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SUSTENTABILIDADE E A CONCEPÇÃO ECONÔMICA
EMPRESARIAL
Rodrigo Foresta Wolffenbüttel1
RESUMO: O presento estudo aborda as recentes transformações nas concepções empresariais de desenvolvimento sustentável a partir do crescente conjunto de pressões sociais que ampliaram os riscos de contestabilidade sobre as práticas e reputações das empresas. Logo, o estudo busca investigar o sentido atribuído pelos agentes empresariais ao desenvolvimento sustentável em face da ascensão global deste paradigma. Para tanto foram investigados os relatórios de sustentabilidade anuais de quatro empresas ligadas a rede produtiva do plástico verde, um produto desenvolvido pela Braskem S.A., por meio de pesquisas e tecnologia nacional, voltado para a sustentabilidade e marcado por um selo “verde”. Os resultados encontrados apontam para imprecisas, mas relevantes apropriações da noção em seu contexto. PALAVRAS-CHAVE: Desenvolvimento Sustentável; Sustentabilidade; Empresas; Contestabilidade. INTRODUÇÃO
A afamada crise climática e os relatórios publicados no fim do século passado
pelo grupo de cientistas do Clube de Roma alteraram radicalmente a percepção da
continuidade da vida humana na Terra2. Embora não haja consenso científico sobre as
dimensões destes riscos, diferentes agentes econômicos vem alterando suas práticas
e discursos em direção a novos valores ambientais. As modificações mais latentes
podem ser vistas em diversos sistemas de gestões ambientais: desde índices de
avaliações sustentáveis em carteiras financeiras, passando por práticas de
responsabilidade social corporativa, até políticas de consumo e produção de
inovações voltadas para a sustentabilidade. O estudo em questão versa sobre este
processo de institucionalização de valores sustentáveis no interior de redes produtivas
1 Universidade Federal do Rio Grande do Sul, rodrigoforesta@gmail.com, mestrando em
Sociologia. 2 Segundo as perspectivas apontadas pelo grupo de cientistas do Clube de Roma em seus
relatórios “Os limites do crescimento” (Meadows et al., 1972) e “Além dos limites” (1992) a manutenção nos padrões de consumo e crescimento industrial levarão, num futuro próximo, ao esgotamento dos recursos naturais.
mailto:rodrigoforesta@gmail.com
2
empresariais, mais especificamente aborda as recentes transformações nas
concepções empresariais de desenvolvimento sustentável a partir do crescente
conjunto de pressões sociais que ampliaram os riscos de contestabilidade sobre as
práticas e reputações das empresas.
Tendo isto em vista, o objetivo geral do estudo visa compreender, com apoio
nas teorias sociais do desenvolvimento e a partir das críticas formuladas pelas teorias
pós-desenvolvimentistas, o conturbado processo de legitimação da sustentabilidade
como um valor no interior de redes produtivas empresariais, entendidas como
organizações predominantemente orientadas pelo valor econômico. Desde sua
popularização a noção de sustentabilidade foi perpassada por disputas sobre seu
sentido e definição, o mais próximo que se chegou de um consenso foi com a noção
de desenvolvimento sustentável do Relatório Brundtland, publicado em 1987, que
expressou a necessidade do uso dos recursos do presente sem comprometer o uso
das futuras gerações. Contudo, esta ampla definição deixa abertura para
interpretações divergentes, que vão desde a sustentabilidade como continuidade e
durabilidade de intenções organizacionais (sustentabilidade do negócio, incluindo seus
recursos), até a noção de sustentabilidade como um valor que prevalece aos
interesses econômicos e, portanto, se oporia ao crescimento econômico desenfreado
e a expansão do consumo.
Logo, este estudo buscou conhecer o sentido atribuído pelos agentes
empresariais ao valor sustentável que adjetiva o desenvolvimento sustentável, por
meio da dinâmica reflexiva e discursiva da ação social econômica, em face da
ascensão global deste paradigma. Para tanto foram investigados recentes relatórios
de sustentabilidade anuais de empresas ligadas a rede produtiva do plástico verde, um
produto desenvolvido pela Braskem S.A. em 2007, por meio de pesquisas e tecnologia
nacional, voltado para a sustentabilidade e marcado por um selo “verde”. A análise de
conteúdo dos relatórios investigados considerou a utilização dos termos, sua
frequência, contexto e definição, apontando para diferentes apropriações de
desenvolvimento sustentável. Os relatórios investigados, referentes ao ano de 2012,
foram elaborados por quatro grandes empresas (Braskem, Natura, Kimberly-Clark e
Tigre) ligadas pela utilização do plástico verde. Um produto inovador cujas
propriedades materiais e fins de utilização são exatamente os mesmos de seu
antecessor, porém tem como diferencial sustentável a matéria prima renovável de sua
composição, ao invés de uma matéria prima fóssil. Ou seja, utiliza etanol como matéria
prima ao invés de petróleo, caracterizando, assim, uma origem renovável.
3
Ademais, a adoção deste produto no lugar do plástico comum implicaria
reduções de emissão de CO2 na atmosfera, o que sugere uma relevante preocupação
destas empresas em relação à temática ambiental e à sua reputação diante da
sociedade. Este critério encontra-se em concordância com as principais diretrizes da
ONU e do IPCC3, no combate ao aquecimento global mediante efeito estufa. Porém,
ao considerar outros aspectos da produção como a dependência da monocultura da
cana de açúcar ou as condições do trabalho extrativista, a sustentabilidade do produto
encontra-se questionada. Portanto, a noção de desenvolvimento sustentável adotada
pelas empresas encontra-se permanentemente tensionada por críticas oriundas de
diversas posições. Entre estas, a perspectiva teórica da contradição imanente entre os
conceitos de desenvolvimento e sustentabilidade desponta como uma das mais
contundentes. Por isso torna-se relevante investigar as noções de desenvolvimento e
sustentabilidade mediante suas origens e desdobramentos.
Longe da pretensão de esgotar este imenso tema, espera-se aqui contribuir
para a compreensão do polêmico conceito de desenvolvimento sustentável, com
auxílio das teorias pós-desenvolvimentistas, em relação às teorias divergentes e a luz
dos dados investigados junto aos relatórios das empresas. O presente estudo é parte
integrante do projeto de pesquisa de dissertação do autor, ainda em andamento e
voltada para ação socioeconômica empresarial sustentável. Dito isto, o texto é
organizado da seguinte forma: Na primeira secção são expostas as principais
concepções de desenvolvimento e suas perspectivas pós-desenvolvimentistas. Na
secção seguinte é trabalhada a noção de desenvolvimento sustentável, sua origem e
as principais críticas à noção. A terceira secção destina-se a apresentação e análise
dos dados coletados junto aos relatórios de sustentabilidade, por intermédio destes
documentos foi realizado um inventário do emprego do desenvolvimento sustentável
nas diferentes empresas. Por fim, na última parte do texto é realizado um balanço das
perspectivas teóricas apresentadas, suas contribuições e limites diante do investigado.
A CONTROVÉRSIA DO DESENVOLVIMENTO
Intimamente ligado ao projeto Iluminista de modernidade e frequentemente
associado à noção de evolução, o conceito de desenvolvimento, apesar da imprecisão
semântica, possui um poder imenso sobre os teóricos sociais. Mais que mudança
social, pois possui um sentido claro, mas menos que progresso, pois nem sempre
3 Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas resultado da cooperação entre a
Organização Meteorológica Mundial e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente das Nações Unidas.
4
pressupõe um valor normativo pré-definido a este sentido, o conceito foi amplamente
utilizado por autores como Marx (desenvolvimento das forças produtivas), Durkheim
(desenvolvimento das formas de divisão social do trabalho) e Weber (desenvolvimento
das concepções de mundo). Não é gratuito que os principais autores clássicos da
sociologia tenham utilizado o desenvolvimento como ferramenta analítica, afinal
estavam todos voltados para as radicais transformações ocorridas na sociedade
europeia ocidental nos últimos séculos, que teriam originado a modernidade.
Entretanto, já nestas acepções o conceito apresentava diferenças
fundamentais, variando em graus de linearidade, positividade e universalidade. Entre
estes teóricos, talvez Weber tenha sido o autor menos otimista em relação ao
desenvolvimento e as transformações envolvidas. Diferente de Durkheim e Marx,
Weber não via o desenvolvimento como uma sequência necessária de etapas com
base em um critério hierárquico normativo. Segundo Souza (1997) a concepção
weberiana pode ser considerada neo-evolucionista, pois diferencia a lógica do
desenvolvimento de sua dinâmica, considerando-o como uma retrospecção de
processos históricos contingentes, onde as estruturas seriam universais e os
conteúdos particulares. Neste sentido, as múltiplas concepções de mundo poderiam
ser ordenadas retrospectivamente, em seus diferentes desdobramentos, através do
desenvolvimento de suas respectivas estruturas de consciência sem uma necessidade
teleológica ou funcional. Todavia, mesmo esta ideia de desenvolvimento prioriza
alguns aspectos da realidade em detrimentos de outros, porém apresenta em sua
elaboração um diferencial fundamental em relação às outras teorias, trata a
modernidade ocidental, derivada de uma concepção de mundo particular, como um
fenômeno contingente e paradoxal, perpassado por contradições e tensões. Por sua
vez, esta potencial ambivalência do desenvolvimento moderno, tributária de outros
grandes pensadores como Nietzsche, fomenta toda uma tradição teórica crítica ao
desenvolvimento.
Contudo, esta perspectiva paradoxal do desenvolvimento está longe de ser
predominante. O conceito de desenvolvimento possui uma longa trajetória teórica
vinculada à positividade e às mudanças orientadas a partir de metas definidas. Tal
como durante o período Iluminista europeu, com os conceitos de civilização e
progresso, por intermédio do avanço da razão sobre as tradições, da ciência sobre o
mundo, do universal sobre o particular. Mas também após o advento das Revoluções
Industriais, quando a melhoria das condições materiais de vida das sociedades
ocidentais, através do desenvolvimento técnico-científico, eram associadas ao
progresso da humanidade (DUPAS, 2007). Todavia, os trágicos desfechos da
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Segunda Guerra Mundial tenderam a arrefecer esta crença inabalável no progresso
por intermédio do avanço da razão, ciência e tecnologia.
Não tardou, contudo, a surgir um novo critério, ou melhor, uma nova meta para
o desenvolvimento. Durante o período de reconstrução do pós-guerra é inaugurado
um período histórico em que o desenvolvimento, baseado nas políticas de Estado, é
pautado pelo crescimento econômico e pela expansão da indústria nos moldes
fordistas e taylorista. Neste período a noção de desenvolvimento associa o
crescimento econômico, medido pelo produto interno bruto dos países, ao progresso
tecnológico derivado do processo de urbanização e modernização industrial. Todavia,
com a aproximação da Guerra Fria, este desenvolvimento intermediado pela
industrialização passou a representar não apenas um processo no qual os países
“centrais” estavam envolvidos e interessados, mas uma política de intervenção onde
havia dois projetos de sociedade em disputa (socialista e capitalista), e em que todos
os países deveriam alcançar o pretenso desenvolvimento. De dinâmica da
transformação social o desenvolvimento transformou-se em uma meta necessária e
alcançável a todos mediante auxílio externo.
É com base neste contexto de desenvolvimento internacional que surgem as
teorias pós-desenvolvimentistas, e é a partir da lógica discursiva do
subdesenvolvimento, com base na teoria pós-estruturalista especialmente, que
emergem as propostas teóricas de desenvolvimento como uma mudança induzida,
geralmente por agentes externos. Segundo autores como Ferguson (1990) o conceito
de desenvolvimento encerra uma problemática dominante, através da qual, os países
pobres são interpretados, e essas interpretações discursivas possuiriam efeitos reais.
No seu estudo sobre Lesotho, Ferguson (1990) debruça-se sobre as consequências
não intencionais deste aparato desenvolvimentista, que tenderiam a resultados
despolitizantes, voltados para a manutenção da própria estrutura do desenvolvimento,
focadas na técnica e na ausência de algo que deveria existir. Entretanto, a questão
não residiria sobre o descompasso entre o discurso e prática, capaz de ser corrigida
por uma reforma esclarecida, mas sobre o próprio discurso de desenvolvimento, que
envolveria necessariamente uma objetivação e uma definição externas sobre os
países pobres. Um discurso que disciplinaria e dominaria conforme os termos
propostos.
Para Rist (2008), em sua análise histórica do desenvolvimento, é justamente o
discurso de posse do presidente americano Henry Truman, em especial o quarto ponto
do discurso, que marca o início da “era do desenvolvimento”. Pois sua proposta de
beneficiar regiões subdesenvolvidas do globo insere a questão dicotômica dos países
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desenvolvidos e subdesenvolvidos, possibilitando uma nova configuração da
distribuição de poder, não mais entre impérios e suas colônias, mas entre nações em
pé de “igualdade” na busca por este desenvolvimento medido pelo PIB. Não obstante,
a única via possível para esta meta torna-se a intervenção econômica, política e
científica dos mais desenvolvidos. Numa espécie de “teologia da salvação pela
intervenção” que ignora diferenças históricas entre países e promove a ideologia
liberal americana a este nível.
Esta política de intervenção rumo à modernização teria como resultados não
apenas a introdução de agências e especialistas oriundos dos países industrializados,
mas também possibilitaria o acesso consentido e estimulado de grandes empresas de
capital transnacional, interessadas na mão de obra barata ofertada, nos recursos
naturais disponíveis e na legislação social e ambiental mais branda existente nos
países periféricos. Culminando com o controverso processo de movimentação das
grandes empresas extrativas e transformadoras para países do hemisfério sul.
Entretanto, há algumas importantes ressalvas a estes argumentos a serem
observadas. Segundo estas perspectivas a alternativa a este aparato do
desenvolvimento seria uma mudança radical nas práticas de saber e fazer, através de
novos discursos e representações da realidade, ou seja, abandonar o discurso do
desenvolvimento e seus termos. Todavia, uma das críticas que se faz a este
argumento pós-desenvolvimentista é que ele não indicaria soluções para a questão
que suscita sobre o aparato do desenvolvimento. Segundo Nustad (2007), esta crítica
de ausência de instrumentalidade não seria suficiente para deslegitimar o argumento
pós-desenvolvimentista, pois a crítica ao aparato em si já seria válida para
compreender a dinâmica em jogo nos projetos de desenvolvimento. Porém o autor não
se isentaria da alternativa reformista, propondo, por intermédio da uma abordagem
mais fundamentada nos argumentos pós-desenvolvimentistas, projetos menos focados
nos discursos dos “desenvolvedores” e atentos às restrições impostas pelas
concepções de intervenção.
Há, contudo, críticas mais sérias à abordagem pós-desenvolvimentista, que
dizem respeito a sua análise e a fé que depositam sobre os movimentos sociais como
ponto de resistência aos discursos desenvolvimentistas. Storey (2000) elenca quatro
importantes desafios a serem superados por esta perspectiva. O primeiro diz respeito
à forma monolítica que os autores tratariam os projetos de desenvolvimento,
traduzindo-se em algumas concepções exageradas e totalizantes do desenvolvimento.
O segundo é a ausência de uma problematização adequada ao desejo de algumas
comunidades em relação ao desenvolvimento, afirmar que todo desejo é uma
7
construção do discurso tolheria radicalmente a possibilidade de agência destas
comunidades. Um terceiro ponto reside sobre o excesso de confiança que esta
abordagem depositaria sobre os movimentos sociais, designados como agentes da
mudança, e a ausência de garantias que estes mesmos grupos não reproduziriam
lógicas autoritárias e discriminadoras. E por fim, o quarto ponto alega que movimentos
sociais operam em torno de problemas pontuais e podem não ser páreos para o poder
de grandes forças, como o crescente capital globalizado.
Em geral, esta crítica questionaria um suposto romantismo negativo da
abordagem pós-desenvolvimentista, incapaz de perceber as matizes e nuanças
envolvidas nos diferentes projetos de desenvolvimento. Contudo, convém ressaltar
que isto não anula a poderosa crítica de que projetos e políticas de desenvolvimento
voltadas para a modernização podem, em última instância, legitimar estruturas de
poder e dominação. Este argumento relembra que os projetos de desenvolvimento
pressupõem um norte normativo, um modelo em que se deve basear e buscar,
portanto envolve uma diferença de poder (de hierarquia no percurso) e, talvez, uma
tutela. É neste preciso ponto que autores como Radomsky (2010) propõe uma
conciliação entre as perspectivas pós-desenvolvimentistas e os estudos sobre
modernidade/ colonialidade. Segundo o autor, o conjunto destas abordagens permite
visualizar como este discurso da modernidade via desenvolvimento torna-se o único
caminho possível, revelando, desta forma, a impossibilidade de pensar em termos
externos, como modernidades alternativas, ou alternativas a modernidade. Os
desdobramentos sugeridos desta afirmação apontam para uma crítica ao
desenvolvimento “como um processo que naturalizou a versão modernizante para a
qual o saber científico constitui o eixo de conhecimento válido” (RADOMSKY, 2010,
p.158) em detrimento de outras formas de conhecimento não ocidentais.
Consequentemente esta naturalização do paradigma moderno de ciência como
única fonte legítima do saber, pautado por critérios de efetividade e eficiência,
juntamente com os processos de valorização do capital, implica no predomínio de uma
racionalidade instrumental sobre os homens e natureza (BAUMGARTEN, 2002). Neste
paradigma a natureza é concebida exclusivamente como um objeto externo ao
homem, passiva e passível de ser submetida por ele aos seus desígnios
modernizantes. Reside justamente sobre este ponto o mais atual entrave ao projeto
moderno de desenvolvimento: a finitude dos recursos naturais e o irreversível colapso
de ecossistemas promovidos pela atividade humana.
De qualquer forma, a anunciada morte do conceito desenvolvimento parece
longe de ocorrer. Em parte devido às complexidades e diversidade envolvidas nos
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processos sociais, mas também devido à centralidade que ocupa no debate político
atual, expressa através do polêmico conceito de desenvolvimento sustentável e seus
desdobramentos.
A EMERGÊNCIA DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Embora a noção de sustentabilidade possua origens próprias e específicas,
sua atual expansão e popularização estão intimamente ligadas à trajetória de um
conceito fundamental para a teoria social. O conceito de desenvolvimento, na forma de
substantivo, passou a contar, no fim do século passado, com o adjetivo sustentável
para expressar um novo projeto político e modelo de desenvolvimento. Logo, é
impossível falar de sustentabilidade sem considerar sua intrincada conexão com o
desenvolvimento sustentável.
As origens deste termo, contudo, remetem a desdobramentos anteriores ao
seu surgimento. Origens são sempre arbitrárias e no caso do debate sobre o
desenvolvimento sustentável alguns autores retornam a Thomas Malthus e a questão
do crescimento demográfico exponencial para localizá-lo. Contudo, um marco mais
representativo do debate, em nível internacional, é a mencionada publicação do livro
“Os limites do crescimento” (MEADOWS et al, 1972), publicado no mesmo ano da
primeira Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, em
Estocolmo. Nesta publicação um grupo de cientistas do Clube de Roma, através de
um modelo computacional, avaliou as consequências futuras da manutenção das
taxas de crescimento econômico e populacional sobre a poluição e a exaustão dos
recursos naturais. Embora os resultados tenham sido acusados de alarmistas e alvo
de críticas por não considerarem transformações na base produtiva e social, sua
publicação foi fundamental para introduzir a questão da finitude dos recursos no
debate econômico e popularizou a questão ambiental.
Outra crítica contundente aos resultados do livro partiu dos países do
hemisfério sul, através da Declaração de Cocoyok (1974) e do Relatório Fundação
Dag-Hammarskjold (1975), nestas publicações a principal crítica salientava a
necessária diferenciação na contribuição dos países ricos e pobres para as previsões
sobre a exaustão dos recursos naturais e reivindicava o direito dos países pobres de
crescerem economicamente (BRÜSEKE, 2001). De sorte que as primeiras tentativas
de elaborar políticas internacionais abrangentes sobre a questão ambiental
esbarraram no impasse do crescimento econômico. Contudo, a partir de 1980, com a
publicação do relatório World Conservation Strategy, liderado pela União Internacional
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para Conservação da Natureza e Recursos Naturais (IUCN), inicia-se um processo de
institucionalização da problemática ambiental ao largo da questão do crescimento
econômico (NOBRE; AMAZONAS, 2002).
Este movimento seria reforçado em três importantes eventos internacionais, a
Sessão Especial do Programa Ambiental das Nações Unidas (UNEP) em 1982, a
Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente de Estocolmo (1987), onde foi
publicado o relatório Our Common Future, e a Cúpula da Terra no Rio de Janeiro
(1992). Segundo Nobre (2002), estes encontros internacionais constituíram o projeto
de institucionalização do modelo de Desenvolvimento Sustentável, um conceito
deliberadamente vago e contraditório, mas capaz de instaurar uma arena de disputa
política e mediar posições até então inconciliáveis. Em outras palavras, a instauração
do conceito permitiu uma transição da questão do crescimento econômico sendo
contraditório às preocupações ambientais, para a questão de como o desenvolvimento
sustentável pode ser alcançado. Esta transição teria permitido um consenso mínimo
para o diálogo entre a maioria das nações sobre a problemática ambiental.
O surgimento do conceito de desenvolvimento sustentável ocorre em meio a
um contexto de transformações políticas, econômicas e sociais que apontaram para as
limitações e contradições do modelo de desenvolvimento anterior. Segundo Rist
(2008) este seria uma característica inerente do conceito de desenvolvimento,
permeado por contradições, a dinâmica do discurso envolveria uma constante
reconfiguração de suas metas, reflexo de seus fracassos e tropeços. Por sua vez, a
proposta do desenvolvimento sustentável assenta-se num projeto de desenvolvimento
mais abrangente e includente (SACHS, 2000), marcado pela crise das bases
desenvolvimentistas anteriores.
No final do século passado, a partir das primeiras crises mundiais do petróleo,
o modelo de produção industrialista hegemônico, assim como as políticas de governo
keynesianas, começaram a ruir diante da crescente interdependência dos mercados
internacionais e suas imprevisíveis transformações (CASTELLS, 2005). Após um
turbulento período de retomada da ortodoxia econômica convencional (BRESSER-
PEREIRA, 2006) e expansão de programas liberais, com abertura radical de mercados
nacionais e privatizações em massa, um novo projeto de desenvolvimento começou a
ganhar destaque. Este, porém, deveria dar conta de uma complexidade de novas
dimensões até então ignoradas, ou não relacionadas ao desenvolvimento.
Não se trata mais somente de crescimento econômico e progresso tecnológico,
surgem novas demandas de novos atores sociais em novas relações, demandas por
participação, autonomia, informação, equidade social, melhores condições de vida e
10
responsabilidade ambiental. Desse novo contexto surgem noções de Desenvolvimento
como Liberdade4 (SEN, 2010), que embasariam índices de desenvolvimento
complexos como o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), e a noção de
Desenvolvimento Sustentável (SACHS, 2000), voltada para oito diferentes dimensões
do processo de desenvolvimento: social, cultural, ecológica, ambiental, territorial,
econômica, política nacional e política internacional.
Esta última noção possui o mérito de enfatizar, além das outras dimensões, o
risco potencial envolvido na manutenção das formas de produção e consumo industrial
atual, frente aos impactos e limites suportáveis pela natureza. Logo, trata-se de um
conceito onde os recursos naturais são percebidos como finitos e, portanto, devem ser
preservados a fim de possibilitar oportunidades de desenvolvimento às gerações
futuras. Em tese, o conceito envolveria uma clara dissociação da noção de
desenvolvimento da necessidade de crescimento econômico. Todavia, para autores
mais críticos trata-se de um embuste, uma contradição em termos, em que o único
elemento a ser sustentado nesta proposta é a política de intervenção dos países ricos
sobre os países pobres, numa continuação da lógica tutelar desenvolvimentista (RIST,
2008). Para o autor, o conceito paradoxal envolveria a inserção da realidade numa
perspectiva diferente, transformando o problema do desenvolvimento, e todas suas
consequências intervencionistas, em solução desejável.
Na perspectiva de outros autores, como Nobre e Amazonas (2002), o conceito
é político-normativo e faz parte de um processo de institucionalização da problemática
ambiental na política internacional, sem contrariar a priori o crescimento econômico, o
fato de o conceito ser deliberadamente ambíguo fazia parte de sua proposta de
delimitação de uma disputa política, porém os desdobramentos posteriores não eram
previstos, não como um jogo onde as cartas já estavam marcadas previamente. Já no
entendimento de Veiga (2010) o adjetivo sustentável, ao ser adicionado ao lado do
substantivo desenvolvimento, representa a emergência de um novo valor que, apesar
de não ser unívoco, expressaria “esperança de que seja possível compatibilizar a
expansão de suas liberdades [humanas] com a conservação dos ecossistemas que
constituem sua base material” (VEIGA, p.39). Ou seja, um novo valor “cujo sentido
essencial é de responsabilidade pelas oportunidades e limites que condicionarão as
vidas das próximas gerações” (VEIGA, p.40).
Entretanto, o surgimento deste valor estaria ligado a uma série de publicações
e estudos voltados para os riscos envolvidos nos padrões de consumo e produção
4 Expansão das liberdades individuais como principal fim e meio para o desenvolvimento,
através da eliminação de tudo que limita as escolhas e as oportunidades elementares das pessoas, que reduziriam suas capacidades.
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industriais5, assim como a ocorrência de catástrofes ambientais decorrentes de
atividades industriais (Bhopal, 1984; Chernobyl, 1986, Exxon Valdez, 1989;
Fukushima, 2011, etc.). Logo, trata-se de um entrave ao próprio projeto Iluminista de
modernidade e consequentemente a noção de desenvolvimento como linearidade, ou
progresso. Trata-se de um tropeço nas próprias pernas, como afirma Rist (2008).
Porém, há uma diferença fundamental neste discurso em relação aos outros, de
acordo com as previsões mais pessimistas destes pesquisadores, não haverá mais
dentro ou fora, desenvolvido ou subdesenvolvido, sustentável ou não sustentável, no
limite das consequências da ação produtiva industrial no planeta não há dicotomias
que hierarquizem desenvolvedores e tutelados. E isto ocorreria, pois grande parte dos
riscos envolvidos possuiriam dimensões globais e afetariam a humanidade como um
todo, tais como desequilíbrios climáticos, contaminações em massa ou liberação de
grandes quantidades de radiações, desastres que não respeitariam fronteiras ou
acordos comerciais (BECK, 2010).
Embora não haja um consenso científico sobre estas possibilidades, o princípio
de precaução lega o ônus da prova àqueles interessados na ação que pode levar ao
dano irreversível. Ainda assim este tipo de alarmismo catastrófico deve ser visto com
cautela, atentando para as possíveis diferenças “coloniais” que poderiam ocorrer até a
chegada desta situação de risco globalizado. De fato, como mencionado
anteriormente, já ocorreram algumas exportações de empresas poluidoras para países
do hemisfério sul com legislações ambientais mais brandas, tentativas de
privatizações de recursos naturais, ou exploração sistemática destes recursos para
países mais ricos. Fator que atenua a novidade desta perspectiva do risco para países
que sempre estiveram ameaçados por outros riscos vinculados a geopolítica colonial.
Portanto, torna-se imperativo superar as contradições inerentes a este discurso
de desenvolvimento sustentável, e talvez a única forma possível para isto seja
dissociando completamente a necessidade de expansão econômica quantitativa do
desenvolvimento como mudança qualitativa significativa. Porém, para isso seria
necessário contrariar pressupostos básicos da lógica capitalista de acumulação
ilimitada por meio do aumento ininterrupto do consumo (VEIGA, 2010).
A forma como o desenvolvimento sustentável lida com este impasse não é
muito clara, sua proposta apresenta-se como um caminho do meio entre o otimismo
convencional e o pessimismo ecológico, contudo a pretensa compatibilidade entre o
crescimento econômico e a manutenção segura dos estoques de recursos naturais e
5 “Os limites do crescimento” e “Além dos limites” (Meadows et al., 1972; 1992);
“Prosperity without grow: Economics for a Finite Planet” (Jackson, 2009).
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capacidade de absorção do ecossistema nunca é explicitada. As propostas mais
concretas apresentam uma fé, quase inabalável, no progresso tecnológico, por meio
do qual, em consonância com mecanismos de mercado, haveria a possibilidade de
uma progressiva reconfiguração do processo produtivo, mais eficiente e menos
intensivo em energia. Possibilitando, assim, a manutenção do crescimento econômico
sem o necessário esgotamento dos recursos naturais.
E mesmo esta possibilidade parece perder força diante de estudos com o de
Jackson (2009), onde o autor apresenta dados, baseados em evidências históricas, de
que ganhos de eficiência não necessariamente ocasionam reduções de escala. Pelo
contrário, nestes casos estas tendem a aumentar, pois a redução da intensidade tende
a elevar o consumo. Sob esta perspectiva, considerando uma relativa banalização do
conceito de sustentabilidade e práticas de greenwashing empresariais, fica difícil não
pensar em termos de discursos que dominam e disciplinam, porém uma alternativa
menos pessimista tenderia a ver o desenvolvimento sustentável, assim como proposto
por Furtado (1974) ou Veiga (2010), como um mito, um valor que orientaria a conduta
do homem em uma direção desejada. Com base nos desdobramentos apresentados
pelas perspectivas teóricas, torna-se relevante investigar o sentido que as empresas
atribuem, em seus discursos, a este valor sustentabilidade e, ainda mais
especificamente, ao desenvolvimento sustentável.
A CONCEPÇÃO EMPRESARIAL
De acordo com alguns estudos sobre a temática da Responsabilidade Social e
Ambiental das Empresas (RSAE) o conceito de sustentabilidade para os empresários
brasileiros vincula-se a primeiramente ao desenvolvimento econômico da empresa.
Neste sentido a “preservação do meio ambiente só é sustentável se houver lucro
econômico. Em outras palavras, uma prática ambiental que não se sustente
economicamente, não é uma prática sustentável” (CAPPELLIN; GIULIANI, 2006,
p.62). Ou seja, a concepção de sustentabilidade empresarial estaria intimamente
ligada à noção de perenidade do negócio e da organização, à sua capacidade de se
adaptar a novos mercados, melhorar sua imagem pública, ou incrementar a
produtividade através de processos mais eficientes. Contudo, e apesar desta
vinculação estreita por parte de alguns, há um relevante número de empresas
nacionais que buscam certificações voltadas para a gestão ambiental como a ISO
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140016 e outras mais recentes como a ISO 26000 (INMETRO, 2013). A adequação a
estas certificações internacionais se relaciona, em parte, com a pressão dos mercados
internacionais, porém a legislação nacional também tem evoluído em direção ao
fortalecimento dos padrões de proteção ambiental (CAPPELLIN; GIULIANI, 2006),
obrigando as empresas a adequarem-se e investirem em proteção ambiental.
Todavia, este gradual processo de institucionalização dos valores sustentáveis
e a progressiva ambientalização dos conflitos sociais (LEITE LOPES, 2004) tende a
ampliar os riscos à legitimidade social de grandes empresas expansivas. Estas,
temendo as implicações de uma contestação social de suas atividades econômicas,
tenderiam a antecipar-se à contestação por intermédio de gestões que levem em
consideração voluntária os riscos coletivos envolvidos (HOMMEL; GODARD, 2005).
Um dos mais latentes reflexos desta gestão da contestabilidade pode ser verificado
nos relatórios de sustentabilidade que algumas empresas têm produzido, juntamente
com seus stakeholders7, e publicado anualmente.
Os relatórios das empresas selecionadas para análise são guiados por um
padrão de diretrizes elaborado por uma organização internacional, Global Reporting
Initiative (GRI), e representa não apenas a formalização de princípios orientadores
voltados para metas globais de sustentabilidade, mas uma importante mudança em
relação aos antigos relatórios financeiros, voltados exclusivamente para os acionistas
e gestores. Pois, além de apresentarem indicadores vinculados a outros aspectos não
estritamente econômicos, tais como promoção de programas sociais, tratamento de
resíduos e emissões de gases de efeito estufa, representariam uma concepção mais
participativa e inclusiva das metas empresariais, uma vez que pressupõe uma série de
consultas às diversas partes interessadas da atividade econômica (comunidade,
ONG’s, trabalhadores, universidades, e governos).
Porém, estes esforços empresariais em desenvolverem produtos, processos e
gestões mais eco amigáveis, não necessariamente problematizam a possibilidade de
apropriação deste discurso de modernização ecológica, em proveito da manutenção
do paradigma de crescimento industrial anterior. Pelo contrário, segundo os autores
pós-desenvolvimentistas, reconfigurações constantes no discurso sobre
desenvolvimento fazem parte de sua lógica contraditória. Portanto, convém analisar de
6 A série ISO 14001 consiste na certificação de um grupo de padrões e diretrizes relacionadas
com a gestão ambiental. Já a ISO 26000 versa sobre a responsabilidade social, expressa pelo desejo e pelo propósito das organizações em incorporarem considerações socioambientais em seus processos decisórios e a responsabilizar-se pelos impactos de suas decisões e atividades na sociedade e no meio ambiente. Esta é uma norma de uso voluntário (cf. www.iso.org). 7 Em uma definição ampla Stakeholder pode ser “qualquer grupo ou indivíduo capaz de influir
ou ser influenciado pela consecução dos objetivos da organização” (FREEMAN, 1984, p. 46).
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que forma é utilizado o conceito de desenvolvimento sustentável nas concepções
empresariais e de que maneira esta utilização lida com as contradições mencionadas.
Nos relatórios de sustentabilidade das quatro empresas investigadas, foram
encontrados resultados relativamente divergentes em relação à utilização do termo
desenvolvimento sustentável. A partir dos dados apresentados na tabela abaixo,
percebe-se uma grande diferença na frequência do emprego do termo entre as
empresas. Enquanto empresas como a Braskem e a Natura utilizam amplamente a
noção de desenvolvimento sustentável em seus relatórios, a Kimberly-Clark e a Tigre
a utilizam com parcimônia, optando pelo uso do termo sustentabilidade desvinculado
do desenvolvimento. Nestas duas últimas, apenas uma vez o conceito é utilizado para
referir-se a metas das empresas, na única outra ocasião ele aparece como uma
referência ao nome de programas externos. Indicando um baixo grau de adesão
destas duas empresas ao termo. Isto talvez se deva às referidas controvérsias
envolvendo a noção e suas insolúveis implicações em relação ao crescimento
econômico. A opção pelo uso de termos como desempenho sustentável e gestão
sustentável sinaliza uma tentativa de afastar-se discursivamente destas contradições,
mantendo a relevância da sustentabilidade como um valor da empresa.
Tabela 1 – Frequência e contexto de utilização do Desenvolvimento Sustentável
Natura Braskem K-C Tigre
Referência a Programas Externos Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável - RIO+20
4 4 - -
CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável)
1 2 - -
Outros 3 2 1 1 Referência a Cargos e Programas Internos 4 5 - - Desenvolvimento Sustentável como Meta ou Princípio Orientador
10 12 1 1
Definição de Desenvolvimento Sustentável 1 2 - - Resultados 3 2 - -
Total 26 29 2 2 Fonte: Elaborado pelo autor com base nos relatórios de 2012.
Por sua vez as empresas Braskem e Natura fazem um amplo uso do
desenvolvimento sustentável, principalmente como meta ou princípio orientador de
suas atividades. Em algumas destas passagens percebe-se o esforço em tratar a
noção de uma forma mais ampla, não restrita à perenidade do negócio.
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A empresa, organismo vivo, é um dinâmico conjunto de relações. Seu valor e sua longevidade estão ligados à sua capacidade de contribuir para a evolução da sociedade e seu desenvolvimento sustentável (NATURA, 2012, p.3).
Segundo esta perspectiva, a meta de desenvolvimento sustentável estaria
vinculada tanto à empresa, quanto à sociedade. Sugerindo assim uma íntima conexão
e interdependência entre estas esferas. Na passagem seguinte a empresa ressalta o
que considera serem aspectos importantes para o desenvolvimento sustentável,
invocando princípios estranhos à lógica capitalista mais predadora, tais como preço
justo, repartição dos benefícios e reconhecimento das culturas tradicionais.
Procuramos promover um relacionamento pautado pelo preço justo, pela repartição dos benefícios adquiridos com o uso do patrimônio genético e do conhecimento tradicional associado e ajudamos assim a criar condições para que essas comunidades se estruturem, diversifiquem seu negócio e promovam o desenvolvimento sustentável na sua região (NATURA, 2012, p.91).
Como princípio orientador, a noção de desenvolvimento sustentável aponta
para uma agenda de trabalho “em termos de responsabilidade econômica, social e
ambiental”. Ou seja, uma agenda em que pesem estes três aspectos do
desenvolvimento de forma “sinérgica”. Porém, conforme apontado pelas criticas
anteriores, esta abordagem permite uma leitura que perceba e submeta os outros dois
aspectos ao predomínio do econômico. Neste sentido, o social e o ambiental seriam
essenciais para a continuidade do desenvolvimento econômico da empresa, logo
caberia preservá-los o máximo possível, conquanto não contrariem a expansão
econômica do negócio.
Todavia, pelo menos nos relatórios, há indícios de uma concepção de
desenvolvimento sustentável que estende as responsabilidades empresariais para
além de sua atividade fim, incluindo preocupações com as políticas dos fornecedores,
pós-consumo de seus produtos e ciclos de consultas às partes interessadas.
Assim, foram criados sete macro-objetivos de sustentabilidade, para definir como a Empresa atuaria em relação a esses temas, buscando melhorias contínuas e de ruptura, com intuito de aumentar a contribuição ao desenvolvimento sustentável. São eles: Segurança química; Gases de Efeito Estufa (GEEs); Eficiência hídrica; Eficiência energética; Matéria-prima renovável; Pós-consumo dos resíduos plásticos; Pessoas (desenvolvimento humano). Os sete macro-objetivos perpassam transversalmente os três pilares estratégicos para o alcance da Visão 2020 (fontes e operações cada vez mais sustentáveis; portfólio de produtos cada vez mais sustentável; e soluções para uma vida mais sustentável) (BRASKEM, 2012, p.13).
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Esta perspectiva de contribuição ao desenvolvimento sustentável percebe-o
como um projeto que envolve toda sociedade e não se restringe apenas ao domínio
empresarial. Noção que extrapolaria a mera lógica de mercado estendida aos recursos
naturais e ao ambiente, pois envolve a participação de diversos segmentos da
sociedade na formação de valores e práticas mais “sustentáveis, justas e inclusivas”.
Ao encarar o desenvolvimento sustentável desta forma, as empresas comprometem-
se, em nível teórico, a trabalhar, gerir seus processos e produtos, pautadas por estes
valores. Neste sentido, os relatórios de sustentabilidade seriam uma das principais
maneiras de controlarem e apresentarem seus resultados e metas nesta direção.
Embora os meios para o desenvolvimento sustentável tornem-se mais claros
com o uso dos indicadores pautados pelo Global Reporting Initiative, divididos em
quatro grupos (Perfil, Econômico, Ambiental e Social), a definição do termo ainda
mereceria maiores informações. Aspectos relativos às estratégias de crescimento e
liderança, ainda que mediada por soluções cada vez mais sustentáveis, permanecem
inexplorados. Em geral restringem-se a solução do Relatório de Brundtland, invocando
a “capacidade de suprir as necessidades da geração atual sem comprometer a
capacidade de atender as necessidades das gerações futuras”, ou soluções como
“gerir o curto prazo com o compromisso de construir o futuro”.
Conforme mencionado na secção anterior, esta vaga definição do conceito,
além implicar críticas relativas ao reducionismo envolvido na noção de necessidades
das gerações futuras, pressupõe uma normatividade supostamente capaz de definir os
parâmetros valorativos que interessariam as gerações futuras. Para além da
problemática questão de incomensurabilidade valorativa entre gerações, outra
importante crítica desta definição reside na possibilidade de estes parâmetros serem
pautados predominantemente pela esfera econômica (ALMEIDA, 1997). Porém,
convém ressaltar que tais críticas concentram-se em propostas voltadas para
mecanismos de mercado como solução para os problemas ambientais, dispositivos
construídos dentro de uma racionalidade econômica e aplicados à realidade
socioambiental. Em outras palavras, soluções que propõe a lógica do mercado para
problemas criados por esta mesma lógica, tais como os créditos de carbono. Estas
críticas tornam-se ainda mais relevantes ao deparar-se com expressões encontradas
nos relatórios como “empreendedorismo sustentável” e “economia verde”. Aspectos
que indicam que, pelo menos no léxico, a tese da prevalência da esfera econômica
sobre campo social parece apresentar alguma pertinência.
Todavia, ainda que de forma imprecisa, as noções de desenvolvimento
sustentável apresentadas nos relatórios das empresas sugerem modelos de
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desenvolvimento mais abrangentes, pois envolveriam diferentes estratos da sociedade
na concepção dos objetivos, através das consultas as partes interessadas; em suas
metas, por intermédio de programas de educação ambiental e valorização de culturas
tradicionais; e na divulgação dos seus resultados, uma vez que os relatórios seriam
destinados a um público muito mais amplo que seus acionistas. Logo, um modelo que
vise uma maior consonância com os diferentes valores sociais da atualidade, não
restrito aos resultados e objetivos econômicos tradicionais.
Por fim, cabe ressaltar as diversas vezes que o termo apareceu associado à
Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável - RIO+20 e ao
Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBEDS), fato
que aponta para a relevância deste encontro internacional na política empresarial,
onde foram ratificados e divulgados seus compromissos com as políticas globais para
a sustentabilidade. Por sua vez, as referências aos CEBEDS8 são um indicativo do
grau de organização destas empresas, pautadas por estes valores sustentáveis, em
nível nacional.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Mas onde levam as considerações apresentadas acima, o que se pode afirmar
diante dos empregos e definições do desenvolvimento sustentável pelas empresas em
seus relatórios? Uma meta para um mundo melhor ou um engodo bem formulado?
Faz-se necessário, antes de sugerir uma resposta a estas perguntas, discernir entre
as noções de desenvolvimento apresentadas no texto, como ferramenta analítica
retrospectiva, conforme sugerido por perspectivas neo-evolucionistas, ou como um
ideal, um norte para guiar e planejar as mudanças futuras. Como fruto das maiores
discordâncias e disputas, é o ultimo caso que aqui mais interessa. Pois ao se
estabelecer previamente uma meta para a mudança social, se lida com a expectativa
de futuro e talvez este seja o grande atrativo deste conceito, sua capacidade de
expressar a visão de mundo que prevalece em determinada época e o motor de sua
transformação. Porém, convém lembrar as críticas pós-desenvolvimentistas, ao
pretender universalizar uma meta e um percurso, os países centrais impuseram
violentamente seus valores a outras realidades ignorando diferenças fundamentais,
mais que isto, desconstruíram a noção de desenvolvimento como uma meta ao
8 Fundado em 1997 o CEBEDS é uma associação civil sem fins lucrativos que promove o
desenvolvimento sustentável, nas empresas que atuam no Brasil, por meio da articulação junto aos governos e a sociedade civil além de divulgar os conceitos e práticas mais atuais do tema.
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estabelecerem dicotomicamente quem havia alcançado o e quem não havia. Deixando
assim de sinalizar um percurso para adjetivar um estado.
Portanto, para atingir um mínimo de coerência e evitar as críticas pós-
estruturais, o conceito de Desenvolvimento Sustentável deveria expressar, conforme
sugeriu Veiga, um norte para a mudança social, não um norte imposto a partir de
valores externos centrais, mas um norte construído com base na percepção desta
intrincada interdependência global em relação a eventos futuros complexos,
potencialmente perigosos a todos envolvidos. Logo, a sustentabilidade do conceito
não deveria ser fixada, adjetivada como foram os conceitos de desenvolvido e
subdesenvolvido, mas compreendida como um valor, um ideal, a orientar a mudança
social.
Em conformidade com esta lógica, nenhuma empresa poderia denominar-se
sustentavelmente desenvolvida, caberia a ela apenas expressar e comprovar seu
compromisso com este ideal por meio de ações e objetivos voltados para este fim.
Ademais, para manter a conformidade com esta meta, os critérios de seleção dos
parâmetros e indicadores buscados necessitam de uma ampla discussão que envolva
diferentes estratos da sociedade interessados na atividade econômica da empresa.
Todavia, isto ainda parece pouco diante das imensas dificuldades que este projeto
envolve, pois para ser considerada uma proposta sincera, o projeto de
desenvolvimento sustentável supõe uma transformação nas principais bases do
capitalismo: acumulação ilimitada e consumo ininterrupto.
Logo, por mais que as tentativas modernizadoras voltadas para a eficiência
material e energética tendam a adiar estas contradições, o caminho para este
pretenso desenvolvimento sustentável obrigatoriamente passa por esta discussão.
Desenvolver sem crescer, apenas com base em alterações qualitativas, é uma
alternativa viável para as metas destas empresas? A resposta clara para esta
pergunta seria de grande auxílio na compreensão da apropriação empresarial do
desenvolvimento sustentável. Conquanto isto ainda não ocorra, torna-se interessante
recuperar a noção proposta por Radomsky em conciliar as teorias pós-
desenvolvimentistas e pós-coloniais, pois a mudança social pautada pela
sustentabilidade não necessariamente deveria manter-se dentro dos critérios de
transformação da modernidade, inclusive podendo ser pensada em termos de
alternativas à modernidade, uma vez que a própria modernidade engendrou os
elementos que compõe este impasse. E assim pensar modelos de desenvolvimento
não restritos à racionalidade instrumental e à lógica de acumulação.
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Entretanto, considerando a limitada relação que as empresas capitalistas
mantinham com a sociedade (e grande parte ainda mantêm), pautadas
exclusivamente pelo lucro e pela geração de empregos, justificando toda sua atuação,
no interior dos limites legais, a partir destes dois aspectos, estes relatórios de
sustentabilidade representam um grande avanço em direção a um novo patamar de
interdependência entre a esfera econômica e estes novos valores socioambientais. O
fato dos relatórios analisados terem utilizados um padrão de diretrizes elaborado por
uma organização internacional representa a formalização destes princípios
orientadores em um nível global. Porém as diferentes respostas empregadas pelas
empresas apontam para uma maior complexidade nesta relação entre o mito do
desenvolvimento sustentável que organizaria a sociedade e seus desdobramentos nas
práticas econômicas, revelando diferentes graus de adequação aos modelos e
diferentes apropriações do desenvolvimento sustentável em suas práticas discursivas,
mais ou menos explícitas e detalhadas, mas em geral, pautadas por concepções
empresariais de economia e empreendedorismo.
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