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Revista frica e Africanidades - Ano I - n. 1 Maio. 2008 - ISSN 1983-2354www.africaeafricanidades.com
Revista frica e Africanidades - Ano I - n. 1 Maio. 2008 - ISSN 1983-2354www.africaeafricanidades.com
EM PAUTA
Trabalho escravo nosculo XXI
Por Alejandra Luisa Magalhes Estevez
Mestre em Histria Social UFRJPs-Graduada em Histria da frica e do Negro no Brasil - UCAM
E-mail: ally_estevez@yahoo.com.br
O ms de maio de 2008 vem nos lembrar de um importante ainda que
polmico acontecimento para a Histria do Brasil: a abolio da escravido. A
ocasio, portanto, nos remete uma reflexo a respeito do significado da assinatura
da Lei urea e seus desdobramentos em termos sociais.
Analisar a extino da escravido significa pensar no lugar que os ento
libertos ocuparam na sociedade brasileira e refletir a respeito de quais padres
culturais se impuseram no pas. Consiste, ainda, em pensar nas condies de trabalho
que se instalaram na sociedade brasileira da poca e a situao que se seguiu.
Ao mesmo tempo, discutir um fato do passado automaticamente nos impe
uma pergunta, comparativa, que diz respeito ao nosso tempo. Portanto, refletir sobr e a
extino do trabalho escravo no sculo XIX nos induz pergunta sobre as condies
de trabalho em nosso tempo. Esses exerccios reflexivos, julgo serem fundamentais
para uma compreenso mais complexa e crtica de nossa sociedade.
No dia 13 de maio de 1888 a princesa Isabel, substituindo seu pai D. Pedro II
que estava em viagem a Europa, declarou todos os escravos libertos. Culminncia de
todo um processo que vinha prenunciando esse fato, o momento foi festejado por
muitos e lamentado por alguns poucos proprietrios de escravos, representantes de
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um Brasil arcaico, rural, que se queria extinto. Como nos lembra a historiadora Emlia
Viotti, A abolio representou uma etapa do processo de liquidao da economia
colonial do pas, envolvendo uma ampla revis o dos estilos de vida e de valores da
nossa sociedade. (VIOTTI, Emlia, 1999)
Polmica em muitos sentidos, a Lei colocou no cenrio nacional um problema
que s tendeu a acentuar-se com o passar do tempo. Ao libertar os escravos, a
princesa Isabel criou um grande nmero de excludos socialmente, na medida em que
no lhes garantiu alguns direitos fundamentais como o acesso terra e moradia.
Portanto, longe de um ato generoso de uma princesa com ideais abolicionistas,
esse fato foi fruto de uma situao de instabilidade social devido proliferao
descontrolada de quilombos, da recusa da Guarda Nacional em continuar servindo
como capito-do-mato e da grande expresso que o movimento abolicionista tinha
adquirido, alm da influncia do trabalho livre m igrante, para citarmos apenas alguns
exemplos internos.
ltimo pas independente a abolir a escravido no mundo, a cultura escravista
estava profundamente enraizada na sociedade brasileira. Ao longo dos anos
seguintes, a situao de excluso social dos ne gros e mestios no Brasil permaneceu
sob diversas formas. Inicialmente de modo mais explcito, com o passar dos anos e a
formulao de uma srie de leis reguladoras do mundo do trabalho de maneira mais
velada. A explorao no trabalho e as pssimas condi es de vida, no entanto, foram
uma realidade desde aquele 13 de maio.
Assim, imigrantes ou no, a maioria desses trabalhadores continuavam sendo
tratados como escravos por seus patres. A partir da desenvolve -se toda uma luta no
sentido de combater essa s ituao. No meio urbano que essas manifestaes, no
incio do sculo XX, assumiram maiores dimenses a partir de greves e outras formas
de reivindicaes, principalmente no setor industrial.
Nos anos 1920 algumas leis foram formuladas no sentido de regu lar o trabalho
no Brasil, na tentativa de conter as agitaes operrias. Ao longo da dcada de 1930 e
1940, no entanto, que surge efetivamente toda uma legislao voltada para as
questes trabalhistas, atingindo seu ponto mximo com a criao da Consolid ao das
Leis do Trabalho (CLT), em 1943, no Governo Vargas. Obviamente que a CLT foi uma
conquista do movimento operrio mas nunca foi plenamente cumprida pelos patres.
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Muitas lutas ainda seriam travadas ao longo do tempo no sentido de fazer com que as
leis fossem respeitadas e pudessem ser aperfeioadas.
Apesar de toda mobilizao, denncia e reivindicao do movimento operrio
durante esses 120 anos de experincia de trabalho livre no Brasil, isso parece no ter
sido suficiente nem para resolver os pro blemas da desigualdade social, nem tampouco
o fim do trabalho escravo no pas.
Mais recentemente a imprensa tem noticiado uma srie de casos em que
trabalhadores encontram-se submetidos condio anloga a de escravos, como o
Ministrio Pblico do Trabalho o vem denominando. Muitos trabalhadores, em sua
maioria provenientes do meio rural, em busca de emprego, se envolvem em um
sistema de dvidas. Alguns leitores podem argumentar: mas estes trabalhadores se
submetem voluntariamente a esta situao e tm a liberdade de sair da mesma assim
que saldarem suas dvidas, portanto, no seriam escravos.
Segundo Ricardo Rezende, A categoria trabalho escravo est ligada ao
trabalho humano involuntrio, conseguido pela coero sobre algum ou sobre um
grupo social por uma pessoa fsica ou jurdica. Uma vez sujeita, a pessoa no pode
dispor de sua fora de trabalho e do direito do ir e vir. (REZENDE, Ricardo, 2005)
Portanto, no caso dos trabalhadores citados acima, as dvidas so crescentes e
impagveis, o que os envolve em uma conjuntura de dependncia gradativa.
claro que muitas so as diferenas entre a escravido colonial e a
contempornea. Na primeira existia um dono e atualmente os trabalhadores trocam de
dono constantemente. A escravido atual tem sido em geral de curta durao e
descartvel. Nos tempos coloniais, a escravido era patrocinada pelo Estado e aceita
legalmente, ao passo que hoje ela combatida pelo Governo e pela sociedade civil.
No entanto, como aponta ainda Ricardo Rezende, ambos os tipos de
escravido possuem uma semelhana fundamental: a vitima sempre uma estranha
ou estrangeira ao local onde ela submetida. O escravo o outro absoluto, o
migrante, o diferente; no o de casa. Estranhas ao local onde o trabalho
executado, as pessoas ficam mais vulnerveis aos abusos e s coeres dos seus
senhores. (REZENDE, Ricardo, 2005)
A escravido contempornea, portanto, tem -se apresentado como uma
realidade alarmante. difcil calcular o nmero exato de pessoas em tal condio de
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trabalho, contudo, Kevin Bales, estudioso da temtica, estima haver cerca de 27
milhes de pessoas escravizadas no mundo. Exatos ou no, os nmeros nos
denunciam uma realidade que parece furtar -se ao nosso olhar.
Diante do discutido aqui, gostaria, portanto, de chamar a ateno para a
realidade contempornea. Pensar o nosso passado deve significar necessariamente
pensar nosso mundo e pensar nosso papel social dentro dele. Para concluir, deixo
uma reflexo do historiador ingls Eric Hobsbawn referindo -se ao dilema que os
historiadores, mais especificamente aqueles que se dedicam temtica da classe
operria, enfrentam: (os historiadores da classe operria) situam -se num ponto de
encontro entre os estudos acadmicos e a poltica, entre compromissos de ordem
prtica e compreenso terica, entre interpretar o mundo e transform -lo
(HOBSBAWN, Eric, 2000).
REFERNCIAS:
BALES, Kevin. I nuovi shiavi la merce umana nelleconomia globale . Milano:
Feltrinelli, 2000.
CARVALHO, Jos Murilo de. Saudade de escravo. S o Paulo: Folha de So Paulo, 2
de abril de 2000.
GORENDER, Jac. O escravismo colonial. So Paulo: tica, 1978.
HOBSBAWN, Eric. Mundos do Trabalho. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.
REZENDE, Ricardo. A migrao e o trabalho escravo por dvida no Brasi l. Frum
Social das Migraes. Pastoral Social dos Migrantes. Porto Alegre, 2005.
REZENDE, Ricardo. O escravo o estranho tratado como mercadoria. In: Pisando
Fora da Prpria Sombra: a escravido por dvida no Brasil contemporneo. Rio de
Janeiro, Civilizao Brasileira, 2004.
SANTANA, Marco Aurlio. O Trabalho Escravo Ontem e Hoje . Rio de Janeiro, 2007.
(mimeo.)
VIOTTI, Emlia. Da Monarquia Repblica . So Paulo, UNESP, 1999.
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