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LINHA MESTRA, N.23, AGO.DEZ.2013 258

SESSÃO 15 – ENTRE AFETOS E ENCONTROS COM IMAGENS

POSSÍVEIS CONEXÕES PARA UMA APRENDIZAGEM AFETIVA NO ENCONTRO ENTRE PINTURA E CINEMA

Marcus Novaes1

Introdução

O presente trabalho busca problematizar a possibilidade de uma aprendizagem afetiva

no encontro com artes. Para tanto, utilizaremos como intercessores alguns conceitos de Gilles Deleuze e

algumas de suas ressonâncias e dissonâncias às estéticas outras de vida em um possível desmolde de subjetivações que nos possibilitem distanciar e fugir de transportes de similitudes e comportamentos dados.

Encontraremos também como profícuo intercessor o curta-metragem, The Alphabet (1968), de David Lynch, para pensarmos pintura, som e cinema em possíveis conexões com o conceito de modulação, também pensado por Deleuze, em partes de suas aulas a respeito de Pintura e Cinema, entre março de 1981 a junho de 1983.

Tentaremos apontar que este conceito, afastado do mero transporte de subjetividades e maneiras de agir, poderia, quando pensado fora da categoria exclusiva de relações de semelhanças e padronizações de comportamento, provocar-nos outras intensidades com as quais não meramente agiríamos e reagiríamos pela significação e disposição dos estados de coisas.

Para tanto pensaremos com Deleuze, a modulação conectada ao conceito de diagrama e outras (des)organizações que poderiam se abrir em territórios aparentemente dados, permitindo sentirmos e pensarmos diferentemente quando atacados por um encontro intensivo, no caso, com a arte.

Poderíamos em um encontro com arte sermos afetados, momento em que nossos sentimentos seriam balançados e um novo signo aparecesse e vibrasse, nos possibilitando outras formas de sentir? Apostamos que uma aprendizagem seja possível ao sentirmos afecções, nos afastando da ideia de que o afeto seja bom ou mal, este seria pré-linguístico, pré-moral, pré-estético, pré-psicológico.

Entre modulações: pintura e cinema2 Modulação

O conceito de modulação coloca-se bastante utilizado para pensar a passagem da

sociedade disciplinar para a sociedade de controle e as técnicas de subjetivação capitalista em que a instituição mais forte seria o Marketing.

Deleuze distingue o molde e a modulação diferenciando estes conceitos e como se implicariam nestas sociedades.

Os confinamentos são 'moldes', distintas moldagens, mas os controles são uma 'modulação', como uma moldagem auto-deformante que mudasse

1 Mestrando em Educação na Universidade Estadual de Campinas, na linha de pesquisa Educação, Cultura e Linguagens. E-mail: novaes.marcus@hotmail.com. 2 O texto contém várias notas de estudos a serem melhor trabalhadas e desenvolvidas.

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continuamente, a cada instante, ou como uma peneira cujas malhas mudassem de um ponto a outro. (Deleuze, 2008, p. 221).

O conceito também é muito bem utilizado por Maurizio Lazzaratto (2006, p. 73) em que

o filósofo italiano, pensando as formas de ação do capitalismo na passagem para essa nova sociedade e, conectando a modulação a vários modos de exercício do poder e da regulação a distância, pela captação dos fluxos e desejos, principalmente pelo exercício da tecnologia, ao investir na memória mental ao invés da memória corporal em que as instituições disciplinares agiriam fortemente aponta que:

A sociedade de controle exerce seu poder graça às tecnologias de ação a distância da imagem, do som e das informações, que funcionam como máquinas de modular e cristalizar ondas, as vibrações eletromagnéticas (rádio, televisão), ou máquinas de modular e cristalizar os pacotes de bits (os computadores e as escalas numéricas). (Idem, p. 85).

Aceitando a relevância do conceito de modulação para formas de agir do poder na

sociedade de controle e efetuações nos estados de coisas, usaremos a potência desse conceito em outra direção, já que nosso problema está na possibilidade da potência das imagens em nossos encontros com arte.

Apostaremos na mobilidade do conceito em nos ajudar a pensar pintura e cinema, e apontar diferenças no modo pelo qual a modulação trabalharia em meio a estes, como também apontar possíveis encontros para pensarmos uma aprendizagem afetiva no encontro com arte, possibilitando-nos a pensar o conceito de modulação mais afirmativamente em nossa problemática.

Pintura – Música – e Imagem Cinematográfica

Deleuze nos cursos: A Pintura e as Questões dos Conceitos (1981), Cinema / Imagem e

Movimento (1981-82) e Cinema: uma Classificação dos Signos e do Tempo (1982-83) e nos livros que resultaram de partes dessas aulas: Lógica das Sensações / Cinema 1: A Imagem-Movimento / Cinema II A Imagem-Tempo, trabalha e desenvolve o conceito de modulação, pensado por Gilbert Simondon, para pensar conexões às artes, notadamente, pintura e cinemae, eventualmente, música.

Pintura

Em suas aulas sobre pintura Deleuze (2008) abordará alguns problemas pertinentes à

linguagem, dentre estes, as relações analógicas. Dirá que estas relações não se reduzem a reproduções de transportes de semelhanças. A

analogia poderia passar por duas fases. 'Quando transportamos a similitude de uma relação, reproduzimos semelhanças.' (Idem)

Dentre este primeiro tipo de analogia estaria a figuração, que seria uma analogia, comum, o filósofo francês apontará que neste tipo de analogia há evidência do transporte de semelhanças. Poderíamos pensar que este tipo de analogia pode estar atrelada a um pensamento do marketing, da opinião? Uma produção de uma semelhança que tem por base de relações de similitudes, em jogos de desejos estáveis?

Deleuze então apontará que a fotografia, mesmo em extremos, estaria localizada nesta primeira forma de analogia. Com a fotografia seria difícil escapar de que esta transporta relações de luz, mesmo que haja possibilidades extremas de variações e muitas criações

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possíveis. Mas enfatiza que sem transporte de luz, não há fotografia, não haveria como superar o figurativo.

Destaca então que o figurativo não é visto como algo que se assemelha de algo, é figurativo 'à medida que a imagem é produzida por um transporte de relação similar, por similitude de relação, podendo ser relacionada como desejarmos'. (Ibidem) Fotografia tem sua condição na analogia comum - transporte de similitude.

Deleuze (Ibidem, p.134) dirá que a analogia não se conforma com isso. Também se pode produzir semelhança sem código e sem binarização dos dados. Há 'analogia que poderia produzir semelhança independente de todo o transporte', 'independente de toda a similitude'. Pensa então que este seria o caso da pintura.

Daí Deleuze sacará uma possível definição para pintura, como algo que produz semelhanças independentes de todo o transporte de similitude. "A pintura produz a semelhança e a Figura. Pintura produz semelhanças por meios não semelhantes.” Dá o exemplo de que quando vemos um quadro de Van Gogh, ficamos em frente um ícone, mas produzido por meios não semelhantes. Destacará que isso também é uma analogia.

Deleuze aponta que quando temos um código este é definido por articulação, 'articulem e terão o código' - frisa que se não houvesse nenhuma transferência, nenhum transporte de similitude o que veríamos não implicaria nenhum código.

Pensará então no diagrama e perguntará:

Qual é o ato do diagrama que se distingue da articulação e que não pode se definir nem por transporte nem por similitude, nem por código, nem por codificação? (Ibidem, p.143).

Perguntará ainda, o que seria todo este domínio do analógico?

Não é uma oposição simples entre articulação e modulação. Modulação são valores de uma voz não articulada e há muitas mesclas entre elas. Deleuze dirá então que a linguagem analógica se definirá por modulação. 'cada vez que há modulação, tem linguagem analógica, e por tanto há diagrama.' O diagrama é um modulador, o diagrama e a linguagem analógica são definidos independentemente de toda a referência a similitude. (Ibidem, p. 143).

Assim, para Deleuze, todos os tipos de combinações são possíveis, de modo que

podemos articular fluxos de modulação'. Também 'pode-se injetar o modulatório e neste momento injetarmos um código'. Às vezes é preciso passar por um código para dar à analogia todo o seu desenvolvimento.

Trará a ideia de que a pintura talvez seja a mais alta arte analógica (não a melhor arte) e que pintar é modular. Explorará depois que pintar é modular e o que se modula variará com o problema do pintor. Às vezes se quer extrair luz, às vezes o problema trata de extrair cores, mas a modulação se dará no manejo da tinta, do fundo e de quê e como extrair a figura.

De maneira muito simples se modula o portador ou meio, onda portadora ou medium em função de um sinal. Lembra: 'Vivemos dentro de empresas de modulação. Se modula algo, um meio em função de um sinal a transportar (modulação não é transporte de similitude). '(Ibidem)

'Pintar é modular a luz ou a cor em função de uma superfície plana. E em função do motivo ou do sinal que cumpre o papel de sinal.' Entre todas as pinturas produzo a Semelhança por meios não semelhantes.

De que maneira a luz e a cor são objetos de modulação? O diagrama seria a matriz da modulação. O diagrama é o modulador, assim como a

matriz é a matriz da articulação. Mas não há impossibilidade de se passar por uma fase de

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código se isto faz ganhar algo à modulação. Na pintura abstrata, acreditamos que no cinema também, pode-se nessa operação, fazer ganhar algo novo do ponto de vista de uma linguagem analógica, desde o ponto de vista da modulação da luz.

Cinema

Apontamos a diferença do conceito de modulação implicado em relação a uma analogia

complexa no caso da pintura e a diferença da analogia no caso da fotografia. Como seria a modulação pensada no cinema e o que a difere fotografia de cinema? Deleuze (2011, p. 461) apontará a fotografia como molde luminoso enquanto o cinema

seria uma modulação de luz, ou seja, um molde contínuo e variável da luz. Destacará que na modulação pura, as condições de equilíbrio são alcançadas em um instante, como também muda a cada instante3.

Assim a imagem cinematográfica é uma imagem-movimento ou uma modulação de luz. Deleuze diz que modular a luz, é não parar de extrair o movimento de seu móvel ou de seu veículo. Então, é imagem-movimento em tanto que extrai movimento do seu móvel ou de seu veículo. E é imagem-luz em tanto que modula a luz. Com essas duas imagens alcançaremos imagens indiretas do tempo, segundo Deleuze. Não teríamos movimento sem luz e transformação da luz, e não teria luz sem movimento. A modulação é uma mobilidade.

Deleuze ao desenvolver seu pensamento quanto à imagem-movimento, usa como intercessor o filósofo Henri Bergson, apontando que talvez fora o filósofo que mais teria ido longe ao pensar a matéria.

Nas aulas e nos livro sobre cinema Deleuze frisa que a imagem-movimento não se reduz ao movimento extensivo, ela também se relaciona ao movimento intensivo e ao sublime, enquanto quantidades.

Apontará o que corresponderia entre a imagem-movimento em seu lado intensivo, ao que a matéria corresponde ao movimento extensivo, evidenciando que o segundo caráter da imagem-movimento seria a luz. Imagem-movimento e imagem-luz, como duas caras da mesma moeda.

Se o que nos interessa é a luz captamos nossa imagem-movimento não como imagem-movimento, mas sim como imagem-modulação, imagem-luz. A luz é o movimento intensivo. E se é assim, tem uma natureza diferente do movimento extensivo. O movimento intensivo tem graus, enquanto o movimento extensivo tem partes (um grau não é uma parte de movimento). Esta segunda imagem do tempo é o tempo como composições de luz.

O movimento intensivo passará por graus (Ibidem, p. 470). Deleuze coloca que a luz cai, mas isso não que dizer que despenque, pode permanecer em si (emanação), mas também ascender. O que poderiam ser os graus de luz?

A estes, poder-se-á chamar de cores. As cores seriam os graus de luz. Não há intervalo entre os dois graus, não podemos medi-la como unidade. Mas em tanto que quantidade intensiva sempre pode cair por si mesma, ou seja, chegar a zero. Deleuze coloca que como quantidade intensiva está em função de zero. Toda intensidade pode cair a zero, mas não tem necessidade de cair a zero por ser uma intensidade. 'A luz cai em cima de nós' (Ibidem, p .470), isto é a intensidade, não deixará de nos cair em cima.

Mas como Deleuze define uma intensidade e por que é uma quantidade? É uma quantidade porque como toda quantidade é a unidade de uma intensidade. No caso da extensão são parte sucessivas e a unidade é o agrupamento das partes no uno. (Ibidem, p. 471). 3 Seria interessante apontarmos aqui, o encontro de Deleuze com as artes e com o conceito de modulação de Gilbert Simondon, em que Deleuze o utilizará para pensar alguns pontos com as artes, mais fortemente na pintura e no cinema, embora use algumas vezes a música como intercessora.

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Em pintura e em cinema, nos parece forte a potência da modulação. Às vezes a pintura busca retratar a vida, às vezes o cinema, em ambos aparenta vibrar o conceito de modulação. Parece possível aproximar que tanto a pintura como o cinema correm o risco de cair no figurativo ao tentarem representar a vida. Mas este caso pode nos parecer uma analogia ordinária, uma analogia simples.

Acreditamos que pintura e cinema também possam apresentar outras possibilidades de pensamento, que não o pensamento linear, que não o pensamento reflexionantes de representações de modelos de vida. A pintura trataria de extrair as forças da Figura, o figural, ao passo que o cinema pode nos fazer extrair uma outra imagem, uma imagem-tempo. Há, contudo, um sério risco ao cinema tentar reproduzir pinturas, pode-se cair na análise de estados de coisas e a meras reflexões sobre formas de pintar.

Outra alfabetização entre imagens

Pensaremos agora possibilidades de encontros entre artes, e o cinema parece conectar

diferentes modulações, sem que necessariamente sejamos territorializados em maneiras de agir e reagir às informações apresentadas pelos dados que percebemos, pois às vezes nosso cérebro, no encontro com algumas imagens precisa operar saltos em zonas que não necessariamente nos leva a um reconhecimento imediato.

David Lynch, diretor americano, coloca que o cinema combina muitas formas diferentes de arte. O diretor começou como pintor e a pintura o levou ao cinema. Diz que no cinema temos que construir muitas coisas, ou ajudá-lo a construir. O cinema lida com muitas outras áreas - música, fotografia. No curta-metragem The Alpahbet (1968), Lynch quis fazer um filme pintando e não nega que Bacon é uma de suas grandes inspirações.

A nós parece que os efeitos modulatórios no encontro com as imagens de Lynch, conectando a força desse conceito como apresentamos no trabalho, poderiam desorganizar articulações demasiadamente semelhantes ao aceitarmos abrir mão de nosso reconhecimento estético padrão e aceitarmos o convite para sonharmos e rompermos com o insuportável da moldura rítmica e padronizada ao sentir as intensificações que dos gritos inarticulado da imagem. Convidando-nos a pensar as forças pré-linguísticas e pré-moldadas de nossa educação e talvez permitir que rompamos os códigos que nos forçam um determinado assujeitamento. Uma intensificação tão grande que nos pode dar uma nova qualidade.

Parece que entre pinturas e sons apresentados na imagem-movimento também podemos ter liberados agenciamentos desejantes que não nos estruturam sentimentos. Poderíamos nessas oportunidades devolver a aprendizagem ao que lhe é de direito, paixões não psicologizadas nos encontros com afetos sensíveis, que nos convidam a sentir diferentemente.

O código não parece ser um problema para a aprendizagem se retirado de uma articulação apenas útil, que visa produzir padrões de semelhança. Ao sermos afetados, e aqui apostamos nas forças das imagens para potencializar aprendizagens, poderíamos perceber e sentir diferentemente e apostar na força diagramática de outras apresentações estéticas no encontro com acontecimentos, além da percepção comum.

Referências DELEUZE. G. Conversações, 7ª reimpressão, São Paulo: Editora 34, 2007. ______. Cine I - Begson y Las Imagenes, 1ª ed. - Buenos Aires: Cactus, 2009. ______. Cine II - Los Signos del Movimiento y el Tiempo, 1ª ed. Buenos Aires: Cactus, 2011.

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______. Pintura - El concepto de diagrama. Buenos Aires: Editorial Cactus, 2007. LAZZARATO, M. As Revoluções do Capitalismo, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. LINCH, D. Entrevista disponível em: <http://www.interviewmagazine.com/film/david-lynch/#>. Acesso em: 19 jun. 2013. Filme

LYNCH, D. The Alphabet, 1968.