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Sigaud, operário da pintura

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  • Histria (So Paulo)

    Histria (So Paulo) v.33, n.1, p. 27-49, jan./jun. 2014 ISSN 1980-4369 27

    Sigaud, operrio da pintura

    Sigaud, the worker of painting

    _______________________________________________________________________________________

    Cristina MENEGUELLO Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil.

    Contato: cmeneguello@gmail.com

    Resumo: At o presente momento, nenhuma biografia de flego foi produzida sobre Eugnio de Proena Sigaud. Em portais especializados em arte ou em dicionrios de pintores, biografias concisas de uma lauda repetem as mesmas informaes exausto. Este breve artigo no busca redimir Sigaud deste silncio. Prope, outrossim, entender por que persistem figuras consideradas menores na histria da arte recente no Pas, bem como compreender os processos de perpetuao da memria e de valorizao da obra de certos agentes histricos em detrimento de outros. Os cnones sobre o moderno no Brasil criam seus prprios critrios de narrativa do passado, em que a economia dos discursos da qualidade artstica e o uso interessado e exclusivista de acervos criam invisibilidades e omisses, processo este do qual Sigaud, cuja obra visual eloquente no secundada por textos, entrevistas e farta documentao, exemplar. Na busca destes silncios, este breve artigo elege a m recepo da obra de Sigaud, seu posicionamento poltico de esquerda e sua formao como arquiteto como seus fios condutores, buscando por meio destes aspectos pouco estudados at o momento guiar-se para lanar hipteses que contribuam para a compreenso do trabalho deste pintor. Palavras-chave: Eugnio de Proena Sigaud; biografia; arte moderna brasileira; memria.

    Abstract: Until now, no biography of breath was produced on Eugene de Proenca Sigaud. In portals specialized in art or dictionaries of painters, concise biographies for one page repeat the same information exhaustively. This short article doesnt seek to redeem Sigaud from this silence. It proposes, instead, to understand why figures considered "minor" remain in the recent history of art in the country, as well as understand the processes of memory perpetuation and appreciation of the work of certain historical agents instead of others. The canons of the modern Brazil create their own narrative criteria of the past, where the economy of discourses of the artistic quality and the interested and exclusive use of collections create invisibility and omissions, a process which Sigaud, whose eloquent visual work isnt seconded by texts, interviews and extensive documentation is exemplary. In pursuit of these silences, this brief article elects the poor reception of the work of Sigaud, his leftist political position, and his training as an architect as wires to look through these aspects, poorly studied until the moment, guiding to launch the hypothesis that contribute for understanding the work of this painter. Keywords: Eugnio de Proena Sigaud; biography; Brazilian modern art; memory.

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    Morto quero ser sepultado/Apoiando minha cabea sobre os braos cruzados/ No quero liturgias, nem velas, nem smbolos de religio alguma [...]/ S aps minha morte ser dado a pblico tudo quanto escrevi, desenhei ou pintei, se me julgarem digno disso/[...] Toda a minha realizao em homenagem Minha Raa Mestia. E. P. Sigaud, 07 de janeiro de 1931

    O leitor que decidir, em sua prxima conexo com a internet, digitar de forma prosaica as

    palavras Sigaud e leilo, ser surpreendido por uma avalanche de sites de leiles de arte, mais

    ou menos prestigiosos, que comercializam desenhos a nanquim, guache ou a caneta, leos sobre tela

    ou sobre placa de madeira, tmpera, encusticas ou reprodues assinadas por Eugnio de Proena

    Sigaud (1899-1979). Esta profuso de imagens, de origem certificada ou obscura, retratando, em

    sua grande maioria, operrios da construo civil, faz de Sigaud simultaneamente um dos mais

    vistos e menos estudados artistas modernos do Brasil. E esta apenas uma das contradies que

    podem ser a ele associadas.

    Que processos de invisibilidade histrica so gerados pelas simultneas profuso de imagens

    e superficialidade de informaes sobre um mesmo personagem?

    At o presente momento, nenhuma biografia de flego foi produzida sobre Eugnio de

    Proena Sigaud. Em sites especializados em arte ou em dicionrios de pintores, biografias concisas

    de uma lauda repetem as mesmas informaes exausto. Um livro monogrfico publicado em

    1981 (e que omite vrios aspectos da obra e da vida de Sigaud) e uma recente dissertao de

    mestrado sobre o projeto e a decorao mural da Catedral de Jacarezinho, Paran, reforam este

    silncio lacunar.1 Mesmo as homenagens publicadas no ano de seu falecimento, 1979, limitaram-se

    a repetir textos anteriormente j publicados sobre o artista em vida. Alm dos trabalhos

    mencionados, outros trs breves textos buscaram biografar Sigaud: um em 1952, pelo crtico de arte

    capixaba Lindolpho Barbosa Lima (1952); o livro monogrfico organizado por Quirino

    Campofiorito (1945) sobre Sigaud, na dcada de 1940, e seu ensaio publicado no livro de

    Gonalves sob o ttulo de O trabalho de E. P. Sigaud. Complementam este quadro menes

    esparsas por parte de Frederico Morais e Mrio Pedrosa sobre o artista, em especial sobre a fase de

    pintura denominada proletria.

    Este breve artigo no busca redimir Sigaud deste silncio ainda que sua autora o acredite

    merecedor de um extenso trabalho historiogrfico que avalie sua trajetria ou de uma biografia

    intelectual que o reposicione na histria da arte moderna no Pas. Prope, outrossim, entender por

    que persistem figuras consideradas menores na histria da arte recente brasileira, bem como

    compreender os processos de perpetuao da memria e de valorizao da obra de certos agentes

    histricos em detrimento de outros. Os cnones sobre o moderno no Brasil criam seus prprios

    critrios de narrativa do passado, em que a economia dos discursos da qualidade artstica e o uso

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    interessado e exclusivista de acervos criam invisibilidades e omisses, processo este do qual

    Sigaud, cuja obra visual eloquente no secundada por textos, entrevistas e farta documentao,

    exemplar. Na busca destes silncios, este breve artigo elege a m recepo da obra de Sigaud, seu

    posicionamento poltico de esquerda e sua formao como arquiteto como seus fios condutores,

    buscando se guiar por meio destes aspectos pouco estudados at o momento para lanar hipteses

    que contribuam para a compreenso do trabalho deste pintor.

    Figura 1 Armadores do metr. Desenho a caneta hidrogrfica. E.P. Sigaud. 1976. Col. Particular

    Imagem sntese do trao de Sigaud, o operrio da construo civil preparando o pilar de

    ferragem recm-preenchido por cimento, recortado contra o cu ao lado de outros companheiros

    trabalhadores e acachapado pelo restante da construo remete aos operrios heroicos e viris

    retratados pelos pases socialistas ou representao, tambm perseguida pela obra fotogrfica, das

    poses e tores do corpo no ato do trabalho. O corpo do operrio transformou-se em marca

    autnoma das obras de Sigaud, quem, entretanto, fazia questo de ressaltar que se tratava no de um

    operrio imaginado, mas de um trabalhador testemunhado in loco, conforme lhe proporcionara sua

    atuao como arquiteto e construtor. Perguntado certa feita se vivia apenas de arte, Sigaud

    respondeu Bem gostaria. Sou porm arquiteto tambm [...]. Na qualidade de arquiteto e construtor,

    encontro os motivos para os meus quadros. O trabalho de construo civil o assunto costumeiro.

    (ARTES, 1947, p. 7).

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    Na dcada de 1930, as temticas sociais perseguidas pela pintura esto to presentes quanto

    a busca por novas linguagens e novos sujeitos dos quadros. O tema do trabalho fabril, que j era

    constante nas litogravuras do sculo XIX, adquire entre fins do sculo XIX e princpios do XX a

    maestria de grande tema. De tendncias sociais ou no, o trabalho - e o trabalhador - ganham espao

    definitivo tambm entre os pintores brasileiros. No final do sculo XIX, pintores imigrantes

    produziram descries de ofcios e locais de trabalho como monjolos, o fabrico da manteiga, a

    marcenaria e a carpintaria. No incio do sculo XX, estes universos cederam espao a cenrios em

    que os arrabaldes urbanos se pontuavam de fbricas e armazns e em que os cenrios de

    industrializao se mesclavam crescente urbanizao.

    O caminho da representao do mundo da indstria pelas artes plsticas no Brasil est ainda

    por ser trilhado. As premissas da unidade possibilitada pela obra de um autor em especfico, ou pelo

    espao geogrfico em que atuou, reforam indstria e trabalho como temas recorrentes. Quando

    tangenciamos os acervos artsticos que representam a atividade industrial a partir de fins do sculo

    XIX - os quadros sobre a presena da indstria nos arrabaldes das cidades, os vitrais e painis

    existentes nos prprios edifcios fabris de administrao, as fotos de operrios nos lbuns de

    indstria - vislumbramos o tema da paisagem industrial. Quando Andre Lothe escreveu seu Tratado

    sobre a Landscape Painting, perguntou-se se ainda havia sentido em pintar cenas ao longo das

    margens de rios enquanto h paisagens inteiras de metal, feitas pelo homem. Pilares, gasmetros e

    reservatrios combinam-se entre si quase em tantas variedades quanto os elementos da natureza... O

    trabalho humano de nossos dias, que anseia por seu Virglio, no deveria aguardar muito tempo

    por seus artistas.2

    A representao pictrica das transformaes urbanas trouxe a primeiro plano as fbricas e

    equipamentos urbanos fabris que, no processo de industrializao brasileiro, figuraram tanto em

    arrabaldes quanto em zonas anteriormente praticamente rurais e em regies centrais em cidades

    menores; por fbricas que inicialmente se utilizam de cursos de gua, para energia, para escoamento

    de produo ou para despejo de produtos. A radicalidade formal de Operrios (1933) de Tarsila do

    Amaral (1886-1973), cuja

    [...] multido de cabeas recobrindo quase a rea total da pintura, contra o segundo plano raso dos prdios e chamins de fbricas indica a estrutura lrica e poltica desse contedo (a potncia de renovao e efervescncia social que pode estar contida no amlgama brasileiro das raas, do qual So Paulo e seu nascente movimento operrio forneciam a imagem promissora) com as exigncias da estrutura formal da pintura. (SALZSTEIN, 1997, p. 10-11).

    Vista como obra de sntese sobre o tema, Operrios se inscreve numa tradio mais ampla

    em que a paisagem industrial, para alm de retratar as transformaes urbanas marcadas pelos

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    smbolos da indstria, conceito que abrange tambm obras que retratam o cenrio fabril, os

    operrios, seus impasses e sofrimento. Vagamente compreendidas como de temtica social, estas

    escolhas estiveram presentes nas obras de Candido Portinari (1903-1962), Clvis Graciano (1907-

    1988), Fulvio Pennachi (1905-1992) e Eugenio Sigaud.

    A primeira hiptese aqui assumida que a escolha de Sigaud pelos operrios no isolada.

    Sigaud pode ser facilmente comparado a seus contemporneos, como os artistas do Grupo Santa

    Helena. Esses artistas compartilhavam algum aprendizado formal da arte do desenho ou da gravura,

    por serem egressos de Liceus de Arte e Ofcios ou por terem iniciado no mundo do trabalho como

    pintores de letreiros e decoradores de ambientes. Conforme observou Patrcia Freitas em seus

    estudos (FREITAS, 2008, 2010), sem poder basear seu sustento unicamente na comercializao de

    suas obras de arte, estes artistas possuam outras funes profissionais.

    Mario Zanini (1907-1971), filho de imigrantes italianos, em 1933 trabalhava como pintor

    decorador juntamente com Francisco Rebolo (1902-1980). Rebolo, filho de imigrantes espanhis,

    fez seus estudos no Grupo Escola da Mooca, trabalhou como empregado em uma fbrica de

    cigarros, entregador de chapus e depois, pintor decorador. Outros iniciaram a carreira como

    pintores de letreiros e cartazes, como Clvis Graciano. Fulvio Pennacchi foi pintor decorador,

    trabalhou com arte funerria e publicidade. Jos Pancetti (1902-1958) trabalhou em 1921, em So

    Paulo, na Oficina Beppe, especializada em decorao de pintura de parede, como cartazista e pintor

    de parede. Alfredo Volpi (1896-1988) exercia o ofcio de marceneiro, entalhador e encadernador e,

    em 1911, passou a exercer o ofcio de pintor decorador.

    Mrio de Andrade, com sua capacidade retrica de criar grupos dotados de lgica interna,

    denominou este grupo especfico o Grupo Santa Helena de pintores operrios, exatamente por

    enxerg-los, romanticamente, como proletrios capazes de retratar seu prprio cotidiano, o salpicar

    de chamins de fbricas ao fundo de casarios simples, em seus passeios dominicais.

    No se pode esperar, entretanto, que o pintor dito operrio seja aquele que retrate, por

    proximidade lgica, o tema dos trabalhadores. No o Santa Helena que dialoga de frente com os

    locais de trabalho, como portos, fbricas, ou pelas chamins delineando o corpo do trabalhador,

    como vencedor ou vencido. Esta linguagem realiza-se no muralismo, e na trilha de Diego Rivera

    (1996-1957), de Alfaro Siqueros (1896-1954) e de Jos Clemente Orozco (1893-1949). Dentro da

    concepo para quem a pintura mural deveria auxiliar o ser humano a se tornar ser humano estava

    Sigaud. O alargamento do campo pictrico proposto pelos muralistas mexicanos teve influncia

    determinante sobre ele. (PEDROSA, 1981, p. 14-16). Seu fascnio pela abstrao mecanizada das

    mquinas e ferramentas, pela imensido arquitetnica dos arranha-cus e pelos operrios retratados

    em seus quadros criava uma segunda natureza que s podia plenamente se manifestar na linguagem

    do mural ou do painel. Segundo Frederico Morais, de fato a obra de Sigaud revestia-se de um

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    simbolismo grandiloquente, com seus musculosos Lucferes voadores (como em O Eco das

    Montanhas da Amrica) onde se detecta a influncia de Hodler e, na temtica, de Seelinger.

    (MORAIS, 1979).

    Em texto datilografado em 1978, um idoso Sigaud indicou os artistas que mais admirava.

    Neste texto, alm de Rivera, Orozco e Siqueiros, encontramos Jos Guadalupe Posada (1852-1913)

    e Rafael Garrido (1951). Ainda, Ferdinand Hodler (1853-1918) e O. Kokoschka (1886-1980) e,

    dentre os artistas nacionais contemporneos a ele, Helios Seelinger (1878-1965) ele apareceu no

    momento exato; Oswaldo Goeldi (1895-1961) genial, Carlos Oswald (1882-1971), Armando

    Vianna (1897-1992) um de nossos melhores artistas e Roberto Magalhes (1940) - como ele,

    surge um em cada sculo.3 O desvendar da rede de influncias e devoes de Sigaud lana luz

    sobre sua obra e a devolve ao debate artstico de seu momento. Refora com clareza que as escolhas

    estticas que ele realizou entre as dcadas de 1930 e 1940 so as que vai perseguir ao longo de sua

    obra.

    A Eugnio de Proena Sigaud coube a alcunha de pintor de operrios, provavelmente

    cunhada por Campofiorito. Sua formao pode ser denominada de ecltica - apenas a esperada entre

    artistas e arquitetos das primeiras dcadas do sculo XX. Nascido no Rio de Janeiro e formado

    engenheiro-agrnomo em Belo Horizonte, Sigaud ingressou em 1921 no curso livre da Escola

    Nacional de Belas Artes, para onde retornou em 1927 com o intuito de formar-se engenheiro-

    arquiteto em 1932.

    O Dirio do Comrcio carioca convocava, com regularidade embaraosa, o aluno Sigaud

    para que comparecesse secretaria e regularizasse sua situao financeira junto ao curso. Esta

    percepo confirmada pela narrativa do filho do pintor, Sr. Paulo Sigaud, que muitas vezes ouviu

    falar das extremas dificuldades financeiras com as quais o artista viu-se s voltas para estudar e se

    formar.4 A carreira de arquiteto, que vinha agora sobrepor-se de engenheiro agrnomo, veio

    conceder a Sigaud a independncia financeira que permitiu que continuasse a pintar, que se casasse

    e constitusse famlia. Como veremos um pouco adiante, sua atuao na arquitetura foi no apenas

    paralela de artista e fundamental para seu sustento, mas tambm embasou o discurso formal em

    sua obra.

    Ter sido aluno de Modesto Brocos, na Escola Nacional de Belas Artes, parece uma chave

    para compreender Sigaud. Segundo o pintor, na sala de Curso Livre regido por Brocos estava

    tambm um grupo rebelde velha tradio do acadmico e juntos, iniciamos a luta pela Arte

    Moderna. Do grupo participavam Quirino Campofiorito, Reis Jnior, Alberto Dezon e Oswaldo

    Goeldi.5 Sigaud estudou na ENBA num momento de convulso em que uma arte com desejos de

    arte social entrou em franca rota de coliso com aquilo que o prprio Sigaud chamou numa

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    entrevista de gente pintando e pensando como em 1800 [...] num ambiente completamente hostil

    arte no acadmica, onde o professor Brocos incentivava a experimentao.6

    A carreira artstica de Eugnio de Proena comea em 1923 com a exposio no Salo da

    Primavera da Guanabara. No ano seguinte inscreveu-se no Salo Nacional, quando exps o painel

    decorativo Echo das montanhas da Amrica, que trazia, segundo o crtico e tambm pintor Jordo

    de Oliveira (autor de um dos nicos retratos de Sigaud), um ndio gigantesco, mais golpeado que

    pintado [grifo meu], do cimo de uma montanha, falando para o horizonte, tendo ao lado um condor

    de asas espalmadas. Em 1936 obteve a medalha de bronze pela encustica Cabea de Mulato.

    Apenas em 1942 receberia seu prmio institucional mais significativo, a Medalha de Prata da

    Diviso Moderna, pela encustica A esttua e a rua, trabalho de linhas bem desenhadas com trao

    firme e composio original.7

    Na dcada de 1930, o Distrito Federal (onde se radicara Sigaud desde que viera de Belo

    Horizonte em 1923) era para onde se dirigiam vrios artistas de todo o Pas, em busca das escolas

    de formao e de um crescente mercado de arte, de galerias, marchands e colecionadores que

    geravam um novo panorama artstico nacional. Sigaud esteve na linha de frente da organizao da

    profisso e da atuao dos pintores modernos. Participou da criao do Ncleo Bernardelli,

    iniciativa seguida de perto pela criao da Associao Pr-Arte Moderna (SPAM) e do Clube de

    Artistas Modernos (CAM), ambos em 1932, na cidade de So Paulo. Em 1935, outros grupos se

    organizaram, como Santa Helena e Seibi (Grupo de Artistas Plsticos), em So Paulo, e o Grupo

    Portinari, no Rio (do qual Sigaud tambm participou). Tais associaes defendiam os pintores das

    sucessivas crises econmicas e, de alguma forma, construam um espao adequado de circulao e

    comercializao das obras de arte.8

    A afirmao dos artistas modernos no cenrio artstico brasileiro complementou-se pela

    criao do Museu Nacional de Belas-Artes, em 1937, a partir do acervo da Escola Nacional de

    Belas-Artes e da modernizao de sua reserva tcnica, com a aquisio de obras de modernistas. O

    MNBA torna-se assim, mesmo em meio a muitas crticas (inclusive do prprio Sigaud), um centro

    aglutinador das artes plsticas brasileiras na primeira metade dos anos 40 e um equipamento

    fundamental para a construo do campo artstico no Brasil.9 Quando criada a Associao

    Profissional dos Artistas Plsticos, no ano de 1946, Sigaud est presente e ocupa cargo no Conselho

    Fiscal. (DI`RIO DA NOITE, 29/03/1946, p. 9). A arte moderna percorrera um longo caminho de

    legitimidade, desbancando a arte percebida como tradicional e acadmica: se quando Sigaud exps

    pela primeira vez, no Salo Nacional em 1924, seu carto de expositor vinha assinado por Rodolpho

    Amodo, Rodolpho Chambelland e Archimedes Memoria, vinte anos mais tarde era ele um dos

    responsveis pela seo de arte moderna dos Sales.

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    Artista plstico que percorreu as tcnicas da pintura a leo, o desenho a guache, a nanquim e

    a caneta, o vitral, a cenografia, o mural e a arquitetura, Sigaud abraou o tema dos trabalhadores e

    transitou desconfortavelmente no meio artstico de sua poca. Para Frederico Morais, Sigaud

    [...] no se restringiu a mostrar o trabalhador nos andaimes dos edifcios, mostrou-o tambm na rua, em meio ao trfico trepidante, em meio a usinas, nas ferrovias, pontes, estaleiros, cais e depois, passando da cidade para o campo, mostra-o em plantaes de caf, musculoso, forte e negro, ou no litoral, entre sal e saibros.

    Para o crtico, o estilo de Sigaud era

    [...] viril, algo rude e tosco na energia dos volumes, na ousadia das cores - vermelhos metlicos que queimam como o fogo dos altos fornos e dos maaricos - na largueza de um desenho trepidante e nervoso, na opo pelos primeiros planos que dinamizam e dramatizam a composio. (MORAES, 1982, 70-72).

    O fato de ter havido exposio de suas obras e ele sido premiado nos EUA (meno honrosa

    no Museu Riverside de Nova Iorque com o quadro xodo de Escravos em 1939) e o contato que

    estabeleceu com Lombardo Toledano, lder trabalhista do Mxico e presidente da confederao dos

    trabalhadores da Amrica Latina, selavam este percurso. O lder mexicano levou consigo a

    premiada tela de Sigaud A obra, para decorar a sala da reitoria da Universidad Obrera Nacional.

    (COLUNA, 1944). Em 1945, militando abertamente no Partido Comunista, Sigaud foi um dos

    organizadores da exposio Artistas Plsticos ao Partido Comunista do Brasil. Muito tempo depois,

    num dos ltimos (e raros) textos de reflexo que deixou datilografados, na dcada de 1970, Sigaud

    afirmou: aquela exposio do Partido representou a fora social da arte que vinha sendo executada

    por mim: eu retrato at hoje a misria de nossa classe inferior; minha pintura da linha socialista;

    no mudei muito de l para c. (apud GONALVES, 1981, p. 38).

    De fato, o amigo e crtico Quirino Campofiorito divide a obra pictrica de Sigaud em quatro

    etapas: entre 1921 e 1924 a classifica como uma fase de estudos; at 1935, como uma fase de

    pintura objetiva; nos dois anos que se seguiram, identifica uma fase de intensa pesquisa de tcnicas

    e de materiais para pintura mural e de cavalete; e de 1937 em diante, estendendo-se at o fim de sua

    vida, v uma nica e mesma fase, em que a inspirao nos temas proletrios persegue a obra

    pictrica. Uma ltima fase de cinco dcadas de durao , sem dvida, uma datao algo

    surpreendente; apenas um estudo e catalogao sistemticos da obra de Sigaud podem corroborar

    ou no tal afirmao.

    Afirmou Federico Morais que, dentre todos os integrantes do Ncleo Bernardelli, Eugnio

    Sigaud foi o nico que desenvolveu uma temtica claramente social, e que em entrevista ele lhe

    teria afirmado: Sempre exaltei o operrio annimo, sempre denunciei a vida massacrada pelo

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    sistema. Sempre tive conscincia da funo social da arte. A meu ver, toda arte pode concorrer para

    ativar o debate poltico, melhorando assim, por via indireta, a vida do homem. (MORAES, 1986,

    [s/p]). A imagem do pintor que optara por traos rudes e que mais golpeava do que pintava estava

    definida. Vivendo num mundo de angstias, s poderia ser um pintor angustiado. O drama

    annimo dos humildes, dos humilhados cotidianamente o tema preferido deste pintor. Seu tema

    so as as sombras de homens, os farrapos de gente, os proletrios, os operrios. (ANDRADE,

    1941, p. 5).

    Percebe-se assim que a temtica social e a insistncia na figura do operrio, do humilde ou

    do explorado (de acordo com o gosto ou inclinao de quem descrevia) foi sendo tecida ao longo da

    carreira de Sigaud, e no, construda a posteriori como uma anlise de sua obra. Em 1940, ou em

    1979 quando faleceu ou ainda hoje , Sigaud ficou como o pintor de operrios.

    Todos ns admiramos a arte reacionria [sic] do pintor da sub-raa brasileira, como ele mesmo se chrisma. Nome combatido nas coteries do caf Amarellinho e nos corredores da Escola de Bellas Artes, Sigaud se tem imposto pela audcia de sua arte differente [...] Eugenio Sigaud parece ter pudor de pintar como os outros. Dahi a razo por que os seus quadros s nos apresentam motivos de um realismo cruel, puramente anti-sentimental [...] Illuminado por um cerebralismo pujante, esse artista rebelde no pinta, por exemplo, uma cabana cheia de poesia, mas o arranha-co formidvel, em cuja construco, obreiros resignados e humildes typos de mestios indigenas e europeus de pelle colorada se esfalfam sob o peso de uma luta dramtica. Para fazer sentir a tragdia do escravo, elle no traa figuras de negros esquelticos: compe uma procisso de serem angustiados, primitivos, com a musculatura em realce. Elles do, assim, a impresso de seu opprobio inelutvel, com o dispndio de energias brutaes e atravs de um determinismo sombrio. foroso admitir que Eugenio Sigaud um pintor differente.10

    Esta ltima citao, alm de reafirmar o trao original do autor, chama-nos a ateno para

    outro ponto: to constante quanto o seu tema operrios, um dos continuus da obra de Sigaud sua

    difcil aceitao entre os pares, dentro dos Sales e no mercado de arte de modo geral. Embora,

    como mencionado, ele tenha ajudado a fundar o Ncleo Bernardelli em 1931, por mais de uma vez

    teve suas pinturas rejeitadas nas exposies do prprio Grupo. Ainda, por manter-se inflexvel a

    uma das premissas originais - a de democratizao e renovao do ensino da arte e principalmente a

    introduo de alteraes nas regras dos Sales de Arte , Sigaud parece ter conquistado antipatias

    de longa durao.

    Combatido nas coteries do Caf Amarelinho e nos corredores da Escola de Belas artes,

    como o descreveu o artigo da Fon-Fon em 1940, o comunista defensor da pintura mural como o

    ltimo bastio da arte poltica e social - poucas vezes obteve reconhecimento nos Sales de Arte por

    meio de medalhas ou menes honrosas; e a crtica nos jornais contemporneos manteve com ele

    uma relao tensa e, ao mesmo tempo, desatenta. A imprensa ora o chamava de futurista, ora

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    ridicularizava seu trao classificando-o de grosseiro. Apenas nas colunas de artes plsticas

    capitaneadas por amigos, como Quirino Campofiorito e Jordo de Oliveira, ele recebia elogios,

    ainda que sem regularidade.11 A insistncia nos temas sociais e no sofrimento e seu trao de

    resultados quase desagradveis parecem ter contribudo para a rejeio de sua obra entre os

    modernos do establishment e, por consequncia, no mercado de arte de modo geral.

    Figura 2 Charge de Mendez para a revista O Cruzeiro, 24 ago. 1935

    Ary de Andrade assim expressaria seu desconforto:

    Esta no a primeira e nem ser a ltima vez que me ocuparei deste artista. Repetidas vezes tenho falado nos seus trabalhos [...] os quais no tem merecido a ateno que se devia [...]. Repetidas vezes tenho falado na campanha de silncio que lhe fazem, campanha soez, covarde e revoltante to comum em nossos dias [...] A gente entra no Salo e ningum precisa dizer nada. Todo mundo j sabe quem so os alunos de Portinari. Pois Sigaud conseguiu ser Sigaud mesmo. A despeito da campanha de silncio que lhe fazem por a. Ele sabe que ningum constri uma obra de arte para o porvir custa de elogio mtuo, de grupinhos e panelinhas. Ele sabe que a verdadeira consagrao s o porvir trar. (O RADICAL, 08/10/1942, p. 3).

    Ao que parece, as panelinhas, reais ou percebidas como tal, isolaram o pintor. Tal

    incmodo tambm foi registrado, por exemplo, no texto Sigaud e uma injustia de 1959,

    publicado no jornal Momento pelo amigo Alberto Costa Dezon (1897-1979):

    Estudioso como poucos, Sigaud , talvez, o mais bem preparado tecnicamente de todos os pintores brasileiros. O seu amor arte incentivou-o a alargar os seus conhecimentos tcnicos [...] Agora o que mais nos surpreende o fato de um artista

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    desta categoria, com todos esses reais predicados, vir sendo preterido pelos sucessivos jris dos Sales a que tem concorrido ao prmio de viagem ao estrangeiro. (apud GONALVES, 1981, p. 57-59).

    Se a situao de perseguido foi ou no um construo da (auto)imagem do pintor, difcil

    afirmar, j que em nenhuma entrevista ou papel datilografado deixado, uma nica vez sequer,

    Sigaud tenha claramente se queixado de injustia ou perseguio. Este brado partia de seus

    prximos. Nas colunas de arte, no entanto, os comentrios lacnicos ou omisses so constantes.12

    Mais difcil ainda avaliar se a clara opo pela militncia de esquerda interferiu ou no neste

    apagamento. Portinari tambm foi um pintor de esquerda, afinal. Mas, diferentemente dele, sobre

    Sigaud no se teceu uma rede de estudos e referncias, ainda menos por iniciativa familiar.

    A longa e profcua vida de Sigaud facultou-lhe atravessar a crise das vanguardas brasileiras,

    o ostracismo, a nfima musealizao de sua arte e o silncio autoimposto dos anos da ditadura civil-

    militar. At sua morte, no ano de 1979, atravessou tempos difceis sob o Estado Novo e, ao que

    parece, igualmente difceis durante a ditadura. Este ltimo perodo o menos conhecido de todos, e

    o estudo mais biogrfico - o de Gonalves, produzido em 1981, portanto, ainda anterior ao perodo

    de redemocratizao - sobre ele silencia.

    O comunismo esposado por Sigaud na dcada de 1930 foi reafirmado de vrios modos nos

    anos seguintes. Em 1935, nos artigos publicados no peridico Bellas-Artes (concebido e dirigido

    por Campofiorito), Sigaud defendeu o muralismo afirmando que

    A nova arquitetura criou com o concreto armado, grandes planos internos e externos que, necessariamente, obrigam o arquiteto a aproveit-los para os complementos dos edifcios. [...] No perdovel que nossos pintores deixam ir protelando um movimento educativo dos artistas e do povo nesse sentido (o da decorao mural) pois necessrio realizar esta campanha para que o pblico se eduque e compreenda que a beleza no to onerosa como julgam. [...] Como poderamos conhecer o esplendor de outras eras, as lutas pelo sonho social e o mstico, sem as artes?13

    O cavalete o limitava, conclui o j mencionado O trabalho de E.P.Sigaud de Campofiorito.

    Neste ensaio, ressalta a obsesso de Sigaud pela arte mural, que ele poucas vezes pde praticar, com

    exceo de sua atuao na Catedral de Jacarezinho, norte do Paran, quando, paradoxalmente, em

    uma decorao com fins de doutrinao catlica tenha conseguido praticar o que acreditava ser arte

    popular.14 Sigaud mudou-se com a famlia para Jacarezinho em 1954 e l permaneceu at 1958,

    tendo neste perodo pintado 600 m de painis e cpulas.

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    Figuras 3 e 4 Catedral de Jacarezinho, vista interna geral e detalhe das pinturas murais. Fotos da autora, jul. 2010.

    Alm desta experincia definitiva, segundo Campofiorito, o artista fez raros painis, por

    vezes para ornamentar residncias particulares, como, por exemplo, Os negros na formao da

    lavoura, realizado num palacete do bairro da Tijuca, de 4 metros de largura por 2,20 de altura;15 ou

    ainda, os murais que at hoje decoram o edifcio-sede do Sindicato dos Despachantes Aduaneiros

    tambm no Rio de Janeiro.

    Ainda assim, Sigaud ficou definitivamente associado arte mural. J mencionamos sua

    admirao pelos muralistas mexicanos, que provavelmente foi despertada, assim como para

    Portinari, pela palestra do muralista Siqueiros no Clube dos Artistas Modernos, em 1933.16 Os

    murais que almejava no eram os dos espaos privados, mas os dos espaos pblicos ou dos prdios

    pertencentes Unio. Sigaud foi um dos defensores da obrigatoriedade da decorao em edifcios

    pblicos. fato que murais, afrescos e painis como linguagem decorativa eram comuns no sculo

    XIX. Porm, aqui a questo menos a tcnica e mais a proposta. Os murais de Sigaud eram

    concebidos como uma arte a atingir o povo e retrat-lo. Aqui est uma caracterstica que me parece

    fundamental: o muralismo tambm arte indissocivel da arquitetura, e o Sigaud arquiteto , assim,

    muito mais do que um arquiteto sustentando um artista.17

    De modo geral, a importncia da arquitetura em sua obra aspecto que tem sido bastante

    relegado. Eugnio Proena concluiu com lentido seu curso de engenheiro-arquiteto mas, uma vez

    formado, projetou e construiu com regularidade at a dcada de 1960. J seus primeiros estudos, na

    dcada de 1930, indicam a proeminncia do tema da arquitetura.

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    Figura 5 Eugenio Proena Sigaud, Primeira Idia para Grande Painel, para a Torre do Edifcio Central, mesma

    tcnica, 1935. (col. privada).

    Em Primeira Idia..., comenta Sigaud:

    Pelo que tenho notado, nos estudos de composio, que quando Ella obedece a uma disciplina (como a da composio em arquitetura), Ella torna-se equilibrada, embora fria, porem uma vitalidade depende de dois factores primordiais o talento e o sentimento de belleza. Dahi a precariedade e pobreza na composio mais modesta entre os artistas brasileiros.

    Arte e arquitetura estavam em franco dilogo.

    A regulamentao profissional dos arquitetos foi oficializada em 1933, por meio da

    fundao do primeiro CREA no Rio de Janeiro. Neste mesmo ano, um recm-formado Sigaud

    anunciava seus servios de projector e construtor como Sigaud & Cia, indicando: Projecto a

    livre escolha e gosto do interessado. Constroe com solidez conforte e economia (ver imagem 6). A

    partir de 25 de maio de 1940, Sigaud obtm da prefeitura a permisso, como engenheiro arquiteto

    diplomado pela Escola de Belas Artes, para funcionar com seu escritrio individual.

    Dentre as obras de Sigaud como arquiteto (conforme compiladas por Luis Felipe Gonalves)

    incluem-se o Edifcio Banco Guimares (Rua do Ouvidor 79); o projeto do Quartel da Fortaleza de

    Copacabana; o Balnerio da Chcara Moreninha, em Paquet; O Balnerio-Hotel do Bananal, na

    Ilha do Governador; o prdio de 19 andares Jorge Amaral, que corresponde ao edifcio-sede do

    Sindicato dos Despachantes Aduaneiros do Rio de Janeiro, inaugurado em 1950 e que traz em seu

    salo principal, conforme mencionado, importantes murais de Sigaud representando as atividades

    no porto (Rua Mayrink Veiga, 4); o projeto decorativo para a Igreja So Jorge na Praa da

    Repblica, tambm no Rio de Janeiro; as instalaes esportivas da Escola de Agronomia e

    instalaes e projetos diversos para a Universidade Rural; O plafond do Salo de Honra do centro

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    dos construtores civis do Rio de Janeiro e o mosaico Alegoria ao Trabalho na Praa Jos Garoto

    em So Gonalo, Rio de Janeiro.

    A estes, acrescento quase uma centena de residncias projetadas no Rio de Janeiro e Niteri,

    sobre as quais uma pesquisa ainda precisa ser realizada; a decorao para o Pavilho do Aqurio do

    Zoolgico do Rio (1951) (que, assim como o mosaico em So Gonalo, no mais existe) e, ainda,

    seu projeto de edifcio art-deco na Epitcio Pessoa 1674, Lagoa, onde hoje funciona o Bar Lagoa18.

    A nfase da arquitetura na obra de Sigaud se expressa igualmente no tema das pinturas e no

    rigor das formas, e seguramente em sua atuao na escolha dos nichos e paredes na Catedral em

    Jacarezinho.

    Figura 6 Jornal do Brasil, 30 jun. 1933.

    Figura 7 Projeto padro publicado em Jornal do Brasil, 25 jun. 1933.

    Diferentemente de outros artistas seus contemporneos, Sigaud no se dedicou

    exclusivamente arte nem retirou dela recursos para seu principal sustento. Se isso o fez ser

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    considerado um artista part-time por seus contemporneos, fato por investigar. No entanto, o

    segundo continuum de Sigaud (que talvez complemente ou mesmo explique um pouco de sua

    rejeio por parte de alguns crculos artsticos) liga-se a ter ele cultivado um imutvel

    posicionamento poltico de esquerda. Em entrevista a Frederico Morais, afirmou:

    Sou comunista. Engenheiro, sempre lidei com operrios, o que explica a escolha dos meus temas. Sempre tive conscincia do papel social da arte. Sempre fiz poltica. A meu ver, toda a parte serve aos interesses polticos. A liberdade de criao, porm, fundamental". E ainda, sobre sua pintura: "ela nunca foi um ato gratuito, nem mesmo minha arquitetura. , antes de tudo, uma atitude consciente e firme, uma finalidade com objetivos artsticos, polticos e sociais. Celebro com ela, especialmente, a magnitude e a grandeza do trabalho humilde do operrio, este trabalhador annimo em todos os setores da grandeza da Ptria. (MORAES, 1979).

    Tambm chama ateno o tipo de imprensa interessada que comentava as obras de Sigaud:

    nos jornais A Manh, O Radical, Tribuna Popular e Imprensa Popular, a presena do pintor e de

    seus motivos proletrios constante.19 Nos outros jornais, ele aparece rara e incidentalmente.

    esta imprensa interessada que nos permite acompanhar sua trajetria poltica.

    Em 1945, Sigaud encabea o telegrama pblico enviado em apoio a Yedo Fiuza (COM O

    CANDIDATO, 1945), candidato do ento Partido Comunista do Brasil Presidncia da Repblica.

    Em 1946, manifesta-se em apoio a Prestes em diferentes ocasies, como no telegrama pblico no

    qual o Comit dos Artistas Plsticos vem hipotecar sua solidariedade pela atitude patritica

    assumida em defesa dos interesses da Ptria contra o capitalismo colonizador que Sigaud assina ao

    lado de Portinari, Athos Bulco, Campofiorito, Deveza e Carlos Scliar, entre outros. (OS

    ARTISTAS, 1946).

    No mesmo ano de 1946, Sigaud atuou como professor de pintura na recm-fundada Escola

    do Povo, ligada ao Partido Comunista; e est presente num protesto contra a violncia empregada

    contra operrios em reivindicao por salrios e condies de vida (vide imagem 5). Ainda,

    organiza em outubro de 1946 excurses para pintar ao ar livre em Copacabana, cuja renda pela

    venda das obras eram revertidas para a Imprensa Popular (que substituir o Tribuna circulando

    entre 1951 e 1958).

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    Figura 8 Tribuna Popular, 21 jun. 1946.

    Em janeiro de 1947, envolvido com a campanha de Luiz Carlos Prestes e responsvel junto

    de Campofiorito pelos preparativos para os comcios, Sigaud chamado na imprensa artista do

    povo.20 Em 1948, Sigaud se exps em uma coluna no Dirio da Noite ao condenar a palestra do

    pintor Pujals Sabat (1898-1965), proferida no Salo do Clube Militar:

    Senhor redator. Ao assistir conferncia realizada pelo meu colega Sabat no Salo de Artes Plsticas do Clube Militar, apenas para no perturbar a cerimnia de encerramento do interessante certame, deixei de lavrar meu imediato protesto contra o reprovvel intuito do conferencista de acirrar animosidade dos militares contra a arte moderna, comprometendo de maneira sria os seus colegas. Preferiu agir assim em vez de orientar e explicar assistncia o sentido da evoluo artstica de nossos dias. Cometeu grave injustia ao dizer que a arte moderna no Brasil como em todo o mundo tem ao subversiva, anti-social e at anti-nacionalista.

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    Prematuro e arriscado julgamento para o movimento moderno, o qual, como todos os movimentos artsticos caracterstico da constante inquietao humana. Penso que o colega Sabat dever provocar uma oportunidade para, no meio militar ou civil, retificar o que disse, fazendo justia Arte e aos seus colegas seriamente ofendidos. Afinal os artistas modernos teem tirado o Brasil do anonimato artstico no estrangeiro. Os artistas modernos so indiscutivelmente os construtores de uma nova expresso plstica em nosso pas. o prprio colega Sabat quem reconhece o atraso de cinquenta anos entre os artistas acadmicos e reacionrios. (ARTES, 01/04/1948, p. 5).

    Neste mesmo ano, Sigaud realiza um retrato ponta seca de Luiz Carlos Prestes e ilustra

    contos de Carlos Lacerda em O Jornal.21 Por fim, em 1955, no artigo Com Juscelino e Jango

    contra o golpe, Sigaud subscreve e condena toda e qualquer tentativa de golpe. (TRIBUNA

    POPULAR, 02/10/1955).

    O que ocorre nas duas dcadas seguintes poderia ser chamado de um longo perodo de

    silncios. No perodo em que se isola em Jacarezinho, contratado por seu irmo, o bispo Geraldo

    Sigaud, para as obras de decorao da Catedral, o pintor pouco e mal se pronuncia sobre poltica.

    Na dcada de 1960, o silncio se intensifica, seja por parte do artista, seja por parte da autocensura

    ou censura impostas imprensa nacional. Seu ingresso na Loja Manica Urias em 1958 pode ou

    no ter relao com seu silncio. De todo modo, reencontramos Sigaud apenas em um longo

    artigo na Revista de Domingo do Jornal do Brasil de 1977, em que o artista retratado em

    contraposio a seu irmo bispo, este, figura conservadora de importncia estratgica na poltica

    dos militares. Nesta entrevista, a ltima de flego antes de sua morte, e aos 78 anos de idade, um

    Sigaud ateu e de esquerda diz do irmo: Acho-o reacionrio e diria que sua linha de produo

    improdutiva. (REVISTA DE DOMINGO, 1977, p. 14-17) Parecia at pouco, considerando-se que

    o bispo - autor de livros como Carta Pastoral de Saudao (1947), Catecismo anticomunista (1962)

    ou Cartas Pastorais sobre a Seita Comunista (1963) e um dos fundadores da TFP - fizera

    afirmaes como no se obtm confisses de terroristas com caramelos ou no Brasil h inteira

    liberdade de imprensa.22

    Na entrevista concedida pelo pintor a Norma Couri, o olhar atento reconhece um bordo

    repetido por Sigaud durante os anos de ditadura civil e militar: no quero e no posso dizer o que

    penso.

    Conforme observou Frederico Morais em Crise das vanguardas brasileiras, durante a

    ditadura a inviabilizao do projeto moderno brasileiro e a desestruturao do sistema das artes

    plsticas no Brasil pela perseguio poltica contra artistas, pelo descrdito de instituies como

    museus em contraponto s flutuaes do mercado de arte ditadas pelas galerias comerciais e leiles

    relegaram tambm a crtica de arte a um papel menor, adequada diplomacia das meias-palavras e

    ao empenho involuntrio e canhestro, com vantagens particulares ou no, de subordinao nova

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    ordem estabelecida. (MARI, 2012, p. 426). Tal desenlace havia sido denunciado ainda em 1975

    por Mario Pedrosa, e pertinente supor que parte da no aceitao de Sigaud tenha sido resultado

    perverso de o sistema das artes ter-se fechado na lgica do mercado experimentada naqueles anos.

    A mostra de arte passa a ser feira de arte, e os marchands passam a dominar. As leis do mercado

    capitalista no perdoam: a arte, uma vez que assume valor de cmbio, torna-se mercadoria como

    qualquer presunto. (PEDROSA, 1975, p. 257).

    No ano de 1964, um peculiar Manifesto de Sigaud, escrito na condio de Grau 18 da

    Maonaria, questionava por que razes a Maonaria no se posicionava quanto aos acontecimentos

    recentes no Pas:

    Ser que o temor covarde de tomar atitudes, precavendo-se contra medidas coercitivas e policialiescas, to comuns nestas ocasies? A ausncia de debates polticos no bem da Ptria no nos favoreceu, no nos vitalizou, apenas nos colocou margem dos ltimos acontecimentos nestes ltimos dez anos, de 1954 a 1964. O temor da opresso antes acovarda que fortifica.23

    Estamos aqui no plano dos silncios, e o silncio parece ser uma boa chave para fecharmos

    estas breves consideraes sobre o artista que pintou o homem massacrado.24

    Paulo Sigaud, filho do pintor, recorda-se do guarda-p que o pai usava e dos seus fortes

    gestos ao pintar. Sujava-se muito, no tinha esse negcio de ficar absorto [...] gostava de brincar...

    mas no falava muito. Paulo descreve o pai como arredio e tmido, o que atribui dificuldade em

    falar e ser compreendido. Sigaud nascera com lbio leporino complexo, comumente conhecido

    como goela-de-lobo, ou seja, uma fenda que atravessa o lbio superior e o palato, o que tornava a

    fonao praticamente impossvel. Segundo o filho, isso explicava em parte o casamento tardio, a

    dificuldade em formar-se (devido aos exames orais aplicados na ENBA) e as dificuldades de se

    expor em pblico. Informa ainda que Sigaud ficara ligeiramente mais falante na velhice, quando a

    dentadura cobriu-lhe o palato, tornando-se mais fcil entender o que dizia, a despeito de sua voz

    presa na garganta. Sigaud falava baixo, e falava mal. Seus escritos (produzidos sem regularidade)

    criam interrupes to breves nestes silncios que apenas os reforam.

    Este breve texto procurou identificar esta coleo de silncios, autoimpostos ou no, a

    respeito do relevo de E. P. Sigaud como artista moderno. So omisses da historiografia quanto a

    sua atuao como artista, como arquiteto e ilustrador, mas tambm so os silncios de seus

    contemporneos sobre sua arte; e seu prprio silncio, notadamente ao longo do perodo da ditadura

    civil-militar no Brasil. Quanto menos falava, mais furiosamente pintava. Nas dcadas de 1960 e 70,

    chegou a pintar dois quadros por dia.

    necessrio reconduzir Sigaud a seus pertencimentos, num crculo mais imediato dentro da

    histria da arte no Brasil, e num crculo mais amplo, da arte que foi imediatamente inspirada pela

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    indstria e pelo tema dos trabalhadores. Esta histria social da arte fala tanto da histria das

    instituies que interessam ao campo artstico (os comitentes com suas encomendas, a academia, o

    mercado, os grupos de artistas) quanto da histria dos fenmenos artsticos em relao direta com a

    estrutura social, quando indaga as condies materiais da produo artstica. A inspirao flerta

    com a histria social da arte ps-guerra de cunho marxista, com autores como Antal, Hauser e

    Klingender. Seus textos criam convenes pictricas da representao do trabalho, as grandes mos

    e ps, as tores do corpo no esforo da labuta, a dimenso desproporcional entre a mquina, o

    retrato arqueolgico do local do trabalho (seja a forja, a mina, o moinho). Perante estes silncios,

    fica a questo: possvel uma biografia intelectual de um artista primordialmente a partir de sua

    obra pictrica e construda?

    Ainda comum, nas narrativas de trajetrias, justificar o esforo biogrfico quase que com

    um pedido de desculpas. Este pedido no acontece aqui. Como j observara o historiador americano

    Oscar Handlin em um texto de 1979, o real tema da biografia no a pessoa por completo ou a

    sociedade por completo, mas o ponto em que ambos interagem. A situao e o indivduo iluminam

    um ao outro. (HANDLIN, 1979, p. 276, traduo livre). O mesmo afirmou E. P. Thompson, ao

    escrever uma das biografias intelectuais de artistas mais belas j produzidas, que seu intento era

    [...] identificar a tradio de [William] Blake, sua situao em particular dentro desta tradio, as repetidas evidncias, temas e os pontos nodais de conflito, que indicam que sua posio e a forma como a mente se encontra com o mundo (grifo meu). Faz-lo implica um estudo histrico e a ateno a fontes que so externas a Blake fontes das quais, com frequncia, nem Blake mesmo estava ciente. (THOMPSON, 1993, p. XXIX).

    Silncios: dos documentos de Sigaud, h pouca coisa guardada. Segundo seu filho, o artista

    mesmo no guardava seus papis, por no ter uma percepo de posteridade. Muitos dos artigos que

    escreveu e no publicou desapareceram. Muitos de seus quadros esto nas mos de particulares, e

    poucos em museus. No h cartas, e a biblioteca se dissipou. Parte de seus livros estava com Andrea

    Sigaud; alguns ficaram com Paulo, e outros foram por ele doados Biblioteca da Universidade de

    Braslia. Dos projetos arquitetnicos, nada restou. Muitos estavam junto da prefeitura do Rio, todos

    feitos em papel tela engomado: como a goma desaparece junto com a umidade, ficam apenas os

    traos de nanquim.

    Contudo, a obra artstica de Sigaud excede quatro mil desenhos, murais e pinturas, inclui

    edifcios e projetos arquitetnicos, uma obra poltica e propositiva (em artigos de jornais e

    entrevistas) e se alia s percepes de seus contemporneos e sucessores. Sua trajetria

    multifacetada prossegue aps seu falecimento pelo caminhar errtico de suas obras nos leiles de

    arte e nas colees particulares. Se estas obras esparsas, jamais reunidas em uma coleo e

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    raramente reunidas em exposies, prosseguem este seu caminho, podem ser ouvidas? Estudar

    uma vida implica t-la como ponto nodal de um encontro de foras, ciente de que a experincia

    como um todo no apenas irrecupervel como tambm reconstruda a partir de nossa busca.

    Figura 9 Suplemento Letras e Artes, 09 fev. 1947

    Referncias

    ANDRADE, Ary de. O Radical. Rio de Janeiro, 23 nov. 1941. ARTES Plsticas. Dirio da Noite. Rio de Janeiro, 09 dez. 1947. ARTES Plsticas Justa Reprovao. Dirio da Noite. Rio de Janeiro, 01 abr. 1948. BROCOS, Modesto. Retrica dos Pintores. Rio de Janeiro: Typ. d A Indstria do Livro, 1933, CAMPOFIORITO, Quirino (org.). Antologia de pintores brasileiros. Rio de Janeiro: ELP, 1945. CAMPOFIORITO, Quirino. O trabalho de E. P. Sigaud. In: GONALVES, Luiz Felipe. Sigaud o pintor dos operrios. [S.l.]: L.F. Editorial Independente, 1981. COM O CANDIDATO do povo, os artistas plsticos do Brasil. Tribuna Popular. Rio de Janeiro, 28 nov. 1945. COLUNA de Quirino Campofiorito. Dirio da Noite. Rio de Janeiro, 11 abr. 1944.

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    EVANGELISTA, Luciana de Ftima Marinho. O artista e a cidade. Eugenio de Proena Sigaud em Jacarezinho (1954-1957). 2012. Dissertao (Mestrado) Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2012. FREITAS, Patrcia Martins Santos. Na fumaa das chamins: anlise iconogrfica de paisagens industriais na arte paulista no final do sculo XIX e incio do sculo XX. 2008. Monografia IFCH, Unicamp, Campinas, 2008. FREITAS, Patrcia Martins Santos. Fbrica de imagens: anlise das paisagens industriais paulistas na obra do Grupo Santa Helena. 2010. Dissertao (Mestrado) IFCH, Unicamp, Campinas, 2010. GLAVO I , Daina. Industrial Landscape: Museum of Modern and Contemporary Art, Rijeka. Crocia, 2005. GONALVES, Luiz Felipe. Sigaud o pintor dos operrios. [S.l.]: L.F. Editorial Independente, 1981. HANDLIN, Oscar. Truth in History . Cambridge, Mass., 1979. DI`RIO DA NOITE . Rio de Janeiro, 29 mar. 1946. IMPRENSA POPULAR . Rio de Janeiro. LIMA, Lindolpho Barbosa. Sigaud o novo gnio da pintura. Ed. do autor, 1952. MARI, Marcelo. Frederico Morais e A crise da vanguarda no Brasil (1960-70). Anais do VIII EHA Encontro de Histria da Arte , Unicamp, 2012. LOURENO, Maria Ceclia Frana. Operrios da modernidade. So Paulo: Hucitec/Edusp, 1995. MORAIS, Frederico. Ncleo Bernardelli: arte brasileira nos anos 30 e 40. Rio de Janeiro: Pinakotheke, 1982. MORAIS, Frederico. O trabalho como temtica e norma de vida. O Globo. Rio de Janeiro, 8 ago. 1979. MORAIS, Frederico. Os caminhos da arte brasileira. Introd. Cesar Luis Pires de Mello. So Paulo: Jlio Bogoricin Imveis, 1986. O CRUZEIRO . Rio de Janeiro, 24 ago. 1935. O JORNAL. Rio de Janeiro. O PAIZ. Rio de Janeiro. O RADICAL . Rio de Janeiro, 8 out. 1942. OS ARTISTAS plsticos contra o imperialismo. Tribuna Popular . Rio de Janeiro, 14 abr. 1946. PEDROSA, Mrio. Dos murais de Portinari aos espaos de Braslia. Aracy A. Amaral (org.). So Paulo: Ed. Perspectiva, 1981. PEDROSA, Mrio. Mundo, Homem, Arte em Crise. So Paulo, Perspectiva, 1975.

  • Sigaud, operrio da pintura

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    REVISTA DE DOMINGO. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 6 mar. 1977. SAIBAM Todos. Revista Fon-Fon. Rio de Janeiro, 14 set. 1940. SALO Nacional de 1942. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 24 set. 1942. SALZSTEIN, Snia (Org.). Tarsila, anos 20. (textos de Snia Salzstein e Aracy Amaral). So Paulo: Ed. Pgina Viva, 1997. SUPLEMENTO LETRAS E ARTES. A Manh. Rio de Janeiro, 09 fev. 1947. THOMPSON, E. P. Witness against the Beast: William Blake and the Moral Law. Cambridge/Mass: Cambridge University Press, 1993. TRIBUNA POPULAR. Rio de Janeiro, 02 out. 1955. ZANINI, Walter (org.). Histria geral da arte no Brasil . Apresentao de Walther Moreira Salles. So Paulo: Instituto Walther Moreira Salles, Fundao Djalma Guimares, 1983. Notas 1 Trata-se do livro de Luiz Felipe Gonalves (GONALVES, 1981) e dos trabalhos da mestre em Histria Social pela Universidade Estadual de Londrina, Luciana de Ftima Marinho Evangelista. O trabalho de Luciana bastante baseado numa certa memria local sobre a passagem de Sigaud pela cidade de Jacarezinho na dcada de 1950 e sua obra decorativa na Catedral da cidade; o de Gonalves, por sua vez, uma narrativa laudatria pouco acadmica, em alguns trechos bastante tmida, sobre temas fundamentais como, por exemplo, o posicionamento poltico do autor, buscando pacificar a relao conflituosa de Sigaud com seu irmo, bispo conservador que teve um papel de destaque nos anos de ditadura no Brasil. 2 Citado por GLAVO I , 2005. Foi ao visitar a exposio preparada por Glavo i , ainda em 2005, que primeiro tive a inspirao para a pesquisa que realizei sobre o trabalho retratado nas obras de arte no Brasil no sculo XX. O objetivo primordial no residia na anlise das obras, mas na busca de uma linguagem comum em que as pinturas das representaes industriais fossem compreendidas como testemunhos histricos dessas paisagens. Baseei-me na conceituao de paisagem industrial e na sua compreenso a partir do conceito original de industrial landscape e dos temas relacionados ao estudo da cultura visual como o estabelecimento da imagem em dilogo com sua contemporaneidade, num entrecruzamento de discursos. Discorrer sobre isso ultrapassa o escopo do presente texto. 3 E. P. Sigaud. Os meus artistas preferidos e alguns comentrios sem ordem. Texto datilografado, datado de 1 maio 1978. Observe-se que no momento em que Sigaud escreve, Roberto Magalhes ainda era o seu genro, tendo sido casado com a filha do pintor e tambm artista Andrea Sigaud entre 1965 e 1978. 4 Nas recordaes do filho do pintor, o engenheiro Paulo Sigaud, formar-se engenheiro-agrnomo teria sido uma concesso do pintor sua av em Minas. Aps a formatura, Sigaud teria dito: Estou formado, tenho 25 mil ris e vou ao Rio de Janeiro. Sou imensamente grata a Paulo Sigaud pela forma gentil com que me concedeu entrevistas sobre o pai, em maio de 2012. Aps o falecimento da filha do pintor, ele hoje seu nico parente prximo. Como compreensvel, suas informaes misturam textos que ele leu a respeito do pai com suas prprias memrias. Sobressai, assim, um outro Sigaud. 5 E. P. Sigaud. Notas soltas, texto datilografado datado de agosto de 1972. Campofiorito e Dezon foram os pintores que mantiveram com Sigaud uma amizade longa e contnua. 6 Entrevista a Norma Couri em 06 de maio de 1977, Jornal do Brasil. Brocos (1933) escreveu o manual Retrica dos Pintores, leitura que parece ter tido impacto significativo nas reflexes de Sigaud (disponvel fac-smile em http://www.dezenovevinte.net/txt_artistas/brocos_retorica.pdf). 7 As premiaes obtidas e os Sales e Bienais de que Sigaud participou foram listados em GONALVES, 1981. O comentrio citado foi feito por Roberto Alvim Correa. (SALO, 1942, p. 15).8 Ressalte-se ainda para a dcada de 1930, no Brasil, a fundao do Sindicato de Trabalhadores em Arte, criado por arquitetos, em 1931, no Rio, e a fundao da Associao Francisco Lisboa, em 1938 em Porto Alegre. Os Sales do Sindicato dos Artistas Plsticos em So Paulo (1936-7) tiveram papel importante ao reafirmar no painel nacional a presena dos artistas modernos.

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    9 O Museu Nacional adquire a obra A Torre de Concreto de Sigaud em 1937, pelo soma de oitocentos mil ris; no ano de 1953, adquire A Escada por quatro mil cruzeiros. Em 1971, seu quadro Acidente de Trabalho foi exibido no MNBA em comemorao ao Dia do Trabalhador. Esta obra, talvez hoje a mais conhecida sua, a nica em exposio do pintor naquela instituio. 10 Coluna assinada por Yves pseudnimo do jornalista Antonio Sales. (SAIBAM, 1940). 11 Jordo de Oliveira apresenta seu Retrato do Pintor E. P. Sigaud como obra n. 222 no salo de 1948. (DI`RIO DA NOITE, 13/01/1948).12 Na coluna Bellas-Artes do Dirio da Noite de 11 de maro de 1944, por exemplo, a Sigaud reservada uma nica palavra: fraco. 13 E. P. Sigaud. Porque esquecida entre ns a Decorao Mural?, julho e agosto de 1935. O Bellas-Artes, peridico totalmente voltado s artes plsticas, foi criado e publicado por Campofiorito entre 1935 e 1940, sendo fechado por presso do DIP. 14 A dissertao de Evangelista arrisca afirmar que as escolhas do pintor teriam sido quase ateias, como na forma com que representou as figuras da religio ou por usar figuras simples da cidade de Jacarezinho como modelos. 15 No foi possvel confirmar a referncia de Campofiorito ou saber se o painel ainda existe. 16 No caso de Portinari, o interesse logo se manifestou tanto nos murais do MEC quanto no Mural de 1936, Construo da Rodovia (Museu Nacional de Belas Artes). Segundo Loureno (1995), em 1938, Fulvio Pennacchi foi pioneiro na implantao mural em edifcio destinado a atividades laborais no Brasil, executando o afresco Histria da Imprensa no edifcio de A Gazeta. 17 Ainda, o mesmo olhar lacunar aplica-se ao Sigaud ilustrador. Para este artigo, no foi realizada uma pesquisa extensa sobre este tema, mas a potencialidade evidente. Os desenhos de Sigaud pontuavam a coluna Notas de Arte do crtico Quirino da Silva (1897-1981) no Dirio da Noite na dcada de 1970. Mas muito antes ele j se exercitara na ilustrao de crnicas e contos na imprensa, como no Suplemento Letras e Artes do jornal A Manh na dcada de 1940. Tambm ilustrou livros de Marques Rebelo (pseudnimo literrio de Eddy Dias da Cruz) como Marafa (1935), A estrela sobe (1939) e Oscarina e Trs Caminhos (1966) e fez a capa do livro Libertao econmica, de Arthur Carnaba e outros autores (1952).18 O Jornal O Paiz, por exemplo, publicava as licenas para construes ou reconstrues prediais, com os endereos das obras e nomes de seus proprietrios. Como a famlia no guardou os projetos, resta como sada para refazer a atuao de Sigaud como arquiteto na cidade do Rio e Niteri o caminho destes prdios e seus endereos originais. Vide, por ex., licenas publicadas em O Paiz em 03/07/1934, 06/07/1934, 10/07/1934; 31/07/1934; 01/08/1934 at 24/08/1934.19 O motivo trabalhista no Salo Nacional de Belas Artes, crnica de Genaro Ponte em A Manh, 07 set. 1941. De fato, nas pginas de A Manh os temas culturais realmente apareciam por meio de seus escritores e crticos comunistas, como na nfase ao romance proletrio como paradigma do romance brasileiro, enquanto A Classe Operria (rgo oficial do PCB) muito raramente abordava temas culturais. 20 Vide, por exemplo, Tribuna Popular, 15 jan. 1947. 21 Quando da morte de Lacerda, Sigaud manda publicar nos jornais um lamento e encabea os convites para a missa de 7 dia. 22 No mesmo ano da entrevista, o bispo Sigaud enviou acusaes Santa S contra os bispos D. Pedro Casaldliga e Tomaz Balduno, apontando-os como comunistas infiltrados que tinham que ser expulsos da Igreja. Vide, por exemplo, Jornal do Brasil, 21 jul. 1977, Documento Sigaud chega ao Vaticano. 23 Documento apresentado por GONALVES, 1981, p. 53. 24 Manchete de seu obiturio em Jornal do Brasil, 08 ago. 1979. Sigaud faleceu no dia 06. Ao que tudo indica, o pintor sofrera, ao longo da vida, de insuficincia cardaca, molstia de difcil diagnstico. Na opinio de seu filho Paulo, provavelmente por ter praticado muito esporte, como regata e natao, sua condio de sade foi beneficiada proporcionando-lhe uma longa vida. Nas dcadas de 1920 e 1930, por exemplo, Sigaud fez vrias vezes a travessia a nado Rio-Niteri. Cristina Meneguello doutora em Histria e professora do Departamento de Histria da Universidade de Campinas. Recebido em 02/04/2014 Aprovado em 09/05/2014