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SANEAMENTO, INVESTIMENTOS E (RE)QUALIFICAÇÃO URBANA

UMA CONSTRUÇÃO INTERDISCIPLINAR

São Paulo e os desafios territoriais

CONSEMA – junho 2019

Na década de 80 assistiu-se no Brasil ao processo de

institucionalização da questão ambiental e sua tradução em

dimensões de política pública, com a criação do Sistema

Nacional do Meio Ambiente, na esfera federal, com foco

principalmente para a proteção das florestas, e em seguida, na

esfera estadual.

Por outro lado, a regulação e controle do ordenamento das

cidades é atribuída aos municípios desde o período colonial,

em que era exercida pelas Casas de Câmara (posturas

municipais), constituindo responsabilidade local desde então.

Os dois sistemas se entrecruzam na cidade

Urge discutir o conceito e especificidade do meio ambiente

urbano, observando-o em todas as suas dimensões, num quadro

em que a grande desigualdade social no Brasil faz com que a

dificuldade de acesso à cidade e à moradia social ocupe um

lugar de centralidade na abordagem das cidades e metrópoles.

A questão ambiental urbana deve ser vista a partir de duas

situações extremas que a expressam: os assentamentos

precários nas franjas periféricas junto aos mananciais e em

áreas ambientalmente sensíveis e as áreas centrais,

consolidadas, que perdem população mas têm potencial de

adensamento.

Nas franjas periféricas distantes, precárias e desvalorizadas no

mercado imobiliário, os conflitos se manifestam entre a preservação

ambiental e a demanda por assentamento urbano de população

pobre, sem acesso a alternativas, assentando-se de modo precário,

irregular, junto aos mananciais e áreas protegidas, em condições de

prejuízo ambiental.

No centro equipado, valorizado e com grande oferta de empregos,

têm lugar as disputas territoriais associadas a um quadro edificado

que se torna obsoleto para alguns tipos de usos, ficando sujeito à

precarização pelo envelhecimento sem manutenção e ao abandono.

É nesse contexto que se dá o confronto entre a propriedade fechada

e sem uso aguardando valorização, a possibilidade de moradia de

baixo custo, e os projetos de renovação que expulsam a população

local de renda mais baixa.

Se afinam num mesmo olhar – de que os processos que se dão

respectivamente nas franjas periféricas e no centro se articulam

e expressam uma mesma lógica de acumulação e exploração do

homem e da natureza.

Daí o argumento de que a proteção ambiental urbana tem que

seguir dinâmica própria e não a mera transposição do

pensamento ou do fundamento aplicado ao restante do território.

Lei nº 6766/79 que impede a promoção e venda de loteamentos

precários e de baixo custo

Maior controle sobre os assentamentos em áreas ambientalmente

frágeis e protegidas por lei

Densidade aumenta nas favelas. Verticalização informal e sem

condições técnicas e aumento de moradores por domicílio

Onde e como acomodar esse crescimento é o grande desafio

70 km

30 km

Cidade de 70 anos: entre 1940 e 2010

cresceu 18 milhões de habitantes

Crescimento 2000-2010 de 0,97% ao

ano: 190 mil hab/ano

Desafio na periferia frente ao passivo existente

Fica explícito que a busca por um padrão urbano e ambiental

possível, que não é o padrão estabelecido em lei para a cidade

“formal”, coloca em questão a aplicação da legislação ambiental

sem distinguir a especificidade de cada ocupação a regularizar.

Cria-se um paradoxo porque, se de um lado, a completa

flexibilização das exigências ambientais pode comprometer a

melhoria da qualidade ambiental da intervenção; por outro lado

a sua aplicação sem flexibilização ou adequação à ocupação

existente pode inviabilizar a regularização ou promover grandes

remoções de moradias, reproduzindo o padrão de exclusão

socioterritorial.

Desafio no centro

A potencial viabilidade econômica se traduz em inviabilidade

urbanística e ambiental – caso ZEIS3

1. O desenho ambiental de infraestrutura urbana nas franjas

ocupadas da RMSP

Projeto Manejo de Águas Pluviais em Meio Urbano, projeto em

rede, abrangendo 16 equipes de diferentes universidades, FINEP/

Ação Transversal – Saneamento Ambiental e Habitação

A contribuição específica dos arquitetos urbanistas nesse projeto

é desenvolver alternativas urbanísticas que incorporem no

próprio desenho urbano, técnicas compensatórias, de gestão de

água pluvial, particularmente nos casos de regularização, buscando

recuperação ambiental e melhoria dos espaços públicos, e minimizar

o impacto da ocupação urbana feita de modo informal, por

autoconstrução, sem infraestrutura, sob risco físico, em áreas que

formalmente são ambientalmente protegidas por lei.

Outro desafio da pesquisa é trabalhar a drenagem urbana como

central do redesenho do espaço urbano, tratada como um serviço

urbano, envolvendo assim novas formas de solução do conflito

habitação e proteção ambiental, e da adoção de soluções pouco

aplicadas, tanto junto a população como ao poder público.

Também é preciso considerar que técnicas compensatórias

frequentemente exigem condições sociais locais que garantam

sua manutenção.

Experiência de canteiro-escola, como meio para a construção coletiva

(universidade, moradores, prefeitura) de soluções, num conjunto de

loteamentos populares à beira da represa Billings, em São Bernardo

do Campo.

[imagem] Tese Luciana Ferrara

A pesquisa FAUUSP Qualificação urbana e ambiental de loteamento irregular com recurso a técnicas compensatórias e intervenção da comunidade

Rua Bertioga

Passagem Boa Vista

Parque dos Químicos e Nova América, 2012 Obras no local

Alvarenga Demarcação de bacia

TRATAR O PASSIVO: REVER PARADIGMAS

. Conflito de direitos e ajustamento de conduta

. O dever de adotar a melhor solução

. Promoção de uso sustentável nas áreas ainda não

ocupadas

. Recuperação urbanística e ambiental das áreas

ocupadas / redução de danos

. Alternativas urbanísticas

2. As especificidades da questão ambiental em área central:

Nessas áreas a requalificação urbana e ambiental depende de

soluções de desenho urbano e habitacional que permitam a ampliação

da densidade, mantendo condições ambientais adequadas,

particularmente em termos de acesso ao sol, ventilação, salubridade

de um modo geral e soluções adequadas de drenagem e prevenção

de enchentes, ampliando áreas verdes.

Adota-se como eixo central o conceito exigências humanas provém de

estudos de habitabilidade das edificações.

A pesquisa estende tais formulações, das edificações para o bairro e

para o espaço urbano mais amplo, considerando apenas as

exigências referentes ao meio ambiente.

Critérios Requisitos Variável

Sociourbana

Exigências

Humanas

Variável

Ambiental Requisitos Critérios

Densidade

populacional

máxima

adequada

Controle da

Densidade (cálculo

baseado nas

distâncias máx. de

caminhada até

serviços de

transporte)

Capacidade de

alocar mais do que

a população

residente,

atendendo parte da

demanda

habitacional da

metrópole

Adensamento

Populacional

SALUBRIDADE

(ISO 6241 - item

11 Hygiene

requirements;

NBR 15.575 –

item

Habitabilidade)

Acesso ao Sol

Disponibilidade

de

iluminação

Natural

Horas mínimas de

insolação na

fachada

Efeito de

sombreamento no

verão

Espaços abertos

sob

exposição solar no

inverno

2 horas de sol no

solstício de inverno

(Miana, 2010)

Disponibilidade

de

Vento

Taxa mínima de

Ventilação

(ventilação

higiênica)

Método de

simulação

com aplicativo

CFD/CF

Tipologia Lâmina/

maior

permeabilidade

verificada

(LABAUT)

Conforto Ambiental e Conforto Sociourbano

Critérios Requisitos Variável

Sociourbana

Exigências

Humanas

Variável

Ambiental Requisitos Critérios

Formação de

Cooperativas de

desenvolvimento/manut

enção da autonomia do

trabalhador

(LABHAB)

Provisão de Espaço

Físico para

cooperativas ou

associações de

catadores; Provisão de

Espaço Físico para

Programas Assistenciais

envolvendo os catadores

individuais

moradores de rua (provisão de

residência, abrigo,

alimentação, cursos de

formação, ONGs)

Reciclagem de

Resíduos

Sólidos

REDUÇÃO DO

IMPACTO

AMBIENTAL

(ISO 6241 - itens

4 Tightness

requirements;

NBR 15.575 –

item 18

Adequação

Ambiental)

Redução de

Consumo de

Energia não

renovável

Pegada Ecológica

dos

Estacionamentos

Frente do lote livre, sem

estacionamentos

90% dos edifícios não

devem possuir garagem

(LEED ND, 2009)

Provisão de habitação

na área central,

evitando expansão

periférica (LABHAB)

Habitação Preservação dos

Mananciais

Trajetos a serem

percorridos a pé

Ao menos 50% das

UH: 400m de pontos de

ônibus/táxi (aprox. 5 minutos

a pé)

800m de estações de trem e

metrô (aprox. 10 minutos a

pé) (LEED ND, 2009)

Geração de

Energia

Renovável

Energia “limpa” via

painéis fotovoltaicos

15% de redução no

consumo de energia

das edificações do

setor residencial (Miana,

2010)

Reciclagem de

Resíduos Sólidos

Coleta de

recicláveis

Previsão de

Ecoponto

Ao menos 1 ecoponto

Ao menos 1 estação de

reciclagem (coleta, separação

e armazenamento)

(LEED ND, 2009)

Prevenção de

Alagamentos

Permeabilidade

do solo,

drenagem

Índice de

permeabilidade

mínimo de 30% do

solo urbano (contra

10% da legislação

vigente) (Miana, 2010)

Ambos são casos de trabalhos interdisciplinares, na interface de

questões ambientais e sócio-urbanas, em que o rigor específico

de cada área tem que dialogar com as inúmeras restrições de lidar

com a cidade real e seus usuários e suas diferentes referências

culturais

As hipóteses iniciais de técnicas compensatórias a implantar

tiveram que ser revistas do ponto de vista técnico e de sua

articulação com técnicas tradicionais.

No caso das ZEIS, em que se buscava identificar elementos de

qualidade ambiental no âmbito do Conforto, desenvolveu-se o

instrumento de análise “qualidade socioambiental”

O tema urbano ambiental é essencialmente interdisciplinar e

como todas as questões que exigem essa abordagem, demanda

certas condições.

É fundamental evitar que a interdiciplinaridade se transforme

em superficialidade em todos os assuntos. Para construí-la é

necessário que cada um domine a fundo sua área do

conhecimento, com muita clareza sobre opções e paradigmas

assumidos e defendidos, mas que adote uma postura de

generosidade para ouvir o outro e buscar entender para dialogar

com a racionalidade ou as razões de cada área do conhecimento.

Talvez o conceito de mitigação seja determinante para essa

construção.

Mitigação entre ideal e realidade, entre a normativa e o

passivo, entre áreas do saber

Inserir a questão ambiental de fato na esfera urbana implica

em garantir para todos adequada condição de assentamento.

Implica em evidenciar que o modo inadequado de tratamento

dado à natureza é parte da relação dessas condições com o

modo de produção e com o padrão pautado pela sociedade

de consumo.

Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos

FAUUSP

www.fau.usp.br/labhab

Maria Lucia Refinetti Martins

malurm@usp.br

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