SAMBA - CANÇÃO

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HQ TEXTO DE KIKO DINUCCI ILUSTRAÇÃO DE GINA DINUCCI MODELO: NILCE WATACE

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Noites e noites a fio, navalha escura. O tempo passa e ele não vem, sequer telefona. Noto agora que o velho cobertor não disfarça a tremura da pele suada.

Pra onde meu bem estará voltando agora?

Todos andam sérios, compenetrados, voltando do trabalho, estão confor-táveis, embora não pareçam felizes por completo.

Vejo a sua imagem em cada penumbra que se movimenta lá fora. Pode estar agora numa casa limpa, afogado no colo de alguém e gozando de afagos, como

um gatinho mimado e manhoso encontrado na rua e que mia pra saciar a fome.

Pode estar agora numa casa limpa, afogado no colo de alguém e gozando de afagos, como um gatinho mimado e manhoso encontrado na rua e que mia pra saciar a fome.

O que ofereci eu a ele todo esse tempo? Hoje, nessa noite eu só posso oferecer o meu rancor

Juro que se ele entrasse por essa porta agora agiria como uma assassina e aproveitaria cada segundo do meu teatro

Que barulho é esse? Não pode ser o passo dele.

É um passo embriagado.

Talvez esteja bêbado e tenha se transformado num estranho.

Vai entrar no quarto, mergulhar de bruços na cama, sem ao menos tirar sapato e roupa ou dizer boa noite.

Dama da noite.

Examinaria a sua camisa. Marcas de batom. Os passos se aproximam. O cheiro da outra. O cheiro não engana.

Agora os passos se afastam. Ele se distancia como um fantasma acuado.

Quando há outra pessoa percebemos pelo cheiro que se alastra.

Mas procuro o meu amado em cada canto, em cada fresta, entre a poeira e a fuligem cinza.

E cada detalhe vem à tona.

Eu sei que aqui ele não está

E mesmo que eu desista da busca, os vestígios me perseguem.

Sou covarde demais pra me matar. Cortar os pulsos. Saltar do décimo primeiro andar. Tomar chumbinho, ou morrer de tristeza.

Sinto já uma necessidade destrutiva que só finda com a cinza absoluta.

De tanto querer bem, sinto ódio e quero judiar do meu amor. Tenho a crueldade ingênua de uma criança que põe fogo numa formiga.

O ciúme me arde os olhos. A felicidade já não basta.

Sinto já uma necessidade destrutiva que só finda com a cinza absoluta.

De tanto querer bem, sinto ódio e quero judiar do meu amor. Tenho a crueldade ingênua de uma criança que põe fogo numa formiga.

O ciúme me arde os olhos. A felicidade já não basta.