] greco-ocidental pelo dualismo de forma e matéria, sujeito e
objeto, correspondem os pares antitéticos de teoria e prática, e particularmente, de
educação e ensino” ( Ibidem).
Para estes dois autores como aconteceu com outras ciências, a Pedagogia viu
seus primeiros grandes estudos nas obras dos clássicos da antiguidade, sobretudo com
Sócrates (469–399), segundo o qual, “[...] a educação tinha como última instância uma
função social” (NISKIER, p. 34); Platão (427-347), para quem “uma boa educação
consistia em dar ao corpo e à alma toda a beleza e toda a perfeição de que são capazes”
(Idem, p. 33); e Aristóteles (384-322) em cuja obra “A Política” já se “[...] preocupava
com o problema da educação, admitindo mesmo que sua prática, em vigor naquela
época, era de perplexidade” (Ibidem), dentre outros filósofos. Tendo como um único
objetivo do saber grego: retomar “[...] o valor da educação, não como forma de
ministrar conhecimentos, mas como desenvolvimento da capacidade de pensar através
de conceitos de validade universal, arte do diálogo ente os homens no cumprimento do
dever ser sábios” (MARQUES, 1990, p. 56); e para “[...] a formação de hábitos pelo
esforço pessoal, pelo exercício retido e pela intervenção da livre vontade” (Idem, p. 57)
do homem na participação e transformação das práticas sociais.
Poderíamos dizer assim que o surgimento da Pedagogia como ciência sustenta-
se a partir da definição de seu próprio objeto de estudo: a educação. O progresso da
educação não poderia se fundamentar só em experiências do dia-a-dia e conjecturas dos
pensadores. Era necessário o surgimento de uma ciência que desse a esse objeto de
estudo, uma sustentação científico-tecnológica. E esta ciência, contudo, somente atinge
o seu auge na Modernidade, quando os filósofos que marcaram este período com o olhar
crítico ao passado se deram conta da centralidade do fazer pedagógico na vida, presente
e futura do homem e da sociedade. Esta centralidade consiste em fazer da Pedagogia:
O lugar de reconstrução orgânica da vida social, de conexão entre passado, presente e futuro, entre teoria e práxis, entre indivíduos e governo, com uma função estratégica global enquanto elemento substancial da construção do poder, e da homologação da sociedade ao puder, até nas formas mais ousadas, irenistas e utópicas (CAMBI, 1999, p. 213).
Portanto, relendo as obras dos grandes pedagogos da Modernidade, tais como:
Comenius, Locke, Rousseau, Kant, Hegel, Herbart, Chernichevski, Pestalozzi,
Diesterweg e Ushinski, entre outros filósofos e intelectuais citados por Mário Osório
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Marques e Franco Cambi, chegaremos a entender melhor o percurso filosófico, histórico
e científico bem como a independência da Pedagogia como ciência. Coisa que não
pretendemos fazer neste trabalho, e sim, apenas fazer referências de alguns deles.
Os clássicos do Materialismo-Histórico e Dialético, Marx e Engels, elaboraram
os fundamentos que permitiram sustentar a cientificidade desta estabelecendo uma
ruptura com o passado. Mais concretamente diremos que, “[...] a ruptura da
Modernidade apresenta-se, portanto, como uma revolução, e uma revolução em muitos
âmbitos: geográficos, econômicos, políticos, sociais, ideológicos, cultural e pedagógico;
de fato, também no âmbito pedagógico” (CAMBI, 1999, p. 196). Dessa forma, aos
poucos, a Pedagogia vai-se diferenciando, como resultado de um longo período e
processo históricos, da Teologia e da Filosofia, já que desde a antiguidade, ela tem sido
encerrada em complexas apreciações sobre o mundo e o homem. Por exemplo: Aristóteles postula uma pedagogia que visa “uma educação progressiva na evolução natural do ser humano, ser psicobiológico em que se desenvolvem sucessivamente a vida física, o instinto, a razão. A formação de hábitos pelo esforço pessoal, pelo exercício repetido e pela intervenção livre da vontade (MARQUES, 1990, p. 57)
Historicamente falando nos século XVI e XVII, nasce o primeiro sistema
pedagógico como resultado da divisão, do até então estreito vínculo entre a Teologia e a
Filosofia. Vejamos o que nos diz Franco Cambi (1999, p. 22):
A história da pedagogia no sentido próprio nasceu entre os séculos XVIII e XIX e desenvolveu-se no decorrer deste último como pesquisa elaborada por pessoas ligadas à escola, emprenhadas na organização de uma instituição cada vez mais central na sociedade moderna (para formar técnicos e para formar cidadãos), preocupadas, portanto, em sublinhar os aspectos mais atuais da educação-instrução e as ideias mestras que haviam guiado seu desenvolvimento histórico.
Se não nos enganamos, julgamos ser da intenção de Franco Cambi, bem como
de Marques, ao descreverem passo por passo o surgimento cronológico da pedagogia
como ciência ser a de ativar a nossa memória a fim de que possamos compreender a
contemporaneidade pedagógico-educativa. Pois, estamos certos de que, “[...] a história é
o exercício da memória realizado para compreender o presente e para nele ler as
possibilidades do futuro, esmo que seja de um futuro a construir, a escolher a tornar
possível” (Idem, p. 35).
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Se for verdade que, ao nos debruçar sobre este assunto, devemos apelar pelo uso
da razão histórico/crítica, então não será menos verdade afirmar que, a reflexão
pedagógica continua a sua estreita relação com a filosofia, ou seja, com a Antiguidade e
a Paidéia, embora lhe mude o foco, à medida que o pensamento vai evoluindo, como
bem o afirma Franco Cambi (1999, p. 198).
A formação do homem segue novos itinerários sociais, orienta-se segundo novos valores, estabelece novos modelos. A reflexão sobre esses processos de formação vive a transformação no sentido laico e racional que interessa à ideologia e à cultura, isto é, a visão de mundo e a organização dos saberes. Opera-se assim uma radical virada pedagógica que segue caminhos muito distantes daqueles empreendidos pela era cristã (destinados a formar o homem para a civitas Dei, definidos no sentido ético-religioso e não ético-polítco ou prático; delineadas nítida, e rigidamente pelo magistério da igreja, articuladas de maneira diversa para as várias ordens sociais – oratores, bellatores, laboratores) que reativam sugestões – sobretudo teóricas – da Antiguidade e da sua Paidéia, vista como uma livre formação em contato com a cultura e com a vida social (retoma-se Platão e sua República, mas também Plutarco e suas vidas, além dos mestres de retórica e de sabedoria, desde Epicuro até os estóicos). Segue-se o modelo do Homo faber e do sujeito como indivíduo, embora o ligando à cidade e depois ao Estado, potencializando a sua capacidade de transformar a realidade e de impor a ela uma direção e uma proteção, até mesmo a da utopia .
Neste processo de investigação cabe à Pedagogia mais concretamente o estudo
das relações educativas, seus mecanismos de ação e estruturas subjacentes,
inevitavelmente inconclusas e dotadas de um elemento utópico, como característica
fundamental do fenômeno educativo. Foi por isso que em 1978, Sacristán (1978, p.165-
166) cogitou que, “[...] o que caracteriza a investigação educacional é o fato de ela ir
perseguindo a sombra que ela mesma tem que ir criando”, na sua evolução histórica,
teórica, prática e, sobretudo, crítico racional. Uma crítica sucede à outra crítica e assim
por diante permitindo destarte a lapidação do conhecimento. Por exemplo, “[...] a crítica
cultural à Aristórteles e à Escolástica estriba-se na crítica filológica, base para a crítica
histórica. Inventos e realizações técnicas materializam o avanço das forças produtivas e
criam as condições para o surgimento da ciência moderna” (Idem, 1990, p. 63) e desta a
contemporânea e assim sucessivamente. Esta peculiaridade estabelece definitivamente
uma mudança radical que provoca a união das teorias e das práticas pedagogias de uma
maneira crítico/reflexiva em todas as épocas.
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Enfim, mudam-se também as teorias pedagógicas, que se emancipam de um modelo unitário, definido a priori e considerado invariante, e tomam uma conotação histórica e empírica, encarregando-se das novas exigências sociais de formação e de instrução, modelando fins e meios da educação em relação ao tempo histórico e as condições naturais do homem, que, portanto, deve ser estudado cientificamente (ou mais cientificamente, pelo menos), de modo analítico e experimental, seja nas suas capacidades de aprender seja nos seus itinerários de crescimento físico, moral, social (CAMBI, 1999, p. 199).
Consequentemente, a partir da Modernidade e com as mudanças das teorias
pedagogias a “[...] Pedagogia nasce como ciência” (Ibidem) e passa a ser um reflexo da
manifestação social objetiva da educação. E então se faz ciência da educação ou
também Filosofia da Educação no mundo atual enquanto mantenedora dos fins da
educação que se destinam “a um indivíduo ativo na sociedade, liberado de vínculos e de
ordens, posto como “artífex fortunae suae” e do mundo em que vive; um indivíduo
mundanizado, nutrido de fé laica e aberto para o cálculo racional da ação e suas
consequências” (Idem, p. 198). Porque educação é, afinal de contas, o próprio “tornar-se
homem” de cada homem num mundo em crise o que exige tecnicidade e cientificidade.
Não é em vão que Arnaldo Niskier (2001, p. 27) diz que, “[...] a educação atual requer
do professor uma formação científica e uma formação pedagógica ao mesmo tempo. Por
parte do aluno, deve existir a necessidade de reflexão científica sobre os problemas da
nossa realidade”. Não há como educar fora do mundo. A ser assim, a nossa ação como
educador deve ser uma forma de interação subjetiva e objetivamente: “[...] ensinar exige
compreender que a educação é uma forma de intervenção no mundo” (FREIRE, 1999,
p. 110). Portanto, nenhum educador, nenhuma instituição educacional pode colocar-se
à margem do mundo, encarapitando-se numa torre de marfim. Mas sim, devemos estar
todos convictos de que “[...] a educação não é um fenômeno isolado, ela não pode ser
vista fora das condições sociais e históricas (NISKIER, 2001, p. 23). Daí que se faça
necessário que tomemos consciência de que participamos de um mundo habitado
também pelos outros seres.
Nascem os homens imersos num mundo não só de outros homens e das coisas ao redor, mas também de conhecimentos e relações com que se tecem as tramas e a lógica de uma cultura expressa em linguagem determinada. Nascem eles lançados na vida cotidiana, marcados pela simultaneidade de seres particulares e seres genéricos (MARQUES, 1990, p. 14)
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A ser o caso, a educação, de qualquer modo que a entendamos, sofrerá
necessariamente o impacto dos problemas da realidade em que acontece, sob pena de
não ser educação. Os problemas levantados anteriormente, tais como a indisciplina, o
não aprendizado e evasão escolar existentes na realidade, julgamos surgirem em função
da falta da compreensão do que seja a educação. Não podemos tratar deste assunto
como se trata dos teoremas matemáticos ou físicos. Devemos pelo processo de educação
nos conscientizar que estamos a lidar com o homem que vive como ser humano, o que
significa para ele “[...] agir sobre si mesmo e sobre seu mundo, com inteligência e
liberdade. Tomar em suas mãos a tarefa de organizar a própria vida e as condições em
que ela se desenvolve e conduzi-la sob responsabilidade própria” (Idem, p. 50).
A ser o caso, falar da educação é debruçar-se sobre um “[...] fenômeno
primordial e básico da vida humana, congênere e contemporâneo da própria vida em
todas as suas fases e situações” (Ibidem). Pois estes problemas educacionais são tanto
mais complexos quanto mais incidem na educação todas as variáveis que determinam
uma situação. Até porque homem que pretendemos formar ou educação nunca está
completamente maduro e pronto. Passa por várias fases na vida. Não é por acaso que se
alude ao tema do inacabamento do homem.
O homem é um ser inacabado, não prisioneiro nem mero produto de um ambiente, porque se faz, constrói-se ao construir seu mundo, desde que construir a si mesmo também significa construir um mundo que seja o seu, que leve sua marca e que possa ele assumir como obra de sua responsabilidade (MARQUES, 1990, 50).
Deste modo, a “Filosofia na educação” transforma-se em “Filosofia da
Educação” enquanto reflexão rigorosa, radical e global ou de conjunto sobre os
problemas educacionais que afetam o homem no mundo em todas as épocas como já o
frisamos. Este conceito embora tivesse início no mundo grego somente mobiliza a
comunidade intelectual de uma maneira científica na Idade Moderna.
A Modernidade nasce como uma projeção pedagógica que se dispõe, ambiguamente, na dimensão da libertação e na dimensão do domínio, dando vida a um projeto complexo e dialético, também contraditório, animado por um duplo desafio: o da emancipação e o de conformação, que permaneceram no centro da história moderna e contemporânea como uma antinomia constitutiva, talvez não superável, ao mesmo tempo estrutural e caracterizante da aventura educativa do mundo moderno (CAMBI, 1999, p. 203).
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De fato, os problemas educacionais envolvem sempre os problemas da própria
realidade humana. A Filosofia da Educação apenas não os considera em si mesmos, mas
enquanto imbricados no contexto educativo. Porque, Franco Cambi (1999, p. 207),
citando Althusser, olhando a forma dialética da educação e das instituições de ensino
diz que “[...] a escola se torna uma aparato ideológico do Estado que conforma
reproduzindo a força de trabalho, mas, sobretudo, a ideologia”
E então o objeto de estudo da Pedagogia passa a ser a educação enquanto
fenômeno social. Porque “[...] a pedagogia permanece solidamente no centro da cultura,
como momento conscientemente autorizado e essencial da vida social, tanto mais
quanto a sociedade se desarticula e se torna complexa no seu próprio interior” (Idem,
213). E quem melhor esclarece o campo de que se ocupa a Pedagogia é José C. Libâneo
(1999, p. 25) quando diz que: “[...] Pedagogia é, então, o campo do conhecimento que
se ocupa do estudo sistemático da educação, isto é, do ato educativo, da pratica
educativa concreta que se realiza na sociedade como uns dos ingredientes básicos da
configuração da atividade humana.
Na história da filosofia e da educação, podemos identificar duas concepções
fundamentais acerca do conceito de homem: a concepção essencialista, segundo a qual
aquilo que é o homem sábio, é definido por uma essência anterior e exterior a ele; e a
existencialista, segundo a qual o homem sábio se define apenas a posteriori, através de
seus atos, construindo paulatinamente a essência do que é ser homem de dentro para
fora. O homem “[...] sábio é aquele que sabe por natureza, o que o é por sua forte e
espontânea vitalidade, enquanto os arrivistas da cultura só sabem por haverem
aprendido” (MARQUES, 1990, p. 55). A primeira perspectiva fundamenta a teoria
educacional que Platão apresenta n’A República, base da educação jesuíta e de todo o
sistema tradicional de ensino; já a perspectiva existencialista é inaugurada com
Rousseau em seu Emílio, ou da Educação, constituindo o fundamento das teorias e
práticas pedagógicas característica fundamental da Escola Nova que faz da educação a “
[...] ação proposital de um grupo humano sobre si mesmo e sobre sua continuidade
através das novas gerações” (Idem, p. 55).
Emmanuel Kant (1724 -1804) (1996, p. 11), filósofo alemão é considerado um
dos influentes para o pensamento pedagógico. Para ele, a educação é o cuidado da “[...]
infância (a conservação, o trato), a disciplina e a instrução como formação.”. O autor
entende como cuidado “[...] as precauções que os pais tomam para impedir que as
crianças façam uso nocivo de suas forças.” (Ibidem). Sobre a educação ele escreve
30
ainda que “[...] a espécie humana é obrigada a extrair de si mesma pouco a pouco, com
suas próprias forças, todas as qualidades naturais, que pertencem à humanidade” (Idem,
p. 12) e que “[...] por um lado, a educação ensina alguma coisa aos homens e, por outro
lado, não faz mais que desenvolver nele certas qualidades” (Idem, p. 15). Portanto, para
Kant a educação é um processo pelo qual se desenvolvem as potencialidades inatas do
ser humano.
“[...] Se a educação é um processo formador de pessoas, de homens, precisamos
saber, de antemão, o que é e quem é esse homem que pretendemos formar” (GALLO,
Apud, MOVIMENTO, 1996, p. 57). Acontece que ao pensarmos o nosso conceito de
homem, deparamo-nos com a questão política: tal conceito está estreitamente
relacionado com a sociedade na qual este homem está ou estará inserido. Abrem-se
então duas possibilidades fundamentais para nosso processo educacional: ou formar
homens comprometidos com a manutenção desta sociedade ou formar homens
comprometidos com a transformação de suas vidas, histórias e sociedades. Pois,
segundo Manacorda (1989), citado por Marques (1990, p. 60), “[...] a ordem de ensinar
a todas as gentes levaria, por um lado, à quebra do preconceito contra a instrução do
povo e, por outro lado, à separação entre o ensinar, reservado ao clero, e o fazer,
obrigação dos leigos”.
O termo “educação”, ou seja, a palavra que usamos para fazer referência ao “ato
educativo”, nada mais designa do que a prática social humana, que identificamos como
uma situação temporal e espacial determinada na qual ocorre à relação ensino-
aprendizagem, formal e/ou informal.
A educação é uma ação consciente: se não existe uma intenção clara cumpre falar de influência. É uma ação desinteressada, inspirada por um ideal, pela preocupação em manter certos valores: apenas uma educação humana pode, portanto existir. Enfim, embora haja uma educação dos pais, uma educação dos adultos, uma educação de si mesmo, é uma ação que, essencialmente, visa os jovens: trata-se para os mais velhos, de desenvolver harmoniosamente nas crianças e nos adolescentes todas as faculdades, numa palavra, de formar um homem (CHANEL, 1977, p. 19).
Assim sendo, a relação ensino-aprendizagem é guiada sempre por alguma teoria.
Mas nem sempre tal teoria pode ser explicitada em todo o seu conjunto e detalhes pelos
que participam de tal relação: pais e filhos, o professor e o estudante, o educador e o
educando, da mesma forma que poderia fazer um terceiro elemento, observador que
31
pode visualizar e estar munido de uma ou mais teorias a respeito das teorias
educacionais. A educação, uma vez que é a prática social da relação ensino-
aprendizagem no tempo e no espaço, acaba em um ato e nunca mais se repete. Nem
mesmo os mesmos participantes podem repeti-la, gravá-la nem na memória nem por
meio de máquinas. É um fenômeno intersubjetivo de comunicação que se encerra em
seu desdobrar. No caso, se falamos de um encontro entre o professor e o estudante,
falamos de um fenômeno educacional – que é único. Quando ocorrer outro encontro do
mesmo tipo, ele nunca será o mesmo e, enfim, só superficialmente será similar ao
anterior.
Existe a educação de cada categoria de sujeitos de um povo; ela existe em cada
povo, ou entre povos que se encontram. Ela participa do processo de produção de
crenças e ideias, de qualificações e especialidades que envolvem as trocas de símbolos,
bens e poderes que, em conjunto, constroem tipos de sociedades.
A educação existe onde não há educador e educando e por toda parte, pode haver
redes e estruturas sociais de transferências de saber de uma geração a outra, onde ainda
não foi sequer criado a sombra de algum modelo de ensino formal e centralizado. Ela
vai além das expectativas simplesmente familiares, por exemplo. A educação
proporciona aos educandos sejam eles criança ou adolescente um amplo campo do saber
que os capacite a ser dono do seu próprio futuro.
A educação cria automatismos no homem, não para tirar-lhe sua liberdade, mas, ao contrário, para aumentá-la. Os mecanismos da palavra, da dança, da polidez, do piano, dão toda liberdade ao orador, ao dançarino, ao homem de sociedade, ao artista, para realizar seu ideal. O objetivo é a formação de um ser livre, um ser com inteligência, ideal e vontade. Está absolutamente fora de questão domar as crianças, mesmo quando fosse para seu bem. [...] É necessário que a criança conheça o poder que tem de se governar (CHANEL, 1977, p. 37 e 39).
A natureza do homem, na sua dupla estrutura corpórea e espiritual, cria
condições especiais para a manutenção e transmissão da sua forma particular e exige
organizações físicas e espirituais, ao conjunto das quais damos o nome de educação.
Pela e na educação o homem atua e põe em prática a sua força vital, criadora e plástica,
que espontânea e gradualmente impele todas as espécies vivas à conservação e à
propagação de seu tipo. E por que ser racional refletir no modo como este processo
acontece para que melhor se humanize. Daí a razão da dialética kantiana que Marques
(1990, p. 69) faz alusão ao falar da Pedagogia:
32
A Pedagogia precisa tornar-se um interminável processo heurístico da experiência referida à prática, e [...] a educação precisa tornar-se um interminável experimento planejado e controlado, [...] cuja conexão mútua cada geração dará um passo a mais para o aperfeiçoamento da humanidade. [...] homens precisam educar homens em homens, e para isso eles não dispõem de nenhuma orientação dada previamente, mas precisam fazer eles mesmos o plano de usa conduta. A partir disto, Kant determina a educação como uma experiência a ser planejada mediante a ciência [...] para o que a práxis da educação, e a pedagogia como sua teoria, representa o infindável experimento do homem, que precisa antes de tudo, determinar e efetivar tanto teórica como praticamente a sua humanização.
Estamos certos de que é pela educação que o homem atinge o seu mais alto grau
de intensidade, através do esforço consciente do conhecimento e da vontade dirigidos
para a consecução de um fim. Este fim não consiste em outro senão no que Chanel
ousou chamar de “[...] desenvolver as faculdades” (CHANEL, 1977, p. 47) que o tornam
cada vez mais humano e o insere no tecido social. Vista em seu voo mais livre, a educação é uma fração da experiência do “[...]
saber cultural” (MARQUES, 1990, p. 78). Ou seja, a educação é então uma prática
social, cujo fim é o desenvolvimento do que na pessoa humana pode ser aprendido entre
os vários tipos de saber existentes em uma cultura. Tudo, porém, para formação de
sujeitos, de acordo com as necessidades e exigências de sua sociedade, em um momento
da história de seu próprio desenvolvimento conforme diz Marques (1990, p. 52):
A educação, assim, não é senão a forma como os grupos sociais concretos e diferençados organizam e conduzem suas vidas e suas lutas no âmbito da sociedade abrangente que entendem deva ser organizada e conduzida como horizonte ampliado e como determinante das situações que enfrentam.
Passando deste modo a atuando sobre a vida e o crescimento da sociedade, tanto
as sua forças produtivas, quanto no desenvolvimento de seus valores culturais. É por
isso que “[...] ensinar exige o reconhecimento e a assunção da identidade cultural”
(FREIRE, 1999, p. 46). Portanto, a educação aparece sempre que há relações entre
pessoas e intenções de ensinar-aprender. Intenções, por exemplo, de aos poucos
“modelar” a criança, para conduzi-la a ser o ‘modelo’ social. A educação “[...] forma
ainda a personalidade de acordo com a realidade social e política. Pode-se preparar o
indivíduo para atender a certas necessidades consideradas prioritárias por um grupo
33
qualquer ou pelo Estado, de acordo com uma ideologia política” (NISKIER, 2001, p.
25).
Todos os povos sempre traduzem de alguma maneira esta lenta transformação
que a aquisição do saber deve operar. Ajudar a crescer e orientar a maturação,
transformar, tornar capaz, trabalhar sobre, polir, criar, como um sujeito social, a obra, de
que o homem natural é a matéria-prima.
A educação é algo totalmente diferente de um adestramento. O adestramento do animal é tanto mais perfeito quanto seu impulso é completamente rompido. A educação é tanto mais bem sucedida quando produz uma maleabilidade, um enriquecimento, uma libertação e não um enrijecimento e uma mecanização das energias da vida ou pelo menos não disciplinam as energias inferiores senão em proveito das energias superiores do próprio ser (Idem, p. 43).
A educação aparece sempre que surgem formas sociais de condução e controle
da aventura de ensinar e aprender. O ensino formal é o momento em que a educação se
sujeita à pedagogia que, como veremos, se descreve como sendo a teoria da educação, e
que cria situações próprias para o seu exercício, produz os seus métodos, estabelece
suas regras e tempos; e constitui executores especializados. Entrementes aparecem à
escola, o aluno, o professor e começa a produzir-se conhecimento científico já que, “[...]
o ensino por si só não cria uma mentalidade nem um espírito científico, mas pode
transformar-se em uma espécie de doutrina” (NISKIER, 2001, p. 23).
Em primeiro, todas as partes do mundo, a educação existe como um inventário
amplo de relações interpessoais diretas no âmbito antropológico. Por isso, “[...] o
problema da educação torna-se assim pertinente porque a sociedade se pergunta sobre o
seu futuro (o que deve ser) e toma conhecimento da realidade (o que é)” (Idem, p. 33).
Todo o saber que se transfere pela educação circula através de trocas interpessoais, de
relação física e simbolicamente afetiva entre pessoas.
Portanto, pode-se dizer que a Educação compreende o conjunto dos processos,
influências, estruturas, ações, que intervêm no desenvolvimento humano de indivíduos e
grupos na sua relação ativa com o meio social e natural, num determinado contexto de
relações entre grupos e classes sociais, visando à formação do ser humano. O maior
desafio da Educação para as pessoas é, na linguagem de Marques (1990, p. 52),
“entender as situações históricas em que vivem e a elas imprimir os rumos de suas
escolhas [...] como forma de vida e de inserção histórica dos grupos humanos, inserção
34
política no processo de organização e condução da sociedade” A educação é, assim,
uma prática humana, uma prática social que modifica os seres humanos nos seus
estados físicos, mentais, espirituais e culturais. A educação dá uma configuração à nossa
existência humana individual e grupal.
Ao tratar de Pedagogia, Emile Chanel, citando Durkheim (CHANEL, 1977, p.
21), diz que a “[...] Pedagogia é uma teoria prática. Ela é a teoria da arte da educação
como a medicina é a teoria da arte de curar, a arquitetura da arte de construir e a política
da arte de governar”. Portanto, Pedagogia é a teoria crítica da educação, isto é, da ação
do homem quando transmite ou modifica a herança cultural, visto que, no dizer de
Marques (1990, p. 71),
A educação e a formação cultural são momentos de reprodução da consciência social, momentos incondicionais da reprodução da sociedade e de seus membros na universalidade tornada realidade positiva, em que o indivíduo faz-se elo da vinculação social e desenvolver suas possibilidades de participação no desenvolvimento sócio-cultural.
Por isso é que a educação não é um fenômeno neutro, mas sofre os efeitos da
ideologia, por estar de fato envolvida na política e, concomitantemente, a finalidade da
escola é “[...] preparar a juventude para o mundo real, não apenas para a competência
profissional, mas para a mais alta obrigação: ser membros do Estado” (Ibidem). Uma
ciência da educação, não poderia ser outra coisa que uma socialização, ou seja,
humanização do jovem no quadro sócio-histórico-cultural. Trata-se, assim, de “[...] uma
sociologia da educação, o estudo das ideias e das instituições pedagógicas, de sua
evolução e de sua relação com o estado social” (CHANEL, 1977, p. 23).
A pedagogia é a parte normativa do conjunto de saberes que precisamos adquirir
e manter se quisermos desenvolver uma boa educação. É mais ou menos a conclusão
aqui chegamos relendo os vários autores que discutem a temática da educação.
Enfaticamente devido a importância do tema diremos que a pedagogia, é aquela parte do
saber que está ligada à “razão”. Todavia, não se trata da razão enquanto instrumental
apenas, e sim, inclui a razão enquanto razoabilidade e racionalidade que nos possibilita
o convívio, a ética, a moral, a justiça, a bondade, a estima, a vigência da tolerância, ou
seja, o “Amor Philia”.
35
I.4 – A Didática enquanto razão instrumental da Pedagogia
A didática está além do uso funcional de uma mera teoria ou prática
educacional. Trata-se de um fator de grande importância. Porém, o que vemos em
muitas instituições é a didática sendo aplicada de forma conturbada e rotulada, pois é
tida como um livro de receitas prontas de métodos e técnicas que serão utilizadas dentro
da sala de aula, visando assim uma construção de conhecimento. Grande parte das
instituições educacionais possui o "receituário" pronto onde os professores são
orientados a desenvolverem suas atividades sem fugir do padrão da instituição. “[...] O
professor ainda é um ser superior que ensina a ignorantes. Isto forma uma consciência
bancária ou de depósito; porque, “o educando recebe passivamente os conhecimentos,
tornando-se um depósito do educador. Educa-se para arquivar o que se deposita
(FREIRE, 1979, p. 38).
A partir deste posicionamento de Freire fica explicita também a relação de
submissão dos alunos em relação à autoridade do professor na escola. As vezes a
autoridade muitas vezes é confundida com autoritarismo, associada às normas
disciplinares rígidas da escola e que também possui um papel fundamental na formação.
A escola é uma instituição que delimita as normas de conduta na educação por meio dos
currículos ocultos2 – implicam na perda de autonomia por parte do aluno e até mesmo
de professores no processo ensino-aprendizagem.
A escola deve, portanto, mudar seu próprio centro de gravidade, que, tradicionalmente, era colocado fora da criança e deve agora ser formado pelas características fundamentais da natureza infantil. Em particular, na escola elas deverão encontrar um espaço adequado aos quatro interesses fundamentais: “para a conversação ou comunicação”, “para a pesquisa ou a descoberta das coisas”, “para a fabricação ou a construção das coisas”, “para a expressão artística” (CAMBI, 1999, p. 550).
2 Apesar de tantos anos terem se passado e de estarmos no século XXI, vemos a reprodução do
modelo criticado por Dewey e por outros teóricos, de forma irrefletida. Para a ideologia dominante é importante que o sistema social continue igual, pois assim seus representantes manteriam a condição de dominante, detendo o poder econômico e estabelecendo a cultura que seria seguida pelas demais classes sociais. Isso se realiza através da educação autoritária, onde o aluno não participa ativamente do processo educativo e onde não desenvolve a consciência crítica da sociedade. Através da transmissão do conteúdo curricular e de um modelo de economia, aprendido pelos alunos na escola, se estrutura a sociedade capitalista, na qual vivemos. Nesta sociedade, o trabalhador precisa respeitar o patrão e não questionar se quiser se manter no emprego. O currículo oculto aparece desde a determinação dos objetivos pedagógicos do projeto escolar, até na prática pedagógica do professor. O professor quando não atribui valor aos conhecimentos prévios dos alunos, por considerações pessoais ou filosóficas, auxilia nesse processo da reprodução cultural.
36
Nessa perspectiva, Franco Cambi afirma a necessidade de partir dos interesses
espontâneos e naturais das crianças: os princípios de atividade, individualização e
liberdade estão na base de toda proposta didática. O que nos desvia de uma visão da
criança como um adulto em miniatura para centrar-se nela como ser perfeitamente capaz
de se adaptar a cada uma das fases de sua evolução histórica, social e cultural de uma
maneira crítica e racional.
A didática designa um saber especial. Muitos dizem que é um saber técnico,
porque vem de uma área onde se acumulam os saberes que nos dizem como devemos
agir para melhor contribuirmos com a relação ensino-aprendizagem. Em resumo, pode-
se dizer que a razão técnica ou instrumental é aquela que faz a melhor adequação entre
os meios e os fins escolhidos.
É possível observar que a didática aparece no ambiente acadêmico nos anos de
1920 e de 1950 seguindo os postulados da Escola Nova que busca superar os da Escola
Tradicional. Aquela busca reformar a escola para ser como que elemento transformador
da teoria na prática. Todavia, “[...] o termo é conhecido desde a Grécia antiga”
(CASTRO, 1991, p. 15), com significação muito semelhante à atual, ou seja, indicando
que o objetivo ou a ação qualificada dizia respeito a ensino. Assim segundo Amélia
Domingues de Castro (1991, p.22):
O título didática iniciou-se há cerca de três séculos, com os didatas, o que não significa que sejam estes os autores da palavra, já que corrente como qualificativo. Passa a reunir sob essa rubrica os conhecimentos que cada época valoriza sobre o processo de ensinar. No decurso do tempo outros termos tentam tomar a si os conteúdos didáticos (pedagogia, metodologia etc), mas a didática persiste seu conteúdo. Há um significado ambíguo que ora acentua o ensino como modelagem/armazenamento, ora o entende como desenvolvimento/desabrochamento.
A grosso modo, pode dizer-se que a didática é uma ciência cujo objetivo
fundamental é ocupar-se das estratégias de ensino das questões práticas relativas à
metodologia e das estratégias de aprendizagem. Sua busca de cientificidade se apóia em
posturas filosóficas como o funcionalismo, o positivismo, assim como no formalismo e
o idealismo filósofos e intelectuais que Amélia Domingues de Castro (1991, p. 16-20)
descreve cronologicamente no seu artigo como sendo: Michel de Montaigne, (1533-
1592), Petrus Rámus (1515-1572), Racke Ratiquio (1571-1635), Jean-‐Jacques Rousseau
37
(1712 – 1778), João Amós Comênio (1582-1670), Johann Friedrich Herbart (1776-
1841), Georg Kerschensteiner (1854-1932).
A didática, para assumir um papel significativo na forma como o educador
conduz as suas ações, não poderá reduzir-se ou dedicar-se somente ao ensino de meios e
mecanismos pelos quais deve desenvolver um processo de ensino-aprendizagem. Mas
sim, deverá ser um modo crítico de desenvolver uma prática educativa que forja um
projeto histórico que não será feito tão somente pelo educador, mas, por ele
conjuntamente com o educando e outros membros dos diversos setores da sociedade.
Se “[...] aprende o sentido das coisas pelo modo como a consciência humana
se apropria delas, sejam quais forem os processos neuropsíquicos postos em ação”
(SEVERINO 1994, p. 36). Então cabe à didática o servir como mecanismo de tradução
prática, no exercício educativo, de decisões filosófico - políticas e epistemológicas de
um projeto histórico de desenvolvimento das crianças a quem se garante a maturidade
posterior. Por isso, ao exercer seu papel específico estará apresentando-se como o
mecanismo tradutor de posturas teóricas em práticas educativas.
O termo “didática” designa um saber especial. Muitos dizem que é um saber
técnico, porque vem de uma área onde se acumulam os saberes que nos dizem como
devemos usar da chamada “razão instrumental” para melhor contribuirmos com a
relação ensino-aprendizagem. A utilidade da didática é uma expressão pedagógica da
razão instrumental.
A didática é uma expressão pedagógica da razão instrumental. Sua utilidade é imensa, pois sem ela nossos meios escolhidos poderiam, simplesmente, não serem os melhores disponíveis para o que se ensina e se aprende e, então, estaríamos fazendo da educação não a melhor educação possível (Idem, 1994, p. 37).
Ainda assim, ela, a didática depende da pedagogia. Ou seja, depende da área
onde os saberes são, em última instância, normas, regras, disposições, caminhos e/ou
métodos. Já que, o termo “pedagogia”, tomado em um sentido estrito, designa a norma
em relação à educação. O “[...] que é que devemos fazer, e quais são os instrumentos
didáticos que devemos usar, para a nossa educação?” (Ibidem) – são perguntas que
norteiam toda e qualquer ação pedagógica, ou que deveria, ao menos, estar na mente do
pedagogo. Ou seja, é a sua razão de ser indagador.
38
O homem é, por excelência, um ser educável porque ele pode ser aperfeiçoado. Ora, a característica específica básica de sua essência é a racionalidade, através da qual ele compartilha do próprio logos, principio ontológico, quase divino, que a cultura filosófica grega coloca como o principio ordenador de todo o real. A educação se dirige prioritariamente ao espírito, entendido este como subjetividade racional (SEVERINO 1994, p. 32).
As instituições de ensino, ao longo dos anos, vêm transformando a educação em
mercadoria, fruto do capitalismo, o qual acaba por deturpar o conceito e a importância
da didática no ensino. Como assevera Pura Lúcia Oliver Martins (2006, p.23):
A didática expressa uma prática pedagógica que decorre da relação básica do sistema capitalista num momento histórico determinado. Portanto, as formas como as classes sociais se relacionam vão se materializar em técnicas, processos, tecnologias, inclusive processos pedagógicos que se realizam através de certa relação pedagógica.
Reconhecendo a didática como ciência que é, sendo pesquisa e também uso de
técnicas de ensino, deve-se conceber a ideia de sua importância na contribuição para a
formação do cidadão desde a educação básica, até o ensino superior. É nesses passos
que o professor deve buscar na didática “as verdadeiras” técnicas de ensino, as quais só
serão alcançadas através do trabalho pedagógico bem estruturado. O trabalho do
professor em sala de aula muitas vezes se resume em repassar os conteúdos aos alunos,
sem estimular nestes a interpretação, a crítica e a criatividade, pois, “[...] ensinar não é
transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a
sua construção” (FREIRE 1999, p. 47).
Para realizar um trabalho didático-pedagógico, o professor deve ser crítico,
perspicaz para estimular seus alunos, (sem que estes percebam que estão sendo
provocados criticamente). Deve ser ético, uma vez que o professor é formador de
opinião, ter vocabulário ilibado, ser reflexivo da prática constante de seu trabalho,
reconhecer a cultura de seus alunos, enfim, ele deve antes de tudo conhecer seu campo
de atuação. Seja qual for a técnica de ensino explorada por este, ela deve ser permeada
pelo pensamento reflexivo, o raciocínio e a interpretação. O professor que age
didaticamente orienta e acompanha seus alunos. Assim, para ensinar, é necessário que o
professor pesquise o assunto a ser retratado e se atualize, diante dos conteúdos
propostos em sala de aula. A didática colocada em prática serve de base para um
conjunto de mudanças significativas que requerem profissionais não só inventivos, mas
39
que tenham olhos abertos para a realidade da qual fazem parte. Segundo Luckesi (1994,
p. 30),
Penso que a didática, para assumir um papel significativo na formação do educador, deverá mudar os seus rumos. Não poderá reduzir-se e dedicar-se tão-somente ao ensino de meios e mecanismos pelos quais se possa desenvolver um processo ensino-aprendizagem, mas deverá ser um elo fundamental entre as opções filosófico-políticas da educação, os conteúdos profissionalizantes e o exercício diuturno da educação. Não poderá continuar sendo um apêndice de orientações mecânicas e tecnológicas. Deverá ser, sim, um modo crítico de desenvolver uma prática educativa, forjadora de um projeto histórico, que não se fará tão-somente pelo educador, mas pelo educador, conjuntamente, com o educando e outros membros dos diversos setores da sociedade.
A didática deve servir ao professor como instrumento de inspiração e
criatividade, fazendo-o compreender o processo de ensino em suas múltiplas
determinações, para articulá-lo à lógica, aos interesses e necessidades da maioria da
clientela presente nas escolas hoje, propondo, também, reflexões sobre a prática e
formas de organização, voltadas aos interesses na atual organização da escola, suas
políticas implícitas na seleção de conteúdos, objetivos, métodos, técnicas, recursos e
avaliação para o ensino, conforme reza a questão política do trabalho pedagógico,
condizente a cada escola. Outrossim, a didática como “arte de ensinar”, consiste em
motivar os alunos sobre o conteúdo exposto. Ela deve ser a “atitude” do mestre para
com seus aprendizes. Atitude esta compreendida na criticidade e com a finalidade
precípua de ensinar:
A didática, no bojo da pedagogia crítica, auxilia no processo de politização do futuro professor contribuindo para ampliar a sua visão quanto às perspectivas didático-pedagógicas mais coerentes com nossa realidade educacional. Sob esse enfoque, o ensino é concebido como um processo sistemático e intencional de difusão, elaboração de conhecimentos culturais e científicos de forma que os alunos deles se apropriem (VEIGA, 2005, p. 78).
Portanto, a didática deve ser a mola propulsora do entusiasmo de ensinar, pois só
assim o educador fará a diferença, despertando no educando a vontade de aprender.
Podemos assim dizer que, a Didática é uma ciência cujo objetivo fundamental é ocupar-
se das estratégias de ensino, das questões práticas relativas à metodologia e das
estratégias de aprendizagem. Sua busca de cientificidade se apoia em posturas
filosóficas como o funcionalismo, o positivismo, assim como no formalismo e o
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idealismo, funcionando como elemento transformador da teoria da prática. Na
atualidade a sua perspectiva fundamental é assumir a multifuncionalidade do processo
de ensino-aprendizagem e articular suas três dimensões: técnica, humana e política no
centro configurador de sua temática.
A didática, para assumir um papel significativo na formação do educador, não
pode reduzir-se e dedicar-se somente ao ensino de meios e mecanismos pelos quais
desenvolvem um processo de ensino-aprendizagem. Ela deverá ser um modo crítico de
desenvolver uma prática educativa que incluam processos avaliativos e forjadores de
um projeto histórico, que não será feito tão somente pelo educador, mas, por ele
conjuntamente com o educando e outros membros dos diversos setores da sociedade.
A didática deve servir como mecanismo de tradução prática, no exercício educativo de decisões filosófico-políticas e epistemológicas de um projeto histórico de desenvolvimento do povo. Ao exercer seu papel específico estará apresentando-se como o mecanismo tradutor de posturas teóricas em práticas educativas. [...] Os métodos avaliativos constituem uma importância do professor no papel de educador, qualificando seus métodos de forma que o educando tenha seus princípios individuais respeitados, já nem sempre a realidade é igual para todos no que diz respeito ao contexto social (OLIVEIRA, 1998, p. 33 - 47).
Percebe-se, com isso, que a didática em si precisa de um novo olhar, de uma
drástica mudança a fim de que o processo educacional possa ocorrer de forma
satisfatória e eficaz. Oliveira afirma que para que isso se torne algo real é necessário
desconstruir a didática desde a teoria que a fundamenta. E a desconstrução necessita
encontrar-se em uma perspectiva da avaliação. "[...] Transformar a prática avaliativa
significa questionar a educação desde suas concepções, seus fundamentos, sua
organização, suas normas burocráticas" (SANTOS, 2001 p.19).
Portanto, para uma real mudança na didática o autor nos fala que o processo
avaliativo precisa de um novo rumo e de uma nova aplicação. Conceituando o termo
avaliação Jussara Maria Lerch Hoffmann (1995, p. 18), diz-nos que:
A avaliação é a reflexão transformada em ação. Ação, essa, que nos impulsiona a novas reflexões. Reflexão permanente do educador sobre sua realidade, e acompanhamento, passo a passo, do educando, na sua trajetória de construção do conhecimento. Um processo interativo, através do qual educandos e educadores aprendem sobre si mesmos e sobre a realidade escolar no ato próprio da avaliação.
41
Com esse olhar para a avaliação não só a didática seria reconstruída como
também todo o âmbito escolar. As mudanças ocorreriam de forma natural e satisfatória,
onde professores e alunos seriam influenciados por uma nova educação. E isso não é
algo impossível, basta apenas interesse por parte dos agentes educacionais, pois,
Para que a avaliação educacional escolar assuma o seu verdadeiro papel de instrumento dialético de diagnóstico para o crescimento, terá de se situar e estar a serviço de uma pedagogia que esteja preocupada com a transformação social e não com a sua conservação. A avaliação deixará de ser autoritária se o modelo social e a concepção teórica-prática da educação também não forem autoritários. (LUCKESI, 1996, p. 42)
É interessante a reflexão que o autor do artigo faz sobre a avaliação para a
desconstrução da didática, pois sem dúvida alguma ela é um passo para alcançar reais
mudanças dentro do sistema escolar. Quanto a isso, André Morais Diniz (2004, p. 37)
contribui dizendo que:
Considera a avaliação como um processo que alimenta o cotidiano escolar, ao mesmo tempo em que dele se alimenta. Tal processo contribui para a estruturação e permanente reconstrução do projeto político – pedagógico da escola, que estabelece um diálogo entre seus agentes na busca de uma revisão das ações do ensino e da aprendizagem, na melhoria da aprendizagem do aluno, em particular, e do projeto da escola como um todo. Todos os envolvidos apresentam opiniões e ideias constituídas ao longo da vida, concepções sobre ensino, aprendizagem e papel da escola, concepções estas relacionadas com suas histórias de vida e suas histórias escolares, que os remetem a modelos de escola, de professor, de aluno e de vivência educativa em geral.
Por mais que pareça o professor ser o sujeito dominador do conhecimento, é
fundamental considerar que o verdadeiro processo educacional ocorre quando se vê no
professor a figura do mediador. Ele deve estar preocupado com a educação de qualidade
por meio de processos constantes de avaliação. E este processo de avaliação "[...] só
será eficiente e eficaz se ocorrer de forma interativa entre professor e aluno, ambos
caminhando na mesma direção, em busca dos mesmos objetivos" (SANTANNA 1995,
p.27). E ratificando essa ideia qualitativamente falando diremos que "[...] a avaliação
qualitativa é um processo educativo autêntico, precisamente por não colocar a relação
mestre/discípulo, mas mestre/mestre, onde ambos os lados se educam e atuam –
educam" (DEMO, 1995, p. 50).
42
Diante de tais relatos não se faz mais necessário falar sobre a avaliação, porém
vale comentar o uso da avaliação na prática educativa.
A avaliação no decurso do projeto (educacional) constitui mais um sistema de ação do que um julgamento sobre a ação. Devido ao seu caráter permanente, operatório, participativo e formativo, trata-se mais de uma dinâmica de serviço, de apoio e de orientação (ou de reorientação) das atividades do que de um processo de controle. Procura, assim, criar as condições para que os atores envolvidos no projeto aprofundem os campos de informação e de interpretação de uma dada realidade, dotando-se dos instrumentos necessários para uma tomada de decisão pertinente e eficaz. Ajudar a fazer o ponto da situação, a manter uma linha de rumo, a formular hipótese, a propor alternativas viáveis, a identificar os riscos potenciais, a pôr em prática as correções necessárias, eis alguns dos serviços que a avaliação no decurso do projeto (educacional) pode prestar (ESTRELA, 1999, p. 124).
A sistematização da didática é quando o professor trabalha atrás dos resultados,
onde a avaliação é uma ferramenta necessária ao ser humano no processo de construção
dos resultados que planificou produzir, assim como o é no redimensionamento da
direção da ação. Assim, “[...] a avaliação é uma ferramenta da qual o ser humano não se
livra. Ela faz parte do seu modo de agir e, por isso, é necessário que seja usada da
melhor forma possível" (LUCKESI, 1996, p 118-119).
Vimos que a avaliação é um aliado vital na educação, não só ela, mas como toda
a didática que são as formas de aprendizagem, não devendo ser tida como um manual
pronto, ela apenas abri portas, direcionado e guiando para o desenvolvimento
educacional necessário. A didática contribui para a formação do professor, ampliando
conceitos e princípios de outras áreas do conhecimento do processo de ensino; ela
também dá suporte ao professor que não deve pensar em improvisar e, sim, em ser
criativo, transformando assim sua prática dentro de questionamentos em suas
concepções, fundamentos e organização.
Portanto, é fundamental que o educador seja um indivíduo compromissado, um
defensor de uma ideia mais igualitária. Pois ele deve saber que o estudante na escola
pública ou privada, nada mais é que o povo na escola. Este novo educador seria aquele
que encara a educação como uma problematização, que propõem aos homens sua
própria vida como um desafio a ser encarado e que vise buscar a transformação.
43
CAPÍTULO II – A PEDAGOGIA LIBERTÁRIA E LIBERTADORA: ENTRE TENSÕES PEDAGÓGICAS
A pedagogia libertária e a pedagogia libertador propugnam um ensino anti-
autoritário, ou seja, o foco principal está na crítica ao autoritarismo. Todavia, seria um
erro afirmar a identificação absoluta entre a Pedagogia Libertária e a Pedagogia Crítica
(libertadora). Parece-nos, entretanto, que é possível identificar algumas características
comuns entre ambas que, por sua vez, recusam quaisquer procedimentos que induzam à
obediência cega às autoridades e expresse relações opressivas. Nesta lógica, faremos
alusão as perspectivas bakuniana e freiriana, sobretudo quando falam da autoridade
como forma de ensinar para a liberdade e na liberdade. Segundo elas em determinadas
fase do processo educativo, a presença da autoridade na instituição de ensino é educar
para a liberdade.
O antiautoritarísmo, como prática pedagógica, não é patrimônio exclusivo das
pedagogias Libertária e Libertadora. Neste sentido, é preciso considerar outras correntes
pedagógicas que se centram em interesses e experiências dos educandos. São tendências
pedagógicas liberais, progressistas e não-diretivas fundadas em teorias desenvolvidas
por autores como: John Dewey, Michel Lobrot, Celestin Freinet, C. Rogers, A. Neill e
Jean Piaget. Sem um olhar sócio-histórico seria impossível tal trabalho como bem nos
situou o primeiro capítulo quanto às questões da Pedagogia. O que pretendemos, neste
capítulo, é ver em que pontos estas duas correntes se aproximam e em que se
distanciam, já que, não poucas vezes, Paulo Freire foi confundido com os pensadores
libertários e vice-versa. E em segundo lugar verificar como, de fato, para estes autores a
educação para a liberdade e na liberdade, numa interação afeto/dialógica, é um dos
caminhos a seguir para que o processo de ensino e aprendizagem aconteça sem
sobressaltos.
II. 1 Antecedentes históricos e o contributo de John Dewey no pensamento
escolanovista: a problemática da liberdade pedagógica.
No Século XVIII e XIX a escola se constituía numa instituição seletiva e elitista,
permitindo a uma minoria concluir os seus estudos e colocando em risco os interesses
da democracia burguesa. Fazia-se necessário um novo modelo de educação que, se não
44
assegurasse oportunidades iguais, pelo menos, por meio da educação moral dos
cidadãos, igualasse-os, evitando assim, que as contradições se acirrassem. Fazia-se fé na
criação de uma “nova escola” que cumprisse tal papel. Por fim, poderíamos até dizer,
embora com certa prudência, que “[...] fábrica e escola moderna nascem juntas e
condicionam o processo da politização, democratização, e laicização da instrução e de
uma reorganização do saber, que acompanha o surgimento da ciência acoplada a
indústria” (MARQUES, 1990, 67).
As idéias da Escola Nova no Brasil foram inseridas em 1882 por Rui Barbosa
(1849-1923). Todavia, o grande nome do movimento vem da América do Norte. Trata-
se do filósofo e pedagogo John Dewey (1859-1952), que influenciou a elite brasileira
com o movimento da Escola Nova. Assim, no século XX, vários educadores se
evidenciaram, principalmente após a publicação do Manifesto dos Pioneiros da
Educação Nova, de 1932. Na década de 1930, Getúlio Vargas assume o governo
provisório e afirma a um grupo de intelectuais o imperativo pedagógico do qual a
revolução reivindicava; esses intelectuais envolvidos pelas ideias de Dewey e Durkheim
se aliam e, em 1932 promulgam o Manifesto dos Pioneiros, tendo como principal
personagem Fernando de Azevedo. Grandes humanistas e figuras respeitáveis de nossa
história pedagógica podem ser citadas, como por exemplo, Lourenço Filho (1897-1970)
e Anísio Teixeira (1900-1971).
O escolanovismo acredita que a educação é o exclusivo elemento
verdadeiramente eficaz para a construção de uma sociedade democrática, que leva em
consideração as diversidades, respeitando a individualidade do sujeito, aptos a refletir
sobre a sociedade e capaz de inserir-se nessa sociedade. Então de acordo com alguns
educadores, a educação escolarizada deveria ser sustentada, no indivíduo integrado à
democracia, o cidadão atuante e democrático.
A crença de Dewey era que, à medida que a escola formasse pessoas diferentes,
estaria contribuindo para a mudança da sociedade. Se a estrutura interna da escola e as
matérias de estudos, com seus respectivos conteúdos, fossem orientadas para um
modelo democrático, a sociedade reproduziria esse modelo. Neste sentido, a educação
passou a ser vista como via de desenvolvimento social e como instrumento de
equalização.
Dewey entendia a educação como um processo social. Para tanto, era necessário
pressupor e considerar um conceito fundamental - a experiência. Para Dewey, a
experiência consiste em trocas de informações, incorporação de valores individuais e
45
sociais, comunicação, participação e práticas democráticas. Neste sentido, a experiência
educativa é um ato de constante reconstrução. Com isso, a vida, a experiência e a
aprendizagem se entrelaçam de forma dinâmica, a ponto de concluir que, a “[...]
educação é um processo direto da vida, e a escola não pode ser uma preparação para a
vida, mas sim, a própria vida” (DEWEY, 1967, p. 7).
Ele destaca, ainda, que, alunos e professores são detentores de experiências
próprias e, ao serem confrontadas na sala de aula, permitem a ampliação do
conhecimento de ambos. Desta forma, a educação é concebida como um “[...] processo
de reconstrução e reorganização da experiência, pelo qual percebemos mais agudamente
o sentido, e com isso nos habilitamos a melhor dirigir o curso de nossas experiências
futuras” (Idem, 1967, p. 17).
Dewey tinha bastante clareza de que a escola refletia os resultados da vida em
sociedade e das experiências vividas no plano social, econômico, político e religioso.
Propôs, desta forma, que a escola estivesse voltada para os movimentos e as mudanças
que ocorriam na sociedade. Afirma:
A escola deve assumir a feição de uma comunidade em miniatura, ensinando situações de comunicação de umas a outras pessoas, de cooperação entre elas, e ainda, estar conectada com a vida social em geral, com o trabalho de todas as demais instituições: a família, os centros de recreação e trabalho, as organizações da vida cívica, religiosa, econômica, política (Idem, 1967, p. 8).
Para John Dewey a educação é uma necessidade social. E por causa dessa
necessidade as pessoas devem ser aperfeiçoadas para que se afirme como o
prosseguimento social. Assim sendo, possam dar sequência ao processo de elaboração
de suas ideias e conhecimentos que as ajudem a melhorar o seu “habitat”, já que,
segundo Tarcísio Meirelles Padilha:
O homem há de ter uma morada, uma casa, um lugar especial – fonte de paz e de segurança. Onde as coisas permanecem como coordenadas do nosso caminhar, do nosso viver cotidiano. O nômade não tem paz. Persegue-a, sem alcançá-la. É um deserdado da humanidade. Vive das migalhas de afeto provisório e incerto dos espaços que percorre, no afã de encontrar o seu ser – mais no penoso processo de sorver o seu vir-a-ser (Apud, NISKIER, 2001, p. 18).
46
Ao propor que a escola deveria assumir a feição de comunidade em miniatura,
Dewey estava com um pé no desenvolvimento e o outro nas contradições sociais que o
desenvolvimento gerava. A solução encontrada por este autor foi de formular uma nova
concepção democrática baseada no sentido, de que a escola permitiria, mediante novos
métodos, a troca de experiência entre desiguais, e esta troca de experiência se
constituiria como uma manifestação ou uma forma de aprendizagem da democracia.
Uma espécie de dar e receber, sem se importar com a quantidade. Para que isso se
consumasse, era necessário, segundo Dewey (1967, p. 31)., “[...] liberdade aos membros
que a constituem a fim de que os mesmos criem o mais largo espírito de solidariedade
social e de comunhão de interesses” Estava sendo delineado o aspecto social e político
da educação, porque segundo Arnaldo Niskier (2001, p. 24):
Negar que a educação seja um fenômeno político é desconhecer que a política é a totalização do conjunto das experiências vividas numa sociedade determinada. Qualquer experiência relacionada com a organização social é um fenômeno político. Ao transmitir modelos sociais, formar a personalidade, defender ideias políticas e cabendo a uma instituição social chamada escola, a educação é um fenômeno político.
Retomando o parecer de Dewey, é fundamental essa observação, para que
possamos compreender sua concepção de educação, tendo em vista que ele propunha
uma nova concepção de democracia, vinculada, necessariamente, a um sentimento que
necessitava ser cultivado. A educação teria a função de coordenar a vida mental de cada
pessoa e as influências que recebia do meio em que vivia. Pelo menos é o que nos
inspiram as palavras de Arnaldo Niskier (Idem, p. 25) quando afirma: “[...] A educação
forma ainda a personalidade de acordo com a realidade social e política. Pode-se
preparar o indivíduo para atender a certas necessidades consideradas prioritárias por um
grupo qualquer ou pelo Estado, de acordo com uma ideologia política”.
Desta forma, a educação coordenaria também uma nova forma de organização
social, mas para cumprir com esse objetivo deveria incorporar uma metodologia de
caráter prático, com significação moral. Na sua afirmação de que “[...] o fim da
educação identifica-se com seus meios, do mesmo modo, aliás, que os fins da vida se
identificam com o processo de viver (DEWEY, 1967, p. 17)”, ele propunha um método
que levasse em conta a experiência. Assim, as matérias de estudo propostas para os
programas escolares deveriam ter relevância para vida social, terem significações que
47
proporcionassem sentido e conteúdo à presente vida social, principalmente no que se
referissem ao desenvolvimento da solidariedade e à formação do homem cidadão sem a
imposição externa.
Isso equivale dizer que de nada adiantaria educar para uma democracia se a
sociedade mantivesse seu caráter autoritário, ao mesmo tempo, de nada adiantaria a
sociedade apresentar um caráter democrático se as pessoas não tivessem sentimento e
espírito aberto para novas experiências. Desta forma, Dewey conclui que uma sociedade
é democrática quando:
[...] prepara todos os seus membros para com igualdade aquinhoarem de seus benefícios e em que assegura o maleável reajustamento de suas instituições por meio da interação das diversas formas da vida associada. Esta sociedade deve adotar um tipo de educação que proporcione aos indivíduos um interesse pessoal nas relações e direção sociais, e hábitos de espírito que permitam mudanças sociais sem ocasionar desordens (1959, p. 106).
A democracia moderna necessitava de um sistema educacional que fosse além
da memorização de fatos e da passividade. Necessitava de pessoas preparadas para as
mudanças sociais, já que estas estavam ocorrendo em grande velocidade. O método
ativo de ensino-aprendizagem, proposto por Dewey, oferecia ferramentas para uma
melhor adaptação social e acima de tudo colocava a criança como coparticipante da
sociedade. Desta forma, evitaria propostas de mudança que ocasionassem desordens, ou
destruíssem, radicalmente, certas estruturas sociais, articulando o desenvolvimento
racional e emocional do indivíduo por meio do desenvolvimento de um espírito
democrático, a fim de que a convivência social pacífica fosse garantida.
No conjunto de sua produção, encontra-se uma sistemática reflexão que
privilegia a liberdade, a solidariedade, a busca pela harmonização da convivência entre
os diferentes e que toma por base a democracia e a valorização da experiência
individual. Dewey sempre se coloca contra o autoritarismo, a imposição externa, o
individualismo egoísta e a educação igualitária.
As suas propostas educacionais fundamentam-se no princípio de que a
aprendizagem da criança deve dar-se num ambiente estimulador, de liberdade,
organizado institucionalmente, voltado para as diferenças individuais e, acima de tudo,
integrado com o próprio desenvolvimento da sociedade. A chave para o entendimento
de suas propostas está exatamente no desenvolvimento material da sociedade em que a
48
educação, situada sob o ponto de vista histórico, serve como alavanca para o
desenvolvimento cultural. Dewey, assim, defende a democracia como único meio
eficiente e pacífico de mudança social e acredita que o capitalismo poderia ser mais
justo, mais humano e mais solidário. A democracia defendida por ele deveria acontecer
no âmbito econômico, político e social, dependendo, para que se efetivasse, não apenas
de sua institucionalização, mas, sim, de uma assimilação consciente e da vivência
democrática. Esta ocorreria por meio de um sentimento (afeto) que iniciado nos
primeiros anos de vida, duraria para sempre e cabe à educação o papel fundamental,
como agente formadora, no desenvolvimento deste sentimento.
Assim, a educação tem como eixo norteador a vida-experiência e aprendizagem,
fazendo com que a função da escola seja a de propiciar uma reconstrução permanente da
experiência e da aprendizagem dentro de sua vida. Assim, concordaremos que ter a
Pedagogia como ciência não é outra coisa senão:
Concebê-la não apenas no aspecto epistêmico de um sujeito que projeta seu mundo para realizá-lo. Trata-se, muito mais, de perceber o processo da educação hermeneuticamente presentificada no contexto sócio-cultural específico de sua atuação concreta e relançado para a superação de si mesmo no sentido radical da emancipação humana (MARQUES, 1990, p. 101).
Assim, para Dewey a educação teria uma função democratizadora de igualar as
oportunidades. De acordo com o ideário da escola nova, quando falamos de direitos
iguais perante a lei, devemos estar aludindo os direitos de oportunidades iguais perante
a lei. O mérito de Dewey é o de ter mostrado o caminho para a mudança por meio da
própria educação, como um instrumento de equalização, ao afirmar que o objetivo da
educação era contribuir para abolir os privilégios indevidos e as injustas privações e não
para perpetuá-las. E é nesta lógica de pensamento que surge este capítulo como forma
de estabelecer um contraponto entre as novas correntes no fazer pedagógico na
sociedade contemporânea, das quais descreveremos aqui as aproximações e
distanciamentos das Pedagogias: Libertária e Libertadora.
II. 2 Aproximações entre a Pedagogia Libertária e Libertadora.
A tentativa de aproximar as duas Pedagogias consiste naquilo que as duas têm
de comum e que as faz próximas no que tange a tudo o que envolve os processos
49
pedagógicos. As duas pedagogias ressoam com a sensibilidade do símbolo hebraico
“tikkun”, que significa “curar”, consertar e revolucionar o fazer pedagógico. Elas
fornecem “[...] a direção histórica, cultural, política e ética para aqueles que ainda
ousam acreditar na educação” (MCLAREN, 1997, p. 192), como uma mais valia na
formação da consciência que se vai construindo política, social, ética, moral e
civicamente pela nossa sociedade. Evidencia-se, desta forma, que a educação pretendida
pelas pedagogias Libertária e Libertadora, nesta perspectiva, fundamenta-se nos
conhecimentos científicos construídos pela humanidade. E esses conhecimentos estão
atrelados à produção humana. Considerando que a transformação do conhecimento se
dá na relação homem e natureza, caracterizada pelo trabalho, o educador e pesquisador,
Dormeval Saviani (2006, p.69) em sua obra Escola e Democracia, menciona sobre o
processo metodológico da pedagogia histórico-critica dizendo que:
Tais métodos situar-se-ão para além dos métodos tradicionais e novos, superando por incorporação as contribuições de uns e de outros. Serão métodos que estimularão a atividade e a iniciativa dos alunos, sem abrir mão, porém da iniciativa do professor, favorecerão o diálogo dos alunos entre si e com o professor, mas sem deixar de valorizar o diálogo com a cultura acumulada historicamente; levarão em conta os interesses dos alunos, os ritmos de aprendizagem e o desenvolvimento psicológico, mas sem perder de vista a sistematização lógica dos conhecimentos, sua ordenação e graduação para efeitos do processo de transmissão-assimilação dos conteúdos cognitivos.
Por sua vez, Henry Giroux (1999, p.177), ao procurar fornecer dados concretos
sobre a origem da Pedagogia Libertadora, diz que:
Historicamente, as escolas muito poucas vezes foram autocríticas sobre seus propósitos e significados, e os poucos movimentos que as desafiaram. Mas algo aconteceu nos anos 70. Samuel Bowles e Herbert Gentis publicaram um livro chamado Schooling in Capitalism America: Educational Reform and the Contradictions of Economics Life que lançou uma forma de análise ligada a teorias da reprodução social. Esta não era uma pedagogia crítica, mas uma tentativa de esclarecer algumas injustiças políticas e econômicas presentes na educação. Embora importante na politização da questão da escola, foi edificada sobre uma noção orwelliana da dominação, que era poderosa e desprovida de um discurso de resistência.
Ele observa que no início a maior parte do trabalho da educação radical dedicou-
se à teoria da reprodução, o que faz predominar o discurso marxista, que, por sua vez, é
um dos objetivos e fontes principais da Escola de Frankfurt, de quem se inspiram as
50
Pedagogias Libertadora e Libertária. Assim, Henry Giroux (1983, p. 24) ao analisar o
desenvolvimento da Pedagogia contemporânea, nota que os autores frankfurtianos
oferecem aportes importantíssimos aos educadores críticos às concepções fundadas na
racionalidade positivista:
A Escola de Frankfurt oferece uma análise histórica, bem como um arcabouço teórico penetrante que condenam a cultura do positivismo em seu sentido mais amplo, enquanto, ao mesmo tempo, fornecem “insight” sobre como aquela cultura torna-se incorporada dentro do “ethos” e das práticas escolares. Embora, haja um crescente volume de literatura educacional que é crítica à racionalidade positivistas nas escolas, falta-lhes a sutileza teórica do trabalho de Horkheimer, Adorno e Marcuse.
As duas pedagogias, nomeadamente a Libertária e Libertadora, estabelecem uma
estreita relação entre o ato de educação e a autonomia. A autonomia é entendida
enquanto comportamento (ação) do sujeito, que é aprendido a partir das interações
sociais. Apesar de serem influenciados por fatores genéticos e ambientais, os seres
humanos são capazes de arbitrar sobre estes fatores, sendo esta uma característica
fundamental da autonomia. Ensinar consiste num dispor de circunstâncias para o
desenvolvimento de comportamentos que inclui a autonomia.
A educação pode ser considerada como um objetivo em si que pode ser usada
para combater a ignorância e a miséria e, simultaneamente, instrumento de atuação
política e social contra os privilégios, as injustiças e todas as formas de opressão e
exploração.
A educação é concebida como parte do processo revolucionário, isto é, os
anarquistas não imaginam que apenas através do ato educativo a Revolução tornar-se-á
realidade, mas veem a educação como fundamental à realização de tal revolução. Trata-
se, na concepção libertária e libertadora, de romper o círculo vicioso entre a miséria, a
ignorância e o preconceito, e, de formar seres humanos autônomos, críticos, solidários,
conscientes e amantes da liberdade. Se para os libertários a ênfase está na humanização
do homem, na abordagem libertadora a tônica, segundo Maria G. Nicoletti Mizukami
(1986, p. 85), diz respeito aos “aspectos sócio-político-culturais” que giram em torno
desse homem sujeito e construtor da sua própria história. “[...] O homem cria a cultura
na medida em que, integrando-se nas condições de seu contexto de vida, reflete sobre
ela e dá respostas aos desafios que encontra” (Idem, p. 87).
51
Ao tentar definir o que seja a cultura, Maria G. Nicoletti Mizukami (1986, p.
87), diz: a “[...] cultura constitui a aquisição sistemática da expressão humana, aquisição
esta que será crítica e criadora e não simplesmente armazenamento de informações
justapostas, que não foram incorporadas ao indivíduo total”.
Para os pensadores das Pedagogias: Libertária e Libertadora, enquanto o homem
estiver situado no tempo e no espaço, ele se torna sujeito e construtor da cultura, ele vai
fazendo história que consiste:
[...] nas respostas dadas pelo homem à natureza, aos outros homens, as estruturas sociais, e na sua tentativa de ser progressivamente cada vez mais o sujeito de sua práxis, ao responder aos desafios de seu contexto. Consistem também numa cadeia contínua de épocas, caracterizadas por valores, aspirações, necessidades, motivos (Idem, 1986, p. 85).
Por isso o processo pedagógico consiste em desenvolver atividades de ensino,
nas quais, a centralidade não é o professor, mas o aluno que se torna sujeito de seu
aprendizado. Trata-se do indivíduo como ser que constrói a sua própria história. Os
interesses, os temas e as problemáticas do cotidiano do aluno, nesta perspectiva, devem
constituir os conteúdos do conhecimento escolar, ou seja, a escola deve:
Mudar seu próprio centro de gravidade que tradicionalmente, era colocado fora da criança e deve agora ser formado pelas características fundamentais da natureza infantil. Em particular na escola elas deverão encontrar um espaço adequado aos quatro interesses fundamentais: para a conversação ou comunicação; para a pesquisa ou a descoberta das coisas; para a fabricação ou a construção das coisas; e para a expressão artística. E todo o trabalho escolar deverá ser renovado à luz dessa revolução copernicana, introduzindo, ao lado dos laboratórios, espaços para a criação artística e para o jogo (CAMBI, 1999, p. 550)
O conhecimento deve ir além da definição, classificação, descrição e
estabelecimento de correlações dos fenômenos da realidade social. Sendo assim, é uma
das tarefas do educador explicitar as problemáticas sociais concretas e contextualizá-las,
de modo a desmontar pré-noções e preconceitos que sempre dificultam o
desenvolvimento da autonomia intelectual e de ações políticas direcionadas para uma
transformação social. O ensino deve ser encaminhado de modo que a dialética dos
fenômenos sociais seja explicada e entendida para além do senso comum, uma síntese
que favoreça a leitura das sociedades à luz do conhecimento científico.
52
Sob essa perspectiva, o professor atua como educador e também sujeito do
processo, estabelece uma relação horizontal com os alunos e busca no diálogo sua fonte
empreendedora na produção do conhecimento. Ou seja, “[...] ao educador cabe
desenvolver um próprio pensamento para exercitar o raciocínio do aluno, ensinando-o a
questionar e investigar, em lugar de fornecer-lhe respostas preparadas” (NISKIER,
2001, p. 30). O professor assume o papel de mediador entre o saber elaborado e o
conhecimento a ser produzido: É importante ensinar aos alunos que as estruturas de um determinado espaço social, variam de uma sociedade para outra e numa mesma sociedade, pois ela reflete as condições econômicas, políticas, sociais e culturais das sociedades em um determinado contexto, e ela está sempre em construção, por isto o cenário ideal não existe em nenhuma parte do mundo, mas é algo que se vai construindo em conjunto (FREIRE, 1985, p. 47).
Pois vivemos numa sociedade em que o aluno adquire uma visão fragmentada
não somente da realidade, mas de si mesmo, dos valores e dos seus sentimentos. Pelo
que nos parece, em nossos dias a tendência acentuada nas escolas do ensino médio tem
se caminhado no sentido de ser cada vez mais tecnicista. Tem como finalidade única e
específica de preparação para os exames e avaliações do sistema nacional,
principalmente os vestibulares e em vista ao mundo do mercado. Para M. A. Behrens
(2005, p. 23):
A visão fragmentada levou os professores e os alunos a processos que se restringem à reprodução do conhecimento [...]. A ênfase do processo pedagógico recai no produto, no resultado, na memorização do conteúdo, restringindo-se em cumprir tarefas repetitivas que muitas vezes, não apresentam sentido ou significado para quem as realiza.
Neste sentido, A. Z. Kuenzer (1999, p. 167) afirma que:
Essa pedagogia foi dando origem a propostas que ora se centraram nos conteúdos, ora nas atividades, sem nunca contemplar uma relação entre aluno e conhecimento que verdadeiramente integrasse conteúdo e método, de modo a propiciar o domínio intelectual das práticas sociais e produtivas. Em decorrência, a seleção e a organização dos conteúdos sempre tiveram por base uma concepção positivista de ciência, uma concepção de conhecimento rigorosamente formalizada, linear e fragmentada, em que a cada objeto correspondia uma especialidade, a qual, ao construir seu próprio campo, se automatizava, desvinculando-
53
se das demais e perdendo também o vínculo com as relações sociais e produtivas.
Isto ocorre porque o modo de organização tecnicista exige uma escola que
articule uma formação do aluno para o sistema produtivo. A sociedade capitalista com a
emergência de uma realidade orientada por uma lógica de mercado, fez da escola e do
seu trabalho restringir-se apenas às tarefas estanques, sem a consciência do processo
social como um todo e do produto de suas ações, tendo em vista os lucros dos donos do
que se julgam possuidores do saber e do capital econômico. Em contraposição a isto,
um dos pressupostos da Pedagogia Progressista é instigar uma busca pela
reaproximação do todo, superando a fragmentação do ensino e a simples reprodução do
conhecimento, uma ação pedagógica que leve à produção do conhecimento que busque
a formação de um sujeito crítico e inovador. Para isso, o professor deve questionar e
induzir seus alunos à crítica da realidade circundante abrindo espaço para a produção e
democratização do saber humano, técnico, científico.
Segundo Freire Paulo (1997, p. 81), “[...] ensinar é a forma que toma o ato do
conhecimento que o (a) professor (a) necessariamente faz na busca de saber, o que
ensina para provocar nos alunos o seu ato de conhecimento também”. E Behrens (2005,
p.74) complementaria dizendo que “[...] é pela atuação do professor na prática
cognoscente que os educandos vão se tornando sujeitos críticos”.
A grosso modo podemos até afirmar que as duas correntes pedagógicas:
Libertária e Libertadora, apresentam uma proposta de humanização não só do aluno,
mas também do professor. Pois ele é o norteador do processo socioeducativo, com o
intuito de construir uma consciência crítica com relação à realidade social vivida por ele
e pelos seus alunos. Essa concepção da realidade pode se refletir em todas as camadas
sociais, mas, sobretudo, nos menos favorecidos nas sociedades contemporâneas.
Os libertários e libertadores fundamentam seu pensamento em favor de uma
sociedade mais justa e igualitária, de uma formação crítica e consciente aos estudantes.
Em relação a isto, é interessante observar a forma como é construído e articulado os
ideais, pois quando nos perguntamos sobre o que está sendo lido e simultaneamente nos
questionamos com a realidade vivida. Ambas as pedagogias conseguem condensar de
forma simples e permeada de significados vários sentimentos de estranhamento que se
encontram nas mais diversas instituições de ensino. Os autores Libertários e
Libertadores enfatizam a necessidade de uma reflexão crítica sobre a prática educativa,
54
sem a qual a teoria pode se tornar apenas discurso e a prática uma reprodução alienada,
sem questionamentos. Sob esse viés, a teoria deve ser adequada à prática cotidiana do
professor, que passa a ser um modelo influenciador de seus educandos. A prática da
crítica deve estar ao lado da valorização das emoções.
A Pedagogia Libertária e Libertadora é legatária de um projeto de sociedade
fundada na autogestão, presente na Associação Internacional dos Trabalhadores (a I
Internacional fundada em 1864) cujos princípios de autogestão e educação integral
acreditam que:
O ensino deve ser igual para todos em todos os graus, por conseguinte deve ser integral, quer dizer, deve preparar cada criança de ambos os sexos tanto para a vida do pensamento como para o do trabalho, a fim de que todos possam igualmente tornar-se homens completos (BAKUNIN, in: MORIYÓN, 1989, p. 43).
A educação proposta pelas pedagogias Libertária e a Libertadora inscreve-se no
contexto das teorias modernas da educação. Pois tanto para a primeira quanto para a
segunda, “o homem não participará ativamente da história, da sociedade, da
transformação da realidade, se não tiver condições de tomar consciência da realidade e,
mais ainda, da sua própria capacidade de transformá-la” (KASSICK, 2004, p. 94). E
isto não acontece sem uma verdadeira educação humanista e conscientizadora.
Varias foram às experiências que nortearam e influenciaram as duas
pedagógicas: Libertária e Libertadora tais como, por exemplo: Paul Robin e a
organização e direção do orfanato de Cempuis:
Podemos considerar o pedagogo Paul Robin (1837-1912) como o principal nome da pedagogia libertária no século dezenove, por ter sido o primeiro a conseguir trabalhar, na prática, as diversas questões educacionais e teóricas que vinham sendo discutidas nos meios socialistas (GALLO, 1995b, p. 87)
Sílvio Gallo, ao tecer esta consideração, faz uma análise da “[...] primeira
experiência prática de educação integral”, que durou 14 anos (Idem, p. 91). Como
também o desenvolve o próprio Paul Robin quando se refere à Educação Integral, cujo
texto completo está na obra Educação Libertária, organizada por Félix García Moriyón
(1989 p. 88-109).
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Portanto, diremos que estas correntes pedagógicas embora uma esteja associadas
aos trabalhadores imigrantes — italianos, espanhóis, portugueses, etc. — que, em fins
do século XIX, chegavam para trabalhar nas lavouras de café, em substituição da mão-
de-obra escrava, fazer crítica à escolarização e à ideologia meritocrática; a crítica ao
poder burocrático; e a outra estar ligada ao movimento da Teologia de Libertação,
ambas fazem um reconhecimento do caráter essencialmente político da educação; a
perspectiva democrática de conferir poder aos alunos e à comunidade escolar (incluindo
os pais);
Conferir poder significa não somente ajudar os estudantes a entenderem e envolverem-se no mundo ao seu redor, mas também dar a eles a possibilidade de exercitar o tipo de coragem necessária para mudar a ordem social, quando preciso. Os professores precisam reconhecer que as relações de poder correspondem a formas de conhecimento escolar que distorcem a compreensão e produzem o que é comumente aceito como “verdade”. Os educadores críticos argumentam que o conhecimento deveria ser analisado em termos de se ele é opressivo e explorador, e não em termos de se ele é “verdadeiro”. (MCLAREN, 1997, p. 215)
Quanto ao combate à exclusão e aos mecanismos de exclusão reais e simbólicos
relacionados ao capital cultural; e, a ideia de que o conhecimento não é neutro. Como
bem o demonstra a este respeito Peter Mclaren ao dizer que “[...] a erudição se torna
uma arma, que pode ser usada contra esses grupos que são “culturalmente analfabetos”,
cuja classe social, raça ou gênero torna suas próprias experiências e histórias
desinteressantes o bastante para não serem investigadas” (Idem, p. 210),.
Pelo conhecimento do capital sócio-histórico-cultural, ambos reconhecem que a
crítica à função reprodutora da escola é fundamental. Contudo, o efeito negativo desta
crítica é o pessimismo pedagógico, fundado num certo determinismo: a escola seria, por
natureza, conservadora. Os educadores críticos ressaltam, contra esta concepção, que a
redução da escola a mero aparelho ideológico do capital anula o discurso de
possibilidade e esperança. Não obstante, eles incorporam esta análise. Tanto uns, quanto
outros estão de acordo que a função latente do sistema de ensino seja o de reproduzir e
manter o “status quo” no sistema burguês. Um poema, citado Peter Mclaren, afirma:
“Quando você faz um pedido a uma estrela / Não faz diferença quem você é”. A função
reprodutora da escola pode ser sintetizada na simples mudança do poema: “[...] Quando
você fizer um pedido a uma estrela / Quem você é, faz diferença...” (Idem, p. 181). Ou,
de uma forma ainda mais simples: “[...] cada criança parece ter tantas chances de
56
sucesso na escola quantos forem os dólares e o status social que sua família tenha”.
(MCLAREN, 1997, p. 182). O mesmo autor compara a escolarização a uma corrida na
qual “[...] os estudantes em desvantagem alinham-se e preparam-se na linha de largada,
enquanto os estudantes mais ricos esperam pelo apito no fim da pista, a poucos metros
da linha de chegada”. (Ibidem.) O problema essencial, portanto, se refere à estrutura da
sociedade global: “[...] O sistema educacional está mais afinado com os interesses,
habilidades e atitudes da criança da classe média”. (Idem, p. 183)
É preciso salientar que as teorias reprodutivistas cumprem um papel
fundamental, na medida em que libertam a pedagogia do espaço meramente escolar,
relacionando escola/educação com os aspectos políticos, econômicos e sociais da
sociedade: a escola não se explica por si. Outra contribuição importante é a
demonstração dos fatores culturais que a escola incorpora e reproduz.
A dinâmica no interior da escola está vinculada ao processo social geral. Assim,
em determinadas conjunturas históricas, os professores podem desempenhar um papel
transformador mais intenso e explícito; e, mesmo em conjunturas desfavoráveis, eles
podem atuar como agentes da contra-hegemonia, enquanto intelectuais transformadores.
As próprias circunstâncias em que desempenham seu trabalho educativo levam-
nos a refletir sobre a prática docente, as relações a que estão submetidos, o processo de
proletarização e pauperização, sobre o que se espera deles etc. Isto supõe compreender a
escola não apenas como “lócus” da reprodução, mas também como locus de
possibilidades; significa reconhecer que os indivíduos têm escolhas a serem feitas, que
podem agir também no sentido de mudar a realidade que os cercam. O mesmo espaço
que produz comportamentos conformistas e conservadores, também produz a
contestação. Dessa forma, o mesmo movimento que reforça o papel do professor e da
educação enquanto reprodutores da ordem social vigente, “[...] cria condições para a
emergência de uma pedagogia antiburocrática” (TRAGTENBERG, 1980, p. 57).
A Pedagogia Libertária é uma aposta no futuro que se constrói no presente, a
partir das escolhas humanas e dos gestos mais simples em todas as esferas da sociedade.
É também uma pedagogia de possibilidades, de esperança, pois encerra em si a utopia
de um mundo diferente e melhor. E a Pedagogia Crítica indo para a mesma direção,
enfatiza o papel transformador que o professor pode cumprir enquanto intelectual. Isto
pressupõe não apenas que os professores se engajem, mas que atuem em todos os
espaços possíveis.
57
Os educadores libertários e libertadores centram-se nos interesses destes. Eles
recusam as práticas autoritárias e reconhecem que o educador também precisa ser
educado; que a relação com o conhecimento não é uma relação meramente objetiva – na
medida em que envolve as subjetividades do professor/aluno. Contudo, numa
perspectiva pedagógica diretiva, o professor também admite que ele não é igual ao
aluno: sua autoridade moral é dada pelo reconhecimento dos alunos. Estes, ao
legitimarem a autoridade docente, reconhecem-no como um diferente – ainda que
possam idealizá-lo como igual, ou uma espécie de irmão mais velho ou a representação
paterna. A relação educativa é, necessariamente, uma relação entre desiguais. Porém, os
educadores: libertário e libertador estimulam a autonomia do educando, ensina a
liberdade com responsabilidade; sua autoridade não sufoca a liberdade do educando; sua
atitude é de humildade e expressa o esforço em aceitar os alunos como agentes ativos,
cujo capital cultural e subjetividade precisam ser respeitados.
As pedagogias: Libertária e Libertadora respeitam a linguagem e o saber do
educando, isto é, o capital cultural que este traz para o espaço da educação formal. Não
obstante, esta atitude nega a postura bancária de Paulo Freire ou paternalista:
Os professores devem entender que as experiências dos estudantes originam-se de múltiplos discursos e subjetividades, alguns dos quais devem ser questionados mais criticamente que outros. Deste modo, é crucial que os educadores considerem a questão de como o mundo social é experienciado, mediado e produzido pelos alunos (MCLAREN, 1997, p. 249).
Elas supõem que se trabalhe para que os estudantes tenham condições a partir da
sua própria linguagem, apreenderem o discurso legitimado pela cultura dominante; o
contrário é reforçar a submissão e os aspectos que contribuem para a reprodução das
desigualdades. Trata-se de desvelar o currículo oculto.
Estas partem da realidade dos educandos e toma os seus problemas e
necessidades como ponto de partida. Estes educadores salientam que:
Qualquer prática pedagógica verdadeira exige um compromisso com a transformação social, em solidariedade com grupos subordinados e marginalizados. Isto transmite, necessariamente, uma opção preferencial pelo pobre e pela eliminação das condições que geram sofrimento humano (MCLAREN, 1997, p. 194).
58
Em consequência disso as correntes pedagógicas aqui retratadas adotam “[...]
novos métodos de ensino propostos e implantados pela Escola Moderna, tendo por base
o respeito à liberdade, à individualidade, à expressão da criança. Reorganizaram o fazer
pedagógico imprimindo-lhe autêntica função revolucionária” (KASSICK, 2004, p.15-
16). E então, sugerem novos princípios de conceber a escola e o fazer pedagógico.
No aspecto crítico, as duas pedagogias denunciam o uso da escola como
instrumento de sujeição dos trabalhadores por parte do Estado, da Igreja e dos partidos.
É nesta ótica em que se insurge também a pedagogia libertadora afirmando o seguinte:
“[...] Caso escola seja considerada, deve ser ela um local onde seja possível o
crescimento mútuo, do professor e dos alunos, no processo de conscientização, o que
implica uma escola diferente da que se tem atualmente, com seus currículos e
propriedades” (MIZUKAMI, 1986, p. 95).
II.3 Distanciamentos entre a Pedagogia Libertária e Libertadora
As aproximações constadas não anulam a existência de uma nem da outra
Pedagogia, porque, na verdade, suas especificidades são bem notórias: Por exemplo, a
inspiração cristã da Teologia da Libertação presente nas formulações de Paulo Freire, a
ênfase da Pedagogia Libertária na autogestão, em especial nas suas interpretações
pedagógicas não-diretivas, sem falar dos fundamentos filosóficos, as origens, evolução.
II. 3. 1 Especificidades da Pedagogia Libertadora
Paulo Freire pode ser considerado como expoente máximo da Pedagogia
Libertadora que se inspira nas ideias de uma escola prevista por Gramsci. Pois, para
Freire as classes desfavorecidas poderiam se inteirar dos códigos dominantes, a começar
pela alfabetização. Ao invés da qualificação para um determinado posto de trabalho,
Gramsci defende que a escola capacite todo o indivíduo, mesmo que abstratamente, a
ser dirigente, pois: "[...] A tendência democrática da escola não pode consistir apenas
em que um operário manual se torne qualificado, mas em que cada cidadão possa se
tornar governante" (FREIRE, 1981, p.137).
Paulo Freire no seu livro “Educação como prática da liberdade” (1978, p.36)
parte da base que é o ser humano, possui a “[...] ontológica vocação de ser sujeito”. A
59
ser assim, a sua história deve ser construída pelo fato de ser homem. Por ele, dever ser
construída e ou modificada. Ele pode e deve dar-lhe uma direção consciente, embora
não consiga superar totalmente os condicionamentos antropológicos em cada processo
histórico. “[...] Para o homem, o mundo é uma realidade objetiva, independente dele,
possível de ser conhecida” (FREIRE, 1978, p.39). Como ser de relações o ser humano
capta dados objetivos da realidade de forma reflexiva, com capacidade de transcender
“[...] porque existe e não só vive” (Idem, 1978, p.40). Para Freire, existir é mais que
viver. É mais que estar no mundo. O existir incorpora o sentido da criticidade:
transcender, discernir, dialogar (comunicar e participar). O existir, diferente do simples
viver é individual. Mas só se realiza em relação com outros existires. Mas, trata-se de
uma transcendência inserida na contingência da finitude, do ser inacabado, situado no
tempo: um ser histórico. “[...] Não há historicidade do gato [...]. O homem existe no
tempo. Está dentro. Está fora. Herda. Incorpora. Modifica [...]. Temporaliza-se” (Idem,
1978, p. 41). Seu existir não se esgota numa passividade. Situações a que o homem é
colocado pelas soluções assistencialistas ou paternalistas e que duplamente lhe negavam
a existência.
Em primeiro lugar, contradiziam a vocação natural da pessoa – a de ser sujeito e não objeto, e o assistencialismo faz de quem recebe a assistência um objeto passivo, sem possibilidade de participar do processo de sua própria recuperação. Em segundo lugar, contradiziam o processo de democratização fundamental em que estávamos situados (Idem, p. 57).
Ele herda a experiência adquirida. Cria e recria. Integra-se às condições do
contexto. Responde aos seus desafios. Assim, lança-se no domínio da História e da
Cultura. Portanto, a interação do homem com o seu mundo transformam a sua realidade
histórica. “[...] Não existem senão homens concretos, situados no tempo e no espaço,
inseridos num contexto sócio-económinco-cultural-político, enfim, num contexto
histórico” (MIZUKAMI, 1986, p. 86). Paulo Freire entende assim que para podermos
educar o homem é preciso criar nele a consciência de que, ele mesmo é o sujeito
individual da educação.
Mas a formação desse ser humano sujeito individual e coletivo dá-se em meio
aos condicionamentos estruturais de cada sociedade historicamente constituída. Em
nosso caso brasileiro, é necessário que nos situemos dentro das nossas reais heranças
históricas e culturais que constitui nosso modo de ser. A herança colonial da sociedade
60
brasileira resultou em inexperiência democrática. O Brasil nasceu e cresceu sem
experiência de diálogo. Foi uma colonização predatória, à base da exploração
econômica onde o poder do senhor se alongava às terras e às gentes. A larga base
escravista não comportava uma estrutura política democrática e popular. Daí nasceu
nossas heranças culturais embebidas de soluções paternalistas que forjaram o
“mutismo” brasileiro que não é inexistência de resposta. “[...] É resposta a que falta teor
marcadamente crítico” (MIZUKAMI, 1986, p. 69). Criaram-se, assim, as condições
para a importação da democracia política num ambiente de inexistência de condições da
formação de um povo, todavia, sob o ponto de vista assistencialista esquecendo-se do
grande perigo que estava por detrás desta política.
O grande perigo do assistencialismo está na violência do seu antidialógico, que, impondo ao homem mutismo e passividade, não lhe oferece condições especiais para o desenvolvimento ou a abertura de sua consciência que, nas democracias autênticas, há de ser cada vez mais crítica (Idem, 1986, p. 57).
Esta política assistencialista que faz do homem passivo e de mão estendida à
espera que alguém faça por ele o que devia fazer como sujeito sócio-histórico, é em
parte o fruto da herança escravocrática. Tentando justiçar-se, Freire, 1978, p. 72) diz do:
“ [...] trabalho escravo de que haveria de decorrer uma série de obstáculos,
estrangulamentos à formação de uma mentalidade democrática. De uma consciência
permeável. De experiência de participação de autogoverno”. Mesmo após a escravidão,
a experiência brasileira, especialmente a dos últimos 50 anos, foi de poder exacerbado e
a consequente submissão, ajustamento, acomodação e não integração. “[...] E seria
sobre esta vasta inexperiência caracterizada por uma mentalidade feudal, alimentando-
nos de uma estrutura econômica e social inteiramente colonial, que inauguraríamos a
tentativa de um estado formalmente democrático” (Idem, 1978, p. 79). Portanto, sobre
uma estrutura economicamente feudal primeiro e depois assistencialista, uma estrutura
social onde a população vivia vencida, esmagada e muda, houve a tentativa de implantar
uma forma política e social que exigia sujeitos capazes do diálogo, da participação com
responsabilidade política e social.
Na visão de Mizukami, Paulo Freire patenteia uma pedagogia que se converte
em luta pela libertação do oprimido pelo sistema dominante.
61
A pedagogia do oprimido, segundo Paulo Freire, é aquela que tem de ser forjada com ele e não para ele, enquanto homem ou povo, na luta incessante de recuperação de sua humanidade. Uma pedagogia que faça da opressão e de suas causas o objeto de sua reflexão, resultando daí o engajamento do homem na luta por sua libertação (MIZUKAMI, 1986, p. 96).
Esta posição é até certo ponto partilhada também pela Pedagogia Libertária, uma
vez que, para ambas, a educação é fator de suma importância na passagem das formas
mais primitivas da consciência para a consciência crítica, que, por sua vez, não é um
produto acabado, mais um vir-a-ser contínuo. Para Paulo Freire, a educação tem caráter
utópico. “[...] essa esperança utópica implica compromissos cheios de riscos e terá de
ser um ato de conhecimento da realidade denunciada, tanto ao nível de sua alfabetização
como de sua pós-alfabetização, que são, em ambos os casos, ação cultural”
(MIZUKAMI, 1986, p. 95).
Quase na mesma época, nas primeiras décadas do século XX, os sindicatos
operários tomaram para si a tarefa de criar os espaços necessários para o
desenvolvimento desta pedagogia crítica às instituições formais, à educação oficial,
laica ou religiosa. Estes espaços alternativos são os centros de estudos sociais, as
escolas modernas, as escolas operárias, a universidade popular etc. É precisamente aqui,
onde reside uma das distancias. Pois, a Pedagogia Libertadora, embora seja crítica ou
poder instituído, “[...] sua concepção educacional se propõe ser uma abertura à história
concreta e não uma simples idealização da liberdade; daí se afigurar indiscutível a
necessidade do aproveitamento de todas as possibilidades institucionais existentes de
mobilização” (WEFFORT, in: FREIRE, 1978, p. 23). Nas instituições pré-estabelecidas
Ele vê uma possibilidade de mudanças. E esta não se faz sem a compreensão histórica e
culturalmente condicionada pela tomada de consciência da realidade.
Segundo Paulo Freire é preciso entender que nas várias etapas da vida dos
sujeitos a consciência pode ter três estádios diferentes. A saber: um estágio que vai
desde o início até consciência intransitiva; suas preocupações situam-se no nível vital,
biológico ou plano vegetativo da vida; seu nível de apreensão de problemas fica na
esfera biológica. Enquanto tal implica na incapacidade de captação de questões fora da
esfera vegetativa. Nesse sentido, “[...] a interansitividade representa quase
incompromisso do homem com a existência” (FREIRE, 1978, p.60). Mas como o existir
é um conceito dinâmico, na medida em que amplia seu poder de captação, de dialogação
seus interesses e preocupações podem alongar-se para esferas mais amplas e vai se
62
livrando da “[...] sua não-participação na solução dos problemas comuns” (FREIRE,
1978, p 71). E por isso, a razão de ser do segundo estágio que é consciência transitiva.
Descrita por ele como, num primeiro estado, preponderantemente ingênua. A
transitividade ingênua, [...] fase em que nos achávamos e nos achamos hoje nos centros
urbanos, mais enfáticos ali, menos aqui, se caracteriza, entre outros aspectos pela
simplicidade na interpretação dos problemas. Pela tendência a julgar que o tempo
melhor foi o tempo passado” (FREIRE, 1978, p. 60); baixa auto-estima; inclinação a
viver em grupos fechados; fechamento ao espírito investigativo; fragilidade na
argumentação; forte teor de emocionalidade; negação do diálogo; explicações mágicas.
Aqui Freire refere que dessa transitividade ingênua, quando não promovida à
transitividade crítica, pode levar à consciência fanatizada, sectária. Falando da
transitividade crítica diz que é por ela que o homem consegue se livrar das garras do
poder feudal e do sistema das políticas assistencialistas. Ela é conquistada por meio de
um trabalho educativo crítico:
Uma educação dialogal e ativa, voltada para responsabilidade social e política. Caracteriza-se pela profundidade na interpretação dos problemas. Pela substituição de explicações mágicas por princípios causais. Por despir-se ao máximo de preconceitos na análise dos problemas e, na sua apreensão, esforçar-se por evitar deformações. Por negar a transferência da responsabilidade. Pela recusa a posições quietistas. Por segurança na argumentação. Pela prática do diálogo e não da polêmica. Pela receptividade ao novo, não apenas porque novo e pela recusa do velho, só porque velho, mas pela aceitação de ambos, enquanto válidos. Por se inclinar sempre à arguições (FREIRE, 1978, 61-62).
Assim, para Freire, pela educação crítica o homem delineia o caminho da
apropriação do saber histórico e o contextualiza no tempo e no espaço. Isto “[...] implica
na sua inserção, na sua integração, na representação objetivo da realidade. Daí a
conscientização ser o desenvolvimento da tomada de consciência” (Idem, 1978, p.61,
nota 23), fruto de um trabalho pedagógico crítico, apoiado em condições históricas
propícias.
Se, em vez de passar da consciência transitivo-ingênua para a transitiva-crítica
descambar para consciência fanática, a pessoa suprime a possibilidade do diálogo; segue
fórmulas ou prescrições de outrem como se fossem suas. É conduzido e perde o poder
criador bem como a sua autonomia e, consequentemente, deixa de ser sujeito e assume a
condição de objeto.
63
Freire (1978) vê duas possibilidades básicas e extremas: a de estar no mundo e a
de existir. O estar “nele e não com ele” significa uma simples adaptação, acomodação
ou ajustamento, comportamento passivo próprio de um ser desgarrado, massificado,
desenraizado. A integração, ao contrário, enraíza o ser humano possibilitando a sua
criticidade e capacidade criadora. “[...] A integração resulta da capacidade de ajustar-se
à realidade acrescida da de transformá-la a que se junta a de optar, cuja nota
fundamental é a criticidade [...] O homem integrado é o homem sujeito” (FREIRE,
1978, p. 42, nota 4), que assume a luta por sua humanização: faz cultura. Na adaptação
o homem não é capaz de optar, nem alterar a realidade. Para defender-se, o máximo que
faz é adaptar-se para lutar pela humanização.
O processo de integração ou socialização realiza-se no jogo de relações do
homem com o mundo e do homem com os homens; criando, recriando e decidindo
conformam-se as épocas históricas das quais participa. Para Freire, a tragédia do homem
moderno é sua renúncia crescente a sua capacidade de decidir. Pois ele sendo presa das
prescrições externas massifica-se. Fica “[...] sem esperança e sem fé, domesticado e
acomodado: já não é sujeito. Rebaixa-se a puro objeto. Coisifica-se”. (FREIRE, 1978, p.
43). Daí que o único modo pelo qual o ser humano realizará sua vocação natural de
integrar-se é através da permanente atitude crítica, desenvolvendo a capacidade de
compreensão do mundo que é mediada pela captação dos temas e tarefas de sua época.
É aqui onde Mizukami insere a função da escola. Pois, para Paulo Freire afirma: a “[...]
escola é uma instituição que existe num contexto histórico de uma determinada
sociedade, para que seja compreendida é necessário que se entenda como o poder se
constitui na sociedade e a serviço de quem está atuando” (Idem, 1978, p. 96).
Por isso, cada época tem uma situação própria e a integração exige a
compreensão das características desta sociedade. E a posição frente a ela pode ser a
radicalização ou a sectarização.
A radicalização, que implica no enraizamento que o homem faz na opção que fez, é positiva porque preponderantemente crítica. Porque crítica e amorosa, humilde e comunicativa. O homem radical na sua opção, não nega o direito ao outro de optar. Não pretende impor a sua opção. Dialoga sobre ela. Está convencido de seu acerto, mas respeita no outro o direito de também julgar-se certo. Tenta convencer e converter, e não esmagar o seu oponente. Tem o dever, por uma questão mesmo de amor, de reagir à violência dos que lhe pretendam impor silêncio (Idem, 1978, p.50),
64
Paulo Freire, como homem radical, chega a esta conclusão porque entende que
toda relação de dominação, de exploração e opressão já é, em si violenta. O radical
rejeita o ativismo submetendo sua ação à reflexão. Capta suas contradições e, no
diálogo com outros sujeitos, procura ajudar a acelerar as transformações. Por sua vez, a
sectarização tem uma matriz emocional e acrítica, com postura arrogante, antidialogal,
reacionária (seja de direita ou de esquerda). “[...] O sectário nada cria por que não ama,
não respeita a opção dos outros [...] Daí a inclinação ao ativismo” (Idem, p. 51).
O contexto dos anos de 1960 fez com que Freire assumisse uma postura válida
ainda em nossos dias. Nós não podemos negar o nosso passado colonial. É preciso
assumir a herança colonial de uma sociedade puramente reflexa em vista de passar para
autonomia. “Incapazes de projetos autônomos de vida, as sociedades alienadas buscam
nos transplantes inadequados a solução para os problemas do seu contexto [...] E como
são receitas transplantadas que não nascem da análise crítica do próprio contexto,
resultam inoperantes. Não frutificam” (FREIRE, 1978, p.53). É preciso substituir a
autodesvalorização, a inferioridade - que amortece o ânimo criador das sociedades
dependentes - pela autoconfiança. No lugar dos esquemas e receitas importadas, devem
ter lugar projetos, planos autônomos. O ‘quietismo’ dá lugar à participação ativa, à
corresponsabilidade estimulada pela ação educativa.
A desesperança das sociedades alienadas passa a ser substituída por esperança, quando começa a se ver com os seus próprios olhos e se tornam capazes de projetar. Quando vão interpretando os verdadeiros anseios do povo. Na medida em que vão se integrando com o seu tempo e o seu espaço e em que, criticamente, se descobrem inacabados. Realmente não há por que se desesperar se, se tem a consciência exata, crítica, dos problemas, das dificuldades e até dos perigos que se tem à frente [...] Renuncia à velha postura de objeto e vai assumindo a de sujeito. [...] se na imersão era puramente espectador do processo, na emersão descruza os braços e renuncia à expectação e exige a ingerência. Já não se satisfaz em assistir. Quer participar ( Idem, 1987, p. 54-55).
Assim podemos instalar a democratização nas dimensões interdependentes: a
econômica, a social, a política e a cultural. Nessa perspectiva, Freire afirma um
princípio pedagógico: “Se há saber que só se incorpora ao homem experimentalmente,
existencialmente, este é o saber democrático” (Idem, 1978, p.92). Mas, como sabemos,
a crescente presença participante do povo implica numa “tomada de consciência” que
despertará sempre a reação oposta, e não antagônicas, das forças internas e externas não
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interessadas na transformação. “[...] Como (as forças) internas e externas tentavam e
faziam suas pressões e imposições e também seus amaciamentos, suas soluções
assistencialistas” (FREIRE, 1978, p.57).
Uma pedagogia libertadora leva o educador e o educando a opor-se às “soluções
assistencialistas” porque contradiz a vocação natural da pessoa de ser sujeito, como já o
frisamos anteriormente. E, além disso, tais práticas contradizem o processo de
participação democrática, porque impõe o mutismo e a passividade roubando do ser
humano “[...] as condições à consecução de uma das necessidades fundamentais de sua
alma: a responsabilidade” (Idem, 1978, p. 58), condição essencial para a vivência
democrática. Relações assistencialistas e massificação constituem-se efeito e causa.
A Pedagogia Crítica é, portanto, uma pedagogia engajada, responsável diante
dos dilemas sociais que reclamam por uma mudança radical. Ela “[...] examina as
escolas nos seus contextos históricos e também como parte do tecido social e político
existente que caracteriza a sociedade dominante” (MCLAREN, 1997, p. 191). Por outro
lado, incorpora as experiências de vida dos oprimidos, suas histórias e valores.
Tentando esclarecer como isso acontece, Mclaren dá um testemunho sobre a sua
experiência numa escola da periferia de Toronto (Canadá), dizendo:
Finalmente, aceitei o fato que meus alunos necessitavam ser ensinados primeiro em seus próprios termos, para só então transcender aqueles termos no interesse de gerar poder para si e outros. As tradicionais imagens que a classe média tem do sucesso não estavam abertas para eles, imagens a que eles, por sua vez, eram capazes de resistir. Na sala de aula eles tinham se tornado, o que era fácil de entender, cínicos e matreiros em relação à sedução da recompensa acadêmica, tais como boas notas nos trabalhos e testes de final de semana. Minha eficiência com esses estudantes começou quando tornei dignas suas próprias experiências, fazendo-as merecer investigação (1997, p. 184)
Estas experiências particulares e individuais dos alunos para Paulo Freire serão
as que vão constituir e gerar outras experiências, conhecimentos. Chegamos, assim, ao
conceito chave do seu método de ensino: a Alfabetização, feita por palavras geradoras
de que falaremos no capítulo seguinte. Todavia, adiantamos desde já dizendo que isso
exige do homem um árduo trabalho que “[...] não é a pena que paga por ser homem,
mas um modo de amar, e ajudar o mundo a ser melhor” (FREIRE, 1978, p. 142).
Reconhecemos o desafio de assumir o princípio de investigação que nos
propomos desde início, segundo Paulo Freire: “[...] tanto o investigador quanto os
grupos através de quem pretende o investigador pesquisar algo, funcionam como
66
sujeitos da investigação” (FREIRE, 1978, p.150) e suas tarefas nunca estão terminadas
devido à “inacababilidade” do homem. Pois exigem uma busca constante de
aperfeiçoamentos. É nessa perspectiva que fizemos este trabalho visando encontrar
caminhos de esperança para a recriação de um mundo habitável com convivência
“verdadeiramente” humana. Não há nada que contradiga e comprometa mais a emersão
popular do que uma “educação que não jogue o educando as experiências do debate e da
análise dos problemas e que não lhe propicie condições de verdadeira participação”
(Idem, 1978, p.93).
Portanto, frente aos desafios educacionais do seu tempo, Paulo Freire propõe
uma educação capaz de:
a) contribuir efetivamente na passagem da transitividade ingênua à transitividade crítica; b) preparar as pessoas para a responsabilidade social e política, para o desenvolvimento e para a democracia; possibilitar o enfrentamento do ‘desenraizamento’ gerado pelas conseqüências da civilização industrial com suas tendências massificadoras e desumanizadoras; c) preparar as pessoas para enfrentar a problemática desse tempo, e nela inserir-se conscientemente; e) levar a uma constante mudança de atitude e criação de disposições democráticas que substituam os hábitos de passividade por hábitos de participação e ingerência; f) colaborar com o educando na organização reflexiva do pensamento para superar a captação mágica ou ingênua de sua realidade; g) preparar para a intervenção teórico-prática, com uma teoria que “implica numa inserção na realidade, num contato analítico com o existente, para comprová-lo, para vivê-lo praticamente” (Idem, 1978, p. 93).
Para Freire, a educação é um ato de amor e coragem. Por isso ela não pode temer
o debate, o diálogo franco. Não pode fugir à discussão criadora frente da realidade em
constante análise. Por isso compara a prática “deseducativa” com uma nova proposta de
educação:
Ditamos ideias. Não trocamos ideias. Discursamos aulas. Não debatemos ou discutimos temas. Trabalhamos sobre o educando. Não trabalhamos com ele. Impomos-lhe uma ordem a que ele não adere, mas se acomoda. Não lhe propiciamos meios para o pensar autêntico, porque recebendo as fórmulas que lhe damos, simplesmente as guarda. Não as incorpora porque a incorporação é o resultado de busca de algo que exige, de quem o tenta, esforço de recriação e de procura. Exige reinvenção (Idem, 1978, p.96)
67
Com esse sentido propõe os Círculos de Cultura, em lugar de escola;
coordenador de debates em lugar de professor; diálogo em lugar de aula discursiva;
participante de grupo em vez de aluno; unidades de aprendizado em lugar de programas
alienados. A proposta é uma alfabetização ligada à democratização da cultura como
exercício da vivência democrática. O pressuposto é: o homem tem uma vocação
ontológica de ser sujeito; e não há ignorância absoluta, nem sabedoria absoluta.
Na relação natureza e cultura, tanto o analfabeto quanto o letrado encontra seu
ímpeto de criação e recriação, pois cultura é toda a criação humana. Como a cultura
resulta do trabalho e pelo trabalho que transformamos o mundo, o processo educativo
gira em torno da experiência humana. E tudo muda. O mundo e conceito que se tem
dele também. E então:
As artes deixam progressivamente de ser a simples expressão da vida fácil da burguesia rica e começam a encontrar inspiração na dura vida do povo. Os poetas começam a não descrever meramente seus amores perdidos – ou então, o tema do amor perdido chega a ser menos triste, mais objetivo e mais lírico -, não falam já do trabalhador dos campos como de um conceito abstrato e metafísico, mas como de um homem concreto que vive uma vida concreta (FREIRE, 1980, p. 69)
Assim, o ato educativo é sempre criação e recriação. E o papel do educador é
fundamentalmente dialogar sobre situações concretas, contribuindo para decodificar as
“situações-problemas”. O educador é, ao mesmo tempo, um colaborador e um
educando. “[...] À medida que um método ativo ajude o homem a se conscientizar em
torno de sua problemática, em torno de sua condição de pessoa, por isso sujeito, se
instrumentalizará para as suas opções. Aí, então, ele mesmo se politizará” (FREIRE,
1978, p.120). Daí decorre à base do método proposto pela Pedagogia Libertadora que se
funda nos aspetos: o afetivo, ativo, dialogal, crítico, critizador e com modificação do
conteúdo programático da educação (utilização de técnicas – redução e codificação –
adequadas.
II. 3. 2 Especificidades da Pedagogia Libertária
Depois de nos debruçarmos sobre a especificidade da Pedagogia Libertadora,
agora nos deteremos sobre a Educação Anarquista ou Pedagogia Libertária. Ela,
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inscreve-se no contexto das teorias modernas da educação. Neste sentido, possui uma
fundamentação filosófica e política que lhe é própria, embora esta fundamentação esteja
relacionada com outras teorias e práticas pedagógicas que lhe são contemporâneas. É
necessário, portanto, saber distingui-la de outras teorias educacionais.
Em todo o mundo, se busca alternativas para a escola, ou melhor, para a educação. É um momento em que se questiona se o fato de tornar a escola obrigatória para todos é democratizar a escola. É um momento em que se pergunta se a escola é a melhor solução educativa, se a escola é o único caminho educativo. (KASSICK, Apud MOVIMENTO, 1996, p. 72)
Parafraseando Silvio Gallo, diremos que toda Filosofia da Educação está
amparada, necessariamente, por numa Antropologia Filosófica; isto equivale a dizer
que, anterior a todo e qualquer intento de educação, subjaz uma concepção de homem.
A ser o caso, na história da filosofia e da educação, podemos identificar duas
concepções fundamentais acerca do conceito de homem: a concepção essencialista,
segundo a qual aquilo que é o homem é definido por uma essência anterior e exterior a
ele; e a concepção existencialista, segundo a qual o homem define-se apenas a
posteriori, através de seus atos, construindo paulatinamente a essência do que é ser
homem de dentro para fora. A título de exemplo, a primeira perspectiva fundamenta a
teoria educacional que Platão apresenta na sua obra “A República”, fundamento, basilar
da educação jesuíta e de todo o sistema tradicional de ensino. Já a perspectiva
existencialista é inaugurada com Rousseau em seu livro “Emílio”, ou da Educação,
constituindo o fundamento das teorias e práticas pedagógicas que em Educação
chamamos de escola nova3.
Como vimos afirmando a educação ocupa um lugar estratégico no pensamento e
prática anarquistas enquanto fundamento inerente ao processo de transformação da
ordem capitalista e na fundação de uma nova ordem social. Sem a pretensão de prender-
se única e exclusivamente no “nativismo ou apriorismo”, na Abordagem Humanista ou 3 Kant (1724 -1804) (1996, p. 11), filósofo alemão é considerado um dos influentes para o pensamento pedagógico. Para ele, a educação é o cuidado da “infância (a conservação, o trato), a disciplina e a instrução como formação.” O autor entende como cuidado “as precauções que os pais tomam para impedir que as crianças façam uso nocivo de suas forças.” (Ibidem). Sobre a educação ele escreve ainda que “a espécie humana é obrigada a extrair de si mesma pouco a pouco, com suas próprias forças, todas as qualidades naturais, que pertencem à humanidade” (Idem, p. 12) e que “por um lado, a educação ensina alguma coisa aos homens e, por outro lado, não faz mais que desenvolver nele certas qualidades” (Idem, p. 15). Portanto, para Kant a educação é um processo pelo qual se desenvolvem as potencialidades inatas do ser humano.
69
simplesmente Libertária, sobre a educação, os enfoques estão “[...] predominantemente
no sujeito” (MIZUKAMI, 1986, p. 37).
A preocupação em formar homens livres e conscientes, capazes de revolucionar
a sociedade, é constante na obra de maiores pensadores anarquistas libertários, tais
como o professor, Nicaor Kassick que se inspiram, sobretudo, em dois grandes nomes:
“[...] o de C. Rogers e o de Arl Neill” (Ibidem), eles entendem como principal objetivo
da educação “[...] educar para a singularidade” (KASSICK, 2004, p. 11) as crianças.
Trata-se aqui de uma abordagem que “[...] dá ênfase a relações interpessoais e ao
crescimento que delas resulta, centrado no desenvolvimento da personalidade do
indivíduo, em seus processos de construção e organização pessoal da realidade, e em
sua capacidade de atuar, como uma pessoa integrada” (Idem, 2004, p. 37-38)
Não se pode estabelecer uma dicotomia entre a educação e luta política na
tradição libertária. Porque a educação, como já o referimos anteriormente, é um objetivo
em si para o resgate da dignidade do homem seja ele quem for. A educação é concebida
como parte do processo revolucionário, isto é, os anarquistas não imaginam que apenas
através do ato educativo a Revolução tornar-se-á realidade. Mas veem a educação como
fundamental. Trata-se, na concepção libertária, de romper o círculo vicioso entre a
miséria, a ignorância e o preconceito de formar seres humanos autônomos, críticos,
solidários e amantes da liberdade.
Os primeiros representantes desta pedagogia no Brasil foram os trabalhadores
imigrantes — italianos, espanhóis, portugueses, etc. — que, em fins do século XIX,
chegavam para trabalhar nas lavouras de café, em substituição da mão-de-obra escrava.
Posteriormente, estes imigrantes constituíram uma parcela importante do nascente
proletariado urbano brasileiro.
As ideias libertárias foram introduzidas no movimento sindicalista brasileiro pelos trabalhadores anarquistas – imigrantes espanhóis, italianos e portugueses – e representou a frente de luta mais significativa nas duas primeiras décadas do século 20 contra a exploração do operariado brasileiro (KASSICK, 2004, p.20-21).
Nas primeiras décadas do século XX, os sindicatos operários tomaram para si a
tarefa de criar os espaços necessários para o desenvolvimento desta pedagogia crítica às
instituições formais, à educação oficial, laica ou religiosa. Estes espaços alternativos são
os centros de estudos sociais, as escolas modernas, as escolas operárias, a universidade
70
popular, etc., onde se desenvolvem experiências fundadas na Pedagogia Libertária, no
sentido de formar um novo homem e forjar a nova sociedade.
A Pedagogia Libertária está, portanto, associada ao movimento operário, às
primeiras organizações dos trabalhadores, à luta dos trabalhadores, à ação anarquista e
anarcosindicalista contra o Estado, a Igreja e o capitalismo europeu. Sua difusão se dá
através da imprensa operária e da ação direta dos libertários. O objetivo primordial do
ideário libertário é a crítica à educação burguesa e a formulação da própria concepção
pedagógica que se materializa na criação de escolas autônomas e autogeridas.
Diferentemente da escola tradicional, onde se pode ver um ensino ambíguo
englobando vários sentidos e com uma “[...] missão catequética e unificadora da escola.
Programas minuciosos, rígidos e coercitivos” (MISUKAMI, 1986, p. 17). Assim, no
mundo inteiro e também no Brasil são adotados “[...] novos métodos de ensino
propostos e implantados pela Escola Moderna, tendo por base o respeito à liberdade, à
individualidade, à expressão da criança, reorganizaram o fazer pedagógico imprimindo-
lhe autêntica função revolucionária” (KASSICK, 2004, p.15-16). E, então, novos
princípios de conceber a escola e o fazer pedagógico. No aspecto crítico denuncia-se o
uso da escola como instrumento de sujeição dos trabalhadores por parte do Estado, da
Igreja e dos partidos.
O que está em causa na práxis libertária é a supervalorização da autonomia,
autogestão e a heteronímia do aluno. Portanto, tratar-se-ia de uma práxis que visaria:
A criação de condições nas quais os alunos pudessem tornar-se pessoas de iniciativa, de responsabilidade, de autodeterminação, de discernimento, que soubessem aplicar-se a aprender as coisas que lhes servirão para a resolução de seus problemas e que tais conhecimentos os capacitassem a se adaptar com flexibilidade às novas situações, aos novos problemas, servindo-se da própria experiência, com espírito livre e criativo (KASSICK, 2004, p. 45).
Invoca-se, por conseguinte, uma educação que tenha como objeto de estudo o
sujeito - aluno em si, situado no tempo e no espaço e por isso responsável da sua própria
construção, formação, ou seja, educação. Assim, cabendo ao professor, não o papel de
transmissor de conhecimento e, sim, o de facilitador do processo de ensino e
aprendizagem. “[...] o professor em si não transmite conteúdo, dá assistência, sendo um
facilitador da aprendizagem. O conteúdo advém das próprias experiências dos alunos.
[...] O professor não ensina: apenas cria condições para que os alunos aprendam” (Idem,
71
2004, p. 38). Assim, a liberdade é entendida como meio e fim, a liberdade é intrínseca à
prática libertária. “[...] a liberdade de um ser humano não é limitada pela liberdade
alheia. A liberdade não tem limites, não é algo que se limita. Um ato de liberdade não
deve ser confundido com um alto livre” (CUBERO, Apud MOVIMENTO, 1996, p. 34).
Não se trata da liberdade em abstrato ou no sentido liberal, mas da Liberdade construída
socialmente e conquistada nas lutas sociais. Trata-se de um anti-autoritarismo que é
característica essencial da prática na pedagógica libertária. A ideia chave subjacente
deste conceito é que não é possível combater o autoritarismo e a opressão presentes no
Estado, família, escola, etc., sem que, concomitantemente, se formem homens livres. E
não se formam homens livres por meio de métodos autoritários e de controle. Porque só
os homens educados e formados na autonomia e na liberdade é que são realmente
responsáveis do seu futuro.
A autonomia do indivíduo como processo educativo pedagógico, centra-se no
educando com pleno respeito aos estágios do seu desenvolvimento e o estímulo para
que ele tome o próprio destino em suas mãos. Assim, relendo a filosofia de Stirner, o
professor Nicanor Kassick (2005, p. 17), citando Ferrer, afirma:
A máxima de Stirner resume-se à ideia de que a missão de uma pessoa consiste em chegar a ser ela mesma, reconhecer o que lhe é próprio, assumir que nada existe acima dessa ‘propriedade’, e que, o que não constitui ‘o próprio de si mesmo’ deve ser posto em condição de tensão para tornar evidente o que está em afinidade com a autonomia pessoal e o que lhe é prejudicial e perigoso. [...] A pedra de toque da autonomia reside na personalidade, no caráter, essa substância que podemos moldar e construir como um projeto do modo como uma pessoa procede à educação de si mesmo.
O educando não é tratado como objeto (meio), mas como sujeito enquanto fim
em si mesmo. A educação libertária pressupõe a busca da coerência entre o falar e o
fazer (discurso e ação). Podemos até fazer recuso ao saber popular quando diz: “os
exemplos educam e falam mais do que as palavras”. Portanto, o educador deve estar
sempre aberto a aprender, a se educar, a reconhecer os erros e a dar o bom exemplo, a
ser coerente em relação aos meios e fins, a teoria e prática. Trata-se, além de assumir o
pensamento anarquista, de ter atitude, uma ética e um modo de ser anarquista que faz da
pessoa, do educando o dono do seu próprio futuro. Assim sendo, “[...] as características
inerentes a este processo são a autodescoberta e a autodeterminação” (MIZUKAMI,
1986, p. 45).
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Trata-se de um dever que compromete e engaja; e por isso, apela pelo
compromisso e responsabilidade social. A Pedagogia Libertária é profundamente
engajada, no sentido da crítica às estruturas de dominação e da formação de homens e
mulheres capazes de atuarem como críticos e sujeitos ativos pela transformação das suas
vidas e do meio social. Nesta perspectiva, não há lugar para a neutralidade da educação
e do educador. O educador libertário, como Roger, “[...] não aceita, num projeto de
planificação social, o controle e a manipulação das pessoas, ainda que isso seja feito
com a justificativa de tornar as pessoas mais felizes (MIZUKAMI, 1986, p. 43). E é por
isso que se deve entender que a práxis pedagógica seja um ato social, político e cultural.
Compromisso e responsabilidade que faz dos homens e das mulheres solidários
uns dos outros, sobretudo dos excluídos de tudo e de todos. É a tônica da solidariedade.
Uma educação fundada em critérios solidários, de ajuda mútua, que recusa tanto os
prêmios quanto os castigos e, portanto, os processos classificatórios (exames, notas,
etc.) e as relações de ensino-aprendizagem fundadas em critérios competitivos.
Basicamente os pilares balizadores da Educação Libertária visam uma Educação
Integral. E esta, “[...] tem como finalidade primeira a criação de condições que facilitem
a aprendizagem do aluno, e como objetivo básico libertar a sua capacidade de auto-
aprendizagem de forma que seja possível seu desenvolvimento tanto intelectual quanto
emocional” (Idem, 1986, p. 44-45). De acordo com Paul Robin, trata-se de um trabalho
árduo e longo processo de evolução, em que diversos educadores, ao longo do tempo,
foram levantando ideias e tecendo considerações que, em pleno século 19, já
amadurecidas foram sistematizadas numa teoria orgânica:
O movimento libertário influenciado pelas ideias pedagógicas que chegavam da Europa assimilou os pressupostos de duas vertentes pedagógicas: o ensino integral – sistematizado e aplicado por Paul Robin, no Orfanato de Cempuis; e o ensino racional – organizado e difundido por Ferrer, fundador da Escola Moderna de Barcelo, Espanha (KASSICK, 2004, p.26).
Essa concepção requer um desenvolvimento que seja, aplicada a todos os
homens. Assim, os libertários questionam todas as relações de opressão, expressão das
relações de dominação que envolve todas as esferas sociais: família, escola, trabalho,
religião etc. O pensamento pedagógico libertário é crítico às relações de poder presentes
no processo educativo e às estruturas que proporcionam as condições para que estas
73
relações se reproduzam. Sobretudo a visão capitalista e burguesa da escola como sendo
a reprodutora das desigualdades sociais.
Para os libertários, a única forma de eliminar essa relação de desigualdade, na qual uma minoria dirigente submete a maioria dirigida, é restabelecendo a força social da coletividade. E este não é um ato de doação, nem mesmo algo que um grupo rebelde de vanguarda toma de assalto dos expropriadores (KASSICK, 2004, p.43)
Um dos seus princípios centrais é a rejeição de toda e qualquer forma de
autoritarismo. Neste aspecto, a pedagogia libertária é radical. Ela não aceita a
autoridade enquanto autoritária que podem consistir nos processos educacionais
diretivos, isto é, em que se manifestem formas de autoridade que usurpem o livre
aprendizado dos alunos. O conceito de homem que sustenta tal teoria fica muito claro
para Nicanor Kassick:
Antes de lutar pela liberdade, o homem precisa desejá-la, gestá-la em pensamento e assim forjar a ação para concretizá-la, disso resulta a importância da educação na formação da ‘consciência social anárquica'’ passível de formar sujeitos críticos que não se deixem expropriar quer economicamente, via excedente produtivo, quer socialmente, via força social (2004 p. 43-44).
Portanto, da ideia moderna - de educação integral - nasceu o sentimento
profundo de igualdade e do direito que cada homem tem perante a lei que tem como
base os Direitos Humanos: “[...] cada aluno é único e o relacionamento com cada um
deles é igualmente único” (MIZUKAMI, 1985, p. 46). Quaisquer que sejam as
circunstâncias de seu nascimento, de desenvolver, da forma mais completa possível,
todas as faculdades físicas e intelectuais. Estas últimas palavras definem a Educação
Integral.
A concepção de homem que subjaz à teoria da educação integral é decorrente do
humanismo iluminista do século dezenove, percebendo-o como um ser total; o homem é
concebido como resultado de uma multiplicidade de facetas que se articulam
harmoniosamente e em constante processo de construção: “[...] o homem não nasce com
um fim determinado, mas goza de liberdade plena e se apresenta como um projeto
permanente e inacabado” (Idem, 1985, p. 38), por isso, a educação deve estar
preocupada com todas estas facetas: a intelectual, a física, a moral etc. Ademais, não se
educa integralmente ao homem disciplinando sua inteligência, fazendo caso omisso do
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coração e relegando a vontade. Filosoficamente falando, pelo fato do homem ser um
sujeito racional em “[...] processo contínuo de descoberta de seu próprio ser, ligando-se
a outras pessoas e grupos” (MIZUKAMI, 1985, p.38) deve ser entendido na unidade de
seu funcionalismo cerebral e indagadora. Assim é um complexo; tem várias facetas
fundamentais, é uma energia que vê afeto que rechaça ou adere ao concebido e vontade
que faz ato percebido e amado na sociedade em que vive.
Em decorrência, podemos perceber a importância da educação dentro do amplo movimento de emancipação popular pretendido pelos anarquistas, contribuindo ao mesmo tempo para ‘ transformar a consciência humana’ e para a produção da cultura necessária para propiciar a transformação da sociedade a partir da recriação permanente do cotidiano, ou seja, das próprias instituições sociais (KASSICK, 2004, p.26).
Politicamente, a educação integral se baseia na igualdade entre os indivíduos e
no direito de todos a desenvolver suas potencialidades. Se vivermos numa sociedade
desigual e na qual nem todos podem desenvolver-se plenamente, a educação integral
deve assumir, necessariamente, uma postura de transformação e não de manutenção
desta sociedade.
Os educadores libertários não recusam a ciência e o saber especializado, mas
advogam que, antes, o processo educativo se concentre na formação plena (dimensões
física, intelectual e moral), que não separe o saber do saber fazer, isto é, que não se
fundamente na divisão entre ação e pensamento (trabalho braçal e intelectual).
O humano, em seu existir, sempre se apresentou, desde épocas remotas até
nossos dias, sob perspectivas diferentes. Desde Sócrates ele tornou-se um thaumaston4.
4 O sentido primordial do ser, foi a preocupação primeira daqueles que a posterior foram denominados "filósofos" que, viram diante de si algo "thaumaston". Algo extraordinário surpreendente, arrebatando-lhes o olhar. Aristóteles, no início de sua obra Metafísica afirma: “Na verdade, foi pela admiração que os homens começaram a filosofar tanto no princípio como agora” (982 b-l3/14) thaumazein é o verbo grego que de modo aproximativo tentamos traduzir como admirar-se. Trata-se de um estado que nos acomete quando nos defrontamos com algo estranho por ser "thaumaston" extraordinário, admirável. No diálogo Teeteto, Platão refere-se à esta admiração como um pathos, um estado interior que sentimos quando algo nos arrebata. "Experimentar uma espécie de encantamento, constituído pelo fato mesmo de ver é, segundo Platão, a paixão que afeta, mais que aos outros homens, o filósofo". Para Platão, o filósofo é eminentemente humano; pois, o homem é feito de modo a viver no thaumazein, isto é, a filosofia; nisto se distingue dos animais e dos deuses. Este sentimento nos acomete bruscamente sem que o busquemos. No verbo thaumazein encontra-se a raiz thea que significa ver, olhar. No ver e olhar atentamente, os latinos entendiam como contemplatio, contemplação. Aí articularam-se admirar e contemplar. Thaumazein foi entendido também como theoria: 0 ser-possuído pelo olhar, o dever-ser-inteiramente-olhar para o que se apresenta, define a essência da admiração. O ver se detém no objeto cujo surgimento causou o impacto sentido pelo olhar. Depois do estado de admiração paralizante, o objeto se manifesta, provocando a vontade de saber. Com este querer saber pelo saber nasce à filosofia.
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Correlativamente, diferentes e inúmeros modos de concebê-lo se sucederam no tempo e
coexistiram no espaço nas mais diversificadas culturas. Assim, para Mizukami (1986, p.
38), o homem “[...] é considerado como uma pessoa situada no mundo. É único, quer
em sua vida interior, quer em suas percepções e avaliações do mundo”. Pois, por mais
variadas formas que tomaram as interrogações, estas podem resumir-se a uma questão
básica com duas vertentes: “O QUE É O HOMEM?”, e "QUEM É O HOMEM?", tendo
ambas em comum a certeza de o interrogador estar de um modo ou de outro implicado
no âmago mesmo da questão antropológica. Conclui ainda Mizukami, “[...] não existem,
portanto, modelos prontos nem regras a seguir, mas um processo de vir-a-ser” (Idem,
1986, p. 38). E, então, reconhecendo-se parte integrante da tríade Eu-Natureza-Outro, a
compreensão da natureza (mundo) e do outro, articula-se dialeticamente com a resposta
que ele der sobre a compreensão de si mesmo. Logo,
O homem não nasce com um fim determinado, mas goza de liberdade plena, e se apresenta como um projeto permanente e inacabado. Não é um resultado, cria-se a si próprio. [...] O homem é o arquiteto de si mesmo. É consciente da sua incomplitude tanto no que se refere ao mundo interior quanto ao mundo exterior, ao mesmo tempo em que sabe que é um ser em transformação e um agente transformador da realidade. [...] O homem está num constante processo de atualização e se atualiza no mundo (Idem, p. 38-41).
Mizukami está de acordo com o pensamento de Marx, segundo o qual o homem
não é abstrato. E sim construído com a única diferença de que para este, ele é criado por
este mundo. O homem constrói-se e desenvolve-se de acordo com as relações sociais
que ele estabelece com o grupo a que pertence. E este grupo, na visão dos marxistas,
não é outro senão a burguesia.
A filosofia política de tradição burguesa trabalha com a categoria de um "estado natural"; no caso das desigualdades sociais, é comum encontrarmos análises que as colocam como "naturais": todos os homens são naturalmente diferentes, e as diferenças nas condições sociais são nada mais nada menos do que extensões destas diferenças naturais. Sendo assim, o sucesso ou o fracasso, o domínio ou não do saber, a riqueza ou a miséria são simplesmente o fruto do trabalho de cada homem, trabalho este que se processa de acordo com as características e "aptidões naturais" deste homem. Naturalmente, então, a sociedade será desigual, pois os homens são desiguais: um é rico porque teve aptidão suficiente para aproveitar as oportunidades que lhe apareceram; outro é um miserável operário porque suas características naturais assim o determinaram. A sociedade e a cultura
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são um simples reflexo da natureza (SIEBERT, Apud MOVIMENTO, 1996, p. 61-62).
São as relações de produção em primeiro lugar que determinam o que o homem
é em determinadas condições, a isso os filósofos chamam de natureza humana, ou
melhor, “[...] a ‘essência do homem’ é, pois reconduzido ao papel de uma função das
relações sociais” (SCHAFF, A. 1969, p.81). As relações de produção, que permeiam as
demais relações, ditam os valores, os conceitos, as regras, tudo é aprendido pelo
indivíduo socialmente. É nesse sentido que as relações sociais criam o indivíduo.
O homem por ser um produto social […] e na sua ontogênese, está completamente submetido ao determinismo social que o forma, num modo que escapa do seu controle, por via da língua que tem em si um determinado sistema de pensamento, da educação que lhes inculca hábitos, costumes e comportamentos definidos, etc (Ibidem).
Isto é absorvido de tal forma pelo homem que mesmo percebendo que foi
induzido a ter determinadas atitudes, gostos, tudo mais, não consegue romper
totalmente com isto.
Visto que o homem é produto social, que as relações de produção determinam a
que classe pertence, há de se fazer uma pergunta: Como nasceu o homem social e que
“evolução” o seguiu? Porque mesmo sabendo que há um elo entre
homem/natureza/sociedade, isto por si só não explica como se deu esta evolução
histórica.
Parafraseando, Karl Marx e Engles no livro: “Dialética da natureza”, diremos
que o trabalho humaniza o homem. Pois, para eles, a resposta da pergunta acima, está
no trabalho humano, na prática humana como processo de transformação da natureza.
Ao transformar a natureza, os homens criam cultura, refinam, cada vez mais, técnicas
instrumentos, desenvolvem as suas funções mentais e a sua personalidade. “[...] Assim,
do ponto de vista do homem, o processo humano de criação é um processo de auto-
criação. Assim, graças ao trabalho a espécie Homo– sapiens nasceu, evoluiu e continua
a transformar-se” (SCHAFF, 1969 p. 85-86). Estes são princípios da teoria sócio-
histórica que, é a que dá conta de inúmeras questões relacionadas à concepção do
sujeito. Já que, todos são compreendidos de forma igualitária sem distinção de etnia, cor
ou sexo. Todos têm possibilidades de desenvolver-se e ocupar um lugar na sociedade
que historicamente lhe foi dado e que para muitos é negado. E quem nega ao sujeito o
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direito de pertencer e atuar nesta sociedade? É uma ideologia mesclada de diversas
teorias que explicam as desigualdades sociais, impossibilitando a humanização de
muitos, e fazem isso de uma forma natural.
Portanto, é fundamental o embasamento teórico. Tendo em conta que por detrás
da nossa prática, há uma teoria constantemente validada. Se acreditarmos que o sujeito
nasce pronto, então contra fatores biológicos ou sociais nada se pode fazer, a não ser
resignar-se e aceitar o que está posto. Se acreditarmos que o sujeito se constrói nas
relações que ele estabelece, no decurso de sua existência; cabe-nos, então, proporcionar-
lhe interações que possibilitem uma ruptura com o senso comum, desenvolvendo,
assim, a consciência crítica, dando-se conta das contradições existentes na sociedade em
que está inserido. É analisando as concepções, que podemos fazer uma reflexão sobre
nossa ação pedagógica, percebendo, assim, se está condizente com aquilo que
acreditamos.
É a sociedade que molda os homens, segundo suas necessidades, através da
educação. E se a sociedade é desigual, os homens serão todos diferentes e viverão na
desigualdade e na injustiça, não por um problema de aptidões, mas mais propriamente
por uma questão de oportunidade. Não podemos mudar a "natureza humana", mas
podemos mudar aquilo que o homem faz dela na sociedade: se a desigualdade é natural,
estamos presos a ela; mas se é social, podemos transformar a sociedade, proporcionando
uma vida mais justa para todos os seus membros. Mikhail Bakunin, citado por Sívio
Gallo (Apud MOVIMENTO, 1996, p.62), procura mostrar que o homem é determinado
socialmente:
Tomando a educação no sentido mais amplo desta palavra, incluindo nela não somente a instrução e as lições de moral, mas ainda e, sobretudo, os exemplos que dão às crianças todas as pessoas que as cercam, a influência de tudo o que ela entende do que ela vê, e não somente a cultura de seu espírito, mas ainda o desenvolvimento de seu corpo, pela alimentação, pela higiene, pelo exercício de seus membros e de sua força física, diremos com plena certeza de não podermos ser seriamente contraditados por ninguém: que toda criança, todo adulto, todo jovem e finalmente todo homem maduro é o puro produto do mundo que o alimentou e o educou em seu seio, um produto fatal, involuntário, e consequentemente, irresponsável.
Por outro lado, embora determinadas e sejam as características humanas
formadas socialmente, não deixa de ser verdade que outras características do homem
são naturais. As características naturais não podem ser transformadas, mas devem ser
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plenamente conhecidas, através da ciência, para que possam ser dominadas. O fato,
porém, de se assumir essas características naturais não significa submissão à escravidão.
Fugir delas seria dispensar a humanidade. Assim, é fundamental que se entenda de uma
vez por todas que o “[...] mundo é algo produzido pelo homem diante de si mesmo. O
homem é o seu configurador, que faz com que ele se historicize: é o mundo, o projeto
humano em relação aos outros homens e às coisas que ganha historicidade numa
temporalidade” (MIZUKAMI, 1986, p. 41).
Assim sendo, ao reagir sobre si mesmo e sobre o meio social de que é como
acabo de dizer, o produto imediato, o homem, não o esqueçamos nunca, não faz outra
coisa do que obedecer, todavia a estas leis naturais que lhe são próprias e que operam
nele com uma implacável e irresistível fatalidade. Último produto da natureza sobre a
terra, o homem continua, por assim dizer, por seu desenvolvimento individual e social, a
obra, a criação, o movimento e a vida. Porque “[...] o homem está num constante
processo de atualização e se atualiza no mundo” (Idem, 1986, p.41). Seus pensamentos
e seus atos mais inteligentes e mais abstratos e, como tais, os mais distantes do que se
chama comumente de natureza, não são mais do que criações ou manifestações novas.
Frente a esta natureza universal, o homem não pode ter nenhuma relação exterior
nem de escravidão nem de luta, porque leva em si esta natureza e não há nada fora dela.
Mas ao identificar suas leis, ao identificar-se de certo modo com elas, ao transformá-las
por um procedimento psicológico, próprio de seu cérebro, em ideias e em convicções
humanas, se emancipa do tríplice jugo que lhe impõem primeiro a natureza exterior,
depois sua própria natureza individual e, por fim, a sociedade da qual é produto.
Ao rebelar-se contra ela rebela-se contra si mesmo. É evidente que é impossível para o homem conceber somente a veleidade e a necessidade de uma rebelião semelhante, posto que, não existindo fora da natureza universal e carregando-a consigo, achando-se a cada instante de sua vida em plena identidade com ela, não pode considerar-se nem sentir-se ante ela como um escravo. Ao contrário, é estudando e apropriando-se, por assim dizer, com o pensamento, das leis naturais dessa natureza – leis que se manifestam igualmente, em tudo o que constitui o seu mundo exterior, e em seu próprio desenvolvimento individual: corporal, intelectual e moral -, como ele chega a sacudir sucessivamente o jugo da natureza exterior, o de suas próprias imperfeições naturais, e, como veremos mais tarde, o de uma organização social autoritariamente constituída. (GALLO, Apud MOVIMENTO, 1996, p.63).
Dentre as características naturais do homem estão, entretanto, outras
características - como a liberdade, por exemplo - que é um produto da vivência do
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homem em sociedade. Sendo assim, é necessário que se domine o conhecimento
científico sobre as leis naturais e sobre os mecanismos e estruturas da sociedade, para
que seja possível a construção de uma nova sociedade e de um novo homem, fundados
na liberdade, na justiça e na igualdade. A construção da liberdade é processo de
aprendizado da natureza e da cultura que dia a pós dia vai construindo uma nova forma
de conhecer e modificar o meio social.
Ao experienciar, o homem conhece. A experiência constitui, pois, um conjunto de realidades vividas pelo homem, realidades essas que possuem significados reais e concretos para ele e que funciona, ao mesmo tempo, como ponto de partida para mudança e crescimento, já que nada é acabado e o conhecimento possui uma característica dinâmica (MIZUKAMI, 1986, p. 44)
Mas se o homem é, em grande parte, uma construção social, é possível que uma
sociedade justa, através do aprendizado pelo contato direto, produza homens completos,
livres e felizes:
Para que os homens sejam morais, isto é, homens completos no sentido mais lato do termo, são necessárias três coisas: um nascimento higiênico, uma instrução racional e integral, acompanhada de uma educação baseada no respeito pelo trabalho, pela razão, pela igualdade e pela liberdade, e um meio social em que cada indivíduo, gozando de plena liberdade, seja realmente, de direito e de fato, igual a todos os outros (GALLO, APUD MOVIMENTO, 1996, p.63).
Ao lermos o pensamento de Sílvio Gallo, concluímos que, Bakunin reconhece
na educação a função de formar as pessoas de acordo com as necessidades sociais, o que
hoje chamamos de dimensão ideológica do ensino. E é isso que ele ataca na educação
trabalhada pelo sistema capitalista, cujo objetivo é perpetuar a sociedade de exploração.
Esta educação ensina os burgueses a explorar, dominando todos os conhecimentos
disponíveis e não vendo outro modo de vida e ensina as massas proletárias a
permanecerem dóceis à exploração, não se rebelando contra o sistema social injusto.
Ao falar da escola, os libertários dizem que ela passa por uma instituição
perversa, um aparelho de tortura que mutila alguns membros para moldar o homem
segundo seus injustos propósitos. Pois, ao em vez de ser “[...] uma escola que respeite a
criança tal qual é, e ofereça condições para que ela possa desenvolver-se em seu
processo de vir-a-ser”, que “ofereça condições que possibilitem a autonomia do aluno”
(MIZUKAMI, 1986, p. 47), a Escola visa outra coisa. Por ser ela de cunho capitalista
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ela não educa. A educação capitalista não forma um homem completo, mas um ser
parcial, comprometido com princípios definidos a priori e exteriores a ele. Em outras
palavras, a educação capitalista funda-se na heteronomia. Mas nem por isso ele deixa de
reconhecer que a educação também pode ser trabalhada de outra maneira, perseguindo
um objetivo oposto ao da educação capitalista:
Será preciso, pois, eliminar da sociedade toda a educação e abolir todas as escolas? Não, de modo algum; é preciso dispensar a mãos cheias a educação nas massas, e transformar todas as igrejas, todos estes templos dedicados à gloria de Deus e à submissão dos homens, em outras tantas escolas de emancipação humana. Mas, antes de tudo, entendamos: as escolas propriamente ditas, em uma sociedade normal, fundada sobre a igualdade e o respeito à liberdade humana, deverão existir apenas para as crianças, não para os adultos; e para que se convertam em escolas de emancipação e não de submissão, terão que eliminar toda essa ficção de Deus, o eterno e absoluto escravizador, e deverá fundamentar toda a educação das crianças e a instrução no desenvolvimento científico da razão, e não sobre a fé; sobre o desenvolvimento da dignidade e da independência pessoais, e não o da piedade e da obediência; sobre o culto à verdade e à justiça, e antes de tudo sobre o respeito humano, que deve substituir em tudo e por tudo o culto divino (GALLO, Apud MOVIMENTO, 1996, p.64).
A realização de uma educação com estas características não é, entretanto,
imediata e nem um pouco tranquila. Bakunin está consciente das dificuldades a serem
enfrentadas. Por um lado, com toda certeza a reação da sociedade capitalista a tal
projeto pedagógico seria radical. Tentaria ao máximo resguardar-se, não permitindo que
tal sistema educacional pudesse formar pessoas conscientes e críticas, livres e justas,
que não pudessem ser cooptadas pela sociedade de exploração, colocando-a em xeque.
Por outro lado, pelo efeito maléfico que esta sociedade exerceria sobre as próprias
pessoas ingressas das escolas que trabalhassem com essa perspectiva crítica e libertária.
E como a educação não se processa apenas na instituição escolar, mas na sociedade
como um todo, uma escola revolucionária não lograria alcançar plenamente seus
objetivos em uma sociedade reacionária. Aqui vem à luz a dialética social de Bakunin:
uma nova educação, somente, não constrói a nova sociedade. E nem a nova sociedade é
possível sem um novo homem, em cuja formação é de extrema importância uma nova
escola. No entanto, fundar uma nova escola no seio da velha sociedade, sem a
preocupação de organizar um trabalho revolucionário para transformar paulatinamente
as estruturas sociais, é condenar esta escola ao fracasso. Por isso, Bakunin (GALLO,
Apud, MOVIMENTO, 1996, p.65) escreve:
81
Se no meio existente se conseguissem fundar escolas que dessem aos alunos instrução e uma educação tão perfeitas quanto é possível hoje imaginar, conseguiriam elas criar homens justos, livres e morais? Não, porque ao sair da escola se encontrariam numa sociedade que é dirigida por princípios absolutamente contrários a essa educação e a essa instrução e, como a sociedade é sempre mais forte que os indivíduos, não tardariam a dominá-los, isto é, desmoralizá-los. Mais ainda, a própria função de tais escolas é impossível no atual meio social. Porque a vida social abarca tudo, invadem as escolas, as vidas das famílias e de todos os indivíduos que dela fazem parte.
Através destas afirmações, ela procura mostrar que, apesar de ter uma
participação fundamental no processo revolucionário, a escola não faz sozinha a
revolução. A sociedade não é mecânica. Se existe exploração porque não há
consciência, não basta que aos poucos eduquemos e conscientizemos as pessoas para
que a sociedade se transforme. Os caminhos sociais são mais complexos e obscuros.
Longe de ser um mecanismo simples e previsível, a sociedade é como já apontava
Proudhon (1975), um frágil e tênue equilíbrio entre uma multiplicidade de forças e o
meio social humano é muito mais próximo da imprevisibilidade. A educação
revolucionária e os trabalhos revolucionários de base, como a organização, por
exemplo, devem ser articulados, processados simultaneamente, para que se possam ter
esperanças de, aos poucos, ir conseguindo dar alguns passos no sentido da revolução
social que destruirá as bases da antiga sociedade, dando assim, início a reconstrução do
mundo exterior a partir de “[...] sua percepção, recebendo os estímulos, as experiências,
atribuindo-lhes significados” (MIZUKAMI, 1986, p. 41).
Outra diferença fundamental é a ênfase da Pedagogia Libertária na autogestão,
em especial nas suas interpretações pedagógicas não-diretivas. Sua maior preocupação é
formar homens livres e conscientes, capazes de revolucionar a sociedade. O conceito de
homem que fundamenta e permeia a concepção libertária da educação desemboca,
necessariamente, numa posição política, como já vimos e em, sobretudo, colocar a
criança no centro da escola e do fazer pedagógico. E, segundo Mizukami (1986, p. 48)
“[...], o princípio básico desta escola consiste na não interferência com o crescimento da
criança e de nenhuma pressão sobre ela”. O que não se pode fazer numa escola comum.
Como foi a experiência de Neill, que mostrou e provou sendo possível “[...] uma
escola se governar pelo princípio de autonomia democrática” (Idem, 1986, p. 48), uma
escola alternativa e onde as leis são estabelecidas por um parlamento escolar que se
reúne periodicamente. Neste âmbito, da Pedagogia Libertária, o professor kassick tem
82
muito a contribuir através da experiência que fez na “Escola Paidéia”, de Mérida na
Espanha. Para Menegotti, Kassick descobriu nesta escola, o espaço de convivência.
“Posso hoje chamar de espaço de educação em convivência” (2004), onde na ausência
de instrumentos convencionais de controle da Instituição Escola, as crianças e
adolescentes vivem e convivem em liberdade.
O estudo bibliográfico sobre o fazer pedagógico da escola paideiana, cuja
Associação foi fundada em Janeiro de 1978, é abordado pelo professor Kassick no livro
“A eX-cola Libertária”, sobretudo no primeiro capítulo. Segundo este autor
A Associação Pedagógica Paidéia preocupa-se em criar um ambiente favorável ao estabelecimento de novas relações entre adultos e crianças, por meio das quais a criança possa viver e desenvolver-se feliz, sem traumas e conflitos tão característicos da educação tradicional, presente na maioria das escolas do mundo, que rompe com o tipo de vida que a criança leva, para estabelecer o tipo de vida a que necessita se adequar (2004, p. 27).
Trata-se, para tanto, de um vislumbrar outro horizonte do saber pedagógico que
possibilite os pesquisadores na área “[...] evitar a ruptura entre o brincar e o aprender”
(KASSICK, 2004, p. 27), e por isso a organização em forma convivencial.
Numa sociedade como a nossa marcada pelos meios de comunicação de massa,
que têm como objetivo a padronização permitindo a ofuscação das identidades por mieo
da política globalizante, que nada mais é senão ilusória, imaginada, no dizer de Canglini
(2007) e por isso se criam personagens fantasmas sem às vezes, saberem elas próprias
quem são e de onde vieram, não há como não recorrer a novos métodos pedagógicos. É
precisamente aqui onde insere a “PAIDÉIA”: Educar para a singularidade.
Assim, segundo Kassick, o fazer pedagógico da Paidéia, “[...] é a característica
daquilo que chamamos de pedagogia libertária” (2004, p. 11). Para manter-se fiel a essa
perspectiva político-social de transformação, a pedagogia anarquista elege como
princípio político a autogestão operária. Para Kassick, não é senão uma forma “de criar
novas formas de organização dos trabalhadores na gestão da produção e da vida social”
(2004, p. 13). Tal princípio está intimamente relacionado com o conceito de autonomia.
Salienta-se aqui a questão de construir uma comunidade - fábrica, escola, sociedade e
família - na qual a gerência seja responsabilidade única e exclusiva dos indivíduos que a
compõem. Em outras palavras, a autogestão consiste na constituição de uma sociedade
83
sem Estado, ou pelo menos numa sociedade na qual o Estado não esteja organicamente
separado dela, como uma instância político-administrativa heterônoma.
O princípio da autogestão pode ser aplicado aos mais diversos âmbitos: à
administração de uma empresa ou de uma coletividade rural, a uma cooperativa de bens
e ou serviços, a um sindicato, a uma associação comunitária de bairro etc. Dentre as
muitas instituições que podem passar pela experiência da autogestão está à escola, por
ser justamente o lugar onde se desenvolveram as mais abrangentes facetas da
humanização ou não da sociedade.
A aplicação do princípio autogestionário à pedagogia envolve dois níveis
específicos do processo de ensino-aprendizagem: o aluno e o professor.
A auto-organização dos estudos por parte do grupo, que envolve o conjunto dos
alunos e de professores. Falando do papel do professor, ouçamos o que diz Mizukami,
(1986 p. 51-52):
O professor é, principalmente, uma personalidade única. É considerado como um único ser humano que aprendeu a usar-se efetiva e eficientemente para realização de seus próprios propósitos e os da sociedade, na educação dos outros. Daí não ser possível ensinar ao professor um repertório de estratégias de ensino. Cada professor, por sua vez desenvolverá seu próprio repertório, de uma forma única, decorrente da base perceptual de seu comportamento. [...] o professor não precisa necessariamente obter competências e conhecimentos.
O fato de não se exigir do professor competências e a aquisição do
conhecimento se justifica pelo fato de que ele é um mero facilitador do processo de
ensino e aprendizagem. E como já o frisamos, este processo tem como ponto de partida
e de chegada o aluno. É por isso que em todos os procedimentos para que decorra uma
educação eficaz “[...] dependerá do caráter individual do professor, como ele se inter-
relaciona com o caráter individual do aluno” (Idem, 1986, p. 52). Portanto, vemos mais
do que claro, em que consistirá a competência do professor e mais uma justificativa do
porque não se exige um domínio de conhecimento.
Metodologicamente falando na pedagogia libertária “cada educador eficiente,
por sua vez deve desenvolver um estilo próprio para facilitar a aprendizagem dos
alunos” (Idem, 1986, p. 53). Assim se possibilita aos alunos, por si mesmos, a serem
capazes de pesquisar os conteúdos, “[...] criticá-los, aperfeiçoá-los ou até mesmo de
substituí-los” (Idem, 1986, p. 54). A única exigência que se faz do professor consiste
84
exclusivamente “[...] na habilidade de compreender-se e de compreender os outros”
(MIZUKAMI, 1986, p.54).
Por outro lado, está o aluno que como temos vindo a afirmar: “[...] deve
responsabilizar-se pelos objetivos referentes à aprendizagem, que têm significados para
ele, e que, portanto, são os mais importantes. O aluno, portanto, deve ser compreendido
como um ser que se autodesenvolve e cujo processo de aprendizagem deve-se facilitar”
(Idem, 1986, p. 53).
Por consequência, podemos dizer que tanto num nível primário e toda a
comunidade escolar – família, serventes, secretários, diretores etc. Falando em um nível
secundário, além da formalização dos estudos, a autogestão pedagógica envolve o nível
de ação, mais geral e menos explícito, que é o da aprendizagem sócio-política que se
realiza concomitantemente com o ensino formal propriamente dito. Ou seja, a educação
é um ato sócio-político.
O homem livre não tem necessidade de autoridades para lhe guiar ou justificar seus atos; para a sua formação o mais importante é ajudar no desenvolvimento de usa personalidade livre. Implica que os educadores tenham a tarefa de promover a criatividade e que só merece o nome de escola o espaço que forma espíritos livres (SILVA, Apud, KASSICK, 2005, p. 12).
Ao ser anti-autoritária por definição, a educação anarquista sempre teve na
autogestão pedagógica seu foco central, implícita ou explicitamente. Não foi apenas o
anarquismo, porém, que assumiu a tendência autogestionária na educação. A autogestão
cabe a múltiplas interpretações políticas, do anarquismo mais radical até o liberalismo
laissez-faire francês, mais reacionário. Assim, muitas tendências pedagógicas acabaram
por assumir práticas total ou parcialmente ligadas ao princípio da autogestão, seja de
forma consciente, seja na sutil inocência ou ignorância, que tudo permite. A autogestão
está presente, pois, de Cempuis a Summerhill, do racionalismo pedagógico de Ferrer i
Guàrdia ao "escolanovismo" mais liberal, da pedagogia institucional às técnicas de
Freinet.
Sob o ponto de vista de Autogestão, a Pedagogia Libertária enfatiza que os
recursos no processo educacional devem ser controlados e administrados pelos
diretamente envolvidos: “[...] ao aluno consequentemente, deverá assumir
responsabilidade pelas formas de controle de sua aprendizagem, definir e aplicar os
critérios para avaliar até onde estão sendo atingidos os objetivos que pretende”
85
(MIZUKAMI, 1986, p. 56) e pela comunidade. Isto significa superar a dicotomia entre a
Igreja, o Estado e a Sociedade, bem como colocar a educação sob controle da sociedade,
da comunidade e dos sujeitos.
86
CAPÍTULO III - PAULO FREIRE E A CONSTRUÇÃO DE UMA PRAXIS
PEDAGÓGICA CONSCIENTIZADORA E LIBERTADORA
Apoiados produção pedagógica de Paulo Freire, a reflexão que ora propomos,
visa retomar os aspectos relevantes na teoria da Pedagogia Libertadora, articulando
aspectos teóricos com os práticos, vivenciados por meio de algumas palavras e
atividades que ele mesmo ousou chamar geradoras. Paulo Freire utilizou-se das
condições propícias no processo histórico brasileiro e latino-americano para, junto aos
“oprimidos”, realizar atividades que o marcariam para sempre entre os grandes
intelectuais da alfabetização de adultos na sociedade atual.
Justificando a nossa opção por este capítulo, diremos que, Paulo Freire em suas
obras apresenta proposições que se constituem em base para uma nova corrente no
pensamento educacional. As inovações a partir das suas produções conduzem a
mudança de paradigma, se referindo especialmente à forma de pensar os conteúdos na
alfabetização das classes populares, por meio de um contínuo retomar reflexivo de seus
próprios caminhos de libertação, criando e recriando esses caminhos, ou seja, fazer do
homem dono do seu próprio destino. Assim, pelo método da conscientização do
homem, a ação educativa passa a constituir uma relação dialética com a cultura, em um
tempo e um espaço específico imersos na realidade antropológica, propiciando captá-la
com crescente criticidade e, por isso, também liberdade.
De que forma a educação passaria a contribuir na formação desse sujeito crítico?
Romão (2001) enfoca que Freire considerava a historicidade como ferramenta básica
para a análise de qualquer fenômeno humano, entendendo o homem como um ‘ser de
relações’, aberto, transitivo, a base para elaboração da proposta, uma vez que a
realidade de cada sujeito transforma-se em ponte para conduzir o povo a participar e
deixar de ser massa.
Uma das características do homem é que somente ele é homem. Somente ele é
capaz de tomar distância frente ao mundo. Somente o homem pode distanciar-se do
objeto para admirá-la. Objetivando ou admirando – admirar se toma aqui no sentido
filosófico – os homens são capazes de agir conscientemente sobre a realidade
objetivada. É precisamente isto, a “práxis humana”, a unidade indissolúvel entre minha
ação e minha reflexão sobre o mundo. Num primeiro momento a realidade não se dá aos
87
homens como objeto cognoscível por sua consciência crítica. Até porque, o primeiro
contato com o mundo é sempre ingénuo, como diz Freire ( 1980, p. 26):
Num primeiro momento a realidade não se dá aos homens como objeto cognoscível por sua consciência crítica. Noutros termos, na aproximação espontânea que o homem faz do mundo, a posição normal fundamental não é uma posição crítica, mas uma posição ingênua. A este nível espontâneo, o homem ao aproximar-se da realidade faz simplesmente a experiência da realidade na qual ele está e procura.
Esta tomada de consciência não é ainda a conscientização, porque esta consiste
no desenvolvimento crítico da tomada de consciência. A conscientização implica, pois,
que ultrapassemos a esfera espontânea de apreensão da realidade, para chegarmos a uma
esfera crítica na qual a realidade se dá como objeto cognoscível e na qual o homem
assume um a posição epistemológica. E, então, fazemos convite a todos os amigos do
saber pedagógico a pôr-se à caminho neste percurso da ação educativa de Paulo Freire.
III. 1 Ação educativa e o processo de conscientização em Paulo Freire
Freire (1987, p.24) descreve o processo educativo como responsável pela
tomada dessa consciência, possibilitando ao educando “[...] inserir-se no processo
histórico como sujeito [...] na busca de sua afirmação”. Isto pode ser possível, somente
por meio de um distanciamento do homem em relação à realidade vivida. Alias, “[...] a
educação, como prática da liberdade, é um ato de conhecimento, uma aproximação
crítica da realidade” (FREIRE, 1980, p. 25). Assim, ele apresenta condições para refletir
e agir conscientemente no sentido de transformá-la pela ação e reflexão constituindo-se
em unidade dialética. Segundo Freire (1980, p.25).
Ao ouvir pela primeira vez a palavra conscientização, percebi imediatamente a profundidade de seu significado, porque estou absolutamente convencido de que a educação, como prática da liberdade, é um ato de conhecimento, uma aproximação crítica da realidade.
A conscientização é, neste sentido, um teste de realidade. Quanto mais
conscientização, mais se “desvela” a realidade, mais se penetra na essência fenomênica
do objeto, frente ao qual nos encontramos para analisá-lo. Por esta mesma razão, a
88
conscientização não consiste em “estar frente à realidade” assumindo uma posição
falsamente intelectual.
A conscientização não pode existir fora da “práxis”, ou melhor, sem o ato ação-reflexão. Esta unidade dialética constitui, de maneira permanente, o modo de ser ou de transformar o mundo que caracteriza os homens. Por isso mesmo, a conscientização é um compromisso histórico. É também consciência histórica: é inserção crítica na história, implica que os homens assumam o papel de sujeitos que fazem e refazem o mundo. Exige que os homens criem sua existência com um material que a vida lhes oferece (FREIRE, 1980, p. 26).
A conscientização não está baseada sobre a consciência, de um lado, e o mundo,
de outro; por outra parte, não pretende uma separação. Ao contrário, está baseada na
relação consciência – mundo. Tomando esta relação como objeto de sua reflexão
crítica, os homens esclarecerão as dimensões obscuras que resultam de sua aproximação
com o mundo. A criação da nova realidade, tal como está indicada na crítica precedente,
não pode esgotar o processo da conscientização. A nova realidade deve tomar-se como
objeto de uma nova reflexão crítica. Considerar a nova realidade como algo que não
possa ser tocado representa uma atitude tão ingênua e reacionária como afirmar que a
antiga realidade é intocável.
O processo de conscientização efetiva-se na medida em que se ultrapassa a
esfera espontânea da apreensão da realidade, dada inicialmente pela consciência
ingênua, alcançando uma esfera crítica, propiciada pela consciência crítica, na qual a
realidade se apresenta como objeto cognoscível e o homem reclama a si uma postura
epistemológica.
Para Paulo Freire (1980, p. 27) “[...] a conscientização, como atitude crítica dos
homens na história, não terminará jamais. Se os homens, como seres que atuam,
continuam aderindo a um mundo “feito”, ver-se-ão submersos numa nova obscuridade”.
A libertação a que se propõe a educação dialógica só pode ocorrer quando os oprimidos
passarem a ter consciência, pela práxis da opressão a que se encontram submetidos.
A conscientização, que se apresenta como um processo num determinado
momento, deve continuar sendo processo no momento seguinte, durante o qual a
realidade transformada mostra um novo perfil. Alías, a vocação humana encontra-se
centrada na sua humanização. Essa vocação é negada pela violência, injustiças, opressão
e exploração. O caminho para superação está na tomada de consciência, na afirmação
das lutas dos oprimidos pela liberdade, justiça, resgate da humanidade subtraída.
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Para o autor, uma pedagogia do oprimido deve partir do povo, ter embasamento
na sua realidade, construída e reconstruída com ele em contínuo processo de reflexão
sobre si. Esse movimento só pode existir dentro da práxis. Ou seja, no ato de ação-
reflexão, constituindo-se numa unidade dialética, com capacidade de transformação ou
permanência do modo de ser dos homens, uma vez que está embasada numa relação
consciência-mundo e com o compromisso histórico inerente ao próprio homem cria-se a
existência a partir das condições materiais que o meio lhe proporciona.
Paulo Freire entende que a alfabetização deve ser condizente com a formação de
um homem desperto, ativo, criativo na invenção e reinvenção própria de uma educação
crítica. A conscientização convida a assumir uma posição utópica frente ao mundo,
posição esta que o autor atribui a condição de converter o conscientizado em “fator
utópico”, uma vez que esse passa a denunciar a estrutura desumanizante e anunciar a
estrutura humanizante, pois a utopia exige um conhecimento crítico:
Para mim o utópico não é o irrealizável; a utopia não é o idealismo, é a dialetização dos atos de denunciar e anunciar, o ato de denunciar a estrutura desumanizante e anunciar a estrutura humanizante. Por esta razão a utopia é também um compromisso histórico (FREIRE, 1980, p.27).
Como o processo educativo pode possibilitar a restauração da humanidade para
os oprimidos, resgatar o valor da existência? A chave desse poder se encontra nas mãos
de quem alfabetiza pela conscientização. Esta é mais do que saber o que se passa ao seu
redor, é acima de tudo um processo histórico e neste sentido coloca Paulo Freire (1980,
p. 15):
No ato mesmo de responder aos desafios que lhe apresenta seu contexto de vida, o homem se cria, se realiza como sujeito, porque esta resposta exige dele reflexão, crítica, invenção, eleição, decisão, organização, ação [...]. Todas essas coisas pelas quais se cria a pessoa e que fazem dela um ser não somente adaptado à realidade e aos outros, mas integrado.
É isto que Paulo Freire entende por conscientização. É o homem se descobrindo.
Por outras palavras, diríamos que se trata do conhecer-se a si mesmo, segundo Sócrates,
na famosa expressão “conheça-te a ti mesmo”. É a luta para se descobrir a si próprio,
interrogando-se e buscando respostas aos seus desejos e inquietações e observações. A
conscientização não é especificamente o indivíduo conhecer uma realidade tal como ela
90
é, mas é um processo baseado na relação consciência-mundo. Entretanto, explora-se a
esse princípio ao se ter, de um lado, a consciência e, de outro, o mundo. A
conscientização consiste no desenvolvimento crítico da tomada de consciência. Desta
maneira, conscientizar significa adquirir sua própria liberdade, é libertar-se, porque é
daí que o homem percebe tudo que o cerca. Pois, como sabemos, a consciência humana
está bastante interligada com o mundo real, por isso a conscientização é a luta que os
homens travam para livrarem-se dos obstáculos que impedem uma boa percepção do
mundo cotidiano. A conscientização é um processo, e como tal, ele é lento, exigindo
muita paciência e trabalho, frente às comunidades.
A consciência envolve duas fases de fundamental importância, que
denominamos por: imagem e atividade. A primeira fase é o perceber, é ver, é formar um
corpo sobre qualquer objeto criado. Já a segunda fase é a práxis, é a atuação do homem
frente aos atropelos do cotidiano. É nesta fase que se concretiza a consciência social.
Com o passar do tempo, a atividade cotidiana transforma-se também num objeto de
consciência. É a partir daí que a humanidade torna conscientes todas as atividades de
pessoa para pessoa e, desta maneira, o homem conhece suas próprias ações. Sendo
assim, o processo de conscientização passa pela trilogia sujeito-atividade-objeto, porém
não se sabe a referência inicial do processo.
Para Paulo Freire, o processo de conscientização torna-se necessário ao fazer
educativo uma vez que as percepções humanas encontram-se fundadas em objetos reais
e ligados a elas, o sistema de sinalização, representado pelas expressões verbais. A
escrita apresenta-se vinculada a problematização e transcrição gráfica dessa realidade,
constituindo-se no que passou a ser denominado como subsistema de sinalização. E
neste processo, o analfabetismo se apresenta como entrave nesse processo, impedindo a
transposição deste “[...] sistema de sinalização verbal para o subsistema gráfico. A
montagem do subsistema deveria ser realizada pelo próprio educando, com os
instrumentos fornecidos pelo educador. Partia-se do fato de que o analfabeto não era
analfabeto na fala” (TERRA, 1994, p.155).
Desta maneira, “[...] o processo de alfabetização política – como o processo
linguístico – pode ser uma prática para a “domesticação dos homens”, ou uma prática
para sua libertação. [...] Daí uma ação desumanizante, de um lado, e um esforço de
humanização, de outro” (FREIRE, 1980, p. 27). A conscientização nos convida a
assumir uma posição utópica frente ao mundo, posição esta que converte o
conscientizado em “fator utópico”. Segundo Freire, o utópico não é o irrealizável; a
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utopia não é o idealismo, é a dialetização dos atos de denunciar e anunciar, o ato de
denunciar a estrutura desumanizante e de anunciar a estrutura humanizante. Por esta
razão, a utopia é também um compromisso histórico.
A utopia exige o conhecimento crítico. É um ato de conhecimento. Eu não posso denunciar a estrutura desumanizante se não a penetro para conhecê-la. Não posso anunciar se não conheço, mas entre o momento do anúncio e a realização do mesmo existe algo que deve ser destacado: é que o anúncio não é anúncio de um anteprojeto, porque é na práxis histórica que o anteprojeto se torna projeto. É atuando que posso transformar meu anteprojeto em projeto; na minha biblioteca tenho um anteprojeto que se faz projeto por meio da práxis e não por meio do blábláblá (FREIRE, 1980, p. 28)
A conscientização está evidentemente ligada à utopia, implica em utopia.
Quanto mais conscientizados nos tornamos, mais capacitados estamos para ser
anunciadores e denunciadores, graças ao compromisso de transformação que
assumimos. Mas esta posição deve ser permanente: a partir do momento em que
denunciamos uma estrutura desumanizante sem nos comprometermos com a realidade,
a partir do momento em que chegam à conscientização do projeto, sem deixarmos de ser
utópicos nos burocratizamos; é o perigo das revoluções quando deixam de ser
permanentes. Uma das respostas geniais é a da renovação cultural, esta dialetização que,
propriamente falando, não é de ontem, nem de hoje, nem de amanhã, mas uma tarefa
permanente de transformação.
Da consciência ingênua, onde o homem conhece pelo senso comum a realidade
vivida, à consciência crítica, momento da elaboração de juízos críticos existe o tempo
intermediário, que Paulo Freire denomina de histórico, ou seja, sócio-cultural-histórico.
Entre o anteprojeto e o momento da realização ou da concretização, há um tempo que se denomina tempo histórico; é precisamente a história que devemos criar com nossas mãos e que devemos fazer; é o tempo das transformações que devemos realizar; é o tempo do meu compromisso histórico. [...] Somente podem ser proféticos os que anunciam e denunciam, comprometidos permanentemente num processo radical de transformação do mundo, para que os homens possam ser mais. Os homens reacionários, os homens opressores não podem ser utópicos. Não podem ser proféticos e, portanto, não podem ter esperança (FREIRE, 1980, p. 28)
A conscientização é isto: tomar posse da realidade; por esta razão, e por causa da
radicação utópica que a informa, é um afastamento da realidade. A conscientização
92
produz a desmitologização. É evidente e impressionante, mas os opressores jamais
poderão provocar a conscientização para a libertação: como desmitologizar, se eu
oprimo? Ao contrário, porque sou opressor, tenho a tendência a mistificar a realidade
que se dá à captação dos oprimidos, para os quais a captação é feita de maneira mística
e não crítica. O trabalho humanizante não poderá ser outro senão o trabalho da
desmistificação. Por isso mesmo a conscientização é o olhar mais critico possível da
realidade, que a “desvela” para conhecê-la e para conhecer os mitos que enganam e
ajudam a manter a realidade da estrutura dominante.
Freire concebe a alfabetização como um processo que conduz o alfabetizando a
construir seu subsistema de sinalização gráfica. Esta, é um processo que
necessariamente utiliza o diálogo e a reflexão permeados pela análise e síntese, ação e
reflexão dos homens sobre o mundo, para transformá-lo, pois, nenhuma realidade
transforma-se a si mesma, mas a partir da “emersão da consciência” do sujeito.
Alfabetizar pela conscientização consiste no desvelar de conceitos e atitudes,
construção de conhecimentos partindo do próximo para o amplo. Esse processo só
acontece mediante a consistência presente no movimento do pensamento dialético,
partindo de uma situação que Freire denominou como codificada, tendo lugar na
dimensão do real representada na própria existência do indivíduo.
A conscientização passa a exigir sua descodificação pelo processo reflexivo,
onde, conforme Freire (1980, p.31), o “[...] código é representado por meio de uma
situação existencial, o descodificador tende a passar da representação à situação muito
concreta na qual e com a qual trabalha” levando os indivíduos a se portarem de maneira
diferente, crítica frente à realidade objetiva, pois se torna conhecida.
O homem estabelece relações com a realidade e, através dessas, chega a ser
sujeito, se integrando, respondendo aos desafios. Paulo Freire (1980, p.35) especifica
que “[...] a resposta que um homem dá a um desafio muda o próprio homem cada vez
um pouco mais e, sempre de modo diferente”, ativando a consciência do
desenvolvimento futuro de suas experiências. E por meio da descodificação os homens
passam a revelar sua visão de mundo e dela sugerem os temas geradores, reveladores do
pensamento sobre sua realidade, presentes em seu diálogo, declarados pela palavra.
Os motivos e aspirações contidos nas temáticas significativas são históricos,
como o próprio homem, encarnando a realidade à qual se insere. Paulo Freire (1980,
p.33), menciona que a “temática implica na procura do pensamento dos homens” que
estão situados no tempo e no espaço. Esse fato estimula a reflexão retornar depois as
93
partes. A codificação no método toma forma de uma fotografia ou desenho que
representa a realidade. A projeção leva os alunos a se distanciarem do objeto
cognoscível, passando a refletir sobre o mesmo para, a partir dessa descodificação,
chegar a um nível crítico de conhecimento tendo como base sua experiência no
“contexto real”. A descodificação é assim, a operação que conduz os sujeitos
conhecedores a perceberem as relações entre os elementos da codificação e entre os
fatos que a situação real apresenta relações que antes não eram percebidas.
A existência, porque humana, não pode ser muda, silenciosa, nem tampouco
pode nutrir-se de falsas palavras, mas de palavras verdadeiras, com que os homens
transformam o mundo. “[...] Existir humanamente é pronunciar o mundo, é modificá-lo.
O mundo pronunciado, por sua vez, se volta problematizado aos sujeitos pronunciantes,
a exigir deles novo pronunciador” (FREIRE, 1987, p.78).
Para esse fim, a prática dialógica deve servir de instrumento ao educando e ao
educador, por meio do conteúdo identificado com o processo de aprendizagem, num ato
de amor e criação compartilhados, não de imposição.
O trabalho pedagógico realiza-se a partir de um educador e um alfabetizando em
uma relação de A com B, mediatizados pela objetividade, em que o professor se
pergunta “[...] em torno de que vai dialogar” (FREIRE, 1987, p.82). Começa da
realidade com leitura de sinalizações, de vocábulos, fonemas e frases. Fernandes
Cardoso, citado por Antónia Terra (1994, p. 158), especifica que de acordo com esse
método da seguinte maneira: “Cabe ao professor fazer perguntas à classe, para que surja
o diálogo. Estabelecendo o diálogo [...] poderá o professor fazer a classe induzir,
empregando [...] as etapas [...] do método indutivo: observando, associando às que eles
já sabem, comparando e depois abstraindo”. Isto implica uma prática totalmente,
contrária a educação bancária.
A forma de se efetivar a dialogocidade materializa-se por meio de palavras
geradoras, essenciais ao aprendizado de uma língua alfabética. O principal não é a
quantidade de vocábulos, mas, o vínculo estabelecido com esse aprendizado tendo por
base o trabalho realizado mediante um conceito antropológico de cultura, com o qual,
torna-se possível realizar a distinção entre o mundo da natureza e o da cultura. O papel
do alfabetizador não é falar ao povo sobre a sua visão de mundo numa tentativa de
imposição da cultura, mas dialogar sobre ambas.
O essencial, em um processo como esse para Paulo Freire (1987, p.88), é
conhecer o “[...] pensamento-linguagem referido à realidade, os níveis de percepção
94
dessa realidade, a sua visão de mundo”. Partir dessa perspectiva é aceitar cada ser
humano em sua individualidade e, com suas potencialidades, trilhar juntos, professor e
aluno, o caminho da transformação através de temas geradores. Constituídos como a
semente da educação libertadora.
Paulo Freire (1980, p. 43) descreve os procedimentos inerentes ao trabalho
pedagógico desenvolvido em sucessivas fases. Inicialmente partindo das palavras
geradoras devendo emergir da procura pelo universo vocabular da clientela a ser
atendida. A seleção das palavras deve obedecer a critérios da “[...] riqueza silábica [...]
das dificuldades fonéticas [...] do conteúdo prático da palavra”. A este respeito, o
professor Jarbas Maciel vê que estes critérios estão contidos no critério semiológico:
A melhor palavra geradora é aquela que reúne em si a porcentagem mais alta de critérios sintáticos (possibilidade ou riqueza fonética, grau de dificuldade fonética complexa, possibilidade de manipulação de conjuntos de signos, de sílabas, etc.), semânticos (maior ou menor intensidade de relação entre a palavra e o ser que designa), poder de conscientização que a palavra tem potencialmente, ou conjunto de reações socioculturais que a palavra gera na pessoa ou no grupo que a utiliza (Ibidem).
As situações desafiadoras identificadas no grupo com o qual se trabalha são as
situações codificadas, determinadas pelas palavras geradoras, abarcando em si
elementos que possibilitam sua descodificação pelos grupos. Com a colaboração do
coordenador, que já possui fichas dando suporte para o debate nos círculos de cultura,
essas situações favorecem condições para a análise de problemas nacionais e regionais.
Os ‘homens que aprendem a ler’, como são chamados os alunos de alfabetização
por Freire, participam primeiramente de discussões girando em torno de si, como seres
individuais concretos, que passam a reconhecerem-se como criadores de cultura. A
aprendizagem torna-se uma tomada de consciência do real e, só pode acontecer pela
conscientização para o reconhecimento do mundo da natureza e da cultura, em que o
homem transforma a natureza e cria sua cultura. Descobre-se que a falta de
conhecimento é relativa e a ignorância absoluta não existe.
Freire descreve os atos que marcam o processo de aprendizagem, determinados,
primeiramente, pela apresentação da situação que envolve a primeira palavra geradora,
que é apresentada como objeto. Após a análise esgotada é apresentada a palavra
geradora, sem o objeto, não se busca a memorização, uma vez que se “[...] estabelece
um laço semântico entre a palavra e o objeto a que se refere” (FREIRE, 1980, p.44-45).
95
A seguir, apresenta-se a mesma em sílabas e, delas, estruturam-se as famílias silábicas
que compõem as palavras em estudo, descobrindo-se os mecanismos de junções
fonêmicas. As vogais são trabalhadas com a elaboração de uma ficha de descobertas
sobre as combinações fonéticas. O aluno, “[...] assumindo este mecanismo de maneira
crítica e não pela memorização – o que não seria uma apropriação [...] começa a
estabelecer por si mesmo seu sistema de sinais gráficos” (FREIRE, 1980, p.45).
Se para a Pedagogia Libertária o instrumento de transformação social é uma
educação fora dos sistemas existentes, como veremos, para Paulo Freire, a mudança é
possível pela Alfabetização. Pois ela é o encontro de sujeitos para a “pronúncia do
mundo”, para sua transformação e, quem transforma é o homem, por meio de sua
práxis, em uma relação histórica, dialética concretizando a educação para a liberdade. A
consciência do futuro como condição desejada de possibilidades, mudanças e inovações
abraçando a alfabetização e a educação como um todo em instrumento de transformação
social torna-se cada vez mais necessária e urgente. Realizar uma prática educativa tendo
como fim conscientização da massa, para que venha a se tornar povo, conhecedor das
riquezas culturais, sociais, humanas, geográficas, pessoais, geram como consequência
mudanças, adesões, libertações.
O grande número de informações a que se submete diariamente a população
torna-se desafiador, na medida em que muitos homens ainda se encontram no nível de
consciência que Freire traduziu como “mágica”, e a universalização do conhecimento
exige a consciência crítica. A prática com as palavras geradoras torna-se fonte para
reflexão e apropriação do conhecimento ampliado, uma vez que, simultaneamente, se
transformam alfabetizador, alfabetizando e, consequentemente, a comunidade.
Essa realidade implica na formação de um professor alfabetizador consciente de
sua incompletude, e de trazer para a sala de alfabetização o compromisso na construção
da história de cada sujeito. Dessa forma, a efetivação dessa prática acontece mediante o
envolvimento dos alunos do Programa Alfabetização Solidária, de ex-alunos, ex-
alfabetizadores e pessoas da comunidade beneficiadas pelo mesmo.
Paulo Freire (1992, p.11) mostra claramente a sua convicção sobre a necessidade
da esperança e do sonho para a existência humana e a necessária luta para fazê-la
melhor. Segundo ele, a esperança é uma necessidade ontológica, pois sem um mínimo
de esperança não podemos sequer começar o embate. Ter esperança é acreditar na
capacidade de transformar a realidade. Trata-se de um modo excelente de sair na
desesperança, pois "[...] enquanto necessidade ontológica a esperança precisa da prática
96
para tornar-se concretude histórica". Assim, explica a necessidade de uma educação da
esperança, pois "[...] como programa, a desesperança nos imobiliza e nos faz sucumbir
no fatalismo onde não é possível juntar as forças indispensáveis ao embate recriador do
mundo" (FREIRE, 1992, p. 10).
Uma das tarefas do educador ou educadora progressista é desvelar as
possibilidades para a esperança, não importam os obstáculos. A pedagogia da esperança
faz-se também necessária para o enfrentamento das "situações-limites", ou seja: os
obstáculos e barreiras que precisam ser vencidas ao longo de nossas vidas pessoais e
sociais. As pessoas têm várias atitudes frente a essas situações-limites: "[...] ou as
percebem como um obstáculo que não podem transpor; ou como algo que não querem
transpor; ou ainda como algo que sabem que existe e precisa ser rompido e então se
empenham na sua superação" (Idem, 1992, p. 205).
A esperança faz-se necessária, portanto, para romper essas "situações-limites" e,
ao assumir uma postura crítica frente ao mundo, negar o dado, em ações de superação
denominadas por Freire de "atos-limites". Através desses atos-limites, transpõe-se a
fronteira entre "o ser e o ser mais", ampliando a liberdade dos oprimidos e descobrindo
o "inédito-viável". O inédito-viável é uma coisa inédita, que o sonho utópico sabe que
existe, mas que só será possível a partir da práxis libertadora, quando a partir da
reflexão-ação se derrubam as situações-limites que nos limitam a "ser menos".
Paulo Freire nos alerta que, sem poder negar a desesperança como algo concreto
e sem desconhecer as razões históricas, econômicas e sociais que a explicam, não
podemos prescindir da esperança na luta por um mundo melhor. Com essas primeiras
palavras nos convida à leitura de sua Pedagogia da esperança: um reencontro com a
pedagogia do oprimido, a qual, segundo ele mesmo, organiza-se em três momentos.
No primeiro momento fala "[...] das tramas da infância, da mocidade, dos
começos da maturidade" (FREIRE, 1992, p. 12), em que foi sendo pensada a obra
Pedagogia do oprimido. Fala de como aprendeu a escrevê-la: primeiro falando dela,
falando das situações em que suas ideias foram sendo gestadas.
A escrita de Pedagogia do oprimido tem a ver com tempos vividos na infância e
na adolescência, como se todos fizessem parte de uma trama maior e nós não
percebêssemos as ligações entre eles. É o saber crítico que dá sentido às velhas tramas e
nos permite realizar "ligaduras" e "soldaduras" que dão razão de ser às memórias vivas
que nos marcam. "[...] Os momentos que vivemos ou são instantes de um processo
97
anteriormente iniciado ou inauguram um novo processo de qualquer forma referido a
algo passado" (FREIRE, 1992, p. 28).
Relembra nesse primeiro momento a experiência vivida no trabalho do SESI5,
fala de sua preocupação com as relações família-escola, da busca do diálogo para
refletir sobre as consequências políticas de uma relação pais-filhos baseada no castigo.
Ou seja: de como construir relações democráticas, vivendo uma relação familiar
autoritária. Assim, baseando-se em estudos de Piaget sobre o código moral da criança e
sua representação mental do castigo, o grupo então constituído realizou uma série de
debates com os professores e com as famílias sobre a questão da disciplina, "[...]
defendendo uma relação dialógica, amorosa, entre pais, mães, filhas, filhos, que fosse
substituindo os castigos violentos" (Idem, 1992, p. 25). Foi num desses encontros
que ocorreu uma situação que Freire considerou culminante no aprendizado ao respeito
do "saber de experiência feita". Somente a transcrição desse relato é capaz de traduzir o
significado dessa situação. Essa, entre outras tantas "tramas" contadas, ilustram a
profundidade da reflexão realizada por Freire nesse primeiro momento da pedagogia da
esperança, em que nos dá mostras da rigorosidade necessária para percebermos
criticamente a importância do senso comum e de toda a aprendizagem nele contida.
No segundo momento de Pedagogia da esperança, Paulo Freire (1992, p. 67) vai
retomar alguns aspectos da pedagogia do oprimido e analisar algumas críticas feitas a
ela nos anos 70. Entre elas, a marca machista com a qual foi escrita. Ao receber as
primeiras cartas que o criticavam por estar condicionado pela ideologia machista,
reagiu: "[...] Ora, quando falo homem, a mulher necessariamente está incluída".
Entretanto, reconhece sua dívida a essas mulheres que o fizeram ver o quanto a
linguagem tem de ideologia e que, portanto, a recriação da linguagem como recusa à
ideologia machista faz parte do processo de mudar o mundo, ao alcance de nossas
possibilidades.
No terceiro e último momento da obra, Freire repensa - e de certa forma revive -
a Pedagogia do oprimido, sem, contudo assumir uma posição saudosista. Aborda, entre
tantas outras, a questão do medo que inibe os oprimidos no embate necessário à
recriação, um medo causado por motivos concretos. Atribui às lideranças a tarefa de
"imunização" desse medo, através da leitura crítica permanente da realidade e da
5 Serviço Social da Indústria.
98
construção de ações estratégicas que viabilizem que se faça no futuro o que hoje não é
possível.
Paulo Freire nos fala, em sua obra “Pedagogia da Esperança”, do papel da
educação para a compreensão da história como possibilidade, em oposição à visão
pragmática neoliberal de futuro como inexorável. Nessa perspectiva, a esperança é
elemento fundamental para se recuperar a utopia como sonho possível e
compreendermos o futuro, assim como o presente e o passado, como fruto das opções e
decisões humanas. Sem ter tido a pretensão de esgotar a abundância de ideias
trabalhadas nessa obra, destacamos propositadamente alguns trechos, a fim de despertar
a "curiosidade epistemológica”. Portanto, a leitura de Pedagogia da esperança é, no
mínimo, uma leitura emocionante a qual, particularmente, qualificaríamos de
apaixonante. Sem dúvida, um referencial básico a qualquer educador ou educadora que
se pretenda progressista. A lembrança sempre viva de Paulo Freire e de sua convicção,
sobre a necessidade da esperança, certamente nos auxiliará a unir as forças necessárias
para nos inscrevermos na luta cotidiana através de uma educação conscientizadora, por
um mundo melhor!
III. 2 A formação ética do professor e o processo dialógico em sala de aula
Ao investigar sobre a importância da formação ética do professor, nos
deparamos com as seguintes questões: quais são os requisitos necessários para que uma
prática pedagógica possa torne-se ética? Que benefícios essa prática pedagógica
promoverá na formação dos educandos? Porque ela se torna também um ato político?
Ao tentar resolver essas questões, defendemos a ideia de que a prática
pedagógica pode torna-se moral e ética quando o professor assume uma postura
democrática em sala de aula,
No sistema democrático existe a crença na dignidade essencial de todos os indivíduos. E cada um é considerado como um fim em si mesmo, sem distinção de sexo, raça, classe social ou condição econômica. Cada indivíduo é um microcosmo por suas capacidades e se um deles se pauperiza, a sociedade da qual é membro também se pauperiza. Cada homem é a medida de si mesmo e, por isso, os professores devem incentivar a iniciativa, a auto-realização e a perseverança (NISKIER, 2001, p. 43).
99
Quando isso acontece, a educação torna-se também um ato ético, moral,
político e democrático, sobretudo. Isso porque, para ser um ato pedagógico a mesma
deve partir de um processo transformador da pessoa humana. Não no sentido de adaptá-
la às exigências e interesses da sociedade atual, como já dissemos anteriormente. O fato
de o professor possuir maior autoridade em relação a seu aluno, não quer dizer que deva
exercer sua função de forma autoritária. Ele deve respeitar a liberdade e a dignidade de
seus alunos. Ele deve ter a plena consciência de que todo “[...] o educador, que aliena a
ignorância, se mantém em posições fixas, invariáveis. Será sempre o que sabe, enquanto
os educandos serão sempre os que não sabem. A rigidez destas posições nega a
educação e o conhecimento como processo de busca” (FREIRE, 2005, p. 67). É por isso
que a prática pedagógica deve ser integradora e libertadora rumo ao progresso e
realização do homem. Assim, a educação torna-se também um ato político, pois, nesta
perspectiva, o trabalho educativo é essencialmente político quando é transformador.
Assim sendo, pretendemos discutir agora a necessidade de se estabelecer um
processo dialógico em sala de aula, seus requisitos e exigências, tais como humildade,
simplicidade, clareza e objetividade e coerência. É por meio do diálogo que será
possível desenvolver nos participantes a capacidade de posicionar-se criticamente diante
das exigências da sociedade atual. Essa, por sua vez, vem permeada de acontecimentos
e informações, na maioria das vezes disseminadas pela mídia, as quais buscam iludir e
direcionar os sujeitos a um determinado fim. Com o poder exercido pelos meios de
comunicação de massa, somados à grande facilidade em receber informações referentes
aos diferentes campos do saber, muitas pessoas estão tornando-se incapazes de refletir
sobre os fatos que as cercam.
No contexto como este, as pessoas ficam à mercê de ideologias que, de alguma
forma, vêm a torná-las alienadas e submissas à suas formas de pensar e aos seus
interesses. Alias a comunicação em rede, por exemplo, vem criando novos padrões de
relacionamento e imprimi um novo tipo de vida ao homem, como diz José J. Brunner
(Apud, TEDESCO, 2004, p.21):
Por um lado, a extensão, intensidade, velocidade e impacto que adquirem os fluxos, interações e redes globais obrigam todos os países a repensar o vínculo entre educação e política, economia, sociedade e cultura. Por outro lado, a constituição de um sistema tecnológico de sistemas de informação e telecomunicações facilita esses processos e gera novos contextos dentro dos quais deverá se desenvolver, de agora em diante, a formação das pessoas.
100
Para isso, é necessário superar o senso comum, onde as informações são
automaticamente assimiladas pelo sujeito, assumindo uma postura crítica e reflexiva
sobre as mesmas. Em vista disso, a educação deve ajudar o aluno a compreender as
artimanhas dos discursos midiáticos que muitas vezes são autênticos simulacros da
realidade e por isso, enganadores. Os sujeitos devem ser capacitados para que possam
questionar e interagir criticamente com os acontecimentos e informações do seu
cotidiano. Para Franco Cambi (1999, p.571):
O fim primário da educação é o de fazer conhecer a verdade em relação aos diversos graus de escala do saber, além de desenvolver a capacidade de pensar e de juízo pessoal, em relação ao qual se encontra subordinado o fim secundário, que é o de assegurar a transmissão da herança de uma cultura. Nessa perspectiva humanista, mas não naturalista, a educação deve ser liberal e para todos, ou seja, orientada para a sapiência, centralizada na humanidade, visando a desenvolver nos espíritos a capacidade de pensar com retidão e desfrutar a liberdade e a beleza.
Para tanto, os educandos não devem ser vistos como meros receptores de
informações, e, sim, como agentes ativos na construção de seus próprios
conhecimentos. A educação é, neste caso, um elemento fundamental para desabrochá-lo
das potencialidades dos sujeitos, desenvolvendo, nos mesmos, a capacidade que cada
homem tem de buscar: aquela de ser mais gente. Isto é, de reconhecerem-se como
homens em sua vocação ontológica e histórica de humanização. Reconhecer que seus
conhecimentos e o dos outros não são autossuficientes e únicos, que é preciso deixar de
aceitar tudo de forma passiva como verdadeiro, tornando-se mais crítico e reflexivo em
relação aos problemas que os envolvem. No processo pedagógico, tem-se a educação
como um ato ético que deve ser necessariamente humanizador. Isso somente é possível,
por meio de uma prática pedagógica democrática. A educação baseada apenas na
memorização de conteúdos não prepara os alunos para serem sujeitos ativos no mundo,
mas os transformam em meros receptáculos, espectadores e imitadores desses. Ela não
sujeita, no sentido de colocar a disposição ao educando a possibilidade de criar,
construir, admirar e aventurar-se. Porém, num processo democrático, desenvolvido por
meio de uma prática dialógica, os alunos possuem liberdade e são instigados a se
expressar, criticar, problematizar e comparar opiniões, desenvolvendo neles a
capacidade de pensar por si mesmos. Essa metodologia, ao ser executada, além de
101
resultar em um ato político, pois direciona o sujeito à sua humanização, também dispõe
de uma formação ética por parte do professor.
Segundo Elli Benincá (2002, p.109-113) “[...] o poder constituído do professor
em relação a seus alunos produz certa desigualdade entre esses dois pólos”. Todavia,
esse poder vem em decorrência de que a instituição em que os mesmos estão inseridos,
possuir clara e legitimamente certa diferenciação de papéis: professores, coordenadores,
diretores e assim por diante. Nesse caso, o professor sobre o aluno. Essa legitimidade do
poder do professor sobre seus alunos acontece apenas na instituição escola. Fora dela,
esse poder não existirá mais. Isso vem em decorrência, de a autoridade que um
indivíduo conserva sobre o outro não acontecer voluntariamente, mas automaticamente,
por exigências da posição que ele ocupa. Com isso, não há possibilidade alguma de uma
pessoa, que possui maior poder numa determinada instituição, exercer esse poder nas
demais.
O fato de o professor possuir maior autoridade em relação a seu aluno, não
quer dizer que deva exercer sua função de forma autoritária. Como foi recém salientado,
o poder que um indivíduo tem sobre outro não é de origem pessoal, mas institucional.
Ou seja, ao desempenhar seu papel o professor obterá uma maior autoridade em relação
a seus alunos. Mas isso não quer dizer que ele deva desenvolver suas aulas de forma
autoritária, visto que a instituição dá o poder e o compromisso, mas não obriga ninguém
a agir de forma autoritária. Assim, o professor tem a autoridade de escolher se
desenvolverá suas aulas de forma autoritária ou democrática. É por isso que, fazendo
eco às ideias de Paulo Freire, Vera Maria Candau (1999, p. 102) afirma que o novo
educador deve encarar a educação como problematização:
A educação assim encarada é aquela que propicia desenvolver nos alunos o seu poder de captação e compreensão do mundo como realidade em processo, pensando-o e a si mesmo, sem dicotomizar este pensar da ação. A prática educativa problematizadora propõe aos homens a sua própria situação como um problema (um desafio) a ser encarado, visando à transformação. É, pois, uma educação conscientizadora na medida em que convida à tomada de uma posição dialética frente ao mundo, a transformar os homens em fazedores da realidade, da história. É uma educação que convida à busca que começa no próprio homem e suas relações com o mundo – realidades inseparáveis – e se prolonga na reconstrução da realidade.
102
A prática pedagógica assim deve ser democrática e valorizada pela maioria
dos professores, alunos, pais e a sociedade em geral pelo fato de não ser mais uma
prática pedagógica apenas, mas uma prática pedagógica ética. Ética de modo a dar
liberdade para que o aluno encontre por si mesmo respostas à determinadas questões,
possibilitando-o o desenvolvimento de uma postura crítica e autônoma ao relacionar-se
e defrontar-se com problemas que provirão de seu mundo exterior. É antiético quando o
professor, apenas por possuir um nível de autoridade superior a de seus alunos, se
apresente como autoridade incontestável, detentor de todo o conhecimento, evitando
qualquer tipo de opinião vinda de seus alunos. “[...] Não é ético transferir a objetividade
da relação assimétrica entre professor-aluno para uma relação antidialógica na
apropriação dos saberes” (BENINCÀ, 2002, p.115). Isso porque, o aluno tornar-se-á um
mero receptor de informações, incapaz de desenvolver suas próprias ideias sobre um
determinado problema, devido a sua inabilidade em analisar e buscar saberes mais
adequados àquele transmitido pelo professor. Essa prática pedagógica autoritária,
nomeada por Paulo Freire de educação bancária, não é ética, pois fere com uma das
principais especificidades humanas: a humanização. Segundo ainda Paulo Freire (2005
p. 71-72):
Esta concepção bancária implica, além dos interesses já referidos, outros aspectos que envolvem sua falsa visão dos homens. Aspectos ora explicitados, ora não, em sua prática. Sugere uma dicotomia inexistente homens-mundo. Homens simplesmente no mundo e não com o mundo e com os outros. Homens espectadores e não recriadores do mundo. Concebe a sua consciência como algo especializado neles e não aos homens como corpos conscientes.
Isso acontece pelo fato de o homem ser o único ser, no qual conhecemos e
sabemos ser capaz de aperfeiçoar constantemente seus conhecimentos. Mas para isso,
precisa-se de um ambiente favorável, para que essas características se desenvolvam, o
que não acontece na educação bancária. Essa educação não leva em conta as exigências
e procedimentos necessários para o desenvolvimento da consciência crítica.
A expressão utilizada por Paulo Freire (2005, p. 72), para designar uma
metodologia em que o professor se considera o transmissor do saber, encarregado de,
simplesmente, repassar seus conhecimentos para os alunos. Ou seja, “[...] o de encher os
educandos de conteúdos. É o de fazer depósitos de comunicados – falso saber – que ele
considera como verdadeiro saber”, mas que na verdade não passam de verdadeiros
103
ignorantes. Em vista disso, como e o que fazer para que o aluno consiga fazer a sua
própria leitura de mundo, de forma crítica e independente, por meio de uma educação
em que o professor não valoriza as opiniões de seus alunos, ou, até mesmo, não dá
espaço para que eles se expressem? Uma prática pedagógica com esse perfil inviabiliza
a possibilidade de desenvolver nos alunos a capacidade de pensarem por si mesmos e a
ter autonomia em relação às exigências ideológicas vindas de seu mundo exterior.
Dessa forma, o aluno deixa de intervir na história para tornar-se um mero
espectador, ou melhor, ele deixa de ser um sujeito ativo e transformador para ser um
sujeito passivo, apenas adaptando-se as exigências da sociedade. O educando torna-se,
de princípio, dependente do educador e, em segundo momento, da ideologia dominante
decorrente da sociedade capitalista, devido a ele não ter sido educado de forma que
pudesse posicionar-se criticamente frente a esses interesses. Tendo em vista isso, o
diálogo passa a ser o a priori de uma participação efetiva do sujeito na sociedade.
É por meio da educação democrática que será possível desenvolver no
educando a capacidade de interagir criticamente com o mundo. É baseando-se numa
prática pedagógica dialógica, onde todos têm a liberdade de se expressar, criticar,
problematizar e comparar opiniões, que se desenvolverá nos educandos à capacidade de
pensar por si mesmo. Dessa forma, eles terão maior habilidade em distinguir
criticamente o que é bom do que é ruim o que é proveitoso do que não é ao se
depararem com o grande número de informações e imagens apresentadas diariamente
por grande parte da mídia.
A metodologia baseada apenas na transmissão de conhecimentos aliena os
alunos, excluindo desses a capacidade que cada um deles tem de buscar ser mais. Isto é,
de reconhecer que como homens “[...] não podemos mudar o mundo, mas podemos
mudar o que acontece no nosso mundo, na escola e no nosso lar. Há sim uma saída, só
depende de cada um de nós” (QUEIROZ, 2010, p.81). De reafirmar que seus
conhecimentos bem como os que têm sobre o mundo dos outros não são auto-
suficientes e únicos, que é preciso deixar de aceitar tudo de forma passiva como
verdadeiro, tornando-se mais críticos e racionais ou reflexivos em relação aos
obstáculos que os envolvem e circundam ou enfrentam na sua cotidianidade. Essa
educação baseada apenas na memorização de conteúdos não liberta os alunos a serem
sujeitos ativos no mundo e a serem, sobretudo construtores do mundo em que vivem.
Ela não garante ao educando a possibilidade de sonhar e criar o mundo cada vez mais
humano. Mas, ao contrário, ela desumaniza, pois o aluno aprende apenas a repetir o que
104
os outros fazem, sem usar aquilo que somente os seres humanos dispõem à capacidade
reflexiva, ou seja, racional.
De acordo com Elli Benincá, essa prática pedagógica traz várias consequências
para a formação atual do aluno, bem como seu despreparo para enfrentar seus
problemas futuros. Mediante essa metodologia, o aluno não desenvolve a capacidade de
posicionar-se criticamente diante das exigências da sociedade atual. Ele apenas se
habitua a aceitar tudo como verdadeiro, tornando-se submisso e manipulado pelos
interesses da classe dominante.
III. 3 A problemática da educação bancária: possibilidades de superação
Mas quais serão os motivos de a grande maioria dos professores se basearem
na concepção bancária de educação para desenvolverem suas aulas? Será que o objetivo
desses professores é adequar seus alunos às exigências da sociedade? Eles trabalham
com a concepção bancária pelo fato de possuírem interesses próprios? Tais professores
não estão interessados em formar alunos ativos e reflexivos capazes de pensarem por si
mesmos? E se estão, porque eles desenvolvem suas aulas por meio dessa metodologia
alienadora? Onde está o problema? Está na própria formação desses educadores? Está
em não terem consciência das consequências que tais práticas pedagógicas podem
promover nos alunos? Por não terem o conhecimento de como desenvolver uma prática
pedagógica humanizadora, baseada nos princípios de uma prática dialógica? Muitas
outras perguntas poderiam ser feitas.
Independente dos motivos que atualmente levam grande parte dos professores
a executarem suas aulas por meio de uma metodologia na qual o educando é
considerado um mero receptor de informações, ainda é tempo para conscientizá-los da
importância da prática pedagógica democrática na formação dos educandos. Os
professores devem estar cientes de que a prática pedagógica, para ser ética, deve tornar-
se um processo de conquistas que engendra a humanização e a libertação dos seres
humanos. Mas, para que essa metodologia não fique apenas na teoria, os professores
devem, também, ter o conhecimento dos requisitos necessários para que essa prática
pedagógica possa ser executada de forma eficiente.
O diálogo, entendido aqui como um dos meios necessários para o
desenvolvimento da autonomia de pensamento, pode ser utilizado como uma prática
105
pedagógica que envolva não só o ensino de filosofia, por exemplo, mas qualquer
disciplina. O diálogo pressupõe o pronunciamento dos dialogantes, independente da
disciplina em que fazem parte. O importante é que haja o confronto de ideias entre os
sujeitos envolvidos. Ele é um processo dialético entre as consciências que se anunciam
e pronunciam. O pronunciamento revela a intimidade do ser e expõe o dialogante um
contra o outro. Contudo, não basta apenas pronunciar, é preciso haver entre os sujeitos
envolvidos a disponibilidade de receber o anúncio. Caso contrário, o diálogo cederá
lugar ao monólogo. A riqueza do diálogo reside na capacidade de o ouvinte acolher os
anúncios dos demais participantes do processo.
Para que uma prática dialógica possa ser executada com sucesso é preciso
primeiramente que o professor evite a doutrinação de ideias. Os estudantes devem se
sentir livres para expressarem seus pensamentos e opiniões sem que sejam reprimidos
por afirmações inquestionáveis vindas do professor.
Quando um professor pretende saber tudo, as crianças ficam com a impressão de que o conhecimento consiste em respostas – algo fora de si mesmo e que precisa ser memorizado – em vez de algo a ser descoberto e criado (LIPMAN, 1994, p. 134).
No momento em que os alunos perceberem que suas ideias não serão
oprimidas e criticadas, que o conhecimento não é algo acabado e estático, mas ao
contrário, que o conhecimento está em constante transformação, eles, sentir-se-ão
encorajados a expressar suas ideias e as assumirão livre e responsavelmente. Todavia,
mesmo que o professor deva respeitar e valorizar as opiniões dos alunos para que se
possa estabelecer um dialogo democrático em sala de aula, ele deve, ao mesmo tempo,
manter a relevância da discussão. Caso contrário, pode-se cair no espontaneísmo onde
qualquer resposta é válida, comprometendo, por completo, a investigação, o
conhecimento e a ciência.
Para que os alunos possam participar e interagir nas aulas, o professor deveria
se possível, desafiá-los a expor seus juízos ao problema em questão. Os jovens
precisariam de educadores flexíveis e questionadores para que se deem conta de que o
conhecimento não é um produto e sim um processo. Os educandos deveriam se sentir
motivados e provocados a darem suas contribuições, estimulando-os a pensar e a
julgarem por si mesmos, garantindo uma postura humana e investigativa. Pois, de
acordo com Elli Benincá (2002. p. 23), para que um debate tenha melhor êxito o
106
professor deve antes fornecer materiais para que os alunos pesquisem e se preparem
previamente para a discussão.
O trabalho de grupo só pode acontecer quando os alunos já fizeram seus estudos preliminares individuais; do contrário, essa atividade transforma-se em conversa estéril e perda de tempo. O trabalho de grupo que não tenha uma preparação prévia é altamente negativo do ponto de vista educativo, pois consagra a superficialidade como uma prática pedagógica, além de transformar esta numa estratégia sutil para manter o aluno inconsciente, isto é, oprimido.
Se o professor incentivar os alunos a realizarem observações, pesquisas e
leituras prévias, os mesmos terão melhores condições de participar de uma discussão,
devido já terem adquirido um conhecimento introdutório daquilo que será discutido.
Essa preparação antecipada é positiva ao tentar desenvolver uma prática dialógica em
sala de aula, pelo fato de o aluno já vir para a escola com uma série de questões e de
problemas a ser direcionado ao professor, onde caberá a esse efetuar ou não essa prática.
Caso contrário, se o professor levaria para análise um tema ainda não pertencente ao
mundo do aluno, haveria uma grande probabilidade de que viesse a acontecer o tipo de
ensino narrativo e “bancário”.
O diálogo não deve ser considerado apenas uma estratégia pedagógica, mas
um princípio educativo. A prática pedagógica baseada nos princípios dialógicos
desenvolve constantemente, tanto no educador como no educando, as habilidades
cognitivas. Ao desenvolver essa prática vêm à tona perguntas e exigências de respostas
ainda não pensadas pelos sujeitos envolvidos, levando-os a não se acomodar com seus
conhecimentos até então adquiridos. Eles são incentivados a buscar novos saberes e
mais adequados a altura das indagações preestabelecidas e não só. Por esse motivo, o
diálogo no ambiente acadêmico e pedagógico torna-se uma atitude desafiadora que
possibilita o desenvolvimento real das potencialidades humanas.
Matthew Lipmam (1994, p. 44) parte do pressuposto de que a reflexão,
entendida aqui como condição para o pensar crítico, é motivada pelo diálogo. Nesse
sentido, ele afirma:
Quando as pessoas se envolvem num diálogo, são levadas a refletir, a se concentrar, a levar em conta as alternativas, a ouvir cuidadosamente, a prestar muita atenção às definições e aos significados, a reconhecer alternativas nas quais não havia pensado anteriormente e, em geral,
107
realizar um grande número de atividades mentais nas quais não teria se envolvido se a conversação não tivesse ocorrido.
Quando o professor se limita apenas a transmitir, pura e simplesmente, os seus
conhecimentos sobre um determinado assunto, acabam por não despertar, em grande
parte dos alunos, o interesse em participar de forma discursiva nas aulas. Isso porque a
curiosidade do aluno em relação ao tema proposto se desenvolve com mais facilidade
quando há um problema a ser resolvido e não quando há uma simples transmissão de
informações. Quando isso acontece, um número significativo de alunos encontra-se
distraído e sem entender a origem e os significados daquilo que está sendo mencionado.
Não que o professor em momento algum possa transmitir seus conhecimentos aos
alunos. Porém, o que não pode faltar é o levantamento de questões sobre o assunto que
está em pauta. Os professores, as instituições, os pais devem promover políticas que
levem os alunos se questionar sobre o porquê das coisas e a se desafiarem, para que,
dessa forma, possam a elaborar por si mesmos, seus próprios saberes, além de conseguir
acompanhar o andamento da aula.
Entre os já referidos, há outros requisitos também determinantes para a
eficácia da estratégia pedagógica do diálogo em sala de aula. Essas exigências estão
presentes tanto nos professores quanto nos alunos. Tendo em vista isso, numa
perspectiva panorâmica, o professor precisa ter: conhecimento dos temas em debate,
liderança democrática, metodologia de trabalho, disponibilidade e desejo de
crescimento. Além disso, os alunos também exercem um papel fundamental no
desenvolvimento de uma prática dialógica. Por esse motivo, exige-se do aluno leitura
intensa e participação no processo dialógico.
Para que o debate possa ser executado com eficiência, é preciso,
primeiramente, que o professor tenha conhecimentos gerais e específicos do tema em
debate. Além da disposição em acolher os anúncios dos sujeitos participantes, é preciso
que ele tenha a compreensão das relações do núcleo temático com o contexto e com
outros temas. Para que a discussão seja executada com maior relevância o professor
deve ser capaz de descobrir e estabelecer as relações que definem a trama do tema em
foco e dessas com o contexto. Caso contrário, se o professor não tiver uma visão ampla
e crítica sobre o conteúdo em análise, essa prática poderá se tornar uma mera soma de
informações.
108
III. 4 A Dialogicidade como motriz no agir pedagógico
Ainda que a pedagogia de Paulo Freire (2005, p. 33) seja contrária à atitude
opressiva, a dialogicidade não pode ser entendida com superficialidade permissiva.
Mas, sim, como uma luta pela libertação.
Esta luta somente tem sentido quando os oprimidos, ao buscarem recuperar sua humanidade, que é uma forma de criá-la, não se sentem idealistamente opressores, nem se tornam, de fato, opressores dos opressores, mas restauradores da humanidade em ambos. Aí está a grande tarefa humanista e histórica dos oprimidos – libertarem-se a si e aos opressores.
Para não haver mal entendido, é preciso distinguir os conceitos de pressão e
opressão. A atitude opressiva processa-se no fato de o opressor não permitir a liberdade
de crescimento dos alunos, enquanto a prática educativa que pressiona, desafia o aluno
com vistas a sua independência e criatividade, tornando-se uma prática de libertação. A
libertação é entendida, neste caso, não como aceitabilidade total das informações dos
alunos e, sim, como um objetivo a ser alcançado. É preciso manter a relevância da
discussão, mas ao mesmo tempo é necessário que a prática pedagógica não seja
opressora. Ela deve ser entendida como uma prática didaticamente libertadora. Para
isso, não pode deixar de ser desafiadora, no sentido de tirar o aluno de sua acomodação
e provocá-lo para o debate mediante técnicas de cobrança em sala de aula.
Além dos requisitos exigidos do professor, as atitudes dos alunos exercem
grande influência no desenvolvimento ou não do processo dialógico em sala de aula.
Isto é, o aluno também deve se comprometer para que o diálogo possa vir a acontecer.
Para o aluno é, muitas vezes, mais cômodo esperar que o conhecimento venha pronto do
professor, por meio de uma educação que não exija do mesmo o esforço em expor suas
opiniões ao assunto proposto em aula. Porém, ele precisa aprender a se organizar,
realizando as tarefas propostas pelo professor. Além do mais, os alunos devem se
habituar ao estudo que vá além das atividades realizadas em sala de aula, por meio de
pesquisas e leituras complementares, como bem frisou Paulo Freire (2005, p. 34).
A nossa preocupação, neste trabalho, é apenas apresentar alguns aspectos do que nos parece constituir o que vimos chamando de pedagogia do oprimido: aquela que tem de ser forjada com ele e não para ele, enquanto homens ou povos, na luta incessante de recuperação de sua humanidade. Pedagogia que
109
faça da opressão e de suas causas objeto da reflexão dos oprimidos, de que resultará o seu engajamento necessário na luta por sua libertação, em que esta pedagogia se fará e refará.
Outro aspecto importante, para que a sala de aula se torne um ambiente
propício para o diálogo, é a elaboração da experiência da aula (memória de aula). A
memória de aula é uma prática de extrema importância na formação dos educandos. Ela
deveria ser uma metodologia a ser desenvolvida por todos os professores. Por meio da
memória de aula, além de o aluno sistematizar os saberes que tiveram presentes em um
determinado período de tempo, seja de 45 ou de 90 minutos, o professor obterá o
conhecimento do nível de compreensão do aluno sobre o tema trabalhado. É na
memória da aula que o aluno irá detectar as principais dúvidas. Ou seja, é no momento
da sistematização que o mesmo irá dar-se conta do que entendeu ou o que é preciso
rever e ir levantando questões no próprio relatório ou fazer uma nova pesquisa para
poder, individualmente, buscar respostas às suas dificuldades. Além disso, essa prática
desenvolve no aluno a capacidade de síntese, de escrita, de coerência argumentativa,
promovendo uma maior compreensão sobre o conteúdo trabalhado.
Essa elaboração da experiência da aula dará condições ao professor de
conhecer o aluno, bem como seu nível de compreensão sobre os conteúdos trabalhados.
O professor obterá o conhecimento das dificuldades e facilidades de seus alunos, não
apenas no momento em que realizar uma prova, tirando conclusões mediante os erros e
acertos no final de cada conteúdo, mas antes mesmo de tais avaliações. Assim, o
professor poderá detectar o que precisa ser mais bem trabalhado e os alunos que
precisam de uma melhor atenção, além de ter um conhecimento avançado da evolução
dos mesmos durante as aulas. Elli Benincá (2002, p. 31) salienta que:
Se a memória é demasiadamente importante para o aluno e, também, para o professor, pois o mesmo terá no final do período letivo, um registro preciso e substancioso da evolução do aluno nas diferentes perspectivas de crescimento. É claro, também, que revelará as limitações e deficiências dos alunos e da própria pratica pedagógica do professor.
Tendo em vista todas as informações até então expostas, podemos deduzir que,
se tivermos alunos participativos e professores compromissados com a investigação
serão capazes de estabelecer atitudes de diálogo com as diferentes opiniões expressas
110
em aula. E, assim, evitarão a doutrinação de ideias e depositando confiança nos alunos e
será possível formar cidadãos capazes de pensar por si mesmos. Além disso, se sentirão
motivados a encontrar soluções para a construção de um mundo melhor e a deixar de
aceitar maneiras de pensar e agir impostas pela sociedade, que, de certa forma, alienam
e dirige os indivíduos a um determinado fim. É mediante a prática pedagógica baseada
nos princípios éticos do diálogo que será possível a construção de seres humanos livres,
responsáveis, fraternos e solidários. Com isso, essa prática pedagógica torna-se também
um ato político por direcionar o sujeito à sua plena humanização.
Por tudo quanto ficou dito devemos salientar com toda a clareza que se trata de
possibilidades e não de certezas da realização subjetiva.
III. 5 A afetividade enquanto motriz da práxis pedagógica
O segundo aspecto que destacamos neste capítulo é o Afeto. É
importantíssimo o papel que ocupa a afetividade no processo vivo de construção de uma
educação engajada, politizada, ética e critica como vimos salientando no trabalho.
Devido algumas lacunas que encontramos nas obras de Paulo Freire, sobre o assunto em
questão recorremos a outros autores, para termos uma visão mais ampla do grande papel
que a afetividade desempenha no fazer pedagógico. A educação mantém viva a
memória de um povo, dando condições à sobrevivência. Por meio da educação cada
indivíduo vai obtendo consciência da importância da sua participação e presença no
mundo, assumindo reflexões que transformam pensamentos em atitudes, capacitando-os
a pensar, ver e julgar. Entende-se por isso como de suma importância o estudo da
emoção ou do afeto.
Devemos estudar a emoção como um aspecto tão importante quanto a própria inteligência e que, como ela, está presente no ser humano. A emoção deve ser entendida como uma ponte que liga a vida orgânica à psíquica. É o elo necessário para a compreensão da pessoa como um ente completo (ALMEIDA, 1999, p. 12).
O processo de aprendizagem se inicia através das interações subjetivas em um
maior grau de autonomia em relação aos diversos sentimentos emocional ou
afetivamente despertados. Entretanto o desenvolvimento afetivo torna-se primordial no
processo de aprendizagem, pois viabiliza as interações pertinentes ao conhecimento e a
111
subjetividade através da qualificação do ato de aprender que inclui necessariamente a
presença do docente e do discente.
Na psicologia contemporânea, por exemplo, tem-se claro a necessidade de
considerar de forma integrada o desenvolvimento da afetividade com uma gama de
fatores da natureza humana, ressaltando em especial a importância do cognitivo.
Alguns autores, dentre eles, Alicia Fernandez (1991), Heloysa Dantas (1992),
Snyders (1993), Codo e Gazzotti (1999) dentre outros, defendem que o afeto é
indispensável na atividade de ensinar. Estes entendem que as relações entre ensino e
aprendizagem são movidas pelo desejo e pela paixão e que, portanto, é possível
identificar e prever condições afetivas favoráveis que facilitam a aprendizagem.
Algumas pesquisas, como por exemplo, as realizadas por Pinheiro (1995);
Almeida (1997), Pereira (1998), Tassoni (2000), Silva (2001), Negro (2001) também
vêm contribuindo para a discussão da relevância da dimensão afetiva na constituição do
sujeito e na construção do conhecimento. Tendo como pressupostos básicos as teorias
de Wallon e Vygotsky, tais pesquisas, em linhas gerais, buscam identificar a presença
de aspectos afetivos na relação professor-aluno e as possíveis influências destes no
processo de aprendizagem.
Mas, não se pode negar que, dentre os fenômenos psicológicos, os afetivos
apresentam uma grande dificuldade de estudo, tanto no que se refere à conceituação,
como também quanto à metodologia de pesquisa e de análise. Na literatura encontra-se,
eventualmente, a utilização dos termos afeto, emoção e sentimento, aparentemente
como sinônimos. Entretanto, na maioria das vezes, o termo emoção encontra-se
relacionado ao componente biológico do comportamento humano, referindo-se a uma
agitação, uma reação de ordem física. Já a afetividade é utilizada com uma significação
mais ampla, referindo-se às vivências dos indivíduos e às formas de expressão mais
complexas e essencialmente humanas.
Paulo Freire, na sua obra “A Pedagogia da Autonomia”, chama atenção da
afetividade por estar no centro de toda e qualquer ação pedagógica. Ele denota-a como
uma condição sem a qual não se realiza o processo ensino-aprendizagem. Nesta obra
podem-se entrever varias dimensões da afetividade, tais como: cuidado, qualificação,
interesse, empatia, amorosidade, amizade, amor indiferenciado, amor diferenciado,
promoção, nutrição, proteção, vínculo e todo o desdobramento ético e estético
decorrente da experiência em relação direta com o educando, no processo educativo, na
promoção do potencial humano, do potencial crítico, político e criativo existencial do
112
educando. Portanto, o movimento afetivo para Freire atravessa a teoria e a prática
pedagógica na construção da Pedagogia da Autonomia. A ética e a estética é a vivência
mesma dessa afetividade nos caminhos da ação pedagógica.
Edina Castro de Oliveira (Apud FREIRE, 1999) no prefácio do livro a
Pedagogia da Autonomia, salienta que a centralidade da obra versa fundamentalmente
na ética, no respeito à dignidade e à própria autonomia do educando.
A educação moderna está em crise, porque não é humanizada, falta o afeto e
separa o pensador do conhecimento, o professor da matéria, o aluno da escola.
Apoiamo-nos nas palavras de Tânia D. Queiroz (2010, p. 9-10) que afirma:
Atualmente, sem que notássemos, o ato de educar se tornou uma tarefa muito árdua para os pais e professores. As dificuldades parecem não ter fim, e a impressão que temos é a de que todo o processo educacional não funciona mais como nos velhos tempos. Nos nossos tempos parece que as crianças e os jovens conspiram o tempo todo contra nós [...] O cenário chega a ser desanimador, cansativo, precário, absurdo, repleto de inúmeros conflitos, angústias, disputas, aflições, depressões, frustrações, insatisfações, culpas, incompensações e medos.
De uma maneira geral, ao reler esta fala de Queiros, poderíamos dizer que nas
escolas, os alunos experimentam diversos afetos, como por exemplo, o prazer de
conseguir realizar algo pela primeira vez, tristeza ao saber da doença de um amigo,
raiva ao discutir com o professor que não os entendeu ou compreendeu nas suas atitudes
ou gestos, palavras e também com os colegas. Além disso, podem gostar ou não de seus
professores, sentirem-se felizes quando seus companheiros de sala os aceitam e ou
culpados quando não estudam o suficiente. Mas dificilmente se pergunta o porquê desta
ou daquela atitude dos alunos. O que estará faltando? A resposta a esta pergunta se
encontra naquilo que Ana Rita Silva Almeida (1999, p. 11) vai chamar de ausência da
preocupação das escolas, dos professores na área da afetividade.
A falta de preocupação com a área da afetividade revela-se como uma cortina no estudo da criança. A escola, que ainda continua à margem dos estudos sobre o desenvolvimento infantil, desconhece as relações entre os aspectos afetivos, motor, pessoal e cognitivo, se limitando a prover este último.
113
Assim, cientes da importância do estudo deste fenômeno para o maior proveito
possível do processo ensino aprendizagem, pretendemos neste item rever a influência e
a relação da afetividade no âmbito da ação pedagógica.
Mas afinal o que é a afetividade? Ela é uma variável preocupante, pois em
tempos atuais parece que os professores visam somente o conteúdo programático
curricular, e não se preocupam com o relacionar a afetividade neste conteúdo. Eles se
esquecem que para que ocorra o processo de ensino e aprendizagem pode ser urgente
lançar mão à afetividade. O que chamaríamos de interação entre ensinar/aprender e a
afetividade.
Afetividade é um termo utilizado para designar e resumir não só os afetos em
sua acepção mais estrita, mas também os sentimentos ligeiros ou matizes de sentimentos
de agrado ou desagrado, enquanto o afeto é definido como qualquer espécie de
sentimentos e ou, emoção associada a ideias ou aos complexos de ideias. Em Psicologia
os afetos costumam ser classificados em positivos e negativos. A afetividade positiva se
refere ao tipo de emoções positivas tanto de alta energia, entusiasmo e excitação, como
de baixa energia, calma e tranquilidade. O prazer e a alegria também são exemplos da
afetividade positiva. Já a afetividade negativa se refere a emoções negativas como a
ansiedade, a raiva, o rancor, a culpa e a tristeza.
O processo de ensino-aprendizagem precisa abranger a prática de ensinar
através das relações construídas em sala de aula, e na relação com o professor. Portanto,
a didática é uma ferramenta essencial para o desenvolvimento da pessoa como um todo:
inteligência, padrões de comportamento moral, afetividade, relacionamento familiar e
social. O processo de aprendizagem pode se realizar através de um forte relacionamento
interpessoal entre alunos e professores, alunos e alunas, professores e professoras,
enfim, entre alunos, professores e direção. Cria-se, assim, um clima afetivo,
responsável, em muitos aspectos, pelo sucesso (ou fracasso) da aprendizagem. “[...]
Essa dimensão humana do processo de aprendizagem interessa muito de perto a
didática, mesmo que em alguns momentos de sua história esta dimensão tenha sido
completamente esquecida” (MASSETTO, 1997, p.14).
O caminho para a prática pedagógica está fundamentado na maneira como o
professor ensina, ou seja, a didática. É através da postura pessoal do professor que
poderá trazer para a sala de aula conteúdos significativa que desenvolverá vínculos de
relacionamentos harmoniosos e despertará nos alunos um envolvimento e o prazer por
aprender. É através das praticas cognitivas pedagógicas humanizantes e afetivas que
114
possibilita as transformações individuais e coletivas, às mudanças de destinos,
propiciando uma aprendizagem libertadora de conteúdos padronizados.
A escola deve dar ênfase ao desenvolvimento social, moral e afetivo, tendo
como elementos fundamentais no processo de construção do conhecimento e
pensamento, durante o processo ensino e aprendizagem. Sendo um dos grandes desafios
da educação favorecer o desenvolvimento intelectual em equilíbrio ao desenvolvimento
afetivo, para que a criança aos poucos possa conquistar sua autonomia intelectual,
afetiva e moral, prolongando-a para a vida social.
Educar é uma tarefa árdua que exige uma disposição interna do professor na
prática pedagógica. O objetivo do educador é estimular e cultivar nos educandos a
capacidade de comportamentos adequados, além de transmitir conteúdos científicos e
saberes que formarão o nível intelectual do educando. Assim, proporciona aos alunos
situações de interação que levam a uma real tomada de consciência, como diz Paulo
Freire (1999). Até porque, para os Parâmetros Curriculares Nacionais:
[...] a escola não é apenas lugar de reprodução de relações de trabalho alienadas e alienantes. É também, lugar de possibilidade de construção de relações de autonomia, de criação e recriação de seu próprio trabalho, de reconhecimento de si, que possibilita redefinir sua relação com a instituição, com o Estado, com os alunos, suas famílias e comunidades, através da interação (BRASIL, 2001, p.32).
A capacitação do corpo docente é de grande importância e requer constante
organização e reorganização dos saberes. É dever de o professor estar a par dos
acontecimentos da escola, tanto na dimensão dos problemas quanto dos eventos
ocorrentes, comemorações, reuniões, sendo o professor parte importante da alma viva
da escola. Para tanto é imprescindível que o corpo docente seja sempre ativo e
participativo.
A tarefa da educação é exatamente promover o crescimento, ajudar o
indivíduo a tornar-se pessoa, ampliando seu valor e fazendo-o consciente de da sua
existência no meio social, moral, cívico, político, econômico, religioso e até mesmo
geográfico. Assim, a relação professor-aluno não pode ser reduzida só ao processo
cognitivo de construção do conhecimento. É necessário também envolver dimensões
afetivas e de motivação de ambas as partes. Requer a união entre sensibilidade social e
eficiência pedagógica.
115
Paulo Freire ao fazer uso da afetividade, anuncia a solidariedade como forma de
luta, capaz de promover e instaurar a “ética universal do ser humano”, o que vai
permear também o processo educativo. Ele ressalta que formar é muito mais que
puramente treinar o educando no desempenho de destrezas. Falando da ética universal
do ser humano, Freire é firme em colocar a exigência ética do trabalho docente, da qual
não podemos escapar.
Não se trata da ética do mercado, e sim da ética que condena o cinismo, a exploração, a perversão hipócrita da pureza em puritanismo, a discriminação da raça, do gênero, da classe, na atividade pedagógica e social. O melhor para lutar por ela é vivê-la. Em nossa prática, testemunhá-la (FREIRE, 1999, p.12).
Como podemos ver, a prioridade, em Paulo Freire, é a dimensão vivencial da
prática pedagógica, como testemunha de uma ética universal e comprometida com a
formação humana dos excluídos. Afirma o dever do preparo científico situado
criticamente também nessa dimensão ética e sem dissociação de uma coisa com a outra.
A prática educativa enquanto prática humana é absolutamente ética. A razão
afetiva e fundamental de tais atitudes se enraíza na dimensão metafísica do ser humano.
Segundo Paulo Freire, trata-se da vocação ontológica para o “ser mais” e da sua
natureza constituindo-se social e historicamente, como presença no mundo como algo
original e singular, uma Presença no mundo, com o mundo e com os outros. Este ser
que Freire configura amorosamente traz as seguintes exigências para o educador: “[...] É
no domínio da decisão, da avaliação, da liberdade, da ruptura, da opção, que se instaura
a necessidade da ética e se impõe a responsabilidade. A ética se torna inevitável e sua
transgressão possível, é um desvalor, jamais uma virtude” (Idem, 1999, p. 20).
Exorta-se ao professor que esteja consciente de que a presença no mundo tanto
dele quanto do aluno deve ser consciente e não se pode escapar à responsabilidade ética
que influi impreterivelmente a afetividade ao seu mover-se no mundo. Somos
desafiados a afirmar, com Paulo Freire (1999), que todos os homens são seres
condicionados por fatores genéticos e sociais, mas não determinados como queria fazer
a ideologia neoliberal que tinha como finalidade imobilizadora do ser humano,
neutralizadora de seu potencial político.
Muitas vezes somos movidos pelo impulso em direção ao prazer. Por isso, ao
viver um sentimento doloroso, como a raiva ou o medo, é natural reagirmos
116
impulsivamente destruindo o objeto ou a situação que provocou tal dor. Entretanto, ao
fazê-lo, não temos consciência de estar também destruindo a fonte do prazer, do amor.
É neste momento em que o sujeito necessita de tutela - outro sujeito já cuidado que vai
estabelecer os limites necessários, impedindo-o de destruir a sua fonte de amor, no
nosso caso o professor ou pedagogo. Esse sujeito condutor e que toma cuidado, em
nome do afeto que sente pela criança, adolescente e jovem. E vai ajudá-lo a não destruir
a própria fonte de amor, impedindo-o de agir em nome da raiva ou do medo que possa
vir do seu interior ou do exterior.
Tenho direito de ter raiva, de manifestá-la, como motivação para minha briga tal qual tenho o direito de amar, de expressar meu amor ao mundo, de tê-lo como motivação de minha briga porque, histórico, vivo a história como tempo de possibilidade e não de determinação. Meu direito à raiva pressupõe que, na experiência histórica da qual participo, o amanhã não é algo pré-dado, mas um desafio, um problema. A minha raiva, a minha justa ira, se funda em minha revolta em face da negação do direito de “ser mais” inscrito na natureza dos seres humanos (FREIRE, 1999, p. 84).
Não se pode impedir que a criança, o adolescente, jovem ou adulto manifeste
estes sentimentos. Deve-se permitir a manifestação do sentimento, porém impedir atos
que aliviem apenas momentaneamente a dor do sentimento de desprazer. Os exemplos e
descrições anteriores demonstram como a afetividade faz parte do processo de ensino-
aprendizagem, não se podendo desconsiderá-la.
Vale dizer que os sentimentos e emoções do aluno precisam ser levados em
conta, já que podem favorecer ou desfavorecer o desenvolvimento cognitivo – com o
qual está intimamente relacionado desde que o bebê vem ao mundo. Por isso, refletir
sobre a Pedagogia ou a ciência da educação é trazer à consciência todas as descobertas
que durante gerações estão sendo estudadas e transmitidas às pessoas. Já o afirmamos
neste sentido que “[...] ensinar não é transferir conhecimentos, conteúdos nem formar é
ação pela qual um sujeito criador dá forma, estilo ou alma a um corpo indeciso e
acomodado” (FREIRE, 1999 p.23).
Engelmann (1978), por exemplo, faz uma profunda revisão terminológica quanto
às variações semânticas, ao longo do tempo, das palavras e conceitos relacionados com
as emoções, os sentimentos, os estados de ânimo, a paixão, o afeto e os estados afetivos,
em diversos idiomas (francês, inglês, alemão, italiano e português). Esperava conseguir
clarear e precisar as peculiaridades de significado de cada termo que, frequentemente,
117
são usados como sinônimos. Tinha a intenção de corrigir o caráter vago e a inadequação
de seus usos, incluindo as próprias teorias psicológicas.
Concluiu que a maioria dos que investigaram ou pensaram a respeito dos
fenômenos em discussão reconhecem a necessidade de estabelecer distinções entre eles,
mas não há concordância a respeito de tal diferenciação. "[...] O fato, contudo, não é tão
grave. Diversos autores podem discordar quanto à maneira de denominar certos
fenômenos, ao mesmo tempo em que existe um consenso quanto àquilo que está sendo
tão mal denominado" (ENGELMANN, 1978, p. 38).
Segundo o autor, "[...] os primeiros vocábulos a serem usados em obras teóricas
referentes aos fenômenos em questão são precursores da palavra portuguesa paixão"
(ENGELMANN, 1978, p. 23). Todos eles, inicialmente, carregavam um significado
ligado a sofrimento, dor, infelicidade, desgraça, mas foram sofrendo sucessivas
transformações semânticas, atribuídas principalmente à variação de idiomas. As
primeiras transformações destituíram o caráter negativo do termo, agregando ao seu
significado, não só os estados de medo, cólera e vergonha, como também amor e calma.
Outra transformação semântica veio a ser consolidada por Descartes, que trouxe um
sentido de passividade ao termo paixão (em francês, ‘passion’).
Assim, diante dessa evolução histórica, os termos relacionados aos fenômenos
afetivos foram sofrendo transformações conceituais, observando-se uma variação
dependendo do autor e do idioma a ser considerado.
Apesar das dificuldades de conceituação que vêm acompanhando,
historicamente, os fenômenos afetivos, tem-se destacado com clareza que tais
fenômenos referem-se às experiências subjetivas, que revelam a forma como cada
sujeito "[...] é afetado pelos acontecimentos da vida ou, melhor, pelo sentido que tais
acontecimentos têm para ele" (PINO, 1998. 128). Defende que os fenômenos afetivos,
portanto, revelam como cada acontecimento da nossa vida repercute no íntimo de cada
sujeito. Destaca que, de todos esses acontecimentos, os mais importantes são, sem
dúvida, as reações e as atitudes das outras pessoas em relação ao indivíduo:
Assim sendo, parece mais adequado entender o afetivo como uma qualidade das relações humanas e das experiências que elas evocam [...]. São as relações sociais, com efeito, as que marcam a vida humana, conferindo ao conjunto da realidade que forma seu contexto (coisas, lugares, situações, etc.) um sentido afetivo (Idem, 1998, p. 130-131).
118
Embora os fenômenos afetivos sejam de natureza subjetiva, isso não os torna
independentes da ação do meio sociocultural, pois é possível afirmar que estão
diretamente relacionados com a qualidade das interações entre os sujeitos, enquanto
experiências vivenciadas. Dessa maneira, pode-se supor que tais experiências vão
marcar e conferir aos objetos culturais um sentido afetivo.
Segundo Henry Wallon, a emoção é o primeiro e mais forte vínculo entre os
indivíduos. É fundamental observar o gesto, a mímica, o olhar, a expressão facial, pois
são constitutivos da atividade emocional.
Henry Wallon (1971, p. 262), dedicou grande parte de seu trabalho ao estudo da
afetividade, adotando, além disso, uma abordagem fundamentalmente social do
desenvolvimento humano. Busca, em sua psicogênese, articular o biológico e o social.
Atribui às emoções um papel de primeira grandeza na formação da vida psíquica,
funcionando como uma amálgama entre o social e o orgânico. As relações da criança
com o mundo exterior são, desde o início, relações de sociabilidade, visto que, ao
nascer, não tem:
Meios de ação sobre as coisas circundantes, razão porque a satisfação das suas necessidades e desejos tem de ser realizada por intermédio das pessoas adultas que a rodeiam. Por isso, os primeiros sistemas de reação que se organizam sob a influência do ambiente, as emoções, tendem a realizar, por meio de manifestações consoantes e contagiosas, uma fusão de sensibilidade entre o indivíduo e o seu entourage.
Henry Wallon também estabelece uma estreita ligação entre as emoções e a
atividade motora. Para ele, "a emoção corresponde a um estádio da evolução psíquica,
situado entre o automatismo e a ação objetiva, entre a atividade motriz, reflexa, de
natureza fisiológica e o conhecimento" (Idem, 1971, p. 91). Logo ao nascer, a criança
manifesta um tipo de movimento totalmente ineficaz do ponto de vista da transformação
do ambiente físico, que Henry Wallon chamou de "impulsivo". Esses movimentos
tornam-se expressivos, organizados e intencionais através da comunicação que se
estabelece entre o bebê e o ambiente humano, por meio de respostas marcadas pela
emoção. É, portanto, a partir das interpretações dos adultos que os gestos da criança
ganham significado.
Henry Wallon estabelece uma distinção entre emoção e afetividade. Segundo o
autor (1968), as emoções são manifestações de estados subjetivos, mas com
componentes orgânicos. Contrações musculares ou viscerais, por exemplo, são sentidas
119
e comunicadas através do choro, significando fome ou algum desconforto na posição
em que se encontra o bebê. Ao defender o caráter biológico das emoções, destaca que
estas se originam na função tônica. Toda alteração emocional provoca flutuações de
tônus muscular, tanto de vísceras como da musculatura superficial e, dependendo da
natureza da emoção, provoca um tipo de alteração muscular. Henry Wallon identifica
emoções de natureza hipotônica, isto é, “[...] redutoras do tônus, tais como o susto e a
depressão. [...] Outras emoções são hipertônicas, geradoras de tônus, tais como a cólera
e a ansiedade, capazes de tornar pétrea a musculatura periférica" (DANTAS, 1992, p.
87).
A afetividade, por sua vez, tem uma concepção mais ampla, envolvendo uma
gama maior de manifestações, englobando sentimentos (origem psicológica) e emoções
(origem biológica). A afetividade corresponde a um período mais tardio na evolução da
criança, quando surgem os elementos simbólicos. Segundo Henry Wallon, é com o
aparecimento destes que ocorre a transformação das emoções em sentimentos. A
possibilidade de representação, que conseqüentemente implica na transferência para o
plano mental, confere aos sentimentos certa durabilidade e moderação.
Como se pode observar, Henry Wallon (1968) defende que, no decorrer de todo
o desenvolvimento do indivíduo, a afetividade tem um papel fundamental. Tem a
função de comunicação nos primeiros meses de vida, manifestando-se, basicamente,
através de impulsos emocionais, estabelecendo os primeiros contatos da criança com o
mundo. Através desta interação com o meio humano, a criança passa de um estado de
total sincretismo para um progressivo processo de diferenciação, onde a afetividade está
presente, permeando a relação entre a criança e o outro, constituindo elemento essencial
na construção da identidade. Da mesma forma, é ainda por mieo da afetividade que o
indivíduo acessa o mundo simbólico, originando a atividade cognitiva e possibilitando o
seu avanço. São os desejos, as intenções e os motivos que vão mobilizar a criança na
seleção de atividades e objetos. Para Henry Wallon (1978), o conhecimento do mundo
objetivo é feito de modo sensível e reflexivo, envolvendo o sentir, o pensar, o sonhar e o
imaginar.
Heloysa Dantas (DANTAS, 1992 p. 85-86) afirma que, para o autor, é a atividade
emocional que
Realiza a transição entre o estado orgânico do ser e a sua etapa cognitiva racional, que só pode ser atingida através da mediação
120
cultural, isto é, social. A consciência afetiva é a forma pela qual o psiquismo emerge da vida orgânica: corresponde à sua primeira manifestação. Pelo vínculo imediato que se instaura com o ambiente social, ela garante o acesso ao universo simbólico da cultura, elaborado e acumulado pelos homens ao longo de sua história. Dessa forma é ela que permitirá a tomada de posse dos instrumentos com os quais trabalha a atividade cognitiva. Neste sentido, ela lhe dá origem.
Henry Wallon divide o desenvolvimento infantil em estágios. Observa-se que,
em sua psicogênese, em cada um desses estágios a criança estabelece um tipo de
interação, tanto com o meio humano como com o físico. Em cada fase do
desenvolvimento, os aspectos afetivos e cognitivos estão em constante entrelaçamento.
Henry Wallon destaca os conceitos de alternância e preponderância funcionais,
referindo-se à predominância alternada da afetividade e da cognição nas diferentes fases
do desenvolvimento:
Apesar de alternarem a dominância, afetividade e cognição não se mantêm como funções exteriores uma à outra. Cada uma, ao reaparecer como atividade predominante num dado estágio, incorpora as conquistas realizadas pela outra, no estágio anterior, construindo-se reciprocamente, num permanente processo de integração e diferenciação (GALVÃO, 1996, p. 45).
No estreito entrelaçamento entre afetividade e cognição, as conquistas do plano
afetivo são utilizadas no plano cognitivo, e vice-versa. Outro autor que enfatizou, em
seus estudos, a íntima relação entre afeto e cognição é Vygotsky. Para ele a separação
desses dois aspectos, enquanto objetos de estudos,
É uma das principais deficiências da psicologia tradicional, uma vez que esta apresenta o processo de pensamento como um fluxo autônomo de pensamentos que, pensam a si próprios, dissociados da plenitude da vida, das necessidades e dos interesses pessoais, das inclinações e dos impulsos daquele que pensa (1993, p. 6).
Henry Wallon (Apud Almeida, 1999, p. 51) destaca que "[...] a afetividade e a
inteligência constituem um par inseparável na evolução psíquica, pois ambas têm
funções bem definidas e, quando integradas, permitem à criança atingir níveis de
evolução cada vez mais elevados".
Vygotsky (Apud Oliveira, 1992, p. 76) defende que o pensamento:
121
Tem sua origem na esfera da motivação, a qual inclui inclinações, necessidades, interesses, impulsos, afeto e emoção. Nesta esfera estaria a razão última do pensamento e, assim, uma compreensão completa do pensamento humano só é possível quando se compreende sua base afetivo-volitiva.
Afirma, ainda, que o conhecimento do mundo objetivo ocorre quando desejos,
interesses e motivações aliam-se à percepção, memória, pensamento, imaginação e
vontade, em uma atividade cotidiana dinâmica entre parceiros (MACHADO, 1996).
Assim, embora a escola seja um local onde o compromisso maior que se
estabelece é com o processo de transmissão/produção de conhecimento, pode-se afirmar
que "[...] as relações afetivas se evidenciam, pois a transmissão do conhecimento
implica, necessariamente, uma interação entre pessoas. Portanto, na relação professor-
aluno, uma relação de pessoa para pessoa, o afeto está presente" (ALMEIDA, 1999, p.
107).
É importante reafirmar a posição de Henry Wallon quanto ao desenvolvimento
da afetividade. Segundo o autor, ela manifesta-se primitivamente nos gestos expressivos
da criança. "[...] Enquanto não aparece a palavra, é o movimento que traduz a vida
psíquica, garantindo a relação da criança com o meio" (Idem, 1999, p. 42). Através das
interações sociais, as manifestações posturais vão ganhando significado e, com a
aquisição da linguagem, a afetividade adquire novas formas de manifestação, além de
ocorrer também uma transformação nos próprios níveis de exigência afetiva.
As formas de expressão que utilizavam exclusivamente o corpo, como o toque,
os olhares e as modulações da voz, ganham maior complexidade:
Com o advento da função simbólica que garante formas de preservação dos objetos ausentes, a afetividade se enriquece com novos canais de expressão. Não mais restrita a trocas dos corpos, ela agora pode ser nutrida através de todas as possibilidades de expressão que servem também à atividade cognitiva (idem, 1999, p. 75).
Nesse sentido, é possível concluir que a afetividade não se limita apenas às
manifestações de carinho físico, que muitas vezes são acompanhadas de elogios
superficiais, enaltecendo qualidades ínfimas (Ex: você é bonzinho, bonitinho, uma
gracinha) que, usados no diminutivo, só vêm reforçar o caráter efêmero da relação.
É importante destacar que a afetividade não se restringe apenas ao contato físico.
Como salienta Heloysa Dantas (1993, p. 75), conforme a criança vai se desenvolvendo,
as trocas afetivas vão ganhando complexidade. "[...] As manifestações epidérmicas da
122
afetividade da lambida se fazem substituir por outras, de natureza cognitiva, tais como
respeito e reciprocidade". Adequar a tarefa às possibilidades do aluno, fornecer meios
para que realize a atividade confiando em sua capacidade, demonstrar atenção às suas
dificuldades e problemas, são maneiras bastante refinadas de comunicação afetiva.
Dantas (1992, 1993) refere-se a essas formas de interação como "cognitivização" da
afetividade.
Conforme a criança avança em idade, torna-se necessário "[...] ultrapassar os
limites do afeto epidérmico, exercendo uma ação mais cognitiva no nível, por exemplo,
da linguagem." (ALMEIDA, 1999, p. 108). Mesmo mantendo-se o contato corporal
como forma de carinho, falar da capacidade do aluno, elogiar o seu trabalho, reconhecer
seu esforço, constitui formas cognitivas de vinculação afetiva.
Assim, a relação que caracteriza o ensinar e o aprender, transcorre a partir de
vínculos entre as pessoas e tem o seu início no âmbito familiar. A base desta relação
vincular é afetiva, pois é por meio de uma forma de comunicação emocional que o bebê
mobiliza o adulto, garantindo assim os cuidados de que necessita. Portanto, é o vínculo
afetivo estabelecido entre o adulto e a criança que sustenta a etapa inicial do processo de
aprendizagem. Seu “status” é fundamental nos primeiros meses de vida, determinando a
sobrevivência. Da mesma forma, é a partir da relação com o outro, através do vínculo
afetivo que, nos anos iniciais, a criança vai tendo acesso ao mundo simbólico e, assim,
conquistando avanços significativos no âmbito cognitivo. Nesse sentido, para a criança,
torna-se importante e fundamental o papel do vínculo afetivo, que vai ampliando-se, e a
figura do professor surge com grande importância na relação de ensino e aprendizagem,
na época escolar.
Para Henry Wallon (2003) em sua teoria, a dimensão afetiva ocupa lugar central,
como não acontece em nenhuma outra. Nela a afetividade constitui um domínio
funcional tão importante quanto o da inteligência, desempenhando um papel
fundamental na constituição e funcionamento dessa última e determinando os interesses
e necessidades individuais. Afetividade e inteligência constituem, portanto, na sua
concepção, “[...] um par inseparável na evolução psíquica, pois embora tenham funções
bem definidas e diferenciadas entre si, são interdependentes em seu desenvolvimento,
permitindo à criança atingir níveis de evolução cada vez maiores” (GALVÃO, 2003, p.
24).
A afetividade não é apenas uma das dimensões da pessoa, mas também uma
fase do desenvolvimento, a mais arcaica. Segundo ele, o ser humano foi, logo que saiu
123
da vida puramente orgânica, um ser afetivo. Da afetividade diferenciou-se, lentamente,
a vida racional e, portanto, no início da vida, afetividade e inteligência estão misturadas,
com predomínio da primeira. Desta forma, o desenvolvimento da pessoa é visto como
uma construção progressiva em que fases se sucedem com predominância
alternadamente afetiva e cognitiva. No estágio impulsivo-emocional, que abrange o
primeiro ano de vida, o atributo particular é dado pela emoção, instrumento privilegiado
de interação da criança com o meio. A predominância da afetividade orienta as
primeiras reações do bebê às pessoas, as quais intermedeiam sua relação com o mundo
físico. No estágio sensório-motor e projetivo, que vai até o terceiro ano, o interesse da
criança se volta para a exploração sensório-motora do mundo físico. O pensamento
precisa do auxílio dos gestos para se exteriorizar, o ato mental “projeta-se” em atos
motores. Ao contrário do estágio anterior, neste predominam as relações cognitivas com
o meio. No estágio do personalismo, dos três aos seis anos de idade, a tarefa central é o
processo de formação da personalidade. A construção da consciência de si, que se dá
por meio das interações sociais, reorienta o interesse da criança para as pessoas,
definindo o retorno da predominância das relações afetivas.
Por volta dos seis anos, inicia-se o estágio categorial. Os progressos
intelectuais dirigem o interesse da criança para as coisas, para o conhecimento e
conquista do mundo exterior, imprimindo preponderância do aspecto cognitivo às suas
relações com o meio desde os primeiros passos escolares.
É evidente que a pré-escola é um espaço onde as emoções são mais frequentes e transparentes e o professor tem um papel essencial no desenvolvimento afetivo da criança. Para muitas, o afeto da professora pode significar a continuação da permanência na escola (ALMEIDA, 1999, p. 14).
Na teoria de Piaget (1992), a afetividade “[...] é caracterizada como
instrumento propulsor das ações, estando à razão ao seu serviço” (TAILLE, DANTAS e
OLIVEIRA, 1992, p.66). Sobre este ponto, para Piaget, a afetividade seria a energia, o
que move a ação, enquanto a razão seria o que possibilitaria ao sujeito identificar
desejos, sentimentos variados, e obter êxito nas ações. Neste caso, não há conflito entre
as duas partes. Porém, pensar a razão contra a afetividade é problemático porque então
dever-se-ia, de alguma forma, dotar a razão de algum poder semelhante ao da
afetividade, ou seja, reconhecer nela a característica de móvel, de energia.
124
Entretanto, para Witter (2000) “[...] a falta de motivação do professor
geralmente se reflete em sua resistência em aceitar inovações tecnológicas e em assumir
novos papéis” (apud SISTO, OLIVEIRA, FINI, 2000, p.160). Para essa autora, a
formação, ou a falta de formação adequada, os baixos salários, a desvalorização social
do professor, as condições materiais em que se vê compelido a trabalhar, a falta de um
sistema adequado de reforços pelo empenho em concretizar um bom trabalho, a
diversidade dos alunos, a falta de uma boa administração do tempo, planejamentos
deficientes, a sobrecarga de trabalho (em número de alunos, de turmas e até de escolas
em que atua), a falta de envolvimento dos alunos entre outras variáveis a que estão
sujeitos, conduzem à apresentação de respostas de manutenção da situação atual, de
falta de iniciativa, de desinteresse pela mudança e não-engajamento efetivo em qualquer
inovação.
Com quanto foi exposto aqui e apesar das dificuldades mencionadas, espera-se
que os educadores se sensibilizem para a necessidade de desenvolver a afetividade de
seus alunos, ajudando-os, assim, a se tornarem seres humanos melhores formados em
todos os sentidos, sem se esquecer do seu inacabamento. Pois, ensinar exige o
reconhecimento de ser condicionado e não ser determinado, diz Freire: “[...] Gosto de
ser gente porque, inacabado, sei que sou um ser condicionado, mas consciente do
inacabamento, sei que posso ir mais além. Esta é a diferença profunda entre o ser
condicionado e o ser determinado” (1999, p. 59). Trata-se de uma diferença profunda
entre o ser condicionado e o ser determinado.
O inacabamento nos faz responsáveis do nosso processo de construção. Daí a
eticidade de nossa presença no mundo. Eticidade, que num dando momento pode ser
traído se não nos tornamos conscientes do nosso existir no tempo e no espaço. A
capacitação de homens e mulheres em torno de saberes espaço-temporal jamais pode
prescindir de sua formação ética. “[...] A radicalidade desta exigência é tal que não
deveríamos necessitar sequer de insistir na formação ética do ser ao falar de sua
preparação técnica e científica” (FREIRE, 1999, p. 62). A partir do fundamento de que
somos inacabados surge à exigência da educação como um processo de
desenvolvimento do educando, motivado pela curiosidade e a necessidade de conhecer.
Sem esse conhecimento, base de sua conscientização não há liberdade. Assim
percebemos novamente, inserida no processo educativo, a necessidade do cuidado
amoroso, afetivo e solidário do educando. Sabendo-se como presença engajada no
mundo, como lutador e sujeito da história.
125
Em relação a conscientização, o pedagogo Paulo Freire reafirma que, ela é
exigência humana, caminho para pôr em prática a curiosidade epistemológica. A
conscientização é natural ao ser que inacabado se sabe inacabado. “[...]A inconclusão,
repito, faz parte da natureza do fenômeno vital” (FREIRE, 1999, p. 61). A inconclusão
implica necessariamente a inserção no permanente processo social. E aí a curiosidade se
torna fundante da produção do conhecimento. É também conhecimento e não só
expressão dele.
Então, para Paulo Freire (1999, p. 64), estar no mundo, para homens e mulheres
é estar com o mundo e com os outros. É na inconclusão do ser, que se sabe como tal,
que se funda a educação como processo permanente. Homens e mulheres se tornaram
educáveis na medida em que se reconheceram inacabados. A consciência de sua
inconclusão os tornou educáveis. “[...] É na inconclusão, que nos enxerta no movimento
permanente de procura, que alicerça a esperança. Sou esperançoso por exigência
ontológica”. Assim, para ele o ideal é que na nossa experiência educativa, educandos,
educadores e educadoras, juntos “convivam de tal maneira com este, como com outros
saberes de que falarei que eles vão virando sabedoria” (Idem, 1999, p. 65).
Outro saber necessário à prática educativa, e que se funda no inacabamento, é o
que fala do respeito devido à autonomia do ser do educando: criança, jovem e adulto. O
inacabamento de que nos tornamos conscientes nos fez éticos, diz Paulo Freire, (1999,
p. 66). A afetividade como respeito à autonomia e à dignidade emerge de uma exigência
radical constituída no relacionamento com o aluno, no encontro com o educando. Assim
para Freire: “[...] o respeito à autonomia e à dignidade de cada um é um imperativo
ético, e não um favor que podemos ou não conceder uns aos outros. Precisamente, por
ser ético, podemos desrespeitar a rigorosidade da ética”.
A dimensão doentia da afetividade pode levar a transgredir a ética e desrespeitar
à curiosidade do educando. A inibir o seu gosto estético, à sua inquietude, à sua
linguagem, a ironizar, a minimizar, a desqualificar, a negar sua rebeldia. A não dar
limites, a não ensinar, a não respeitar a experiência do aluno, a ser autoritário afogando
a liberdade do aluno e a amesquinhar a sua curiosidade. Em Paulo Freire (1999), se
manifesta de forma clara a inquietação com essas atitudes de desafeto, ao mesmo tempo
em que o autor reafirma o sentido que tem a dialogicidade verdadeira, em que os
sujeitos dialógicos aprendem e crescem na diferença, sobretudo no respeito a ela. A
potencialização do ser inacabado do aluno e de suas possibilidades exige uma
radicalidade ética e afetiva. A transgressão da ética é ruptura com a decência. Pois, a
126
vigilância do meu bom senso tem uma importância enorme na avaliação que, a todo
instante devo fazer de minha prática educativa. Na minha percepção, o bom senso se
constitui numa dimensão do cuidado no processo educativo. Pode se traduzir no ato de
aceitar um trabalho atrasado de um aluno que não teve condições de realizá-lo antes;
facilita que na articulação da minha autoridade, das minhas decisões, do
estabelecimento de tarefas, nas cobranças eu não seja autoritário. Saber respeitar a
autonomia, a dignidade e a identidade do meu educando é ter algumas virtudes pelas
quais o meu saber é autêntico e coerente com o meu agir afetivo. O bom senso se faz no
corpo da curiosidade. No exercício do bom senso se supera o que há nele de instintivo
na avaliação que fazemos dos fatos e dos acontecimentos. Não me permitirá afirmar que
a fome e a miséria é uma fatalidade e que devemos esperar pacientemente que a
realidade mude. Paulo Freire diria que isso é imoral e exige de minha rigorosidade
científica a afirmação que é possível mudar. Assim a rigorosidade científica é
perpassada pelo cuidado amoroso para o ser do educando. Para o mestre ser machista,
racista e classista é ser transgressor da natureza humana e se constitui numa atitude
afetiva patológica por parte do professor. Qualquer discriminação é imoral. “[...] A
beleza de ser gente está também nessa possibilidade de lutar. O fundamento da ética
para respeitar a autonomia e a identidade do educando exige de mim uma prática em
tudo coerente com esse saber” (FREIRE, 1999, p. 66-67).
Somente uma dimensão afetiva comprometida e consciente é possível uma
participação comunitária na avaliação. Somente nessa condição posso “chamar atenção”
do meu colega: na condição de estar afetivamente comprometido com ele. Caso
contrário toda a responsabilidade da ética e da razão crítica que eu fizer será destrutiva
porque não tem uma raiz de cuidado e solidariedade em vista do projeto educativo. Por
ter sido negada, a priori pelo comportamento do professor ela não existirá nas atitudes e
gestos dos educandos.
Esta avaliação crítica da prática vai mostrar a exigência de virtudes que
permitam a avaliação e o respeito pelo educando. São indispensáveis na prática
educativa para manter o respeito à autonomia, à dignidade e à identidade do aluno. Elas
podem ajudar a diminuir a distância entre o que dizemos e o que fazemos, entre o
discurso e a prática. Para Paulo Freire (1999, p. 72-73), não há respeito à dignidade se
eu ironizo, discrimino ou inibo o aluno com minha arrogância. “[...] A prática docente,
especificamente humana, é profundamente formadora, por isso, ética”.
127
A responsabilidade amorosa do professor é sempre grande. A natureza de sua
prática é formadora. A presença do professor é exemplar na sala de aula. E ninguém
escapa ao juízo dos alunos. “[...] E o pior juízo é o que considera o professor uma
ausência na sala de aula” (FREIRE, 1999, p. 73).
Sejam quais forem às características do professor: autoritário, licencioso,
competente, sério, incompetente, irresponsável, amoroso da vida e das gentes, mal
amado, raivoso do mundo e das pessoas, frio, burocrático, racionalista, ele sempre
deixará marca, positiva ou negativa. Tudo passa por seus afetos e por suas consequentes
atitudes. Ele deveria ser um exemplo de lucidez e engajamento ou passaria a ser
irresponsável e cúmplice de um sistema que manteria os alunos alienados.
Como ser educador, se não desenvolvo em mim a indispensável amorosidade
aos educandos com quem me comprometo e ao próprio processo formador de que sou
parte? Mesmo sendo desrespeitado pela desqualificação a que é jogada a prática
pedagógica não existe direito de não as amar e excluir os meus alunos do meu afeto e
carinho. A resposta à ofensa à educação é a luta política consciente, crítica e organizada
contra os ofensores. “[...] Diante do desrespeito dos poderes públicos com a educação
eu não posso reduzir a atividade pedagógica a um bico, rejeitando também a uma
prática afetiva de tios e de tias” (FREIRE, 1999, p. 75). Diante da ineficácia de
modalidades de luta como as greves é preciso reinventar a forma de lutar. Trata-se de
“[...] uma luta que visa uma mudança dos fins da educação” (CAMBI, 1999, p. 198).
Para Paulo Freire, somos seres capazes de aprender. Somos os únicos em que
aprender é uma aventura criadora. Mas o que é aprender? “[...] Aprender, para nós, é
construir, reconstruir, constatar para mudar, o que não se faz sem abertura ao risco e a
aventura do espírito” (FREIRE, 1999, p. 77). Toda a prática educativa requer a
existência do sujeito, daí seu cunho gnosiológico: a existência de objetos; conteúdos a
serem ensinados e aprendidos; envolve o uso de métodos, de técnicas, de materiais;
implicam, em função de seu caráter diretivo, objetivos, sonhos, utopias. Daí a
politicidade, qualidade que tem “a prática educativa de ser política; de não poder ser
neutra” (Idem, 1999, p.77). À medida que assumimos a postura da chamada
neutralidade, estamos dando nosso atestado de omissão e de falta de cuidado afetivo;
não assumimos o compromisso com o outro, sequer com a gente mesmo.
Este mesmo pensamento continua à medida que Freire considera que
especificamente humana a educação é gnosiológica, é diretiva, por isso política, é
artística e moral, serve-se de meios, de técnicas, envolve frustrações, medos, desejos.
128
Exige uma competência geral, um saber de sua natureza e saberes especiais, ligados à
nossa atividade docente. Nosso papel fundamental é contribuir positivamente para que o
educando vá sendo artífice de sua formação com a ajuda necessária do educador.
Primordialmente, nossa posição tem de ser de respeito à pessoa que queira mudar ou
que não queira mudar. Não podemos desconhecer o seu direito. “[...] Nosso papel é o de
quem testemunha o direito de comparar, de escolher, de romper, de decidir e estimular a
assunção deste direito por parte dos educandos” (FREIRE, 1999, p. 79-80). Muitas
vezes o professor, para não dizer o educador, no desejo de defender seu pensamento,
tem dificuldade de incorporar essa atitude afetiva com seus educandos.
Há uma relação entre a alegria necessária a pratica educativa e a esperança. A esperança de que professor e aluno juntos podemos aprender, ensinar, inquietar-nos, produzir e, juntos, igualmente resistir aos obstáculos à nossa alegria” (FREIRE, 1999, p. 80).
Consciente do inacabamento é fundamental que se esteja predisposto a participar
do movimento constante de busca. A esperança é uma espécie de ímpeto natural
possível e necessário. É um tempero indispensável à experiência histórica. Sou um ser
de esperança. “Uma das nossas brigas como seres humanos deve ser dada no sentido de
diminuir as razões objetivas para a desesperança que nos imobiliza” (FREIRE, 1999, p.
80-81).
Sem afeto é possível a negação dos sonhos, das utopias, da esperança. Freire
denuncia que a desproblematização do futuro numa compreensão mecanicista da
história, de direita ou de esquerda, leva necessariamente à morte ou à negação
autoritária do sonho, da utopia, da esperança. É uma violenta ruptura com a natureza
humana, social e historicamente constituída. Com alma aberta ao mundo, curiosos,
receptivos pelas trilhas de uma favela onde cedo se aprende que só a custo de muita
teimosia se consegue tecer a vida com a sua quase ausência, com carência, com ameaça,
com desespero, com ofensa e dor.
Tropeçando na dor humana nós nos perguntávamos em torno de um sem-número de problemas. Que nós precisamos dos chamados educadores, saber para viabilizar os nossos primeiros encontros com mulheres, homens e crianças cuja humanidade vem sendo negada e traída? (Idem, p. 82-83).
129
Este é um interrogar ético, amoroso radical em relação à situação dos favelados,
despertado pela sensibilidade humana de ambos. Paulo Freire reitera que esta realidade
não é inexorável. Está sendo como poderia ser outra e é para que seja outra que
precisamos lutar. É um domínio onde dificilmente se poderia falar de opções, de
decisão, de liberdade, de ética. O professor desesperançado diria e repetiria que se trata
de um caso irreversível e sem solução6. Discurso repetido pelos donos do sistema que
encontra nos pobres os culpados de sua pobreza e miséria.
Constatar e conscientizar-se é condição de operacionalidade e motivação afetiva
para nossa luta para a transformação. Pode-se ter na resistência: a compreensão do
futuro como problema e vocação para ser mais como expressão da natureza humana em
processo de estar sendo; fundamento para a nossa rebeldia e não para nossa resignação
em face das ofensas que nos destroem o ser. A rebeldia nos afirma diante das injustiças.
Esta postura deve nos levar a uma postura mais radical e crítica: a revolucionária,
fundamentalmente anunciadora, segundo Freire. “[...] Mudar é difícil, mas é possível”
(FREIRE, 1999, p.88). Este é o saber estrutural para programar nossa ação político-
pedagógica.
Devemos partir do pressuposto de que a experiência da miséria é uma violência
e não a expressão da preguiça popular ou fruto da mestiçagem ou da vontade punitiva
de Deus. É a violência contra qual devemos lutar, enquanto educadores, ir nos tornando
cada vez mais competente. Sem esta atitude critica e racional pela mudança social e
política da mente da população, parafraseando Paulo Freire, a luta perderá a sua
eficácia. O processo de mudança se inicia no diálogo em que se vai desafiando o grupo
popular a pensar no e pelo seu mundo, sua história social, política, econômica,
geográfica, cultural, religiosa como a experiência igualmente social de seus membros,
dentro de uma conjuntura intersubjetiva vai revelando a necessidade de “[...] superar
certos saberes que, desnudados, vão mostrando sua incompetência para explicar os
fatos” (FREIRE, 1999, p. 90-91). A viabilidade da luta política passa originariamente
pela articulação de uma dimensão elementar do afeto nas relações de decisão. No e pelo
afeto permite-se que o outro seja e se revele como tal em sua situação ontológica e
antropológica. Para Paulo Freire, o exemplo de contra-educação está nos processos que
inibem ou dificultam a curiosidade do educando. Autoritarismo e paternalismo são duas 6 Ao se referir à mudança, Paulo Freire (1999, p. 85-94) diz ser ela é um saber primordial, indispensável a quem chega à favela e que pretende que sua vivência se vá tornando convivência, que seu estar no contexto vá virando estar com ele, é o saber do futuro como problema e não como inexorabilidade. É o saber da história como possibilidade e não como determinação.
130
formas de negação da curiosidade dos educandos. Nenhuma curiosidade se sustenta
eticamente no exercício da negação da outra curiosidade. A curiosidade que silencia a
outra se nega a si mesma. O bom clima pedagógico-democrático é onde educando vai
aprendendo à custa de sua prática mesmo que sua curiosidade como sua liberdade deve
estar sujeita a limites, mas em permanente exercício. Limites eticamente assumidos por
ele. “[...] Minha curiosidade não tem o direito de invadir a privacidade de o outro expô-
lo aos demais” (FREIRE, 1999, p. 95). Por conseguinte, cada professor deveria saber
que sem curiosidade não aprende e nem ensina. Estimular a pergunta, a reflexão crítica
sobre a própria pergunta são formas de exercício. Enfim, trata-se de um processo de
dialogicidade que como vimos no capítulo anterior, recoloca o tema da afetividade na
forma de expressão dialógica. Até porque a dialogicidade não nega a validade de
momentos explicativos, narrativos em que o professor expõe ou fala do objeto. O
fundamental é que professores e os alunos saibam que a postura deles, é dialógica,
aberta, curiosa, indagadora e não apassivada, enquanto falam ou enquanto ouvem.
O bom professor é o que na sala de aula ou fora dela, consegue trazer seu aluno
até a intimidade do movimento de seu pensamento. Sua aula é um desafio. Já o
afirmamos anteriormente que seus os alunos se cansam, mas não dormem. Porque
acompanham as idas e vindas de seu pensamento, surpreendem suas pausas, suas
dúvidas, suas incertezas. A condição é que o professor se ache repousado no saber cuja
pedra fundamental é a curiosidade do ser humano. Quando éramos crianças a
inquietante busca de conhecimento do mundo nos deslumbrava a cada descoberta.
Educar é resgatar pelo cuidado amoroso e ético com o aluno, a condição natural da
curiosidade pela verdade a buscar e descobrir.
Novamente a referência à sensibilidade se faz presente quando o autor afirma
que o exercício da curiosidade convoca a imaginação, à intuição, às emoções, à
capacidade de conjeturar, de comparar.
O mundo da afetividade está em que, satisfeita uma curiosidade, a capacidade de inquietar-me e buscar continuam em pé. Não haveria a existência humana sem a abertura de nosso ser ao mundo, sem a transitividade de nossa consciência. Um dos saberes fundamentais à prática, educativa e crítica é o que me adverte da necessária promoção da curiosidade ingênua para a curiosidade crítica (Idem, p. 97-98).
Podemos concluir que a afetividade está inserida em todos os ambientes:
familiar, social e escolar, por isso, a cada momento deve-se voltar à atenção a ela, com o
131
intuito de promover o desenvolvimento integral e harmonioso da pessoa do aluno. É
importante que o professor desperte no aluno não só a busca pelo conhecimento, mas,
também, que priorize as bases do aluno para seu desenvolvimento emocional
demonstrando assim, afetividade no ato de educar. O afetivo se faz presente nas
interações entre professor e aluno no processo de ensino aprendizagem. Nossas
necessidades emocionais sempre dependerão dessa interação. Antes de sermos alunos,
educadores, somos seres humanos e cidadãos em busca uns dos outros. Na educação o
afeto pode ser uma das soluções dos problemas levantados neste trabalho. “Não é
possível combater a insensibilidade, o desrespeito, a falta de solidariedade, a apatia, a
não ser pelo afeto” (CHALITA, 2001, p. 264).
Segundo Marcos Masetto “[...] os grandes educadores atraem não só pelas suas
ideias, mas pelo contato pessoal. Dentro ou fora da aula chamam atenção” (1998, p.17).
Há sempre algo surpreendente, diferente no que se diz nas relações que estabelecem na
sua forma de olhar, na forma de comunicar-se, de agir. É um poço inesgotável de
descobertas. O educador que adota uma postura de flexibilidade consegue desenvolver a
aprendizagem significativa em seu aluno, que desperta através do ato de ensinar a
percepção das diferenças individuais. Respeitar os diversos ritmos de aprendizagem e
facilitar uma integração das diferenças locais e culturais. O vinculo afetivo que o
professor estabelece com a turma deve ter caráter libertador que viabilize a expressão de
questões pessoais e que conduza à autonomia do professor e do aluno, abrir espaço para
questionamentos, derrubar preconceitos e rótulos comuns na área educacional.
De acordo com esta contribuição, nota-se que a escola ao pretender ensinar,
precisa levar em conta o que o aluno traz consigo, a sua experiência pessoal, adquirida
no seu grupo social. A experiência do saber não deve representar uma ruptura com que
o aluno traz à escola, mas deve estabelecer uma continuidade que leve ao domínio de
novos conhecimentos. Conhecimentos que despertem para o desejo de aprender e a
decisão da busca do saber significativo para a sua vida, ou seja, tem que fazer um
paralelo com a sua historicidade. Ensinar e aprender exige hoje muito mais plasticidade
espaço-temporal, pessoal e de grupo, menos conteúdos fixos e processos mais abertos
de pesquisa e de comunicação, deve conciliar a extensão da informação, a variedade das
fontes de acesso, com o aprofundamento da sua compreensão, em espaços menos
rígidos, menos engessados. Temos informações demais e dificuldades em escolher quais
são significativas para nós e em conseguir integrá-las dentro da nossa mente e da nossa
vida. Por isto, é muito importante o vinculo afetivo educacional, ter o papel essencial
132
em toda a ação. Este deve ter como objetivos a mudança e a transformação para que
possa funcionar como um elo que une os indivíduos ao favorecer seu modo de sentir,
perceber a si e ao outro na construção de saberes significativos, em uma palavra: de
Amor à vida!
133
CAPÍTULO IV - PRÁTICA EDUCATIVA E AS IMPLICAÇÕES NO
PROCESSO DA FORMAÇÃO DO/A PROFESSOR/A
A responsabilidade ética, política e profissional do ensinante lhe coloca o dever de se preparar, de se capacitar, de se formar antes mesmo de iniciar sua atividade docente. (FREIRE, 1993, p. 30).
Segundo Paulo Freire (1999), a responsabilidade ética, política e profissional se
configuram, para o professor, em aspectos relativos aos saberes necessários à prática
educativa. Para tanto, nos centraremos àqueles presentes na sua obra “Pedagogia da
Autonomia” (1999), por nos parecer a que deveria constituir “o manual” de um
professor apostado na luta pela mudança, pela democracia, pela liberdade, pela justiça,
pelo respeito e conscientização na forma de compreender o magistério como uma
profissão igual as demais profissões. Numa tensão relacional, balizaremos estas análises
com o pensamento de Theodoro W. Adorno (1995) presente nos textos que compõem o
livro “Educação e Emancipação” (um conjunto de ensaios do autor reunidos em livro).
Nós acreditamos serem estes saberes, que perfazem o dia a dia do professor em
diferentes contextos educacionais.
Acreditamos que tais aspectos, no sentido de formação, podem auxiliar os
professores a “[...] levar em conta as condições a que se encontram subornadas a
produção e a reprodução da vida humana em sociedade e na relação com a natureza”
(ADORNO, 1995, p. 16).
Como veremos, Freire investe na luta contra o oprimido latino americano,
Theodor W. Adorno procura demonstrar, na Alemanha, a falta de formação necessária
para a autonomia do sujeito. Ou seja, em comum, os autores apontam as dificuldades da
formação da subjetividade autônoma pela via da educação e da cultura nos parâmetros
sob os quais a sociedade se organiza. Sem o apoio de uma crítica objetiva do contexto
social, o sujeito é fadado ao fracasso. Por isso, é necessário que os professores sejam
conscientizados de que, pelo fato da educação crítica ser subversiva, faz-se urgente que
se formem sujeitos que, uma vez estando na frente das crianças e adolescentes, rompam
com a educação enquanto mera apropriação instrumental técnico e receituário para a
eficiência. Devemos insistir no aprendizado aberto à elaboração da história e ao contato
134
com o outro não-idêntico, ou seja, com o “eu” do “outro”, a fim de o libertar do sistema
opressor, das possibilidades da realização subjetiva.
Para que exista educação no processo de ensino e aprendizagem é preciso
desenvolver uma política que envolva o aluno. Tanto para Adorno quanto para Freire, o
aluno deve ser visto como um fator essencial para a construção do conhecimento, e não
como um mero receptor de conteúdos como falamos no capítulo anterior. Ademais,
Não existe ensinar sem aprender e com isto eu quero dizer mais do que diria se dissesse que o ato de ensinar exige a existência de quem ensina e de quem aprende. Quero dizer que ensinar e aprender se vão dando de tal maneira que quem ensina aprende, de um lado, porque reconhece um conhecimento antes aprendido e, de outro, porque, observando a maneira como a curiosidade do aluno aprendiz trabalha para apreender o ensinando-se, sem o que não o aprende, o ensinante se ajuda a descobrir incertezas, acertos, equívocos. O aprendizado do ensinante ao ensinar não se dá necessariamente através da retificação que o aprendiz lhe faça de erros cometidos. O aprendizado do ensinante ao ensinar se verifica na medida em que o ensinante, humilde, aberto, se ache permanentemente disponível a repensar o pensado, rever-se em suas posições; em que procura envolver-se com a curiosidade dos alunos e os diferentes caminhos e veredas que ela os faz percorrer. (FREIRE, 1993, p. 19).
A busca pelo saber não está ligada exclusivamente no ato de ouvir, copiar e fazer
exercícios, pois neste aspecto metodológico os alunos devem permanecer calados e
quietos em suas carteiras. É fundamental realizar vários tipos de propostas que
pressupõem a participação ativa do aluno e não se limitar apenas aos aspectos
intelectuais ou a memorização de conteúdos julgados como relevantes: “[...] Quando
falamos em reavaliação crítica, estamos atendendo não só para o processo em si do ato
educativo, mas também para tudo aquilo que os alunos já trazem enquanto vivência,
enquanto formação cultural” (REZNIKE e AYRES 1986, apud CANDAU, 1999, p.
121).
Se partirmos desse pressuposto poderemos dizer que o educando poderia
despertar a sua criticidade a partir do momento em que se deixaria envolver pelas
questões políticas, sociais e culturais relevantes que existem no meio em que vive, e
levaria essas discussões para dentro da sala de aula, a fim de interagir com os demais e
então em conjunto teriam a capacidade de formar inúmeras opiniões com relação ao
contexto social, político e cultural no qual está inserido.
135
Deve-se, portanto, incentivar os aspectos educativos de cidadania, tais como:
educação ambiental, educação no trânsito, ética, moral, compaixão, legislação e tantos
outros no processo docente. Porque uma das razões de ser da escola é construir um ser
humano para a promoção da vida em sociedade.
Invoquemos aqui o conceito de educação criadora, explorado em capítulos
anteriores. É fundamental que tenhamos em mente que se trata de um processo
complexo que envolve diferentes contextos socioculturais e abrange uma multiplicidade
de acontecimentos que ajudam a formar o indivíduo ao longo da história da
humanidade. Podemos afirmar que nos primórdios do século XXI, mais do que nunca,
as questões ligadas à educação dizem respeito e despertaram o interesse, a cada vez
maior número de pessoas e instituições.
A escola tem sido tradicionalmente vislumbrada como o lugar por excelência de
transmissão de saberes, de aprendizagem, de ensino do patrimônio e dos conhecimentos
acumulados pela humanidade e por cada cultura de referência. De fato, "o educando é
idealizado pela ideologia vigente e, na prática, pretende-se enformá-lo pelo sistema
educativo, através da instituição formal que é considerada a escola" (VIEIRA, 1999, p.
349). É na escola que parecem depositar-se as maiores esperanças sociais no que
concerne à formação dos indivíduos. Porém, "[...] todas as aprendizagens inscritas no
decurso da vida de um indivíduo começam muito antes da entrada na escola" (Ibidem) e
muito depois da saída desta, e "[...] as situações educativas já não podem atualmente
dizer respeito unicamente a um professor perante um grupo" (MIALARET, 1999, p.
16), mas sim a um todo: família, escola, Estado e a sociedade em geral.
Neste sentido, a educação escolar não deveria ser considerada como o espaço
mais significativo onde o processo educativo acontece, tampouco a única instituição
responsável pelos processos de formação. Ela é um espaço dentre outros. A hegemonia
levada a cabo pela própria Escola levou à desvalorização de "[...] todos os saberes que
não são ensinados por profissionais e, portanto, do processo educativo como um
trabalho que o educando realiza sobre si próprio, em interação com os outros e com o
mundo, a partir do seu patrimônio experiencial" (CANÁRIO, 2005, p. 192). Ainda que
o sistema escolar formal assuma uma maior visibilidade e importância para o homem
pós-moderno, nas sociedades atuais, sem exceção, podemos perceber que a vida fora da
escola é um significativo espaço de educação, de aprendizagem, de adaptação, de
(re)construção, de (re)invenção, sobretudo, com o desenvolvimento técnico digital dos
meios de comunicação de massa.
136
Paulo Freire, como pedagogo, revelou ao mundo uma educação além da sala de
aula, da educação formal, capaz não só de ensinar conteúdos e comportamentos
socialmente esperados e aceitos, mas também capaz de conscientizar a todos e a todas
do seu lugar social. Objetivamente falando, pensou nos jovens e adultos trabalhadores,
homens e mulheres do campo e da cidade para lhes abrir a possibilidade de enfrentarem
a opressão e as injustiças. Estas atitudes fazem da educação, em certa medida, um ato de
amor para com a humanidade. Trata-se de sentimentos em que homens e mulheres se
veem como seres inacabados e, portanto, receptivos para apreender dados abstraídos da
própria cultura, se quisermos entender o termo cultura como tudo o que é criado pelo
homem. É o resultado do trabalho, do esforço criador e recriador do ser humano. A
educação deixa implícita a necessidade de estimular a curiosidade do aluno e,
consequentemente, a do próprio educador. Portanto, a conscientização que ao mesmo
tempo se torna uma possibilidade lógica e um processo histórico que liga teoria e práxis
numa unidade indissolúvel no fazer pedagógico. “[...] A conscientização é um
compromisso histórico, implica que os homens assumam seu papel de sujeitos que
fazem e refazem o mundo. Exige que os homens criem sua existência com um material
que a vida lhes oferece [...], está baseada na relação consciência-mundo” (FREIRE,
1993, p. 46). E, continuando, afirma que:
Como professor, devo saber que sem a curiosidade que me move, que me inquieta, que me insere na busca, não aprendo nem ensino: o educador que 'castra' a curiosidade do educando em nome da eficácia da memorização mecânica do ensino dos conteúdos, tolhe a liberdade do educando, a sua capacidade de aventurar-se. Não forma, domestica (Idem, 1999, p.63).
Portanto, para Paulo Freire, o professor deveria saber, se ainda não o sabe, que o
aluno é um sujeito de conhecimento, claro “in sui generis”. O que exige do profissional da
educação uma versatilidade multiforme evitando todo tido de constrangimento de ambos os
lados. Já para Adorno, que se preocupou com a forma como eram examinados aqueles
que futuramente seriam professores de Filosofia no Estado de Hessen na Alemanha, o
professor e, sobretudo, a educação deveria, simultaneamente, evitar a barbárie e buscar
a emancipação humana. Theodoro A. Adorno questiona a educação autoritária e pensa
numa educação emancipatória. Adorno não apresenta um projeto de transformação
social global. Deixa de lado a compreensão da totalidade da sociedade repressiva e que
realiza um isolamento do processo educacional, atribuindo a ele um papel transformador
137
que dificilmente pode realizar-se isoladamente. Que sentido tem a educação? Segundo
ele, “[...] a educação tem sentido unicamente como educação dirigida a uma auto-
reflexão crítica” (ADORNO, 1995, p. 121-122).
A pesar de se dirigir ao público alemão, os estudos de Theodoro W. Adorno
podem servir como catalisadores em toda e qualquer sociedade do mundo. Pois ele nos
faz repensar, também, a forma como os nossos professores são formados. A formação
docente passa por um árduo processo fruto de muito sacrifício e não um receituário.
“[...] Ela [a formação] só pode ser adquirida mediante esforço espontâneo e interesse,
não pode ser garantida simplesmente por meio da frequência de cursos, e de qualquer
modo estes seriam do tipo cultura geral (Idem, 1995, p. 64).
Theodoro W. Adorno parece chegar a esta conclusão porque os critérios
aplicados para realizar as provas não poucas vezes favorecem as ideologias subjacentes
em cada prova aplicada se, se considerar somente o fator habilidade e não o de
qualidade, acabando por não ajudar aos futuros profissionais da educação.
O que me perturba nesses exames é a ruptura entre aquilo que constitui objeto de elaboração e apresentação filosófica e os sujeitos. A preocupação com a filosofia deveria promover a identidade de seu interesse verdadeiro com o estudo profissional que elegeram, mas na verdade apenas aumenta a auto-alienação. [...] A filosofia submetida a exame converteu-se em seu contrário; em vez de conduzir os que se ocupam dela ao encontro de si mesmos, presta-se apenas a demonstrar a todos os fracassos da formação cultural, não só no caso dos candidatos, mas de um modo geral (ADORNO, 1995, p. 69).
Assim, continua o autor, o dano maior consistirá na “[...] relação daqueles que,
alguma vez, se sentarão defronte a eles, que não podemos ver e que estão ameaçados de
danos maiores por parte do espírito deformado e inculto, do que os prejuízos a qualquer
uma de nossas exigências intelectuais” (Idem, 1995, p. 53).
Theodoro W. Adorno, com certo temor, julga oportuno frisar o aspecto afetivo
como fundamental na formação de personalidades humanas. Vejamos o que ele diz:
Se não fosse pelo meu temor em ser interpretado equivocadamente como sentimental, eu diria que para haver formação cultural se requer amor; e o defeito certamente se refere à capacidade de amar. Instruções sobre como isto pode ser mudado são precárias. Em geral a definição decisiva a respeito se situa numa fase precoce do desenvolvimento infantil. Mas seria melhor que quem tem deficiência a este respeito não se dedicasse a ensinar (1995, p. 53).
138
Para Theodoro W. Adorno, a falta de competência dos professores, para exercer
a profissão docente, não consiste muitas vezes na falta de domínio dos conteúdos. E,
sim, na relação drástica com a linguagem. Pois quando não se sabe estabelecer
diferenças discursivas do que se está pedindo num exame, também não se estará a altura
de responder e consequentemente, todo o trabalho pedagógico poderá ser insatisfatório,
por não se ter atingido o nível de compreensão necessário para que o processo de ensino
e aprendizagem aconteça. Ou seja, a ausência do feedback esperado, da resposta ao
estímulo dado é prova mais do que evidente de que não houve comunicação. Por que
como ele próprio diz a linguagem é o veículo de comunicação. Porque a reflexão acerca
da linguagem constitui o parâmetro original de qualquer reflexão filosófica em todos os
aspectos. Sem a pretensão de querer forçar o texto, o que se pretende é que o professor
tenha domínio da linguagem própria do conteúdo com o qual trabalha para poder
facilitar, intermediar de modo eficiente o processo pedagógico. Os professores não
podem negligenciar os aspectos culturais e sociais de seus alunos.
Paulo Freire afirmaria no que concerne à curiosidade dos seus alunos, que eles,
os alunos, podem levar o professor a dificultar as suas vidas, pois, “[...] ensinar exige
risco, aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de discriminação” (FREIRE, 1999,
p. 39). É preciso que o professor ajude através do exercício pedagógico, o aluno e a
sociedade a se libertar de todo o tipo de preconceitos e incentivá-los a assumir a
construção da própria histórica cultural. E isto só é possível quando “[...] o indivíduo se
liberta do imediatismo de relações que de maneira alguma são naturais, mas constituem
meramente resíduos de um desenvolvimento histórico já superado, de um morto que
nem ao menos sabe de si mesmo que é morto” (ADORNO, 2005, p. 67-68).
O processo da libertação somente é concluído quando a pessoa chega à
conclusão “[...] de que dos desprovidos das competências apropriadas tirem as
consequências disto exatamente no ponto de sua formação em que tomam consciência
das dificuldades, da ruptura entre a sua existência e sua profissão” (Idem, 2005, p.68).
Se o professor não tiver como foco da sua missão a viabilização deste processo
consciente de libertação pessoal dos seus alunos, mas outras finalidades, então que ele
faça uma autocrítica, veja se não seria melhor abandonar o ramo da educação.
Assim, para Theodoro W. Adorno, o futuro professor não pode estar conformado
com a constatação da gravidade da situação e a dificuldade de reagir frente a ela, mas
refletir acerca dessa fatalidade e as suas consequências para o próprio trabalho docente,
139
inclusive para o exame que irá prestar para aceder a tal carreira, no caso da Alemanha.
A eles, diz o autor, “não caberia tanto converter-se a algo que lhes é estranho e
indiferente, mas sim seguir as necessidades que se impõem no seu trabalho, impedindo
que desapareçam por pretensas imposições do estudo” (ADORNO, 2005, p. 73).
Já Paulo Freire, como professor, propôs através da sua vida, não só a procurar
perceber os problemas educativos da sociedade brasileira e da América Latina, mas,
também, uma prática educativa para resolvê-los. Esta prática ensina os professores e as
professoras a navegarem por meio de rotas certas nos mares da educação, orientados por
uma bússola, que aponta como pontos cardeais: rigorosidade metódica e a pesquisa, a
ética e estética, a competência profissional, o respeito pelos saberes do educando e o
reconhecimento da identidade cultural, a rejeição de toda e qualquer forma de
discriminação, a reflexão crítica da prática pedagógica, a corporeificação, o saber
dialogar e escutar, o querer bem aos educandos, o ter alegria e esperança, o ter liberdade
e autoridade, o ter curiosidade, o ter a consciência do inacabado como observado
anteriormente.
Como princípios basilares a uma prática educativa que transforma educadores e
educandos e que possam perspectivar a autonomia pessoal na construção de uma
sociedade democrática que a todos respeita e dignifica, Paulo Freire (1999, p. 23), em
suas análises, menciona alguns itens que considera fundamentais para a prática docente,
enquanto instiga o leitor a criticá-lo e acrescentar a seu trabalho outros pontos
importantes. O referido autor inicia afirmando que "[...] não há docência sem
discência". Pois, "[...] quem forma, se forma e reforma ao formar, e, quem é formado
forma-se e forma ao ser formado" (Idem, 1999, p. 25). Dessa forma, deixa claro que o
ensino não depende exclusivamente do professor, assim como a aprendizagem não é
algo apenas de aluno. Portanto, "[...] não há docência sem discência, as duas se
explicam, e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à
condição de objeto, um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar, e quem aprende
ensina ao aprender" (Idem, 1999, p. 25). Justifica-se, assim, o pensamento de que o
professor não é superior, melhor ou mais inteligente, porque domina conhecimentos que
o educando ainda não domina, mas é como o aluno, participante do mesmo processo da
construção da aprendizagem (FREIRE, 1999).
A obra, “A Pedagogia da Autonomia”, apesar de ter sido escrita no final do
século XX, é sem dúvida uma obra importante em prol da educação que respeita todo o
educando e libertar o seu pensamento de tradições desumanizantes. É fundamental
140
acreditar que a esperança e o otimismo na possibilidade da mudança são um passo
gigantesco na construção e formação científica do professor ou da professora que "[...]
deve coincidir com sua retidão ética" (FREIRE, 1999, p.18). Ensinar, para Freire,
requer aceitar os riscos do desafio do novo que se alicerça no respeito à curiosidade
epistemológica: “[...] a do-discência’ - docência-dicsência – e a pesquisa,
indicotomizáveis, são assim prática requeridas por estes momentos do ciclo
gnosiológico” (Idem, 1999, p.31), enquanto inovador, enriquecedor, e rejeitar quaisquer
formas de discriminação que separe as pessoas em raça, classes, afirma o autor. É ter
certeza de que faz parte de um processo inconcluso, apesar de saber que o ser humano é
um ser condicionado, portanto há sempre possibilidades de interferir na realidade a fim
de modificá-la. Acima de tudo, ensinar exige respeito à autonomia do ser do educando.
O respeito à autonomia e à dignidade de cada um é imperativo ético e não um favor que
podemos ou não conceder uns aos outros, diria o autor.
Faz-se necessário, portanto, que se proporcionem momentos para experiências,
para buscas. Em outras palavras, o professor precisa estar disposto a ouvir, a dialogar, a
fazer de suas aulas momentos de liberdade para falar, debater e ser aberto para
compreender o querer de seus alunos. Para tanto, é preciso querer bem, gostar do
trabalho e do educando. Segundo Paulo Freire (1999), não com um gostar ou um querer
bem ingênuo, que permite atitudes erradas; que não impõe limites, ou que sente pena da
situação de menos experiente do aluno, ou ainda que deixe tudo como está para que o
tempo resolva. Mas um querer bem pelo ser humano em desenvolvimento que está ao
seu lado. A ponto de se dedicar, de se doar e de trocar experiências, um gostar de
aprender e de incentivar a aprendizagem. Um sentir prazer em ver o aluno se
descobrindo como tal e desenvolvendo, a partir da sua realidade o conhecimento. É
digna de nota a capacidade que tem a experiência pedagógica para despertar, estimular e
desenvolver em nós o gosto de querer bem e gosto da alegria sem a qual a prática
educativa perde o sentido e os alunos desinteressados (FREIRE, 1999).
Para Paulo Freire, o ensino é muito mais que uma profissão, é uma missão. É
uma luta que exige comprovados saberes no seu processo dinâmico de promoção da
autonomia do ser de todos os educandos. Isto equivale a ter certeza de que faz parte de
um processo inconcluso, apesar de saber que o ser humano é um ser condicionado a
aprender e não determinado e que, portanto há sempre possibilidades de interferir na
realidade a fim de modificá-la. Ou seja, “[...] a melhor maneira de por ela lutar é vivê-la
em nossa prática, é testemunhá-la, vivaz, aos educandos em nossas relações com eles”
141
(FREIRE, 1999, p. 17). Acima de tudo, ensinar exige respeito à autonomia do ser do
educando. É "[...] vigilante contra todas as práticas de desumanização" (Idem, 1999,
p.12). É necessário que "[...] o saber-fazer da autorreflexão crítica e o saber-ser da
sabedoria exercitada ajudem a evitar a "degradação humana" e o discurso fatalista da
globalização" (Idem, 1999, p.12).
Para tanto, não basta tecer discursos e promover políticas de um treino técnico
indispensável à sobrevivência. Pode-se dizer que, tanto para Theodoro W. Adorno
quanto para Paulo Freire, educar é construir. É libertar o ser do educador e do educando
das cadeias do determinismo social, reconhecendo que a história é um tempo de
possibilidades. É um "ensinar a pensar certo" como quem "fala com a força do
testemunho". É um "ato comunicante, coparticipado", de modo algum produto de uma
mente "burocratizada". No entanto, toda a curiosidade de saber exige uma reflexão
crítica e prática, de modo que o próprio discurso teórico terá de ser aliado à sua
aplicação prática. Ensinar é algo de profundo e dinâmico onde a questão de identidade
cultural que atinge a dimensão individual e a classe dos educandos, é essencial à
"prática educativa progressista". Portanto, torna-se imprescindível solidariedade social e
política para se evitar um ensino elitista e autoritário como aquele que tem o exclusivo
do saber articulado. Paulo Freire salienta, constantemente, que educar não é a mera
transferência de conhecimentos, mas sim conscientização e testemunho de vida, senão
não terá eficácia. O bom professor é aquele que sabe que não sabe tudo, mas que tem
algo para partilhar com os seus alunos. Por isso, eu devo ter a sábia consciência de que:
Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção. Quando entro em uma sala de aula devo estar sendo um ser aberto a indagações, à curiosidade, às perguntas dos alunos, as suas inibições; um ser crítico e inquiridor, inquieto em face da tarefa que tenho – a de ensinar e não a de transferir conhecimento (FREIRE, 1999, p. 52)
Paulo Freire introduz o respeito a autonomia explicando suas razões para
analisar a prática pedagógica do professor em relação à sua autonomia de ser e de saber
do educando. Enfatiza a necessidade de respeito ao conhecimento que o aluno traz para
a escola, visto ser ele um sujeito social e histórico, e da compreensão de que "[...]
formar é muito mais do que puramente treinar o educando no desempenho de destrezas"
(FREIRE, 1999, p. 15). Define essa postura como ética e defende a ideia de que o
142
educador deve buscar essa ética, a qual chama de "[...] ética universal do ser humano"
(Idem, 1999, p. 16), fruto de uma busca investigativa, essencial para o trabalho docente.
Em sua análise Paulo Freire, continua a colocar como absolutamente necessário
o rigor metódico e intelectual. O educador deve desenvolver em si próprio, como
pesquisador um sujeito curioso. Buscar o saber e o assimilar de uma forma crítica, não
ingênua, com questionamentos, e orienta seus educandos a seguirem também essa linha
metodológica de estudar e entender o mundo, relacionando os conhecimentos
adquiridos com a realidade de sua vida, sua cidade, seu meio social. Afirma que "[...]
não há ensino sem pesquisa nem pesquisa sem ensino" (Idem, 1999, p. 32). Esse
pesquisar, buscar e compreender criticamente só ocorrerá se o professor souber pensar e
pensar certo. Para Freire, saber pensar é duvidar de suas próprias certezas e questionar
suas verdades. Se o docente faz isso, terá facilidade de desenvolver em seus alunos o
mesmo espírito.
O professor deve viabilizar, entre seus alunos, trocas necessárias ao exercício de
cooperação, sustentando o desenvolvimento dos indivíduos na construção de
personalidades autônomas no domínio cognitivo, moral, social e afetivo. Ao
desenvolver inicialmente a ideia sobre a importância da afetividade no processo
pedagógico, Paulo Freire permite compreender que o processo de conhecer, como ato de
aprender e de criar, se fundamenta na metafísica do inacabamento humano. Este só se
realiza integradamente e com um comprometimento ético, estético, afetivo, científico
interativo educador-educando.
Assim, a reflexão crítica sobre a prática se torna uma exigência da relação
Teoria/Prática, porque ensinar é criar a possibilidade da produção do conhecimento ou
da sua construção (FREIRE, 1999).
Se for verdade, como afirma Freire, “[...] ensinar exige rigorosidade metódica”
(1999, p. 28) seria também verdade que este ato se converta numa exigência ética e
afetiva que deve permear toda a atividade educativa. Ensinar, dessa forma, corresponde
ao compromisso com a ética da convivência com o educando como ser histórico que
engendra um conhecimento conforme salientamos no início deste capítulo.
Para superar o senso comum, no sentido de ignorância coletiva de um
determinado tema, exige uma atitude afetiva de respeito e qualificação da experiência
do educando e o cuidado e desafio à sua capacidade criadora através da consciência
crítica: “[...] Pensar certo implica o respeito ao senso comum no processo de sua
necessária superação. Implica o compromisso do educador com a consciência crítica do
143
educando, cuja “promoção” da ingenuidade não se faz automaticamente” (FREIRE,
1999, p.32-33).
Quando Paulo Freire (1999, p. 33) diz: “[...] educar exige respeito aos saberes
dos educandos”, sem querer julgá-lo, queremos entender em palavras mais
simplificadas que o pensar certo exige respeito aos saberes com os quais os educandos
chegam à escola e também discutir com eles a razão desses saberes em relação ao
ensino de conteúdos. O que não se pode fazer sem ter em conta a dimensão do afeto que
desenvolvemos no capítulo anterior. “[...] É valorizar e qualificar a experiência dos
educandos e aproveitar para discutir os problemas sociais e ecológicos, a realidade
concreta a que se deva associar a disciplina, estudar as implicações sociais nefastas do
descaso dos mandantes, a ética de classe embutida nesse descaso” (FREIRE, 1999, p.
33-34).
Quando Ensinar exige criticidade o ingrediente que possibilita a passagem da
ingenuidade à criticidade e, portanto da conquista progressiva da humanização pode ser
a afetividade, a amorosidade pela qual o educador realiza este processo de estímulo e
promoção da superação do educando através de suas próprias capacidades criativas. A
criticidade, na visão biocêntrica, existe na medida em que se entra em contato originário
e profundo com a situação do outro. Em outras palavras, a criticidade brota também do
amor profundo que me mobiliza pelo outro e pela vida. Para Paulo Freire, entre a
ingenuidade e a criticidade existe uma ruptura, uma superação. Quando nos
aproximamos cada vez mais de forma rigorosa do objeto cognoscível, se torna
curiosidade epistemológica. A curiosidade dos camponeses é a mesma curiosidade com
a qual cientistas e filósofos admiram o mundo.
Cientistas e filósofos superam porem a ingenuidade do camponês tornando-se sistematicamente curiosos. Não haveria criticidade sem a curiosidade, historicamente construída e reconstruída. A prática educativo-progressista promove a passagem da ingenuidade para a criticidade, sem divinizar ou diabolizar a ciência (FREIRE, 1999, p. 34-35).
A formação do pensamento crítico, conscientizador e libertador não se realiza,
porque “[...] não há pensar certo fora de uma prática testemunhal que o rediz em lugar
de desdizê-lo. Não é possível ao professor pensar que pensa certo, mas ao mesmo tempo
perguntar ao aluno se sabe com quem está falando” (FREIRE, 1999). O pensar certo
tem como próprio à disponibilidade ao risco da novidade visto que, “[...] ensinar exige
144
risco, aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de discriminação” (FREIRE, 1999,
p. 39). Essa abordagem está repleta das dimensões afetivas do comprometimento ético
do professor com seus alunos. Assim como o útero fecundo, a dimensão dialogal de
aceitação do novo é uma atitude nutritiva e afetiva, profundamente mais ativa que o
falar.
É de grande importância, ao buscarmos uma fundamentação acadêmica e
científica da afetividade, no processo educativo, encontrar em um educador como Paulo
Freire a identificação do pensamento pedagógico biocêntrico7, expresso nas suas
palavras abaixo: “[...] O que importa na formação docente é a compreensão do valor dos
sentimentos, das emoções, do desejo, da insegurança a ser superada pela segurança, do
medo que, ao ser “educado”, vai gerando a coragem” (Idem, 1999, p. 50). Trata-se de
considerar o significado da Afetividade e do conhecimento na vida humana como fator
de integração em todas as dimensões da realidade da vida humana em que se expressa
dinamicamente. A Afetividade não é um organismo vivo, mas a primeira e grande
característica da vida, expressa como potencial no ser individual e no grupo humano. A
vivência da Afetividade é momento originário e constitutivo de relações que, deveriam
tender a se estabilizar e formar um modo de ser e de viver, um conhecimento, uma
cultura em rede, no mundo globalizado.
Em “Pedagogia da Autonomia” (1999), Paulo Freire argumenta que ensinar
como transmissão de conhecimento significa e implica a existência de um conhecimento
7 De uma forma simbólica e poética, podemos dizer que, o princípio biocêntrico emerge em nós na percepção profunda, emocionada e vibrante da vida, efervescente em nossos corpos, em nosso ser, e no universo. A vida se deixa sentir como uma dança cósmica que perpassa nossas células, nossas vísceras e o universo em movimento integrado. A vida se faz uma força poderosa que tudo mobiliza pela amorosidade, nos acorda no contato e no vínculo, nos protege a alimenta no amor. É a certeza que brota dos impulsos instintivos, dos desejos mais radicais e do desfrute do prazer de nossas ações. Ela fala pela força criativa e recriadora que se estende pelos campos, pelas matas, pelas nossas mentes, pelas nossas mãos, nos úteros fecundos. É a vida que impregna as palavras de poesia, as cores do universo, os acordes das músicas de amor, de celebração e de indignação. É a vida que flui no espaço, se recolhe no silêncio e saúda no amanhecer. A vida na razão de viver, de trabalhar e de transformar; a vida como harmonia e ultrapassagem. A vida sempre além dos horizontes de qualquer projeto. A vida nos passos ensaiados, no sorriso da criança, no caminhar firme do adulto e na sabedoria do idoso. A vida nos alimentos, a vida no vento, a vida nas águas e nos rochedos; a vida em milhões de seres que se movem no planeta; a vida na brisa, nos oceanos e no profundo dos pensamentos soltos. A vida que irrompe no mistério dos olhos felizes, nos sorrisos, nos rostos transfigurados. A vida que se torna exigência absoluta de cuidado no rosto do pobre, do oprimido, do excluído e do enfermo. Profunda e vibrante emoção de simplesmente existir. A visão biocêntrica emerge da Vivência do Princípio Biocêntrico: O universo é considerado um organismo vivo em processo de caos – filogênese – ontogênese (TORO, 2005) (antropogênese) em convergência integradora orientada pela amorosidade, expressa no movimento da força da vida, ampliada pelo princípio criativo, realizada na concretização viva do desejo mais profundo, conservada pelo princípio da reprodução e auto-poiese, harmonizada pelo princípio da integração e transcendência. Em tudo um movimento aberto, integrado, crescente, evolutivo.
145
pronto, acabado e que a tarefa do educando seja simplesmente absorver e memorizar.
Assim, ele coloca, em primeiro lugar, a consciência do inacabamento do conhecimento
porque ele corresponde a um processo dialético, analítico e vivo da vida em permanente
movimento e transformação criativa. Por outro lado, ainda segundo o autor, ensinar
exige o reconhecimento do ser condicionado historicamente e também por potenciais
genéticos inseridos em nosso corpo. Mais radicalmente, ensinar exige respeito à
autonomia do educando no seu processo de construção do conhecimento e na
construção de sua vida. Por isso o bom senso deve estar sempre desperto e permitindo o
movimento de fluidez, de percepção às armadilhas ideológicas das falas e das atitudes
incoerentes.
Em respeito à autonomia e ao processo do educando, o professor não precisa da
arrogância por saber. E, sim, por uma competência humildade de ser reconhecer
inconcluso e que na verdade se desvela no seu processo de construção. Essa atitude de
humildade significa a espera tolerante do movimento do educando. O professor situado
na participação ativa do ser inacabado deve ser o exemplo primeiro da luta em defesa
dos seus direitos, sendo este testemunho da fonte de mobilização educativa dos seus
alunos. Para ensinar é preciso apreender a realidade e incrementar o processo educativo
de alegria e de esperança, convicto de que a mudança é possível e realizada em cada ato
seu. Este processo pode despertar cada vez mais a curiosidade do educando de um nível
de ingenuidade para um nível crítico epistemológico.
A relação empática entre professor e aluno torna o processo de aprendizagem
mais perene. Pois, o educando vê na postura do profissional, uma figura única na sua
vida e este tem de procurar corresponder às expectativas de seu educando, pois, para
que o resultado do processo de aprendizagem seja satisfatório é essencial que o
educador perceba que o educando possua um repertório de conhecimentos que facilite,
deste modo, a relação afetiva e o desempenho do professor e do aluno.
O professor como aquele que pela dialética no sentido freiriano (teoria e prática),
torna possível o processo de ensino e aprendizagem, aberto as novas experiências, tem
que procurar compreender, dentro de uma relação empática afetiva, os problemas e
sentimentos de seus alunos, e tentar levá-los a auto – realização. A responsabilidade da
aprendizagem fica vinculada ao aluno, àquilo que é mais significativo para ele.
Portanto, esta responsabilidade, deve ser facilitada pelo professor. O processo de ensino
depende, também, da capacidade de cada educador, da aceitação e compreensão e da
relação mantida com o aluno.
146
Um docente que se coloca como “dialógico”, “canal” do processo de elaboração
do conhecimento, se coloca na posição de mediador da aprendizagem, ou seja, de um
eterno aprendiz. Pois se torna consciente de que não possui o monopólio do saber que
lhe cabe transmitir como uma verdade absoluta e inquestionável. Primeiramente, não
existe um saber, mas saberes. Esses saberes são conquistados pela ação de processar
informações, relacioná-las e aplicá-las na resolução de problemas significativos.
Aprende-se fazendo, refazendo, recomeçando, e também refletindo sobre a própria ação
de fazer. O educador precisa se envolver com questões epistemológicas de todo o
processo pedagógico e não reduzir o se saber em apenas competência, mas dar
importância a todo um conjunto de saberes. O educador necessita, assim, continuar sua
formação ao longo de toda a vida e saber por que está ensinando e o que está ensinando,
precisa saber pensar, necessita associar ensino, pesquisa e envolvimento comunitário.
Assim, formar um professor ou educador para Paulo Freire (2005, p. 7) é investir
em “[...] um pensador comprometido com a vida: não pensa ideias, pensa a existência”.
Trata-se de uma educação que se converta numa luta política e libertadora à favor dos
oprimidos e excluídos e por justa causa a apelidamos de “Educação como Prática da
Liberdade” ( Idem, p. 31).
A educação como prática de liberdade, encontra eco na pedagogia adorniana
anunciada num de seus ensaios, intitulado “Educação após Auschwitz”, é fazer uma
asserção das mais categóricas, simples e curtas, mas repleta de significações em seu
fundo. Não queremos a repetição da barbárie nunca mais. “A exigência de que
Auschwitz não se repita é primordial em educação” (ADORNO, 1995, p.104).
Eis aí o ponto que nos interessa: a educação para um mundo que destrua de vez
o fantasma de Auschwitz ou ao menos resista bravamente a ele. A educação como
garantia de emancipação individual. Com isso Adorno nunca se preocupou tanto como
depois da experiência da Segunda Guerra, mesmo que à época suas conclusões teóricas
apontassem para a inexorabilidade do que chamou “mundo administrado”, produto
acabado do processo de esclarecimento que paradoxalmente ocasionara um regresso e
franqueara o surgimento do nazifascismo; mundo submetido, daí por diante, pela
indústria cultural, pelo processo de coisificação dos homens. Vale a pena à citação: Temo que as medidas que pudessem ser adotadas no campo da educação, por mais abrangentes que fossem não impediriam que voltassem a surgir os assassinos de escritório. Mas que haja pessoas que, subordinadas como servos, executam o que lhes mandam com o que perpetuam sua própria servidão e perdem sua própria dignidade;
147
que haja outros Bogers e Kaduks, contra isso se pode fazer alguma coisa pela educação e pelo esclarecimento (ADORNO 1995, 123).
A educação perderá sem dúvida se utópica e ingenuamente quiser trombar de
frente com o mundo administrado da barbárie de escritório e burocratizado, mas sempre
terá uma chance caso se volte para o indivíduo. Dificilmente o ensino reverterá os
passos da civilização que em simultâneo progride e regride, sempre poderá, todavia,
combater no indivíduo a suscetibilidade a essa barbárie. Nunca haverá inteira garantia
contra o recrudescimento dos campos de concentração, a cicatriz de Auschwitz não
desaparecerá jamais. Os educadores poderiam, contudo, educar de modo tal que tais
campos, se reaparecidos, não mais dispusessem, ao menos não com tanta facilidade, de
algozes nem sentinelas.
À primeira vista, pode parecer que Theodoro W. Adorno era contra a Educação.
Pelo contrário. As críticas ao processo pedagógico são consequência do reconhecimento
pelo autor da capacidade que ela tem de transformar as relações sociais. Fica evidente,
em sua obra, a defesa de um projeto de libertação do homem por meio da formação
acadêmica, porém uma formação de amplitude humanística. Investir na formação
técnica, científica e profissional dos professores. Porque “[...] embora em grande
medida desapareça sua base social, a deformação psicológica de muitos professores
perdura, se minhas observações nos exames oficiais de seleção não me enganam”
(ADORNO, 2005, p. 115). Pois só assim mudanças profundas acontecem.
Mudanças de fundo exigem pesquisas acerca do processo da formação profissional. Seria preciso atentar especialmente até que ponto o conceito de necessidade da escola oprime a liberdade intelectual e a formação do espírito. [...] Mas não se deve esquecer que a chave da transformação decisiva reside na sociedade e em sua relação com a escola (Idem, 2005, p. 116)
Portanto, para Theodoro W. Adorno, a formação deve ser uma arma de
resistência a qualquer forma de dominação do indivíduo engendrado na sociedade
industrial na medida em que contribui para a formação da consciência crítica e permite
que o indivíduo desvende as contradições da coletividade. “[...] O pathos da escola hoje,
a sua seriedade moral, está em que, no âmbito do existente, somente ela pode apontar
para a desbarização da humanidade, na medida em que se conscientiza disto” (Idem,
2005, p. 117). O autor defende um processo educacional capaz de criar e manter uma
sociedade baseada na dignidade e no respeito às diferenças. Segundo ele, o mundo
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estaria danificado pela falta de capacidade dos indivíduos de resistir ao processo de sua
própria alienação. Mesmo quando a Educação considerada ideal estiver limitada e
condicionada a uma realidade nada promissora. Pode-se dizer que Adorno advoga um
projeto pedagógico que consiga libertar da opressão e da massificação. Para entender o
seu pensamento em relação à Educação, é importante compreender as críticas que ele
faz à indústria cultural que de certa forma aliena e subjuga o individuo engendrando
outras subjetividades.
Ao relacionarmos o pensamento de Theodor Adorno frente ao do Paulo Freire
quanto ao fazer pedagógico convêm afirmar que esta aproximação deve ser tomada
enquanto um exercício reflexivo que nos ajudou a refletir sobre o nosso objeto em
questão, a saber, o diálogo e o afeto enquanto motriz pedagógico. Em última análise,
advogamos para uma relação de ensino-aprendizagem que prime pela inclusão de todos
os alunos numa escolaridade que os dignifique e os respeite através da responsabilidade
ética, política e profissional por parte dos envolvidos em tal processo.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Depois da nossa explanação a respeito do diálogo e do afeto na relação professor
aluno, aluno e professor. Assim como a relação entre os alunos, chegamos a conclusão
de que a influência do afeto e do diálogo pode alterar, proporcionar equilíbrio ao logo
do processo de ensino e aprendizagem. O diálogo e o afeto exercem função de mediação
por excelência e podem restabelecer a auto-regulação da pessoa humana e com seus
iguais. E que o fim da educação não é formar a criança de acordo com modelos, nem
orientá-la para uma ação futura, mas dar aos educandos condições para que resolvam
por si próprio os problemas do seu tempo e que sejam sujeito da sua própria construção
histórica, cultural, social e política.
Trabalhar pensamentos e sentimentos, dimensões estas indissociáveis no fazer
pedagógico, requer dos profissionais da educação a disponibilidade para se aventurarem
por novos campos de conhecimento e da ciência para darem conta, minimamente, de
realizarem as articulações que a temática solicita. Neste sentido, é exigido dos
professores e de todos que trabalham na escola, uma capacidade de mobilização interna
para se envolver em novos caminhos. Buscar novas teorias, rever os conhecimentos e
abrir mão de verdades pré-estabelecidas. Desconstruir valores pessoais e inculcar novas
perspectivas significativas dos alunos, na construção de um saber que se estenda por
toda sua vida.
O desenvolvimento da inteligência permite, sem dúvida, que a motivação possa
ser despertada por um numero cada vez maior de objetivos de situações. Todavia, ao
longo desse desenvolvimento, o principio básico permanece o mesmo: “afetividade é a
mola propulsora das ações e a razão está a seu serviço” (TAILLE, 1992, p. 68).
Estivemos diante de uma tarefa árdua a ser discutida devido a complexidade do assunto.
Ante isso, pensamos em levar algumas contribuições e reflexões sobre o tema, devido a
realidade que se encontra o funcionamento educacional, através de eixos pertinentes à
postura e praticas pedagógicas. Atitudes estas que não motivam os educandos a se
interessarem pelo desejo de aprender. Sendo assim, mediante o estudo bibliográfico,
percebemos a impossibilidade do fazer pedagógico sem a presença do diálogo e do
afeto.
Trata-se, porém, como vimos de uma difícil empreitada, que exigiu coragem
para se enfrentar o desafio posto, qual seja operar com alguns pressupostos da teoria
freiriana e abrir mão de verdades há muito estabelecidos. Todavia, foi um desafio
150
salutar para o avanço da nossa compreensão de temas que envolvem a educação, mais
especificamente, a relação professor-aluno. Considerar o diálogo e o afeto entre os
sujeitos envolvidos no processo da educação, pode contribuir para a amenizar o
"analfabetismo emocional" na relação professor-aluno. Precisamos de uma educação
libertadora e de consciência crítica de mundo, que seja compartilhada com milhares de
excluídos e que adote a ética universal do ser humano. Para tanto se faz necessário uma
educação autossustentável pautada em teorias educacionais há muito estruturadas que
reafirmam os valores da ética global, da integridade ambiental e da justiça econômica e
sociocultural.
É neste sentido que pretendíamos apontar a nossa compreensão no contexto da
filosofia da educação ao operar com os conceitos de Paulo Freire e outros que nos
fizeram perceber a educação enquanto um princípio instrumental no processo de
desbarbarização da sociedade e da libertação do homem. Este processo pode permitir
fazer uma nova leitura de mundo na possibilidade de criar necessidades e resgatar a
centralidade da preocupação com o ser humano no processo educacional. O resgate, por
sua vez, deve ser voltado para o futuro que prioriza a construção do sonho de uma
cidadania planetária de alteridade sustentável nas relações de afeto e de diálogo.
A contribuição deste trabalho consiste justamente no crescimento constante da
vida, à medida que se aumenta o conteúdo da experiência e o controle que se exerce
sobre ela a partir das relações dialógicas e afetivas.
Procuramos, neste trabalho, antes de tudo colocar o aluno como centro do
processo educativo como sujeito. Livrá-lo do papel controlador do professor. Cabe a
este o dever de criar as condições para que o aluno desenvolva sua experiência e se
estruture, por conta própria. O conhecimento torna-se fundamental a criação de uma
relação entre o professor e o aluno. Nesse contexto, como educadores pretendemos
introduzir o pensamento liberal democrático, colocar no plano do pedagógico o diálogo
e o afeto.
Considerar o ensino-aprendizagem como algo que está necessariamente
implicado no processo interativo professor-aluno supõe admiti-lo também como
movimento contínuo e dinâmico. Para que a aprendizagem aconteça é necessário que o
professor reconheça seu papel diante da interação que manterá com seu aluno. O
professor deve estar atento a sua função primeira: saber apresentar condições favoráveis
à apropriação, por parte do discipulado, de conhecimentos acumulados e socialmente
151
tidos como relevantes. São estes conhecimentos que servirão de instrumental para seu
agir no mundo, para o pensar sobre si e sobre a sua prática pedagógica.
Assim, diante de uma relação afetiva com os educandos, o professor terá como
papel principal no processo de ensino e aprendizagem, ser o pedagogo no sentido que
Paulo Freire lhe confere, podendo gerenciar e ajudar a solucionar as dificuldades
geradas pelas e nas relações de contra transferência do conhecimento e sim na sua
construção conjunta. E neste campo, o diálogo e o a afetividade na relação professor
aluno contribuirá no processo cognitivo, favorecendo solucionar dificuldades de
aprendizagem ocasionadas na relação educacional. Daí que, seja de extrema importância
rever as influências e a relação afetiva na vida humana, através de um elenco de
informações sobre este tema, no contexto educacional.
É necessário perceber a importância de estudar o papel das interações afetivas
intermediadas pelo diálogo em sala de aula, pois a partir das mesmas, observa-se a
grande utilidade do diálogo e do afeto no processo educativo. Para a comunicação eficaz
destas interações exige-se o saber amar, o saber escutar que envolve a diferença entre
falar numa dimensão autoritária e unidimensional e o falar com o outro na contínua
praticidade dialógica. Assim se entende que somente os princípios democráticos que se
alicercem no afeto e no diálogo propiciam nos alunos um significativo autocontrole,
auto-estima e capacidade de iniciativa autônoma. Por meio deste processo pode-se
fazer frente às inevitáveis preocupações da nossa realidade educacional e ponderar
sobre a importância das interações professor-aluno para a eficácia do processo ensino e
aprendizagem.
Estamos ainda longe de esgotar o assunto. Até porque a ciência nos prova que o
homem é um projeto em construção permanente e a educação escolar exerce um papel
fundamental neste processo. Ela deve exercitar a democracia e a cidadania, enquanto
direito social, através da apropriação e produção dos conhecimentos. Para tanto, faz-se
necessária a busca de uma sociedade isenta de seletividade e discriminação, libertadora,
crítica, reflexiva e dinâmica, onde homens e mulheres sejam sujeitos de sua própria
história.
Contudo, como tivemos a ocasião de frisar neste trabalho, a escola por si só não
forma cidadãos, mas pode preparar instrumentalizar e proporcionar condições para que
seus alunos possam se firmar e construir sua cidadania. Ela é uma instituição que sofre a
influência de, e influencia aquilo que acontece ao seu redor, portanto, não é neutra, mas
152
resultante da totalidade de atos, ações, valores e princípios da realidade histórica que
interfere nos seus procedimentos.
Com este trabalho pretendíamos contribuir para a reflexão que incentive uma
participação ativa do professor e do educando nas instâncias da educação. Esperamos
assim, ter dado um incentivo para a construção da percepção mais ampla do papel do
diálogo e do afeto na relação professor e aluno. E, consequentemente, ficaremos
satisfeitos se este trabalho for tomado como mais uma contribuição na crença de todos
aqueles que sustentam a utopia de que é possível a educação humanizada,
humanizadora, libertária e libertadora dos anseios dos educandos assim como dos
professores na sociedade contemporânea.
153
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