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Universidade de Lisboa
Faculdade de Farmácia
EPIDEMIOLOGIA, PATOGÉNESE, CLÍNICA, IMUNOLOGIA, TRATAMENTO E PREVENÇÃO DA DIFILOBOTRIOSE – NOVOS TEMPOS, “NOVA" DOENÇA
Ana Filipa Fangueiro Duarte
Relatório de estágio orientado pela Professora Doutora Quirina dos Santos Costa e coorientado pela Doutora Isabel Freire e pela Professora Doutora
Maria Cristina Marques
Mestrado em Análises Clínicas
2017
Parte I
Relatório de Estágio no Serviço de Patologia Clínica do CHLO
VIII MAC Prefácio
Ana Filipa Fangueiro Duarte v
Prefácio
O enquadramento do trabalho.
O meu percurso académico teve início com a Licenciatura em Ciências das Saúde,
que me proporcionou a formação necessária para o prosseguimento de estudos de ciclo
superior em diversas áreas científicas e relacionadas com a saúde. Ao longo da
Licenciatura, a Microbiologia Clínica foi uma das áreas que me despertou maior interesse
e, uma vez que esta constitui uma das valências das Análises Clínicas, decidi ingressar no
Mestrado em Análises Clínicas da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa. No
âmbito do curso, foi realizado o estágio curricular, no Serviço de Patologia Clínica do
Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental (CHLO), sendo que o presente relatório pretende
descrever as atividades acompanhadas no mesmo.
O relatório intitulado “Epidemiologia, patogénese, clínica, imunologia, tratamento
e prevenção da Difilobotriose – novos tempos, “nova" doença”, apresenta-se dividido em
quatro partes:
Na parte I, apresenta-se o prefácio, os resumos em Português e Inglês, a lista de
abreviaturas e os índices;
Na parte II, expõe-se o relatório sumário das atividades desenvolvidas nas valências
de Microbiologia, Imunologia, Hematologia e Química Clínica no Serviço de Patologia
Clínica do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental (CHLO);
Na parte III, apresenta-se a monografia desenvolvida dentro do âmbito da valência
de Microbiologia (Parasitologia Clínica), intitulada “Epidemiologia, patogénese, clínica,
imunologia, tratamento e prevenção da Difilobotriose – novos tempos, “nova" doença”.
E por fim, na parte IV, apresentam-se as conclusões gerais e perspetivas futuras.
Este relatório está de acordo com o disposto no Artigo 37.º do Regulamento Geral
do Ciclo de Estudos conducente ao Grau de Mestre da FFULisboa, nº 134/2016, DR, 2.ª
série — N.º 26, de 8 de fevereiro de 2016.
Relatório de Estágio no Serviço de Patologia Clínica do CHLO
VIII MAC Resumo
vi Ana Filipa Fangueiro Duarte
Resumo
O presente relatório refere-se ao estágio realizado no âmbito do Mestrado em
Análises Clínicas da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa. O estágio decorreu
no Serviço de Patologia Clínica do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental (CHLO) e
abrangeu as valências de Microbiologia, Imunologia, Hematologia e Química Clínica.
Este relatório tem como objetivo fazer a apresentação e caracterização do local de
estágio e descrever as atividades desenvolvidas. Para cada uma das valências mencionadas,
é feita uma descrição dos principais equipamentos e metodologias utilizados, e dos
parâmetros analíticos determinados, realçando o seu interesse e significado clínico.
Palavras-chave: Microbiologia, Imunologia, Hematologia, Química Clínica
Relatório de Estágio no Serviço de Patologia Clínica do CHLO
VIII MAC Abstract
Ana Filipa Fangueiro Duarte vii
Abstract
This report refers to the internship carried out as part of the Master’s Degree in
Clinical Analysis of the Faculty of Pharmacy of the University of Lisbon. The internship
took place at the Clinical Pathology Service of the Lisboa Ocidental Hospital Center
(CHLO) and encompassed the areas of Microbiology, Immunology, Hematology and
Clinical Chemistry.
The aim of this report is to present and characterize the laboratory where the
internship took place and to describe the activities developed. For each one of the areas
mentioned, it is described the main equipment and methodologies used, and the analytical
parameters determined, emphasizing their clinical interest and significance.
Keywords: Microbiology, Immunology, Hematology, Clinical Chemistry
Relatório de Estágio no Serviço de Patologia Clínica do CHLO
VIII MAC Lista de Abreviaturas
viii Ana Filipa Fangueiro Duarte
Lista de Abreviaturas
Parte II
Relatório de Estágio no Serviço de Patologia Clínica do Centro Hospitalar de
Lisboa Ocidental (CHLO)
AAT α1-Antitripsina
AEQ Avaliação Externa da Qualidade
AFP α-Fetoproteína
AGJ Anomalia da Glicemia de Jejum
AL Anticoagulante Lúpico
ALP Fosfatase Alcalina
ANA Anticorpos Antinucleares
APTT Tempo de Tromboplastina Parcial Ativado
AR Artrite Reumatoide
BAAR Bacilos Álcool-Ácido Resistentes
COS Gelose Columbia + 5% de sangue de carneiro
CDC Centers for Disease Control and Prevention
c-HDL Colesterol HDL
CHLO Centro Hospital de Lisboa Ocidental
CHGM Concentração de Hemoglobina Globular Média
CK Creatina Cinase
c-LDL Colesterol LDL
CLL Cadeias Leves Livres
CLSI Clinical and Laboratory Standards Institute
CMI Concentração Mínima Inibitória
CMV Citomegalovirus
Relatório de Estágio no Serviço de Patologia Clínica do CHLO
VIII MAC Lista de Abreviaturas
Ana Filipa Fangueiro Duarte ix
CQI Controlo de Qualidade Interno
CT Colesterol Total
DAI Doenças Autoimunes
DCV Doenças Cardiovasculares
DGS Direção Geral de Saúde
DM Diabetes Mellitus
DPCA Diálise Peritoneal Contínua Ambulatória
dsDNA DNA de cadeia dupla
EAM Enfarte Agudo do Miocárdio
EBV Vírus de Epstein-Barr
EC Eletroforese Capilar
ELISA Enzyme-Linked Immunosorbent Assay
ENA Antigénios Nucleares Extraíveis
EUCAST European Committee On Antimicrobial Susceptibility Testing
FR Fator Reumatoide
GGT γ-glutamiltransferase
HAE2 Gelose Chocolate Haemophilus 2
Hb Hemoglobina
Hb A1c Hemoglobina Glicada
Hb F Hemoglobina Fetal
HDL High Density Lipoprotein
HEKT Gelose Hektoen
HEM
Hospital de Egas Moniz
HGM Hemoglobina Globular Média
HPLC Cromatografia Líquida de Alta Eficiência
HSC Hospital de Santa Cruz
Relatório de Estágio no Serviço de Patologia Clínica do CHLO
VIII MAC Lista de Abreviaturas
x Ana Filipa Fangueiro Duarte
HSFX Hospital de S. Francisco Xavier
Ht Hematócrito
IFI Imunofluorescência Indireta
Ig Imunoglobulina
INR Razão Normalizada Internacional
INSA Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge
ISE Ion Selective Electrode
ISI Índice de Sensibilidade Internacional
IUSTI International Union against Sexually Transmitted Infections
LBA Lavado Broncoalveolar
LCR Líquido Cefalorraquidiano
LDL Low Density Lipoprotein
LES Lúpus Eritematoso Sistémico
MAC Gelose Mac Conkey
MGUS Monoclonal Gammopathy of Undetermined Significance
MHC Major Histocompatibility Complex
MHE Gelose Mueller Hinton
MHF Gelose Mueller Hinton + 5% sangue de cavalo + NAD
MM Mieloma Múltiplo
MNPT Média Normal do Tempo de Protrombina
MRSA Staphylococcus aureus Resistente à Meticilina
OMS Organização Mundial de Saúde
PBP2’ Penicillin-Binding Protein 2’
PCR Proteína C Reativa
PDF Produtos de Degradação do Fibrinogénio/Fibrina
PSA Antigénio Específico da Próstata
Relatório de Estágio no Serviço de Patologia Clínica do CHLO
VIII MAC Lista de Abreviaturas
Ana Filipa Fangueiro Duarte xi
PTGO Prova De Tolerância à Glucose Oral
PTH Hormona Paratiroide
PVX Gelose Chocolate + PolyViteX
RDW Indice de Dispersão Eritrocitária
RIA Radioimunoensaio
RPR Rapid Plasma Reagin
SPC Serviço de Patologia Clínica
T3L Triiodotironina Livre
T4L Tiroxina Livre
TACSP Técnico de Análises Clínicas e Saúde Pública
TDG Tolerância Diminuída à Glucose
TFG Taxa de Filtração Glomerular
TG Triglicéridos
TP Tempo de Protrombina
TRH Hormona Libertadora de Tirotrofina
TSA Teste de Suscetibilidade aos Antibióticos
TSH Hormona Estimulante da Tiroide
TT Tempo de Trombina
UFC Unidades Formadoras de Colónias
VGM Volume Globular Médio
VLDL Very-Low-Density Lipoprotein
VS Velocidade de Sedimentação
Relatório de Estágio no Serviço de Patologia Clínica do CHLO
VIII MAC Lista de Abreviaturas
xii Ana Filipa Fangueiro Duarte
Parte III
Epidemiologia, patogénese, clínica, imunologia, tratamento e prevenção da
Difilobotriose – novos tempos, “nova" doença
CDC Centers for Disease Control and Prevention
cob cytochrome b
cox1 cytochrome c oxidase subunit 1
Ig Imunoglobulina
IL Interleucina
INF- γ Interferão γ
ITS internal transcribed spacers
MEV Microscopia Eletrónica de Varrimento
nad3 NADH dehydrogenase subunit 3
OMS Organização Mundial de Saúde
PCR Polymerase Chain Reaction
PG Prostaglandina
PPi Pirofosfato
RFLP Restriction Fragment Length Polymorphism
Th1 T helper 1
Th2 T helper 2
WHO World Health Organization
Relatório de Estágio no Serviço de Patologia Clínica do CHLO
VIII MAC Índice Geral
Ana Filipa Fangueiro Duarte xiii
Índice Geral
Parte I ................................................................................................................................ i
Prefácio ............................................................................................................................ v
Resumo ............................................................................................................................ vi
Abstract .......................................................................................................................... vii
Lista de Abreviaturas .................................................................................................. viii
Índice Geral .................................................................................................................. xiii
Índice de Figuras ......................................................................................................... xvii
Índice de Tabelas........................................................................................................ xviii
Parte II ............................................................................................................................. 1
1. Introdução ................................................................................................................ 3
2. Caracterização do Laboratório de Estágio ............................................................ 5
3. Fase Pré-Analítica .................................................................................................... 8
4. Microbiologia ......................................................................................................... 10
4.1. Exame Cultural ................................................................................................. 11
4.2. Exame Microscópico ........................................................................................ 15
4.2.1. Exame a Fresco ......................................................................................... 15
4.2.2. Exame Após Coloração............................................................................. 16
4.3. Testes de Identificação de Microrganismos ..................................................... 17
4.3.1. Provas Bioquímicas .................................................................................. 17
4.3.2. Testes de Aglutinação ............................................................................... 18
4.3.3. Teste de Sensibilidade à Optoquina .......................................................... 19
4.3.4. Teste da Necessidade dos Fatores X e V .................................................. 19
4.4. Identificação de Microrganismos - Sistema Automatizado VITEK®2 ........... 20
4.5. Testes de Suscetibilidade aos Antibióticos (TSA) ........................................... 22
4.5.1. Método de Microdiluição – VITEK2 ........................................................ 23
4.5.2. Métodos Manuais ...................................................................................... 23
4.6. Processamento de Produtos Biológicos............................................................ 24
4.6.1. Urina ......................................................................................................... 24
4.6.2. Sangue (Hemocultura) .............................................................................. 25
4.6.3. Expetoração............................................................................................... 27
4.6.4. Fezes ......................................................................................................... 28
Relatório de Estágio no Serviço de Patologia Clínica do CHLO
VIII MAC Índice Geral
xiv Ana Filipa Fangueiro Duarte
4.6.5. Exsudado Vaginal/Retal – Pesquisa de Streptococcus agalactiae ........... 29
5. Imunologia .............................................................................................................. 31
5.1. Proteínas ........................................................................................................... 31
5.1.1. Nefelometria ............................................................................................. 31
5.1.1.1. Proteínas Doseadas ................................................................................ 32
5.1.2. Eletroforese de Proteínas Séricas .............................................................. 35
5.1.3. Imunofixação ............................................................................................ 37
5.1.3.1. Pesquisa da Proteína de Bence Jones .................................................... 38
5.2. Alergologia ....................................................................................................... 39
5.3. Autoimunidade ................................................................................................. 41
5.3.1. Imunofluorescência Indireta ..................................................................... 41
5.3.1.1. Anticorpos Antinucleares (ANA).......................................................... 42
5.3.2. Quimioluminescência ............................................................................... 43
5.3.3. Immunoblot ............................................................................................... 43
6. Hematologia ............................................................................................................ 45
6.1. Hemograma ...................................................................................................... 45
6.1.1. Contador Hematológico Beckman Coulter UniCel DxH 800................... 46
6.1.2. Eritrograma ............................................................................................... 47
6.1.3. Leucograma............................................................................................... 48
6.1.4. Plaquetograma........................................................................................... 49
6.1.5. Reticulócitos ............................................................................................. 50
6.2. Estudo Morfológico do Sangue Periférico – Esfregaço Sanguíneo ................. 50
6.3. Velocidade de Sedimentação ........................................................................... 52
6.4. Estudo das Hemoglobinopatias ........................................................................ 53
6.4.1. HPLC ........................................................................................................ 53
6.4.2. Eletroforese de Hemoglobinas .................................................................. 55
6.4.3. Teste da insolubilidade da Hb S................................................................ 55
6.5. Hemostase ........................................................................................................ 56
6.5.1. Equipamentos Automáticos ACL TOP 750/500....................................... 57
6.5.2. Testes de Screening/Rotina ....................................................................... 58
6.5.3. Testes de Diagnóstico ............................................................................... 60
7. Química Clínica...................................................................................................... 62
7.1. Equipamentos Automáticos e Metodologias Utilizadas................................... 63
7.1.1. Cobas 8000 modular analyzer series......................................................... 63
Relatório de Estágio no Serviço de Patologia Clínica do CHLO
VIII MAC Índice Geral
Ana Filipa Fangueiro Duarte xv
7.1.2. ARCHITECT i1000SR ............................................................................. 64
7.1.3. ADAMS A1C HA-8180T........................................................................... 65
7.1.4. Aution MAX AX-4030 e sediMAX ......................................................... 65
7.1.5. Radioimunoensaio (RIA) .......................................................................... 66
7.2. Proteínas ........................................................................................................... 67
7.3. Metabolismo dos Hidratos de Carbono ............................................................ 68
7.3.1. Diagnóstico e Monitorização de Diabetes Mellitus .................................. 69
7.4. Metabolismo dos Lípidos ................................................................................. 70
7.5. Função Renal .................................................................................................... 72
7.6. Função Hepática ............................................................................................... 73
7.7. Função Pancreática ........................................................................................... 75
7.8. Ionograma......................................................................................................... 76
7.9. Função Cardíaca ............................................................................................... 77
7.10. Marcadores de Anemia..................................................................................... 78
7.11. Metabolismo Ósseo e Mineral.......................................................................... 80
7.12. Função Tiroideia .............................................................................................. 81
7.13. Marcadores Tumorais ....................................................................................... 82
7.14. Serologia Infeciosa ........................................................................................... 84
7.14.1. Toxoplasmose, Rubéola e Citomegalovírus – Grupo TORCH ................. 84
7.14.2. Sífilis ......................................................................................................... 85
7.15. Exame Sumário de Urina ................................................................................. 87
7.15.1. Exame Físico-químico .............................................................................. 87
7.15.2. Análise do Sedimento Urinário ................................................................. 88
8. Controlo de Qualidade .......................................................................................... 90
8.1. Controlo de Qualidade Interno ......................................................................... 90
8.2. Avaliação Externa da Qualidade ...................................................................... 92
9. Bibliografia ............................................................................................................. 94
Parte III.......................................................................................................................... 99
Resumo ......................................................................................................................... 101
Abstract ........................................................................................................................ 102
Objetivos ...................................................................................................................... 103
Material e Métodos ..................................................................................................... 104
1. Introdução ............................................................................................................ 105
2. Género Diphyllobothrium .................................................................................... 107
Relatório de Estágio no Serviço de Patologia Clínica do CHLO
VIII MAC Índice Geral
xvi Ana Filipa Fangueiro Duarte
2.1. Perspetiva Histórica........................................................................................ 107
2.2. Taxonomia e Principais Espécies Causadoras de Infeção no Homem ........... 108
2.3. Morfologia ...................................................................................................... 110
2.3.1. Parasita Adulto ........................................................................................ 110
2.3.2. Ovo .......................................................................................................... 112
2.3.3. Formas Larvares...................................................................................... 113
3. Patogénese............................................................................................................. 115
3.1. Hospedeiro Definitivo .................................................................................... 117
3.2. Hospedeiros Intermediários............................................................................ 118
3.2.1. Primeiro Hospedeiro Intermediário ........................................................ 118
3.2.2. Segundo Hospedeiro Intermediário ........................................................ 119
4. Manifestações Clínicas ........................................................................................ 121
5. Epidemiologia ....................................................................................................... 123
5.1. Distribuição Mundial...................................................................................... 123
5.2. Parasitose Reemergente – a influência dos “novos” hábitos alimentares ...... 128
5.3. Outros Fatores que Contribuem para a Transmissão, Expansão e Perpetuação da
Difilobotriose ............................................................................................................ 130
6. Imunologia ............................................................................................................ 133
6.1. Resposta Imunitária nas Infeções Causadas por Helmintas ........................... 133
6.2. Mecanismos de Evasão ao Sistema Imunitário dos Hospedeiros .................. 134
6.2.1. Papel das Prostaglandinas Produzidas por Diphyllobothrium spp. na
Imunomodulação da Resposta Imunitária ............................................................. 135
7. Diagnóstico ........................................................................................................... 138
7.1. Diagnóstico Baseado na Morfologia .............................................................. 139
7.2. Diagnóstico Molecular ................................................................................... 142
8. Tratamento ........................................................................................................... 145
8.1. Praziquantel .................................................................................................... 145
8.2. Niclosamida .................................................................................................... 146
9. Prevenção e Controlo........................................................................................... 147
10. Conclusão .............................................................................................................. 149
11. Bibliografia ........................................................................................................... 151
Parte IV ........................................................................................................................ 155
Conclusões e Perspetivas Futuras.............................................................................. 157
Relatório de Estágio no Serviço de Patologia Clínica do CHLO
VIII MAC Índice de Figuras
Ana Filipa Fangueiro Duarte xvii
Índice de Figuras
Parte II
Relatório de Estágio no Serviço de Patologia Clínica do Centro Hospitalar de
Lisboa Ocidental (CHLO)
Figura 1 - Organograma do SPC...................................................................................... 5
Figura 2 - Cadeia pré-analítica Cobas 8000 (p 671 e p 612) ........................................... 9
Figura 3 - Técnicas de sementeira por quadrantes (esquerda) e por estrias (direita)..... 12
Figura 4 - Componentes do sistema VITEK®2 ............................................................. 21
Figura 5 - Cartas de Identificação VITEK 2 .................................................................. 22
Figura 6 - Frascos de cultura BacT/ALERT® ............................................................... 26
Figura 7 - Sistema BacT/ALERT® 3D ......................................................................... 27
Figura 8 - Equipamento BN ProSpec ............................................................................ 31
Figura 9 - Equipamento V8 E-Class .............................................................................. 35
Figura 10 - Perfil eletroforético normal de proteínas séricas ......................................... 36
Figura 11 - Equipamento Hydrasys Focusing ................................................................ 37
Figura 12 - Imunofixação em amostras de soro ............................................................. 38
Figura 13 - Equipamento Phadia 100 ............................................................................ 40
Figura 14 - Equipamento Zenit SP ................................................................................ 41
Figura 15 - Exemplos de padrões nucleares em células HEp-2 ..................................... 42
Figura 16 - Equipamento Zenit RA ............................................................................... 43
Figura 17 - Equipamento EUROBlotMaster ................................................................. 44
Figura 18 - Representação esquemática da técnica de execução de um esfregaço de
sangue periférico ............................................................................................................. 51
Figura 19 - Representação esquemática de um bom esfregaço de sangue periférico .... 51
Figura 20 - Equipamento ADAMS A1C HA-8180T ..................................................... 54
Figura 21 - Cobas 8000 modular analyzer series ........................................................... 63
Figura 22 - Equipamento ARCHITECT i1000SR ......................................................... 65
Figura 23 - Equipamentos sediMAX e Aution MAX AX-4030 .................................... 65
Figura 24 - Interpretação dos resultados da serologia para Toxoplasmose, Rubéola e
CMV ............................................................................................................................... 85
Relatório de Estágio no Serviço de Patologia Clínica do CHLO
VIII MAC Índice de Figuras
xviii Ana Filipa Fangueiro Duarte
Parte III
Epidemiologia, patogénese, clínica, imunologia, tratamento e prevenção da
Difilobotriose – novos tempos, “nova" doença
Figura 25 - Representação do parasita adulto de Diphyllobothrium spp. ....................... 110
Figura 26 - Escólex (esquerda) e estróbilo (direita) de Diphyllobothrium spp. ............. 111
Figura 27 - Proglótis de Diphyllobothrium spp. ............................................................. 112
Figura 28 - Estrutura do ovo de Diphyllobothrium spp. ................................................. 113
Figura 29 - Formas larvares de Diphyllobothrium spp. .................................................. 113
Figura 30 - Plerocercóides de D. latum, D. dendriticum e D. pacificum ........................ 114
Figura 31 - Ciclo de vida de Diphyllobothrium spp. no Homem ................................... 116
Figura 32 - Distribuição da difilobotriose na Europa desde 1980 .................................. 124
Figura 33 - Distribuição mundial dos casos de difilobotriose causada por D. latum ..... 125
Figura 34 - Distribuição mundial dos casos de difilobotriose causada por D. dendriticum
.......................................................................................................................................... 126
Figura 35 - Distribuição mundial dos casos de difilobotriose causada por D. pacificum
.......................................................................................................................................... 127
Figura 36 - Distribuição mundial dos casos de difilobotriose causada por D. nihonkaiense
.......................................................................................................................................... 128
Figura 37 – Observação Microscópica de ovos de Diphyllobothrium spp. em amostras de
fezes ................................................................................................................................. 139
Figura 38 - Proglótis de Diphyllobothrium spp. ............................................................. 140
Figura 39 - Fotografias de ovos de diferentes espécies de Diphyllobothrium, obtidas
através de MEV................................................................................................................ 141
Relatório de Estágio no Serviço de Patologia Clínica do CHLO
VIII MAC Índice de Tabelas
Ana Filipa Fangueiro Duarte xix
Índice de Tabelas
Parte II
Relatório de Estágio no Serviço de Patologia Clínica do Centro Hospitalar de
Lisboa Ocidental (CHLO)
Tabela 1 - Principais meios de cultura utilizados no Laboratório de Microbiologia e
respetivas características ................................................................................................. 12
Tabela 2 - Frações proteicas e respetivas proteínas constituintes .................................. 36
Tabela 3 - Parâmetros determinados por RIA e amostras utilizadas ............................. 67
Tabela 4 - Marcadores tumorais determinados no laboratório, características, utilidade e
correlação clínicas ........................................................................................................... 83
Tabela 5 - Parâmetros determinados no exame físico-químico da urina e respetiva
correlação clínica ............................................................................................................ 88
Tabela 6 - Programas de AEQ em que o SPC participa................................................. 93
Parte III
Epidemiologia, patogénese, clínica, imunologia, tratamento e prevenção da
Difilobotriose – novos tempos, “nova" doença
Tabela 7 - Principais marcos na história da difilobotriose .............................................. 108
Tabela 8 - Espécies de Diphyllobothrium spp. válidas reportadas no Homem e respetivo
número de casos ............................................................................................................... 109
Tabela 9 - Hospedeiros definitivos de D. latum, D. nihonkaiense, D. dendriticum e D.
pacificum .......................................................................................................................... 118
Tabela 10 - Pratos de peixe cru/insuficientemente cozinhado consumidos mundialmente e
respetiva distribuição ....................................................................................................... 129
Parte II
Relatório de Estágio no Serviço de Patologia Clínica do CHLO
VIII MAC Introdução
Ana Filipa Fangueiro Duarte 3
Relatório de estágio realizado no Seviço de Patologia Clínica do
Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental (CHLO)
1. Introdução
Os exames laboratoriais, enquanto meio complementar de diagnóstico e terapêutica,
desempenham hoje em dia um papel essencial nos cuidados de saúde, contribuindo para o
diagnóstico, monitorização, prognóstico, tratamento e prevenção da doença. Assim, é
fundamental que os laboratórios de análises clínicas/patologia clínica garantam a qualidade
dos resultados fornecidos, que depende de todas as atividades executadas ao longo das três
fases que integram o processo analítico: pré-analítica, analítica e pós-analítica.
A fase pré-analítica inclui todos os procedimentos que precedem a análise
laboratorial das amostras. A fase analítica corresponde à execução da análise propriamente
dita, sendo que o controlo de qualidade e validação técnica dos resultados estão
compreendidos nesta fase. Por fim, a fase pós-analítica consiste na validação biopatológica
e emissão dos resultados.
Nos últimos anos, os laboratórios de análises clínicas têm vindo a tornar-se cada
vez mais automatizados, o que veio permitir uma diminuição do tempo de resposta perante
o elevado fluxo de amostras e uma diminuição dos erros laboratoriais. (1)
O presente relatório de estágio é referente ao estágio laboratorial realizado no
âmbito do Mestrado em Análises Clínicas da Faculdade de Farmácia da Universidade de
Lisboa. O estágio foi efetuado no Serviço de Patologia Clínica (SPC) do Centro Hospitalar
de Lisboa Ocidental, EPE (CHLO), sob a orientação da Drª Isabel Freire, Farmacêutica
Especialista em Análises Clínicas (TSS – Técnico Superior de Saúde). Decorrido entre 1
de abril e 30 de novembro de 2016, num total de 1080 horas, o estágio abrangeu as áreas
da Microbiologia, Imunologia, Hematologia e Química Clínica. Cada uma destas valências
foi orientada, respetivamente, por Drª Teresa Baptista Fernandes, Drª Alexandra Mendes,
Drª Flora Meireles e Drª Conceição Cardoso. Teve início no Laboratório de Microbiologia
e Biologia Molecular, localizado no Hospital de Egas Moniz, prosseguindo depois no
Hospital de S. Francisco Xavier com as restantes valências.
Durante o período de estágio integrei a rotina laboratorial de cada uma das áreas por
onde passei, manuseando as diferentes amostras recebidas no SPC e os equipamentos
Relatório de Estágio no Serviço de Patologia Clínica do CHLO
VIII MAC Introdução
4 Ana Filipa Fangueiro Duarte
utilizados (tanto ao nível da sua manutenção como ao nível do processamento das
amostras), e executando diferentes técnicas manuais. Tive ainda a possibilidade de
acompanhar a validação biopatológica dos resultados.
Neste relatório será feita a caracterização e descrição do funcionamento do local de
estágio, uma abordagem à fase pré-analítica e, para cada uma das valências, serão descritos
os principais equipamentos, metodologias e técnicas utilizadas, abordando alguns dos testes
efetuados e parâmetros analíticos determinados, bem como o seu interesse e significado
clínico. Por fim, será também analisada sucintamente a área da gestão da qualidade, onde
serão abordados o controlo de qualidade interno e a avaliação externa da qualidade.
Face à grande variedade de técnicas executadas e parâmetros determinados no SPC,
o relatório centrar-se-á apenas naqueles que foram observados e/ou realizados mais
frequentemente em cada área.
Relatório de Estágio no Serviço de Patologia Clínica do CHLO
VIII MAC Caracterização do Laboratório de Estágio
Ana Filipa Fangueiro Duarte 5
2. Caracterização do Laboratório de Estágio
O CHLO foi criado em 29 de dezembro de 2005, sendo resultante da fusão do
Hospital de Egas Moniz (HEM), do Hospital de Santa Cruz (HSC) e do Hospital de S.
Francisco Xavier (HSFX). O Centro Hospitalar tem como missão a prestação de cuidados
de saúde humanizados, de qualidade e em tempo oportuno a todos os cidadãos, dispondo
de todas as valências de cuidados de saúde diferenciados e beneficiando da reconhecida
qualidade assistencial das três unidades hospitalares que o compõem. (2)
O SPC está inserido no departamento de Patologia e Medicina Laboratorial, que
integra um dos muitos serviços do CHLO. A Direção do SPC está a cargo do Dr. João Faro
Viana, sendo que o serviço se encontra organizado de acordo com o organograma
representado na figura 1. A equipa de trabalho do SPC é constituída por Médicos
Patologistas Clínicos, Técnicos Superiores de Saúde, Técnicos de Análises Clínicas e
Saúde Pública (TACSP), Assistentes Técnicos e Assistentes Operacionais. (2)
O SPC resulta da fusão dos três serviços existentes nos hospitais que constituem o
CHLO, sendo composto pelos seguintes polos:
Laboratório Central, situado no HSFX - realiza todas as rotinas do CHLO.
Inclui os Laboratórios de Química Clínica, Hematologia, Hemostase,
Imunologia e Citometria de Fluxo e ainda o Laboratório de Urgência do
Figura 1 - Organograma do SPC (2)
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VIII MAC Caracterização do Laboratório de Estágio
6 Ana Filipa Fangueiro Duarte
HSFX, que partilha as mesmas instalações e assegura um apoio médico
presencial 24h/24h;
Laboratório de Microbiologia Clínica e Biologia Molecular, situado no
HEM;
Laboratórios de Urgência do HEM e do HSC.
O Laboratório Central encontra-se dividido em diferentes áreas de trabalho, sendo
constituído por 2 espaços principais: a central de colheitas e o laboratório “propriamente
dito” onde são efetuados os procedimentos analíticos.
No espaço da central de colheitas existe também uma sala de microscopia de
fluorescência e uma sala onde é realizada a técnica de radioimunoensaio. Por sua vez, o
espaço do laboratório é constituído por uma área de receção, um pequeno gabinete de
colheitas, uma área de receção de amostras e triagem, um open-space onde são efetuados
os procedimentos da fase pré-analítica e onde funcionam os Laboratórios de Química
Clínica, Hematologia, Hemostase e o Laboratório de Urgência, e ainda duas salas onde
funcionam o Laboratório de Imunologia e o Laboratório de Citometria de Fluxo.
O Laboratório de Microbiologia e Biologia Molecular é constituído pelos seguintes
espaços principais: uma área de receção/atendimento e de triagem das amostras recebidas,
sala de colorações e, no que diz respeito apenas ao espaço da Microbiologia, três salas
destinadas ao exame bacteriológico, os laboratórios de parasitologia, micologia e virologia
e um laboratório de acesso restrito (P3) onde é realizado o exame micobacteriológico.
Tanto no Laboratório Central como no Laboratório de Microbiologia são recebidas
amostras provenientes das diferentes áreas dos três hospitais (serviços de internamento,
consultas externas, serviços de urgência, entre outros), bem como amostras externas
provenientes de alguns centros de saúde. O transporte de amostras entre os vários polos do
SPC é efetuado por um serviço de transporte do CHLO. No Laboratório Central, as
amostras das diversas áreas do HSFX chegam através de um sistema de transporte
pneumático (ou sistema de vácuo) que permite realizar o transporte interno de amostras.
As amostras são colocadas numa cápsula, que é transportada através de uma rede de tubos
até ao laboratório e depois do laboratório até ao local (serviço) de proveniência.
No SPC, todo o circuito analítico encontra-se informatizado com o sistema
Clinidata®XXI, um sistema inteligente de gestão global de laboratórios de análises
clínicas. O ClinidataXXI permite gerir todo o processo analítico, desde a prescrição dos
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VIII MAC Caracterização do Laboratório de Estágio
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exames laboratoriais até à validação final dos resultados, uma vez que abrange todas as
áreas da Patologia Clínica, a ligação de equipamentos e o controlo de qualidade. (3)
O SPC encontra-se a implementar um Sistema de Gestão da Qualidade de forma
gradual. O Laboratório de Biologia Molecular está já certificado (NP EN ISO 9001:2008),
sendo que o objetivo passa por conseguir ter todo o serviço certificado no final de 2017.(2)
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VIII MAC Fase Pré-Analítica
8 Ana Filipa Fangueiro Duarte
3. Fase Pré-Analítica
A fase pré-analítica compreende todos os procedimentos que antecedem a análise
laboratorial das amostras. É a fase onde se verifica a maioria dos erros laboratoriais, que
poderão originar alterações nos resultados e, consequentemente, interpretações incorretas.
Entre os fatores pré-analíticos que podem afetar os resultados estão a preparação do doente
para a colheita, a colheita, identificação, transporte, tratamento e conservação das
amostras.(1)
Assim que os pedidos de análises laboratoriais são registados pelos clínicos no
sistema ClinidataXXI, é atribuído um número ao processo de cada doente e às amostras,
que são identificadas através de um código de barras. Quando as amostras chegam ao
Laboratório Central (receção/zona de triagem) e ao Laboratório de Microbiologia
(receção), procede-se à sua integração no sistema informático e à triagem, sendo impressas
as etiquetas de identificação necessárias. Neste processo de triagem é necessário confirmar
a correta identificação das amostras e verificar o cumprimento dos critérios para a aceitação
destas. Após a triagem, as amostras são distribuídas pelas diferentes áreas do laboratório.
Para algumas amostras é necessário um tratamento prévio (centrifugação) antes de
serem distribuídas e analisadas nas respetivas áreas, como é o caso das amostras de soro
(para a Química Clínica e Imunologia) e de plasma (para a Hemostase), e das amostras de
urina para a realização de doseamentos (Química Clínica).
No Laboratório Central é utilizado um equipamento de pré-analítica, o Cobas 8000,
que possibilita o processamento automático das amostras, otimizando o fluxo de trabalho e
o tempo no laboratório, e diminuindo os erros associados a esta fase. A cadeia pré-analítica
do Cobas 8000 é constituída pelos módulos p 671 e p 612, representados na figura 2. O
módulo p 671 é composto por duas centrífugas, onde são centrifugadas as amostras de
sangue total para a obtenção de soro e de plasma e as amostras de urina, de acordo com as
rpm (rotações por minuto) e o tempo definidos. O módulo p 612 permite identificar os
tubos, avaliar a qualidade e o volume das amostras, detetar eventuais problemas nos tubos,
fazer as alíquotas necessárias para tubos secundários identificados com código de barras, e
separar e agrupar as amostras por áreas. A avaliação da qualidade (índice de hemólise,
lipémia e icterícia) e volume das amostras é realizada através de fotografia, que é
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VIII MAC Fase Pré-Analítica
Ana Filipa Fangueiro Duarte 9
comparada com uma base de fotografias existentes no software do equipamento,
permitindo assim aceitar ou rejeitar os tubos. (4)
Neste equipamento são separadas as amostras de soro para o laboratório de
Imunologia, as amostras de plasma para o laboratório de Hemostase e as amostras de
sangue total para o laboratório de Química Clínica. As restantes amostras de soro e urina
para a Química seguem diretamente para os outros módulos do Cobas 8000 (descritos no
capítulo 7.1.1), onde é efetuada a maior parte dos doseamentos, que se encontram ligados
à cadeia pré-analítica.
Figura 2 - Cadeia pré-analítica Cobas 8000 (p 671 e p 612)
Figura 2- Cadeia pré-analítica Cobas 8000 (p 671 e p 612)
Figura 2 - Cadeia pré-analítica Cobas 8000 (p 671 e p 612)
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VIII MAC Microbiologia
10 Ana Filipa Fangueiro Duarte
4. Microbiologia
O Laboratório de Microbiologia tem um papel fundamental no diagnóstico,
tratamento e controlo das doenças infeciosas. (5) O laboratório está dividido nas áreas de
bacteriologia, micobacteriologia, micologia, parasitologia e virologia, nas quais é efetuada
a pesquisa, identificação e caracterização dos agentes etiológicos da infeção, e ainda os
testes de suscetibilidade aos antibióticos (TSA).
Ao laboratório de Microbiologia chegam diversos tipos de amostras: urina, sangue,
fezes, amostras respiratórias (expetoração, lavado broncoalveolar, secreções respiratórias e
brônquicas), exsudados (vaginal, retal, faríngeo, etc), exsudados purulentos profundos e
superficiais, LCR e outros líquidos biológicos (pleural, ascítico, pericárdico, etc), cabelos,
unhas, pele (escamas cutâneas), biópsias e pontas de cateter, entre outras.
Para um diagnóstico microbiológico com a máxima qualidade e sensibilidade, é
essencial que as amostras sejam de boa qualidade, que sejam colhidas corretamente e em
quantidade suficiente, transportadas de forma adequada para o laboratório e acompanhadas
de informação clínica relevante. (5,6) Após a receção dos produtos biológicos no
laboratório e triagem, estes são distribuídos pelas várias áreas acompanhados da requisição
em papel (com informação acerca da situação clínica do doente, terapêutica antomicrobiana
em curso, local anatómico da colheita e exames pretendidos), onde ao longo do processo
de identificação dos microrganismos são anotados os testes efetuados e os resultados
obtidos.
No laboratório de Microbiologia são utilizadas diferentes técnicas e metodologias
para a identificação e caracterização dos microrganismos e para o estudo da suscetibilidade
aos antimicrobianos. As metodologias utilizadas e a valorização dos resultados dependem
do produto biológico em estudo, dos microrganismos pesquisados, da informação clínica
fornecida e ainda do conhecimento da microbiota normal e dos microrganismos
patogénicos nos diferentes locais anatómicos.
Neste capítulo serão apenas descritos os procedimentos realizados na área da
bacteriologia, uma vez que é a área em que é processado um maior número de amostras e
onde decorreu a quase totalidade do estágio no laboratório de Microbiologia.
A área da bacteriologia destina-se ao diagnóstico de infeções bacterianas tendo por
base não só o exame cultural, mas também outras técnicas e metodologias como o exame
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VIII MAC Microbiologia
Ana Filipa Fangueiro Duarte 11
microscópico, provas bioquímicas, testes de aglutinação e imunocromatográficos, sistemas
automatizados, entre outras. Neste setor são também efetuados os TSA, quando aplicáveis.
Após a receção dos produtos biológicos neste setor, é feita uma nova triagem no
sistema informático e em seguida estes são processados de acordo com os procedimentos
do laboratório e com os pedidos efetuados, sendo que, para a maior parte das amostras, o
processamento tem início com o exame cultural.
4.1. Exame Cultural
O exame cultural consiste na inoculação dos produtos biológicos em meios de
cultura, de forma a promover o crescimento dos microrganismos presentes nas amostras. A
cultura de microrganismos tem como objetivos não só a obtenção de um crescimento
suficiente dos microrganismos de interesse, mas também o seu isolamento em culturas
puras, que é essencial para a identificação e caracterização, bem como para os TSA.
Os meios de cultura utilizados podem ser sólidos (gelose) ou líquidos (caldo). Os
meios sólidos permitem a observação de colónias de microrganismos, da sua morfologia e
de reações bioquímicas específicas. Os meios líquidos são meios de enriquecimento
utilizados para promover o crescimento de bactérias presentes em baixo número, sendo que
neste caso o crescimento é detetado através da turvação do meio. (6,7)
A inoculação das amostras nos meios de cultura sólidos pode ser realizada através
de diferentes técnicas, consoante o objetivo e o produto biológico. Para a maior parte dos
produtos biológicos, é realizada a técnica de sementeira por esgotamento, ou por quatro
quadrantes (figura 3), sendo para isso utilizada uma ansa de 10 μL. Esta técnica permite
obter colónias isoladas e fazer uma análise semi-quantitativa das colónias no meio de
cultura. Para as amostras de urina, é realizada a técnica de sementeira por estrias (figura 3),
para a qual é utilizada uma ansa de 1 μL. Esta técnica permite quantificar as colónias
existentes no meio, de forma a determinar o número de unidades formadoras de colónias
(UFC) por mililitro na amostra. Para além destas, é ainda utilizada a técnica de sementeira
por inundação para as amostras de LCR. (7)
O processamento das amostras e inoculação nos meios de cultura é sempre realizado
em câmara de fluxo laminar vertical, de forma a proteger o operador dos aerossóis,
minimizando a sua exposição, e também os produtos biológicos, protegendo-os de
contaminação microbiológica. (6)
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Os meios de cultura são escolhidos com base no produto biológico que se pretende
semear e nos microrganismos possivelmente envolvidos no processo infecioso. Na tabela
seguinte são apresentados os principais meios de cultura utilizados no Laboratório de
Microbiologia, assim como as suas características.
Tabela 1 - Principais meios de cultura utilizados no Laboratório de Microbiologia e respetivas características (7,8)
Meio de Cultura Características
MEIOS SÓLIDOS
Gelose Columbia
+ 5% de sangue de
carneiro (COS)
- Meio de isolamento que permite o crescimento de microrganismos fastidiosos
e a deteção dos diferentes tipos de hemólise: α-hemólise (parcial) - coloração
esverdeada à volta das colónias; β-hemólise (total) - zona clara à volta ou por
baixo das colónias; γ-hemólise (ausência de hemólise) - sem alterações no meio.
- É altamente nutritivo devido à presença de sangue de carneiro e peptonas,
sendo adequado para a cultura da maior parte das espécies bacterianas
Gelose Columbia
ANC + 5% de
sangue de
carneiro (CNA)
- Meio de isolamento seletivo que permite o crescimento de bactérias Gram +.
- Contém uma mistura de peptonas adaptada à cultura de microrganismos
exigentes, bem como ácido nalidíxico e colimicina, que inibem a maioria das
bactérias Gram − e Bacillus. - O sangue de carneiro permite fazer a determinação do tipo de hemólise
Gelose
Chocolate +
PolyViteX (PVX)
- Meio de isolamento indicado para o crescimento de estirpes fastidiosas dos
géneros Neisseria e Haemophilus, e de Streptococcus pneumoniae.
- Composto por uma base nutritiva enriquecida com fatores X (hemina) e V
(NAD), que são fornecidos pela hemoglobina e pelo PolyViteX
Gelose Chocolate
+ PolyViteX
VCAT3 (VCA3)
- Meio seletivo para o isolamento de Neisseria gonorrhoeae e Neisseria
meningitidis a partir de amostras polimicrobianas.
- Composto pela mesma base nutritiva do meio PVX.
- A seletividade do meio deve-se à combinação de antibióticos e antifúngicos,
que inibem a maior parte das bactérias e das leveduras que não as pesquisadas.
Figura 3 - Técnicas de sementeira por quadrantes (esquerda) e por estrias (direita)
Adaptado de: (7)
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Tabela 1 - Principais meios de cultura utilizados no Laboratório de Microbiologia e respetivas características
(continuação) (7,8)
Meio de Cultura Características
MEIOS SÓLIDOS
Gelose Chocolate
Haemophilus 2
(HAE2)
- Meio seletivo para o isolamento das diferentes espécies de Haemophilus.
- Composto pela mesma base nutritiva dos meios PVX e VCA3.
- A seletividade do meio deve-se à combinação de antibióticos e antifúngicos,
que inibem a maioria das bactérias Gram + e das leveduras.
Gelose Mac
Conkey (MAC)
- Meio de isolamento seletivo e diferencial para a deteção de
Enterobacteriaceae em amostras de origem diversa.
- Permite evidenciar a fermentação da lactose através da mudança de cor para
vermelho. Colónias lactose (+): rosas a vermelhas, por vezes contornadas por
um halo de sais biliares. Colónias lactose (−): incolores ou ligeiramente beges.
- Contém cristal violeta e sais biliares, que inibem a maioria das bactérias
Gram+
Gelose Hektoen
(HEKT)
- Meio seletivo e diferencial para a deteção de espécies de Salmonella e
Shigella.
- Tem na sua composição 3 açúcares. Microrganismos fermentadores de pelo
menos um açúcar: colónias amarelas ou rosa-amareladas.
- Colónias de Salmonella e de Shigella (não fermentadoras): verdes ou verdes-
azuladas. As colónias de Salmonella poderão ou não apresentar um centro
negro, devido à produção de sulfureto de hidrogénio (H2S)
Gelose Sabouraud
Gentamicina
Cloranfenicol 2
(SGC2)
- Meio seletivo para o isolamento de leveduras e fungos a partir de amostras
polimicrobianas. A presença de peptonas, dextrose e o pH ligeiramente ácido
da gelose favorecem o crescimento dos fungos.
- A gentamicina inibe a maioria das bactérias Gram − e Gram +, e o
cloranfenicol melhora a seletividade para determinadas espécies que podem ser
resistentes à gentamicina (Streptococcus, Proteus)
Gelose Granada
(GRAN)
- Meio de isolamento seletivo utilizado para a identificação direta de
Streptococcus agalactiae em mulheres grávidas.
- Colónias de S. agalactiae: cor alaranjada, devido à produção de um pigmento
Gelose Candida
chromID (CAN2)
- Meio cromogénico para o isolamento seletivo de leveduras e para a
identificação direta de Candida albicans.
- C. albicans: colónias azuis, devido à hidrólise de um substrato cromogénico.
- Permite diferenciar culturas mistas onde estão presentes outras espécies de
Candida, cujas colónias apresentam cor rosa
Gelose BCYE
- Meio enriquecido utilizado para o isolamento de Legionella.
- Contém: L-cisteína, um aminoácido nutritivo essencial ao crescimento das
espécies de Legionella; carvão ativado, que decompõe o peróxido de
hidrogénio, um produto metabólico tóxico para estas espécies
Gelose
Campylosel
(CAM)
- Meio seletivo para o isolamento de Campylobacter (principalmente C. jejuni
e C. coli). As colónias de Campylobacter são pequenas e acinzentadas.
- Contém antibióticos e antifúngicos que inibem o crescimento da maior parte
das bactérias e fungos
Gelose Mueller
Hinton (MHE)
- Destina-se à realização de TSA por difusão em disco e por tiras E-test.
- A sua composição permite o crescimento de bactérias não exigentes como
Staphylococcus spp., Enterococcus spp., Enterobacteriaceae, entre outros
Gelose Mueller
Hinton + 5%
sangue de cavalo +
NAD (MHF)
- Destina-se à realização de TSA pelos métodos de difusão em disco e de tiras
E-test, de microrganismos fastidiosos (Streptococcus pneumoniae e outras
espécies de Streptococcus, Haemophilus e Moraxella)
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Tabela 1 - Principais meios de cultura utilizados no Laboratório de Microbiologia e respetivas características
(continuação) (7,8)
Meio de Cultura Características
MEIOS LÍQUIDOS
Caldo Brain Heart
Infusion (BHI)
- Meio nutritivo que contém tecido cerebral e cardíaco, e peptonas para fornecer
proteínas e outros nutrientes necessários ao crescimento de microrganismos
exigentes e não exigentes
Caldo de Selenito
- Meio enriquecido para o isolamento de Salmonella spp. e de algumas espécies
de Shigella.
- O selenito de sódio inibe o crescimento de outras bactérias Gram + e Gram −
presentes em amostras fecais
Caldo Todd-
Hewitt
- Utilizado principalmente como meio de crescimento de Streptococcus β-
hemolíticos. Contém peptonas, dextrose e sais, sendo altamente nutritivo.
- A presença de antibióticos (gentamicina e ácido nalidíxico) inibe o
crescimento de bacilos Gram − presentes
Tioglicolato
- Meio de enriquecimento para o crescimento de diversas bactérias aeróbias e
anaeróbias.
- O tioglicolato de sódio e a cisteína presentes no meio atuam como agentes
redutores. A pequena quantidade de agar adicionada impede a difusão do O2
para o fundo do tubo, permitindo o crescimento de anaeróbios nessa zona
Para que ocorra crescimento de microrganismos, para além dos nutrientes
fornecidos pelo meio de cultura, é também necessário fornecer condições ambientais
ótimas, sendo a temperatura e a atmosfera de incubação (O2 e CO2) dois dos principais
fatores. Assim, após a inoculação das amostras nos meios de cultura, estes são colocados
numa estufa, sendo que as condições de incubação são determinadas pelo tipo de produto
biológico e pelos microrganismos que se pretende pesquisar e que poderão ser detetados.
A maior parte dos meios de cultura é colocada numa estufa a cerca de 35°C (a
temperatura ótima para o desenvolvimento da maioria dos microrganismos ronda os 35-
37°C, embora para alguns microrganismos a temperatura seja diferente, sendo necessário
colocar esses meios de cultura em estufas com temperaturas adequadas) e com uma
atmosfera que contém cerca de 5% de CO2, permitindo assim o crescimento dos
microrganismos aeróbios e dos capnofílicos. Para o crescimento dos microrganismos
anaeróbios e dos microaerófilos são necessárias atmosferas diferentes, criadas através da
utilização de jarras que contêm geradores que permitem criar as atmosferas adequadas.
O tempo de incubação necessário para o crescimento depende dos microrganismos,
sendo que, geralmente, os meios de cultura são incubados durante 24-48 horas. No caso
dos anaeróbios, o tempo de crescimento pode ser superior, sendo necessária a incubação
durante um maior período de tempo. (6–8)
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Após a incubação, os meios de cultura são observados e é feita a análise da
morfologia das colónias, em que são avaliadas características como o tamanho, cor, forma,
aspeto, cheiro e alterações no meio de cultura provocadas pelo crescimento dos
microrganismos. A valorização clínica das colónias presentes no meio baseia-se na
compreensão da patogenia da infeção nos diferentes locais anatómicos.
Esta avaliação inicial das culturas tem grande importância, pois permite determinar
quais os testes e procedimentos necessários para a identificação e caracterização definitivas
dos microrganismos de interesse. Para a realização destes testes, assim como para os TSA,
são necessárias culturas puras (todas as colónias são idênticas e têm origem na mesma
célula parental) dos microrganismos que se pretende identificar. Os microrganismos
isolados inicialmente a partir do produto biológico encontram-se muitas vezes em culturas
mistas, sendo por isso necessário proceder ao seu reisolamento para outro(s) meio(s) de
cultura, de forma a obter culturas puras. (6,8)
4.2. Exame Microscópico
O exame microscópico constitui uma das etapas iniciais do processo de
identificação e caracterização de um microrganismo. Este pode ser utilizado para a deteção
de microrganismos diretamente a partir dos produtos biológicos e para a caracterização dos
microrganismos que cresceram nos meios de cultura.
A informação obtida através do exame microscópico permite fazer a identificação
presuntiva do possível agente infecioso, sendo por vezes utilizada para direcionar a
terapêutica inicial e também para determinar quais os testes de identificação subsequentes.
O exame microscópico abrange o exame a fresco e o exame após coloração.(6)
4.2.1. Exame a Fresco
O exame a fresco é realizado entre lâmina e lamela, diretamente a partir do produto
biológico. Este exame permite avaliar o número e tipo de células presentes na amostra, tais
como células epiteliais, leucócitos e os microrganismos. No Laboratório de Microbiologia,
a preparação de lâminas para exame a fresco é realizada para os exsudados endocervical,
uretral e vaginal. (6)
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4.2.2. Exame Após Coloração
O exame microscópico de preparações coradas permite determinar várias
características das bactérias, tanto morfológicas como relativas ao modo de agrupamento e
à afinidade para os corantes. Os esfregaços podem ser realizados diretamente a partir das
amostras, ou das colónias obtidas nos meios de cultura (através da sua suspensão numa gota
de água destilada). Após a secagem dos esfregaços, estes são fixados com metanol e em
seguida procede-se à sua coloração, que é realizada num equipamento automático. As
colorações utilizadas no Laboratório de Microbiologia são a coloração de Gram e a de
Ziehl-Neelsen. (6,8)
Coloração de Gram
A coloração de Gram permite dividir as bactérias em Gram-positivo (Gram +) e
Gram-negativo (Gram −) com base na afinidade para os corantes utilizados, que é
determinada por diferenças na estrutura da parede celular das bactérias.
Nesta técnica, inicialmente é utilizado o corante cristal violeta (cor roxa), seguido
de uma solução de lugol (iodo) que aumenta a ligação do corante à parede celular das
bactérias, e depois uma solução descorante de álcool-acetona, que remove o corante. Por
último, é adicionado um segundo corante, a safranina (cor rosa), que cora os
microrganismos que não retiveram o cristal violeta. As bactérias Gram-positivo, devido a
possuírem uma camada espessa de peptidoglicano, retêm o cristal de violeta, corando de
violeta/roxo. As bactérias Gram-negativo, por outro lado, apresentam uma camada fina de
peptidoglicano e uma membrana celular externa, pelo que não retêm o cristal violeta e por
isso são coradas pela safranina, apresentando uma coloração rosa. (6,9)
A preparação de esfregaços para coloração de Gram diretamente a partir dos
produtos biológicos é realizada para a maior parte dos exsudados, para os líquidos
biológicos, amostras do aparelho respiratório, LCR e hemoculturas positivas.
Coloração de Ziehl-Neelsen
A coloração de Ziehl-Neelsen é utilizada na deteção de bactérias álcool-ácido
resistentes, nomeadamente as bactérias do género Mycobacterium, como o M. tuberculosis.
A parede celular das bactérias álcool-ácido resistentes contém ácidos micólicos, que as
tornam resistentes à descoloração por soluções álcool-ácidas. Assim, após a aplicação do
primeiro corante, a carbolfucsina (cora de vermelho), este é retido pelas bactérias álcool-
ácido resistentes e mantém-se após a aplicação da solução descorante. Em seguida é
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Ana Filipa Fangueiro Duarte 17
adicionado um corante de contraste, o azul de metileno (cora de azul), que cora as células
e outros microrganismos que perdem a coloração pela carbolfucsina após a descoloração.
Desta forma, os bacilos álcool-ácido resistentes (BAAR) surgem corados de
vermelho, enquanto os restantes elementos observados no esfregaço coram de azul. (6) A
preparação de esfregaços diretamente a partir dos produtos biológicos é realizada para as
amostras do aparelho respiratório inferior como a expetoração, LBA, secreções brônquicas
e respiratórias, e ainda para o líquido pleural.
4.3. Testes de Identificação de Microrganismos
Após o isolamento dos microrganismos em culturas puras, procede-se à sua
identificação. No laboratório de Microbiologia são utilizados vários testes que auxiliam
este processo e que permitem fazer uma identificação presuntiva dos microrganismos em
estudo, com base nas características metabólicas e nutricionais desses microrganismos e
em reações antigénio-anticorpo (testes de aglutinação). Em seguida são apresentados
alguns dos principais testes de identificação presuntiva realizados no laboratório e que
foram observados e/ou realizados durante o estágio.
4.3.1. Provas Bioquímicas
Catalase
O teste da catalase é utilizado para distinguir dois géneros de bactérias Gram-
positivo, os Staphylococcus spp. (catalase positiva) e os Streptococcus spp. (catalase
negativa).
Esta prova baseia-se na deteção da presença da enzima catalase, que tem a
capacidade de converter o peróxido de hidrogénio em oxigénio e água. O procedimento
consiste em colocar uma gota de peróxido de hidrogénio numa lâmina e em seguida
transferir uma colónia isolada do meio de cultura para a lâmina. A reação positiva, que
indica a presença da catalase, é evidenciada pela rápida produção de bolhas de ar. (6)
Oxidase
O teste da oxidase permite detetar a presença da enzima citocromo oxidase, que
participa no transporte de eletrões de um dador para um aceitador (normalmente o
oxigénio). Esta prova é utilizada para a caracterização de bacilos Gram-negativo,
permitindo diferenciar microrganismos da família das Enterobacteriaceae (oxidase
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18 Ana Filipa Fangueiro Duarte
negativa) de outros bacilos pertencentes aos géneros Pseudomonas spp. e Aeromonas spp.
(oxidase positiva).
Para a realização deste teste é utilizado o dihidrocloreto de tetrametil
p-fenilenodiamina (composto que atua como aceitador de eletrões), que é colocado num
disco fornecido com o kit, sobre o qual é seguidamente espalhada uma colónia isolada. Na
presença da enzima oxidase, este reagente sofre oxidação e origina um composto de cor
roxa. Na ausência de oxidase não ocorre mudança de cor, indicando uma reação
negativa.(6,8)
Urease
O teste da urease é útil na identificação de algumas espécies pertencentes à família
das Enterobacteriaceae, como o Proteus spp. (urease positiva), e também de outras
bactérias importantes como o Helicobacter pylori.
Esta prova permite detetar a presença da enzima urease, que tem a capacidade de
hidrolisar a ureia em amónia e CO2. Para este teste é utilizado o meio líquido ureia-indol
que tem na sua composição ureia e um indicador de pH (vermelho de fenol), no qual é
colocada uma colónia isolada. A produção de amónia alcaliniza o meio, dando origem a
uma mudança de cor do indicador de pH, de laranja para rosa, após incubação a 35-37°C
em atmosfera de aerobiose durante 24h. A ausência de alteração da cor do meio
corresponde a um resultado negativo, indicando assim a ausência da enzima urease. (6)
4.3.2. Testes de Aglutinação
Identificação Rápida de Staphylococcus aureus - SLIDEX® Staph Plus
O SLIDEX Staph Plus é um teste de aglutinação para a identificação de
Staphylococcus aureus. Neste teste são utilizadas partículas de látex sensibilizadas com
fibrinogénio humano e anticorpos monoclonais, para a deteção do fator de afinidade para
o fibrinogénio (clumping factor), da proteína A e de antigénios de superfície específicos de
S. aureus.
O procedimento consiste em colocar uma gota do reagente num dos círculos dos
cartões fornecidos com o kit, em seguida dissolver uma ou mais colónias e observar o
resultado 30 segundos após ligeira rotação. A observação de aglutinação significa que o
resultado é positivo, indicando assim a presença de Staphylococcus aureus.
Anteriormente era utilizada a prova da coagulase em tubo para diferenciar S. aureus
de outras espécies de Staphylococcus (coagulase negativa). Contudo, para a realização
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Ana Filipa Fangueiro Duarte 19
desta prova são necessárias 4 a 24 horas de incubação, tendo por isso sido substituída pelo
teste rápido de aglutinação, embora em alguns casos possa ser utilizada uma vez que é o
método de referência. (9)
Deteção de Staphylococcus aureus Resistentes à Meticilina - SLIDEX® MRSA
Detection
O SLIDEX® MRSA Detection é um teste de aglutinação com partículas de látex
para a deteção de Staphylococcus aureus resistentes à meticilina (MRSA), com base na
produção da proteína PBP2’. A resistência à meticilina é determinada pela aquisição de um
elemento genético móvel do qual faz parte o gene mecA, que codifica a PBP2’. Esta
proteína tem uma baixa afinidade para os antibióticos β-lactâmicos, nos quais se inclui a
meticilina, o que permite a sobrevivência do S. aureus quando exposto a estes antibióticos.
Neste teste, as partículas de látex encontram-se sensibilizadas com um anticorpo
monoclonal contra a PBP2’ e vão reagir de forma específica com os MRSA, observando-
se uma aglutinação que indica um resultado positivo. (7,9)
4.3.3. Teste de Sensibilidade à Optoquina
O teste de sensibilidade à optoquina permite fazer a identificação presuntiva de
Streptococcus pneumoniae, diferenciando-os de outros estreptococos α-hemolíticos,
nomeadamente os Streptococcus viridans. Este teste baseia-se no facto de o Streptococcus
pneumoniae ser sensível à optoquina, contrariamente aos restantes estreptococos α-
hemolíticos.
Para a realização desta prova é semeada uma gelose COS, com colónias isoladas
cuja morfologia seja sugestiva de S. pneumoniae. Em seguida é colocado um disco
impregnado com optoquina no centro da gelose e esta é incubada a 35°C em atmosfera com
5% CO2, durante 24h. Após a incubação, a presença de um halo de inbição de crescimento
à volta do disco, com um diâmetro igual ou superior a 14 mm ou 16 mm (dependendo do
tamanho do disco utilizado), permite fazer a identificação presuntiva de S.
pneumoniae.(6,7)
4.3.4. Teste da Necessidade dos Fatores X e V
O teste da necessidade dos fatores X e V é utilizado para diferenciar as espécies de
Haemophilus, com base na necessidade dos fatores de crescimento X e/ou V. As diferentes
espécies pertencentes ao género Haemophilus necessitam de componentes presentes no
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20 Ana Filipa Fangueiro Duarte
sangue para poderem crescer nos meios de cultura, nomeadamente os fatores X e V.
Algumas espécies de Haemophilus necessitam apenas do fator X ou do fator V, enquanto
outras necessitam de ambos os fatores para se desenvolverem.
Nesta prova é preparada uma suspensão em NaCl a 0,85% das colónias sugestivas
de Haemophilus (isoladas em gelose de chocolate PVX ou HAE2), de 0,5 na escala de
McFarland. A suspensão é inoculada numa gelose MHE com uma zaragatoa, através da
técnica de espalhamento (distribuição uniforme da suspensão em toda a superfície da
gelose). Em seguida, são colocados os três discos (X, V e X+V) no meio de cultura, de
forma a ficarem o mais afastados possível, e este é incubado a 35°C em atmosfera com 5%
CO2, durante 24h. Após a incubação é feita a observação dos resultados: (6,7)
Crescimento à volta do disco com fator V e do disco X+V - bactéria
necessita apenas do fator V;
Crescimento à volta do disco com fator X e do disco X+V - bactéria requer
apenas o fator X;
Crescimento apenas à volta do disco X+V – bactéria necessita de ambos os
fatores em simultâneo.
Neste teste é ainda semeada uma gelose de chocolate PVX com a suspensão
preparada, de forma a verificar a pureza das colónias isoladas.
4.4. Identificação de Microrganismos - Sistema Automatizado
VITEK®2
A identificação definitiva dos microrganismos em estudo é realizada através do
sistema automatizado VITEK® 2. Este sistema é utilizado para a identificação de
microrganismos e para a realização dos TSA, através de cartas de teste (identificação e
antibiograma). Estas cartas têm vários poços, em que cada um contém um substrato
bioquímico (cartas de identificação) ou um agente antimicrobiano (cartas de antibiograma).
Este sistema é constituído por uma estação de carregamento das amostras
(VITEK®2 Smart Carrier Station™) e por um módulo principal onde é efetuada a
inoculação, incubação e leitura das cartas, que estão ligados através de um sistema
informático (figura 4).
Para a inoculação das cartas é necessário preparar uma suspensão a partir das
colónias que se pretende identificar e/ou para as quais se pretende realizar o antibiograma.
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Ana Filipa Fangueiro Duarte 21
Esta suspensão é feita em 3 mL de NaCl a 0,50%, sendo a sua turvação ajustada a um
padrão da escala de McFarland, que varia consoante a carta de identificação utilizada. A
turvação da suspensão é medida através do dispositivo DensiCHEK™ (figura 4).
Após a preparação das suspensões, estas são colocadas na cassete Smart Carrier
Station, onde são associadas informaticamente às respetivas cartas de teste. Em seguida, a
cassete é colocada no módulo principal, onde é realizada a inoculação das suspensões nas
cartas (através de um sistema de vácuo), a incubação a 35,5°C ± 1°C, e por fim a leitura
dos resultados.
É também semeada uma gelose COS ou outro meio de cultura adequado ao
crescimento da estirpe em estudo, com a suspensão preparada, de forma a verificar a pureza
da mesma.
A tecnologia do VITEK 2 baseia-se na monitorização contínua do crescimento e da
atividade dos microrganismos em cada poço de teste, medidos através de um sistema ótico
de transmitância. A transmitância mede a intensidade da luz transmitida por um feixe que
atravessa uma solução que absorve luz a um determinado comprimento de onda. É realizada
uma leitura inicial da transmitância em cada poço e em seguida são efetuadas leituras com
intervalos de 15 minutos, até ao fim do tempo de incubação das cartas.
O sistema VITEK2 permite assim reduzir o tempo de resposta, que varia entre 2 e
18 horas. (9,10)
Para a identificação dos vários microrganismos, no Laboratório de Microbiologia
são utilizadas diferentes cartas de identificação (figura 5):
GP – Identificação de bactérias Gram-positivo (cocos e lactobacilos);
Figura 4 - Componentes do sistema VITEK®2
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22 Ana Filipa Fangueiro Duarte
GN – Identificação de bactérias Gram-
negativo (bacilos);
YST – Identificação de leveduras;
NH – Identificação de bactérias fastidiosas
(Neisseria spp., Haemophilus spp., entre
outras);
ANC – Identificação de bactérias
anaeróbias
A identificação dos microrganismos é efetuada com base em ensaios colorimétricos,
nos quais ocorrem reações metabólicas que envolvem os substratos presentes nos diferentes
poços, originando produtos coloridos, que são depois medidos pelo sistema ótico. (9,10)
4.5. Testes de Suscetibilidade aos Antibióticos (TSA)
Após a identificação do microrganismo em estudo, é realizado TSA ou
antibiograma, que permite medir in vitro a suscetibilidade do microrganismo aos agentes
antimicrobianos, fornecendo informações essenciais para a escolha da terapêutica mais
adequada. Os TSA devem ser realizados para qualquer microrganismo responsável por um
processo infecioso e que necessite de terapêutica antimicrobiana, sempre que a
suscetibilidade aos antimicrobianos não puder ser previsível após a identificação do
microrganismo. (7,8)
Estes testes baseiam-se na determinação da Concentração Mínima Inibitória (CMI),
que corresponde à menor concentração de antibiótico que inibe o crescimento de um
microrganismo in vitro. O resultado dos antibiogramas é dado como sensível, resistente ou
intermédio. (7) A realização dos TSA e a interpretação dos resultados seguem as
recomendações do European Committee on Antimicrobial Susceptibility Testing
(EUCAST) e também do Clinical and Laboratory Standards Institute (CLSI).
No laboratório de Microbiologia, a determinação da suscetibilidade aos
antimicrobianos é realizada pelo método de microdiluição, através do sistema VITEK2, ou
por métodos manuais, nomeadamente o método de difusão em disco (Kirby-Bauer) e o
método de gradiente de difusão (Etest®). Os antibiogramas manuais são realizados para
microrganismos fastidiosos ou microrganismos que não possam ser testados através do
Figura 5 - Cartas de Identificação VITEK 2
Adaptado de: (9)
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Ana Filipa Fangueiro Duarte 23
sistema VITEK2, e também quando os resultados obtidos com o equipamento VITEK2 não
são consistentes. (7)
Para além destes métodos manuais, no laboratório de Microbiologia são ainda
realizados outros testes manuais para a deteção de mecanismos de resistência, como a
deteção de β-lactamases de largo espetro (ESBL) e a deteção de resistência induzida à
clindamicina, entre outros.
Para todos os TSA é semeado um meio de cultura adequado ao crescimento do
microrganismo em estudo com a suspensão bacteriana preparada, para verificar a sua
pureza.
4.5.1. Método de Microdiluição – VITEK2
Tal como para os testes de identificação, nos TSA são também utilizadas cartas de
teste (AST). Estas cartas permitem ober resultados de TSA para vários microrganismos
clinicamente relevantes: cocos Gram-positivo, bacilos Gram-negativo e leveduras.
Os antibiogramas efetuados têm por base o princípio da turbidimetria, que é um
método ótico que mede a redução da intensidade de luz transmitida, devido ao efeito de
dispersão que resulta da interação de um feixe de luz com uma suspensão de partículas.
Após a incubação das cartas, são determinados os valores da CMI e a suscetibilidade
do microrganismo em relação a cada um dos antimicrobianos presentes nos poços da
carta.(7,9)
4.5.2. Métodos Manuais
Método de Difusão (Kirby-Bauer)
O método de difusão em disco, ou método de Kirby-Bauer, é utilizado para testar a
suscetibilidade das bactérias de crescimento rápido e de alguns microrganismos exigentes.
Neste método são utilizados discos impregnados com um determinado antibiótico, que são
colocados numa gelose MHE ou MHF, previamente inoculada com uma suspensão
padronizada (0,5 na escala de McFarland) do microrganismo a testar. A suspensão é
inoculada no meio de cultura com uma zaragatoa, através da técnica de espalhamento.
Após a aplicação dos discos, as geloses são incubadas a 35°C em aerobiose (as
geloses MHF são incubadas em atmosfera com 5% de CO2) durante 16 a 18 horas. Durante
o período de incubação, o antibiótico difunde-se radialmente e forma-se um halo de
inibição de crescimento, cujo diâmetro é inversamente proporcional à CMI. O diâmetro do
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24 Ana Filipa Fangueiro Duarte
halo de inibição é medido (em milímetros) e os resultados são interpretados de acordo com
os critérios EUCAST e CLSI. (6,7)
Método de Gradiente de Difusão - Etest®
O método de gradiente de difusão (Etest®) combina o princípio do método de
Kirby-Bauer com o método de diluição. Neste método são utilizadas tiras de plástico com
um gradiente de concentrações do antibiótico, que permitem determinar a CMI.
A tira ou tiras Etest® que contêm o antibiótico de interesse são colocadas numa
gelose MHE ou MHF previamente inoculada com uma suspensão do microrganismo a
estudar. A preparação da suspensão e as condições de incubação das geloses são idênticas
ao método de Kirby-Bauer. Após a incubação, forma-se uma elipse que interseta a escala
de leitura da CMI (em µg/mL) na tira, onde a concentração do antibiótico testado inibe o
crescimento do microrganismo.
Este método permite complementar os TSA automatizados e os TSA realizados pelo
método de Kirby-Bauer, sendo útil para determinar a CMI de microrganismos fastidiosos
ou de crescimento lento, detetar baixos níveis de resistência e ainda detetar ou confirmar
mecanismos de resistência aos antimicrobianos. (8,9)
4.6. Processamento de Produtos Biológicos
Neste capítulo é abordado o processamento laboratorial de alguns dos produtos
biológicos mais frequentes no Laboratório de Microbiologia, no que diz respeito ao exame
cultural e ao exame microscópico. São também abordados alguns aspetos relevantes
relativos à colheita e transporte das amostras.
4.6.1. Urina
As infeções do trato urinário constituem uma das infeções bacterianas mais
frequentes no Homem. A infeção urinária é normalmente causada por bactérias da
microbiota intestinal saprófita, que invadem o trato urinário por via ascendente, através da
uretra.
Os agentes etiológicos mais comuns nas crianças e adultos sem outras doenças
associadas são as Enterobacteriaceae, principalmente a Escherichia coli. Já nos doentes
internados e com fatores de risco associados, existem outros agentes etiológicos que
Relatório de Estágio no Serviço de Patologia Clínica do CHLO
VIII MAC Microbiologia
Ana Filipa Fangueiro Duarte 25
poderão ser responsáveis pela infeção, como Pseudomonas spp, Staphylococcus aureus,
entre outros. (6,8)
As amostras de urina podem ser colhidas por micção (jato médio), sendo preferível
a primeira urina da manhã, por punção de cateter urinário (algália) ou por punção supra-
púbica, entre outras, devendo a colheita ser realizada após limpeza e desinfeção locais.
Após a triagem das amostras de urina, estas são semeadas (urocultura) nas geloses
COS e MAC, com uma ansa de 1 μL, através da técnica de sementeira por estrias. Como
referido anteriormente, esta técnica permite determinar o número de UFC por mililitro
(UFC/mL) na amostra. Após a inoculação das amostras, os meios de cultura são colocados
na estufa a 35°C com uma atmosfera de 5% de CO2, durante 24h.
No dia seguinte os meios de cultura são observados e é feita a contagem do número
de colónias, que é multiplicado por 103, obtendo-se assim o número de UFC/mL. De uma
maneira geral, um valor ≥105 UFC/mL é considerado positivo e significativo de infeção
urinária.
Nas culturas em que se observa um ou dois tipos de colónias predominantes (≥105
UFC/mL) é realizada a identificação (após reisolamento, quando necessário) e TSA do(s)
microrganismo(s) em questão. A presença de três ou mais tipos de colónias, sem
predomínio de um tipo de colónia, indica uma provável contaminação, sendo normalmente
pedida uma nova colheita. No entanto, a valorização dos resultados tem em conta uma série
de parâmetros como o método de colheita da urina, o tipo de doente e a sintomatologia,
entre outros. (7,8)
4.6.2. Sangue (Hemocultura)
O isolamento e deteção de microrganismos no sangue através de exame cultural
(hemocultura) é útil no diagnóstico de bacteriémia. Alguns dos microrganismos mais
frequentemente isolados a partir do sangue são: S. aureus, Staphylococcus coagulase-
negativa, Streptococcus pneumoniae, E. coli e Enterococcus spp., entre outros.
O sangue é um produto biológico estéril, pelo que o isolamento de um
microrganismo a partir de uma hemocultura é normalmente valorizado. No entanto, é
importante distinguir infeção de contaminação por microrganismos da microbiota cutânea,
com base no quadro clínico do doente e nos resultados das várias hemoculturas. Os
microrganismos da microbiota cutânea (Staphylococcus coagulase-negativa, Bacillus spp.,
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26 Ana Filipa Fangueiro Duarte
entre outros) só são valorizados quando estão presentes em mais do que uma série de
hemoculturas. (6,8)
O sangue é colhido em frascos específicos que contêm um meio líquido, os frascos
de cultura BacT/ALERT®, que após a triagem são colocados no equipamento
BacT/ALERT® 3D. No laboratório de Microbiologia são recebidos frascos para a deteção
de microrganismos aeróbios (tampa verde), de microrganismos anaeróbios (tampa laranja)
e frascos pediátricos (tampa amarela) para a deteção de microrganismos aeróbios e
anaeróbios facultativos, representados na figura 6.
O BacT/ALERT® 3D (figura 7) é um sistema automático de deteção microbiana,
utilizado para determinar a presença de microrganismos em amostras de sangue e outros
líquidos biológicos. É composto por um módulo de controlo e por um ou mais módulos de
incubação, que permitem a incubação (cerca de 35°C), agitação e monitorização contínuas
dos frascos de cultura.
Este sistema utiliza um sensor colorimétrico e a reflexão da luz para detetar o
crescimento de microrganismos. A presença de microrganismos na amostra em estudo
resulta na produção de CO2, uma vez que estes metabolizam os substratos existentes no
meio de cultura. Os frascos de cultura, para além do meio de cultura líquido, contêm um
sensor colorimétrico no fundo, que muda de cinzento para amarelo devido à alteração do
pH resultante da produção de CO2. O equipamento monitoriza os frascos de cultura e faz a
leitura da refletância de 10 em 10 minutos.
Caso seja detetado crescimento de microrganismos, o sistema emite um alarme
sonoro e visual, para que o ou os frascos em questão sejam retirados do equipamento. Se
Figura 6 - Frascos de cultura BacT/ALERT®
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Ana Filipa Fangueiro Duarte 27
após cinco dias de incubação não for detetado crescimento de microrganismos, os frascos
de cultura são retirados do equipamento e o resultado é dado como negativo. (9)
Se o equipamento detetar uma hemocultura positiva, é em seguida realizada a
passagem para meios sólidos (subcultura), nomeadamente os meios COS e MAC. Estes são
incubados a 35°C com uma atmosfera de 5% de CO2, durante 48h. Para além das
subculturas, é também realizado um esfregaço para coloração de Gram, que vai permitir
fazer a identificação presuntiva do microrganismo, com base nas suas características
mofológicas e tinturiais.
Após o fim da incubação dos meios sólidos, estes são observados e é feita a
interpretação dos resultados. Para os microrganismos valorizados, é efetuada a
identificação e o antibiograma.
4.6.3. Expetoração
As infeções do trato respiratório inferior constituem uma das principais causas de
morbilidade e mortalidade a nível mundial, sendo que alguns dos agentes bacterianos mais
comuns nestas infeções são: Streptococcus pneumoniae, Haemophilus influenzae,
Moraxella catarrhalis, Klebsiella pneumoniae, Staphylococcus aureus, Pseudomonas
aeruginosa e Acinetobacter baumannii.
As amostras do aparelho respiratório inferior recebidas no laboratório de
Microbiologia são a expetoração, lavado broncoalveolar (LBA), secreções respiratórias
(aspirado traqueal) e brônquicas (fibroscopia), sendo que a expetoração é a amostra mais
frequente, uma vez que é obtida facilmente e de forma não invasiva.
O trato respiratório inferior é normalmente estéril, no entanto o diagnóstico das
infeções respiratórias inferiores é muitas vezes dificultado pela contaminação das amostras
pela microbiota comensal da orofaringe, durante a colheita. Assim, é importante verificar
Figura 7 - Sistema BacT/ALERT® 3D
Relatório de Estágio no Serviço de Patologia Clínica do CHLO
VIII MAC Microbiologia
28 Ana Filipa Fangueiro Duarte
a qualidade das amostras, sendo que apenas as de boa qualidade devem ser processadas.
(6–8)
Desta forma, após a triagem das amostras de expetoração é realizado um screening
para avaliar a qualidade destas, que consiste na preparação de um esfregaço que é
posteriormente corado pelo método de Gram. O esfregaço é efetuado através da técnica de
estiramento ou esmagamento entre duas lâminas, sendo selecionada a porção mais
purulenta ou hemática da amostra.
Depois de corada, a lâmina é observada ao microscópio com a objetiva de 10x e é
feita uma avaliação semiquantitativa do número de células epiteliais pavimentosas e de
leucócitos, bem como a avaliação das características morfológicas e tinturiais dos
microrganismos predominantes. De acordo com os critérios seguidos, uma boa amostra
apresenta menos de 10 células epiteliais por campo. Um número de células inferior a 10,
em conjunto com a presença de 25 ou mais leucócitos é indicador de uma ótima amostra.
Caso as amostras apresentem 10 ou mais células epiteliais pavimentosas por campo, não
cumprindo assim o critério de qualidade, o exame microbiológico não prosseguirá, com
exceção dos casos em que é feita a pesquisa de Legionella spp. e Mycobacterium spp. (6,8)
Para além da coloração de Gram, é também realizado outro esfregaço que é corado
pelo método de Ziehl-Neelsen, para a pesquisa de BAAR.
Se a amostra for boa é em seguida realizado o exame cultural, em que a amostra de
expetoração é inoculada nos meios COS, MAC e HAE2. Estes são incubados a 35°C com
uma atmosfera de 5% de CO2, durante 48h. Após 24h de incubação as geloses são
observadas e, caso não haja crescimento de microrganismos, estas são incubadas mais 24h
e depois novamente observadas. Os microrganismos que se desenvolvem para além do 2º
quadrante da sementeira são valorizados de acordo com a informação clínica e com o Gram,
sendo em seguida realizada a sua identificação e o TSA.
4.6.4. Fezes
As infeções do trato gastrointestinal estão na origem da maioria dos episódios de
diarreia aguda, apresentando uma elevada incidência na população em geral. O trato
gastrointestinal possui uma microbiota vasta e diversa, constituída principalmente por
Enterobacteriaceae e microrganismos anaeróbios. (8,11)
Relatório de Estágio no Serviço de Patologia Clínica do CHLO
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Ana Filipa Fangueiro Duarte 29
No laboratório de Microbiologia, por rotina é feita a pesquisa e identificação de
Salmonella spp., Shigella spp. e Campylobacter jejuni/coli. Em situações clínicas especiais
poderá ser feita a pesquisa de Yersinia enterocolytica e Escherichia coli O157.
A pesquisa de Clostridium difficile só é efetuada quando solicitada pelo clínico,
sendo realizada através de um teste rápido (CerTest Clostridium difficile GDH+Toxin
A+B) que consiste num imunoensaio cromatográfico, para a deteção da enzima glutamato
desidrogenase (GDH) e das toxinas A e B do C. difficile. (12)
Relativamente à colheita das amostras, geralmente é aconselhada a colheita até um
total de 3 amostras em dias diferentes, no entanto nos casos agudos uma amostra é
normalmente suficiente. Após a colheita, as fezes devem ser colocadas num meio de
transporte (Cary-Blair), que permite manter a viabilidade dos patogéneos entéricos, e
enviadas para o laboratório. (6,8)
Após serem triadas, as amostras são inoculadas nos meios de cultura MAC e HEKT
e no meio líquido de selenito. É também efetuado um teste rápido para a deteção qualitativa
de Campylobacter spp. (CAMPYLOBACTER SPECIES Ag CARD), que consiste num
imunoensaio cromatográfico em que são utilizados anticorpos monoclonais anti-
Campylobacter. (13) Caso o resultado do teste seja positivo, a amostra de fezes é também
semeada na gelose Campylosel.
Os meios de cultura são incubados a 35°C com uma atmosfera de 5% de CO2,
durante 24h. Quando é semeado o meio Campylosel, este é incubado a 42°C em atmosfera
de microaerofilia, durante 72h.
Após as 24h de incubação, é observado o crescimento nos meios de cultura e a partir
do meio líquido de selenito é feita a passagem para os meios MAC e HEKT, que são
incubados nas mesmas condições dos outros meios e posteriormente observados. Para os
microrganismos valorizados, é efetuada a identificação e TSA.
4.6.5. Exsudado Vaginal/Retal – Pesquisa de Streptococcus agalactiae
O Streptococcus β-hemolítico do grupo B (SGB), ou Streptococcus agalactiae, é o
agente mais frequente de infeção bacteriana perinatal. Este microrganismo coloniza
habitualmente o trato gastrointestinal e o trato geniturinário, sendo que cerca de 10-30%
das mulheres grávidas são portadoras de S. agalactiae. Na mulher grávida, o S. agalactiae
pode causar infeção do trato urinário, endometrite e bacteriémia, enquanto no recém-
nascido pode ser responsável por septicémia, pneumonia e meningite. (5,14)
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VIII MAC Microbiologia
30 Ana Filipa Fangueiro Duarte
Atualmente, de acordo com a norma da DGS, está indicado o rastreio do SGB em
todas as grávidas entre as 35 e 37 semanas de gestação, com exceção daquelas a quem foi
isolado SGB na urina durante a gestação em curso, e naquelas com história anterior de
sépsis neonatal por SGB. (15) Para a realização do rastreio é colhida uma amostra de
exsudado vaginal e retal (zaragatoa do 1/3 externo da vagina e ano-retal) que é colocada no
meio de transporte de Amies/Stuart, embora possam também ser utilizadas duas zaragatoas
(uma para cada local) que são colocadas juntamente no mesmo meio de transporte. Os
meios de transporte de Amies/Stuart são meios não nutritivos que permitem manter a
viabilidade dos microrganismos, sem que haja uma multiplicação significativa. (6,14,15)
Para o exame cultural é utilizado o meio de Granada, que é inoculado com a
zaragatoa (se forem duas zaragatoas estas são processadas simultaneamente, como se
fossem uma só), sendo que o inóculo inicial é depois espalhado com uma ansa de 10μL. É
também inoculado o meio líquido de Todd-Hewitt, sendo que a zaragatoa (ou zaragatoas)
é deixada no meio líquido. Os meios são incubados a 35°C com uma atmosfera de 5% de
CO2, durante 24h. Terminado o tempo de incubação, é efetuada a passagem do meio líquido
para uma gelose Granada, que é incubada em atmosfera de anaerobiose durante 24-48h.
Após 24h a gelose é observada e, se não existir crescimento de microrganismos, a
incubação é prolongada por mais 24h, sendo depois observada novamente. Caso sejam
observadas colónias suspeitas (de cor laranja), é feito o reisolamento para uma gelose COS,
para posterior identificação e TSA.
Relatório de Estágio no Serviço de Patologia Clínica do CHLO
VIII MAC Imunologia
Ana Filipa Fangueiro Duarte 31
5. Imunologia
No laboratório de Imunologia, é realizado um conjunto de procedimentos e estudos
que permitem fazer o diagnóstico e monitorização de doenças associadas ao sistema
imunitário através de várias metodologias, maioritariamente baseadas em reações
antigénio-anticorpo. O laboratório encontra-se dividido em três áreas funcionais:
Imunoquímica - onde é efetuado o doseamento e estudo de proteínas através
da técnicas de nefelometria, eletroforese e imunofixação, bem como a
pesquisa de crioglobulinas (técnica manual);
Alergologia;
Autoimunidade.
As amostras utilizadas para as várias determinações e estudos no laboratório de
Imunologia são: soro, urina, LCR e fezes (para a determinação da calprotectina).
5.1. Proteínas
5.1.1. Nefelometria
A nefelometria é um método utilizado na determinação imunoquímica da
concentração de proteínas do soro, urina e outros líquidos biológicos. Este método baseia-
se na medição da dispersão de luz que ocorre devido à presença de imunocomplexos em
solução, resultantes da interação entre os antigénios da amostra e o anti-soro (anticorpos)
correspondente. A distribuição da luz dispersa depende da relação entre o tamanho das
partículas dos imunocomplexos e o comprimento de onda do feixe de luz que incide sobre
a amostra. A luz dispersa é medida por um fotodetetor, a um determinado ângulo em relação
ao feixe de luz. A um nível constante de anticorpos, a intensidade da luz dispersa é
proporcional à concentração de antigénios
(proteínas). (1,16)
No laboratório de Imunologia, o
doseamento de proteínas por nefelometria
é realizado no nefelómetro BN ProSpec,
em amostras de soro, urina ou LCR. O BN
ProSpec (figura 8) é um equipamento Figura 8 - Equipamento BN ProSpec
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VIII MAC Imunologia
32 Ana Filipa Fangueiro Duarte
automático em que a fonte de luz utilizada emite a um comprimento de onda de 840 nm (±
25 nm), e a intensidade da luz dispersa é medida a um ângulo de 13° a 24°. (17)
5.1.1.1. Proteínas Doseadas
Albumina
A albumina é a proteína mais abundante no plasma e a sua síntese ocorre no fígado.
As suas principais funções são a manutenção da pressão oncótica intravascular e a ligação
e transporte de diversos ligandos (cálcio, magnésio, entre outros).
Concentrações séricas diminuídas de albumina (hipoalbuminémia) podem resultar
de uma síntese hepática diminuída (doença hepática, má nutrição, má absorção), bem como
da perda de proteínas na urina, fezes ou através da pele (queimaduras graves). (1,16)
Proteínas do Complemento (C3c e C4)
O complemento é um sistema complexo de proteínas que consititui um dos
mecanismos inatos de defesa do organismo contra microrganismos e outros agentes
externos. As proteínas do complemento são sintetizadas no fígado e circulam na forma
inativa.
A ativação do sistema do complemento está associada ao consumo de C3 e C4. A
diminuição da concentração sérica destas proteínas observa-se principalmente no Lúpus
Eritematoso Sistémico (LES) e em formas de glomerulonefrite membranoproliferativa.
Valores aumentados de C3 e C4 podem ocorrer em doenças inflamatórias, uma vez que
ambas são proteínas de fase aguda. (1,16)
Imunoglobulinas
As imunoglobulinas (Igs) são proteínas produzidas pelos plasmócitos e constituem
as moléculas efetoras da resposta imunitária humoral. São compostas por duas cadeias
pesadas idênticas (γ, α, μ, δ, ε) e duas cadeias leves idênticas (κ, λ), ligadas entre si. A
cadeia pesada define o tipo de imunoglobulina, existindo 5 classes: IgG, IgA, IgM, IgD e
IgE.
No laboratório de Imunologia é efetuado o doseamento de IgG, IgA, IgM e IgE no
soro. A diminuição da concentração sérica das imunoglobulinas ocorre nas
imunodeficiências primárias e nas secundárias a tumores malignos ou infeções. O aumento
dos níveis de imunoglobulinas pode ocorrer de forma policlonal (doenças hepáticas,
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Ana Filipa Fangueiro Duarte 33
infeções agudas e crónicas, doenças autoimunes) ou de forma monoclonal (Mieloma
Múltiplo, Macroglobulinemia de Waldënstrom, plasmocitoma, entre outros). (1,18)
A IgE está associada às reações de hipersensibilidade imediata, pelo que o seu
doseamento pode ser útil no diagnóstico de doenças alérgicas. Contudo, níveis aumentados
de IgE não estão apenas relacionados com doenças alérgicas, ocorrendo também em
infeções parasitárias e noutras doenças inflamatórias.(18)
Cadeias Leves e Cadeias Leves Livres κ e λ
As cadeias leves são normalmente produzidas em excesso relativamente às cadeias
pesadas, pelo que uma pequena quantidade é libertada na circulação como cadeias leves
livres (CLL). Nos indivíduos saudáveis, a maioria das cadeias leves existe na forma ligada
das Igs completas e só uma pequena parte como CLL, que são filtradas pelo rim.
A concentração sérica das cadeias leves é determinada pela concentração das Igs
completas. O aumento ou diminuição das cadeias leves pode ser devido a proliferação
monoclonal ou policlonal, ou à diminuição das Igs intactas, respetivamente. Enquanto as
Igs policlonais apresentam as cadeias κ e λ numa proporção de 2:1, as Igs monoclonais
apresentam apenas um tipo de cadeia (κ ou λ). Desta forma, o aumento da produção de Igs
monoclonais leva à alteração do quociente κ/λ, que quando se encontra fora dos valores de
referência indica a existência de uma gamapatia monoclonal. Nas gamapatias monoclonais
ocorre um aumento da produção de uma Ig específica e da respetiva CLL envolvida. Assim,
uma das CLL estará elevada e, consequentemente, a razão κ/λ de CLL estará aumentada ou
diminuída em relação ao intervalo de referência. (1,16)
No laboratório de Imunologia é feito o doseamento das cadeias leves κ e λ e das
CLL κ e λ no soro.
β2-Microglobulina
A β2-Microglobulina é um componente do MHC e está presente em todas a células
nucleadas. Devido ao seu baixo peso molecular é filtrada pelos rins, sendo depois
reabsorvida e metabolizada nos túbulos proximais. Níveis aumentados de β2-
Microglobulina no soro podem ocorrer em doenças inflamatórias (artrite reumatoide, LES),
HIV, mieloma múltiplo (MM), ou devido a lesão renal. A β2-Microglobulina sérica é um
marcador sensível da capacidade de filtração glomerular e um bom marcador de
prognóstico no MM. (16,18)
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34 Ana Filipa Fangueiro Duarte
O doseamento de β2-Microglobulina na urina é útil no diagnóstico e monitorização
de lesão tubular renal, uma vez que concentrações elevadas estão associadas à presença
destas lesões. (16,18)
Fator Reumatoide
O fator reumatoide (FR) é um anticorpo dirigido contra a região Fc da IgG. A
deteção do FR faz parte dos critérios para o diagnóstico da Artrite Reumatoide (AR), uma
vez que a maioria dos doentes apresenta este anticorpo. Contudo, o FR não é específico da
AR, podendo também ser detetado noutras doenças inflamatórias sistémicas e em infeções
crónicas. (1)
α1-Antitripsina
A α1-Antitripsina (AAT) é uma glicoproteína sintetizada no fígado, cuja principal
função é a inibição da elastase libertada pelos neutrófilos.
Concentrações diminuídas de AAT no soro podem ser causadas por deficiências
genéticas desta glicoproteína. A deficiência de AAT está associada a um risco elevado de
desenvolver doença pulmonar (enfisema) e hepática. Níveis aumentados de AAT são
encontrados em reações inflamatórias, uma vez que esta é uma proteína de fase
aguda.(1,18)
Ceruloplasmina
A ceruloplasmina é uma glicoproteína produzida no fígado, que contém a maior
parte do cobre presente no plasma. A sua principal função é catalisar reações de oxidação-
redução. É uma proteína de fase aguda, pelo que a sua concentração sérica está aumentada
em infeções e processos inflamatórios. A diminuição da concentração da ceruloplasmina
verifica-se em situações de má nutrição ou má absorção de cobre, doença hepática grave,
doença de Wilson, entre outras. (1,18)
Título de Anticorpos Anti-estreptolisina O (TASO)
A estreptolisina O é uma enzima antigénica produzida pelo Streptococcus pyogenes.
Esta enzima provoca a lise dos eritrócitos, sendo responsável pela hemólise produzida nos
meios de cultura (agar de sangue). A determinação do TASO é útil no diagnóstico de febre
reumática e de glomerulonefrite aguda resultantes de uma infeção por Streptococcus
pyogenes. (1)
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5.1.2. Eletroforese de Proteínas Séricas
A eletroforese de proteínas séricas é uma técnica que permite separar as proteínas
com base na diferença de mobilidade destas, quando submetidas a um campo elétrico. A
mobilidade eletroforética das proteínas depende fundamentalmente da sua carga e tamanho.
No laboratório de Imunologia, a separação das proteínas séricas é efetuada por
eletroforese capilar (EC). Na EC, a separação das proteínas é realizada em meio líquido
(tampão com pH alcalino) através de um capilar de pequeno diâmetro que é exposto a uma
alta voltagem. Quando a alta voltagem é aplicada, é gerado um fluxo eletroosmótico, no
qual as moléculas do tampão carregadas positivamente migram em direção ao cátodo (pólo
negativo). As proteínas presentes no soro têm carga negativa, pelo que quando a amostra é
injetada no capilar, estas apresentam uma mobilidade eletroforética na direção do ânodo
(pólo positivo). No entanto, o fluxo eletroosmótico é mais forte que a mobilidade
eletroforética das proteínas, pelo que estas vão migrar também na direção do cátodo, no
qual se encontra um detetor de luz UV/visível que mede a absorvância das proteínas,
permitindo a sua identificação e quantificação. (16,18,19)
No laboratório de Imunologia, as eletroforeses de proteínas séricas são executadas
no V8 E-Class (figura 9), um equipamento automático que permite também realizar
eletroforeses em amostras de urina, e ainda a técnica de imunosubtração.
A EC permite obter um perfil eletroforético no qual se distinguem 6 frações
proteicas (figura 10): albumina, α1-globulinas, α2-globulinas, β1-globulinas, β2-globulinas
e γ-globulinas. As diferentes frações podem ser constituídas por uma ou mais proteínas,
representadas na tabela 2.
Figura 9 - Equipamento V8 E-Class
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36 Ana Filipa Fangueiro Duarte
Tabela 2 - Frações proteicas e respetivas proteínas constituintes (16,19)
A eletroforese de proteínas séricas permite assim detetar e avaliar alterações
qualitativas e quantitativas das várias frações proteicas, sendo que os resultados obtidos
para cada fração são expressos em g/L (concentração) e em percentagem (%).
Atualmente, a principal aplicação da eletroforese de proteínas séricas é a deteção e
monitorização de gamapatias monoclonais. As gamapatias monoclonais são um grupo de
doenças associadas à proliferação de um único clone de plasmócitos, que se caracterizam
pela produção de imunoglobulinas (intactas ou fragmentos) monoclonais, de estrutura
idêntica. Estas patologias podem ser malignas (como o Mieloma Múltiplo) ou podem
corresponder a uma situação benigna (como o MGUS). A presença de imunoglobulinas
Fração Proteínas
Albumina Albumina
α1
α1-antitripsina
α1-glicoproteína ácida
α1-fetoproteína
α2
α2-macroglobulina
Haptoglobina
Ceruloplasmina
β1 Transferrina
Hemopexina
β2
Proteínas do Complemento (C3 e C4)
β2-microglobulina
Subpopulações de IgA
γ Imunoblogulinas (IgG, IgA, IgM, IgD, IgE)
PCR
Figura 10 - Perfil eletroforético normal de proteínas séricas
Adaptado de: Sebia. 2015 - http://www.sebia.com/en-EN/produits/capi-3-proteine-6
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monoclonais é detetada através da visualização de um “pico” (banda estreita e homogénea),
geralmente na fração γ, mas que pode também surgir nas frações β ou α. (16,20)
5.1.3. Imunofixação
A imunofixação é uma técnica que permite detetar e identificar as imunoglobulinas
monoclonais detetadas na eletroforese de proteínas séricas, podendo ser realizada em
amostras de soro e urina.
Esta técnica baseia-se na separação das proteínas por eletroforese em gel de agarose,
seguida de uma imunoprecipitação com antissoros de especificidades diferentes. Após a
eletroforese são aplicados os diferentes antissoros nas pistas de migração, que precipitam
os antigénios correspondentes, e um fixador, que é aplicado na pista de referência e que
precipita todas as proteínas. As proteínas não precipitadas são removidas do gel por
lavagem e absorção com papel de filtro, enquanto as proteínas precipitadas ficam retidas
na matriz do gel. Por fim, as proteínas precipitadas são coradas e a interpretação é feita
através da observação das bandas coradas. (20,21)
No laboratório de Imunologia, as imunofixações são realizadas no Hydrasis
Focusing (figura 11), um equipamento semi-automático destinado à execução de
eletroforeses em gel de agarose. Neste equipamento, a aplicação da amostra, migração
electroforética, incubação com os reagentes, secagem, lavagem e coloração são feitas
automaticamente, sendo apenas necessário preparar as amostras e o gel, e aplicar os
reagentes manualmente.
Nas imunofixações em amostras de soro é necessário fazer uma diluição das
amostras, de forma a evitar fenómenos de zona por excesso de antigénio. Os antissoros
utilizados são anti-cadeias pesadas γ (IgG), α (IgA) e μ (IgM), e anti-cadeias leves κ e λ
Figura 11 - Equipamento Hydrasys Focusing
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(livres e ligadas). Desta forma, as amostras são testadas simultaneamente em seis pistas: a
pista ELP que serve como referência, mostrando o perfil eletroforético das proteínas da
amostra, e as restantes cinco pistas, que permitem a caracterização das bandas monoclonais
devido aos antissoros específicos (figura 12). As proteínas precipitadas são coradas pelo
violeta ácido.
Uma amostra de soro normal irá apresentar uma zona corada difusa de
imunoglobulinas policlonais em todas as pistas. A presença de uma imunoglobulina
monoclonal é caracterizada pela visualização de uma banda estreita e bem visível, detetada
com um dos antissoros anti-cadeias pesadas (γ, α ou μ) e com um dos antissoros anti-
cadeias leves (κ ou λ). Caso ocorra reação com um dos antissoros anti-cadeias leves, mas
não com um dos antissoros anti-cadeias pesadas, podemos estar perante a presença de uma
CLL ou de uma gamapatia a IgD ou IgE (que deve ser confirmada com os antissoros anti-
cadeias pesadas δ e ε). (21)
5.1.3.1. Pesquisa da Proteína de Bence Jones
As proteínas de Bence Jones correspondem às CLL excretadas na urina. Como
referido anteriormente, as CLL são filtradas pelo rim, sendo depois reabsorvidas nos
túbulos renais. No entanto, nas gamapatias monoclonais, os plasmócitos monoclonais
poderão libertar quantidades elevadas de CLL, excedendo a capacidade de reabsorção
tubular e levando à excreção destas na urina. A deteção destas proteínas constitui, assim,
uma indicação importante da presença de uma gamapatia monoclonal, sendo utilizada no
diagnóstico e na monitorização da doença. (1)
Figura 12 - Imunofixação em amostras de soro
Adaptado de: Sebia. 2015 http://www.sebia.com/en-EN/produits/hydragel-if
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A deteção e identificação das proteínas de Bence Jones é realizada por
imunofixação em amostras de urina (1ª da manhã) concentradas (antes de realizar a
imunofixação são centrifugadas, colocadas num tubo concentrador que contém um filtro e
depois novamente centrifugadas). Os antissoros utilizados são: antissoro trivalente (anti-
cadeias pesadas γ, α e μ), anti-cadeias leves κ e λ (livres e ligadas), e anti-cadeias leves
livres κ e λ. As amostras são assim testadas simultaneamente em seis pistas: a pista de
referência ELP e as restantes cinco pistas, que permitem a caracterização das bandas
monoclonais devido aos antissoros específicos.
A deteção das proteínas de Bence Jones é feita através da observação de uma banda
monoclonal detetada com um dos antisoros anti-cadeias leves (livres e ligadas) κ ou λ, de
uma banda monoclonal (ao mesmo nivel da anterior) detetada com um dos antisoros anti-
CLL κ ou λ, e da ausência de banda na pista do antisoro trivalente. (22)
5.2. Alergologia
As alergias consistem em reações do sistema imunitário a antigénios ambientais
denominados alergénios, sendo mediadas por anticorpos IgE. No estudo das doenças
alérgicas é realizada a deteção quantitativa de IgE específicas para determinados
alergénios, o que permite avaliar a sensibilização a esses mesmos alergénios. (1,23)
No laboratório de Imunologia, o doseamento das IgE específicas é realizado no
equipamento Phadia 100 (figura 13), em amostras de soro. Este é um equipamento
automático destinado à realização de testes de alergia (testes ImmunoCAP) e de
autoimunidade. O Phadia 100 utiliza a técnica EliA (Enzyme-linked imunoassay), que
consiste num imunoensaio fluoroenzimático do tipo sandwich. Neste imunoensaio os
antigénios estão imobilizados numa fase sólida, que consiste num derivado de celulose
fechado numa cápsula. O alergénio liga-se à IgE específica na amostra do doente formando
imunocomplexos e, após a lavagem da IgE não específica, são adicionados anticorpos anti-
IgE marcados por uma enzima, que se vão ligar aos imunocomplexos formados. Em
seguida, é feita uma nova lavagem que remove os anticorpos anti-IgE não ligados e é
adicionado o substrato. Após a paragem da reação é medida a fluorescência emitida (a
enzima transforma o substrato num produto fluorescente), sendo que esta é diretamente
proporcional à concentração de IgE específica presente na amostra. (23)
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O rastreio inicial da doença alérgica abrange todos os indivíduos (crianças, jovens
e adultos) que apresentem manifestações clínicas suspeitas de patologia alérgica. (15) No
laboratório de Imunologia, este screening é feito através do doseamento de IgE específica
para uma mistura de alergénios inalantes (Phadiatop) e/ou alimentares (Phadiatop
alimentar) de diferentes grupos, num único teste. Estes testes permitem distinguir os
doentes atópicos (predisposição genética para a produção de IgE específicas após exposição
a alergénios) dos não atópicos. (23,24)
Nos indivíduos adultos é realizado o Phadiatop, que permite avaliar a sensibilização
a alergénios inalantes, entre os quais os ácaros, gramíneas, ervas daninhas, árvores, fungos
e o pelo de animais. Se o resultado for positivo, em seguida é feito o doseamento isolado
de determinadas IgE específicas, de acordo com perfis definidos e com os pedidos do
clínico, de forma a identificar o alergénio potencialmente responsável pela reação alérgica.
Nas crianças, para além do Phadiatop é também feito o Phadiatop alimentar, uma
vez que a sensibilização alérgica está maioritariamente relacionada com alergénios
alimentares, particularmente nas crianças dos 0 aos 3 anos. O Phadiatop alimentar inclui 6
alergénios: clara de ovo, leite de vaca, bacalhau, amendoim, soja e trigo. Caso o resultado
do Phadiatop alimentar seja positivo, em seguida é feito o doseamento das IgE específicas
para estes 6 alergénios isoladamente, de forma a detetar o alergénio possivelmente
responsável. Nos adultos, a determinação de IgE específicas para alergénios alimentares só
é feita se houver uma suspeita específica.
O diagnóstico das doenças alérgicas é feito predominantemente pela história clínica,
sendo que os testes para as IgE específicas e/ou os testes cutâneos permitem fazer a sua
confirmação. (1,15)
Figura 13 - Equipamento Phadia 100
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5.3. Autoimunidade
A autoimunidade consiste na resposta do sistema imunitário contra antigénios do
próprio organismo, resultante de uma falha nos mecanismos de tolerância. As doenças
autoimunes (DAI) caracterizam-se pela produção de autoanticorpos e pela presença de
linfócitos T autorreativos, que provocam danos a nível celular, dos tecidos ou dos órgãos.
Estas doenças são classificadas em específicas de órgão ou sistémicas. (1,25)
A deteção de autoanticorpos no soro é muito útil para o diagnóstico das doenças
autoimunes, sendo que alguns destes autoanticorpos constituem marcadores específicos de
determinadas doenças. No laboratório de Imunologia, a deteção serológica de
autoanticorpos é efetuada por imunofluorescência indireta, quimioluminescência, ELISA e
Immunoblot.
Neste capítulo serão descritas, de forma resumida, as técnicas utilizadas no
laboratório de Imunologia para a pesquisa de autoanticorpos, sendo principalmente
abordada a pequisa de anticorpos antinucleares (ANA).
5.3.1. Imunofluorescência Indireta
A imunofluorescência indireta (IFI) é a técnica utilizada para o screening inicial de
autoanticorpos no soro, nomeadamente para a pesquisa dos ANA. Nesta técnica são
utilizados substratos (células ou tecidos de animais) fixados em lâminas. O soro do doente
(após diluição) é adicionado e os autoanticorpos presentes ligam-se aos antigénios do
substrato. Após uma lavagem, são adicionados anticorpos marcados com um fluorocromo,
que vão reagir com os anticorpos ligados. As lâminas são observadas num microscópio de
fluorescência e os resultados baseiam-se na intensidade
da fluorescência e no padrão observado. Alguns destes
padrões estão associados a determinados
autoanticorpos, o que permite direcionar o estudo no que
diz respeito à pesquisa de autoanticorpos
específicos.(1,26)
No laboratório de Imunologia, a pesquisa de
autoanticorpos por IFI é realizada no equipamento Zenit
SP (figura 14). Este é um equipamento automático
concebido para o processamento de lâminas por IFI, e
Figura 14 - Equipamento Zenit SP
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42 Ana Filipa Fangueiro Duarte
de microplacas por ELISA (enzyme-linked immunosorbent assay). (27)
A técnica de IFI tem como vantagens a sua elevada sensibilidade e o facto de
permitir detetar simultaneamente anticorpos dirigidos contra diferentes antigénios, num
único substrato. Existem diversos tipos de substrato e a sua escolha depende do tipo de
anticorpos que se pretende pesquisar. No laboratório de Imunologia são utilizados vários
substratos, como o substrato de células HEp-2 (pesquisa de ANA), substrato triplo (fígado,
rim e estômago de rato - pesquisa de AMA, ASMA, anti-LKM e APCA), neutrófilos
(pesquisa de ANCA), entre outros.
5.3.1.1. Anticorpos Antinucleares (ANA)
Os ANA são um grupo heterogéneo de autoanticorpos dirigidos contra vários
componentes do núcleo celular (DNA, histonas, proteínas não histónicas, nucléolo,
centrómero, entre outros) ou do citoplasma.
A deteção de ANA tem grande importância no diagnóstico laboratorial de doenças
autoimunes sistémicas, entre as quais LES, síndrome de Sjögren (SS), dermatomiosite,
polimiosite, AR e doença mista do tecido conjuntivo (DMTC). Assim, perante a suspeita
de uma patologia autoimune sistémica, a pesquisa de ANA é o primeiro teste efetuado.
(1,28)
A técnica utilizada para a pesquisa de ANA é a IFI em substrato de células HEp-2.
As HEp-2 são células epiteliais humanas, que possuem estruturas intracelulares grandes, o
que permite uma melhor visualização e
reconhecimento das várias estruturas. Os
padrões de fluorescência obtidos estão
associados à presença de diferentes ANA,
o que permite estabelecer uma correlação
com determinadas patologias autoimunes
sistémicas. Os vários padrões de
fluorescência estão divididos em três
grupos: nucleares (figura 15),
citoplasmáticos e mitóticos. (29,30)
Contudo, os padrões obtidos são meramente indicativos, uma vez que não permitem
identificar definitivamente a especificidade dos autoanticorpos presentes. Assim, a
identificação dos ANA específicos presentes numa amostra deve ser feita através de outras
Figura 15 - Exemplos de padrões nucleares em células
HEp-2
Adaptado de: (29)
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técnicas. No laboratório de Imunologia é utilizada a quimioluminescência, sendo feita a
pesquisa dos autoanticorpos mais comuns e com maior significado clínico: os anti-ENA
(antigénios nucleares extraíveis) e os anti-dsDNA (DNA de cadeia dupla). (1,28)
5.3.2. Quimioluminescência
A deteção dos autoanticorpos anti-ENA (anti-SS-A/Ro, anti-SS-B/La, anti-Sm,
anti-RNP, anti-Scl70 e anti-Jo1) e anti-dsDNA é efetuada no equipamento automático Zenit
RA (figura 16), através de um imunoensaio por quimioluminescência.
A quimioluminescência
corresponde à emissão de luz como
resultado de uma reação química onde
ocorre a oxidação de um composto
orgânico. Neste imunoensaio, são
utilizadas partículas magnéticas (fase
sólida) revestidas com o antigénio
específico em estudo. No primeiro
passo, os autoanticorpos específicos presentes na amostra de soro ligam-se aos antigénios
da fase sólida. Após uma lavagem, são adicionados anticorpos marcados com éster dimetil
de acridina (DMAE), que se vão ligar aos imunocomplexos formados. Após nova lavagem,
são adicionadas soluções que levam à oxidação do DMAE, o que resulta na emissão de luz.
O sinal luminoso gerado é medido, sendo diretamente proporcional à concentração dos
autoanticorpos presentes na amostra. (31,32)
Os resultados positivos para um ou mais autoanticorpos específicos são depois
confirmados através da técnica de Immunoblot.
5.3.3. Immunoblot
O Immunoblot é o teste que permite confirmar os resultados obtidos por
quimioluminescência e IFI. Esta técnica consiste num imunoensaio enzimático, que
permite detetar e caracterizar os vários autoanticorpos.
Neste imunoensaio são utilizadas tiras de teste que contêm uma membrana revestida
com linhas paralelas de antigénios purificados. Numa primeira etapa, as amostras de soro
diluídas são incubadas com as tiras de teste e os autoanticorpos presentes ligam-se aos
antigénios específicos. Em seguida é realizada uma segunda incubação, na qual são
Figura 16 - Equipamento Zenit RA
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44 Ana Filipa Fangueiro Duarte
utilizados anticorpos marcados com uma enzima (fosfatase alcalina), que se vão ligar aos
imunocomplexos formados. Por fim é adicionado um substrato cromogénico, que promove
uma reação colorimétrica, evidenciada pelo aparecimento de uma banda escura intensa na
linha do antigénio correspondente. (33)
No laboratório de Imunologia, a
técnica de Immunoblot é executada no
equipamento EUROBlotMaster (figura 17) e
existem várias tiras com diferentes perfis de
antigénios para a deteção e caracterização de
diferentes autoanticorpos: ANA,
autoanticorpos associados a DAI hepáticas,
à miosite, à esclerose sistémica, entre outros. Figura 17 - Equipamento EUROBlotMaster
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6. Hematologia
A Hematologia é a área da medicina que estuda o sangue e os órgãos
hematopoiéticos em situações fisiológicas e patológicas, bem como os mecanismos da
hemostase. (1,34)
No laboratório de Hematologia são realizados hemogramas, é feita a determinação
da velocidade de sedimentação (VS), a observação microscópica de esfregaços de sangue
periférico e de aspirados de medula óssea (mielograma), o estudo das hemoglobinopatias,
da hemostase e ainda o estudo citológico de líquidos biológicos, DPCA e LBA. São
também realizadas algumas técnicas manuais como a execução de esfregaços de aspirados
de medula óssea e de esfregaços de sangue periférico, determinadas colorações
citoquímicas e ainda a contagem manual de reticulócitos.
As amostras utilizadas para a realização dos diferentes testes e estudos no
Laboratório de Hematologia são:
Sangue total colhido em tubo com K2 EDTA – utilizado no hemograma, VS
e no estudo das hemoglobinopatias. O EDTA remove o cálcio ionizado
(Ca2+) através de um processo de quelação, impedindo a coagulação;
Plasma obtido a partir de sangue total colhido em tubo com citrato trissódico
– utilizado nos testes de hemostase. O citrato trissódico impede a coagulação
do sangue por neutralização dos iões cálcio;
Líquidos biológicos (peritoneal, pleural, pericárdico), DPCA e LBA.
Um aspeto importante a ter em conta é a proporção de anticoagulante para a
proporção de sangue total, uma vez que um volume incorreto de sangue pode conduzir a
alterações nos resultados obtidos. Para a realização dos testes de hemostase é fundamental
que esta proporção seja de 9 volumes de sangue colhidos para 1 volume de citrato
trissódico. (35,36)
6.1. Hemograma
O hemograma permite quantificar e avaliar qualitativamente os eritrócitos,
leucócitos e plaquetas, sendo um dos exames laboratoriais mais frequentemente
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requisitados. É, portanto, um exame fundamental para o estudo da função hematológica e
para o diagnóstico de doenças com esta relacionadas. (37)
O hemograma inclui o eritrograma, o leucograma e o plaquetograma. No laboratório
de Hematologia, o hemograma é realizado no equipamento automático Beckman Coulter
UniCel DxH 800 que, para além dos parâmetros acima referidos, permite também realizar
a contagem de reticulócitos e de outros parâmetros relacionados com estes, bem como a
contagem de eritroblastos.
6.1.1. Contador Hematológico Beckman Coulter UniCel DxH 800
O UniCel DxH 800 é um analisador hematológico automático que se baseia no
princípio de Coulter e na tecnologia VCS (Volume, Condutividade, Scatter). No laboratório
de Hematologia, existem dois analisadores UniCel DxH 800 que estão conectados e que
são utilizados pelo laboratório de Hematologia de rotina e pelo laboratório de Urgência.
O princípio de Coulter, ou princípio da impedância, permite fazer contagens
celulares através da medição de variações de impedância que ocorrem quando uma
partícula (como uma célula sanguínea), suspensa numa solução isotónica e boa condutora
de eletricidade, atravessa um pequeno orifício situado entre dois elétrodos. A passagem de
cada célula pelo orifício aumenta a impedância (resistência) da corrente elétrica entre os
dois elétrodos, gerando um pulso elétrico. O número de pulsos indica o número de células
e a amplitude de cada pulso é proporcional ao volume da célula.
A tecnologia VCS é aplicada na contagem diferencial de leucócitos. Após a adição
de um reagente que provoca a lise dos eritrócitos (necessário para realizar a contagem total
dos leucócitos), as células são submetidas a três medições: volume, condutividade e
dispersão de luz laser (scatter). Esta tecnologia é ainda utilizada para realizar a contagem
de eritroblastos e reticulócitos. Para a contagem de reticulócitos é utilizado Novo Azul de
Metileno, um reagente que precipita e cora o RNA citoplasmático presente nos
reticulócitos. (36,38)
A quantificação da hemoglobina é realizada após a lise dos eritrócitos. O reagente
que provoca a lise dos eritrócitos converte também a hemoglobina num pigmento estável
que é doseável espectrofotometricamente a 525nm, sendo que a absorvância do pigmento
é diretamente proporcional à concentração de hemoglobina na amostra. (36,38)
Os dois analisadores hematológicos estão acoplados a um equipamento de
preparação e coloração de lâminas totalmente automatizado, o DxH Slidemaker Stainer.
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Este equipamento aspira uma amostra de sangue total e realiza um esfregaço numa lâmina
de microscópio, permitindo a adaptação do aspeto do esfregaço e metodologia de coloração
de acordo com as preferências do utilizador. (38)
6.1.2. Eritrograma
O eritrograma diz respeito ao estudo da série eritrocitária e inclui a determinação de
parâmetros quantitativos como a contagem de eritrócitos, a concentração de hemoglobina
e o hematócrito, e a determinação dos índices eritrocitários, como o Volume Globular
Médio (VGM), a Hemoglobina Globular Média (HGM) e a Concentração de Hemoglobina
Globular Média (CHGM). Os índices eritrocitários permitem avaliar as características
qualitativas dos eritrócitos, sendo utilizados na caracterização morfológica das
anemias.(1,34,39)
Contagem de eritrócitos
A contagem de eritrócitos diz respeito ao número de eritrócitos existentes num dado
volume de sangue. É expressa em número de células por litro e constitui um indicador de
disfunção da produção de eritrócitos e/ou do seu tempo de vida. (40)
Concentração de Hemoglobina
A hemoglobina (Hb) é uma proteína cuja principal função é ligar-se ao oxigénio
proveniente dos pulmões e transportá-lo para os tecidos. A quantificação da Hb tem grande
utilidade na deteção e avaliação do grau de anemias, uma vez que nestas ocorre uma
diminuição da concentração da Hb. Esta diminuição poderá ocorrer também associada a
uma redução do hematócrito e/ou da contagem de eritrócitos. A concentração de Hb é
normalmente expressa em g/dL. (40)
Hematócrito
O hematócrito (Ht) corresponde ao volume ocupado pelos eritrócitos em relação ao
volume de sangue total. É expresso em L/L e a sua determinação é feita pelo equipamento
através de um cálculo matemático.
O Ht pode indicar alterações no número de eritrócitos e no seu volume, ou no
volume do plasma, sendo útil na deteção de anemias e poliglobulias. (38,40)
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48 Ana Filipa Fangueiro Duarte
Volume Globular Médio (VGM)
O volume globular médio indica o volume médio dos eritrócitos de um indivíduo.
Este parâmetro é determinado automaticamente pelo equipamento, sendo expresso em
fentolitros (fL). O VGM avalia o tamanho dos eritrócitos, sendo útil na classificação das
anemias em microcíticas, macrocíticas ou normocíticas. (37,38)
Hemogobina Globular média (HGM)
A hemoglobina globular média representa o peso médio da hemoglobina contida
num eritrócito, expressa em picogramas (pg). O HGM é determinado pelo equipamento
através de um cálculo matemático: (37)
𝐻𝐺𝑀 (𝑝𝑔) = (𝐻𝑏 (𝑔 𝑑𝐿)⁄
𝐺𝑉 (𝑥 1012 𝐿)⁄) 𝑥 10
Concentração de Hemoglobina Globular Média (CHGM)
A CHGM corresponde à concentração média de hemoglobina por unidade de
volume de eritrócitos. É expressa em g/dL e a sua determinação é feita pelo equipamento
através da seguinte fómula:
𝐶𝐻𝐺𝑀 (𝑔 𝑑𝐿⁄ ) = 𝐻𝑏 (𝑔 𝑑𝐿)⁄
𝐻𝑡 (𝐿 𝐿)⁄
Este parâmetro é utilizado para classificar as anemias em hipocrómicas ou
normocrómicas. (37)
Índice de dispersão eritrocitária (RDW)
O índice de dispersão eritrocitária corresponde ao coeficiente de variação da
distribuição do volume eritrocitário. O RDW é determinado automaticamente pelo
equipamento, sendo expresso em percentagem (%). Este parâmetro mede a variação do
tamanho dos eritrócitos, pelo que um valor de RDW aumentado é indicativo de
anisocitose.(37,38)
6.1.3. Leucograma
O estudo da série leucocitária é feito através do leucograma, que engloba a
contagem total de leucócitos e a fórmula leucocitária.
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Contagem total de leucócitos
A contagem total de leucócitos diz respeito ao número de leucócitos existentes num
dado volume de sangue e é expressa em número de células por litro. Este parâmetro é útil
no diagnóstico de infeções e processos inflamatórios, bem como de outras doenças que
afetem os leucócitos. (1,37)
Fórmula Leucocitária
A fórmula leucocitária, ou contagem diferencial de leucócitos, consiste na
determinação de cada um dos tipos de leucócitos: neutrófilos, eosinófilos, basófilos,
monócitos e linfócitos. Os resultados são expressos em valor absoluto (número de células
por litro) e em percentagem (%).
A fórmula leucocitária permite identificar qual ou quais os leucocócitos que se
encontram em número alterado e permite também detetar e identificar células imaturas e
células anormais presentes no sangue, tendo por isso grande utilidade no diagnóstico e
monitorização de patologias que afetam os leucócitos. (34,40,41)
6.1.4. Plaquetograma
O estudo da série plaquetária é feito através do plaquetograma, que inclui a
contagem de plaquetas e a determinação do Volume Plaquetário Médio. (1,35,39,40)
Contagem de Plaquetas
A contagem de plaquetas diz respeito ao número de plaquetas existentes num dado
volume de sangue e é expressa em número de células por litro. A quantificação das
plaquetas é útil no rastreio e diagnóstico de doenças que afetem as plaquetas e a formação
do coágulo, bem como na monitorização do tratamento dessas doenças e de terapêuticas
que afetem as plaquetas.
Nos casos em que a contagem de plaquetas está muito diminuída e não se enquadra
na história clínica do doente, é importante verificar se existe um coágulo na amostra, uma
vez que estes poderão induzir um resultado falsamente diminuído. (34,42)
Volume Plaquetário Médio (VPM)
O volume plaquetário médio indica o volume médio das plaquetas de um indivíduo
e é expresso em fL. É determinado automaticamente pelo equipamento, sendo útil no
diagnóstico diferencial de trombocitopenias. Nos indivíduos saudáveis, existe uma relação
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inversa entre o VPM e a contagem de plaquetas, pelo que estes dois parâmetros devem ser
analisados em conjunto. (35,36,41)
6.1.5. Reticulócitos
Os reticulócitos são eritrócitos imaturos, que não têm núcleo mas que ainda contêm
RNA no citoplasma. A contagem de reticulócitos indica o número de reticulócitos presentes
num determinado volume de sangue e é expressa preferencialmente em número de células
por litro de sangue, ou em percentagem (%). A quantificação dos reticulócitos reflete a
atividade eritropoiética da medula óssea, sendo por isso útil na avaliação de anemias, uma
vez que permite distinguir entre anemias regenerativas e arregenerativas, e na
monitorização do tratamento de anemias. (35,41)
6.2. Estudo Morfológico do Sangue Periférico – Esfregaço
Sanguíneo
O esfregaço de sangue periférico consiste na preparação de uma fina camada de
células sanguíneas sobre uma lâmina de vidro, para exame microscópico. A observação
microscópica do esfregaço de sangue tem um papel primordial no diagnóstico de muitas
doenças hematológicas, uma vez que permite observar e avaliar a morfologia dos
eritrócitos, leucócitos e plaquetas, e realizar a contagem diferencial de leucócitos
manualmente. (1,41,43)
O esfregaço de sangue periférico é realizado quando há um pedido do clínico,
quando o equipamento emite alarmes que resultam de anomalias detetadas no hemograma,
ou quando solicitado pelos médicos patologistas e TSS responsáveis pela validação dos
resultados do hemograma. (35,43)
No Laboratório de Hematologia, a maioria dos esfregaços é realizada
automaticamente pelo DxH Slidemaker Stainer, no entanto alguns esfregaços são
executados manualmente (figura 18) pelos TACSP.
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Um bom esfregaço sanguíneo deve apresentar três zonas: cabeça, corpo e cauda (ou
franja), sendo que a espessura deve diminuir gradualmente da cabeça para a cauda (figura
19). Para além disso, deve ser liso, regular, homogéneo e deve ter bordos bem definidos.(1)
Os esfregaços executados manualmente são corados num equipamento automático
que fixa, cora e seca as lâminas, o Hema-Tek 2000. A coloração utilizada pelo Hema-Tek
2000 e pelo DxH Slidemaker Stainer é a coloração de Wright.
O corante de Wright é uma solução metanólica de eosina, azul de metileno e azur
de metileno (resulta da oxidação do azul de metileno). A eosina é um corante ácido que
cora os componentes básicos da célula (designados de acidófilos) de rosa-alaranjado. O
azul e azur de metileno são corantes básicos que coram os componentes celulares ácidos
(designados de basófilos), como o núcleo e as nucleoproteínas, de azul-arroxeado. O
metanol atua não só como solvente do corante, mas também como fixador do
esfregaço.(1,37,38,40)
Figura 19 - Representação esquemática de um bom esfregaço de sangue periférico
Adaptado de: (35)
Figura 18 - Representação esquemática da técnica de execução de um esfregaço de sangue periférico
Adaptado de: Cornell University College of Veterinary Medicine. 2014 Animal Health Diagnostic Center
(https://ahdc.vet.cornell.edu/sects/clinpath/test/cytol/collection.cfm)
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Na análise microscópica do esfregaço de sangue periférico devem ser observadas
as três linhagens celulares: eritrocitária, leucocitária e plaquetária. A observação do
esfregaço permite detetar ou confirmar alterações quantitativas e qualitativas dos
eritrócitos, leucócitos e plaquetas, que ocorrem em várias patologias hematológicas.(34,37)
Na série eritrocitária podem ser observadas as seguintes alterações: (36,41)
Alterações do tamanho – anisocitose, microcitose, macrocitose;
Alterações da cor - anisocromia, hipocromia, policromatofilia;
Alterações da forma – poiquilocitose;
Inclusões eritrocitárias – corpos de Howell-Jolly, pontuado basófilo, corpos
de Pappenheimer, entre outros;
Alterações na distribuição dos eritrócitos – rouleaux, aglutinação;
Presença de eritroblastos (precursores dos eritrócitos).
Na série leucocitária podem ser observadas alterações morfológicas do núcleo e do
citoplasma dos leucócitos, como a presença de granulação tóxica ou de corpos de Döhle no
citoplasma dos neutrófilos, ou a hipersegmentação do núcleo dos neutrófilos. Podem
também ser observados precursores das linhagens mieloide e linfoide. (36,37)
Na linhagem plaquetária, para além de alterações morfológicas, podem também ser
observadas alterações quantitativas, alterações na distribuição das plaquetas (presença de
agregados plaquetários, satelitismo plaquetário) ou ainda a presença de precursores da
linhagem plaquetária. (36,37,41)
6.3. Velocidade de Sedimentação
A velocidade de Sedimentação (VS) mede a velocidade de deposição dos eritrócitos
em suspensão no plasma, sendo expressa em mm/hora. É um teste não específico, mas que
tem grande utilidade no diagnóstico e monitorização de estados inflamatórios e infeciosos,
onde a VS está aumentada.
A VS é influenciada por vários fatores interligados, como a diferença de gravidade
específica existente entre os eritrócitos e o plasma, a concentração plasmática de
determinadas proteínas (fibrinogénio, imunoglobulinas e outras proteínas de fase aguda), e
também o número e a forma dos eritrócitos. (35–37)
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No laboratório de Hematologia a VS é determinada num equipamento automático,
o Ves-Matic Cube 30. A análise da amostra é executada de forma totalmente automática e
os resultados, obtidos em 33 minutos, são perfeitamente correlacionados com os obtidos
pelo método de Westergren, que é o método de referência. As amostras são inicialmente
homogeneizadas durante 15 minutos e após mais 15 minutos de sedimentação é feita a
leitura do resultado, através de um sistema de leitura ótica. (44,45)
6.4. Estudo das Hemoglobinopatias
A hemoglobina é uma proteína tetramérica constituída por dois pares de cadeias
globínicas, estando cada uma ligada a um grupo heme, ao qual se liga o oxigénio. No
sangue de um adulto normal existem três tipos de hemoglobina: a Hb A (α2β2) que é a
hemoglobina predominante, constituindo cerca de 96-98% da hemoglobina total; a Hb A2
(α2δ2) que está presente em pequenas quantidades, cerca de 1,5-3,5%; e a Hb F (α2γ2), que
está presente em quantidades vestigiais (< 1%) no adulto, mas que é a principal
hemoglobina presente no feto e recém-nascido. (35,39)
As hemoglobinopatias são um grupo de doenças hereditárias que resultam de
mutações nos genes que codificam para a síntese das cadeias de globina da hemoglobina,
constituindo as doenças genéticas mais comuns a nível mundial. Estas podem ser
classificadas em hemoglobinopatias quantitativas, que resultam da ausência ou diminuição
da síntese de uma cadeia globínica e nas quais se incluem as talassémias (α e β-talassémia),
ou em hemoglobinopatias quantitativas, que resultam da alteração da estrutura de uma
cadeia globínica, dando origem a variantes da Hb, entre as quais se destacam a Hb S, a Hb
C e a Hb D. (1,39)
No laboratório de Hematologia, a deteção de hemoglobinopatias é feita com base
no hemograma, na observação do esfregaço de sangue periférico e no estudo das
hemoglobinas, através de metodologias como a cromatografia líquida de alta eficiência
(HPLC) e a eletroforese de hemoglobinas. Nos casos de suspeita da presença de uma Hb S,
pode também ser realizado o teste de insolubilidade da Hb S.
6.4.1. HPLC
A HPLC é a metodologia utilizada para a abordagem inicial ao estudo das
hemoglobinopatias. No laboratório é utilizado o ADAMS A1C HA-8180T (figura 20), um
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equipamento automático para a determinação da hemoglobina glicada (Hb A1c), Hb A, Hb
A2 e Hb F, e que permite também detetar as principais variantes da hemoglobina (Hb S, Hb
C, Hb E e Hb D), por HPLC de troca catiónica em fase inversa.
A HPLC de troca catiónica permite
separar as diferentes hemoglobinas com base
nas suas características de carga. Através desta
técnica é possível separar uma mistura de
hemoglobinas, carregadas positivamente, nos
diferentes componentes de acordo com a sua
afinidade para uma fase estacionária (presente
numa coluna de cromatografia) carregada
negativamente, seguindo-se a sua eluição pela fase móvel. A fase móvel é uma solução
líquida com uma concentração crescente de catiões, que vão competir com as hemoglobinas
na ligação à fase estacionária. As frações de hemoglobina eluídas são detetadas por um
detetor de luz UV/visível e são identificadas com base no seu tempo de retenção e
quantificadas através da área dos picos obtidos no cromatograma. (1,35)
A quantificação da Hb A2 permite diagnosticar ou excluir a presença de uma β-
talassémia minor (traço β-talassémico), uma vez que um valor aumentado de Hb A2 (>
3,5%) constitui um indicador característico desta patologia. Na β-talassémia major
(homozigótica), verifica-se uma ausência total ou quase total de Hb A e uma percentagem
muito elevada de Hb F. O nível de Hb A2 pode estar normal ou ligeiramente
aumentado.(35,39)
A variante da hemoglobina mais comum é a Hb S, que está na origem da
drepanocitose, ou anemia das células falciformes. A deteção da Hb S permite fazer o
diagnóstico desta hemoglobinopatia, sendo que nos indivíduos homozigóticos a Hb A está
ausente, verificando-se uma percentagem muito elevada de Hb S (80-95%) e uma
percentagem variável de Hb F; nos indivíduos heterozigóticos (traço falciforme) a
percentagem de Hb S não é tão elevada, variando entre os 30-45%. (1,39,46)
Apesar de a HPLC permitir determinar a HbA, Hb A2, Hb F e identificar as
principais variantes da hemoglobina, quando existem resultados que indicam a presença de
uma hemoglobinopatia estes devem ser confirmados através de outras técnicas, uma vez
que as hemoglobinas E e Lepore podem co-eluir com a Hb A2, e que outras variantes de
hemoglobina podem co-eluir com as hemoglobinas A, S e F. (1,35)
Figura 20 - Equipamento ADAMS A1C HA-8180T
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6.4.2. Eletroforese de Hemoglobinas
A eletroforese de hemoglobinas permite confirmar os resultados obtidos por HPLC
nas amostras em que se suspeita da existência de uma hemoglobinopatia. No laboratório de
Hematologia, são realizadas eletroforeses em gel de agarose em meio alcalino e em meio
ácido, no equipamento Hydrasys Focusing anteriormente descrito no capítulo 5.1.3.
Para a realização desta técnica é necessária uma preparação prévia das amostras de
sangue total, de forma a obter um hemolisado de glóbulos vermelhos. Para a obtenção do
hemolisado centrifugam-se as amostras de sangue total a 5000 rpm durante 5 minutos e
remove-se o plasma. Em seguida, procede-se à lavagem das células com soro fisiológico e
por fim adiciona-se uma solução hemolisante.
Na eletroforese em meio alcalino (pH 8,5), as moléculas de hemoglobina têm uma
carga total negativa, pelo que migram em direção ao ânodo (pólo positivo). Esta
eletroforese permite separar as hemoglobinas A e A2 e detetar as principais variantes da
hemoglobina (Hb S ou Hb D e Hb C ou Hb E). No entanto, não permite separar a Hb S da
Hb D nem a Hb C da Hb E, pelo que deve ser complementada com a eletroforese em meio
ácido, que permite diferenciar estas hemoglobinas, bem como separar ainda a Hb A e a Hb
F.
Em meio ácido (pH 6,0), as moléculas de hemoglobina estão carregadas
positivamente e a sua mobilidade vai depender da interação eletrostática com as moléculas
de agar, carregadas negativamente. (35,47,48)
6.4.3. Teste da insolubilidade da Hb S
O teste da insolubilidade da Hb S é um teste qualitativo em tubo para testar a
presença de Hb S em amostras de sangue. Em condições de baixa pressão de oxigénio
(desoxigenação) a Hb S tem uma solubilidade reduzida, ocorrendo polimerização.
Formam-se assim cristais que deformam os eritrócitos, fazendo com que estes adquiram a
forma de foice (drepanócitos ou células falciformes).
Este teste baseia-se no facto de a Hb S desoxigenada ser insolúvel numa solução
concentrada de tampão fosfato, formando uma suspensão turva. No laboratório de
Hematologia é utilizado o kit Sickledex, no qual se utiliza saponina para provocar a lise
dos eritrócitos e hidrosulfito de sódio, que vai reduzir a hemoglobina libertada, tornando-a
insolúvel no tampão fosfato. Um resultado positivo para a Hb S é indicado por uma
suspensão turva, através da qual as linhas do suporte de tubos de ensaio não são visíveis.
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O teste da insolubilidade da Hb S é um teste qualitativo e por isso não diferencia
entre drepanocitose (indivíduos homozigóticos) e traço falciforme (indivíduos
heterozigóticos), no entanto quando é necessário transmitir rapidamente uma resposta ao
clínico e os resultados da eletroforese ainda não estão disponíveis, este teste permite fazer
um diagnóstico presuntivo.(1,35,49)
6.5. Hemostase
A hemostase é um processo fisiológico que permite manter a fluidez do sangue
dentro do sistema vascular e que previne a ocorrência de hemorragias resultantes de lesões
vasculares, através da formação de um coágulo. O sistema hemostático engloba vários
componentes fundamentais: os vasos sanguíneos, as plaquetas, os fatores da coagulação e
os seus inibidores, e o sistema fibrinolítico. A hemostase depende do equilíbrio existente
entre os mecanismos ativadores e inibidores da coagulação, pelo que a perturbação deste
equilíbrio pode levar à ocorrência de eventos trombóticos ou hemorrágicos. (35,36)
A hemostase pode ser dividida em três fases: hemostase primária, secundária e
terciária. A hemostase primária envolve a resposta do sistema vascular e das plaquetas à
lesão vascular. A hemostase secundária, ou coagulação sanguínea, é um processo que
engloba uma sequência de reações químicas (cascata da coagulação) que culminam na
formação de um coágulo de fibrina. Por fim, a hemostase terciária ou fibrinólise, é o
processo fisiológico que promove a dissolução do coágulo de fibrina. (35,36)
A avaliação laboratorial da hemostase permite detetar e diagnosticar distúrbios da
hemostase, bem como fazer a monitorização terapêutica desses doentes.
Os testes de screening constituem o primeiro passo na investigação de episódios
hemorrágicos, sendo também utilizados na avaliação do risco hemorrágico antes da
realização de uma cirurgia. Estes testes englobam a contagem de plaquetas, o tempo de
protrombina (TP), o tempo de tromboplastina parcial ativado (APTT), o tempo de trombina
(TT) e a concentração de fibrinogénio. O resultado destes testes permite determinar os
testes adicionais mais específicos que sejam necessários para obter um
diagnóstico.(35,36,50)
No Laboratório de Hemostase, para além dos testes de screening, são efetuados
vários outros testes específicos que auxiliam no diagnóstico de distúrbios da hemostase,
entre os quais: concentração de D-dímeros, pesquisa do anticoagulante lúpico, pesquisa dos
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anticorpos anticardiolipina e anti-β2-glicoproteína 1, níveis dos fatores de coagulação (II,
V, VII, VIII, IX, X, XI, XII, XIII e fator de von Willebrand) e níveis de diversos inibidores
(antitrombina, proteína C, proteína S, plasminogénio, inibidor do ativador do
plasminogénio tipo 1, entre outros).
Como referido anteriormente, a amostra utilizada para os testes da hemostase é o
plasma, que é obtido após centrifugação de sangue total colhido em tubo com citrato
trissódico. No laboratório de Hemostase são utilizados dois equipamentos para a realização
dos vários testes, o ACL TOP 750 e o ACL TOP 500, sendo que o primeiro serve o
laboratório de Hemostase de rotina e o segundo serve o laboratório de Urgência.
6.5.1. Equipamentos Automáticos ACL TOP 750/500
O ACL TOP 750 e o ACL TOP 500 são equipamentos específicos para a
determinação dos parâmetros da hemostase. Estes equipamentos utilizam fotometria para
efetuar a leitura dos resultados e permitem realizar três tipos de testes: coagulométricos,
cromogénicos e imunológicos.
O método coagulométrico permite determinar o tempo de formação do coágulo
tendo por base o princípio da turbidimetria. À medida que se forma o coágulo e que o
fibrinogénio é convertido em fibrina, a luz que atravessa a amostra é absorvida pelas fibras
de fibrina. Consequentemente, a luz transmitida diminui continuamente, sendo medida a
um comprimento de onda de 405nm ou 671nm por um fotodetetor, que está posicionado a
180° em relação à fonte de luz.
No método cromogénico, é utilizado um substrato cromogénico sintético que ao ser
clivado liberta um cromóforo, a para-nitroanilina (pNA). A luz que atravessa a amostra é
absorvida de forma diretamente proporcional à concentração de pNA, a um comprimento
de onda de 405nm.
O método imunológico baseia-se na formação de complexos antigénio-anticorpo,
que afetam a transmissão da luz que atravessa a amostra. A luz é absorvida pela amostra de
forma diretamente proporcional à concentração dos complexos antigénio-anticorpo e a
quantidade de luz transmitida é depois medida pelo fotodetetor, podendo ser utilizado um
comprimento de onda de 405nm ou 671nm, dependendo do teste que se pretende
realizar.(51)
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6.5.2. Testes de Screening/Rotina
Tempo de Protrombina (TP)
O tempo de protrombina permite avaliar a via extrínseca da cascata da coagulação
e a via comum. Reflete, assim, alterações no estado dos fatores VII, X e II (dependentes da
vitamina K), do fator V e do fibrinogénio. Este teste é também utilizado na monitorização
da terapêutica com anticoagulantes orais e ainda na avaliação da função hepática.
O TP mede o tempo de formação do coágulo de fibrina após a adição de
tromboplastina (mistura de fator tissular, fosfolípidos e iões cálcio) a uma amostra de
plasma citratado. As tromboplastinas são produzidas a partir de diferentes métodos e
origens, o que leva a que os resultados do TP em segundos sejam inconsistentes de
laboratório para laboratório, tornando-o inadequado para a monitorização da terapêutica
anticoagulante oral e para o estabelecimento de faixas terapêuticas. (35,36,52)
Assim, de forma a uniformizar os resultados obtidos nos diferentes laboratórios, a
Organização Mundial de Saúde (OMS) introduziu a Razão Normalizada Internacional
(INR). O INR é obtido a partir da seguinte fórmula:
𝐼𝑁𝑅 = (𝑇𝑃 𝑑𝑜 𝑑𝑜𝑒𝑛𝑡𝑒
𝑀𝑁𝑃𝑇)
𝐼𝑆𝐼
Em que o ISI (Índice de Sensibilidade Internacional) é o índice que reflete a
sensibilidade da tromboplastina utilizada relativamente a uma preparação de referência
internacional, que por definição tem um ISI de 1,0. O ISI utilizado no laboratório é indicado
pelo fornecedor do reagente. O MNPT (Média Normal do Tempo de Protrombina) é a
média geométrica do valor de TP de pelo menos 20 indivíduos saudáveis de ambos os
sexos. (52–54)
Tempo de Tromboplastina Parcial Ativado (APTT)
O tempo de tromboplastina parcial ativado explora a via intrínseca da cascata da
coagulação, sendo sensível a deficiências nos fatores XII, XI, IX e VIII, e a via comum
(fatores X, V, II e fibrinogénio). É também utilizado na monitorização da terapêutica com
heparina e na deteção do anticoagulante lúpico, uma vez que é sensível à sua presença.
Para a determinação do APTT é necessária a adição de fosfolípidos, de um ativador
de superfície e de cloreto de cálcio ao plasma citratado. O ativador fornece uma superfície
com carga negativa (caulino, sílica, ácido elágico), que é necessária para a ativação do fator
XII, desencadeando assim a via intrínseca da cascata da coagulação, in vitro.
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O APTT é então o tempo, em segundos, desde a adição do cálcio até à formação do
coágulo de fibrina. (35,36,52,54)
Tempo de Trombina (TT)
O tempo de trombina avalia a conversão do fibrinogénio em fibrina. Este teste
consiste em adicionar trombina ao plasma citratado, sendo depois medido o tempo de
coagulação em segundos.
O TT pode estar alongado devido a: uma anomalia quantitativa ou qualitativa do
fibrinogénio, uma vez que o TT é afetado pela concentração e atividade do fibrinogénio; à
presença de inibidores da trombina, como a heparina; à presença de substâncias que
interfiram na formação da fibrina, como os produtos de degradação da fibrina/fibrinogénio
(PDF).(36,52,54)
Fibrinogénio
O fibrinogénio é uma proteína plasmática sintetizada no fígado que, sob a ação da
trombina, é convertida em fibrina. A determinação da concentração de fibrinogénio é útil
na investigação de uma tendência hemorrágica ou de prolongamentos inexplicáveis de TP
ou APTT.
Existem vários métodos para a quantificação dos níveis de fibrinogénio no plasma,
sendo que os equipamentos ACL TOP existentes no laboratório utilizam o método derivado
do TP. Neste método, o fibrinogénio é determinado através da curva de calibração do TP,
sendo a sua concentração proporcional às diferenças de turvação obtidas no teste do TP.
Caso o valor de fibrinogénio obtido seja superior ao valor de referência, a
determinação do fibrinogénio é feita através do método de referência, o método de Clauss.
No método de Clauss é adicionada uma concentração elevada de trombina à amostra de
plasma diluído, sendo medido o tempo de formação do coágulo. A diluição do plasma tem
como objetivo diminuir o efeito de substâncias inibidoras que possam estar presentes, como
a heparina ou PDF. A utilização de uma concentração elevada de trombina permite que o
tempo de formação do coágulo seja independente da concentração de trombina.
Os níveis de fibrinogénio podem estar alterados devido a anomalias quantitativas
(hipo ou hiperfibrinogenémia) ou a anomalias qualitativas (disfribinogenémias). (35,52,54)
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60 Ana Filipa Fangueiro Duarte
Testes de Mistura
Os testes de mistura são úteis na investigação das possíveis causas do
prolongamento do TP ou do APTT, uma vez que permitem fazer a distinção entre a
existência de um défice de fatores da coagulação e a presença de um inibidor.
Estes testes consistem em misturar o plasma do doente com uma pool de plasma
normal numa proporção 1:1 e em seguida repetir o TP ou o APTT, dependendo do teste
que está alongado. As amostras de plasma cujo valor de TP ou APTT corrige para um valor
normal sugerem um défice de fator, enquanto as amostras cujo valor não corrige sugerem
a presença de um inibidor. (52,54)
A pool de plasma é obtida diariamente, através da mistura de pelo menos 3 alíquotas
de plasmas normais do dia (TP ≤12,5 seg e APPT entre 25-30 seg, com VS e/ou PCR
normais), preferencialmente provenientes de doentes de ambulatório e não do internamento
(excluir os doentes oncológicos, do serviço de medicina, da infeciologia e da pediatria).
Para além dos testes de mistura, a pool é também utilizada para o controlo de qualidade
interno e para determinar o MNPT.
6.5.3. Testes de Diagnóstico
D-Dímeros
A formação do coágulo de fibrina desencadeia a ativação da fibrinólise, que é o
processo que permite dissolver os polímeros de fibrina insolúvel, através da ação da
plasmina. A degradação da fibrina pela plasmina resulta na formação de produtos de
degradação da fibrina, que consistem numa série de fragmentos entre os quais se encontram
os D-dímeros.
A determinação da concentração dos D-dímeros baseia-se numa reação de
aglutinação, em que é utilizada uma suspensão de partículas de látex de poliestireno
revestidas por um anticorpo monoclonal específico contra o D-dímero. Quando se mistura
uma amostra de plasma que contenha D-dímeros com a suspensão de partículas, estas
aglutinam, sendo o grau de aglutinação diretamente proporcional à concentração de D-
dímero presente no plasma.
A quantificação dos D-dímeros tem grande utilidade no auxílio ao diagnóstico da
coagulação intravascular disseminada (CID) e na exclusão de uma suspeita de
tromboembolismo venoso (TEV). Este teste tem, assim, um elevado valor preditivo
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Ana Filipa Fangueiro Duarte 61
negativo para o diagnóstico de TEV, contudo apresenta um baixo valor preditivo positivo,
uma vez que os D-dímeros estão aumentados em várias situações clínicas. (35,36,54,55)
Pesquisa de Anticoagulante Lúpico
O anticoagulante lúpico (AL) pertence a um grupo heterogéneo de anticorpos
dirigidos contra proteínas que se encontram ligadas a fosfolípidos, os anticorpos
antifosfolípidos (AAF), que estão associados ao síndrome antifosfolipídico (SAF).
O AL interfere nos testes de coagulação dependentes de fosfolípidos e causa o
alongamento do tempo de coagulação, sendo uma das principais causas do prolongamento
do APTT. Assim, a pesquisa de AL deve ser realizada em doentes que apresentem uma
elevada probabilidade de ter SAF, ou um prolongamento inexplicável do APTT.
De acordo com guidelines internacionais (56), a deteção do AL deve ser feita a
partir de dois testes de screening baseados em princípios diferentes: o tempo de veneno de
víbora de Russel diluído (dRVVT), em que é utilizado o veneno de víbora de Russell, que
contém um ativador do fator X, levando à formação do coágulo de fibrina; e um APTT
sensível para o AL (APTT-LA), que utiliza a sílica como ativador. Em ambos os testes de
screening é utilizada uma baixa concentração de fosfolípidos, o que aumenta a
sensibilidade para o AL.
Se o tempo de coagulação dos testes de screening estiver prolongado, é feito em
seguida um teste de mistura. Caso o tempo de coagulação do teste de mistura não corrija,
são então realizados os testes confirmatórios (dRVVT e APTT-LA). No dRVVT e APTT-
LA confirmatórios são utilizadas elevadas concentrações de fosfolípidos, que permitem
neutralizar o AL, corrigindo assim o tempo de coagulação. Uma amostra é considerada
positiva para o AL se um dos dois testes der um resultado positivo. (35,36,52,54,55)
Para a realização da pesquisa de AL é necessário que as amostras de plasma sejam
pobres em plaquetas, pelo que estas são duplamente centrifugadas a 4500 rpm durante 10
minutos.
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62 Ana Filipa Fangueiro Duarte
7. Química Clínica
A Química Clínica é a área laboratorial que estuda as vias e processos metabólicos
do organismo e as alterações que neles ocorrem, com vista ao diagnóstico, monitorização
e prevenção da doença.
O laboratório de Química Clínica encontra-se praticamente automatizado, com
exceção de algumas técnicas manuais, e abrange a maior parte das análises de rotina, sendo
o setor que apresenta o maior fluxo de amostras diariamente. Para a realização dos vários
testes e estudos, neste setor são recebidos diferentes tipos de amostra: soro, urina (1ª da
manhã, amostras aleatórias, urina de 24 horas), sangue total em tubo com K2 EDTA, fezes,
LCR, LBA, DPCA e outros líquidos biológicos (pleural, ascítico, pericárdico, etc), e ainda
cálculos renais.
O laboratório de Química Clínica está organizado em várias áreas funcionais:
Bioquímica Geral – em que são determinados os parâmetros de bioquímica;
Endocrinologia – a maioria dos parâmetros é determinada nos equipamentos
automáticos e apenas alguns são determinados através da técnica manual de
radioimunoensaio (RIA);
Serologias Infeciosas;
Rastreio Pré-Natal;
Monitorização terapêutica de fármacos e pesquisa de drogas de abuso;
Análise de Urinas, líquidos biológicos e fezes – nesta secção é realizado o
exame sumário de urina (urina tipo II), o processamento e avaliação do perfil
citoquímico de vários líquidos biológicos, a pesquisa de sangue oculto e a
avaliação do grau de digestão das fezes, e ainda a análise físico-química de
cálculos renais. Nesta secção são também recebidas amostras de urina de 24
horas, cujo volume é medido, procedendo-se em seguida à sua centrifugação
e aos doseamentos pedidos. As amostras provenientes do HEM e do HSC
chegam já em tubos apropriados para os equipamentos automáticos e com a
indicação do volume total.
Para as amostras em que foi feita a determinação de marcadores tumorais e para
aquelas em que foram realizadas serologias, são realizadas serotecas (armazenamento e
conservação de amostras processadas) de três meses ou de um ano, respetivamente. A
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VIII MAC Química Clínica
Ana Filipa Fangueiro Duarte 63
existência destas serotecas permite, quando necessário, confirmar algum resultado de forma
a estudar a evolução de uma determinada patologia.
7.1. Equipamentos Automáticos e Metodologias Utilizadas
7.1.1. Cobas 8000 modular analyzer series
O Cobas 8000 (figura 21) é um equipamento composto por vários módulos ligados
em cadeia, no qual é realizado o doseamento da maior parte dos parâmetros de bioquímica
em amostras de soro e urina, bem como LCR e outros líquidos biológicos. No laboratório
de Química Clínica existem dois equipamentos Cobas 8000, um que serve o laboratório de
rotina e outro que serve o laboratório de Urgência. Cada um destes equipamentos é
constituído por: um módulo core, que permite a entrada e saída de amostras, reagentes e
controlos; um módulo ISE para a realização
do ionograma; um módulo de química clínica
– c 701; um módulo de imunoquímica – e 602
(no cobas da rotina existem dois módulos e
602). Os dois equipamentos Cobas 8000
estão ligados à cadeia pré-analítica (cobas p
671 e p 612) descrita anteriormente.
Os vários módulos do Cobas 8000 utilizam diferentes metodologias para a
determinação dos diversos parâmetros.
No módulo da química clínica (c 701) é utilizada a espectrofotometria, que mede a
capacidade de absorção de luz (absorvância) de uma substância em solução, através da
medição da intensidade da luz de um feixe que atravessa a amostra, a um determinado
comprimento de onda. A absorvância de uma determinada substância é diretamente
proporcional à sua concentração.
A determinação dos vários parâmetros baseia-se em diferentes tipos de ensaio,
consoante o analito que se pretende dosear:
Ensaio enzimático;
Ensaio colorimétrico;
Ensaio enzimático colorimétrico;
Ensaio cinético;
Ensaio cinético colorimétrico;
Ensaio imunoturbidimétrico
Figura 21 - Cobas 8000 modular analyzer series
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64 Ana Filipa Fangueiro Duarte
No módulo de imunoquímica (e 602), a metodologia utilizada é a
eletroquimioluminescência (ECLIA), que consiste na emissão de luz como resultado de
uma reação eletroquímica que ocorre à superfície de um elétrodo.
Neste imunoensaio inicialmente são adicionados dois anticorpos específicos, um
marcado com biotina e outro com ruténio, que se ligam ao antigénio presente na amostra,
formando um complexo (imunoensaio do tipo sandwich). Em seguida são adicionadas
micropartículas paramagnéticas (fase sólida) revestidas com estreptavidina, que se liga à
biotina. As micropartículas são fixadas magneticamente à superfície do elétrodo e a
aplicação de uma corrente elétrica dá início à reação quimioluminescente, que resulta de
reações de oxidação-redução entre o ruténio e um composto orgânico adicionado à solução,
o TPA (tripropilamina). A luz medida é diretamente proporcional à concentração do analito
na amostra.
Através desta técnica são também realizados imunoensaios do tipo competitivo, no
qual é adicionado o antigénio em estudo marcado com ruténio, que vai competir com o
antigénio presente na amostra (não marcado) pela ligação ao anticorpo marcado com
biotina. Neste caso, a luz medida é inversamente proporcional à concentração do analito na
amostra. (4,16)
No módulo ISE, a metodologia utilizada é a potenciometria, que mede a diferença
de potencial elétrico entre dois elétrodos numa célula eletroquímica. A célula eletroquímica
é constituída por um elétrodo de referência (mantém um potencial constante) e um elétrodo
indicador (cujo potencial se pretende medir), mergulhados numa solução. Neste caso, o
elétrodo indicador utilizado é um elétrodo seletivo de iões (ISE – Ion Selective Electrode),
que tem uma membrana seletiva para o ião que se pretende dosear. A membrana está em
contacto com a amostra e com uma solução eletrolítica interna, que contém uma
concentração conhecida do ião em estudo. Os iões específicos vão interagir com a
membrana de cada um dos lados, gerando um potencial, a partir do qual é possível calcular
a concentração do ião em estudo. (1,16)
7.1.2. ARCHITECT i1000SR
O ARCHITECT i1000SR (figura 22) é um equipamento automático destinado à
realização de imunoensaios em amostras de sangue total, soro e urina. Este equipamento
permite realizar uma grande variedade de testes, sendo que no laboratório de Química
Clínica é principalmente utilizado para a determinação quantitativa de imunossupressores
Relatório de Estágio no Serviço de Patologia Clínica do CHLO
VIII MAC Química Clínica
Ana Filipa Fangueiro Duarte 65
e para testes de serologia infeciosa, entre
outros. A técnica utilizada é o
imunoensaio de micropartículas por
quimioluminescência (CMIA),
anteriormente descrita no capítulo 5.3.2.
(57)
7.1.3. ADAMS A1C HA-8180T
O ADAMS A1C HA-8180T, descrito no capítulo 6.4.1, é utilizado para a
determinação da hemoglobina glicada (Hb A1c) em amostras de sangue total colhidas em
tubo com K2 EDTA.
7.1.4. Aution MAX AX-4030 e sediMAX
O Aution MAX AX-4030 e o sediMAX são dois equipamentos automáticos
utilizados no exame sumário de urina. O Aution MAX realiza o exame físico-químico e o
sediMAX a análise do sedimento urinário. No laboratório de Química Clínica estes dois
equipamentos encontram-se ligados em cadeia (figura 23), o que permite combinar os
resultados obtidos em cada um deles e visualizá-los simultaneamente.
No Aution MAX são utilizadas diferentes técnicas fotométricas para a realização
dos testes físicos e químicos. Para a determinação dos parâmetros químicos, utilizam-se
tiras de teste cujos resultados são lidos por refletância em bicromatismo (um feixe de luz
incide sobre as áreas sólidas de reagentes das tiras e a intensidade da luz refletida é medida
Figura 22 - Equipamento ARCHITECT i1000SR
Figura 23 - Equipamentos sediMAX e Aution MAX AX-4030
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66 Ana Filipa Fangueiro Duarte
a um duplo comprimento de onda). Relativamente às características físicas, a cor é
igualmente determinada por refletância (em quatro comprimentos de onda), a densidade é
determinada através do índice de refração (calculado através da medição do ângulo de
desvio que a luz sofre ao incidir na amostra - ângulo de refração), e a turvação da amostra
é medida através da dispersão da luz. (16,58)
Para a realização da análise do sedimento, o sediMAX contém um microscópio e
uma câmara incorporados. Este equipamento homogeneiza e dispensa a amostra num slide,
procedendo depois à sua centrifugação. Após a centrifugação, a câmara fotografa vários
campos microscópicos do sedimento e as imagens são depois transmitidas e observáveis
através do software do equipamento. Este sistema ótico do sediMAX consegue detetar uma
grande variedade de elementos que possam estar presentes no sedimento urinário. (59)
7.1.5. Radioimunoensaio (RIA)
A técnica de RIA consiste num imunoensaio no qual são utilizados isótopos
radioativos como marcadores, sendo que o mais utilizado é o 125I (Iodo 125). Consoante o
analito que se pretende dosear, são realizados diferentes tipos de imunoensaio: imunoensaio
competitivo ou imunoensaio do tipo sandwich (não competitivo). Nesta técnica são
utilizados vários calibradores com concentrações conhecidas e crescentes, de forma a
construir uma curva de calibração, a partir da qual é possível determinar a concentração do
analito em estudo.
A deteção e leitura da radiação emitida pelo 125I é feita num contador de radiação
gama, o Gamma-C12. Nos imunoensaios competitivos, o sinal obtido é inversamente
propocional à quantidade do analito presente na amostra, enquanto nos imunoensaios do
tipo sandwich o sinal é diretamente proporcional à concentração.
A técnica de radioimunoensaio tem vindo a ser cada vez menos utilizada uma vez
que, sendo uma técnica manual, está sujeita a um maior número de erros, apresenta algum
risco para o operador devido à manipulação de substâncias radioativas e, para além disso,
são necessárias incubações de várias horas. No entanto, as interações antigénio-anticorpo
que ocorrem nestes imunoensaios são muito específicas e é uma técnica que apresenta uma
elevada sensibilidade, o que permite determinar baixas concentrações de analitos. (1,16)
No laboratório de Química Clínica, a técnica de RIA é utilizada para a determinação
dos parâmetros apresentados tabela 3.
Relatório de Estágio no Serviço de Patologia Clínica do CHLO
VIII MAC Química Clínica
Ana Filipa Fangueiro Duarte 67
Tabela 3 - Parâmetros determinados por RIA e amostras utilizadas
Parâmetro Amostra
Aldosterona Soro
Urina
Androstenediona Soro
Cortisol Urina
Cromogranina Soro
Fator de crescimento insulin-like tipo I (IGF-I) Soro
17α-Hidroxiprogesterona Soro
Metanefrinas Soro
Renina Plasma EDTA
7.2. Proteínas
Proteínas Totais
A maior parte das proteínas plasmáticas é sintetizada no fígado, sendo que as
imunoglobulinas constituem a principal exceção. As proteínas plasmáticas dividem-se em
dois grupos: a albumina, que é a principal proteína do plasma, e as globulinas.
A concentração sérica das proteínas totais reflete o estado nutricional do doente e
permite também obter informações acerca de eventuais patologias hepáticas e renais, entre
outras. Níveis séricos de proteínas totais diminuídos em relação ao valor de referência
(hipoproteinemia) podem resultar de uma perda acentuada de proteínas (doença renal,
enteropatia) ou de uma síntese diminuída (doença hepática, má nutrição, má absorção
intestinal). Por outro lado, a hiperproteinemia pode ocorrer em situações de desidratação
ou devido a um aumento da síntese de proteínas, nomeadamente proteínas monoclonais,
como no MM. (1,18)
O doseamento das proteínas é também efetuado na urina (1ª da manhã, urina
ocasional, ou urina de 24 horas), sendo muito útil na avaliação da função renal. O rim tem
um papel crucial na manutenção da homeostase proteica no organismo, filtrando as
proteínas plasmáticas ao nível do glomérulo e reabsorvendo a maior parte ao nível dos
túbulos renais.
Um valor elevado de proteínas na urina (proteinúria) pode resultar de danos ao nível
dos glomérulos ou dos túbulos renais, ou ainda de um aumento da concentração plasmática
de proteínas livremente filtradas pelo rim, como a proteína de Bence-Jones. (1,16)
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68 Ana Filipa Fangueiro Duarte
Albumina
A albumina é sintetizada no fígado e constitui a proteína mais abundante no plasma.
A determinação da concentração da albumina no soro foi anteriormente abordada no
capítulo 5.1.1.1.
O doseamento da albumina é também efetuado na urina (microalbumina). Quando
a função renal está normal, apenas uma pequena quantidade de albumina é filtrada pelo
glomérulo e excretada na urina (< 30 mg/24h).
Um valor aumentado da excreção urinária de albumina (> 30 mg/24h e ≤ 300
mg/24h) designa-se microalbuminúria. A microalbuminúria constitui um indicador inicial
de lesão glomerular, que pode ocorrer na diabetes e em várias formas de glomerulonefrite,
entre outras patologias. Assim, a determinação da concentração da albumina na urina tem
grande importância no acompanhamento de doentes com Diabetes Mellitus, uma vez que a
deteção de microalbuminúria constitui um sinal precoce de nefropatia diabética, uma das
principais complicações da diabetes. (1,16,60)
Proteína C Reativa (PCR)
A proteína C reativa é sintetizada no fígado e é uma das primeiras proteínas de fase
aguda a aumentar em resposta a um processo inflamatório. A determinação da concentração
sérica da PCR é utilizada como marcador de inflamação ou infeção agudas, estando
aumentada em infeções bacterianas, após um enfarte agudo do miocárdio (EAM) e em
situações de trauma ou stress, entre outras. (16,18)
7.3. Metabolismo dos Hidratos de Carbono
Glucose
A glucose é a principal fonte de energia do organismo e a sua concentração no
sangue é regulada através da ação de várias hormonas, como a insulina, o glucagon e a
epinefrina, entre outras.
Alterações no metabolismo da glucose podem dar origem a situações de
hiperglicemia, cuja causa mais comum é a diabetes mellitus, ou de hipoglicemia,
principalmente causada pela terapêutica com insulina ou outros fármacos que aumentam a
sua secreção, nos doentes diabéticos. (1,16)
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VIII MAC Química Clínica
Ana Filipa Fangueiro Duarte 69
7.3.1. Diagnóstico e Monitorização de Diabetes Mellitus
A diabetes mellitus (DM) consiste num grupo de desordens metabólicas que se
caracterizam por hiperglicemia, resultante de deficiências na secreção e/ou ação da
insulina.
De acordo com a norma emitida pela DGS, o diagnóstico de diabetes é feito com
base nos seguintes critérios: (18,61)
Glicemia de jejum ≥ 126 mg/dl (ou ≥ 7,0 mmol/L); ou
Sintomas clássicos + glicemia ocasional ≥ 200 mg/dL (ou ≥ 11,1 mmol/L);
ou
Glicemia ≥ 200 mg/dL (ou ≥ 11,1 mmol/L) às 2 horas, na prova de
tolerância à glicose oral (PTGO) com 75g de glicose; ou
Hemoglobina glicada A1c (HbA1c) ≥ 6,5%.
Existem ainda dois estadios intermédios de homeostase da glucose: a anomalia da
glicemia de jejum (AGJ) e a tolerância diminuída à glucose após sobrecarga oral com 75 g
de glucose (TDG). Estes dois estadios identificam indivíduos para os quais existe um risco
aumentado de desenvolver diabetes e doença cardiovascular. (61)
Prova de Tolerância à Glucose Oral (PTGO)
A PTGO consiste na determinação da concentração da glucose no soro antes e após
a ingestão de uma sobrecarga de 75g de glucose. As colheitas de sangue e respetivos
doseamentos da glucose são feitos às 0 horas (antes da sobrecarga de glucose) e às 2 horas
após a ingestão da glucose. Nas mulheres grávidas, o doseamento é feito às 0, 1 e 2 horas.
Esta prova deve ser realizada de manhã e após um jejum de 8 a 14 horas.
A PTGO é principalmente utilizada para o diagnóstico de TDG (glicemia às
2h ≥ 140 e <200 mg/dL) e de diabetes gestacional. No caso da diabetes gestacional, a
PTGO é realizada entre as 24 e 28 semanas de gestação, quando se verifica uma glicemia
de jejum inferior a 92 mg/dL. (1,61)
Hemoglobina Glicada (Hb A1c)
A hemoglobina glicada resulta de uma reação não enzimática entre a glucose e os
grupos amina da hemoglobina. Os níveis de Hb A1c dependem da concentração de glucose
no sangue e do tempo de vida dos eritrócitos. A formação da Hb A1c é diretamente
proporcional à concentração de glucose no sangue e, uma vez que o tempo médio de vida
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70 Ana Filipa Fangueiro Duarte
dos eritrócitos é de 120 dias, a Hb A1c reflete o nível médio de glucose no sangue dos
últimos 2 a 3 meses que antecedem a determinação.
Assim, a determinação da Hb A1c é utilizada não só para o diagnóstico de diabetes,
mas também para a monitorização dos doentes diabéticos, uma vez que permite obter
informações acerca dos níveis de glucose no sangue a longo prazo. No laboratório de
Química Clínica, o doseamento da Hb A1c é realizado no equipamento ADAMS A1C HA-
8180T em amostras de sangue total. (16,18)
7.4. Metabolismo dos Lípidos
Os lípidos possuem gande importância biológica devido às funções que
desempenham a diversos níveis: atuam como hormonas, são fonte de energia, auxiliam na
digestão e são componentes estruturais das membranas celulares.
A avaliação dos lípidos e lipoproteínas é fundamental para o diagnóstico de
dislipidémias. As dislipidémias são um dos principais fatores de risco da aterosclerose, que
está na base de diversas doenças cardiovasculares (DCV). Assim, a determinação dos
lípidos e lipoproteínas permite avaliar o risco cardiovascular de um indivíduo, sendo
avaliado o seguinte perfil lipídico: colesterol total (CT), triglicéridos (TG), colesterol HDL
(c‐HDL) e colesterol LDL (c‐LDL). (16,18,62)
Colesterol Total
O colesterol participa em vários processos metabólicos do organismo, sendo
fundamental como: componente da estrutura das membranas celulares, precursor das
hormonas esteróides e também dos ácidos biliares. Embora uma pequena parte do colesterol
seja proveniente da alimentação (via exógena), a maior parte é sintetizada principalmente
no fígado e também no intestino.
A determinação do colesterol total no soro é útil no diagnóstico e caraterização das
dislipidémias, e também na avaliação do risco cardiovascular. Um valor aumentado de CT
está associado a um maior risco cardiovascular, contudo estes valores devem ser
interpretados em conjunto com os outros parâmetros determinados no perfil lipídico,
principalmente com o c-LDL. (18,62)
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Ana Filipa Fangueiro Duarte 71
Triglicéridos
Os triglicéridos são ésteres do glicerol que podem ser obtidos a partir da dieta, ou
podem ser sintetizados no fígado. Constituem cerca de 95% do armazenamento tecidular
de gorduras e são uma importante fonte de energia para as células.
O doseamento dos TG tem interesse clínico no diagnóstico das dislipidémias e na
escolha da terapêutica e, para além disso, acrescenta informação sobre o risco
cardiovascular. (16,62)
Lipoproteínas
As lipoproteínas são macromoléculas que transportam os lípidos no plasma. São
constituídas por colesterol esterificado e triglicéridos no núcleo, e por colesterol livre,
fosfolípidos e uma ou mais proteínas (apolipoproteínas) à superfície. As proporções de
proteínas e lípidos determinam a densidade das lipoproteínas, que permite classificá-las em
cinco principais classes: quilomicras, VLDL (very-low density lipoprotein), IDL
(intermediate-density lipoprotein), LDL (low-density lipoprotein) e HDL (high-density
lipoprotein). (1,16)
Colesterol HDL
As HDL são responsáveis pelo transporte reverso do colesterol dos tecidos para o
fígado. As concentrações séricas de c-HDL correlacionam-se inversamente com o risco de
DCV, pelo que concentrações elevadas têm um efeito protetor, estando assim associadas a
um menor risco cardiovascular. Contrariamente, valores diminuídos de c-HDL estão
associados a um aumento do risco cardiovascular. (1,16)
Colesterol LDL
As LDL são constituídas por cerca de 50% de colesterol e são responsáveis pelo seu
transporte até aos tecidos. O colesterol das LDL é aquele que se deposita nas paredes das
artérias, contribuindo para a formação de placas de aterosclerose.
O c-LDL constitui o principal parâmetro na avaliação lipídica, sendo que níveis
séricos elevados estão associados a um alto risco cardiovascular. A determinação do c-LDL
sérico é realizada indiretamente, através da fórmula de Friedewald:
𝑐𝐿𝐷𝐿 = 𝐶𝑇 − (𝑐𝐻𝐷𝐿 + 𝑇𝐺
5)
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72 Ana Filipa Fangueiro Duarte
No entanto, quando o valor de TG é superior a 400 mg/dL, o c-LDL não deve ser
calculado através desta fórmula, uma vez que o fator TG/5 não permite obter um valor
correto do colesterol VLDL, induzindo erros no valor do c-LDL calculado. Assim, nestes
casos, o colesterol LDL é determinado através de um método direto, no equipamento Cobas
8000. (16,18,62)
7.5. Função Renal
Creatinina
A creatinina é maioritariamente resultante do metabolismo da creatina e da
fosfocreatina no músculo, embora uma pequena parte possa também ser obtida a partir da
carne ingerida na alimentação. É libertada para o plasma a uma taxa constante, que é
proporcional à massa muscular, e é excretada na urina.
A determinação da creatinina é o parâmetro mais utilizado na avaliação da função
renal uma vez que, para além de ser sintetizada a uma taxa constante, é livremente filtrada
pelo glomérulo e não é reabsorvida nos túbulos renais, sendo que apenas uma pequena parte
é secretada por estes. Assim, o doseamento da creatinina no soro é utilizado para avaliar a
função renal tanto no que se refere à severidade da lesão como à progressão da doença
renal, dado que a sua concentração é inversamente proporcional à taxa de filtração
glomerular (TFG).
No entanto, a concentração da creatinina é afetada pela massa muscular, pela
alimentação (ingestão de carne) e por determinados fármacos, entre outros fatores e, para
além disso, os seus níveis não aumentam de forma detetável até que haja uma lesão
significativa da função renal. Desta forma, a creatinina é um marcador de lesão renal pouco
sensível, pelo que deve ser determinada a clearance da creatinina, que é um indicador mais
sensível da TFG. (1,16,18)
A clearance da creatinina mede a velocidade a que a creatinina é removida do
sangue pelos rins (normalmente expressa em mL/min) e a sua determinação é utilizada para
calcular a TFG. Para a determinação da clearance da creatinina, para além da amostra de
soro, é necessária uma amostra de urina de 24 horas. Esta é calculada a partir da seguinte
fómula: (18)
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Ana Filipa Fangueiro Duarte 73
Clearance creatinina (mL/min) = Ucreatinina (mg dL⁄ ) x Vurina (ml)
Pcreatinina (mg dL)⁄ x 1440 (min)
Ucreatinina – concentração da creatinina na urina
Vurina – volume excretado durante as 24h
Pcreatinina – concentração da creatinina no soro
Ureia
A ureia resulta do catabolismo das proteínas e aminoácidos. É sintetizada no fígado
e é predominantemente eliminada pelos rins. A determinação da concentração da ureia no
soro é utilizada para avaliar a função renal, sendo útil no diagnóstico de doença renal e na
monitorização da eficácia da diálise.
Um valor aumentado de ureia no soro designa-se azotemia e pode resultar de causas
pré-renais, renais e pós-renais. A análise da ureia é feita normalmente em conjunto com a
creatinina sérica, o que permite diferenciar a causa de azotemia em pré-renal, renal ou pós-
renal. (16,18)
Ácido Úrico
O ácido úrico é o principal produto do catabolismo das purinas (adenosina e
guanina), que ocorre no fígado. É maioritariamente eliminado pelos rins, embora após a
filtração no glomérulo seja reabsorvido quase na totalidade nos túbulos proximais.
A determinação da concentração do ácido úrico no soro é utilizada no diagnóstico
de doenças hereditárias do metabolismo das purinas, no diagnóstico e monitorização do
tratamento de gota, como auxiliar no diagnóstico de cálculos renais e ainda na avaliação da
função renal. (16,18)
7.6. Função Hepática
Aminotransferases – AST e ALT
As aminotransferases aspartato aminotransferase (AST) e alanina aminotransferase
(ALT) são enzimas amplamente distribuídas no organismo, sendo que a AST está presente
no coração, fígado, músculo esquelético e rins, enquanto a ALT está principalmente
presente no fígado e também nos rins. A AST e a ALT são enzimas celulares, pelo que
quando ocorrem danos nos tecidos onde elas se encontram, estas são libertadas para o
plasma, verificando-se um aumento da sua concentração.
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74 Ana Filipa Fangueiro Duarte
O doseamento destas duas enzimas no soro é utilizado na avaliação da função
hepática, sendo que a ALT é a mais específica do fígado e níveis elevados da sua atividade
raramente são encontrados noutras patologias que não as hepáticas. Na maior parte das
patologias hepáticas a atividade da ALT é superior à da AST, nomeadamente nas patologias
agudas. No entanto, em patologias como a hepatite alcoólica, cirrose hepática e ainda em
neoplasias do fígado, os níveis da atividade da AST são superiores aos da ALT. (16,18)
Fosfatase Alcalina
A fosfatase alcalina (ALP) é uma enzima que está presente na maior parte dos
tecidos do organismo, encontrando-se em concentrações particularmente elevadas no
fígado, osso, rim e intestino. A determinação da ALP no soro tem particular valor clínico
no estudo de patologias hepatobiliares e ósseas.
No que diz respeito às patologias hepatobiliares, verificam-se valores de ALP mais
elevados nas patologias obstrutivas do que nas hepatocelulares. As patologias obstrutivas
podem ser intra ou extra-hepáticas, sendo que nestas últimas os valores de ALP estão
normalmente mais aumentados. (16,18)
γ-glutamiltransferase
A γ-glutamiltransferase (GGT) é uma enzima que está presente principalmente no
rim, fígado, pâncreas e intestino. Embora o rim apresente a concentração mais elevada de
GGT, a enzima que está presente no soro tem origem essencialmente no sistema
hepatobiliar, pelo que o doseamento da GGT no soro é utilizado no estudo das patologias
hepatobiliares, constituindo um indicador sensível das mesmas.
À semelhança da ALP, a atividade da GGT é mais elevada em situações de
obstrução biliar intra ou extra-hepática, do que nas patologias hepatocelulares. Para além
destas patologias, valores aumentados de GGT podem também ser encontrados em casos
de alcoolismo. (16,18)
Bilirrubina Total e Direta
A bilirrubina é um pigmento da bílis que deriva maioritariamente (cerca de 85%)
do metabolismo do heme da hemoglobina libertada pela destruição dos eritrócitos
senescentes. Os restantes 15% da bilirrubina produzida resultam do catabolismo de outras
proteínas que contêm grupos heme. Uma vez produzida, a bilirrubina é transportada para o
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Ana Filipa Fangueiro Duarte 75
fígado ligada à albumina, dado que é insolúvel em água - bilirrubina não conjugada. No
fígado, a bilirrubina é conjugada com ácido glucorónico – bilirrubina conjugada – e é
excretada na bílis e lançada no intestino onde é hidrolisada.
No laboratório é feito o doseamento da bilirrubina direta (conjugada) e da
bilirrubina total, que corresponde à soma da bilirrubina direta e da indireta (não conjugada).
Os níveis de bilirrubina direta estão aumentados principalmente em situações de obstrução
biliar devido a cálculos biliares ou a tumores, mas também em patologias nas quais ocorre
lesão hepatocelular, como por exemplo a hepatite (viral, tóxica). Por sua vez, concentrações
aumentadas de bilirrubina indireta podem ser encontradas nas anemias hemolíticas, em
patologias do metabolismo da bilirrubina como a síndrome de Gilbert e também em
situações de lesão hepatocelular. (1,16,18)
7.7. Função Pancreática
Amilase
A amílase é uma enzima que catalisa a hidrólise do amido e do glicogénio. Está
presente em vários órgãos e tecidos, embora se encontre em maior concentração no
pâncreas e nas glândulas salivares. A determinação da amilase no soro é útil no diagnóstico
de pancreatite aguda, onde se verificam concentrações aumentadas. Contudo, valores
elevados de amílase podem também ocorrer noutras patologias intra-abdominais e em
lesões das glândulas salivares, pelo que a determinação desta enzima não é um teste
específico de pancreatitie aguda. (16,18)
Lipase
A lipase é uma enzima que hidrolisa os ésteres de glicerol dos ácidos gordos de
cadeia longa. Encontra-se em maior concentração no pâncreas e o seu doseamento no soro
é utilizado no diagnóstico de pancreatite aguda. À semelhança da amílase, concentrações
aumentadas de lipase podem também ser encontradas noutras patologias intra-abdominais,
no entanto, e apesar de os níveis de ambas as enzimas aumentarem rapidamente, a lipase
permanece elevada durante mais tempo, pelo que é considerada um indicador mais
específico de pancreatite aguda do que a amilase. (16,18)
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76 Ana Filipa Fangueiro Duarte
7.8. Ionograma
Os eletrólitos estão envolvidos em vários processos biológicos essenciais, tendo
como funções a manutenção da pressão osmótica, a regulação da distribuição da água no
organismo e a regulação da função muscular, entre outras.
O ionograma consiste na avaliação de três dos principais eletrólitos, o sódio (Na+),
o potássio (K+) e o cloro (Cl-), uma vez que a determinação da sua concentração permite
obter informações mais relevantes acerca do equilíbrio eletrolítico do organismo. (16)
Sódio
O sódio é o principal catião do líquido extracelular e os seus níveis sanguíneos são
regulados pelo sistema renal, sendo que cerca de 60 a 75% do Na+ é reabsorvido nos
túbulos proximais e o restante é excretado na urina.
Concentrações séricas diminuídas de Na+ (hiponatremia) podem ocorrer devido a
uma perda aumentada (diminuição da produção de aldosterona, uso de determinados
diuréticos, nefropatia, vómito prolongado), à retenção de água (insuficiência renal,
cardíaca) ou a uma ingestão excessiva de água. Por outro lado, situações de hipernatremia
podem resultar de uma perda aumentada de água em relação à perda de Na+ (diabetes
insipidus, patologia tubular renal, queimaduras severas), de uma ingestão diminuída de
água, ou ainda de uma ingestão ou retenção excessivas de Na+ (administração de soluções
de sódio hipertónicas, hiperaldosteronismo). (16,18)
Potássio
O potássio (K+) é o principal catião intracelular e desempenha funções essenciais
na contração do músculo esquelético e cardíaco, bem como na regulação do volume do
líquido intracelular. A sua concentração no plasma é regulada pela função renal e pela ação
da aldosterona.
Concentrações séricas diminuídas de K+ (hipocaliemia) podem ser causadas por
perdas gastrointestinais (vómitos, diarreia), perdas urinárias (patologias renais), por uma
redistribuição do K+ extracelular para o líquido intracelular, ou por uma ingestão
insuficiente de potássio. A hipercaliemia pode ocorrer devido a uma excreção de K+
diminuída (insuficiência renal aguda ou crónica, diuréticos), a uma redistribuição do K+
ou a uma ingestão aumentada. (16,18)
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Ana Filipa Fangueiro Duarte 77
Cloro
O cloro (Cl-) é o principal anião extracelular e, tal como o sódio, está envolvido na
manutenção da distribuição da água, da pressão osmótica e do balanço de aniões e catiões
no líquido extracelular. O Cl- é filtrado pelo glomérulo e depois reabsorvido passivamente
nos túbulos proximais, sendo que o excesso é excretado na urina e também no suor.
A concentração de Cl- no plasma normalmente acompanha a do Na+ pelo que, de
uma maneira geral, as causas de hipocloremia e hipercloremia são as mesmas da
hiponatremia e hipernatremia, respetivamente. Contudo, a hipocloremia pode também
resultar de situações de alcalose metabólica. Por sua vez, a hipercloremia pode também
ocorrer na acidose metabólica. (16,18)
7.9. Função Cardíaca
Creatina Cinase (CK)
A creatina cinase é uma enzima que está presente em diversos tecidos do organismo,
principalmente no músculo esquelético, músculo cardíaco e no cérebro. Esta enzima
apresenta três isoenzimas: a CK-MM, que se encontra sobretudo no músculo esquelético e
no coração; a CK-MB, encontrada principalmente no miocárdio; e a CK-BB, a isoenzima
predominante no cérebro. Em indivíduos saudáveis, a atividade da CK no soro deve-se
quase na totalidade à CK-MM.
Assim, valores séricos elevados de CK verificam-se quando ocorre lesão do
músculo esquelético, particularmente em casos de distrofia muscular, ou do músculo
cardíaco, constituindo um indicador de EAM. Contudo, a CK é um marcador de EAM
pouco específico, uma vez que a sua atividade está aumentada noutras patologias, pelo que
é necessário realizar a determinação de outros marcadores cardíacos. (16,18)
Mioglobina
A mioglobina é uma proteína transportadora de oxigénio que se encontra presente
no músculo esquelético e cardíaco. A determinação da sua concentração no soro é utilizada
no diagnóstico ou na exclusão de EAM. A mioglobina constitui um marcador precoce de
EAM, uma vez que os seus níveis séricos são os primeiros a aumentar, cerca de 2 a 3 horas
após o início dos sintomas. No entanto, a mioglobina não é um marcador cardíaco
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78 Ana Filipa Fangueiro Duarte
específico, dado que também está aumentada em determinadas patologias musculares, pelo
que deve ser avaliada em conjunto com outros marcadores cardíacos. (16,18)
Troponina T
A troponina é um complexo de três proteínas (troponina T, I e C) que se encontram
ligadas à actina do músculo cardíaco e do músculo esquelético, e que têm como função
regular a contração muscular. A determinação sérica das troponinas é utilizada no
diagnóstico de EAM, sendo que apenas a troponina T e a troponina I são específicas do
músculo cardíaco. As troponinas constituem o marcador cardíaco de eleição para o
diagnóstico de EAM, uma vez que apresentam uma elevada sensibilidade e especificidade
para a deteção de lesão do miocárdio e, para além disso, os seus níveis mantêm-se elevados
durante vários dias. (16,18)
No laboratório de Química Clínica é feito o doseamento da Troponina T, cuja
concentração no soro começa a aumentar poucas horas após o início dos sintomas,
permanecendo elevada durante 7 a 10 dias.
7.10. Marcadores de Anemia
Ferro
O ferro é um elemento essencial para o organismo, uma vez que participa em
diversos processos vitais, como o transporte de oxigénio e as reações oxidação-redução. É
obtido através da alimentação na forma férrica (Fe3+), sendo reduzido à forma ferrosa
(Fe2+) para que possa ser absorvido no intestino. Após ser absorvido, é transportado no
plasma pela transferrina. A maior parte do ferro do organismo está incorporado na
hemoglobina e também na mioglobina, sendo que o restante se encontra armazenado na
forma de ferritina e de hemossiderina.
A determinação da concentração sérica do ferro é utilizada no estudo das alterações
do metabolismo do ferro, sendo principalmente útil no diagnóstico diferencial e
monitorização de anemias. Valores diminuídos de ferro ocorrem em situações de
ferropenia, com ou sem anemia associada, e em patologias inflamatórias crónicas.
Concentrações séricas de ferro aumentadas podem ser observadas em patologias nas quais
há um excesso de ferro, como a hemocromatose, em patologias hepáticas agudas e ainda
em situações de ingestão aumentada de ferro. (16,18)
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Ferritina
A ferritina é uma proteína que está presente na maior parte das células e constitui a
reserva de ferro rapidamente mobilizável do organismo. O doseamento da ferritina no soro
permite avaliar a quantidade de ferro armazenado no organismo. Níveis de ferritina
diminuídos constituem um indicador sensível de deficiência de ferro, uma vez que a sua
concentração começa a diminuir numa fase inical do desenvolvimento deste estado. Por
outro lado, valores elevados podem ser observados em doentes com hemocromatose, bem
como em diversas patologias inflamatórias e infeciosas agudas, dado que a ferritina é uma
proteína de fase aguda. (16,18)
Vitamina B12
A vitamina B12 (ou cobalamina) é essencial para a hematopoiese, participando na
síntese de DNA. É obtida através da alimentação e é absorvida no íleo, através do complexo
formado pela ligação ao fator intrínseco, sendo depois armazenada no fígado.
O principal interesse clínico da determinação da vitamina B12 no soro está
relacionado com o estudo de alterações hematológicas associadas à deficiência desta
vitamina, como a anemia megaloblástica. O défice de vitamina B12 pode resultar de uma
absorção diminuída, principalmente devida a uma produção deficiente de fator intrínseco
(anemia perniciosa), mas também à má absorção intestinal causada por outras patologias,
ou pode resultar de uma ingestão alimentar insuficiente desta vitamina. (16,18)
Folatos (Ácido Fólico)
Os folatos, nos quais se inclui o ácido fólico, são uma família de compostos que
atuam como coenzimas em diversas reações metabólicas. Estes intervêm na síntese do
DNA, sendo por isso importantes na eritropoiese. São obtidos através da alimentação e
absorvidos no intestino.
À semelhança da vitamina B12, défices de ácido fólico estão também na origem de
anemias megaloblásticas. Concentrações séricas diminuídas de folatos podem resultar de
uma má absorção intestinal, de uma ingestão insuficiente ou de uma necessidade acrescida
de folatos como na gravidez, entre outros. (16,18)
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80 Ana Filipa Fangueiro Duarte
7.11. Metabolismo Ósseo e Mineral
Cálcio
O cálcio é um elemento essencial para o organismo, desempenhando um papel
fundamental em vários processos fisiológicos, como a contração muscular, mineralização
óssea, coagulação sanguínea e secreção de hormonas, entre outros. Cerca de 99% do cálcio
está presente no osso e o restante encontra-se em circulação no plasma. A concentração do
cálcio no plasma é regulada essencialmente pela hormona paratiroide (PTH) e pela
vitamina D.
O doseamento do cálcio no soro é utilizado no diagnóstico e monitorização de várias
patologias, entre as quais patologias das glândulas paratiroides, patologias ósseas e renais,
nas quais se verificam alterações do metabolismo do cálcio que se traduzem em
hipocalcemia ou hipercalcemia. A hipocalcemia tem como principais causas o
hipoparatiroidismo, a insuficiência renal crónica e a deficiência de vitamina D. Por sua vez,
as principais causas de hipercalcemia são o hiperparatiroidismo e também algumas
neoplasias. (16,18)
Fósforo
O fósforo é um elemento amplamente distribuído no organismo, sendo que a maior
parte se encontra no osso (hidroxiapatite), na forma inorgânica. O restante encontra-se nos
tecidos na forma orgânica e cerca de 1% está em circulação no plasma, na forma inorgânica.
O fósforo é fundamental em vários processos bioquímicos como a mineralização óssea e o
transporte e armazenamento de energia (ATP).
A determinação da concentração sérica do fósforo é utilizada no estudo das
alterações do metabolismo do cálcio e do fósforo, que resultam em hipofosfatemia ou
hiperfosfatemia. A hipofosfatemia pode resultar de uma excreção renal aumentada
(principalmente associada ao hiperparatiroidismo), de uma absorção intestinal de fósforo
diminuída, ou de uma redistribuição do fósforo dos espaços extracelulares para os
intracelulares. A hiperfosfatemia deve-se normalmente a uma excreção renal de fósforo
diminuída, principalmente causada por insuficiência renal ou por
hipoparatiroidismo.(16,18)
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Ana Filipa Fangueiro Duarte 81
Hormona Paratiroide (PTH)
A PTH é sintetizada e secretada pelas glândulas paratiroides, sendo responsável pela
regulação da concentração do cálcio no sangue. A PTH atua diretamente no osso, rim e,
indiretamente, no intestino, aumentando a concentração de cálcio no sangue e promovendo
também a diminuição da concentração de fósforo. O cálcio é assim o principal regulador
da secreção da PTH, uma vez que quando a concentração de cálcio está diminuída, a
secreção da PTH é estimulada, e quando está aumentada, a secreção da PTH é inibida.
O doseamento da PTH no soro é útil no diagnóstico diferencial de hipercalcemia e
hipocalcemia, bem como na avaliação da função das glândulas paratiroides em patologias
ósseas e na insuficiência renal. (16,18)
7.12. Função Tiroideia
A tiroide é responsável pela produção das hormonas tiroideias, a tiroxina (T4) e a
triiodotironina (T3), que desempenham um papel fundamental na regulação do
metabolismo do organismo e em diversas outras funções. A síntese e secreção das
hormonas tiroideias é controlada por um mecanismo de feedback negativo que envolve a
hormona libertadora de tirotrofina (TRH), libertada pelo hipotálamo, a hormona
estimulante da tiroide (TSH), produzida pela hipófise anterior, e as hormonas
tiroideias.(18,63)
No laboratório de Química Clínica, a avaliação da função tiroideia é realizada
através do doseamento da TSH e das hormonas tiroideias T4 e T3 livres, embora a TSH e a
T4 livre sejam os dois parâmetros que melhor permitem fazer o diagnóstico das disfunções
da tiroide, nomeadamente o hipotiroidismo e o hipertiroidismo.
TSH
A TSH é uma glicoproteína cuja função é estimular a tiroide a produzir e libertar as
hormonas tiroideias. A síntese e libertação da TSH são estimuladas pela TRH e reguladas
pelo feedback negativo das hormonas tiroideias. Assim, um aumento de T3 ou T4 inibe a
secreção de TSH e TRH, enquanto a sua diminuição estimula a libertação da TRH e TSH.
A determinação da TSH no soro é o teste mais útil para o estudo da função tiroideia,
uma vez que apresenta uma maior sensibilidade para a deteção de hipotiroidismo,
hipertiroidismo e também de hipo ou hipertiroidismo subclínico. Para além disso, o
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doseamento da TSH é também utilizado na monitorização da terapêutica de substituição
hormonal. (1,18)
T4 Livre
A T4 é a principal hormona tiroideia e em circulação encontra-se ligada quase na
totalidade a proteínas de transporte, constituindo a fração biologicamente inativa.
Apenas uma pequena fração se encontra livre, sendo esta a fração biologicamente
ativa. Uma vez que a maior parte da T4 está ligada a proteínas, alterações nestas proteínas
irão assim afetar os níveis de T4, pelo que o doseamento da T4 livre (T4L) constitui um
melhor parâmetro para avaliar a função tiroideia do que a T4 total.
A determinação da concentração sérica da T4L, em conjunto com a TSH, é também
de grande importância para o diagnóstico e monitorização do hipotiroidismo e
hipertiroidismo. Valores diminuídos de T4L associados a uma TSH aumentada são
indicativos de hipotiroidismo, enquanto níveis aumentados de T4L combinados com uma
TSH diminuída indicam hipertiroidismo. (16,18)
T3 Livre
Tal como a T4, a T3 encontra-se maioritariamente ligada a proteínas e apenas uma
pequena parte na forma livre. A determinação da T3 livre (T3L) é útil no diagnóstico de
hipertiroidismo, especialmente em determinados casos em que se verificam valores
elevados de T3L mas em que os valores de T4L são normais. (1,16)
7.13. Marcadores Tumorais
Os marcadores tumorais englobam um conjunto de diversas moléculas (proteínas,
enzimas, hormonas, etc) que são produzidas diretamente pelas células tumorais ou por
outras células do organismo em resposta a estas células.
Idealmente, um marcador tumoral deveria ser específico para um determinado tipo
de neoplasia, não deveria estar presente em indivíduos saudáveis ou noutras patologias
benignas e deveria ser suficientemente sensível para o diagnóstico precoce ou para o
rastreio de uma determinada neoplasia. No entanto, os marcadores atualmente disponíveis
não satisfazem todas estas condições, pelo que a sua utilidade no diagnóstico de neoplasias
é limitada, com excepção do PSA, que apresenta utilidade no diagnóstico precoce do
carcinoma da próstata em indivíduos de risco elevado, em conjunto com outros exames
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Ana Filipa Fangueiro Duarte 83
complementares. Assim, de uma forma geral, os marcadores tumorais são
fundamentalmente utilizados na monitorização do tratamento e da progressão das
neoplasias, no prognóstico, estadiamento e/ou na deteção de recidivas. (16,18,64)
Na tabela seguinte, são apresentados os marcadores tumorais determinados no
laboratório de Química Clínica e as suas características, bem como a sua aplicação e
correlação clínicas. O doseamento destes marcadores é feito em amostras de soro no
equipamento Cobas 8000 (e 602), à excepção do Cyfra 21.1, que é doseado no equipamento
Architect i1000SR.
Tabela 4 - Marcadores tumorais determinados no laboratório, características, utilidade e correlação clínicas (1,16,18)
Marcador Tumoral Características Utilidade e Correlação Clínicas
α-Fetoproteína (AFP)
Glicoproteína sintetizada
durante o desenvolvimento
embrionário pelo saco
vitelino e pelo fígado fetal.
- Monitorização do tratamento e
determinação do prognóstico do carcinoma
hepatocelular, mas também de tumores das
células germinativas (testículo)
CA 15.3 Antigénio glicoproteico de
superfície celular - Monitorização do tratamento e da
progressão do carcinoma da mama
CA 19.9 Antigénio glicoproteico
- Monitorização e determinação do
prognóstico do carcinoma do pâncreas.
- Monitorização de outros carcinomas
gastrointestinais (colorretal e gástrico)
CA 125 Antigénio glicoproteico
- Monitorização da resposta ao tratamento e
deteção de recidivas do carcinoma do ovário.
- Determinação do prognóstico do carcinoma
do endométrio.
Antigénio
Carcinoembrionário
(CEA)
Glicoproteína expressa
durante o desenvolvimento
fetal.
- Monitorização do tratamento e progressão,
e estadiamento do carcinoma colorretal.
- Monitorização de carcinomas da mama,
pulmão e gastrointestinais.
Cyfra 21.1
Proteína presente no
citoesqueleto de células
epiteliais
Monitorização da evolução do carcinoma do
pulmão
Enolase Neuro-
específica (NSE)
Enzima glicolítica que se
encontra no tecido nervoso
e nas células do sistema
neuroendócrino
Indicador de prognóstico da evolução de
tumores de origem neuroendócrina
Antigénio Específico
da Próstata (PSA)
Total e Livre
- Proteína sintetizada pela
próstata. É secretada no
líquido seminal e tem uma
função fluidificante.
- Circula ligado a proteínas
(AAT e α2-
macroglobulina) e uma
pequena parte na forma
livre.
PSA Total
- Monitorização de doentes com carcinoma
da próstata após tratamento.
- É também útil na deteção precoce de
carcinoma da próstata.
PSA Livre
- Determinado quando o valor de PSA total
está entre 4-10 ng/mL, para o cálculo da razão
PSA livre/PSA total.
- Esta razão permite discriminar aumentos de
PSA devidos a carcinoma da próstata ou a
hiperplasia benigna da próstata.
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84 Ana Filipa Fangueiro Duarte
7.14. Serologia Infeciosa
A serologia infeciosa diz respeito ao estudo de doenças infeciosas causadas por
diversos microrganismos, através da deteção qualitativa e/ou quantitativa de anticorpos IgG
e IgM específicos contra o agente infecioso, embora em alguns casos possa também basear-
se na determinação de antigénios específicos destes microrganismos. Estes testes permitem
assim detetar a existência de infeção, avaliar o risco de transmissão e monitorizar a
evolução da doença e a resposta ao tratamento.
No laboratório de Química Clínica são realizadas serologias para os seguintes
microrganismos: Toxoplasma gondii, Vírus da Rubéola, Citomegalovírus (CMV), Vírus
Epstein-Barr (EBV), Vírus das Hepatites A, B e C, HIV, Treponema pallidum, Brucella,
Mycoplasma pneumoniae e Chlamydia pneumoniae. Todos os ensaios são realizados em
amostras de soro no equipamento Cobas 8000, com exceção das repetições de resultados
duvidosos de alguns testes e também dos testes de avidez das IgG, que são realizados no
Architect i1000SR.
7.14.1. Toxoplasmose, Rubéola e Citomegalovírus – Grupo TORCH
O diagnóstico de infeções por Toxoplasma gondii, pelo vírus da rubéola e por
citomegalovírus assume particular importância nas mulheres grávidas, principalmente
quando se tratam de infeções primárias, uma vez que estas são suscetíveis de transmissão
vertical, podendo conduzir a anomalias severas ou mesmo à morte fetal. Estes três
microrganismos fazem parte do grupo TORCH (Toxoplasma, Outros agentes, Rubéola,
CMV e Herpes Simplex), que designa um grupo de infeções congénitas/perinatais de
etiologia parasitária, viral e bacteriana, que podem resultar em consequências graves para
o feto. (1,65,66)
Assim, o rastreio das doenças infeciosas de transmissão vertical nas grávidas é de
extrema importância. O diagnóstico da toxoplasmose, rubéola e CMV é realizado através
da determinação dos anticorpos IgM e IgG específicos para cada um destes microrganismos
– anti-toxoplasma, anti-rubéola e anti-CMV, respetivamente. A interpretação dos
resultados é semelhante para estas três infeções e encontra-se resumida no esquema da
figura 24. (66)
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Ana Filipa Fangueiro Duarte 85
A avidez das IgG (apenas realizada no casos de toxoplasmose e de infeção por
CMV) diz respeito à força da ligação dos anticorpos IgG no soro ao seu antigénio
específico. Este teste permite datar a infeção, de forma a diferenciar uma infeção recente
de uma infeção antiga. Assim, uma avidez forte é encontrada em infeções com mais de 4
meses de evolução, enquanto uma avidez fraca está associada a quadros infeciosos mais
recentes (< 4 meses). O estudo da avidez das IgG tem grande importância porque, no caso
de se tratar de uma infeção primária, permite averiguar se esta ocorreu durante a gravidez
o que, como referido anteriormente, pode levar a anomalias fetais graves, e também porque
a gravidade clínica da doença depende da data da infeção, sendo que quando esta se verifica
no 1º trimestre de gravidez, as consequências são mais graves. (1,66,67)
7.14.2. Sífilis
A sífilis é uma infeção sexualmente transmissível cujo agente etiológico é a bactéria
Treponema pallidum. Pode ser transmitida por via sexual, por transmissão vertical ou por
via sanguínea. A sífilis pode ser dividida em sífilis inicial e em sífilis tardia. (68)
O diagnóstico laboratorial da sífilis é feito com base em testes serológicos, que
incluem testes treponémicos e não-treponémicos. Os testes não-treponémicos detetam
anticorpos IgG e IgM dirigidos contra fosfolípidos da superfície do Treponema pallidum,
IgM e IgG específicas
Toxoplasmose, Rubéola e CMV
IgG −
IgM −
Sem evidência serológica de
infeção anterior
IgG +
IgM −
Imunidade:
- Provável infeção passada; ou
- Vacinação (Rubéola)
IgG −
IgM +
Provável infeção aguda
Repetir após cerca de 3 semanas
IgG +
IgM +
Infeção aguda ou reativação
Estudo da avidez das IgG
Figura 24 - Interpretação dos resultados da serologia para Toxoplasmose, Rubéola e CMV
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86 Ana Filipa Fangueiro Duarte
denominados reaginas, através da utilização de um antigénio composto por cardiolipina,
lecitina e colesterol. Estes anticorpos podem também ser detetados noutras patologias, pelo
que estes testes são pouco específicos para a sífilis, podendo dar origem a resultados falsos
positivos. Os testes não-treponémicos podem ser qualitativos ou quantitativos, sendo que
os quantitativos permitem determinar o título de anticorpos através de diluições seriadas do
soro, tornando-os úteis na monitorização da resposta ao tratamento. Os testes não-
treponémicos mais utilizados são o VDRL (Venereal Diseases Research Laboratory) e o
RPR (Rapid Plasma Reagin), que constituem técnicas manuais. (68,69) Os testes
treponémicos, por sua vez, detetam anticorpos específicos dirigidos contra antigénios do
Treponema pallidum, pelo que apresentam uma elevada especificidade.
De acordo com guidelines internacionais (OMS, CDC, IUSTI), o screening da sífilis
deve ser realizado através de um teste não treponémico e, caso o resultado seja positivo,
este deve ser confirmado através de um teste treponémico. Contudo, a abordagem ao
diagnóstico laboratorial da sífilis pode ser feita de diferentes formas, sendo que em alguns
laboratórios foi adotado o “algoritmo reverso”, no qual o screening é realizado através de
um teste treponémico automatizado, seguido de um teste não treponémico quantitativo.
Esta abordagem pode ser útil em laboratórios nos quais existe um grande volume de
amostras pois possibilita a automatização do processo. (69,70)
No laboratório de Química Clínica foi adotado este “algoritmo reverso”, sendo
realizado inicialmente um imunoensaio no equipamento Cobas 8000 (teste treponémico)
para o screening da sífilis. Este teste tem uma maior sensibilidade para a deteção da sífilis
inicial do que os testes não-treponémicos. Contudo, o teste treponémico geralmente
permanece positivo para o resto da vida do doente, não permitindo por isso distinguir uma
infeção ativa de uma infeção passada que já foi tratada.
Assim, perante um resultado positivo, no laboratório de Química Clínica é realizado
o RPR para confirmar o resultado e detetar a existência de uma infeção ativa, uma vez que
os títulos de anticorpos se correlacionam com a atividade da infeção. Este é também
utilizado para a monitorização do tratamento. (68) Para a realização do RPR é utilizado o
kit Macro-Vue RPR Card Tests. Neste teste é utilizada uma suspensão de um antigénio em
partículas de carvão, que é colocada no cartão de teste juntamente com a amostra de soro.
As reaginas eventualmente presentes na amostra vão ligar-se ao antigénio, originando
floculação macroscópica com uma co-aglutinação das partículas de carbono, que aparecem
como aglomerações negras, após rotação do cartão durante 8 minutos. Caso o resultado seja
negativo, observa-se apenas uma cor cinzenta clara. (71)
Relatório de Estágio no Serviço de Patologia Clínica do CHLO
VIII MAC Química Clínica
Ana Filipa Fangueiro Duarte 87
7.15. Exame Sumário de Urina
O exame sumário de urina, também denominado de urina tipo II, permite obter uma
ampla variedade de informações clínicas úteis no que diz respeito não só ao sistema
urinário, mas também a outros processos patológicos, nomeadamente metabólicos e
endócrinos.
A análise de urina tipo II inclui o exame físico-químico e a análise do sedimento
urinário. Preferencialmente, a amostra utilizada deve ser a primeira urina da manhã uma
vez que esta é mais concentrada, embora possam também ser utilizadas amostras de urina
aleatórias. (1)
Como referido anteriormente, o exame sumário de urina é realizado nos
equipamentos Aution MAX AX-4030 e sediMAX, ligados em cadeia.
7.15.1. Exame Físico-químico
O exame físico-químico é realizado no Aution MAX AX-4030. No exame químico
são utilizadas tiras de teste com várias áreas de reagentes, que permitem a determinação
quantitativa ou semi-quantitativa dos seguintes analitos: glucose, proteínas, bilirrubina,
urobilinogénio, pH, sangue, corpos cetónicos, nitritos e leucócitos. Por sua vez, o exame
físico inclui a avaliação da cor, densidade e turvação.
Na tabela seguinte é descrita, de uma forma resumida, a correlação clínica de cada
um dos parâmetros avaliados nos exames físico e químico.
Relatório de Estágio no Serviço de Patologia Clínica do CHLO
VIII MAC Química Clínica
88 Ana Filipa Fangueiro Duarte
Tabela 5 - Parâmetros determinados no exame físico-químico da urina e respetiva correlação clínica (16,18)
7.15.2. Análise do Sedimento Urinário
A análise do sedimento urinário é útil na deteção e avaliação de alterações renais e
do trato urinário, uma vez que permite detetar vários elementos presentes na urina que o
exame físico-químico não permite. A deteção destes elementos no sedimento urinário não
corresponde necessariamente a uma situação patológica, uma vez que muitos deles estão
normalmente presentes em pequenas quantidades. (1)
Como referido anteriormente, a avaliação do sedimento urinário é realizada no
equipamento sediMAX, que permite detetar e identificar os seguintes elementos: (16,18)
Células epiteliais – a presença de células epiteliais em baixo número na
urina é normal, uma vez que reflete a descamação normal do epitélio. Estas
Parâmetro Correlação Clínica
EXAME FÍSICO
Cor Depende da concentração da urina ou da presença de outros pigmentos
(hemoglobina, eritrócitos, mioglobina, pigmentos biliares…)
Densidade - Permite avaliar o estado de hidratação do organismo;
- Indicador da capacidade de concentração dos rins
Turvação A existência de turvação pode dever-se à precipitação de cristais ou à presença
de bactérias, leucócitos ou eritrócitos
EXAME QUÍMICO
Glucose - A glicosúria ocorre quando o limiar de reabsorção renal é ultrapassado.
- Está principalmente associada à DM, mas também a outras patologias
endócrinas e a disfunção tubular renal
Proteínas - Valores elevados de proteinúria são indicadores de lesão renal.
- Para valores >100 mg/dL, é realizado o doseamento das proteínas na urina
Bilirrubina Um resultado positivo pode indicar a existência de patologia hepatocelular ou
de obstrução biliar
Urobilinogénio Um resultado positivo pode dever-se a patologia hepatocelular ou a distúrbios
hemolíticos
pH O pH normal da urina é de cerca de 6,0. Variações do valor do pH podem
estar associadas a distúrbios no equilíbrio ácido-base, bem como a infeções
urinárias ou litíase renal
Sangue
- Um resultado positivo indica a presença de hemoglobina, eritrócitos ou
mioglobina.
- Associado a alterações a nível renal ou do trato urinário, e também a
hemólise intravascular, entre outros.
Corpos Cetónicos A cetonúria está principalmente associada à DM
Nitritos A presença de nitritos é indicadora de uma possível infeção urinária, uma vez
que muitas das bactérias patogénicas do trato urinário têm a capacidade de
reduzir o nitato a nitrito
Leucócitos - A presença de leucócitos é detetada com base na actividade da enzima
esterase dos leucócitos.
- Um resultado positivo pode indicar infeção do trato urinário
Relatório de Estágio no Serviço de Patologia Clínica do CHLO
VIII MAC Química Clínica
Ana Filipa Fangueiro Duarte 89
células podem ser de três tipos: escamosas, do epitélio de transição e
tubulares renais;
Eritrócitos – estão presentes em pequenas quantidades na urina. A presença
de um número elevado pode estar associada a diversas patologias do trato
urinário ou outras;
Leucócitos – estão também presentes em baixo número no sedimento
urinário. Um número elevado é indicador de infeção ou inflamação do trato
urinário;
Cilindros – são os únicos elementos encontrados no sedimento urinário cuja
origem é exclusivamente renal. Existem vários tipos de cilindros, os hialinos
são os mais frequentes e a sua presença em baixo número é normal. Nos
indivíduos com patologias renais, podem ser observados cilindros em
grande número, dos quais se podem destacar os eritrocitários e leucocitários;
Cristais – são formados pela precipitação de sais urinários, cuja
solubilidade é afetada por alterações do pH, temperatura ou concentração.
Os cristais mais frequentemente encontrados no sedimento urinário, como
os de oxalato de cálcio e os de ácido úrico, têm um significado clínico
limitado, exceto quando estão presentes em grande número. Contudo,
existem alguns cristais, como os de cistina ou de leucina, cuja presença na
urina está associada a processos patológicos.
Bactérias e leveduras.
Relatório de Estágio no Serviço de Patologia Clínica do CHLO
VIII MAC Controlo de Qualidade
90 Ana Filipa Fangueiro Duarte
8. Controlo de Qualidade
Um dos principais objetivos prosseguidos pelos laboratórios de análises
clínicas/patologia clínica é a prestação de serviços de saúde de qualidade, com segurança e
profissionalismo, tendo em vista a satisfação das necessidades dos doentes. Nesse sentido,
e como referido anteriormente, o SPC do CHLO tem implementado um Sistema de Gestão
da Qualidade, que atua como promotor de excelentes práticas e de melhoria contínua. (2,72)
Para garantir a qualidade dos resultados fornecidos, é necessário controlar as três
fases do processo analítico. Na fase analítica, a garantia da qualidade é assegurada pelo
Controlo de Qualidade Interno (CQI) e pela Avaliação Externa da Qualidade (AEQ).
8.1. Controlo de Qualidade Interno
O CQI consiste no conjunto de procedimentos utilizados no laboratório para
monitorizar e avaliar os sistemas analíticos, com vista a garantir a fiabilidade e
reprodutibilidade dos resultados obtidos. Este processo permite validar os métodos
analíticos utilizados no laboratório e monitorizar a sua precisão, bem como detetar a
ocorrência de desvios e erros aleatórios, para que possam ser desenvolvidas ações
corretivas. (1,16)
No SPC, o CQI dos equipamentos utilizados é efetuado diariamente, antes do início
do processamento das amostras dos doentes. Nos Laboratórios de Hematologia, Hemostase
e Química, o controlo de alguns equipamentos é também efetuado no período da tarde, uma
vez que estes servem também o Laboratório de Urgência, que funciona 24h por dia.
Neste processo são utilizadas amostras de controlo com uma matriz biológica
semelhante às amostras dos doentes e com concentrações conhecidas. Geralmente são
utilizados 2 ou 3 níveis de controlo (um normal e um patológico ou, no caso de serem 3,
um normal e dois patológicos / um nível alto, um médio e um baixo), consoante o
equipamento ou os parâmetros determinados em cada equipamento. Os diferentes níveis de
controlo são normalmente testados em conjunto diariamente, no entanto, dependendo dos
equipamentos e dos parâmetros analíticos, estes poderão ser utilizados intercaladamente ou
apenas quando é necessário fazer a determinação dos respetivos parâmetros. Os controlos
são testados nas mesmas condições das amostras dos doentes e os resultados obtidos são
depois analisados estatisticamente.
Relatório de Estágio no Serviço de Patologia Clínica do CHLO
VIII MAC Controlo de Qualidade
Ana Filipa Fangueiro Duarte 91
Uma das principais ferramentas estatísticas utilizadas são as cartas de controlo
(gráficos de Levey-Jennings), que consistem numa representação gráfica da dispersão dos
resultados (desvio-padrão) em torno da média, em função do tempo (dias). A elaboração
de cartas de controlo permite assim, visualizar a evolução e controlar continuamente os
resultados obtidos para cada parâmetro analítico. (1,16) A interpretação das cartas de
controlo é feita com base nos limites e regras (regras de Westgard) de aceitação de
resultados definidos pelo SPC. De modo geral, os limites de aceitação definidos são de ± 2
SD (desvios-padrão) em relação à média.
No entanto, no laboratório de Química Clínica é utilizado um software específico
para a monitorização do controlo de qualidade, o InterQC. Este programa permite fazer a
gestão estatística interna e externa (comparação de resultados com outros laboratórios que
utilizam os mesmos métodos analíticos e os mesmos equipamentos) da qualidade analítica
do laboratório em tempo real, o que possibilita a avaliação da qualidade dos resultados do
laboratório a qualquer altura. O InterQC possui um módulo de objetivos que se baseia na
seleção, para cada ensaio, de um de vários objetivos definidos por diferentes associações.
Após a seleção do objetivo pretendido, o programa calcula automaticamente a regra
estatística mais adequada a adotar como critério de aceitação. (73)
Se os resultados dos controlos estiverem dentro dos limites de aceitação, é dado
início à análise das amostras. Caso os resultados dos controlos estejam fora dos limites
definidos, significa que o desempenho do sistema analítico não é adequado e que os
resultados obtidos não serão válidos, pelo que devem ser aplicadas medidas corretivas para
eliminar a fonte do erro. Uma das medidas que pode ser aplicada é a calibração analítica
do equipamento, que estabelece a relação entre o sinal medido pelo equipamento e o valor
quantitativo (concentração) do analito. Para isso são utilizados materiais de referência de
concentração conhecida e bem definida, que permitem obter uma reta de calibração a partir
da qual é possível determinar a concentração do analito que está a ser doseado. (1)
Sempre que ocorram alterações no sistema analítico, como a mudança de lote dos
reagentes ou alterações nos procedimentos e equipamentos, é efetuada a calibração e o
controlo de qualidade dos equipamentos, de forma a verificar o seu desempenho.
No Laboratório de Microbiologia, o CQI processa-se de forma diferente. No setor
da Bacteriologia, semanalmente é efetuado o controlo das cartas de identificação e de TSA
utilizadas no equipamento VITEK 2 e o controlo dos discos impregnados com antibióticos
Relatório de Estágio no Serviço de Patologia Clínica do CHLO
VIII MAC Controlo de Qualidade
92 Ana Filipa Fangueiro Duarte
utilizados nos TSA manuais, através da utilização de estirpes ATCC: Escherichia coli,
Staphylococcus aureus, Streptococcus pneumoniae, Enterococcus faecalis e Pseudomonas
aeruginosa.
Semanalmente é também realizado o controlo das atmosferas das jarras de
microaerofilia e de anaerobiose, sendo para isso utilizadas estirpes de Campylobacter jejuni
ATCC e de Pseudomonas aeruginosa ATCC, respetivamente.
Diariamente, é feito o controlo de esterilidade das soluções salinas utilizadas para
as suspensões e para os vários testes realizados. Por fim, é também efetuado o controlo dos
reagentes, meios de cultura e kits, sempre que é aberto um novo lote.
8.2. Avaliação Externa da Qualidade
A AEQ constitui um método de avaliação do desempenho do Laboratório, através
da participação em ensaios interlaboratoriais organizados por entidades externas. Estas
entidades enviam periodicamente amostras, cujo conteúdo é conhecido mas não é revelado
ao laboratório. As amostras são processadas e testadas nas mesmas condições que as
amostras dos doentes e os resultados são depois enviados à respetiva entidade, que os
analisa e elabora um relatório de avaliação, onde estes são comparados aos resultados
esperados e aos resultados obtidos pelos outros laboratórios participantes no programa de
AEQ. (1,8)
Desta forma, a AEQ permite, para cada parâmetro determinado no laboratório,
comparar os resultados obtidos com os resultados de outros laboratórios que utilizam os
mesmos métodos analíticos, avaliar a exatidão dos resultados e garantir a sua
reprodutibilidade, bem como detetar a ocorrência de não conformidades e de tendências
(erros sistemáticos), para que possam ser desenvolvidas ações corretivas. A participação
em programas de AEQ permite assim melhorar a performance do laboratório, aumentando
o nível da qualidade laboratorial. (1,74)
Os vários laboratórios do SPC participam em diversos programas de AEQ nacionais
e internacionais, que estão representados na tabela 6. A periodicidade dos ensaios varia
consoante os programas e os parâmetros analíticos (mensal, bimestral, trimestral,
semestral…).
Relatório de Estágio no Serviço de Patologia Clínica do CHLO
VIII MAC Controlo de Qualidade
Ana Filipa Fangueiro Duarte 93
Tabela 6 - Programas de AEQ em que o SPC participa
Laboratório Programas de AEQ
Microbiologia - UK NEQAS (United Kingdom National External Quality
Assessment Service);
Imunologia
- UK NEQAS;
- EUROIMMUN Institute for Quality Assurance;
- MBL Quality Control of Autoantibodies
Hematologia - UK NEQAS;
- INSA - Programa Nacional de Avaliação Externa da Qualidade
Hemostase - WHO IEQAS (International External Quality Assessment
Schemes)
Química Clínica
- UK NEQAS;
- Reference Institute for Bioanalytics;
- LGC Standards
De salientar ainda, que o SPC colabora com o INSA (Instituto Nacional de Saúde
Doutor Ricardo Jorge) no Programa Nacional de Avaliação Externa da Qualidade
(PNAEQ), nomeadamente os Laboratórios de Química Clínica e de Hematologia, que são
peritos (o Laboratório de Hematologia é também co-organizador) em diferentes programas.
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Parte III
Epidemiologia, patogénese, clínica, imunologia, tratamento
e prevenção da Difilobotriose – novos tempos, “nova doença”
VIII MAC Resumo
Ana Filipa Fangueiro Duarte 101
Epidemiologia, patogénese, clínica, imunologia, tratamento e
prevenção da Difilobotriose – novos tempos, “nova" doença
Resumo
A difilobotriose é uma zoonose causada pelo parasita adulto do género
Diphyllobothrium. A infeção é transmitida ao Homem através da ingestão de peixe cru ou
insuficientemente cozinhado infetado com plerocercóides (forma larvar) de
Diphyllobothrium spp.
As manifestações clínicas da difilobotriose são ligeiras, sendo que na maioria dos
casos os indivíduos infetados são assintomáticos, pelo que esta infeção parasitária tem sido
negligenciada ao longo dos anos. No entanto, recentemente tem sido verificada uma
reemergência da difilobotriose em diversas regiões a nível mundial, contrariando o declínio
do número de casos existente nas últimas décadas em áreas historicamente endémicas. Esta
reemergência deve-se, principalmente, à crescente popularidade do consumo de peixe cru
que se verifica atualmente, sobretudo nos países desenvolvidos.
O diagnóstico da difilobotriose baseia-se na observação microscópica de
características morfológicas do parasita, contudo este não permite distinguir de forma fiável
as diferentes espécies de Diphyllobothrium spp. O desenvolvimento de métodos
moleculares veio permitir ultrapassar as dificuldades existentes na identificação das
espécies e obter mais informações relativas à epidemiologia e patogénese deste parasita, no
entanto existem ainda muitos aspetos por compreender.
A difilobotriose representa atualmente um problema de saúde pública, pelo que é
fundamental adotar medidas de prevenção e controlo eficazes.
Palavras-chave: Difilobotriose, Diphyllobothrium spp., Reemergência, Peixe cru
Epidemiologia, patogénese, clínica, imunologia, tratamento
e prevenção da Difilobotriose – novos tempos, “nova doença”
VIII MAC Abstract
102 Ana Filipa Fangueiro Duarte
Abstract
Diphyllobothriosis is a zoonosis caused by the adult parasite (tapeworm) of the
genus Diphyllobothrium. Humans are infected through the ingestion of raw or undercooked
fish meat infested with plerocercoids (larvae stage) of Diphyllobothrium spp.
The clinical manifestations of diphyllobothriosis are mild and in most cases the
infected individuals are asymptomatic, so this parasitic infection has been neglected over
the years. However, recently there has been a reemergence of diphyllobothriosis in several
regions worldwide, contrasting with the decline that occured in the last decades in
historically endemic areas. This reemergence is mainly due to the growing popularity of
raw fish consumption, especially in the developed countries.
The diagnosis of diphyllobothriosis is based mainly on the microscopic observation
of morphological characteristics of the parasite, although it does not allow a reliable
identification of the different species of Diphyllobothrium spp. The development of
molecular methods has made it possible to overcome the difficulties in the identification of
species and has provided more data on the epidemiology and pathogenesis of this parasite,
nevertheless there are still many aspects to be understood.
Diphyllobothriosis currently represents a public health problem, thus the
improvement of effective prevention and control measures is therefore crutial.
Keywords: Diphyllobothriosis, Diphyllobothrium spp., Reemergence, Raw fish
Epidemiologia, patogénese, clínica, imunologia, tratamento
e prevenção da Difilobotriose – novos tempos, “nova doença”
VIII MAC Objetivos
Ana Filipa Fangueiro Duarte 103
Objetivos
O presente trabalho tem como objetivo fazer uma revisão e avaliação da situação
epidemiológica das infeções por Diphyllobothrium spp. a nível mundial, procurando
entender como a patogénese e imunologia vão influenciar a clínica dos indivíduos
infetados.
São ainda objetivos do trabalho analisar os métodos de diagnóstico e os fármacos
utilizados no tratamento desta parasitose, bem como destacar abordagens eficazes de
prevenção e controlo da infeção.
Epidemiologia, patogénese, clínica, imunologia, tratamento
e prevenção da Difilobotriose – novos tempos, “nova doença”
VIII MAC Material e Métodos
104 Ana Filipa Fangueiro Duarte
Material e Métodos
A elaboração do presente trabalho teve como base a análise, interpretação e síntese
de vários artigos científicos originais e de revisão, bem como a consulta de páginas na
internet, publicados no período compreendido entre 1977 e 2017.
Para o ato de pesquisa foram utilizadas palavras-chave como, Diphyllobothriosis,
Diphyllobothrium Review, Diphyllobothrium latum, Diphyllobothrium nihonkaiense,
Diphyllobothrium dendriticum e Diphyllobothrium pacificum.
As fontes para a obtenção de bibliografia foram a plataforma Pubmed
(www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/) e ainda as páginas referentes ao CDC (www.cdc.gov) e
WHO (http://www.who.int/en/). A pesquisa foi realizada no período compreendido entre o
dia 15 de Março de 2016 e 2 de Outubro de 2017.
Epidemiologia, patogénese, clínica, imunologia, tratamento
e prevenção da Difilobotriose – novos tempos, “nova doença”
VIII MAC Introdução
Ana Filipa Fangueiro Duarte 105
1. Introdução
A difilobotriose é uma zoonose1 causada pelo parasita adulto do género
Diphyllobothrium. (1) O género Diphyllobothrium pertence à classe dos cestodes, parasitas
segmentados com o corpo achatado em forma de fita, frequentemente designados de ténias.
Atualmente existem mais de 50 espécies de Diphyllobothrium spp. consideradas válidas,
mas destas apenas 15 foram reportadas em humanos, sendo a principal o D. latum. Apesar
de durante muitos anos a maioria dos casos de difilobotriose no Homem ter sido atribuída
ao D. latum, hoje sabe-se que existem três outras espécies importantes: D. nihonkaiense,
D. dendriticum e D. pacificum. (1,2)
As espécies do género Diphyllobothrium possuem um ciclo de vida complexo,
envolvendo copépodes e peixes como hospedeiros intermediários e o Homem, outros
mamíferos e aves como hospedeiro definitivo. A infeção no Homem resulta da ingestão de
peixe cru ou insuficientemente cozinhado infetado com plerocercóides (forma larvar) de
Diphyllobothrium spp., pelo que este parasita é vulgarmente denominado de ténia do peixe.
Após a ingestão do peixe infetado, os plerocercóides fixam-se no intestino delgado e
transformam-se rapidamente em parasitas adultos, que podem atingir até 25 metros de
comprimento. (1,3,4) Apesar da grande dimensão que este parasita pode atingir, geralmente
a infeção por Diphyllobothrium spp. provoca apenas sintomas ligeiros (diarreia,
desconforto abdominal), sendo que na maior parte dos casos os indivíduos infetados são
assintomáticos, razão pela qual a difilobotriose tem sido negligenciada ao longo dos
anos.(1,3)
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), no início da década de 70
existiam aproximadamente 9 milhões de casos de difilobotriose em todo o mundo (5).
Dados mais recentes indicam que atualmente cerca de 20 milhões de pessoas poderão estar
infetadas com Diphyllobothrium spp., contudo esta estimativa não é exata, uma vez que a
difilobotriose é considerada uma doença ligeira e por isso não é sistematicamente
reportada.(1,3)
Nas últimas décadas vinha a ser verificado um declínio acentuado dos casos de
difilobotriose em diversas áreas endémicas. No entanto, contrariamente a essa tendência, o
número de casos tem vindo a aumentar noutras regiões, verificando-se assim uma recente
1 Doença transmitida naturalmente entre animais vertebrados e o Homem
Epidemiologia, patogénese, clínica, imunologia, tratamento
e prevenção da Difilobotriose – novos tempos, “nova doença”
VIII MAC Introdução
106 Ana Filipa Fangueiro Duarte
reemergência da difilobotriose. A crescente popularidade do consumo peixe cru em pratos
como sushi, sashimi, ceviche ou carpaccio, que se verifica principalmente nos países
desenvolvidos, é apontada como o principal fator para esta reemergência. (1,3,6)
A crescente utilização e aplicação de métodos moleculares veio facilitar o
diagnóstico da difilobotriose e permitir a obtenção de informação valiosa acerca deste
parasita. Contudo, existem ainda muitos aspetos da taxonomia, patogénese e epidemiologia
de Diphyllobothrium spp. que continuam por compreender.
A recente reemergência da difilobotriose vem assim realçar a importância desta
doença que, apesar de considerada ligeira, constitui um problema de saúde pública que não
deve ser negligenciado. (1,3)
Epidemiologia, patogénese, clínica, imunologia, tratamento
e prevenção da Difilobotriose – novos tempos, “nova doença”
VIII MAC Género Diphyllobothrium
Ana Filipa Fangueiro Duarte 107
2. Género Diphyllobothrium
2.1. Perspetiva Histórica
A difilobotriose é uma parasitose que acompanha o Homem desde a antiguidade,
sendo vários os estudos publicados que mostram que o Diphyllobothrium spp. coevoluiu
com o ser humano por muitos milhares de anos, influenciado pelos seus hábitos
alimentares, pelas diferenças culturais e, por vezes, por alterações climáticas. (7)
O conhecimento atual acerca do género Diphyllobothrium indica que este parasita
tem coabitado com o Homem ao longo de milhares de anos, pelo menos desde a fase inicial
do período Neolítico. A evidência da existência de Diphyllobothrium spp. no passado
baseia-se na recuperação de ovos preservados deste parasita em amostras arqueológicas de
fezes humanas e de animais. (7)
A primeira descoberta arqueológica de Diphyllobothrium spp. ocorreu na Prússia
em 1944 e remonta ao século V depois de Cristo (d.C.). Desde então, foram recuperados
ovos de Diphyllobothrium spp. em amostras provenientes de inúmeros locais
arqueológicos, tanto no Velho Mundo2 como no Novo Mundo3. (6,7) Atualmente, a
ocorrência mais antiga de Diphyllobothrium spp. no Velho Mundo da qual existe
conhecimento, data do período de 7600-7500 antes de Cristo (a.C.), no Chipre. Já no
continente Americano, a descoberta da presença deste parasita em amostras que datam de
aproximadamente 8000 a.C., no Peru, constitui a evidência mais antiga. (7)
Um dos principais marcos na história da difilobotriose ocorreu em 1758, quando C.
Linnaeus descreveu a ténia do peixe em humanos e designou esta espécie de Taenia lata
(hoje em dia reconhecida como Diphyllobothrium latum). No entanto, a descrição deste
parasita tinha já sido feita pela primeira vez por Dunus e Wolpius, em 1592 (2,3,6). Apesar
disso, o ciclo de vida do Diphyllobothrium latum só veio a ser esclarecido em 1917 por
Janicki e Rosen, após a descoberta do papel dos copépodes como primeiro hospedeiro
intermediário. (1,3) Na tabela seguinte estão representados alguns dos marcos mais
importantes na história da difilobotriose.
2 Termo utilizado em contexto histórico para designar os continentes Europeu, Asiático e Africano,
a parte do mundo conhecida antes da descoberta da América. 3 Termo utilizado para designar o continente Americano.
Epidemiologia, patogénese, clínica, imunologia, tratamento
e prevenção da Difilobotriose – novos tempos, “nova doença”
VIII MAC Género Diphyllobothrium
108 Ana Filipa Fangueiro Duarte
Tabela 7 - Principais marcos na história da difilobotriose
Adaptado de: (3,6)
Ano / Período Acontecimento
1592 Primeira descrição reconhecível de D. latum, por Dunus e Wolpius
1747 Reconhecimento da ligação entre o parasita e o peixe, por Spöring
1758 Descrição do parasita e atribuição do nome Taenia lata à espécie, por
Linnaeus
1819 Primeira descrição científica de D. latum (como Bothriocephalus latus)
Final do século
XIX
Elucidação da transmissão ao Homem através do consumo de peixe
infetado
1917 Elucidação do ciclo de vida de D. latum (descoberta do papel dos copépodes
como primeiro hospedeiro intermediário), por Janicki e Rosen
1944 Primeira descoberta arqueológica de Diphyllobothrium spp., por Szidat
Embora a ténia do peixe seja reconhecida desde há muito tempo como um parasita
causador de infeção no Homem, a sua história ainda não é totalmente conhecida. Assim,
são necessários mais estudos, nomeadamente estudos moleculares, para que seja possível
esclarecer a evolução do Diphyllobothrium spp. (7)
2.2. Taxonomia e Principais Espécies Causadoras de Infeção no
Homem
Desde que Linnaeus atribuiu o nome Taenia lata a este parasita, muitas espécies do
género Diphyllobothrium foram descritas. No entanto, a taxonomia deste grupo de parasitas
constituiu desde sempre um problema, uma vez que as relações filogenéticas entre as várias
espécies ainda não são bem conhecidas. A composição taxonómica do género
Diphyllobothrium tem, por isso, sofrido várias alterações ao longo dos anos, assim como
as opiniões acerca da validade das diferentes espécies descritas. (1,3)
O género Diphyllobothrium pertence ao Filo Platyhelminthes, Classe Cestoda,
Ordem Diphyllobothriidea e Família Diphyllobothriidae. (8,9) Durante muito tempo, este
cestode pertenceu à ordem Pseudophyllidea, no entanto dados recentes mostram que esta
ordem era composta por dois grupos que não estavam filogeneticamente relacionados, pelo
que em 2008 foi eliminada, tendo sido propostas duas novas ordens que são atualmente
aceites: Diphylobothriidea e Bothriocephalidea. (1,10)
Epidemiologia, patogénese, clínica, imunologia, tratamento
e prevenção da Difilobotriose – novos tempos, “nova doença”
VIII MAC Género Diphyllobothrium
Ana Filipa Fangueiro Duarte 109
Atualmente existem mais de 50 espécies de Diphyllobothrium spp. consideradas
válidas, mas destas apenas 15 foram reportadas em humanos. (2,3) A crescente utilização
de métodos moleculares para a caracterização genética deste parasita tem permitido
ultrapassar as dificuldades que existiam na identificação e distinção das diferentes espécies,
causadas pelas semelhanças morfológicas entre estas, uma vez que estes métodos permitem
identificar as espécies de forma fiável e correta, facilitando assim o diagnóstico. (1,3)
Na tabela 8 são apresentadas as 15 espécies válidas de Diphyllobothrium spp.
atualmente descritas em humanos, bem como uma estimativa do número de casos existentes
para cada uma delas, de acordo com um artigo de revisão realizado por Scholz e Kuchta
em 2016. (2)
Tabela 8 - Espécies de Diphyllobothrium spp. válidas reportadas no Homem e respetivo número de casos
Adaptado de: (2)
Espécie Número de Casos
Diphyllobothrium alascense
1
Diphyllobothrium cameroni 1 (incerto)
Diphyllobothrium cordatum 1
Diphyllobothrium dalliae “Frequentes”
Diphyllobothrium dendriticum ≈1000
Diphyllobothrium elegans 1 (incerto)
Diphyllobothrium hians 2 (incerto)
Diphyllobothrium lanceolatum 1 (incerto)
Diphyllobothrium latum ≈20 Milhões
Diphyllobothrium nihonkaiense ≈2000
Diphyllobothrium orcini 2
Diphyllobothrium pacificum 1000
Diphyllobothrium scoticum 1 (incerto)
Diphyllobothrium stemmacephalum 24
Diphyllobothrium ursi 11
Os problemas existentes na identificação das espécies de Diphyllobothrium spp.,
bem como o facto de a composição taxonómica deste género não se encontrar totalmente
definida, resultaram num elevado número de registos duvidosos e de outros provavelmente
incorretos, dado que durante muito tempo a maior parte dos casos de difilobotriose no
Homem foi atribuída ao Diphyllobothrium latum. (2,3,11)
O Diphyllobothrium latum é a principal espécie causadora de infeção no Homem,
contudo existem três outras espécies importantes e que estão na origem de um grande
número de casos de difilobotriose: Diphyllobothrium nihonkaiense, Diphyllobothrium
Epidemiologia, patogénese, clínica, imunologia, tratamento
e prevenção da Difilobotriose – novos tempos, “nova doença”
VIII MAC Género Diphyllobothrium
110 Ana Filipa Fangueiro Duarte
dendriticum e Diphyllobothrium pacificum (também denominado Adenocephalus
pacificus). (1,2) Uma vez que estas são as espécies de Diphyllobothrium com maior
relevância no Homem, o presente trabalho centrar-se-á apenas nelas.
2.3. Morfologia
Os cestodes, classe na qual se insere o Diphyllobothrium spp., são parasitas de corpo
segmentado e achatado, em forma de fita. Estes parasitas são hermafroditas, pelo que cada
um dos seus segmentos possui órgãos reprodutores masculinos e femininos. Por outro lado,
apresentam um sistema excretor primitivo, absorvendo os nutrientes e excretando os
produtos de degradação através da sua membrana externa, o tegumento. (8,12)
O ciclo de vida normal dos cestodes engloba três formas morfológicas: ovo, formas
larvares e parasita adulto. (12)
2.3.1. Parasita Adulto
As ténias do género Diphyllobothrium estão entre os maiores parasitas que infetam
o Homem, medindo desde vários centímetros até 15 metros de comprimento consoante a
espécie, mas podendo atingir até 25m. À semelhança dos restantes cestodes, o corpo do
parasita adulto de Diphyllobothrium spp. (figura 25)
é composto por três partes distintas: escólex, colo e
estróbilo. (1,3,8)
O escólex (figura 26) consiste na terminação
anterior do parasita, que permite que este se fixe à
parede intestinal do hospedeiro. Apresenta uma
forma alongada e possui dois sulcos, um na
superfície dorsal e outro na ventral, que se
denominam bótrios e que atuam como ventosas,
permitindo a fixação do parasita. (1,8)
O colo (ou pescoço), a zona imediatamente
posterior ao escólex, é geralmente a parte mais
estreita do parasita. Corresponde a uma região germinativa, a partir da qual são gerados
novos segmentos que se denominam proglótis. À medida que vão sendo formadas novas
proglótis, estas “empurram” as mais velhas para uma zona posterior, formando assim uma
cadeia de proglótis, que se designa estróbilo (figura 26). O estróbilo dos parasitas do género
Figura 25 - Representação do parasita adulto
de Diphyllobothrium spp.
Adaptado de: (8)
Epidemiologia, patogénese, clínica, imunologia, tratamento
e prevenção da Difilobotriose – novos tempos, “nova doença”
VIII MAC Género Diphyllobothrium
Ana Filipa Fangueiro Duarte 111
Diphyllobothrium é constituído por um grande número de proglótis, geralmente entre 2000
e 4000. (1,13)
Como referido, cada proglótis possui órgãos reprodutores masculinos e femininos,
que se vão desenvolvendo progressivamente à medida que estas se encontram em zonas
posteriores do estróbilo. Assim, é possível dividir o estróbilo em três regiões, de acordo
com a maturidade do sistema reprodutor das proglótis: proglótis imaturas, maduras e
grávidas. (13)
As proglótis maduras e grávidas têm uma maior dimensão em largura do que em
comprimento, com os principais órgãos reprodutores localizados na região central. (14) O
sistema reprodutor masculino é composto por inúmeros testículos (figura 27) com uma
forma redonda a oval, que se localizam lateralmente. De cada testículo surge um vaso
eferente que se liga a um ducto comum (vaso deferente), que forma na sua extremidade
distal uma vesícula seminal. Esta vesícula seminal termina na bolsa do cirro (figura 27), a
estrutura muscular que contém o cirro, o órgão copulatório. (1) O sistema reprodutor
feminino tem como principais órgãos um ovário bilobado localizado na porção posterior
da proglótis, e o útero, que abre para o exterior através do poro uterino (figura 27). Na zona
lateral da proglótis existem ainda as glândulas vitelinas, que são compostas por diversos
folículos. (1,13)
As proglótis grávidas encontram-se na terminação posterior do estróbilo e
apresentam um útero bem desenvolvido, que assume uma configuração característica em
roseta (figura 27). Nestas proglótis, o útero encontra-se repleto de ovos, que são depois
libertados através do poro uterino. (14)
Figura 26 - Escólex (esquerda) e estróbilo (direita) de Diphyllobothrium spp.
Adaptado de: (4)
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e prevenção da Difilobotriose – novos tempos, “nova doença”
VIII MAC Género Diphyllobothrium
112 Ana Filipa Fangueiro Duarte
2.3.2. Ovo
O ovo dos cestodes consiste num embrião que se denomina oncosfera ou embrião
hexacanto, uma vez que possui seis ganchos ou acúleos (agrupados aos pares). A oncosfera
encontra-se envolvida por três membranas, o invólucro interior, o embrióforo e o invólucro
exterior. Por fim, a casca (ou cápsula) constitui a camada mais externa do ovo. (8,13)
No caso particular do ovo de Diphyllobothrium spp., a oncosfera é envolvida por
um embrióforo ciliado, sendo que a este embrião ciliado é dado o nome de coracídio (figura
28b). (13) Os ovos de Diphyllobothrium spp. têm uma forma oval, possuem um opérculo
numa das extremidades e, na extremidade oposta, apresentam uma pequena protuberância
(figura 28a). As suas dimensões são variáveis, podendo medir entre 55-75 μm de
comprimento e 40-55 μm de largura, de acordo com a espécie. (12) Contudo, mesmo dentro
da mesma espécie existe uma grande variabilidade de dimensões, dependendo das espécies
dos hospedeiros e da intensidade da infeção. (1,3)
Quando os ovos de Diphyllobothrium spp. são libertados contêm um embrião
imaturo rodeado de células vitelinas (figura 28a), e não um embrião hexacanto, que só se
forma mais tarde. (1,8)
Figura 27 - Proglótis de Diphyllobothrium spp.
Legenda: cs – saco do cirro; ov – ovário; t – testículos; u – útero; up – poro uterino; v – glândulas vitelinas.
Adaptado de: (1)
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VIII MAC Género Diphyllobothrium
Ana Filipa Fangueiro Duarte 113
2.3.3. Formas Larvares
No ciclo de vida do Diphyllobothrium spp. existem três formas larvares: coracídio,
procercóide e plerocercóide, representadas na figura 29. (8)
O coracídio constitui o primeiro estado larvar e, como referido, consiste num
embrião ciliado que eclode a partir do ovo. Quanto aos procercóides (segundo estado
larvar) e plerocercóides (terceiro estado larvar), a informação relativa à sua morfologia é
limitada, uma vez que estas formas larvares se desenvolvem nos hospedeiros intermediários
do ciclo de vida do Diphyllobothrium spp. (copépodes e peixes de água doce,
respetivamente), tal como será explicado posteriormente no capítulo referente à
patogénese.
Os procercóides medem aproximadamente 500 μm de comprimento e apresentam
uma forma alongada e globular. Estas formas larvares possuem um apêndice na região
posterior, denominado cercómero, que contém os seis ganchos ou acúleos. (8,13) Nesta
fase do desenvolvimento, ainda não apresentam na sua terminação anterior um escólex
totalmente formado. (1)
Figura 28 - Estrutura do ovo de Diphyllobothrium spp. (a) Ovo com embrião imaturo. (b) Ovo
embrionado.
Adaptado de: (12,13)
Figura 29 - Formas larvares de Diphyllobothrium spp.
Adaptado de: (13)
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VIII MAC Género Diphyllobothrium
114 Ana Filipa Fangueiro Duarte
Os plerocercóides (figura 30) têm cerca de 1 a 2 cm de comprimento, possuem um
escólex totalmente desenvolvido e apresentam vilosidades especializadas à superfície do
tegumento. (8,13) A identificação morfológica dos plerocercóides é complicada, no entanto
existem características morfológicas que diferem de espécie para espécie e que podem ser
utilizadas para identificar algumas espécies de Diphyllobothrium. Entre estas
características estão o tamanho e forma do corpo destas formas larvares, a presença ou
ausência de pregas no corpo, o grau de retração do escólex e o comprimento e densidade
das vilosidades. (1,3)
Figura 30 - Plerocercóides de D. latum, D. dendriticum e D. pacificum, respetivamente
Adaptado de: (1,3)
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VIII MAC Patogénese
Ana Filipa Fangueiro Duarte 115
3. Patogénese
O ciclo de vida do Diphyllobothrium spp. foi esclarecido em 1917 por Janicki e
Rosen, após infetarem experimentalmente copépodes com coracídios de Diphyllobothrium
latum. (2) Este ciclo de vida é relativamente complexo, uma vez que envolve três
hospedeiros, um definitivo e dois intermediários. (1,12)
O hospedeiro definitivo corresponde ao organismo onde a forma adulta do parasite
vive, atinge a maturidade sexual e se reproduz. As espécies do género Diphyllobothrium
apresentam uma grande variedade de hospedeiros definitivos, entre os quais o Homem e
muitos outros mamíferos terrestres, mamíferos marinhos e ainda aves que se alimentam de
peixes. (3,8)
O hospedeiro intermediário é o organismo no qual a forma larvar do parasita vive,
sendo fundamental para o desenvolvimento deste. No ciclo de vida do Diphyllobothrium
spp., são necessários dois hospedeiros intermediários para o desenvolvimento das suas
formas larvares. Os copépodes (pequenos crustáceos) constituem o primeiro hospedeiro
intermediário, enquanto diversas espécies de peixes atuam como segundo hospedeiro
intermediário. (8,13)
O ciclo de vida do Diphyllobothrium spp. no Homem encontra-se representado na
figura 31. O parasita adulto vive no intestino delgado do hospedeiro definitivo e liberta
ovos imaturos para o lúmen intestinal deste através do poro uterino, ovos esses que saem
para o ambiente externo juntamente com as fezes. Ao entrarem em contacto com a água,
os ovos continuam a sua maturação durante cerca de 18 a 20 dias, dando origem a uma
oncosfera ciliada, o coracídio, que constitui o primeiro estado larvar do Diphyllobothrium
spp. (1,4,8)
O coracídio eclode através do opérculo do ovo e nada na água, atraindo os primeiros
hospedeiros intermediários, os copépodes. Após ser ingerido por um copépode, o coracídio
liberta-se do embrióforo ciliado e penetra a parede intestinal do crustáceo, alojando-se na
sua cavidade corporal (hemocélio). O coracídio continua o seu crescimento e em cerca de
2 a 3 semanas transforma-se numa larva procercóide, que constitui o segundo estado larvar
deste ciclo de vida. (1,8,13)
Quando o copépode infetado é ingerido por um segundo hospedeiro intermediário
adequado, normalmente pequenos peixes de água doce, peixes anádromos (vivem no mar
Epidemiologia, patogénese, clínica, imunologia, tratamento
e prevenção da Difilobotriose – novos tempos, “nova doença”
VIII MAC Patogénese
116 Ana Filipa Fangueiro Duarte
e migram para os rios com o objetivo de se reproduzirem) e, nalguns casos, peixes
marinhos, a larva procercóide penetra na parede intestinal do hospedeiro e migra para o
tecido muscular, continuando o seu desenvolvimento e transformando-se numa larva
plerocercóide (terceiro estado larvar). O local de desenvolvimento destas larvas pode ser
diferente consoante a espécie do peixe sendo que, para além do tecido muscular, os
plerocercóides podem estar localizados em praticamente qualquer órgão ou à superfície
destes, ou ainda livres na cavidade abdominal. Num único peixe podem estar presentes
vários plerocercóides. (1,3,4)
As larvas plerocercóides constituem a fase infeciosa para o Homem e para os
restantes hospedeiros definitivos. No entanto, habitualmente o Homem não consome os
pequenos peixes que atuam como segundo hospedeiro intermediário, pelo que estes não
representam uma fonte importante de infeção. Contudo, estes pequenos peixes podem ser
ingeridos por outras espécies de peixes de maiores dimensões, que ficam assim infetados
devido à migração das larvas plerocercóides para o seu tecido muscular. Ao consumir estes
peixes crus ou mal cozinhados, o Homem pode adquirir a infeção, uma vez que ocorre a
libertação dos plerocercóides, que se irão desenvolver e continuar o ciclo de vida. (4,12)
Figura 31 - Ciclo de vida de Diphyllobothrium spp. no Homem
Adaptado de: (4)
Epidemiologia, patogénese, clínica, imunologia, tratamento
e prevenção da Difilobotriose – novos tempos, “nova doença”
VIII MAC Patogénese
Ana Filipa Fangueiro Duarte 117
Após a ingestão do peixe infetado, as larvas plerocercóides fixam-se na mucosa
intestinal (geralmente no íleo, mas por vezes no jejuno) do hospedeiro definitivo através
dos bótrios existentes no escólex, e transformam-se rapidamente em parasitas adultos. O
parasita atinge a maturidade cerca de 5 a 6 semanas após a infeção e as proglótis começam
a libertar ovos imaturos que saem depois juntamente com as fezes do hospedeiro, dando
assim início a um novo ciclo de vida. A longevidade do parasita adulto no intestino do
hospedeiro definitivo é variável, sendo que este pode viver durante 10 ou mais
anos.(4,8,13)
3.1. Hospedeiro Definitivo
As espécies do género Diphyllobothrium apresentam um vasto espectro de
hospedeiros definitivos, entre os quais se incluem: o Homem; mamíferos terrestres como o
cão, animais selvagens pertencentes à família dos canídeos e dos felídeos, e o urso;
mamíferos marinhos, como o lobo-marinho e o leão-marinho; e ainda aves que se
alimentam de peixes. (1,2)
No que diz respeito às espécies Diphyllobothrium latum e Diphyllobothrium
nihonkaiense, o Homem constitui o seu hospedeiro definitivo principal. Já no caso do
Diphyllobothrium dendriticum, esta espécie é normalmente encontrada em aves que se
alimentam de peixes, sendo que o hospedeiro definitivo principal é a gaivota. Quanto ao
Diphyllobothrium pacificum, os hospedeiros definitivos mais comuns são os lobos-
marinhos e leões-marinhos, sendo que o Homem surge como um hospedeiro definitivo
acidental. (2,11,15,16) Na tabela seguinte são apresentados os hospedeiros definitivos
conhecidos para cada uma das quatro principais espécies causadoras de difilobotriose no
Homem.
Epidemiologia, patogénese, clínica, imunologia, tratamento
e prevenção da Difilobotriose – novos tempos, “nova doença”
VIII MAC Patogénese
118 Ana Filipa Fangueiro Duarte
Tabela 9 - Hospedeiros definitivos de D. latum, D. nihonkaiense, D. dendriticum e D. pacificum
Adaptado de: (2,16)
Espécie
Hospedeiros Definitivos
Hospedeiro
Principal Hospedeiros Comuns
Hospedeiros
Acidentais
D. latum Homem
- Cão
- Espécies selvagens das
famílias dos canídeos e
felídeos
-
D. nihonkaiense Homem
- Urso
- Cão
- Raposa
- Porco
-
D. dendriticum Gaivota
- Outras aves que se
alimentam de peixes
- Homem
- Espécies da família dos
canídeos
- Urso
-
D. pacificum Lobo-marinho das
Ilhas Juan Fernández
- Outras espécies de lobos-
marinhos e leões-marinhos
- Homem
- Cão e outras espécies da
família dos canídeos
Esta baixa especificidade das espécies de Diphyllobothrium relativamente ao
hospedeiro definitivo leva a que, ocasionalmente, ocorram infeções no Homem causadas
por espécies de Diphyllobothrium que por natureza têm como hospedeiro definitivo outros
animais (mamíferos terrestres, aves que se alimentam de peixes, ou mamíferos marinhos).
O Homem surge assim como um hospedeiro definitivo acidental destas espécies, como
acontece com o D. pacificum. Para além disso, a grande variedade de hospedeiros pode
constituir um dos fatores que contribui para a perpetuação de uma ou mais espécies de
Diphyllobothrium numa determinada população ou região. (1)
3.2. Hospedeiros Intermediários
3.2.1. Primeiro Hospedeiro Intermediário
Os copépodes são um grupo de crustáceos que se encontra largamente distribuído
por águas doces e salgadas, constituindo a base de muitas cadeias alimentares marinhas.
Atualmente são conhecidas cerca de 40 espécies de copépodes, principalmente
pertencentes aos géneros Cyclops e Diaptomus, que atuam como primeiro hospedeiro
intermediário de diferentes espécies de Diphyllobothrium. Estas espécies pertencem a
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e prevenção da Difilobotriose – novos tempos, “nova doença”
VIII MAC Patogénese
Ana Filipa Fangueiro Duarte 119
diferentes famílias (Diaptomidae, Centropagidae, Cyclopidae e Temoridae) e são
copépodes de água doce. (1,3)
Contudo, até à data ainda não existem dados acerca dos primeiros hospedeiros
intermediários de D. pacificum. Dado que os seus principais hospedeiros definitivos são
mamíferos marinhos, o seu ciclo de vida é seguramente completado no mar, contrariamente
ao que acontece com as outras três principais espécies de Diphyllobothrium no Homem.
Assim, é possível presumir que o D. pacificum utiliza copépodes marinhos como primeiro
hospedeiro intermediário. (17)
3.2.2. Segundo Hospedeiro Intermediário
Existem diversas espécies de peixes que atuam como segundo hospedeiro
intermediário de Diphyllobothrium spp. e que, quando ingeridas cruas ou mal cozinhadas,
podem provocar infeção no Homem. Estas espécies são essencialmente peixes de água
doce, mas também peixes anádromos.
O Diphyllobothrium latum utiliza como segundo hospedeiro intermediário vários
peixes de água doce, sendo que as principais fontes de infeção para o Homem são a perca
europeia (Perca fluviatilis), o lúcio (Esox lucius) e a lota-do-rio (Lota lota) e, menos
frequentemente, o picão-verde (Sander vitreus), a perca-americana (Perca flavescens) e a
perca “goujonnière” (Gymnocephalus cernuus). (2)
Já no caso das espécies D. nihonkaiense e D. dendriticum, os principais segundos
hospedeiros intermediários são peixes anádromos da família dos salmonídeos. O D.
nihonkaiense é principalmente transmitido ao Homem pelos salmões do género
Oncorhynchus spp., designados de salmões do Pacífico (salmão japonês – O. masou;
salmão-cão - O. keta; salmão rosa - O. gorbuscha; salmão vermelho – O. nerka) e pela
espécie Hucho perryi, pertencente à família dos salmonídeos. Embora mais raramente, o
D. nihonkaiense pode também ser transmitido por outras espécies da família dos
salmonídeos (Salvelinus leucomaenis e Hucho taimen). (1,2) O D. dendriticum, por sua
vez, foi já reportado em mais de 50 espécies pertencentes a 12 famílias de peixes de água
doce e peixes anádromos, no entanto os seus principais segundos hospedeiros
intermediários são os salmonídeos, de entre os quais se destacam os coregonos (Coregonus
spp.). (2,11)
Embora atualmente exista já muita informação acerca da importância dos peixes de
água doce e dos peixes anádromos no ciclo de vida de muitas espécies de
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e prevenção da Difilobotriose – novos tempos, “nova doença”
VIII MAC Patogénese
120 Ana Filipa Fangueiro Duarte
Diphyllobothrium, ainda pouco se sabe acerca do papel das espécies de peixes marinhos na
transmissão da difilobotriose ao Homem. Como referido anteriormente, o
Diphyllobothrium pacificum completa o seu ciclo de vida no mar e, apesar de diversas
espécies de peixes marinhos terem já sido reportadas como potenciais segundos
hospedeiros intermediários de D. pacificum, o seu espectro completo de hospedeiros ainda
não é totalmente conhecido. (1,2,17) De acordo com um artigo realizado por Kuchta et. al
em 2015, até à data foram encontrados plerocercóides de D. pacificum em 21 espécies de
peixes marinhos pertencentes a 12 famílias filogeneticamente não relacionadas. (17)
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e prevenção da Difilobotriose – novos tempos, “nova doença”
VIII MAC Manifestações Clínicas
Ana Filipa Fangueiro Duarte 121
4. Manifestações Clínicas
Como referido anteriormente, a forma adulta de Diphyllobothrium spp. vive no
intestino delgado do Homem, geralmente no íleo. Este parasita pode atingir grandes
dimensões, pelo que a sua presença no intestino do hospedeiro provoca efeitos de natureza
mecânica. Contudo, na maior parte dos casos a infeção causada por Diphyllobothrium spp.
é assintomática. (1,3)
A patogenicidade da difilobotriose depende assim de vários fatores, como o número
de parasitas presente no intestino, o tipo e a quantidade de subprodutos produzidos pelo
parasita bem como a reação do hospedeiro a esses mesmos subprodutos, e ainda a privação
de alguns metabolitos essenciais para o hospedeiro que são absorvidos pelo parasita. (8,14)
As manifestações clínicas da difilobotriose ocorrem em apenas cerca de 20% dos
casos, tendo como principais sintomas diarreia e dor ou desconforto abdominal. Outros
sintomas como fadiga, obstipação, cefaleias, astenia, perda de peso e por vezes reações
alérgicas podem também surgir. (1,3,12)
Em casos mais raros poderá ocorrer obstrução intestinal, que resulta normalmente
de infeções de grande intensidade, e ainda colecistite ou colangite, causadas pela migração
de proglótis que se libertam do estróbilo. (1,3)
Quando as infeções são prolongadas ou de grande intensidade, pode desenvolver-
se uma anemia megaloblástica causada pela dissociação do complexo vitamina B12-fator
intrínseco mediada pelo parasita, o que torna a vitamina B12 indisponível para ser absorvida
pelo hospedeiro. (1,3) A vitamina B12 é essencial para a hematopoiese, pelo que o défice
desta vitamina está na origem de alterações hematológicas, como a anemia megaloblástica.
Este tipo de anemia tem como principal mecanismo fisiopatológico a diminuição da
absorção intestinal da vitamina B12, que na maior parte das vezes se deve a uma produção
deficiente de fator intrínseco, sendo que nestes casos a anemia é designada de anemia
perniciosa. O fator intrínseco é essencial para a absorção da vitamina B12, uma vez que
forma um complexo estável com esta vitamina, o que permite que a mesma seja absorvida
ao nível do íleo. Na infeção por Diphyllobothrium spp., a dissociação do complexo
vitamina B12-fator intrínseco faz com que a vitamina B12 não possa ser absorvida, podendo
assim desenvolver-se uma anemia que simula a anemia perniciosa. (18) Um outro fator que
parece contribuir para o desenvolvimento de anemia megaloblástica é a localização do
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e prevenção da Difilobotriose – novos tempos, “nova doença”
VIII MAC Manifestações Clínicas
122 Ana Filipa Fangueiro Duarte
parasita no intestino. O parasita adulto de Diphyllobothrium spp. vive normalmente no íleo,
mas quando se fixa no jejuno compete de forma mais eficaz pela vitamina B12, aumentando
assim a probabilidade de o indivíduo infetado desenvolver uma anemia
megaloblástica.(13,18)
Este quadro clínico de anemia megaloblástica era frequentemente encontrado na
região da Finlândia após a Segunda Guerra Mundial, onde alguns dos seus habitantes
parecem ter uma predisposição genética para desenvolver anemia perniciosa. Contudo,
atualmente estes casos são raros, o que se deve em grande parte à melhor nutrição da
população e à melhoria no tratamento da infeção. (1,14,18)
Cerca de 40% dos indivíduos infetados com D. latum apresenta valores diminuídos
de vitamina B12, mas apenas 2% desenvolve anemia megaloblástica. Contrariamente, nas
infeções causadas por D. pacificum não existe normalmente uma associação a défices de
vitamina B12 ou ao desenvolvimento de anemia megaloblástica. (1,3,18) Num estudo
realizado por Jimenez et. al em 2012 (18) que incluiu 20 indivíduos infetados com D.
pacificum, apenas 1 apresentou níveis diminuídos de vitamina B12 e desenvolveu uma
anemia megaloblástica moderada. Segundo os autores deste estudo, a maior dimensão do
D. latum relativamente ao D. pacificum (parasita adulto normalmente inferior a 1 metro de
comprimento) pode constituir um dos fatores que contribuem para o facto de os indivíduos
infetados com D. pacificum raramente apresentarem défice de vitamina B12 ou anemia
megaloblástica, uma vez que existe uma maior competição do parasita com o hospedeiro
pelos nutrientes, nomeadamente a vitamina B12. (18)
Em casos de anemia severa os doentes podem apresentar sinais e sintomas de danos
neurológicos, como astenia, parestesias e dificuldade de movimento e coordenação motora.
Estas manifestações clínicas são revertidas com o tratamento da anemia e não reaparecem
após o tratamento da infeção. (1,14)
Como referido, na maior parte dos casos de difilobotriose os indivíduos são
assintomáticos. Assim, muitas vezes a única evidência da ocorrência de infeção é a
evacuação de proglótis. À medida que se soltam do estróbilo, as proglótis são expelidas em
cadeia juntamente com as fezes, o que pode causar um impacto emocional significativo nos
indivíduos infetados, já que estas cadeias de proglótis são normalmente evacuadas durante
um longo período de tempo. (1,3)
Epidemiologia, patogénese, clínica, imunologia, tratamento
e prevenção da Difilobotriose – novos tempos, “nova doença”
VIII MAC Epidemiologia
Ana Filipa Fangueiro Duarte 123
5. Epidemiologia
Segundo a OMS, num relatório publicado em 1979, no início dos anos 70 o número
de casos de difilobotriose no Homem a nível mundial era de aproximadamente 9 milhões,
com 5 desses milhões a ocorrerem na Europa, 4 milhoes na Ásia e 100 mil na América.
(3,5) Dados mais recentes indicam que atualmente cerca de 20 milhões de pessoas estão
infetadas com Diphyllobothrium spp., porém esta estimativa não é exata, dado que não
existem estudos recentes acerca da prevalência global da difilobotriose, o que se deve em
grande parte ao facto de esta patologia ser considerada ligeira e por isso não ser
sistematicamente reportada. (1,3,19)
Apesar da escassez de dados referentes à prevalência da difilobotriose, alguns
estudos mostram que nas últimas décadas houve uma diminuição do número de casos em
diversas áreas endémicas, sobretudo na América do Norte e no norte da Europa. Este
declínio do número de casos resulta, possivelmente, de uma maior sensibilização das
populações para o risco do consumo de peixe cru ou mal cozinhado, e da melhoria das
condições de higiene e saneamento básico. (1,3,6,20,21) Por outro lado, e contrariamente
a esta tendência, tem sido verificada uma reemergência da difilobotriose noutras regiões,
nomeadamente na Rússia, Japão, Coreia do Sul, regiões subalpinas e na América do Sul,
como resultado do aumento do consumo de peixe cru/mal cozinhado que se verifica
atualmente um pouco por todo o mundo, mas principalmente nos países
desenvolvidos.(1,3)
A recente reemergência da difilobotriose em diversas regiões do mundo vem, assim,
enfatizar a importância da correta identificação das espécies de Diphyllobothrium
causadoras de infeção no ser humano e a necessidade de realizar estudos epidemiológicos,
de forma a que seja possível compreender melhor a distribuição geográfica da
difilobotriose e a epidemiologia da infeção. (1,3)
5.1. Distribuição Mundial
A difilobotriose apresenta uma ampla distribuição a nível mundial, no entanto as
infeções no Homem estão geralmente associadas a regiões de águas frias, dado que a maior
parte dos casos foram registados na região paleoártica (abrange a Europa, a Ásia a norte
dos Himalaias, o norte da Península Arábica e o norte de África) e em algumas zonas da
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e prevenção da Difilobotriose – novos tempos, “nova doença”
VIII MAC Epidemiologia
124 Ana Filipa Fangueiro Duarte
América do Norte. A difilobotriose é endémica em algumas regiões da Europa, Ásia e
América do Norte, embora novos focos de infeção estejam a emergir na América do Sul,
em particular no Brasil. (1,3,6,21)
Na Europa, os casos de difilobotriose diminuíram significativamente nas últimas
décadas em áreas historicamente endémicas, como os países Bálticos (Estónia, Letónia,
Lituânia), os países nórdicos e a Polónia. Contrariamente, tem-se verificado uma
reemergência nas regiões supalpinas da França, Itália e Suiça, especialmente nas zonas em
redor de grandes lagos, onde mais de 200 casos foram reportados desde 1987. (1,3,22)
Um estudo realizado por Dupouy-Camet e Peduzzi em 2004 (22) avaliou a situação
da difilobotriose na Europa desde 1980. De acordo com este estudo, países como a Suíça,
Suécia, Finlândia e Estónia registam mais de 10 casos por ano, enquanto noutros países
como a França, Itália e Polónia são reportados entre 2 e 10 casos por ano, como evidenciado
na figura 32. Alguns casos esporádicos foram reportados em países que se considerava não
serem afetados pela difilobotriose, como a Espanha, Áustria e Noruega. (1,3,6,21,22)
Relativamente à situação da difilobotriose em Portugal, não foram encontrados
quaisquer dados na bibliografia disponível. No mapa da figura 32, que representa a
distribuição da difilobotriose na Europa desde 1980 de acordo com o estudo realizado por
Dupouy-Camet e Peduzzi em 2004, Portugal surge como um dos países nos quais não
foram observados ou reportados casos de difilobotriose. (22)
Figura 32 - Distribuição da difilobotriose na Europa desde 1980
Adaptado de: (22)
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e prevenção da Difilobotriose – novos tempos, “nova doença”
VIII MAC Epidemiologia
Ana Filipa Fangueiro Duarte 125
O D. latum é considerado a principal espécie causadora de difilobotriose humana
no continente Europeu, embora o D. dendriticum esteja também presente no norte da
Europa. Apesar de o D. dendriticum se encontrar largamente distribuído nos países do norte
da Europa, não existe registo de casos de difilobotriose humana com origem nesses países,
causados por esta espécie. (1–3) No entanto, recentemente foram reportados casos de
difilobotriose causada por D. dendriticum e também por D. nihonkaiense em países como
a França, Suiça e República Checa. Estes constituem casos de espécies importadas,
atribuídos ao consumo de peixe cru importado de regiões onde estas espécies são
endémicas, já que anteriormente não existiam registos de infeções causadas por D.
dendriticum e D. nihonkaiense nestes países. (1,3,11,23,24)
Existem ainda registos de casos recentes de difilobotriose em Espanha, cujo
diagnóstico molecular confirmou serem causados por D. pacificum. Nestes casos, a fonte
de infeção mais provável é o consumo de algumas espécies de peixe importadas de países
como o Chile ou Equador. (17,25)
A distribuição mundial dos casos de diflobotriose no Homem causada por D. latum
encontra-se representada na figura 33.
Na América do Norte, a principal espécie causadora de difilobotriose é o D. latum,
à semelhança do que acontece na Europa. No período entre 1977 e 1981, as estimativas
apontam para que tenham ocorrido entre 125 e 200 casos, sobretudo na região dos Grandes
Figura 33 - Distribuição mundial dos casos de difilobotriose causada por D. latum. Legenda: círculos
pretos - casos confirmados por métodos moleculares; círculos brancos – casos não confirmados por
métodos moleculares; asteriscos – casos esporádicos.
Adaptado de: (1)
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VIII MAC Epidemiologia
126 Ana Filipa Fangueiro Duarte
Lagos da América do Norte, na região central do Canadá e no Alasca. (1,3) Contudo, nas
últimas décadas tem sido verificada uma diminuição drástica do número de casos nestas
zonas endémicas. Porém, o facto de a difilobotriose não ser uma doença de declaração
obrigatória nos EUA e no Canadá, faz com que seja difícil perceber se este declínio se deve
realmente a uma diminuição do número de casos, ou apenas a uma diminuição dos
registos.(6,20)
Outra espécie encontrada na América do Norte é o D. dendriticum e, embora até à
data apenas 10 casos tenham sido confirmados, é provável que alguns dos casos atribuídos
ao D. latum tenham na realidade sido causados por D. dendriticum. (2,3,20) Na figura 34
encontra-se representada a distribuição mundial dos casos de difilobotriose causada por D.
dendriticum.
Na América do Sul, a principal espécie de Diphyllobothrium é o D. pacificum. A
difilobotriose causada por esta espécie é endémica na costa do Pacífico, principalmente no
Peru, mas também noutros países como o Chile e o Equador. A história de D. pacificum
neste continente é muito antiga, tendo este sido descoberto em amostras arqueológicas que
datam aproximadamente de 8000 a.C. (1,3,7,17) A distribuição mundial dos casos de
difilobotriose no Homem causada por D. pacificum está representada na figura 35.
Para além do D. pacificum, existem registos de infeções causadas por outras
espécies de Diphyllobothrium, nomeadamente D. latum e D. dendriticum, no Chile,
Argentina e Brasil. (17) Nos últimos anos têm sido reportados surtos de difilobotriose no
Figura 34 - Distribuição mundial dos casos de difilobotriose causada por D. dendriticum. Legenda:
círculos pretos - casos autóctones; círculos brancos – casos importados.
Adaptado de: (1)
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VIII MAC Epidemiologia
Ana Filipa Fangueiro Duarte 127
Brasil, um país onde até 2005 não havia registos de casos desta infeção. Estes casos foram
atribuídos ao D. latum, tendo sido proposta como fonte de infeção mais provável o consumo
de salmão importado do Chile. (6,26,27)
Na Ásia, a difilobotriose encontra-se amplamente distribuída nas regiões norte e
leste do continente. A difilobotriose é frequentemente reportada no Japão, onde a média de
casos por ano é de aproximadamente 100 desde os anos 70. (1,3,21) Até 1986, a maioria
dos casos era atribuída ao D. latum. No entanto, nesse ano, Yamane et. al demonstraram
que existiam diferenças morfológicas entre os exemplares de D. latum encontrados na
Finlândia e os encontrados no Japão, propondo assim uma nova espécie, o D. nihonkaiense.
Posteriormente, estudos moleculares vieram confirmar que se tratavam efetivamente de
duas espécies diferentes e que a maior parte dos casos no Japão era causada por D.
nihonkaiense. (1,2,21)
Durante muito tempo os casos de difilobotriose estavam limitados ao Japão, mas
recentemente começaram também a ser reportados na Coreia do Sul e na China. A maior
parte destes casos era igualmente atribuída ao D. latum, no entanto, atualmente os estudos
moleculares indicam que o D. nihonkaiense é a espécie dominante nestes países. (1,2,28)
Na figura 36 está representada a distribuição mundial da difilobotriose causada por D.
nihonkaiense.
Figura 35 - Distribuição mundial dos casos de difilobotriose causada por D. pacificum. Legenda: círculos
pretos - casos autóctones; círculos brancos – casos importados.
Adaptado de: (1)
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VIII MAC Epidemiologia
128 Ana Filipa Fangueiro Duarte
Os casos de difilobotriose são também frequentes na Rússia, particularmente na
região mais oriental, junto aos grandes Lagos, onde o D. latum e D. dendriticum se
encontram difundidos. (1,3,21) Estas duas espécies apresentam uma distribuição mundial
semelhante, que se sobrepõe parcialmente. No entanto, o D. dendriticum encontra-se mais
amplamente distribuído e tende a predominar nas regiões do Ártico, enquanto as infeções
causadas por D. latum são características das zonas subárticas e mais temperadas, como
demonstrado nas figuras 34 e 35, respetivamente. (2,11)
Ainda na Rússia, na região do rio Amur, o D. nihonkaiense (reportado como D.
klebanovskii, embora estudos moleculares tenham confirmado que estas duas espécies são
sinónimas), é considerado uma espécie importante. (2,3)
5.2. Parasitose Reemergente – a influência dos “novos” hábitos
alimentares
O consumo de peixe cru ou mal/pouco cozinhado faz parte dos hábitos alimentares
de várias populações a nível mundial desde a antiguidade. Em todo o mundo, são vários os
pratos que têm por base peixe cru, marinado ou fumado e que estão na origem de infeções
por Diphyllobothrium spp., como é o caso do sushi e sashimi no Japão e noutros países
asiáticos, do carpaccio (fatias muito finas de peixe cru) e tártaros (peixe cru marinado) de
diversos peixes em várias regiões da Europa, ou ainda do ceviche (pedaços de peixe cru
Figura 36 - Distribuição mundial dos casos de difilobotriose causada por D. nihonkaiense. Legenda:
círculos pretos - casos autóctones; círculos brancos – casos importados.
Adaptado de: (1)
Epidemiologia, patogénese, clínica, imunologia, tratamento
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VIII MAC Epidemiologia
Ana Filipa Fangueiro Duarte 129
marinado) na América Latina. (1,3) Na tabela 10 estão representados alguns dos principais
pratos de peixe consumidos mundialmente e que estão na origem de casos de difilobotriose,
bem como a sua distribuição geográfica.
Nas regiões onde este tipo de pratos faz parte da alimentação habitual das
populações e onde existem todas as condições para o parasita completar o seu ciclo de vida,
a difilobotriose ocorre, evidentemente, com maior frequência. Contudo, como referido, nas
últimas décadas verificou-se um declínio dos casos de difilobotriose em muitas destas áreas
endémicas, o que se deve provavelmente a melhores condições de higiene e a uma maior
consciencialização das populações dessas regiões acerca do risco do consumo de peixe cru
ou mal cozinhado.
Contrariamente a esta tendência, recentemente tem-se verificado um aumento
exponencial da popularidade do consumo de peixe cru, sobretudo de sushi e sashimi, um
pouco por todo o mundo, mas essencialmente nos países desenvolvidos. Esta nova
tendência é, assim, apontada como o fator chave da recente reemergência da difilobotriose
nas regiões anteriormente descritas, e também da emergência de novos focos em países
onde anteriormente existiam poucos ou nenhum caso registado, como o Brasil ou a
China.(1,29)
Esta alteração dos hábitos alimentares em grande parte dos países desenvolvidos
deve-se a uma multiplicidade de fatores, como sejam os fenómenos de migração humana,
a globalização dos costumes e tradições, e a crescente preocupação com a saúde e com a
adoção de um estilo de vida saudável, que resultam num maior conhecimento e
Tabela 10 - Pratos de peixe cru/insuficientemente cozinhado consumidos mundialmente e respetiva distribuição
Adaptado de: (1)
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e prevenção da Difilobotriose – novos tempos, “nova doença”
VIII MAC Epidemiologia
130 Ana Filipa Fangueiro Duarte
consciencialização dos benefícios do consumo de peixe e produtos derivados do peixe,
assim como do consumo de alimentos crus ou cozinhados de forma ligeira. Efetivamente,
esta preferência das sociedades modernas pelo consumo de peixe cru faz com que a
necessidade e procura futuras de peixe e produtos derivados destes sejam cada vez maiores,
levando a um aumento da pressão para a exploração dos ecossistemas marinhos e,
consequentemente, a um maior risco de contrair infeções por Diphyllobothrium spp.,
devido ao aumento da produção e exportação de peixe proveniente de áreas
endémicas.(2,21)
O salmão é provavelmente o peixe que mais frequentemente está na origem de
infeções por Diphyllobothrium spp., dado que é um dos peixes mais consumidos e
utilizados nos pratos de sushi, sashimi ou tártaro. (3,29) No entanto, e como referido
anteriormente, existem muitas outras espécies responsáveis pela transmissão deste parasita
ao Homem.
5.3. Outros Fatores que Contribuem para a Transmissão,
Expansão e Perpetuação da Difilobotriose
Embora a recente tendência de consumo de peixe cru ou pouco cozinhado constitua
o principal fator na reemergência e no aparecimento de novos focos de difilobotriose, existe
uma série de outros fatores que contribuem para a transmissão, introdução em novas áreas
geográficas e perpetuação de Diphyllobothrium spp.
Entre os principais fatores que contribuem para a expansão global da difilobotriose
estão a crescente mobilidade e migração das populações, que normalmente mantêm as suas
tradições e hábitos alimentares, e o comércio e transporte global de peixe fresco refrigerado
ou insuficientemente congelado. (1–3,17)
O mercado global de exportação e importação de peixe tem vindo a crescer
largamente, devido ao aumento da procura de peixe que se tem verificado nos últimos anos.
Esta maior procura tem como consequência o aumento da produção de peixes através de
aquacultura, o que pode constituir um fator de risco para a transmissão da difilobotriose,
uma vez que existe uma relação comprovada entre os peixes de aquacultura e a transmissão
de parasitoses ao Homem. (15,21,30,31)
Um fator que é cada vez mais importante na introdução ou manutenção da
difilobotriose nas populações é a contaminação do ecossistema aquático local com fezes.
Epidemiologia, patogénese, clínica, imunologia, tratamento
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Ana Filipa Fangueiro Duarte 131
A descarga de resíduos e esgotos, quer sejam provenientes das casas e edifícios da região
ou de barcos, é uma importante fonte de contaminação das águas locais com ovos de
Diphyllobothrium spp. Os animais domésticos, particularmente o cão, constituem outra
fonte importante de contaminação, podendo contribuir para a manutenção do ciclo de vida
de D. latum. (21,22)
A manutenção de Diphyllobothrium spp. no meio ambiente e a existência de infeção
dependem igualmente de vários fatores, como a fertilidade dos parasitas adultos, o vasto
espectro de hospedeiros definitivos e o tempo de sobrevivência dos plerocercóides no
organismo dos peixes. (1,3)
Os parasitas adultos de Diphyllobothrium spp. possuem uma capacidade de
reprodução extremamente elevada, podendo produzir até um milhão de ovos por dia. Este
facto significa que os meios aquáticos podem ser facilmente contaminados em locais com
condições de higiene e saneamento básico precárias, ou então através de um pequeno
número de hospedeiros definitivos. (1,3)
Este problema da contaminação das águas é ainda intensificado pelo facto de as
espécies de Diphyllobothrium apresentarem uma grande diversidade de hospedeiros
definitivos, o que faz com que os seus ciclos de vida se mantenham na natureza
independentemente do Homem. Desta forma, o tratamento da infeção na população
humana não elimina necessariamente o parasita das áreas afetadas. Estes animais atuam
assim como reservatórios de Diphyllobothrium spp. e têm um papel fundamental na
manutenção deste parasita no meio ambiente, provavelmente mesmo em regiões não
habitadas por humanos. O facto de estes animais terem uma grande capacidade de
movimentação e dispersão nos seus meios, contribui ainda para a disseminação das
espécies de Diphyllobothrium para novas áreas geográficas. (1,3)
Para além disso, os plerocercóides de Diphyllobothrium spp. podem sobreviver no
organismo dos peixes durante um longo período de tempo que pode ir de vários meses até
alguns anos, pelo que os peixes constituem um reservatório fundamental deste parasita,
contribuindo para a perpetuação do seu ciclo de vida. (1,3)
A localização dos plerocercóides nos peixes infetados é também um fator
importante na transmissão da difilobotriose ao Homem. Os plerocercóides da espécies que
se localizam normalmente no tecido muscular, como é o caso do D. latum e D.
nihonkaiense, representam uma fonte de infeção mais importante do que as espécies cujos
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VIII MAC Epidemiologia
132 Ana Filipa Fangueiro Duarte
plerocercóides se localizam na cavidade corporal ou nas vísceras, como o D. dendriticum
e D. pacificum. (1,2)
Por fim, existe ainda um risco ocupacional associado às infeções por
Diphyllobothrium spp. As taxas de infeção são frequentemente elevadas nos pescadores,
que muitas vezes têm o hábito de ingerir as ovas e o fígado do peixe fresco. (3,21,22)
Epidemiologia, patogénese, clínica, imunologia, tratamento
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Ana Filipa Fangueiro Duarte 133
6. Imunologia
A imunologia das infeções parasitárias tem sido alvo de estudo desde há muitos
anos, com o objetivo de compreender melhor a interação parasita-hospedeiro e a forma
como os parasitas modificam a resposta imunitária dos hospedeiros, e de identificar, isolar
e caracterizar antigénios dos parasitas. A compreensão de todos estes fatores é essencial
para que possam ser desenvolvidos novos testes de imunodiagnóstico e vacinas eficazes
que permitam controlar estas infeções. (6,14,32,33)
A resposta imunitária desencadeada por Diphyllobothrium spp. nos seus
hospedeiros é semelhante à que se verifica nas infeções pelos restantes helmintas, apesar
de estes incluírem uma grande diversidade de parasitas pertencentes a diferentes classes
(cestodes, nematodes e trematodes) que apresentam uma relação filogenética distante. (6)
As infeções causadas por helmintas e as correspondentes respostas imunitárias
desencadeadas nos hospedeiros, são resultado de uma longa e dinâmica coevolução entre
os hospedeiros e os parasitas. Para o parasita, é vantajoso ludibriar o hospedeiro para que
este desenvolva uma resposta imunitária ineficaz, de forma a poder continuar a sua
maturação e propagação, mas sem prejudicar excessivamente ou causar a morte do
hospedeiro. Por outro lado, o hospedeiro tem a necessidade de desenvolver uma resposta
imunitária eficaz para expulsar o parasita e minimizar os seus efeitos adversos, no entanto
sem comprometer a sua capacidade de responder eficazmente a outros patogéneos. (33)
No Homem, a resposta imunitária às infeções por helmintas abrange uma grande
variedade de mecanismos, que envolvem tanto o sistema imunitário inato como o
adaptativo.
6.1. Resposta Imunitária nas Infeções Causadas por Helmintas
A ativação e desenvolvimento da resposta imunitária dependem de uma interação
contínua entre os componentes do sistema imunitário inato e do sistema imunitário
adaptativo. As células do sistema imunitário inato, como as células epiteliais, fagócitos
(neutrófilos, macrófagos) e células dendríticas, reconhecem a entrada do parasita e dão
início à resposta adaptativa, através da libertação de citocinas e da apresentação de
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VIII MAC Imunologia
134 Ana Filipa Fangueiro Duarte
antigénios do parasita aos linfócitos T por células apresentadoras de antigénios, como são
as células dendríticas. (6,32,33)
A resposta adaptativa nas infeções por helmintas é essencialmente mediada por
células T helper 2 (Th2) CD4+, que se diferenciam após a apresentação dos antigénios pelas
células dendríticas, e começam a produzir uma grande variedade de citocinas denominadas
interleucinas (IL), como a IL-4, IL-9, IL-13 e IL-21. Estes sinais químicos medeiam o
switching de classe das imunoglobulinas (Ig) para IgE principalmente, mas também para
IgA e IgG. Estas imunoglobulinas ligam-se em seguida a receptores presentes em células
efetoras como os eosinófilos, basófilos e mastócitos, ativando-as. Ao serem ativadas, estas
células libertam diversas moléculas (como a histamina e as triptases, que derivam dos
mastócitos, e a proteína catiónica do eosinófilo), que interferem com a estrutura da
membrana superficial do helminta ou que, por outro lado, alteram o ambiente em que este
vive tornando-o mais adverso. (6,32,33) Assim, a resposta imunitária às infeções por
helmintas no ser humano é multicelular, sendo orquestrada pelas células Th2 e por diversas
citocinas, mas dependendo sempre da interação permanente entre as células efetoras da
imunidade inata e da imunidade adaptativa. (32,33)
Embora as infeções por helmintas desencadeiem respostas imunitárias nos
hospedeiros, em muitos casos parece existir uma interação harmoniosa entre o parasita e o
hospedeiro. (6,34) De facto, nas infeções humanas causadas por Diphyllobothrium spp., os
indivíduos são na maior parte dos casos assintomáticos, e quando apresentam
manifestações clínicas estas são normalmente ligeiras.
No entanto, isto não se deve ao facto de o sistema imunitário do hospedeiro não
detetar ou reconhecer a presença do parasita no organismo, mas sim à capacidade que os
helmintas têm de regular e controlar a resposta imunitária do hospedeiro através de diversos
mecanismos, evitando assim que este os elimine e minimizando a severidade da infeção
que provocam. (34)
6.2. Mecanismos de Evasão ao Sistema Imunitário dos Hospedeiros
Como parte da evolução e adaptação dos helmintas, estes desenvolveram diversos
mecanismos de evasão ao sistema imunitário dos seus hospedeiros. Estes mecanismos
asseguram a proliferação, sobrevivência e persistência do parasita no hospedeiro e,
simultaneamente, evitam a morte do hospedeiro como consequência dos efeitos que as
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Ana Filipa Fangueiro Duarte 135
respostas imunitárias desencadeadas podem provocar, contribuindo assim para a elevada
longevidade dos parasitas no hospedeiro e para a cronicidade das infeções. (35,36)
Os mecanismos básicos de evasão dos parasitas ao sistema imunitário do
hospedeiro incluem a mímica de antigénios do hospedeiro, a imunossupressão e a
imunomodulação, entre outros. (35,37)
Nos últimos anos tem surgido um interesse crescente na compreensão da base
molecular da imunomodulação realizada pelos helmintas. Estes parasitas têm a capacidade
de sintetizar uma grande variedade de moléculas que são idênticas às que funcionam no
organismo do hospedeiro e que são designadas de produtos ou antigénios de
excreção/secreção. Estes produtos de excreção/secreção consistem em moléculas solúveis
que se ligam a células e moléculas imunocompetentes e as destroem ou que, por outro lado,
interagem com as mesmas, regulando assim a resposta imunitária do hospedeiro. (6,37,38)
Atualmente foi já identificada e estudada uma vasta diversidade de substâncias
produzidas por helmintas que infetam mamíferos, que atuam como imunomoduladoras da
resposta imunitária no hospedeiro. No entanto, existem ainda poucos estudos acerca das
moléculas imunomoduladoras produzidas pelos parasitas que infetam os peixes, como é o
caso de Diphyllobothrium spp., pelo que o espetro destas moléculas ainda não é bem
compreendido. (37–39)
6.2.1. Papel das Prostaglandinas Produzidas por Diphyllobothrium spp. na
Imunomodulação da Resposta Imunitária
O papel das prostaglandinas enquanto moléculas imunomoduladoras tem sido
estudado ao longo dos últimos 20 anos. (38) As prostaglandinas (PGs) são pequenas
moléculas lipídicas que derivam do ácido araquidónico e que regulam um grande número
processos no organismo, como a função renal, a agregação plaquetária, a libertação de
neurotransmissores e a modulação da função imunológica. Existem diversos tipos de PGs
– PGI2, PGF2α, PGD2 e PGE2 – sendo que a PGE2 é uma das melhores estudadas e acerca
da qual existe mais informação. Estas moléculas são sintetizadas em todo o género de
tecidos e cada tipo de prostaglandina pode desempenhar um papel distinto em diferentes
tipos de tecidos. (38,40,41)
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136 Ana Filipa Fangueiro Duarte
Os parasitas também têm a capacidade de sintetizar PGs, contudo não conseguem
produzir o ácido araquidónico necessário à síntese destas moléculas, pelo que o adquirem
através do hospedeiro. (38)
Atualmente sabe-se que as PGs produzidas pelos parasitas, principalmente a PGE2,
atuam como moléculas imunomoduladoras nas infeções parasitárias em mamíferos. (38)
Enquanto molécula imunomoduladora, a PGE2 afeta elementos celulares fundamentais.
Nas infeções parasitárias em mamíferos, a PGE2 modula a resposta inflamatória e a ativação
subsequente do sistema imunitário adaptativo. Esta prostaglandina tem diversos efeitos na
regulação e atividade dos linfócitos T, suprimindo a sua ativação e proliferação. Para além
disso, inibe a produção de diversas citocinas pró-inflamatórias como o interferão γ (INF-
γ) e a IL-2, produzidas pelas células Th1, promovendo assim a alteração do padrão das
respostas mediadas por células T CD4+ do hospedeiro, de uma resposta do tipo Th1 para
uma do tipo Th2. (38,40,41) Desta forma, através da PGE2 os parasitas alteram o tipo de
resposta imunitária do hospedeiro, o que constitui uma vantagem para a sua sobrevivência,
já que a resposta do tipo Th1 promove uma forma inflamatória/citotóxica de
imunidade.(38,40)
Moléculas de PGE2 foram já detetadas em protozoários, nematodes e trematodes
mas, até há pouco tempo, não havia evidência da produção de PGs nos cestodes, em
particular nos parasitas do género Diphyllobothrium. Contudo, estudos recentes
evidenciaram a produção de PGE2 e também de PGD2 pelos plerocercoides de D.
dendriticum encontrados em peixes das espécies Coregonus autumnalis e Coregonus
migratorius. (37–39)
No estudo realizado por Kutyrev et. al em 2017 (38), que teve como um dos
objetivos a deteção e quantificação das PGs E2 e D2 em plerocercoides de D. dendriticum
encontrados na espécie Coregonus autumnalis, foi evidenciada a presença destas duas PGs
no D. dendriticum e demonstrada a sua excreção em resposta ao soro de C. autumnalis.
Neste artigo, os autores levantam a hipótese de que o D. dendriticum produz
quantidades elevadas de PGE2 nos tecidos do hospedeiro, induzindo um forte efeito
imunossupressor na viabilidade dos leucócitos e na produção de espécies reativas de
oxigénio. Para além disso, presumem que a PGE2 produzida por D. dendriticum também
pode promover a alteração da resposta imunitária do hospedeiro do tipo Th1 para o tipo
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Ana Filipa Fangueiro Duarte 137
Th2. No que diz respeito à PGD2, as informações acerca do seu papel específico nas
interações parasita-hospedeiro são muito escassas. (38)
Os autores do estudo concluem que a PGE2 e PGD2 produzidas pelos plerocercoides
de D. dendriticum desempenham, muito provavelmente, dois papéis. Por um lado,
modulam presumivelmente a resposta imunitária do hospedeiro (C. autumnalis) contra os
parasitas, através da alteração da resposta do tipo Th1 para uma do tipo Th2. Por outro
lado, estas PGs podem ser utilizadas pelo D. dendriticum para a regulação de processos
fisiológicos internos do parasita. A PGE2 é presumivelmente necessária para o
desenvolvimento e funcionamento corretos do sistema nervoso, enquanto a PGD2 pode ser
utilizada como um antagonista dos mediadores que causam a contração muscular. (38)
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7. Diagnóstico
O diagnóstico laboratorial das infeções causadas por Diphyllobothrium spp. é
realizado através do exame parasitológico das fezes, que se baseia na deteção e
identificação microscópica de ovos e/ou de proglótis característicos deste parasita em
amostras fecais dos indivíduos infetados. A deteção destas estruturas permite fazer o
diagnóstico ao nível do género, mas não permite identificar e distinguir de forma fiável as
diferentes espécies de Diphyllobothrium spp., uma vez que estas são muito semelhantes
entre si. (1,11,42)
Por esta razão, foram desenvolvidos vários métodos moleculares rápidos e
específicos para o diagnóstico de rotina de infeções por Diphyllobothrium spp. nos
laboratórios, uma vez que só através destes métodos é possível fazer um diagnóstico
diferencial fiável das espécies de Diphyllobothrium. (3,43) No entanto, estes métodos ainda
são pouco utilizados nos laboratórios de análises clínicas por motivos económicos e
técnicos, uma vez que são necessários vários equipamentos, reagentes e técnicos
especializados, e que os procedimentos são complexos e longos. (42) Para além disso, todas
as espécies de Diphyllobothrium spp. que infetam o Homem causam sintomas semelhantes
e, uma vez que são facilmente tratadas com a administração do mesmo fármaco
(praziquantel), como será explicado no capítulo referente ao tratamento, a identificação do
parasita ao nível do género é suficiente para os clínicos, não sendo necessário um
diagnóstico diferencial. (3,42,44)
No entanto, do ponto de vista epidemiológico a identificação correta das espécies
de Diphyllobothrium é essencial, por um lado devido à reemergência da difilobotriose que
se tem verificado em várias regiões e, por outro, devido ao facto de possivelmente existir
um grande número de registos incorretos resultante das dificuldades existentes na
identificação e distinção morfológica das espécies. A identificação exata das espécies de
Diphyllobothrium é, por isso, necessária para uma melhor compreensão da distribuição
mundial das várias espécies que infetam o Homem, do seu ciclo de vida e de quais as
principais fontes de infeção, bem como para prevenir a introdução destes parasitas em
sistemas aquáticos onde estes não existem. (1,3,42,44)
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Ana Filipa Fangueiro Duarte 139
7.1. Diagnóstico Baseado na Morfologia
O diagnóstico laboratorial da difilobotriose baseia-se essencialmente na deteção e
identificação microscópica dos ovos característicos de Diphyllobothrium spp., que medem
entre 55-75 μm de comprimento e 40-55 μm de largura e que apresentam uma forma oval
e casca espessa, com um opérculo numa das extremidades e uma pequena protuberância na
extremidade oposta (figura 37). (3,12,44) A observação microscópica de ovos de
Diphyllobothrium spp. é efetuada numa preparação em lâmina, após a realização da técnica
de concentração da amostra de fezes.
A deteção de proglótis em que é possível visualizar o útero com a configuração
característica em roseta e os poros genitais (poros comuns masculino e feminino e poro
uterino) ambos localizados na zona central (figura 38), permite igualmente fazer o
diagnóstico de difilobotriose. Estas proglótis são características de Diphyllobothrium spp.
e, embora sejam parecidas às proglótis de Taenia spp., distinguem-se facilmente destas,
uma vez que as últimas têm uma forma diferente e apresentam os poros genitais na zona
lateral da proglótis. (1,2,14) Para a observação das estruturas morfológicas das proglótis de
Diphyllobothrium spp., estas são fixadas com formalina a 10% ou etanol a 70% e é
realizada uma preparação entre lâminas, que em seguida é corada com uma coloração de
carmim. (28,45,46)
A principal vantagem do diagnóstico baseado na morfologia é o facto de ser pouco
dispendioso e relativamente fácil de executar. No entanto, na maior parte dos casos este
método não permite identificar e distinguir as diferentes espécies de
Diphyllobothrium.(1,3)
Figura 37 – Observação Microscópica de ovos de Diphyllobothrium spp. em amostras de fezes
Adaptado de: (3,26,60)
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140 Ana Filipa Fangueiro Duarte
Os ovos de Diphyllobothrium spp. têm dimensões variáveis, sendo que estas
sobrepõem-se muitas vezes entre as diferentes espécies, e mesmo dentro da mesma espécie
existe uma grande variabilidade, que depende principalmente do tipo de hospedeiro
definitivo e da intensidade da infeção, o que faz com que seja praticamente impossível
identificar a espécie causadora da infeção. (1,3,44)
No que diz respeito às proglótis, as de D. dendriticum e D. pacificum possuem
algumas diferenças relativamente às proglótis de D. latum e D. nihonkaiense, o que pode
permitir identificar as primeiras duas espécies. As proglótis grávidas de D. dendriticum
apresentam bordos laterais mais côncavos e uma vesícula seminal localizada mais
posteriormente em relação ao saco do cirro. (11) Por sua vez, as proglótis de D. pacificum
possuem protuberâncias que se assemelham a papilas, separadas por depressões
semicirculares estreitas na superfície ventral da proglótis, entre o bordo anterior e o poro
genital masculino. (16,17)
Apesar destas diferenças morfológicas entre as proglótis de algumas espécies, a
identificação e distinção das espécies de Dipyllobothrium é mais facilmente realizada
através do tamanho e forma do escólex e do colo/pescoço, no entanto estas duas estruturas
raramente são encontradas. Um outro fator que contribui para a dificuldade em identificar
as espécies de Diphyllobothrium com base na morfologia, é o facto de as amostras de
proglótis obtidas após o tratamento da infeção se encontrarem deformadas e danificadas,
não sendo por isso adequadas para avaliação morfológica. (1,3,11,42)
Figura 38 - Proglótis de Diphyllobothrium spp. (a) D. latum. (b) D. dendriticum. (c) D. pacificum. (d) D.
nihonkaiense.
Legenda: cs – saco do cirro; ov – ovário; t – testículos; u – útero; up – poro uterino; v – glândulas vitelinas.
Adaptado de: (3,14,24,61)
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Ana Filipa Fangueiro Duarte 141
Recentemente, um estudo realizado por Leštinová et. al (44) teve como objetivo
estudar as dimensões e a superfície dos ovos de 8 espécies de parasitas pertencentes à
ordem Diphyllobothriidea, entre os quais o D. latum, D. nihonkaiense, D. dendriticum e D.
pacificum, através de microscopia ótica e microscopia eletrónica de varrimento (MEV). Os
resultados do estudo mostraram que a combinação de características morfológicas e
morfométricas dos ovos permitiu distinguir todas as espécies em estudo, incluindo as
quatro principais espécies de Diphyllobothrium no Homem, apesar da elevada variabilidade
intraespecífica existente. (44)
Os ovos de D. pacificum são identificados mais facilmente porque apresentam
menores dimensões e porque a sua superfície encontra-se coberta de um grande número de
pequenas depressões (à semelhança do que se verifica noutras espécies que como o D.
pacificum têm um ciclo de vida marinho), enquanto os ovos de D. latum, D. nihonkaiense
e D. dendriticum apresentam uma superfície lisa (figura 39). (44)
Apesar dos resultados obtidos, os autores salientam que uma análise morfométrica
e morfológica tão detalhada, que recorre à microscopia eletrónica de varrimento, não é
adequada para o diagnóstico de rotina de amostras de fezes, pelo que deverão ser utilizados
métodos moleculares para a identificação exata das diferentes espécies de
Diphyllobothrium. (44)
Figura 39 - Fotografias de ovos de diferentes espécies de Diphyllobothrium, obtidas através de MEV. (a) D.
pacificum. (b) D. latum. (c) D. dendriticum. (d) D. nihonkaiense.
Adaptado de: (44)
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7.2. Diagnóstico Molecular
Atualmente os métodos moleculares, nomeadamente a técnica de amplificação de
DNA por PCR (Polymerase Chain Reaction) e a técnica de sequenciação, constituem as
ferramentas mais fiáveis para a identificação das diferentes espécies de Diphyllobothrium.
A aplicação destes métodos permitiu melhorar a especificidade do diagnóstico e tornou
possível analisar um grande número de amostras num curto período de tempo. (1,3)
Anteriormente eram utilizadas técnicas bioquímicas (ensaios enzimáticos ou
imunoeletroforese) como métodos alternativos para a identificação das espécies de
Diphyllobothrium. Um outro método utilizado para distinguir principalmente as espécies
D. latum e D. nihonkaiense era a técnica de RFLP (restriction fragment length
polymorphism), no entanto os resultados obtidos eram muitas vezes difíceis de interpretar
e a técnica era mais adequada para discriminar um pequeno número de sequências de
DNA.(1,3,42)
A partir do final dos anos 90, foram caracterizadas as primeiras sequências de DNA
ribossomal (rDNA) e de DNA mitocondrial (mtDNA), que começaram em seguida a ser
utilizadas na identificação das espécies de Diphyllobothrium, o que contribuiu para uma
melhor compreensão da filogenia do género. (1,3,42) Contudo, as sequências de genes
ribossomais (18S rDNA, 5.8S rDNA, 28S rDNA) e das regiões ITS (internal transcribed
spacers) ribossomais, não permitem distinguir as espécies D. latum, D. nihonkaiense e D.
dendriticum. (1,3,47)
A caracterização completa dos genomas de D. latum por Park et. al (48) e de D.
nihonkaiense por Kim et. al (49), veio fornecer informação crucial acerca da utilidade de
diversas regiões codificantes e não codificantes na identificação das espécies de
Diphyllobothrium. Em particular, a sequência do gene cox1 (cytochrome c oxidase subunit
1) do mtDNA surgiu como um alvo apropriado, sendo que atualmente é o alvo mais
utilizado para o diagnóstico específico das espécies de Diphyllobothrium que causam
infeção no Homem, juntamente com outros genes mitocondriais como o cob (cytochrome
b) e o nad3 (NADH dehydrogenase subunit 3). (1,3)
As técnicas de PCR e sequenciação, embora altamente precisas, são bastante
complicadas, longas e dispendiosas para serem aplicadas no diagnóstico de rotina nos
laboratórios de análises clínicas. Nesse sentido, Wicht et. al (42) desenvolveram, em 2010,
uma técnica molecular simples, rápida e económica para o diagnóstico diferencial das
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VIII MAC Diagnóstico
Ana Filipa Fangueiro Duarte 143
quatro principais espécies de Diphyllobothrium causadoras de infeção no Homem. Este
teste baseia-se na técnica de PCR multiplex (uma variante da técnica de PCR que permite
amplificar mais do que uma sequência alvo numa única reação, através da utilização de
múltiplos primers), com o gene cox1 do mtDNA a ser utilizado como alvo.
Os resultados do estudo indicam que este é um método promissor para a
identificação de rotina de D. latum, D. nihonkaiense, D. dendriticum e D. pacificum,
representando uma alternativa adequada às técnicas de PCR e sequenciação. A utilização
da técnica de PCR multiplex permite fazer a distinção das espécies a partir de proglótis e
ovos de Diphyllobothrium spp. e, para além disso, pode também ser utilizada na
identificação das formas larvares deste parasita, contribuindo assim para a compreensão do
ciclo de vida das diversas espécies. (42)
Uma das maiores dificuldades existentes na identificação das espécies de
Diphyllobothrium através de métodos moleculares, incluindo a técnica de PCR multiplex,
é o facto de as amostras não se encontrarem conservadas/fixadas de forma correta. Para a
análise molecular, estas apenas devem ser fixadas com etanol e não com outros fixadores
como a formalina, AFA (mistura de etanol, formalina e ácido acético) ou etanol
desnaturado, uma vez que estes afetam irreversivelmente a qualidade do DNA e as reações
químicas que ocorrem nas técnicas moleculares. (1,42)
Mais recentemente, Thanchomnang et. al (43) desenvolveram um outro método
para a identificação das espécies de Diphyllobothrium, com base na técnica de
pirosequenciação. A pirosequenciação é uma técnica de sequenciação de DNA que utiliza
reações enzimáticas e bioluminescência para detetar a libertação de pirofosfato (PPi) que
ocorre durante a síntese do DNA. Quando um novo nucleótico é incorporado, a libertação
de PPi gera um sinal luminoso que é detetado e medido. A intensidade da luz gerada é
proporcional ao número de nucleótidos incorporados. (43)
Neste estudo, o método de pirosequenciação foi utilizado para distinguir 9 espécies
de parasitas pertencentes à ordem Diphyllobothriidea, entre as quais o D. latum, D.
nihonkaiense, D. dendriticum e D. pacificum, utilizando o gene cox1 como marcador
molecular. Foi demonstrado que este método constitui uma ferramenta fiável para a rápida
identificação das 9 espécies estudadas, constituindo por isso mais uma alternativa
promissora aos métodos tradicionais de PCR e sequenciação. Para além da sua aplicação
clínica, esta técnica pode também ser utilizada para estudos epidemiológicos,
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144 Ana Filipa Fangueiro Duarte
nomeadamente através da identificação de formas larvares encontradas nos hospedeiros
intermediários de Diphyllobothrium spp. (43)
Uma outra vantagem deste método é que, para a análise molecular, são suficientes
produtos de PCR pequenos, pelo que amostras que foram fixadas com formalina e cujo
DNA sofreu degradação podem ser utilizadas neste teste. (43)
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VIII MAC Tratamento
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8. Tratamento
O tratamento da difilobotriose é efetuado através da administração oral de fármacos
pertencentes à classe dos anti-helmínticos, o praziquantel ou, em alternativa, a niclosamida.
Os anti-helmínticos são um grupo de fármacos utilizados em infeções causadas por
helmintas, atuando localmente no lúmen intestinal de forma a provocar a expulsão dos
parasitas que vivem no intestino, ou a nível sistémico contra helmintas que se localizam
fora do trato gastrointestinal. (50)
Para que o tratamento da difilobotriose seja considerado eficaz, é necessário que
ocorra a expulsão completa do estróbilo e também do escólex, uma vez que o parasita pode
voltar a crescer se o escólex se mantiver no lúmen intestinal. Caso o escólex não seja
expulso, é necessário verificar que não surgem mais ovos de Diphyllobothrium nas fezes
dos indivíduos infetados para que este seja considerado curado. (51)
8.1. Praziquantel
O praziquantel é um anti-helmíntico utilizado no tratamento de diversas infeções
causadas por cestodes e trematodes (sobretudo por Schistosoma spp.), constituindo o
fármaco recomendado para o tratamento da difilobotriose. (52,53) Este fármaco é um
derivado da pirazino-isoquinolina e o seu modo de ação baseia-se em alterações estruturais
no tegumento dos parasitas. O praziquantel aumenta a permeabilidade da membrana aos
iões cálcio (Ca2+), dando assim origem a espasmos severos e causando paralisia dos
músculos do parasita. A atuação do praziquantel resulta na expulsão do parasita juntamente
com as fezes, ou na morte e destruição do mesmo no lúmen intestinal. (14)
A administração de praziquantel para o tratamento da difilobotriose é feita por via
oral e em dose única, sendo que a dose recomendada a nível mundial é de 5-10 mg/kg para
adultos e crianças. (53,54) Contudo, a dose a ser utilizada pode variar consoante a espécie
de Diphyllobothrium em questão. No que diz respeito ao D. nihonkaiense, a dose de 5-10
mg/kg tem sido reportada como eficaz em diversos casos (1,3,51), sendo que o mesmo
acontece com o D. pacificum, em que uma dose de 10 mg/kg foi eficaz no tratamento de
vários indivíduos infetados. (1,3,55) Já nas infeções causadas por D. latum, estudos
experimentais realizados por Bylund et. al em 1977 e por Groll em 1980, indicaram que
apenas uma dose de 25 mg/kg era clinicamente eficaz no tratamento da difilobotriose.
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146 Ana Filipa Fangueiro Duarte
(1,55,56) No entanto, artigos mais recentes reportam casos de difilobotriose causada por
D. latum em que todos os indivíduos foram tratados com sucesso através da administração
de uma dose de praziquantel de 15 mg/kg. (45,57,58)
Assim, o D. nihonkaiense parece ser mais sensível ao praziquantel do que o D.
latum, e igualmente ou mais sensível que o D. pacificum. (1,3,51)
De um modo geral o praziquantel é bem tolerado pelos indivíduos infetados, sendo
que os efeitos secundários, quando presentes, são normalmente ligeiros. Os efeitos
secundários deste fármaco incluem dor abdominal, náuseas, diarreia, cefaleias, tonturas e
sonolência. Efeitos secundários indiretos como febre, prurido, urticária, artralgias e
mialgias poderão também ser observados ocasionalmente. (14,50) Habitualmente os efeitos
secundários do tratamento com praziquantel não requerem tratamento, no entanto nos
indivíduos que se encontram infetados com um maior número de parasitas, estas reações
podem ser de maior gravidade e podem surgir mais frequentemente. (1,3)
8.2. Niclosamida
Em alternativa ao praziquantel, pode também ser utilizado outro anti-helmíntico no
tratamento da difilobotriose, a niclosamida. A niclosamida é um derivado da salicilanilida
e começou a ser utilizada nos anos 60 para o tratamento de infeções no Homem causadas
por Taenia saginata, Diphyllobothrium latum e Hymenolepis nana. Este fármaco era
utilizado como alternativa ao praziquantel, uma vez que era eficaz, tinha um baixo custo e
era facilmente obtido em muitas partes do mundo. (50) Para além disso, os seus efeitos
secundários (náuseas, vómitos e dor abdominal) são pouco frequentes, dado que este
fármaco não é absorvido no trato gastrointestinal. (3,14)
No entanto, a niclosamida já não se encontra disponível para ser utilizada no
tratamento de infeções no Homem em vários países, como é o caso dos EUA. Noutros
países continua a ser utilizada como alternativa ao praziquantel, sendo administrada por via
oral e em dose única. A dose recomendada é de 2 g para os adultos e de 50 mg/kg para as
crianças. (3,53,54)
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Ana Filipa Fangueiro Duarte 147
9. Prevenção e Controlo
As medidas de prevenção e controlo da difilobotriose devem ter como principal
objetivo a interrupção do ciclo de vida de Diphyllobothrium spp. Na prática, para um
controlo eficaz da difilobotriose a larga escala, mas principalmente nas áreas endémicas,
estas medidas devem focar-se em três pontos principais: prevenção da contaminação dos
ecossistemas aquáticos; tratamento dos indivíduos infetados; prevenção da transmissão dos
plerocercóides presentes nos peixes ao Homem. (1,3)
O tratamento adequado das águas residuais e a melhoria do saneamento básico
representam medidas eficazes para evitar a contaminação das águas. No entanto, estas
medidas têm um impacto limitado se existirem outros hospedeiros definitivos de
Diphyllobothrium spp. nessa área pois, como referido anteriormente, estes constituem
reservatórios deste parasita, contribuindo para a manutenção do seu ciclo de vida. Pela
mesma razão, o tratamento dos indivíduos infetados com Diphyllobothrium spp., embora
eficaz, não contribui para a eliminação do parasita. A existência de reservatórios de
Diphyllobothrium spp. representa assim um sério obstáculo para os programas de controlo
da difilobotriose. (1,3)
Assim, a forma mais simples e eficaz de prevenir a infeção por Diphyllobothrium
spp. no Homem é evitar o consumo de peixe cru, mal cozinhado, fumado ou em pickle.
Contudo, os hábitos alimentares tradicionais das populações e a crescente popularidade do
consumo de peixe cru em todo o mundo, dificultam grandemente esta medida.
Desta forma, para evitar a infeção o peixe deve ser bem cozinhado ou, em
alternativa, adequadamente congelado antes de ser consumido, o que permite eliminar os
plerocercóides presentes no tecido muscular ou nas vísceras dos peixes. A cozedura do
peixe a uma temperatura de 55°C durante cerca de 5 minutos é suficiente para eliminar o
parasita. (1,3) Relativamente à congelação do peixe, as recomendações da U.S. Food &
Drug Administration (FDA) (59) são as seguintes:
Congelar e conservar a -20°C ou a uma temperatura inferior, durante 7 dias;
ou
Congelar a -35°C ou a uma temperatura inferior até o peixe ficar firme e
conservar à mesma temperatura, durante durante 15 horas; ou
Epidemiologia, patogénese, clínica, imunologia, tratamento
e prevenção da Difilobotriose – novos tempos, “nova doença”
VIII MAC Prevenção e Controlo
148 Ana Filipa Fangueiro Duarte
Congelar a -35°C ou a uma temperatura inferior até o peixe ficar firme e
conservar a -20°C (ou menos), durante 24 horas.
Desta forma, se não tiver sido previamente congelado de forma adequada, o peixe
não deve ser consumido cru ou mal cozinhado. Contudo, o salmão, peixe que mais
frequentemente está associado a infeções por Diphyllobothrium spp., é atualmente
transportado fresco e apenas conservado em gelo. Este é principalmente exportado de zonas
endémicas como o Chile e o noroeste do Pacífico (Canadá e EUA), sendo esta a via que
leva à introdução de Diphyllobothrium spp. em novas áreas geográficas. (1,3)
Assim, a inspeção do peixe para venda ao público e do peixe utilizado na
restauração, em particular nos restaurantes de sushi, onde devem ser cumpridas as
recomendações de congelação já indicadas, e a inspeção da proveniência, condições de
transporte e conservação do peixe, constitui uma importante medida de prevenção e
controlo de infeções por Diphyllobothrium spp. (3,6,29)
Por fim, é fundamental informar, educar e sensibilizar os consumidores acerca dos
riscos que o consumo de peixe cru ou mal cozinhado acarreta. (1,3,6) Para além disso, é
também importante que estes tenham conhecimento de que o peixe fumado a baixas
temperaturas pode também constituir uma fonte de infeção, já que o parasita não é
eliminado. Já no caso do peixe salgado, esta técnica resulta numa infeciosidade diminuída
dos plerocercóides de Diphyllobothrium spp., porém esta diminuição pode demorar vários
dias ou semanas, dependendo do tamanho do peixe e do volume de sal utilizado. (1)
Neste sentido, as organizações de saúde locais e mundiais devem promover
campanhas de sensibilização junto das populações, sendo que os meios de comunicação
social têm um papel fundamental na divulgação da informação.
Epidemiologia, patogénese, clínica, imunologia, tratamento
e prevenção da Difilobotriose – novos tempos, “nova doença”
VIII MAC Conclusão
Ana Filipa Fangueiro Duarte 149
10. Conclusão
Apesar de o Diphyllobothrium spp. ser conhecido desde há muito tempo como um
parasita causador de infeção no ser humano, atualmente existem ainda muitas lacunas no
conhecimento da epidemiologia, distribuição mundial e ciclo de vida das diferentes
espécies que infetam o Homem. Este facto deve-se principalmente às dificuldades
existentes na identificação e distinção das várias espécies com base na sua morfologia, uma
vez que, tanto os ovos como as proglótis das diferentes espécies são muito semelhantes.
Para além disso, o facto de o tratamento da difilobotriose ser o mesmo independemente da
espécie causadora de infeção, leva a que a identificação do parasita ao nível do género seja
suficiente para os clínicos.
O desenvolvimento de métodos moleculares veio, entretanto, permitir a obtenção
de um diagnóstico diferencial fiável e, consequentemente, a obtenção de mais informação
acerca das diversas espécies de Diphyllobothrium. No entanto, por motivos económicos e
técnicos, estes métodos (PCR e sequenciação) não são ainda aplicados na rotina dos
laboratórios. Recentemente foram desenvolvidos novos métodos mais simples, rápidos e
económicos (PCR multiplex e pirosequenciação), contudo estes carecem ainda de mais
estudos para que possam ser implementados nos laboratórios de análises clínicas. Para além
disso, é ainda fundamental que seja apenas utilizado etanol para fixar todas as amostras
para análise molecular, uma vez que a utilização de outras substâncias impede geralmente
o sucesso destas técnicas.
A utilização de métodos moleculares assume ainda maior importância tendo em
conta a recente reemergência da difilobotriose que se verifica em diversas regiões a nível
mundial, e que representa atualmente um crescente problema de saúde pública.
Esta reemergência deve-se essencialmente à crescente popularidade do consumo de
peixe cru ou insuficientemente cozinhado que se verifica em todo o mundo, mas
principalmente nos países desenvolvidos, e também ao aumento da produção (aquacultura)
e exportação de peixe, em particular de salmão do Pacífico proveniente de zonas endémicas
como o Chile. A previsão é de que o consumo de peixe continue a aumentar nos próximos
anos e que, consequentemente, a produção de peixe através de aquacultura aumente
também, o que pode resultar num aumento exponencial do número de casos de
difilobotriose num futuro próximo.
Epidemiologia, patogénese, clínica, imunologia, tratamento
e prevenção da Difilobotriose – novos tempos, “nova doença”
VIII MAC Conclusão
150 Ana Filipa Fangueiro Duarte
Assim, torna-se fundamental adotar medidas de prevenção e controlo eficazes, quer
ao nível da inspeção rigorosa do peixe produzido em aquacultura e das condições em que
este é transportado e conservado, quer ao nível da informação e educação dos consumidores
acerca do risco do consumo de peixe cru ou mal cozinhado.
Epidemiologia, patogénese, clínica, imunologia, tratamento
e prevenção da Difilobotriose – novos tempos, “nova doença”
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Parte IV
Relatório de Estágio no Serviço de Patologia Clínica do CHLO
VIII MAC Conclusões e Perspetivas Futuras
Ana Filipa Fangueiro Duarte 157
Conclusões e Perspetivas Futuras
A realização deste estágio laboratorial foi fundamental para a aquisição de
competências práticas e para a consolidação dos conhecimentos teóricos adquiridos ao
longo do Mestrado em Análises Clínicas.
A oportunidade de realizar o estágio no SPC de um grande Centro Hospitalar como
o CHLO, onde é recebido um elevado número de amostras e onde são realizadas diversas
análises e efetuadas diferentes técnicas, permitiu-me adquirir uma visão global da rotina
diária de um laboratório de análises clínicas, num contexto real de trabalho. Durante o
estágio tive a possibilidade de acompanhar e participar em todas as fases do processo
analítico, desde a receção e preparação das amostras, manuseamento dos vários
equipamentos automáticos e realização de diferentes técnicas manuais, até à validação final
dos resultados.
Desta forma, esta foi uma experiência muito enriquecedora tanto a nível profissional
como pessoal, uma vez que permitiu a integração no meio profissional e possibilitou o
desenvolvimento de competências como o trabalho em equipa, a autonomia na execução
de tarefas e na resolução de problemas, e o desenvolvimento de sentido crítico na análise
dos resultados.
Assim, considero que os objetivos propostos para este estágio foram atingidos,
sendo que a experiência e conhecimentos adquiridos ao longo destes meses serão
fundamentais para o futuro profissional que pretendo efetuar na área das Análises Clínicas.
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