TENDÊNCIA/ OBrasildescobrePortugal · 2017. 5. 18. · C M Y K C M Y K OBrasildescobrePortugal...

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O Brasil descobre PortugalTENDÊNCIA / De Império, a terra dos colonizadores se tornou o destino predileto de quem consegue fugir da crise, da violência e da

corrupção na política para estudar, morar, investir ou se aposentar fora do país e conquistar mais qualidade de vida

12 • Economia • Brasília, domingo, 14 de maio de 2017 • CORREIO BRAZILIENSE

Carlos Vieira/CB/D.A. Press Arquivo Pessoal

Universidades

Hoje, 22 universidades lusitanasaceitam os resultados do Enem, oque atrai cada vez mais estudantesdo Brasil. Atualmente, são 8 milbrasileiros, que representam 21%dos estudantes estrangeiros emPortugal. Só em Coimbra, são 2 milbrasileiros, 10% do campus. NaUniversidade de Algarve (UAlg), queaceita o Enem desde 2014, 50brasileiros entraram em 2015, 187em 2016 e 190 para o período2017/18, cujo período de inscriçõesvai até 9 de junho. “Com 9 milestudantes, a UAlg proporciona aosbrasileiros intercâmbio cultural”,afirma o reitor, António Branco.

O motivoprincipal daminha mudançafoi buscar um paísonde as pessoaspodem viver comum mínimo dedignidade”

Pierre Aderna,músico

Os pais queremque os filhos

estudem fora naexpectativa de que

façam a vidalonge da violência

e dos problemasbrasileiros”

Cleverson e Livia Cassel,empresários

» SIMONE KAFRUNI

A violência nas cidades, acrise econômica e a cor-rupção entranhada na po-lítica expulsam do país ca-

da vez mais brasileiros, dispostosa viver em qualquer outro lugar doplaneta. Por muito tempo, Miamifoi o sonho daqueles com condi-ções de largar tudo no Brasil e cor-rer atrás de qualidade de vida.Agora, a tendência é voltar às ori-gens. Nos últimos anos, Portugalse tornou o destino predileto dosbrasileiros para estudar, morar, in-vestir, se aposentar, ou, simples-mente, fazer turismo.

Com uma empresa criada naFlórida para enviar dinheiro dosbrasileiros que lá moravam às fa-mílias no Brasil, Cleverson e LiviaCassel perceberam o cavalo depau da tendência depois que a cri-se se agravou no país. “A CambioReal existe há 13 anos. Em 2013, fi-zemos uma parceria com um ban-co para inverter o caminho do di-nheiro e fazer remessas do Brasilpara fora, inclusive para países daEuropa. Notamos que muitos paisquerem que os filhos estudem forana expectativa de que façam a vidalonge da violência e dos proble-mas brasileiros”, conta Cleverson.Em três anos, esse tipo de opera-ção garantiu 50% do resultado dacompanhia, que cresceu 147% em2016.“E Portugal é, definitivamen-te, o destino que mais cresceu noperíodo”, acrescenta Livia.

Os brasileiros que visitaramPortugal no ano passado por ládeixaram 400 milhões de euros,6% a mais do que em 2015, revela oembaixador português, Jorge Ca-bral. “Em 2016, recebemos 640 milturistas do Brasil, o melhor ano dahistória, com aumento de 13% emrelação a 2015”, conta. Para ele, asligações aéreas diretas, com 60 fre-quências de 12 cidades, o pretextode fazer escala em Lisboa para en-trar na Europa, a língua comum eo fato de o país ser pequeno e “fa-cilmente visitável” contribuempara o aumento do interesse.“A se-gurança é outro fator que pesamuito, porque não temos proble-mas com terrorismo, como outrospaíses”, acrescenta.

Essa tendência de alta devecontinuar, aponta a pesquisa Fo-wardKeys, divulgada pela cúpulado turismo mundial (WTTC). Da-dos com base em reservas para2017 mostram que as viagens debrasileiros para Portugal terãocrescimento de 66,8% no segundotrimestre do ano. Mas o turismo éapenas a porta de entrada. Háquem visite o país e nunca maisqueira voltar, como a família doengenheiro Rafael Monteiro BarraPires, que passou férias em 2016em Portugal e hoje mora lá.

“A falta de um futuro melhorpara nossos filhos nos motivou adeixar o Brasil. A violência e asquestões políticas e econômicaspesaram”, conta Rafael. “O idiomatambém influenciou, pois sabería-mos que as crianças não teriam di-ficuldades de adaptação. Mas o fa-to de ter descendência e conquis-tar cidadania foi decisivo”, diz.

Os pedidos de cidadania portu-guesa dispararam, afirma o em-baixador Jorge Cabral. “Nos últi-mos 10 anos, 100 mil brasileirosconquistaram. Apenas São Paulo,que é um dos maiores consulados,

concedeu, nos últimos cincoanos, 40 mil nacionalidades”, res-salta. E o interesse é crescente.“Os números vão aumentar, por-que Portugal acaba de regula-mentar a lei para que netos deportugueses peçam nacionalida-de. Havia dúvidas sobre a terceirageração e foi finalmente regula-mentada”, antecipa.

Além da cidadania, há outrasformas de imigrar para Portugal. Opaís oferece vistos para quem abrenegócios e gera ao menos 10 pos-tos de trabalho, dá isenção fiscalpara aposentadoria, participaçãoem fundos de investimentos, aqui-sição de imóvel de 500 mil euros.“O Brasil é a segunda posição emtermos de títulos concedidos porinvestimentos em 2017, atrás daChina. Foram 319 autorizações atéfevereiro”, explica o diplomata.

VistoO ramo imobiliário é um dos

mais aquecidos em Portugal, jus-tamente por conta da facilidadede conquistar visto definitivo, quevale na União Europeia, com acompra de imóveis. Gilberto Jor-dan, CEO do Grupo Andre Jordan,dono do Resort Belas Clube deCampo, conta que os clientes bra-sileiros descobriram Portugal hátrês anos. “Até pouco tempo, com-pravam imóveis em Miami. Agora,todas as semanas, recebemos visi-tas de potenciais clientes vindosdo Brasil, que hoje corresponde a14% dos investimentos imobiliá-rios estrangeiros em Portugal”,afirma. O resort tem 18 famíliasbrasileiras residentes, das quais 14são permanentes.“Quem nos pro-cura quer viver definitivamenteem Portugal, o que não ocorriatanto na Flórida”, compara.

A advogada Paula Vianna, 36anos, é um exemplo de quem foipara não mais voltar. Ela e o mari-do foram fazer mestrado há seisanos e decidiram fixar residência.“O clima, a sensação de segurança,o baixo custo de vida e a qualidadenos conquistaram”, afirma. Atuan-te na área imobiliária, Paula acom-panha o boom de brasileiros embusca de moradia em Portugal.“Como eu, a maioria foge da vio-lência. Alguns querem aproveitar aisenção fiscal da aposentadoria eoutros correm atrás do visto”, enu-mera. Ela alerta que, como há mui-to investimento em imóveis e al-guns são para alugar para turistas,o preço para os moradores subiu.“Isso incomoda um pouco os por-tugueses, mas eles estão muitomais abertos”, afirma a advogada,que nem sequer cogita voltar amorar no Brasil. “Meu segundo fi-lho já nasceu em Portugal, as esco-las são ótimas, não nos vejo maismorando no Brasil, mas...nuncadiga nunca”, diz.

O custo de vida menor de Por-tugal é um atrativo, explica AliceAutran, da Athena Advisers, con-sultoria imobiliária. A empresafez uma pesquisa na qual compa-ra vários preços entre Miami, Lis-boa e São Paulo, e a capital lusita-na ganha disparado. “Isso intensi-ficou a relação dos brasileiroscom Portugal”. E os resultados daempresa mostram isso: o númerode vendas duplicou de 2015 pra2016 e, apenas no primeiro tri-mestre 2017, já atingiu 80% doano inteiro passado.

Choque cultural é inevitávelComo Portugal tem uma po-

pulação de 10 milhões de habi-tantes, mas uma taxa de cresci-mento em queda, se beneficia doingresso de mais pessoas dispos-tas a trabalhar. Mas nem tudo sãoflores com a invasão, nem para osestrangeiros, nem para os portu-gueses, contam os brasileiros quemoram há mais tempo além-mar.

Filho de professores da Uni-versidade de Brasília, o músicoPierre Aderna, 49 anos, mora háseis em Portugal. “O motivoprincipal da minha mudança foi

buscar um país onde as pessoaspodem viver com um mínimode dignidade”, diz. Aderna alertaque os novos-ricos que estãobuscando Portugal terão que seacostumar com a cultura. “Ascasas que compram por 500 mileuros não têm entrada de servi-ço nem quarto de empregada.Aqui, as pessoas não segregamcomo no Brasil”, revela.

O fotógrafo Pedro Lobo, 63,mora em Borba, cidade de 4 milhabitantes, no interior de Portu-gal, desde 2008. “Aqui há menos

moradores do que muito prédiono Rio”, brinca. Pedro diz que sepreocupa com o choque culturalda nova leva de brasileiros. “Éuma sociedade com menos servi-ços, mais tradicional, mais care-ta, mais tranquila”, compara. Eleconta que é difícil ganhar dinhei-ro em Portugal e os portuguesesestão preocupados com a con-corrência no mercado de traba-lho. “Há desemprego. E o impul-so turístico está elevando o custode vida. Lisboa deixou de ser umacidade tranquila”, afirma.

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