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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS
MESTRADO ACADÊMICO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE
ANTÔNIA IARA ADEODATO
DAS INSTITUIÇÕES TOTAIS AOS DISPOSITIVOS COMUNITÁRIOS DE SAÚDE MENTAL: ESTUDO DAS REDES SOCIAIS DE UM CAPS NO MUNICÍPIO DE
FORTALEZA
FORTALEZA-CEARÁ
2016
1
ANTÔNIA IARA ADEODATO
DAS INSTITUIÇÕES TOTAIS AOS DISPOSITIVOS COMUNITÁRIOS DE SAÚDE
MENTAL: ESTUDO DAS REDES SOCIAIS DE UM CAPS NO MUNICÍPIO DE
FORTALEZA
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade do Centro de Estudos Sociais Aplicados da Universidade Estadual do Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Políticas Públicas e Sociedade. Área de Concentração: Políticas Públicas
Orientador: Prof. Dr. João Tadeu de Andrade.
FORTALEZA-CEARÁ
2016
3
ANTÔNIA IARA ADEODATO
DAS INSTITUIÇÕES TOTAIS AOS DISPOSITIVOS COMUNITÁRIOS DE SAÚDE
MENTAL: ESTUDO DAS REDES SOCIAIS DE UM CAPS NO MUNICÍPIO DE
FORTALEZA
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade do Centro de Estudos Sociais Aplicados da Universidade Estadual do Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Políticas Públicas e Sociedade.
Aprovada em: 25 de abril de 2016
BANCA EXAMINADORA:
4
AGRADECIMENTOS
A Deus, refúgio que me acalenta nos momentos mais difíceis.
À minha amada mãe, Francisca, inspiração da minha vida.
Ao meu amor, Wellington, pelo singelo companheirismo e por todos os momentos
que vivemos juntos.
Aos meus irmãos, Ieda, Manuel (in memoriam) e Ieres, pelo incentivo e carinho.
Ao meu sobrinho, Mota Filho, e ao meu afilhado, Alisson, pelas alegrias das nossas
brincadeiras.
Ao meu querido orientador, João Tadeu, pela grata e valiosa companhia nesta
jornada.
Aos meus amigos, pela compreensão diante das ausências.
A todos que fazem parte do CAPS geral do Jardim América, pela acolhida dos
momentos compartilhados. Em especial, às pessoas que dividiram comigo suas
histórias de vida. Obrigada pela confiança.
Aos professores João Bosco Feitosa, Zulmira Áurea Cruz e Regina Heloisa Mattei
pelas preciosas contribuições que fizeram a este trabalho, durante a banca de
defesa.
À Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico, pela
concessão da bolsa de fomento à pesquisa, fundamental na realização desta
investigação.
Aos docentes e discentes do Programa de Mestrado Acadêmico em Políticas
Públicas e Sociedade da Universidade Estadual do Ceará, pelos momentos de
discussão e aprendizado.
A todos que contribuíram direta ou indiretamente para o desenvolvimento desta
dissertação.
5
“Se é verdade que o real é relacional,
pode acontecer que eu não saiba de uma
instituição acerca do qual julgo saber
tudo, porque ela nada é fora das relações
com o todo”.
(BOURDIEU, 2007, p.31).
6
RESUMO
Nesta dissertação analiso a estruturação de uma rede de apoio social, organizada em torno do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) geral do bairro Jardim América, localizado no município de Fortaleza, Ceará. Tal rede é constituída pelos profissionais do CAPS do Jardim América, por sujeitos classificados como portadores de transtornos mentais e seus familiares, além de demais pessoas envolvidas no processo de cuidado (membros de associações e cooperativas de bairro, integrantes de igrejas, amigos, vizinhos). Na construção deste objeto, fui instigada pela premissa de que o CAPS faz uso de práticas em associação com os campos de sociabilidades existentes no cotidiano das pessoas em tratamento, considerando-as um importante dispositivo terapêutico. Partindo desse pressuposto, compreendo que avaliar este novo modelo assistencial de saúde mental denota considerar fatores externos ao indivíduo e presentes em seu cotidiano, em hábitos de vida e em práticas de sociabilidade. Para a concretização desta pesquisa, realizo uma análise documental das principais normas jurídicas pertinentes à Política Nacional de Saúde Mental, uma abordagem de orientação etnográfica do CAPS, além da proposta de Análise de Redes Sociais (ARS) destinada ao mapeamento das redes de apoio dos usuários deste serviço de saúde mental. Neste sentido, a ARS se constituiu como ferramenta conceitual, analítica e metodológica. Os resultados apontaram que: 1) a rede de cuidados vinculada ao CAPS se estrutura a partir das tensões existentes entre as sociabilidades cotidianas dos usuários e as práticas institucionais de tratamento; 2) apesar da mudança do modelo de tratamento, as redes sociais das pessoas com transtorno mental continuam fragilizadas; 3) as práticas representativas do hospital psiquiátrico ainda estão presentes no cotidiano dos usuários do CAPS; 4) as redes de apoio social dos usuários do CAPS se caracterizam, sobretudo, por interações com parentes, membros de grupos religiosos, profissionais e outros profissionais do CAPS; 5) contrapondo-se ao discurso do Estado, existe pouca oferta e abrangência das atividades desenvolvidas pelo CAPS, envolvendo os campos de sociabilidades dos usuários do CAPS. Em conclusão, chama-se atenção para a reflexão sobre a importância do fortalecimento dos vínculos sociais e comunitários nas práticas de cuidado direcionadas as pessoas com transtornos mentais. Palavras-chave: Saúde mental. Rede social. Sociabilidade. Políticas públicas. Atenção psicossocial.
7
ABSTRACT This dissertation I analyze the structure of a social support network, organized around the Center for Psychosocial Care (CAPS) general of the district of Jardim América, situated in the city of Fortaleza, Ceará. This network is comprised of the CAPS professionals of Jardim América, by subjects classified as having mental disorders and their relatives and other people involved in the care process (members of association and neighborhood unions, church members, friends, neighbors). So, I was instigated by the premise that the CAPS makes use of practices in combination with the existing sociability fields in the daily lives of people in treatment, considering them an important therapeutic device. Based on this assumption, I understand that evaluate this new care model for mental health denotes to consider external factors to the individual and present in his daily life, life habits and practices of sociability. So, to achieve this research it was done a documentary analysis of the main juridical rules; relevant to the National Mental Health Policy, an approach of ethnographic orientation of CAPS, besides the proposal of Social Network Analysis (SNA) for the mapping of users support networks of this mental health service. In this sense, I used the proposal of Social Network Analysis (SNA) as a conceptual, analytical and methodological tool. The results showed that: 1) the network linked to CAPS is structured from the tensions of everyday sociability of users and the institutional practices of treatment; 2) despite the change of the treatment model, the social networks of people with mental disorders remain vulnerable; 3) the representative practices of the psychiatric hospital are still present in the daily lives of these individuals; 4) the networks of users social support of CAPS are characterized mainly, by interactions with relatives, religious groups members, professionals and other CAPS professionals; 5) in opposition of the State speech, there is little supply and scope of activities undertaken by CAPS, involving sociability fields of CAPS users. In conclusion, great attention must be given in order to reflect on the importance of strengthening of social and community links in care practices aimed at people with mental disorders. Key-words: Mental health. Social network. Sociability. Public policies. Psychological care.
8
LISTA DE FIGURAS
Figura 1- Fotografia do pátio do CAPS geral do Jardim América........... 56 Figura 2 - Quadro produzido no grupo de arteterapia pelos usuários do
CAPS............................................................................................... 59
Figura 3 - Painel confeccionado pelos usuários do CAPS destinado ao Festejo Junino (2015)....................................................................
60
Figura 4 - Fotografia alusiva à atividade do grupo de Memória................ 60 Figura 5 - Apresentação do Teatro do Oprimido (2014)............................. 63 Figura 6 - Organograma da Rede de Atenção à Saúde Mental................. 99 Figura 7 - Representação gráfica da rede de relações dos usuários do
CAPS constituída por malhas estreitas...................................... 106
Figura 8 - Representação gráfica da rede de relações dos usuários do
CAPS constituída por malhas intermediárias............................
115 Figura 9 - Representação gráfica da rede de relações dos usuários do
CAPS constituída por malhas frouxas....................................... 121
9
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABRATECOM Associação Brasileira de Terapia Comunitária
AGEAC Associação Geofilosófica de Estudos Antropológicos e
Culturais
ARS Análise de Rede Social
BPC Benefício de Prestação Continuada
CAPS Centro de Atenção Psicossocial
CEP Comitê de Ética em Pesquisa
CRAS Centro de Referência da Assistência Social
CREAECE Centro de Referência em Educação e Atendimento
Especializado do Ceará
COGTES Coordenadoria de Gestão do Trabalho e Educação na Saúde
CGSM Coordenação Geral de Saúde Mental
CGMAD Coordenação Geral de Saúde Mental Álcool e outras Drogas
ECC Encontro de Casais com Cristo
ESF Estratégia Saúde da Família
GTSM Grupo de Trabalho em Saúde Mental
IPI Internações Psiquiátricas Involuntárias
IPV Internações Psiquiátricas Voluntárias
IPM Programa de Saúde do Instituto de Previdência do Município
ISSEC Instituto de Saúde dos Servidores do Estado do Ceará
MISMEC Movimento Integrado de Saúde Mental Comunitária do
Pirambu
MSMCBJ Movimento de Saúde Mental Comunitária do Bom Jardim
MTSM Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental
NAMI Núcleo de Atenção Médica Integrada
NASF Núcleo de Apoio à Saúde da Família
PACS Programa de Agentes Comunitários de Saúde
PNASH Programa Nacional de Avaliação do Sistema Hospitalar
PRH Programa Anual de Reestruturação da Assistência Hospitalar
Psiquiátrica
PETI Programa de Erradicação do Trabalho Infantil
10
PSF Programa de Saúde da Família
RAPS Rede de Atenção Psicossocial
SER Secretaria Executiva Regional
SRT Serviço Residencial Terapêutico
SESI Serviço Social da Indústria
SISNEP Sistema Nacional de Ética em Pesquisa
SMS Secretaria Municipal de Saúde
SPA Serviço de Psicologia Aplicada
SUS Sistema Único de Saúde
UAPS – Unidade de atenção primária à saúde
UECE Universidade Estadual do Ceará
UFC Universidade Federal do Ceará
UBS Unidade Básica de Saúde
11
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 13 2 AS MUDANÇAS NO PARADIGMA MANICOMIAL E OS NOVOS
DISPOSITIVOS DE CUIDADO..................................................................... 26
2.1 AS PERSPECTIVAS HISTÓRICAS SOBRE A LOUCURA E SUAS
FORMAS DE TRATAMENTO....................................................................
26
2.1.1 O Processo de institucionalização e disciplinamento da loucura............ 27 2.1.2 As Instituições Totais e a mortificação do Eu ....................................... 30 2.1.3 A nova relação do Estado com o “doente mental”............................... 32
2.2 OS MOVIMENTOS DE REFORMA PSIQUIÁTRICA E O PROCESSO DE
DESOSPITALIZAÇÃO................................................................................
34
2.2.1 A psiquiatria reformada e o discurso da humanização do tratamento.. 34
2.2.2 O Movimento de reforma psiquiátrica no Brasil................................... 38 2.2.3 A instituição CAPS e a nova Política Nacional de Saúde Mental.......... 42 2.2.4 Saúde Mental no Ceará: contexto histórico e político.......................... 45 3 QUANDO O CAPS É O CAMPO: ASPECTOS ETNOGRÁFICOS DE UMA
INSTITUIÇÃO DE SAÚDE MENTAL....................................................................
52
3.1 CAPS: LOCALIZAÇÃO E DESCRIÇÃO..................................................... 53
3.2 O CAPS E A REDE DE ATENDIMENTO À SAÚDE MENTAL................... 63
3.3 COTIDIANO DO CAPS: UM DIA DE OBSERVAÇÃO................................ 72
3.4 OS USUÁRIOS E A FAMÍLIA NO CAPS................................................... 77
4 ATENÇÃO E CUIDADO NA SAÚDE MENTAL: AS REDES DE APOIO SOCIAL......................................................................................................
84
4.1 A CONCEPÇÃO DE REDES NAS CIÊNCIAS SOCIAIS........................... 84
4.2 AS REDES: MECANISMO E SUPORTE DE APOIO SOCIAL.................... 93
4.3 SAÚDE MENTAL E REDE INSTITUCIONAL EM FORTALEZA................ 97
4.4 TECENDO AS REDES DE APOIO SOCIAL DOS USUÁRIOS DO CAPS
DO JARDIM AMÉRICA..............................................................................
102
4.5 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE AS REDES DE MALHAS ESTREITAS,
INTERMEDIÁRIAS E FROUXAS DOS USUÁRIOS DO CAPS.................... 122
4.6 (RE) SIGNIFICANDO A SAÚDE MENTAL COMUNITÁRIA: A PERSPECTIVA
DOS USUÁRIOS, FAMILIARES E PROFISSIONAIS DO CAPS.............. 124
12
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................ 130
REFERÊNCIAS.......................................................................................... APÊNDICES...............................................................................................
APÊNDICE A – ROTEIRO DAS ENTREVISTAS.......................................
APÊNDICE B – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E
ESCLARECIDO.......................................................................................... APÊNDICE C – MATRIZ GERADORA DE DADOS...........................................
ANEXOS.....................................................................................................
ANEXO A – PARECER DA SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE........
ANEXO B – PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP/UECE..............
135 144 145
148
150
151
152
153
13
1 INTRODUÇÃO
Nesta pesquisa abordo a estruturação das redes de apoio social dos
usuários do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) do bairro Jardim América,
localizado no município de Fortaleza, Ceará. Essas redes são constituídas pelos
profissionais do CAPS, pelos usuários do serviço e seus familiares, além de demais
pessoas envolvidas no processo de cuidado (integrantes de grupos religiosos,
lideranças comunitárias, amigos, vizinhos). Busco de modo particular: 1) mapear as
redes de apoio social dos usuários do CAPS geral do Jardim América; 2) conhecer
os tipos de apoio prestados pelos integrantes dessas redes às pessoas em
tratamento; 3) analisar as práticas institucionais e as relações que os usuários do
serviço estabelecem com os profissionais de saúde, seus familiares e demais
envolvidos no tratamento; 4) avaliar os significados atribuídos a esse modelo de
assistência em saúde mental, segundo o ponto de vista dos profissionais da saúde,
usuários do serviço e seus familiares.
Os CAPS fazem parte da Política Nacional de Saúde Mental, que propõe
a progressiva substituição dos hospitais psiquiátricos (antigos hospícios ou
manicômios), por instituições de tratamento de base comunitária. O CAPS é assim
caracterizado como ambiente de atendimento destinado às pessoas classificadas
pelo saber médico como portadores de transtornos mentais, atuando em um ou dois
turnos de quatro horas, composto por profissionais de áreas diversas e proposto
para ser um lugar de convivência e articulação entre profissionais, usuários do
serviço, seus familiares e demais membros da comunidade. Tem como intuito
estabelecer uma rede de sociabilidades dos usuários em seu território e promover a
“inserção social” destas pessoas, mediante a realização de ações intersetoriais,
envolvendo educação, trabalho, esporte, cultura e lazer (BRASIL, 2004).
Meu interesse em pesquisar um dos serviços de saúde mental, o CAPS
em particular, refere-se a alguns fatores principais. O primeiro diz respeito à
relevância que esse serviço tem para a Política Nacional de Saúde Mental,
considerada pelo Governo Federal como o serviço de saúde estratégico para a
organização da rede substitutiva ao hospital psiquiátrico. O outro fator tem relação
com uma vivência pessoal. O fato de desde criança conviver com um parente que
apresenta transtornos psíquicos, acompanhando de perto os impasses e conflitos
acerca do tratamento destinado às pessoas com transtornos mentais. O terceiro
14
motivo reporta-se as visitas que fiz às instituições psiquiátricas1, no período em que
trabalharei na Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social do Governo do
Estado do Ceará. Considero ainda como relevante para essa escolha, a ênfase nas
significações que a interação social (familiares, vizinhos, amigos, membros da
comunidade) vem trazendo para as questões de saúde, influenciando nos
mecanismos de socialização dos indivíduos. Por fim, dirijo-me à mudança no
intitulado modelo de atenção em saúde mental brasileiro, que resultou na
implantação destes novos serviços de atendimento, contrapondo-se ao paradigma
tradicional, pautado no hospital psiquiátrico como principal centro de tratamento.
Na construção deste objeto de pesquisa, de imediato fui instigada a me
deter apenas no exame dos procedimentos e mecanismos de funcionamento
adotados por um CAPS geral 2 do município de Fortaleza. No decorrer da fase
exploratória, contudo, percebi que a instituição CAPS dispõe em seu projeto de
práticas terapêuticas (atividades culturais, oficinas destinadas à geração de renda,
atendimentos a grupos de familiares, atividades de lazer com a família, dentre
outras) que visam à articulação com os grupos sociais próximos aos usuários
(família, vizinhança, associações), considerando a construção de redes sociais um
importante auxiliar no tratamento. Ressalte-se que essas redes são compostas não
somente por aqueles ditos portadores de transtornos mentais e seus familiares,
como por aqueles que fazem parte do cotidiano destas pessoas. Esta constatação
me estimulou a delimitar, como campo de pesquisa, as redes de apoio social dos
usuários do CAPS, suas práticas e interações das múltiplas sociabilidades.
Com base nesta motivação, escolhi como lócus de investigação o CAPS
geral da Secretaria Executiva Regional (SER) IV3 do município de Fortaleza, Ceará.
A minha entrada no CAPS requereu uma série de procedimentos burocráticos, que
1 Dentre essas figuram: o Hospital-Dia do Instituto de Psiquiatria do Ceará, o Hospital de Saúde Mental Dr. Frota Pinto, a Residência Terapêutica Solar dos Girassóis e os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) das Secretarias Executivas Regionais II, IV e V do município de Fortaleza. 2 Os CAPS gerais atendem pessoas com transtornos mentais graves e persistentes (BRASIL, 2004). 3 Segundo a Prefeitura Municipal de Fortaleza, a SER IV possui área territorial de 34.272 km², abrangendo 19 bairros: São José Bonifácio, Benfica, Fátima, Jardim América, Damas, Parreão, Bom Futuro, Vila União, Montese, Couto Fernandes, Pan Americano, Demócrito Rocha, Itaoca, Parangaba, Serrinha, Aeroporto, Itaperi, Dendê e Vila Pery. Sua população é de aproximadamente 305 mil habitantes, conforme censo do IBGE. O bairro mais populoso é o da Parangaba, com cerca de 32.840 mil habitantes; e o menos populoso é o Dendê, com apenas 2.480. A Regional possui ainda a segunda maior emergência do Estado do Ceará, o Frotinha da Parangaba, que realiza uma média de 16 mil atendimentos por mês. Disponível em: <http://www.fortaleza.ce.gov.br/regionais/regional-IV>.
15
dentro de uma lógica normativa foram cumpridos. Submeti, previamente, meu
projeto à Coordenadoria de Gestão do Trabalho e Educação na Saúde (COGTES),
vinculada a Prefeitura Municipal de Fortaleza, e ao Sistema Nacional de Ética em
Pesquisa (SISNEP), sendo avaliado pelo Comitê de Ética da Universidade Estadual
do Ceará. Após a aprovação da COGTES e do Comitê de Ética em Pesquisa da
UECE, iniciei minhas visitas ao CAPS. A priori mantive contato com a coordenadora
e com os profissionais da Instituição, sendo-me permitido acompanhar um membro
da equipe técnica no desempenho de suas atribuições. Entendo que este fato me
possibilitou constituir uma relação de proximidade e confiança com os usuários,
facilitando a obtenção de informações.
Esta pesquisa é de natureza qualitativa e quantitativa, tendo em vista que
se reporta ao mundo das relações, das representações e da intencionalidade, mas
também esta voltada às observações dos aspectos estruturais do comportamento
humano, através da aplicação de recursos relativos à sistematização das relações
sociais, intrínseco à Análise de Rede Social (ARS). Destaca-se que por pesquisa
qualitativa Minayo (2010, p. 21) entende a atividade da ciência que “trabalha com o
universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores,
das atitudes da realidade social”. Já por pesquisa quantitativa, Bauer, Gaskell e
Allum (2007) entendem a abordagem metodológica que trabalha com números e usa
métodos estatísticos para explicar os dados. Ressalte-se que, tentando superar a
dicotomia entre pesquisas qualitativas e quantitativas, Bauer, Gaskell e Allum (2007)
postulam que não há quantificação sem qualificação, por outro lado a qualificação
procura na quantificação equivalente funcional para lhe dar maior sustentabilidade.
Assim, embora haja divergência sobre a construção de uma teoria das
redes sociais que oriente os pesquisadores sobre que dados devem ser extraídos,
ou mesmo que significado se pode atribuir a um conjunto de informações, considero
a possibilidade de construir um modelo consistente de observação empírica,
baseado no uso da metodologia de Análise de Redes Sociais 4. Por ARS entende-se
uma metodologia voltada para o estudo das ligações relacionais entre atores sociais.
Esta metodologia pretende oferecer uma dupla explicação: a primeira refere-se ao
4 A Análise de Redes Sociais surgiu na década de 1970, oriunda da Sociologia, da Psicologia Social e da Antropologia. Nos últimos anos, a ARS ganhou importância em diversas áreas de conhecimento, tais como: Administração, Medicina, Economia, Geografia, Ciências da Comunicação, Biologia.
16
comportamento dos indivíduos, através das redes nas quais eles se inserem; e a
segunda reporta-se à estruturação de redes sociais a partir do modelo de interação
entre os sujeitos. Neste sentido, a ARS propõe que a sociedade apresenta padrões
de regularidade, organizados a partir de campos de sociabilidade que se estruturam
conforme os laços estabelecidos entre as pessoas, os quais podem ser
sistematizados, quantificados e formalizados.
Nesta perspectiva, construí uma matriz geradora de dados para cada
configuração de estrutura reticular (malhas estreitas, intermediárias e frouxas).
Essas matrizes sintetizam os aspectos relacionados à configuração das redes de
apoio social dos usuários, sendo constituídas a partir da identificação dos sujeitos,
dos tipos de vínculos que mantém e dos recursos transmitidos (ver matriz geradora
de dados no apêndice C). Este recurso me permitiu condensar aspectos pertinentes
às características ou propriedades dos vínculos (identificação das pessoas
próximas) e a intensidade dos laços (tipo de relação, recursos adquiridos e status de
relacionamento). Os dados foram obtidos a partir das entrevistas (ver roteiro de
entrevista no apêndice A) e observações diretas. Posteriormente, transpus estas
informações para os programas UCINET e Netdraw, os quais me possibilitaram
analisar os dados relacionais e obter a configuração gráfica das redes de malhas
estreitas, intermediárias e frouxas dos usuários do CAPS. Ressalta-se que utilizei
esses programas informáticos, almejando facilitar a localização dos atores em uma
estrutura reticular e o padrão da relação entre eles.
O UCINET é um pacote de software destinado à análise de dados de rede
social. Ele foi desenvolvido por Lin Freeman, Martin Everett e Steve Borgatti. O
UCINET permite o armazenamento dos dados em uma matriz, sendo utilizada na
medição das propriedades estruturais do grafo. Atua, portanto, como programa de
armazenamento dos dados relacionais e de análise das propriedades estruturais das
relações sociais. Nele é possível medir a centralidade dos atores em uma estrutura
reticular, a densidade das relações, o grau de entrada e de saída dos
relacionamentos, dentre outros. O UCINET traz ainda como ferramenta de
visualização reticular o programa Netdraw, destinado à visualização de um conjunto
de relações entre atores sob o prisma de um gráfico. Para tal, é necessário exportar
os dados do UCINET para o Netdraw. Desde modo, o Netdraw é utilizado como um
recurso de desenho de um grafo, tendo como base o ficheiro de dados criado em um
17
dispositivo de armazenamento de informações, neste caso o UCINET. O Netdraw é
muito empregado quando se trata da configuração gráfica de um número elevado de
atores.
Em conformidade com a ARS, busquei identificar de que forma os
profissionais do CAPS, usuários, seus familiares e demais pessoas envolvidas no
cuidado se relacionam entre si, quais padrões de comportamento nestas estruturas
reticulares podem ser inferidos e que características estruturais destas redes podem
explicar o acesso a determinados recursos sociais. Portanto, não se tratou de
analisar a rede de atenção à saúde mental do município de Fortaleza, definida pelo
Ministério da Saúde como o conjunto de serviços e equipamentos disponíveis num
determinado território geográfico (Unidade Básica de Saúde, Hospital Geral, CAPS,
Conselho Municipal de Saúde, dentre outros), incluindo também os profissionais de
saúde (BRASIL, 2013). As redes que foram reconstituídas se referem aos vínculos
interativos dos usuários do CAPS (parentes, amigos, membros da comunidade),
também incluindo os campos institucionais onde os pacientes estão inscritos
(associações, grupos religiosos, instituições de saúde) a partir das suas trajetórias
terapêuticas.
Importa dizer que se tratou de uma abordagem egocentrada, ou seja, as
redes de relações foram constituídas a partir de um indivíduo específico, neste caso
o usuário do CAPS. Estas redes, contudo, não englobam todos os contatos dos
usuários, mas se reportam as pessoas que prestam (atualmente) algum tipo de
apoio imediato a esses pacientes. A noção de apoio social fornecido pelas redes de
relações dos usuários do CAPS refere-se aos recursos emocional, instrumental ou
material, informacional e interação social positiva (DUE, 1999), proporcionados pelos
profissionais de instituições governamentais, associações da sociedade civil,
familiares, vizinhos, amigos, membros de congregações religiosas. Destaca-se que o
apoio emocional abrange expressões de amor e afeição; o apoio instrumental ou
material se refere à provisão das necessidades materiais em geral; o apoio de
informação envolve informações, aconselhamentos, orientações; e o de interação
social positiva reporta-se à disponibilidade de pessoas com quem se divertir e
relaxar. Neste trabalho, ampliei a dimensão de interação social positiva para
satisfazer também à disposição da rede social em atender as necessidades
individuais, tendo em vista diferentes situações (doença, desemprego, etc.). Neste
18
sentido, a nomenclatura “rede de apoio social” dos usuários do CAPS foi pensada
com vistas a satisfazer dois critérios: 1) indivíduos que integram as redes sociais dos
usuários do CAPS; 2) interação social entre os membros da rede, existindo a
transmissão de algum tipo de apoio social (emocional, instrumental ou material,
informacional e interação social positiva) aos usuários do CAPS.
Nesse caso, solicitei aos usuários entrevistados listar os seus contatos
adjacentes, indicando o tipo de apoio recebido. Não considerei, contudo, os atores
que se desdobram a partir dos contatos imediatos dos usuários, localizados mais
distantes do ego. Entendo que a adoção desse tipo de abordagem me permitiu
identificar as pessoas que participam das redes de apoio social dos usuários,
realizando múltiplas tarefas e auxiliando em diferentes situações de ajuda cotidiana,
além de facilitar a compreensão dos padrões de auxílio e reciprocidade que ocorrem
de forma não mediada, por meio de vínculos diretos. Parto, portanto, da premissa de
que o comportamento relacional facilita a obtenção de informações, recursos e
apoios, relacionados à melhoria da condição física e psíquica dos indivíduos.
Ressalto que essa orientação leva em conta a dimensão temporal e dinâmica das
interações sociais.
Para o intento dessa pesquisa foram reconstruídas dez redes de apoio
social, elencadas em três categorias diferentes: redes de malhas estreitas, redes de
malhas intermediárias e redes de malhas frouxas. Destaca-se que a delimitação
dessas três estruturas reticulares e a inserção da categoria de “redes de malhas
intermediárias” levou em conta o aperfeiçoamento da abordagem de BOTT (1976)
que considera as redes de malhas estreitas e frouxas, em consonância com os
dados obtidos no CAPS. Neste sentido, considero que as redes de malhas estreitas
abrangem o maior número de atores (nós) interligados e os vínculos entre os atores
são mais fortes, configurados principalmente por laços de parentesco e de amizade.
Na rede de malhas intermediárias há um número maior de laços fortes estabelecidos
entre os atores do que na rede de malhas frouxas, porém, menor do que na rede de
malhas estreitas. Na rede de malhas frouxas há um número menor de atores (em
comparação com as duas redes anteriores), com predominância de laços fracos.
Utilizo o conceito de laços fortes e fracos de acordo com Granovetter (1973). Para o
autor, os laços fortes são aqueles que conectam os indivíduos aos familiares e
amigos próximos, e são expressos por uma relação de intimidade, reciprocidade e
19
frequência. Já os laços fracos interligam os atores aos campos de sociabilidade mais
distantes (parentes mais afastados, colegas de trabalho, vizinhos), e manifesta-se,
sobretudo, em apoios informacionais. Destarte, entendo que o emprego desse
recurso permitiu conhecer os padrões de sociabilidade dos usuários do CAPS e
também inferir sobre que tipos de recursos são acessados a partir da qualidade dos
laços (fortes/fracos).
Em complementaridade a ARS, utilizei também uma abordagem de
inspiração etnográfica do CAPS e realizei entrevistas com os profissionais da
Instituição, usuários e seus familiares. A abordagem de inspiração etnográfica do
CAPS geral do Jardim América, possibilitou uma descrição densa do cotidiano
institucional, das relações e práticas desenvolvidas no processo de triagem, nos
grupos terapêuticos, nas oficinas e reuniões interdisciplinares. Por descrição densa
é entendido o ato etnográfico de conhecer a cultura, que se expressa, através do
registro dos fatos e da descrição, análise e interpretação dos significados contidos
nos ritos e performances humanas (GEERTZ, 2008). Outro recurso técnico-
metodológico consistiu na observação participante que teve como objetivo captar a
dinâmica de funcionamento da instituição, bem como compartilhar das motivações,
perspectivas e expectativas dos agentes sociais envolvidos (pacientes, familiares,
profissionais, demais cuidadores) durante as atividades desenvolvidas por estes
grupos, tendo em vista o contato face a face. A adoção dessa abordagem consistiu
no entendimento de que essa proposta contribui para identificar atores, vínculos e
relações, dando suporte ao mapeamento da estrutura reticular.
Foram feitas concomitantemente entrevistas semiestruturadas e
individuais, mediante assinatura de Termo de Consentimento Livre Esclarecido (ver
apêndice B), com os profissionais de saúde, usuários do serviço e seus familiares
com o intuito de captar a configuração reticular e suas representações acerca da
rede comunitária de cuidados em saúde mental. Realizei ao todo dezenove
entrevistas, sendo treze com os pacientes do CAPS, três com seus familiares e
outras três com os profissionais de saúde, com duração média de 40 minutos cada.
Cabe destacar que na realização das entrevistas priorizei os usuários do CAPS, com
vistas a embasar a construção das redes de apoio social. A escolha dos usuários
como principais interlocutores da pesquisa, em detrimento dos profissionais e
familiares, deve-se a dois aspectos fundamentais: 1) os campos de sociabilidade se
20
reportavam diretamente às suas interações cotidianas; 2) dá voz aos sujeitos em
questão, tantas vezes estigmatizados e reprimidos. Desta forma, entendo que a
entrevista possibilitou, por meio das trocas verbais e não verbais estabelecidas no
contexto de interação, uma melhor compreensão dos significados, valores e
representações dos atores sociais a respeito das suas vivências pessoais e práticas
constituídas no cotidiano do CAPS.
Para a operacionalização desta pesquisa classifiquei os participantes em
três grupos distintos: 1) usuários do CAPS; 2) familiares e demais cuidadores; 3)
profissionais da Instituição. A escolha dos usuários levou em conta alguns fatores.
Primeiro, tentei reproduzir uma amostra da clientela do CAPS do Jardim América,
segundo sexo, idade e tipo de diagnóstico mais frequente. Segundo, considerei
aqueles usuários que participam das oficinas ou grupos terapêuticos no CAPS.
Terceiro, procurei mesclar os usuários que possuem redes sociais com maior
número de atores e vínculos mais fortes, e os que mantêm laços sociais mais fracos.
Quanto aos profissionais ponderei o tempo de trabalho na Instituição, priorizando os
mais antigos. Combinei ainda os profissionais pertencentes às diferentes áreas do
conhecimento, dando ênfase aqueles que participam diretamente das oficinas
terapêuticas (assistentes sociais, psicólogos, terapeutas ocupacionais, enfermeiros).
A facilidade de acesso aos profissionais também foi tomado como critério de
escolha. Os familiares e demais cuidadores reportam-se aqueles que frequentam
com regularidade o CAPS e/ou que mantiveram participação ativa nas atividades
oferecidas pela Instituição, portanto, não se referem diretamente aos usuários
entrevistados.
Na construção das estruturas reticulares e na citação dos trechos das
entrevistas, identifiquei os interlocutores da pesquisa a partir dos três grupos citados,
a seguir: a) usuário 1, usuário 2, usuário 3, usuário 4, e assim por diante; b) familiar
1, familiar 2 e familiar 3; c) profissional de Serviço Social, profissional de
Enfermagem, profissional de Terapia Ocupacional. Utilizei esse procedimento para
preservar a identidade dos interlocutores da pesquisa, conforme orientação do
SISNEP. Quanto ao perfil dos usuários entrevistados, convém salientar que
entrevistei cinco homens e oito mulheres, entre 20 e 60 anos, cujos diagnósticos
mais frequentes abrangiam transtornos psicóticos (esquizofrenia) e de humor
(bipolaridade e depressão). Os familiares 1, 2 e 3 são mães de usuários do CAPS
21
(não entrevistados). Os profissionais entrevistados são funcionários públicos,
concernentes às áreas de Serviço Social, Enfermagem e Terapia Ocupacional,
respectivamente.
Por fim, realizei uma análise documental das principais normas jurídicas
editadas, com o propósito de implantar a Reforma Psiquiátrica no Brasil, alistadas
sob os seguintes contextos: Legislação Federal, Legislação Estadual, portarias do
Ministério da Saúde, resoluções e recomendações do Conselho Nacional de Saúde,
do Conselho Estadual de Saúde do Ceará e do Conselho Municipal de Saúde de
Fortaleza, bem como relatórios das conferências de saúde mental, ambas nas
respectivas esferas federativas (nacional, estadual, municipal). Também foram
consultados o Projeto Terapêutico do CAPS geral do Jardim América e o relatório do
Grupo de Trabalho em Saúde Mental (GTSM) 5, referente à avaliação da Rede de
Atenção Psicossocial de Fortaleza.
No processo de análise e interpretação dos dados foi utilizado o Método
de Interpretação de Sentidos. Segundo Minayo (2010, p. 69), este procedimento
consiste na “tentativa de avançar mais na interpretação, caminhando além dos
conteúdos de textos na direção de seus contextos e revelando as lógicas e as
explicações mais abrangentes presentes em uma determinada cultura [...]”. Para tal,
foi realizada uma leitura compreensiva dos dados levantados, objetivando obter uma
visão de conjunto e apreender as particularidades do material. Posteriormente, foi à
exploração do material, que consistiu na problematização das ideias explícitas e
implícitas contidas no texto e na busca de sentidos mais amplos (socioculturais)
atribuídos às ideias. Por fim, foi elaborada a síntese interpretativa, que consiste em
fazer uma articulação entre os objetivos do estudo, a base teórica adotada e os
dados empíricos.
Embasada por esta premissa, articulo a descrição dos mecanismos de
organização, funcionamento do CAPS geral do Jardim América e dos serviços de
apoio, com as percepções, apropriações e ações dos atores sociais envolvidos em
torno desta nova proposta terapêutica. Pois, compartilho da premissa levantada por
Bourdieu (2004), para quem somente a apreensão da lógica objetiva da organização
5 Este relatório é oriundo de uma parceria entre a Comissão de Direitos Humanos da Câmara de Vereadores do município de Fortaleza e a sociedade civil, representada pelos segmentos de usuários, familiares, trabalhadores e Conselhos de classe. Surgiu da reivindicação dos usuários e integrantes do Conselho local do CAPS geral do Jardim América.
22
não consegue elucidar o princípio explicativo do funcionamento de uma organização;
é necessário introduzir o nível das significações. Como indicadores de análise
concebo: a estruturação das redes de apoio social dos usuários do CAPS; as
distintas tipologias de apoio conferidas aos usuários do CAPS por suas redes
sociais; as práticas de sociabilidades inscritas entre os profissionais da instituição,
usuários, familiares e demais pessoas envolvidas no processo de cuidado; e os
significados atribuídos ao CAPS de base comunitária. Para tal, utilizei como
conceitos centrais, as categorias de saúde mental, rede social e sociabilidade.
Assim, ao discutir as mudanças nos dispositivos de saúde mental, nos
quais se pode incluir o CAPS, compreendo que é fundamental a reconstituição das
bases do encargo social designado ao “doente mental” e suas implicações para o
direcionamento dos tratamentos no decorrer da Modernidade. No âmbito das
Ciências Sociais, alguns estudos alcançaram o status de clássicos a despeito das
representações sociais sobre o fenômeno da loucura, das formas histórico-culturais
de se lidar com esta e com o chamado “louco”, e das práticas daí emergentes. Tomo
como ponto de partida à problemática foucaultiana (2006; 2010), tendo como eixo a
análise do processo de institucionalização e disciplinamento da loucura, bem como o
delineamento conferido a esse personagem na sociedade moderna. Em
complementaridade, emprego os estudos realizados por Goffman (2010) com ênfase
nas características das denominadas “Instituições Totais”, sua dinâmica de
organização e a forma como atuam sobre o indivíduo. Por seguinte, utilizo as
análises realizadas por Robert Castel (1991), em A Ordem Psiquiátrica: A idade de
Ouro do Alienismo, sobre os sistemas que se materializam em políticas de saúde
mental nos diferentes contextos históricos.
Por sua vez, o arcabouço conceitual, analítico e metodológico da análise
de redes sociais 6 é acionado para lançar luz aos estudos sobre as interações
sociais. Nestas abordagens, verifica-se um ponto em comum, que se expressa pelo
aspecto relacional, intrínseco ao conceito de rede. Por rede entendo um conjunto de
relações sociais entre um grupo de atores (COLONOMOS, 1995 apud ACIOLI, 2007,
p.2). Deste modo, contrapondo-se às análises sociológicas que enfatizam a
dimensão da ação individual ou as perspectivas que se referem às restrições
6 Segundo Portugal (2007), a vasta e dispersa literatura produzida nos últimos anos sobre as redes sociais, em diversos domínios científicos, ressoam na defesa de uma “ciência das redes”, como forma de apreender a interconexões do mundo contemporâneo.
23
estruturais, entendo que esta perspectiva leva em consideração tanto as escolhas
de cada indivíduo, como as determinações e os padrões construídos socialmente.
Vale destacar que a construção de redes sociais é considerada pelo Estado como
um importante mecanismo para o Movimento da Luta Antimanicomial e para as
diretrizes da Reforma Psiquiátrica Brasileira, que têm em sua concepção uma
referência para a mudança paradigmática sobre o estigma da loucura.
Dentro da análise do conceito de rede emprego, portanto, autores
vinculados à Sociologia e à Antropologia Social, que consideram as propriedades
morfológicas e interativas das redes. Tomo como referência os estudos de Bott
(1976), com foco nas estruturas reticulares como ferramenta de análise dos
relacionamentos entre pessoas, identificando seus elos em diferentes contextos.
Adoto também a contribuição de Simmel (2006, 1983), voltada, principalmente, para
o estudo da morfologia das redes e para o seu condicionamento nos
comportamentos dos indivíduos. Neste sentido, parto da premissa de que as formas
sociais são engendradas pela interação entre os indivíduos, contudo, as estruturas
que emergem das relações sociais também exercem sobre ela um constrangimento
(SIMMEL, 2006). Por conseguinte, tento estabelecer um diálogo com os estudos
voltados para a análise quantitativa das redes, a partir de uma abordagem estrutural.
Utilizo como fundamento os escritos de Lazega (2014) e Lemieux (2012)
direcionados ao estudo das relações que interligam os indivíduos, as quais são
compreendidas como unidade básica da estrutural social. Abordo ainda as análises
de Fontes (2007; 2008) e Portugal (2013) com foco analítico nas relações sociais,
engendradas a partir da estruturação de redes sociais, percebidas como mecanismo
de apoio social. As análises de Granovetter (1973) com relação às categorias de
laços fortes e fracos, e os estudos de Due (1999) com foco nas tipologias de apoio
social também foram tomados como referência.
Já a categoria sociabilidade reporta-se à ênfase concebida pela Política
Nacional de Saúde Mental ao papel da interação social nas práticas terapêuticas dos
indivíduos portadores de transtorno mental. Para discutir as formas de sociabilidade
e as determinações da inserção dos campos de sociabilidades vinculados aos
usuários do CAPS, tomei como aporte teórico as abordagens de Simmel (2006;
1983), Goffman (2011). Segundo Simmel (2006), o conceito de sociabilidade é
entendido como forma específica de interação, a qual tende a tomar no decurso do
24
processo social uma individualidade própria, independente dos impulsos, interesses
e inclinações dos indivíduos. Ou seja, a “forma lúdica da sociação”, não importando
as motivações (SIMMEL, 2006, p. 65). Salienta-se que por sociação entende-se as
formas ou modos pelos quais os atores sociais se relacionam. As relações sociais
podem configurar-se como conflitivas, de interesse mútuo ou de subordinação.
Assim sendo, a sociologia pura ou formal tem por objeto os fenômenos no momento
de sua sociação, livres dos seus conteúdos, que ainda não são sociais.
Remetendo-se à corrente do interacionismo simbólico, podem ser citadas
as análises de Goffman sobre a interação social e seus efeitos sobre a identidade
individual. Em Ritual de Interação (2011), Goffman analisa os fatores que
influenciam o comportamento humano e formam a identidade individual, quando em
interação face a face. Para o autor, todas as pessoas vivem num mundo de
encontros sociais que as envolvem, em contato face a face ou mediado por outros
participantes. Em cada um desses contatos a pessoa tende a desempenhar um
padrão de atos verbais e não verbais, com o qual expressa sua opinião sobre uma
determinada situação e sua avaliação sobre os participantes, especialmente sobre
ela própria.
Assim, com base nos estudos sobre redes sociais, vinculados à noção de
apoio social, pode-se analisar que a associação condiciona o estilo de vida, o
sentimento de bem-estar e, mesmo, a saúde dos indivíduos (FONTES, 2007;
PORTUGAL, 2013, SOUZA, 2003). Alguns exames, contudo, enfatizam que as
pessoas com transtorno mental apresentam redes sociais empobrecidas, em virtude
das situações de isolamento vivenciadas (FONTES, 2007; SOUZA, 2003). Partindo
destas observações, suponho que: 1) as redes sociais são centrais à sociabilidade
dos indivíduos e ao acesso aos distintos recursos materiais e imateriais (apoio
emocional, instrumental, informacional, interação social positiva); 2) as redes de
apoio sociais se estruturam a partir das tensões existentes entre as sociabilidades
cotidianas dos usuários e as práticas institucionais de tratamento; 3) apesar da
mudança do modelo de tratamento clássico, para outras modalidades de tratamento,
as redes sociais das pessoas portadoras de transtorno mental continuam
fragilizadas.
Para a concretização desta pesquisa, parto dos seguintes
questionamentos: Como são estruturadas as redes de apoio social dos usuários do
25
CAPS geral do Jardim América? Como ocorre a participação de pessoas e grupos
dos diversos campos de sociabilidade (familiares, vizinhos, amigos, integrantes de
grupos religiosos, lideranças comunitárias, colegas de trabalho) existentes no
cotidiano das pessoas em tratamento nesse CAPS? Quais os tipos de apoio
conferidos pelas pessoas inseridas nas redes sociais dos usuários do CAPS? De
que maneira o modelo de tratamento em rede do CAPS é compreendido pelos
profissionais da saúde, usuários e familiares no registro de suas experiências? Com
efeito, procuro trabalhar esses pontos à luz da análise dos objetivos propostos pela
Política Nacional de Saúde Mental, dos significados em torno deste paradigma
assistencial e da prática cotidiana vivenciada pelos profissionais do Centro de
Atenção Psicossocial da Regional IV do Município de Fortaleza, usuários e
familiares, traçando seus desenvolvimentos distintos e seus cruzamentos.
No segundo capítulo dessa dissertação abordo as mudanças no
paradigma assistencial psiquiátrico. Tomo como ponto de partida o processo de
institucionalização e disciplinamento da loucura. Em seguida, analiso os movimentos
de reforma instituídos após a II Guerra Mundial, que deram origem à desconstrução
do dispositivo psiquiátrico clássico, culminando com os movimentos de reforma
psiquiátrica no Brasil e no Ceará. No terceiro capítulo, realizo uma abordagem de
orientação etnográfica do CAPS geral do bairro Jardim América, objetivando
reconstituir sua dinâmica cotidiana, as práticas e relações de poder entre
profissionais, usuários e demais pessoas envolvidas no cuidado. No quarto capítulo,
construo tipologias das redes sociais dos usuários do CAPS. A priori explano sobre
as concepções teóricas acerca das redes sociais, enquanto mecanismo de suporte
social. Posteriormente, identifico as estruturas reticulares dos usuários do CAPS
constituídas a partir das pessoas e grupos que compõem os diversos campos de
sociabilidade (profissionais de saúde, familiares, vizinhos, amigos, integrantes de
grupos religiosos, lideranças comunitárias, colegas de trabalho), analisando as
relações estabelecidas entre eles. Por fim, examino os significados atribuídos ao
modelo comunitário de saúde mental, pelos profissionais do CAPS Jardim América,
usuários do serviço e familiares envolvidos no cuidado.
26
2 AS MUDANÇAS NO PARADIGMA MANICOMIAL E OS NOVOS DISPOSITIVOS
DE CUIDADO
2.1 AS PERSPECTIVAS HISTÓRICAS SOBRE A LOUCURA E SUAS FORMAS DE
TRATAMENTO
A percepção moderna da loucura trouxe consigo elementos que, até hoje,
constituem as bases do encargo do doente mental e direcionam as formas de lidar
com a loucura e o chamado louco. Analisar as representações historicamente
construídas acerca da loucura remete à reflexão dos mecanismos de produção de
saberes e exercício do poder direcionados aos sujeitos, rotulados como doentes
mentais na modernidade. No processo de apropriação pela medicina, a loucura foi
definida como distúrbio das paixões humanas, que inabilita o sujeito de partilhar do
pacto social. O alienado era visto como incapaz de ter consciência de seus atos e,
por extensão, perigoso para si e para os demais. Neste contexto, o hospício, que na
Idade Clássica tinha como função principal servir de asilo para excluídos
socialmente, passa a constituir-se em instituição de enclausuramento e internação
que assume a conotação do hospital psiquiátrico moderno, respondendo as
exigências econômicas, políticas e sociais da Modernidade.
Com os movimentos de reforma, instituídos após a II Guerra Mundial,
foram estabelecidas tentativas de redirecionamento da assistência psiquiátrica, que
vai da política de confinamento dos loucos até a atual concepção de promoção da
saúde mental. O debate crítico em torno da saúde mental e do processo de reforma
psiquiátrica indica para a incapacidade da psiquiatria explicar ou curar o seu objeto
de intervenção, a doença mental. A superação do paradigma clássico está
relacionada, portanto, à desconstrução do dispositivo psiquiátrico e clínico em seus
preceitos fundantes e suas técnicas de poder-saber. Assim, surgem instituições de
tratamento substitutivas, caracterizadas por estruturas intermediárias entre a
internação integral e a vida comunitária.
2.1.1 O Processo de institucionalização e disciplinamento da loucura
Michel Foucault, em História da Loucura na Idade Clássica (2010), retrata
que durante a Idade Média, em virtude das Cruzadas, ocorreu a proliferação da
27
lepra na Europa, sendo estabelecidas, como forma de manter os enfermos
afastados da sociedade, instituições de abrigamento. A figura do leproso trazia
consigo um estigma, com valores e imagens predeterminadas socialmente. Com o
fim da lepra, estas estruturas e práticas de cerceamento, voltadas a eliminar o
desemprego ou pelo menos ocultar seus efeitos sociais, foram direcionadas aos
pobres, vagabundos, presidiários e “cabeças alienadas”, os quais assumiram o
papel anteriormente atribuído ao lazarento. Deste modo, a loucura torna-se
sucessora da lepra no que diz respeito aos medos seculares, modos de exclusão e
discriminação.
Na paisagem imaginária da Renascença, verifica-se o aparecimento da
Nau dos Loucos, barcos de peregrinação destinados ao translado dos alienados de
uma cidade para outra, almejando simbolicamente encontrar “senão a fortuna, pelo
menos a figura de seus destinos ou suas verdades” (FOUCAULT, 2010, p. 9). O
louco designava a ameaça do desatino e do perigo constante, por isso era banido
dos muros das cidades europeias e condenados a andar de cidade em cidade ou
colocados em navios para, na inquietude do mar, vagarem sem destino, chegando,
ocasionalmente, a algum porto. O fato de o louco ser levado para outros lugares
através da água mostra seu efeito purificador. “Além do mais, a navegação entrega
o homem a incerteza da sorte: nela, cada um é confiado ao seu próprio destino. [...]
Este se torna prisioneiro da mais aberta das estradas” (FOUCAULT, 2010, p.12),
comparando, a prisão à imensidão do mar. O destino do louco não era sua terra de
origem, e nem aquela que ficou para trás. Sua terra se limita à distância entre
ambas.
Nos fins da Idade Média, a figura do louco retorna ao cotidiano do homem
europeu. As artes trazem consigo o pensar crítico, onde sua imagem marginal torna-
se o centro e o reflexo da verdade. Na literatura e na filosofia, o fenômeno da
loucura surge como revelação das fraquezas e ilusões humanas. Nas artes
plásticas, está associada aos sonhos, sendo representada como um saber obscuro,
que esconde segredos, precisando por isso ser desvendada. No teatro,
especificamente nas farsas e sotias (gêneros teatrais), o personagem do louco era
visto como detentor da verdade, desempenhando um papel contrário nos contos e
sátiras. Verifica-se, assim, que no início do século XVII, a loucura passa a ser
considerada como incapaz de incitar a manifestação da verdade e o retorno da
28
razão. Ela é percebida como falha da razão ou uma aparência falsa da verdade, no
campo das ilusões, levando as pessoas a desenvolverem uma falsa percepção dos
sentidos. De acordo com Foucault (2010, p. 33), a loucura, até o final do século
XVIII, mantinha uma relação paradoxal com a razão. “Elas se afirmam e se negam
uma à outra”.
Com o advento da Modernidade, a constituição de uma nova configuração
de pensamento e organização social, reformulou a percepção social sobre a loucura
e a maneira de tratar o louco. Para Foucault (2010), a chamada loucura
compreendida, na Época Clássica, como ausência da razão, torna-se objeto de
conhecimento científico na Modernidade. A loucura, agora identificada como
alienação e caracterizada como doença mental, passa a estar vinculada a uma
possibilidade de cura, enquanto o asilo se torna o lugar de isolamento específico do
chamado louco, configurando-se como um meio mais sutil de dominação da loucura,
um modo menos explícito de sujeitá-la. Conforme destaca Foucault:
Ignorada há séculos, ou pelo menos, mal conhecida, a era clássica teria começada a apreendê-la de modo obscuro como desorganização da família, desordem social, perigo para o Estado. E aos poucos esta primeira percepção se teria organizado, e finalmente aperfeiçoado, numa consciência médica que teria formulado como doença da natureza aquilo que até então era reconhecido apenas como mal-estar da sociedade (2010, p. 80).
No século XVII, o internamento funcionou, inicialmente, como mecanismo
de controle social, destinando-se a conter a mendicância e a vagabundagem. As
instituições de internamento, voltadas para a eliminação dos associais,
representavam um castigo moral à miséria, considerada como desordem ao sistema
normativo estabelecido. Neste período, “a loucura era percebida no horizonte social
da pobreza, da incapacidade para o trabalho, da impossibilidade de integrar-se no
grupo”, inserindo no contexto dos problemas da cidade (FOUCAULT, 2010, p. 78).
Ela repousava-se sobre a moral e a ética, sendo por isso chamada de loucura moral.
Internava-se o louco quando este não tinha consciência de que sua loucura poderia
perturbar moralmente a sociedade e não sentia remorso pelo crime feito. Os
hospitais tinham o poder de autoridade, direção, administração, correção e punição.
Chicotadas, medicamentos e penitências eram utilizados como práticas terapêuticas.
Os indivíduos que após o internamento não retomassem seu lugar na sociedade,
29
eram “chicoteados em praça pública, marcados nos ombros e expulsos da cidade”,
outros ainda eram guilhotinados, servindo de espetáculo para as multidões, com o
propósito de evitar repetições (FOUCAULT, 2010, p. 64).
Apesar dos asilos terem surgido antes da Revolução Francesa, o hospital
como instrumento terapêutico surgiu no final do século XVIII. Segundo Foucault
(2010), a causa da alienação não estava mais no âmbito da moral, sua essência era
o desarranjo das funções mentais. O tratamento nos manicômios, defendido por
Phillippe Pinel (considerado o pai da psiquiatria) baseia-se principalmente na
reeducação dos alienados, no respeito às normas e no desencorajamento das
condutas inconvenientes. Isso denota o caráter essencialmente moral com o qual a
loucura passa a ser revestida. O louco, portanto, necessitava de cuidados, remédios
e do apoio de outras pessoas. É nesse sentido que surge a primeira “revolução”
psiquiátrica, fazendo com que o século XIX fosse considerado o período dos
manicômios em decorrência da enorme quantidade de hospitais que foram
construídos e destinados aos doentes mentais. Para justificar a quantidade de
internações, surgiu uma variedade de diagnósticos sobre a loucura. Toda essa
mobilização fez a medicina psiquiátrica florescer, tornando o manicômio o seu
núcleo gerador. Dentro deste, a loucura era tomada como objeto bem discriminado e
delineado. O manicômio ao invés de ser o lugar de enclausuramento de loucos,
tornou-se o lócus de cura.
O entendimento das novas tecnologias de controle sobre o corpo, ora
objeto de poder, também é retomado em Vigiar e Punir (1987). Segundo Foucault, a
partir do século XVIII e início do XIX ocorreu a “supressão do espetáculo punitivo”
em diversos países da Europa e nos EUA. As penas que expunham o corpo do
condenado, a espetáculos públicos de crueldade, constando de torturas, mutilações
e execuções deixaram de ser aplicadas, explicitamente, sobre o corpo do
condenado e passaram a atuar sobre sua subjetividade. Como resultado do duplo
desaparecimento do teatro punitivo e anulação da dor, a relação castigo-corpo é
modificada, culminando em uma nova forma de exercício de poder, o denominado
poder disciplinar. O Estado não é o órgão central e único de poder. O micro-poder é
exercido em várias instituições, como: o hospital, o exército, a escola, a fábrica, a
prisão. Estes são caracterizados como mecanismos que visam ao controle das
30
operações do corpo, possibilitando sua sujeição constante mediante uma contínua
normatização, com a finalidade de os tornarem dóceis e úteis (FOUCAULT, 1987).
2.1.2 As Instituições Totais e a mortificação do Eu
Goffman (2010), ao analisar o mundo social dos internos de um hospital
para doentes mentais, identifica que certos preceitos de estruturação de uma
instituição determinam a sua condição de instituição total e acarretam
consequências na formação do eu da pessoa nela inserida. O caráter “total”,
expresso pela tendência de fechamento, ocorre quando essa instituição social se
organiza de modo a atender indivíduos em situações semelhantes de tratamento,
separando-os da sociedade mais ampla por um período e impondo-lhes uma vida
fechada sob uma administração rigorosamente formal, que se baseia no discurso de
atendimento aos objetivos institucionais. O caráter “total” da instituição age sob o
internado, de maneira que o seu eu passa por transformações do ponto de vista
pessoal e do seu papel social.
Para Goffman (2010), o indivíduo, na vida cotidiana, interage com
diferentes coparticipantes, em variados lugares e sob diversas autoridades. Ao
inserir-se numa instituição social, ele passa a agir num mesmo lugar, com igual
grupo de pessoas e sob obrigações e regras semelhantes para a realização das
atividades impostas. Esse empreendimento faz com que o internado, ao chegar ao
hospital, sofra um processo de “morte social” que suprime a concepção de si mesmo
e a cultura apreendida, formadas na vida familiar e civil, acarretando na perda do
seu conjunto de identidade e segurança pessoal. Tal tecnologia decorre do
despojamento do seu papel social pela imposição de barreiras no contato com o
mundo externo, do enquadramento pela imposição de regras de conduta e do
despojamento de bens materiais e simbólicos.
Com a finalidade de indicar a sequência regular de mudanças no
comportamento dos indivíduos rotulados como doente mental e suas imagens para
julgar a si mesmos e aos outros, Goffman (2010) recorre ao conceito de carreira por
entender que o emprego desta categoria permite, por um lado, abordar assuntos
íntimos, e por outro, retratar a posição oficial e as relações jurídicas, pertinentes ao
estilo de vida dos indivíduos. Ressalta-se que a acepção de desvio como carreira é
31
utilizada como importante ferramenta de análise para os interacionistas simbólicos,
especialmente Becker (2008) e Goffman (2010). Este modelo propõe que existe uma
série de mudanças no comportamento do indivíduo, correspondente a diferentes
fases, que devem ser explicadas, considerando o desenvolvimento dos padrões de
comportamento numa sequência de etapas ordenadas. Como primeiro passo de
uma carreira desviante deve-se cometer um ato de transgressão, sendo seguido da
experiência de rotulação.
Partindo desse pressuposto, Goffman (2010) postula três fases principais
na trajetória de vida do doente mental: pré-paciente (anterior à admissão no
hospital), internamento (período em que se encontra internado), ex-doente (posterior
à alta hospitalar). A etapa pré-paciente começa com a expropriação dos direitos civis
e relações com o mundo externo, culminado com a inserção na instituição, através
da internação voluntária ou involuntária. A passagem para o status de paciente
ocorre por intermédio de um circuito de agentes e agências, composto pela pessoa
mais próxima (ente querido), o denunciante da transgressão (membro da família,
vizinho ou amigo) e os mediadores (geralmente um especialista: médico, policial,
advogado). Estes atuam sobre o paciente propiciando-lhe um sentimento de
enganação em relação à pessoa mais próxima e ao denunciante da transgressão.
Quando envolve outras pessoas, no caso os mediadores, a ofensa causada pela
pessoa mais próxima denomina-se cerimônia de degradação, pois se torna um fato
social público. Em seguida, ocorre a “construção histórica do caso”, pelos
mediadores, que tem um caráter retrospectivo do passado do internado.
Na fase de internado o paciente, num primeiro momento, desenvolve um
sentimento de abandono, um desejo de anonimato e os contatos são evitados. Num
segundo momento, ocorre o estágio da aceitação, caracterizado pelo despojamento
das defesas, satisfações e afirmações do paciente e pelo reconhecimento de que as
restrições e privações são partes do tratamento. Num terceiro momento, o doente
mental faz apologia do seu eu, criando “histórias tristes” que explicam o fracasso do
passado. Goffman (2010) chama atenção para o fenômeno de negação da
racionalidade do paciente, que ocorre quando a equipe dirigente desmente estas
histórias tristes, através das informações contidas em seu dossiê, ocasionando na
aceitação da interpretação imposta pelo hospital. Num quarto momento, mesmo
32
sendo verdadeiros os registros, o paciente procura escondê-los, sente-se ameaçado
e se vê obrigado a reconstruir sua história, que tende a ser desmentida novamente.
2.1.3 A nova relação do Estado com o doente mental
Em A Ordem Psiquiátrica: A Idade de Ouro do Alienismo, Castel (1991)
postula que a percepção moderna da loucura, originária da Revolução Francesa
(1789), trouxe consigo elementos que, até hoje, constituem as bases do encargo do
doente mental e da sua concepção antropológica. Neste sentido, a presença de
novos representantes políticos, a atribuição do status de doença mental à loucura e
a constituição de uma nova estrutura institucional serão considerados fundamentais
para a materialização das políticas de saúde mental, instituídas em diferentes
contextos históricos. Desde modo, o autor enfatiza dois momentos particulares na
história da doença mental: o período denominado “Idade do Ouro do Alienismo”
surgido na França nos anos de 1780, materializado na lei de 1838 (reguladora do
regime dos alienados); e aquele inaugurado nos anos 1860, denominado de
Aggiornamento, reconhecido pela emergência da psiquiatria contemporânea.
O primeiro momento é caracterizado, na sociedade liberal burguesa, pela
nova relação do Estado com o louco, através da tutelarização da loucura pela
medicina. Conforme destaca Castel (1991, p. 11): “o louco [...] vai ser dotado do
status de alienado, completamente medicalizado, isto é, integralmente definido [...]
pelo aparelho que conquistou o monopólio de seu encargo legítimo [...]”. Os
médicos, possuidores de um saber legítimo sobre a loucura, adquirem o direito de
intervir nas questões sociais implicadas por ela, passando a exercer a função de
perito. Ressalte-se que a atitude científica da psiquiatria alienista francesa baseava-
se na sintomatologia, ou seja, na observação dos sintomas e distúrbios daquele “que
não tem, habitualmente, consideração por nenhuma regra, nenhuma lei, nenhum
costume [...]” (CASTEL, 1991, p. 111). A desordem social era o terreno privilegiado
onde aparece a doença mental, a qual se manifestava em correspondência com
causas morais: paixão, desgosto, miséria, privação etc. Assim, o asilo se constitui
como lugar privilegiado de reestabelecimento da ordem social.
Quanto às características da assistência psiquiátrica na “Idade do Ouro”,
Castel (1991) retrata que Philippe Pinel, Pierre Jean Georges Cabanis e Michel-
33
Augustin Thouret, representam os primeiros reformuladores da antiga “Instituição
Totalitária”. Segundo o autor, essas instituições apesar de serem privatizadas,
mantinham ligações com o Estado, enclausurando aqueles considerados
“perigosos”: crianças epiléticas, insanos e condenados por delitos. Para a corrente
alienista, entretanto, a repressão dos ditos doentes deverá ser fundamentada em
princípios médicos, enquanto que, a dos criminosos estará pautada em bases
jurídicas. Seus princípios de tratamento e cura estabeleciam: 1) o isolamento do
mundo exterior, condição necessária de qualquer terapêutica da loucura; 2) a
constituição de uma ordem asilar, voltado para o controle do desvio; 3) a instituição
de uma relação de autoridade, pautado no saber médico. Estes novos dispositivos
de tratamento incluíam também a classificação dos doentes mentais. Verifica-se,
contudo, que apesar destas “reformas”, as tecnologias disciplinares, no sentido
foucaultiano, permaneciam análogas às velhas instituições.
A partir dos anos de 1960, os dispositivos psiquiátricos da “Idade do
Ouro” sofreram fortes críticas, notadamente o modelo asilar. A passagem para
psiquiatria contemporânea baseou-se, sobretudo, nos trabalhos de Bénédict
Augustin Morel, de orientação organogenética. Vale destacar que a partir do século
XIX, verifica-se uma dissociação entre medicina científica e assistência. Essa
orientação estimulou o desenvolvimento de colônias familiares agrícolas, e a criação
de seções especiais para homens epilépticos e mulheres, separadas dos alienados
criminosos (CASTEL, 1991). Segundo Amarante (2013, p. 41), tal processo
representa uma mudança dos mecanismos de controle e disciplinamento social, que
vai da política de confinamento dos loucos até a moderna “promoção de saúde
mental”, tal como compreendemos hoje.
2.2 OS MOVIMENTOS DE REFORMA PSIQUIÁTRICA E O PROCESSO DE
DESOSPITALIZAÇÃO
O questionamento da legitimidade da assistência centrada no hospital
psiquiátrico, pautada na perspectiva de isolamento das pessoas em tratamento,
ganhou ênfase após a II Guerra Mundial. Naquele momento, diversos “movimentos
34
de reforma” 7 passaram a criticar as práticas do hospital psiquiátrico, as quais se
embasavam em três preceitos principais: o isolamento do mundo externo; a
organização do espaço asilar e manutenção da disciplina; a submissão à autoridade
médica. As reformas propostas abrangiam desde mudanças no interior da
instituição, com a dita transformação das relações e sua humanização, até uma
reorientação do modelo, que passava a ser prioritariamente extra-hospitalar.
Nos tópicos seguintes, analisarei os movimentos de reforma psiquiátrica,
utilizando a classificação proposta por Birman e Costa (1994). Inicialmente,
abordarei as comunidades terapêuticas (Inglaterra e Estados Unidos) e a
psicoterapia institucional (França), modelos restritos às reformas no âmbito
institucional; em seguida, a psiquiatria de setor (França) e a psiquiatria preventiva
(Estados Unidos), as quais ampliaram os padrões de tratamento para fora do espaço
asilar; por fim, a antipsiquiatria (Inglaterra) e a psiquiatria democrática (Itália),
paradigmas contestatórios de cunho mais radical, direcionados aos dispositivos
saber/poder médico, às instituições psiquiátricas e suas terapêuticas. As Reformas
Psiquiátricas no Brasil e no Ceará também serão retratadas.
2.2.1 A psiquiatria reformada e o discurso da humanização do tratamento
O processo de reformas institucionais, predominantemente limitado ao
hospital psiquiátrico e fundamentado na adoção de medidas administrativas de
cunho participativo, culminou no surgimento do modelo de tratamento denominado
comunidade terapêutica8, proposto por Maxwell Jones. Esta perspectiva tinha como
principais referências: a terapia ocupacional, o trabalho terapêutico grupal, voltado
para a integração das pessoas em tratamento, e a organização dos pacientes em
pequenos grupos de atividades, objetivando maior participação destes nas terapias.
Com relação à função de comunidade terapêutica, Jones (1972 apud AMARANTE,
2013, p. 29) destaca: “O paciente é colocado em posição onde possa, com o auxílio
7Franco Rotelli (1990) utiliza o termo “psiquiatria reformada” para identificar os movimentos de reforma psiquiátrica ocorridos após a II Guerra Mundial. 8Os primeiros usos do termo comunidade terapêutica remontam a 1946, no momento em que Thomas Forrest Main escreve um trabalho intitulado Uma comunidade terapêutica, retratando o hospital de Northfield, em Birmingham. A delimitação da expressão, contudo, acontece apenas no ano de 1959, quando Jonas Maxwell faz uma série de estudos sobre o funcionamento de outra instituição psiquiátrica. Maxwell é o principal expoente do desenvolvimento dessa experiência na Inglaterra.
35
de outros, aprender novos meios de superar as dificuldades e relacionar-se
positivamente com pessoas que o podem auxiliar”. Vale destacar que este recurso
incluía o envolvimento dos profissionais de saúde, pacientes, familiares e pessoas
da comunidade nas práticas terapêuticas institucionais, e abrangia a possibilidade
do tratamento ocorrer fora das instituições psiquiátricas, no meio social em que o
sujeito vive.
No que diz respeito à efetividade da práxis comunitária, Basaglia (1985)
adverte que o “democratismo” instituído com a implementação desse modelo
mostrava-se oscilatório. Em resposta à ameaça de uma possível desorganização na
comunidade terapêutica, eram estabelecidas medidas restritivas e regressivas aos
pacientes, sobrepondo vinculadas ao saber/poder médico psiquiátrico. Quanto a isto,
Rotelli (1994, p. 150) afirma que a experiência inglesa da comunidade terapêutica
não cumpriu, em seu processo de desenvolvimento, as promessas de uma mudança
substancial na situação institucional. Conforme destaca: “Foi uma experiência
importante de modificação dentro do hospital, mas ela não conseguiu colocar na raiz
o problema da exclusão, problema este que fundamenta o próprio hospital
psiquiátrico [...]”.
A técnica da psicoterapia institucional surgiu na França. O termo foi
empregado pela primeira vez por Georges Daumezon e Philippe Koechlin, em 1952,
para caracterizar a terapêutica desenvolvida por Francois Tosquelles no Hospital
Saint-Alban. As mudanças propostas por Tosquelles abrangiam alterações na
dinâmica organizacional da instituição asilar, voltados à humanização das práticas
hospitalares, a modificação das relações médico/paciente e a abertura de espaços
de participação. Os pressupostos da psicoterapia institucional baseavam-se no
resgate do papel do hospital psiquiátrico, tal como idealizado por Pinel e Esquirol,
voltado para os processos de cura e tratamento das doenças mentais. Entendia-se
que o hospital psiquiátrico havia se desviado de seu principal intento, tornando-se
um lugar de violência e opressão. O projeto da psicoterapia institucional, entretanto,
foi alvo de importantes críticas relativas, sobretudo, à centralidade da instituição
psiquiátrica, enquanto espaço legítimo de tratamento.
Por sua vez, a psiquiatria de setor iniciou-se, na França, a partir de 1945,
idealizada por Lucien Bonnafé. Estendendo a terapêutica para fora dos muros do
hospital psiquiátrico, este modelo propunha estruturar um serviço público de
36
tratamento psiquiátrico, através do estabelecimento de instituições compostas por
psiquiatras, psicólogos, enfermeiros e assistentes sociais, os quais se
responsabilizariam pelo atendimento de uma determinada área geográfica, com a
proposta de realizarem prevenção e tratamento das doenças mentais junto à
comunidade. Visando cuidar do paciente em seu próprio meio social e cultural, a
psiquiatria de setor restringia a internação a uma etapa da terapêutica. A partir de
1960, os dispendiosos gastos com o modelo tradicional de tratamento estimularam o
governo francês a tornar este paradigma “setorializado” à política oficial de saúde
mental. Contudo, conforme Amarante (2013, p. 35):
Esta experiência não alcança os resultados esperados, seja pela resistência
dos grupos de intelectuais que a interpretam como extensão da abrangência política e ideológica da psiquiatria, seja pela resistência demonstrada pelos setores conservadores contra a possível invasão dos loucos nas ruas e, ainda, seja pela muito mais custosa implantação dos serviços de prevenção e pós-cura.
De outro lado, a psiquiatria preventiva ou comunitária surgiu nos anos
1970 originária nos Estados Unidos. Visando à redução da doença mental nas
comunidades, situava-se entre a psiquiatria de setor e o modelo inglês, pautado na
comunidade terapêutica. Este modelo se baseava nos estudos de Caplan (1964), o
qual pressupunha a superação dos problemas de saúde por intermédio da
participação, da autoajuda e de oportunidades sociais. Segundo esta concepção as
doenças mentais (entendida como desvio, marginalidade) poderiam ser prevenidas,
se detectadas precocemente, evitando a internação psiquiátrica. Era necessário,
portanto, ir às ruas, às casas, para identificar aqueles que, por seu estilo de vida e
hábitos, pudessem ser “suspeitos” de desenvolver uma doença mental, devendo ser
conduzidos a tratamento especializado em serviços extra-hospitalares (centros de
saúde mental, hospitais dia/noite, enfermarias psiquiátricas em hospitais gerais).
Esta identificação dava-se a partir dos resultados de questionários aplicados à
população.
A antipsiquiatria, surgida na Inglaterra nos anos 1960, tinha como
principais expoentes Ronald David Laing, David Graham Cooper e Aaron Esterson.
Inspirados no movimento de contracultura, eles defendiam um movimento de ruptura
com o saber e prática instituídos na psiquiatria tradicional, questionando a própria
compreensão médica de doença mental e o tratamento destinado a ela. Conforme
37
Amarante (2013, p. 42), “aqui é formulada a primeira crítica radical ao saber médico-
psiquiátrico, no sentido de desautorizá-lo a considerar a esquizofrenia uma doença”.
Por isso mesmo, o fundamento da ideologia antipsiquiátrica era a total extinção dos
manicômios e a eliminação da ideia de doença mental. Embasada na
fenomenologia, existencialismo, marxismo, psicanálise, além de outras correntes da
sociologia e da psiquiatria, a antipsiquiatria defendia que a loucura não designava
um estado patológico do indivíduo, mas caracterizava-se como ruptura da ordem
social instituída. Assim, o status atribuído ao “louco” era contestado, junto com a
lógica manicomial, propondo um novo projeto de comunidade terapêutica, voltado
para a inversão da hierarquia e disciplina hospitalar. O método terapêutico da
antipsiquiatria não predizia tratamento químico ou físico, mas terapias grupais, com
foco na análise do discurso.
No livro A instituição negada (1985), Basaglia observa que a
transformação dos manicômios deve-se à alteração da relação entre os atores
institucionais, imersos na rede de saberes/poderes/subjetividades. Ou seja, está
relacionado com a transposição dos processos de violência, os quais estão
submetidos os pacientes, e a negação do saber/poder absoluto do médico
psiquiátrico, expresso na relação entre paciente (objeto da cura) e profissional
(sujeito da cura). Influenciado pelas ideias de Maxwell Jones, Basaglia inicialmente
utilizou o modelo de comunidade terapêutica inglesa. Na década de 1960, ele
instituiu mudanças na dinâmica de funcionamento do manicômio de Gorizia, que
visavam tanto a “humanização do tratamento”, quanto à participação de profissionais
e pacientes nos processos terapêuticos. As primeiras modificações direcionavam-se
para a abertura gradual dos pavilhões, a abolição do uso do uniforme, a participação
dos pacientes nas reuniões de equipe, sendo-lhes permitido desenvolver atividades
laborais e realizar passeios fora da instituição. Ampliando estas ações, a partir da
década de 1970, Basaglia promoveu a substituição do tratamento hospitalar e
manicomial por uma rede territorial de atendimento.
A partir destas experiências inspiradas em Basaglia foram construídos
novos espaços de tratamento na Itália, dentre eles: centros de saúde mental,
grupos-apartamentos (residências onde moravam os usuários dos centros),
cooperativas de trabalho (posteriormente redefinidas de empresas sociais), serviços
de emergência. Estas iniciativas reformistas foram construindo bases sociais mais
38
amplas, influenciando no surgimento da Psiquiatria Democrática na Itália. Esta se
caracterizou como um movimento de cunho político, constituído a partir de 1973, que
englobou uma série de medidas legais, com ênfase para a promulgação da Lei 180/
19789, conhecida como Lei Basaglia. Conforme salienta Amarante (1996), a
trajetória de desinstitucionalização prático-teórica desenvolvida por Franco Basaglia
abrangeu a desativação do hospital de Gorizia, a criação da psiquiatria democrática
e de “redes alternativas à psiquiatria” e, posteriormente, a promulgação da Lei
180/1978. Destaca-se que a tradição teórica Basagliana influenciou o processo de
reforma psiquiátrica brasileira, como apresento na sessão seguinte.
2.2.2 O Movimento de reforma psiquiátrica no Brasil
Influenciado por esses movimentos de reforma, o processo de Reforma
Psiquiátrica no Brasil10 alcançou maior notoriedade nos anos 1970, intrinsecamente
relacionado com o ressurgimento dos movimentos sociais. Foi, sobretudo, o
Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM), composto por
trabalhadores da área da saúde, sindicalistas, associações de familiares e pessoas
com histórico de internação, que estabeleceu as críticas à terapêutica realizada nos
manicômios, à hegemonia de uma rede privada de assistência e ao chamado saber
psiquiátrico, bem como ao modelo pautado no hospital psiquiátrico como único
espaço de tratamento das pessoas caracterizadas como portadoras de transtornos
mentais. Vale destacar que o Movimento de Saúde Mental fazia fortes denúncias
contra o governo militar que, muitas vezes, utilizava a psiquiatria como mecanismo
de controle da sociedade, por meio, inclusive, de torturas (AMARANTE, 2013).
Tais discussões e críticas que envolviam a referida assistência em
hospitais psiquiátricos acarretaram, posteriormente, a sanção de leis e normas e o
conjunto de mudanças nas políticas governamentais e nos serviços de saúde. Como
9 A Lei 180/1978 assegurava o fechamento dos hospitais psiquiátricos e a criação de serviços alternativos na comunidade. Como principais diretrizes destacam-se: a proibição de novas internações e a construção de novos hospitais psiquiátricos; a instalação de serviços psiquiátricos na comunidade, os quais deveriam garantir atendimento contínuo; a intervenção jurídica em casos de internação contra a vontade do paciente. Disponível em: <http://www.ifb.org.br/legislacao/Lei%20180%20-%20Italia.pdf>. 10 Reforma Psiquiátrica é compreendida como um movimento de cunho político e social, composto de atores, instituições e forças de origens diferentes, e que incide em territórios diversos e nas várias esferas governamentais, envolvendo aspectos econômicos, sociais, morais, culturais e políticos (BRASIL, 2005).
39
referências das políticas de saúde do Brasil destacam-se: a 8ª Conferência Nacional
de Saúde (1986), a 1ª Conferência Nacional de Saúde Mental (1987), a 2ª
Conferência Nacional de Saúde Mental (1992), a qual consolidou as bases
conceituais do processo de Reforma Psiquiátrica Brasileira, culminando na 3ª
Conferência Nacional de Saúde Mental (2001). As condições institucionais para a
reestruturação da assistência em saúde mental foram instituídas com a criação do
Sistema Único de Saúde (SUS), através da Constituição de 1988 e do processo de
municipalização.
Na década de 1990, a Reforma Psiquiátrica se tornou política pública no
Brasil, ganhando impulso em 2001 com uma série de normatizações do Ministério da
Saúde. Nesse momento, entram em vigor no País as primeiras normas federais,
regulamentando a implantação de serviços de atenção diária e as primeiras normas
para fiscalização e classificação dos hospitais psiquiátricos. Vale destacar que entre
1990 e 2010, o Ministério da Saúde publicou 68 portarias versando sobre a área de
saúde mental, dentre elas: a Portaria nº 189/1991, que insere os Centros de Atenção
Psicossocial (CAPS) na tabela de procedimento do SUS; a Portaria nº 224/1992, que
regulamenta o funcionamento dos CAPS; a Portaria nº 251/2002 que estabelece as
diretrizes e normas para a assistência hospitalar em psiquiatria, reclassifica os
hospitais psiquiátricos, define a estrutura e a porta de entrada para as internações
psiquiátricas na rede do SUS; a Portaria nº 336/2002 que regulamenta as
modalidades de CAPS (BRASIL, 2010).
Para a operacionalização desta nova política foi criada, ainda na década
de 1990, a Coordenação Geral de Saúde Mental (CGSM) no lugar da Divisão
Nacional de Saúde Mental, que até aquele momento exercia funções de
planejamento de campanhas de saúde mental e manutenção de alguns hospitais
psiquiátricos públicos. A CGSM, posteriormente, incorporada à problemática do uso
de álcool e outras drogas, passou a ser denominada Coordenação Geral de Saúde
Mental Álcool e outras Drogas (CGMAD). Atualmente a CGMAD tem a função de
coordenar os processos de elaboração e avaliação da rede de atenção psicossocial
e, potencializada pela emergência do SUS, implantar ações relevantes no sistema
público de saúde, como a redução de leitos em hospitais psiquiátricos e o
financiamento de serviços na comunidade.
40
No ano de 1990 ocorreu também a Conferência Regional para a
Reestruturação da Assistência Psiquiátrica, realizada em Caracas. Neste evento, foi
promulgado o documento final intitulado “Declaração de Caracas”, o qual
estabeleceu, entre outras questões, a necessidade de promover a reestruturação da
assistência psiquiátrica, através da revisão crítica do papel hegemônico do hospital
psiquiátrico. Saliente-se que a “Declaração de Caracas” foi retomada em 2005, sob
a forma de um documento denominado “Princípios Orientadores para o
Desenvolvimento da Atenção em Saúde Mental nas Américas”, com o objetivo de
avaliar os resultados obtidos nos 15 anos que se seguiram desde a Conferência.
Neste documento, foram reconhecidos os avanços, obstáculos e dificuldades na
reestruturação da atenção psiquiátrica brasileira nos últimos anos e, reafirmados os
princípios anteriores.
Como marco regulatório desta política é sancionada a Lei Federal nº
10.216/2001, originária do Projeto de Lei nº 3.657/1989 do deputado Paulo Delgado,
que propôs a extinção progressiva do modelo psiquiátrico clássico, inclusive de
hospitais especializados, com sua substituição por outras modalidades assistenciais.
A lei em questão proibiu, em todo o Brasil, a construção de novos hospitais
psiquiátricos, a contratação, pelo serviço público, de leitos e unidades particulares
deste tipo e estabeleceu que os tratamentos devem ser realizados preferencialmente
em serviços comunitários de saúde mental e, como finalidade primordial, propôs a
“reinserção social” do doente mental.
Este fenômeno passou a ser chamado de desinstitucionalização11. Com
ele surgem serviços substitutivos, caracterizados por estruturas intermediárias entre
a internação integral e a vida comunitária. Conforme enfatiza o Ministério da Saúde
(2005), a organização dos serviços de saúde mental de base comunitária pode ser
constituída por vários dispositivos assistenciais que possibilitem à atenção
psicossocial aos pacientes com transtornos mentais, segundo critérios populacionais
e demandas dos municípios. Este modelo de atenção à saúde mental dispõe de uma
diversidade de equipamentos e serviços, dentre eles, os chamados Centros de
Atenção Psicossocial (CAPS), serviços residenciais terapêuticos (SRT), centros de
11O termo desinstitucionalização, de origem anglo-saxã, vincula-se ao contexto da psiquiatria preventiva ou comunitária (surgida nos anos 1970). Inicialmente, remete-se à noção de superação dos manicômios, através da desospitalização, mas sucessivamente se estende para todas as práticas que acompanham e seguem este processo (VENTURINI, 2010).
41
convivência e cultura, além de leitos em hospitais gerais (BRASIL, 2005). Ressalte-
se que a construção de uma rede comunitária de atenção psicossocial, voltado à
reorganização e o redirecionamento das ações em saúde mental é considerada o
principal aspecto de estruturação da Política Nacional de Saúde Mental e do
processo de Reforma Psiquiátrica, pois viabiliza a atenção em saúde mental
territorial, e o envolvimento das pessoas que fazem parte do cotidiano dos
portadores de transtornos mentais.
Como principais ações da atual política de saúde mental destacam-se: a
implantação do Programa Nacional de Avaliação do Sistema Hospitalar/Psiquiatria
(PNASH/Psiquiatria); a implementação do Programa Anual de Reestruturação da
Assistência Hospitalar Psiquiátrica no SUS (PRH); a criação do Programa de Volta
para Casa (Lei Federal nº 10.708/2003); a expansão dos Centros de Atenção
Psicossocial e das Residências Terapêuticas (Portarias GM nº 336/2002; GM nº
106/2000; GM nº 1.220/2000); a instituição do Colegiado de Coordenadores de
Saúde Mental; a garantia de uma linha específica de financiamento para os CAPS
(Portaria SAS nº 189/2002); o enfrentamento do uso do álcool e das outras drogas
no campo da saúde pública; a implantação de uma Política de Saúde Mental Infanto-
Juvenil; a realização de ações de saúde mental na Atenção Básica; a
implementação do Programa de Formação de Recursos Humanos para a Reforma
Psiquiátrica; a instauração do sistema de Avaliação dos Centros de Atenção
Psicossocial.
2.2.3 A instituição CAPS e a nova Política Nacional de Saúde Mental
Conforme enfatiza o Ministério da Saúde, os CAPS são serviços de saúde
municipais, abertos, comunitários, que oferecem atendimento diário às pessoas com
transtornos mentais severos e persistentes, realizando acompanhamento clínico e
promovendo a “reinserção social” desses sujeitos, através do acesso ao trabalho,
lazer, exercício de direitos civis e fortalecimento dos laços familiares e comunitários
(BRASIL, 2005, p. 27). Partindo dessa concepção oficial, os CAPS, enquanto
serviços territorializados, veiculam em seu projeto terapêutico a ideia de que é
importante se articular com os grupos de sociabilidades existentes no cotidiano das
pessoas em tratamento (família, vizinhança, associações, igreja), visando organizar
42
uma prática onde haja participação da comunidade. Ressalte-se que o termo
comunidade é definido, no âmbito dessa política, como um conjunto de pessoas que
prestam ajuda umas às outras, através de laços de sangue, afetivos, religiosos, de
solidariedade, de vizinhança, que mantêm vivas as relações sociais que a sustentam
(BRASIL, 2004).
Neste sentido, os CAPS constituem-se como dispositivos que devem
realizar a articulação dos serviços de saúde com as “redes sociais dos usuários”,
objetivando, além de oferecer atendimento médico e psicológico, estimular a
integração das pessoas com transtornos mentais ao território, lugar onde se
desenvolve sua vida cotidiana. Esta interação, contudo, ocorre de maneira marginal
ou precária, conforme veremos adiante. Cabe, portanto, aos CAPS:
[...] o direcionamento local das políticas e programas de Saúde Mental: desenvolvendo projetos terapêuticos e comunitários, dispensando medicamentos, encaminhando e acompanhando usuários que moram em residências terapêuticas, assessorando e sendo retaguarda para o trabalho dos Agentes Comunitários de Saúde e Equipes de Saúde da Família no cuidado domiciliar (BRASIL, 2004, p.12).
De acordo com a portaria nº 336/2002 do Ministério da Saúde, as
modalidades dos CAPS passam a ser assim regulamentados: CAPS Geral (podendo
ser tipo I, II, III), CAPS AD (podendo ser tipo I, II, III) e CAPS Infantil, definidos por
ordem crescente de porte, complexidade e abrangência populacional, organizando-
se no País segundo o perfil demográfico dos municípios. O CAPS geral é destinado
ao tratamento de vários transtornos psíquicos, o CAPS AD ao uso abusivo de álcool
e de outras drogas e o CAPS Infantil à terapêutica de transtornos mentais de
crianças e adolescentes. Salienta-se que em Fortaleza, os CAPS seguem a mesma
taxionomia. Conforme descrito a seguir:
CAPS I é um serviço de atenção psicossocial com capacidade operacional
para atendimento em municípios com população entre 20.000 e 70.000
habitantes, funcionando no período de 8h às 18h, em dois turnos, durante os
cinco dias úteis da semana;
CAPS II é um dispositivo de atenção psicossocial com capacidade
operacional para atendimento em municípios com população entre 70.000 e
200.000 habitantes, funcionando das 8h às 18h, em dois turnos, durante os
43
cinco dias úteis da semana, podendo comportar um terceiro turno
funcionando até 21 horas;
CAPS III é um serviço de atenção psicossocial com capacidade operacional
para atendimento em municípios com população acima de 200.000
habitantes, constituindo-se em serviço ambulatorial de atenção contínua,
durante 24 horas diariamente, incluindo feriados e fins de semana;
CAPS Infantil é um dispositivo de atenção psicossocial para atendimento a
crianças e adolescentes, constituindo-se em referência para uma população
de cerca de 200.000 habitantes, ou outro parâmetro populacional a ser
definido pelo gestor local, atendendo a critérios epidemiológicos;
CAPS AD é um serviço de atenção psicossocial para atendimento de
pacientes com transtornos decorrentes do uso e dependência de substâncias
psicoativas, com capacidade para atendimento em municípios com população
superior a 70.000, funcionando das 8h às 18h, em dois turnos, durante os
cinco dias úteis da semana, podendo comportar um terceiro turno,
funcionando até 21h.
Conforme destaca a portaria nº 336/2002, podem ser atribuídas aos
equipamentos de tipo II, no caso específico do CAPS geral do bairro Jardim
América, às seguintes funções, de acordo com anuência ou delegação do gestor
local: a) organização da demanda e da rede de cuidados em saúde mental; b)
regulação da porta de entrada da rede de atenção à saúde mental; c) coordenação
das atividades de supervisão de unidades hospitalares psiquiátricas; d) supervisão e
capacitação das equipes de Atenção Básica, serviços e programas de saúde mental;
e) realização e atualização do cadastramento dos pacientes que utilizam
medicamentos essenciais para a área de saúde mental, regulamentados pela
Portaria/GM/MS nº 1.077/1999, e medicamentos excepcionais, regulamentados pela
Portaria/SAS/MS nº 341/2001; f) garantia do funcionamento das 8h às 18h, em dois
turnos, durante os cinco dias úteis da semana, podendo comportar um terceiro turno
funcionando até 21h.
De efeito, o Poder Público define como principais premissas desta nova
prática terapêutica: a) o reconhecimento da dimensão da subjetividade do paciente;
b) o fortalecimento da rede de sociabilidades existentes no cotidiano das pessoas
44
em tratamento, através do convívio social deste com a família e a comunidade; c) a
restituição dos direitos civis dos pacientes egressos de instituições psiquiátricas; d) a
inserção de ações e atividades, com ênfase nos grupos e oficinas terapêuticas, em
associação com as “redes sociais” das pessoas em tratamento, com vistas a mediar
às relações entre os sujeitos e assim permitir a ampliação de sua contratualidade
social; e) o fortalecimento do sentimento de territorialidade dos pacientes, que
significa o fato de as ações do CAPS se inscreverem em associação com as
sociabilidades primária e secundária das pessoas sob sua atenção; f) a promoção
de práticas que possibilitem maior “humanização” dos serviços de saúde e dos
espaços públicos em geral; g) o reconhecimento da importância dos diversos
campos de saberes na constituição dos tratamentos (BRASIL, 2005).
Dentre os serviços oferecidos pelos CAPS, além de atendimentos
clínicos, estão às oficinas terapêuticas, atividades culturais, oficinas destinadas à
geração de renda, atividades de lazer, práticas esportivas, ações de ensino, visitas
domiciliares, atividades desenvolvidas em conjunto com associações de bairro e
outras instituições da comunidade. Cito, em particular, os atendimentos destinados a
grupo de familiares, com o objetivo de criar laços de solidariedade, discutir
problemas em comum, receber orientação sobre diagnóstico ou sobre a participação
da família no projeto terapêutico; e os acompanhamentos individualizados às
famílias, almejando oferecer orientação em situações rotineiras ou em momentos de
crise (BRASIL, 2004). Estas atividades, embora seguindo a orientação geral do
Ministério da Saúde, fazem um recorte de realidade local e adaptam às suas
condições específicas.
2.2.4 A Saúde Mental no Ceará: contexto histórico e político
Como marco teórico e político do movimento da reforma psiquiátrica
cearense destacam-se: a I Conferência Estadual de Saúde Mental do Ceará, em
1992, a qual balizou as propostas do Projeto de Lei do Deputado Mário Mamede; e a
II Conferência Estadual de Saúde Mental do Ceará no ano de 2001. No âmbito do
Município de Fortaleza, a criação do Programa Saúde Mental e da Comissão
Municipal de Reforma Psiquiátrica de Fortaleza, ligada ao Conselho Municipal de
Saúde, através do Decreto nº 9.057/1993; a I Conferência Municipal de Saúde
45
Mental, realizada em 2001, a qual teve como deliberação a reestruturação da
referida Comissão, intitulada Comissão de Saúde Mental e Reforma Psiquiátrica; e o
I Fórum de Saúde Mental de Reforma Psiquiátrica ocorrido em 2003,
desempenharam relevante papel no apoio teórico e técnico para a implantação dos
primeiros CAPS em Fortaleza.
No ano de 1993, seguindo as mudanças ocorridas em todo país, o Ceará
promulgou a Lei nº 12.151/1993 (denominada Lei Mário Mamede), a qual propunha
a progressiva extinção dos hospitais psiquiátricos e a construção de um modelo de
assistência psiquiátrica alternativo. Esta lei estabelecia ainda o prazo de cinco anos,
contados a partir de sua publicação, para a adaptação dos hospitais psiquiátricos.
Como principais pilares, instituía a proibição da construção e ampliação de hospitais
psiquiátricos (públicos ou privados), e a contratação e financiamento, pelos setores
estatais, de novos leitos, em todo território cearense. Ressalte-se que essa lei é
anterior à Lei nº 10.216 do Deputado Paulo Delgado, de âmbito nacional.
Segundo Moura Fé (2004 apud BARROS, 2008), a implantação dos
primeiros CAPS surgiu por iniciativa e responsabilidade municipal. A participação
dos governos federal e estadual foi praticamente inexistente. A trajetória de
implantação dos CAPS no Ceará ocorreu da seguinte forma: a priori foram
inaugurados sete CAPS no interior do Estado, respectivamente em: Iguatu (1991),
Canindé (1993), Quixadá (1993), Icó (1995), Cascavel (1995), Juazeiro do Norte
(1995) e Aracati (1997). O primeiro CAPS de Fortaleza só foi implantado em 1998,
tendo sido o CAPS da Secretaria Executiva Regional III. Nos anos seguintes
sucederam os CAPS de: Itapipoca (1999), Sobral (1999), Morada Nova (1999),
Barbalha (1999), Capistrano (2000), Fortaleza – SER IV e VI (2001), Quixeramobim
(2001), Crateús (2001), Marco (2001), Horizonte (2001), Crato (2002), Tauá (2002),
Aquiraz (2002), Paraipaba (2002), Sobral – CAPS AD (2002); Jardim (2003),
Caucaia (2003), Maracanaú (2003), Maranguape (2003), Iguatu – CAPS AD (2003),
Caucaia – CAPS AD (2004), Juazeiro do Norte – CAPS AD (2004), Camocim (2004);
Euzébio (2005), Tamboril (2005), Limoeiro do Norte (2005), Farias Brito (2005),
Itarema (2005), Amontada (2005) e de Iguatu – CAPS Infantil (2005). Destaca-se
que atualmente o Ceará dispõe de 107 CAPS, correspondendo a uma cobertura de
1,12 CAPS/100.00 habitantes.
46
Neste contexto de reforma, destacam-se dois projetos inovadores na
prática do cuidado em saúde mental, estabelecidos por iniciativas de Organizações
Não-Governamentais: o Movimento Integrado de Saúde Mental Comunitária do
Pirambu (MISMEC/CE) e o Movimento de Saúde Mental Comunitária do Bom Jardim
(MSMCBJ). O MISMEC/CE, conhecido como Projeto Quatro Varas, iniciou suas
atividades em 1987, idealizado pelo psiquiatra e antropólogo Adalberto Barreto. Tem
como principais premissas o desenvolvimento de uma experiência de terapia no
âmbito da comunidade, objetivando resgatar a dimensão contextual, sem perder de
vista a dimensão individual, biológica, psicológica, interrrelacional e ambiental.
Dentre as atividades ofertadas sobressaem: Terapia Comunitária, Resgate da
Autoestima, Massoterapia, Exercício de Liberação dos Traumas, Yoga, Casa da
Memória, Escolinha Espaço de Convivência Casa de Maria, Farmácia Viva, Terapia
e Teatro Zé e Maria, além do Ateliê de Arte. O Projeto tem o apoio da Universidade
Federal do Ceará (UFC); Associação Brasileira de Terapia Comunitária
(ABRATECOM); Prefeitura Municipal de Fortaleza; Serviço Social da Indústria
(SESI); e Movimento EMAUS. Segundo o MISMEC/CE, o Projeto realizou 1.926.860
atendimentos até 2013 12.
O MSMCBJ iniciou suas atividades em 1996, sob a coordenação do padre
e psiquiatra Ottorino Bonvini, Padre Rino como é usualmente chamado, e de
algumas lideranças das Comunidades Eclesiais de Base. A princípio, foram criados
espaços de escuta e de acompanhamento terapêutico para famílias em situação de
risco, sendo inaugurado oficialmente apenas no ano de 1998. Tem como principais
projetos e serviços: Terapia de Autoestima; Terapia Comunitária; Massoterapia;
Centro de Aprendizagem do Bom Jardim; Projeto “Sim à Vida, Não às Drogas”;
Biodança; Casa de Aprendizagem Ezequiel Ramin; Horta Comunitária; Programa de
Erradicação do Trabalho Infantil (PETI); Centro de Atenção Psicossocial Comunitário
do Bom Jardim (CAPS Comunitário); Ponto de Cultura Casa AME (Arte, Música e
Espetáculo) Dom Franco Masserdotti; Tele centro Comunitário do bairro Bom
Jardim. A chegada, em 2005, do CAPS destinado a atender a população da
Secretaria Executiva Regional V 13 do município de Fortaleza é fruto de uma parceria
12 Fonte: MISMEC-CE. Divulgação do texto no site <http://www.consciencia.net>. Acesso em 12 mar. 2015. 13 Segundo a Prefeitura de Fortaleza, a Regional V é uma das regiões mais populosas da Cidade, dispondo de uma população estimada de 570 mil habitantes. Abrange os seguintes bairros: Conjunto Ceará, Siqueira, Mondubim, Conjunto José Walter, Granja Lisboa, Granja Portugal,
47
estabelecida entre a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) e o MSMCBJ. Através
dessa parceria, o CAPS é administrado pelo MSMCBJ e pela SMS em regime de
cogestão 14.
Outras iniciativas voltadas à reestruturação da assistência psiquiátrica no
Ceará são verificadas em 2003. Dentre elas, Moura Fé (2004 apud BARROS, 2008)
destaca a constituição da Comissão Estadual Revisora de Internações Psiquiátricas
Involuntárias, composta por dois representantes da referida Secretaria e um
representante do Ministério Público, os quais tinham como competência discutir os
mecanismos necessários para a operacionalização da Lei Federal nº 10. 216/2001
no Estado e da Portaria GM nº 2.391/2002 que instituiu o controle das internações
psiquiátricas involuntárias (IPI) e voluntárias (IPV) de acordo com o disposto na Lei
da Reforma Psiquiátrica. E a realização do I Seminário sobre Internação Psiquiátrica
e Cidadania do Ceará, em 2003, promovido pela Promotoria de Defesa da Saúde
Pública do Ceará, em parceria com as Secretarias de Saúde do Estado e do
Município de Fortaleza, o qual resultou em 23 propostas e outras diretrizes para
operacionalizações de ações e serviços de saúde mental.
Verifica-se, contudo, que apesar da expansão de serviços assistenciais
substitutivos continuou a lógica hospitalocêntrica na Capital. Este fato foi
evidenciado no II Encontro dos CAPS do Ceará, realizado em Fortaleza, no ano de
2004, quando foi discutida a necessidade da ampliação da rede de assistência em
saúde mental não asilar na capital cearense, através da ampliação dos serviços
CAPS e de residências terapêuticas, além de leitos e emergências psiquiátricas em
hospitais gerais, com a finalidade de diminuir as internações em hospitais
psiquiátricos (BARROS, 2008). Deste evento resultou um documento com 43
propostas, voltado para o direcionamento da Política de Saúde Mental no Ceará.
Vale destacar que, apenas em 2005, Fortaleza ampliou a rede de CAPS para 14
equipamentos, com a seguinte distribuição: seis CAPS tipo II, seis CAPS AD e dois
CAPS Infantil. Naquele período, quatro instituições ofereciam leitos psiquiátricos à
pacientes do SUS em Fortaleza: Hospital Mira Y Lopez (160 leitos), Instituição
Espírita Nosso Lar (160), Hospital Psiquiátrico São Vicente de Paulo (120) e Hospital
Bom Jardim, Genibaú, Canindezinho, Vila Manoel Sátiro, Parque São José, Parque Santa Rosa, Maraponga, Jardim Cearense, Conjunto Esperança e Presidente Vargas. Disponível em: <http://www.fortaleza.ce.gov.br>. Acesso em 12 mar. 2015. 14 Fonte: MSCBJ-CE. Divulgação do texto no site <http://www.msmcbj.org.br>. Acesso 12 mar. 2015.
48
de Saúde Mental Professor Frota Pinto (160). O Instituto de Psiquiatria do Ceará
(IPC), que oferecia 80 leitos, estava fechado para reforma15 nessa época.
Destaca-se que em quatro anos (2011-2015), mais de 400 leitos de
internação psiquiátrica conveniados ao SUS foram fechados. Dos leitos, 80 eram do
Instituto de Psiquiatria do Ceará (IPC), 103 da Clínica de Saúde Mental Doutor
Suliano, 160 do Hospital Mira y Lopez (vendido em 2012) e seis do Hospital São
Gerardo. Atualmente (2016), o município de Fortaleza disponibiliza 470 leitos
credenciados pelo SUS em hospitais psiquiátricos, distribuídos da seguinte forma:
São Vicente de Paula (130), Instituição Espírita Nosso Lar (160) e Hospital de Saúde
Mental Professor Frota Pinto (180), configurando-se como a porta de entrada para
as internações de emergência. Estas instituições psiquiátricas, contudo, recebem
diárias com valor inferior daquelas destinadas aos hospitais gerais. Conforme a
Secretaria Municipal de Saúde, os recursos financeiros são destinados,
prioritariamente, para implantação da rede aberta e comunitária, substitutiva aos
hospitais psiquiátricos, inclusive, visando leitos psiquiátricos em hospitais gerais16.
A rede de atenção à saúde mental do município de Fortaleza é composta
por cinco CAPS Geral, um CAPS Geral 24 horas, dois CAPS AD 24 horas, quatro
CAPS AD, dois CAPS Infantil (totalizando 14 CAPS); uma Unidade de
Desintoxicação na Santa Casa de Misericórdia com 12 leitos; três Serviços
Residenciais Terapêuticos (SRT); uma Cooperativa; oito Unidades de Acolhimento
Transitório, sendo seis conveniadas; duas Ocas de Saúde Comunitária; onze
Comunidades Terapêuticas Conveniadas; três Hospitais Psiquiátricos credenciados
no SUS; uma ambulância do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU)
com atendimento específico para a saúde mental. No que se refere aos leitos em
hospitais gerais, Fortaleza dispõe de 32 leitos em hospitais gerais, distribuídos a
seguir: Hospital Geral Dr. Cesar Cals (01), Hospital Infantil Albert Sabin (01),
Hospital Cura Dars (01), Hospital da Policia Militar do Ceará (02), Hospital
Universitário Walter Cantídio (02), Hospital Dr. Wandick Ponte (25) 17.
15 Estas informações foram coletadas no site na Prefeitura de Fortaleza. Disponível em: <http://portalantigo.fortaleza.ce.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=15516&Itemid=78>. Acesso em 15 abr. 2015. 16 Idem 17 Dados da Secretaria Municipal de Saúde. Disponível em:<http://www.fortaleza.ce.gov.br/sms/saude-mental>. Acesso em: 8 fev. 2016.
49
Quanto à situação da rede de atenção psicossocial de Fortaleza é
relevante citar o relatório do Grupo de Trabalho em Saúde Mental (GTSM), realizado
em 2014, com ênfase para os Centros de Atenção Psicossocial. Conforme o GTSM,
os CAPS municipais dispõem de condições estruturais desfavoráveis, em relação à
salubridade, à acessibilidade e à garantia de segurança. Outro ponto avaliado
refere-se à insuficiência de recursos materiais e humanos, o que compromete a
oferta de atendimentos semi-intensivos e intensivos. Saliente-se que alguns CAPS
não dispõem do quadro funcional completo18, sendo ainda evidenciada a
precarização dos vínculos empregatícios. No que tange ao planejamento e
direcionamento das ações, 75% dos CAPS asseveraram dispor de Projetos
Terapêuticos Institucionais, contudo, estes se encontram desatualizados, não
repercutindo nas práticas cotidianas. A inexistência de Supervisão Clínica
Institucional também é citada no relatório.
Outro aspecto considerado insatisfatório refere-se à organização da
demanda e da rede de cuidados em saúde mental no âmbito do seu território,
premissa definida pela Portaria nº 336/2002 do Ministério da Saúde, que assegura
ao CAPS o papel regulador da porta de entrada da rede assistencial, a
responsabilização pela articulação com outros serviços da rede de atenção à saúde
mental e a coordenação das atividades de supervisão de unidades hospitalares,
bem como a supervisão e capacitação das equipes da Atenção Básica. A
irregularidade no fornecimento de medicação, ocasionada pela falta de remédios,
em detrimento da demanda, também foi referida. No que tange às visitas
domiciliares, a frequência e condições para a realização dessa atividade, verificou-
se a incipiência de meios de transporte para o deslocamento dos profissionais,
havendo rodízio dos carros para as instituições.
Esse relatório também aponta que embora 90% dos CAPS afirmem
desenvolver atividades de Educação Permanente, estas se restringem a rodas de
equipe, que ocorrem de forma irregular, notadamente com parte dos profissionais,
os quais utilizam esse espaço para resolução de questões de nível administrativo e,
pontualmente, para estudos de caso. O atributo de coordenar as atividades de
18Segundo a Portaria GM nº 336/2002, a equipe técnica mínima para atuação no NAPS/CAPS para atendimento de 30 pacientes, por turno de quatro horas, deve ser composta por: um médico psiquiatra; um enfermeiro; quatro profissionais de nível superior (psicólogo, assistente social, terapeuta ocupacional e/ou outro profissional necessário à realização dos trabalhos), além de profissionais de nível médio.
50
supervisão de unidades hospitalares psiquiátricas no âmbito do seu território e de
supervisar e capacitar das equipes de Atenção Básica, instituído pela Portaria GM nº
336/2002, conforme já referido, também não está sendo cumprido. O relatório
notifica que 80% dos CAPS de Fortaleza não realizam estas atividades. Os outros
equipamentos, que correspondem a 20% do percentual, não responderam a esta
pergunta. “Esse dado reforça a desarticulação da rede e a não efetivação de uma
importante função institucional por parte dos CAPS que se configura na orientação
dos demais serviços da rede de saúde” (RELATÓRIO DO GRUPO DE TRABALHO
EM SAÚDE MENTAL, 2014, p. 14).
No que se refere à realização dos atendimentos destinados às famílias
dos usuários, o GTSM aborda que 80% dos serviços CAPS em Fortaleza afirmaram
desenvolver trabalho específico com os familiares dos usuários. Com relação às
atividades comunitárias, com foco na integração do usuário a comunidade, 60% dos
serviços asseveraram que dispõem de atividades voltadas à “inserção familiar e
social”, dentre eles o CAPS geral do Jardim América. Contudo, apesar do perfil
apresentado, 80% dos serviços consideram estas atividades insuficientes. Tal
constatação se opõe à principal premissa da Política Nacional de Saúde Mental, que
é da constituição de serviços de base territorial, em articulação com os campos de
sociabilidades de seus usuários.
Convêm salientar que artigos jornalísticos19 também trazem à tona, em
tom de denúncia, as dificuldades de estruturação da rede de atenção psicossocial de
Fortaleza. O Estado enuncia: “Faltam médicos psiquiatras, psicólogos, enfermeiros,
técnicos de enfermagem [...], além de medicamentos nos CAPS de Fortaleza. Dos
14 que existem na Capital, todos estão funcionando de forma precária”. Imagem
também referida pelo O Povo: “A rede psicossocial de Fortaleza, da qual fazem
parte os CAPS, apresenta problemas estruturais, falta de medicamentos e número
de médicos insuficiente. Enquanto isso, paciente sofre sem atendimento”. Quanto à
oferta de leitos em hospitais psiquiátricos, o G1 salienta: “Pacientes dormem no
chão em hospital psiquiátrico do Ceará. Único hospital do gênero não atende a 19 O Estado, 21 de dezembro de 2015. Disponível em <http://www.oestadoce.com.br/geral/saude-mental-em-fortaleza-pede-socorro>. Acesso 05 fev. 2016. O Povo, 05 de novembro de 2014. Disponível em <http://www.opovo.com.br/app/opovo/cotidiano/2014/11/05/noticiasjornalcotidiano,3342811/pacientes-relatam-dificuldade-de-atendimento.shtml>. Acesso 05 fev. 2016. G1, 22 de outubro de 2012. Disponível em <http://g1.globo.com/ceara/noticia/2012/10/pacientes-dormem-no-chao-em-hospital-psiquiatrico-do-ceara.html>. Acesso 05 fev. 2016.
51
demanda no estado do Ceará. Número de leitos psiquiátricos reduziu à metade desde
2004”.
Dito isso, verifico que embora se constate a expansão dos dispositivos
abertos de saúde mental, o fechamento e a redução de leitos em hospitais
psiquiátricos, muito se tem que avançar com relação à implementação efetiva da
rede de serviços comunitários no contexto de Fortaleza e do Ceará. As práticas
representativas do modelo de atenção representado pelo hospital psiquiátrico ainda
estão presentes no cotidiano dos usuários do CAPS. Outro aspecto relevante refere-
se a pouca abrangência das atividades terapêuticas envolvendo os campos de
sociabilidades das pessoas em tratamento psiquiátrico, contando com pouca
participação da comunidade local. Considero, portanto, que a substituição dos
serviços, dentro de uma lógica neoliberal, não garante a efetividade das ações.
52
3 QUANDO O CAPS É O CAMPO: ASPECTOS ETNOGRÁFICOS DE UMA
INSTITUIÇÃO DE SAÚDE MENTAL
A loucura, objeto dos meus estudos, era até agora uma ilha perdida no oceano da razão; começo a suspeitar que é um continente (MACHADO DE ASSIS, 2014, p. 260).
Para Machado de Assis (2014) tomar a loucura como objeto isolado é um
erro. O suposto isolamento da loucura, entendida como ilha perdida ou unidade
independente, oculta sua inserção em um sistema mais amplo em termos
econômico, político e cultural. A suspeita torna-se um ato cognitivo capaz de incluí-la
nesta realidade, semelhante ao ato de olhar, ouvir e escrever etnográfico. Segundo
Cardoso (2006), a especificidade do trabalho antropológico, voltado para a
articulação da pesquisa de campo e a interpretação dos resultados, está organizada
a partir desses atos cognitivos, de natureza epistêmica, os quais são o substrato
metodológico desse capítulo. O olhar, o ouvir e o escrever tornam-se etapas
importantes para a apreensão dos fenômenos sociais, pois disciplinados pelo
arcabouço teórico-metodológico que permeia a formação acadêmica, permite afastar
as prenoções e atribuir significado a realidade empírica.
Neste capítulo utilizo-me destes três atos cognitivos, tomados como
chave metodológica, para realizar uma abordagem com direcionamento etnográfico
do CAPS do Jardim América, objetivando reconstituir a dinâmica e a lógica
cotidiana, as práticas e relações entre profissionais, usuários, familiares e demais
atores envolvidos no processo de cuidado. Parto da premissa de que a
compreensão da dinâmica institucional em termos de olhar, ouvir e escrever deve
levar em conta as conexões, diferenciações, combinações e vivencias dos atores
sociais. O CAPS, portanto, deve ser entendido como produto dos indivíduos, ou
seja, resultado de suas interações sociais. Desta forma, proponho realizar uma
descrição dos procedimentos e práticas institucionais e das interações sociais,
desenvolvidas no processo de triagem 20, nos grupos terapêuticos, nas oficinas e
reuniões multidisciplinares, sendo analisadas as tensões e ambiguidades próprias
desta rede de relações. Esta proposta contribuirá para identificar atores, vínculos e 20 Por triagem entendo o processo destinado a identificar o perfil, estratificação de risco e a prioridade de atendimento dos usuários dos serviços de saúde.
53
relações, dando suporte ao mapeamento da estrutura reticular dos usuários do
CAPS.
É válido salientar que ao analisar os procedimentos e as técnicas
institucionais adotados pelo CAPS no exercício do seu fazer cotidiano, não tenho
como desprezar o arranjo de técnicas minuciosas que visam ao controle das
operações do corpo dos indivíduos, mediante uma contínua normatização. Não
quero dizer que essas práticas são análogas às adotados nas ditas “Instituições
Totais”, mas apontar alguns aspectos de similitudes e descontinuidades desses dois
modelos de terapêutica, a partir da análise da lógica e do ordenamento funcional do
CAPS. Trata-se, portanto, de observar os “micro-poderes” (FOUCAULT, 1979),
existentes em várias instâncias da vida social, os quais se materializam em práticas,
instituições e saberes que asseguram a manipulação das ações individuais, por
meio da imposição de normas, com a finalidade de controlar ou corrigir as operações
do corpo dos indivíduos. Neste sentido considero que esse poder está estritamente
relacionado com as formações discursivas, que molda as práticas institucionais em
locais específicos.
3.1 CAPS: LOCALIZAÇÃO E DESCRIÇÃO
Talvez a primeira experiência do pesquisador de campo, esteja na domesticação do seu olhar. Isto porque, a partir do momento em que nos sentimos preparados para a investigação empírica, o objeto sobre o qual dirigimos nosso olhar, já foi previamente alterado pelo modo de visualizá-lo. (OLIVEIRA, 2006, p. 19).
Desconstruir os julgamentos previamente estabelecimentos, apreendendo
a singularidade da realidade empírica, a partir do esquema conceitual disciplinar ao
qual o pesquisador está inserido e que exerce função formadora na sua maneira de
ver a realidade, constitui o que Cardoso (2006) chama de olhar etnográfico. O
estranhamento crítico diante do próximo, oriundo desse olhar, dá-se a partir das
experiências vivenciadas pelo pesquisador na sua inserção ao “lugar do outro”. O
momento da pesquisa de campo organiza-se, portanto, como a fase em que o
pesquisador estabelece uma relação de contato com seus interlocutores, sendo-lhe
também permitido reformular suas indagações iniciais, descobrir novos indícios de
investigação, bem como reelaborar seus instrumentos de levantamento de dados.
Esta etapa, contudo, vem atrelada a muitas dificuldades. No início, o pesquisador é
54
surpreendido por dúvidas, incertezas, medos, expectativas e inquietudes. Foi com
este emaranhado de sentimentos que iniciei minhas idas e vindas ao CAPS do
Jardim América.
O CAPS geral da Secretaria Executiva Regional IV, localizado na Av.
Borges de Melo, nº 201, no Bairro Jardim América, em Fortaleza, foi inaugurado em
08 de outubro de 2001, mediante parceria entre a Universidade Estadual do Ceará e
a Prefeitura Municipal de Fortaleza. É classificado dentro de uma tipologia de
atendimento como equipamento de tipo II, conforme Portaria nº 336/2002, do
Ministério da Saúde. Funciona de segunda a sexta-feira, das oito às dezessete
horas. Seu prédio, antigo Mercado de Nazaré, pertence ao patrimônio do Município
de Fortaleza, sendo dividido em: recepção, coordenação, sala de prontuários,
farmácia, refeitório, cozinha, pátio, almoxarifado, depósito, banheiros (masculino e
feminino para os usuários e outro para os funcionários), consultórios médicos, salas
de Psicologia, Serviço Social, Terapia Ocupacional, Enfermaria, salão para
realização das reuniões e um pequeno estacionamento externo.
FIGURA 1 - Fotografia do pátio do CAPS geral do Jardim América
Fonte: Prefeitura de Fortaleza. Disponível em: <http://www.fortaleza.ce.gov.br/noticias/destaque/populacao-atendida-em-caps-e-creas-participa-de-oficinas-na-i-semana-municipal>. Acesso em: 14 mar. 2016.
55
Este CAPS foi um dos primeiros Centros de Atenção Psicossocial a ser
implantado em Fortaleza, em concomitância com o CAPS da Regional VI. Na época
só existia o CAPS da SER III, vinculado à Universidade Federal do Ceará. Estes
dois Centros atendiam a demanda das outras três regionais de Fortaleza. Os CAPS
gerais das Secretarias Regionais II e V foram criados apenas em 2005. A partir
desse ano, houve a expansão da rede de atenção à saúde mental do município,
impulsionada, sobretudo, pela implantação de novos equipamentos. A contratação
da “equipe técnica” para atuar nessas unidades de saúde e a construção das
estruturas físicas para sediá-las são apontadas como dificuldades para a
organização do serviço, segundo relatos dos profissionais entrevistados. Estes
destacaram que a contratação das equipes de saúde mental ocorreu a partir do
processo de terceirização, distribuídas a priori na rede de Atenção Básica. As
estruturas físicas dos CAPS que se seguiram, na modalidade geral, infantil e AD,
foram organizadas mediante prédios alugados e salas improvisadas. Conforme
descrição a seguir:
Em janeiros de 2005 começaram a haver reuniões [...]. Aí começaram haver reuniões de planejamento para a Política Municipal de Saúde Mental. Então eu fiz parte desse grupo que criou as diretrizes da política. Eu conheci pessoas que estão na rede até hoje. [...] Porque nessas reuniões tanto eram criadas as diretrizes, como eram feitas as questões de trabalho braçal, de procurar casas para serem os CAPS, porque agora são quatorze, mas eram só três: o CAPS da Regional IV, III e VI. Então foram criados onze CAPS. Então a gente ia atrás das casas para alugar, vendo se eram adequados, e aí essa rede começou a ser criada. As equipes foram formadas a partir de uma terceirização de pessoas, né? E ai essas pessoas foram formando novas equipes de saúde mental. E essas equipes iniciaram o trabalho em Postos de Saúde. Eu acho que isso foi muito importante para toda a política, porque eles foram para a ponta realmente, lá na Atenção Básica, conhecer as equipes da Atenção Básica, trabalhar junto. Isso porque não tinha casa para ficar. Por outro lado, foi muito positivo, estar dentro do Posto, conhecer a realidade do Posto, e levar a saúde mental para dentro do Posto de Saúde. Então muitos CAPS foram criados, dentro dos Postos de Saúde. Conseguiam uma salinha lá dentro, e aquela salinha era da equipe do CAPS, depois que conseguiram as casas. A partir de quando foram encontrando as casas, eles foram saindo aos poucos para suas casas, né? E aí ficaram independentes dos Postos, mas aí eu acredito que tenham continuado essa ligação. [...] As pessoas que continuaram nessa rede, eu acredito que ficaram muito próximos aos Postos de Saúde (Profissional de Terapia Ocupacional).
A equipe profissional do CAPS atual é constituída por três psiquiatras,
três psicólogos, três assistentes sociais, três enfermeiras, três terapeutas
ocupacionais, cinco auxiliares administrativas, uma massoterapeuta, três
56
farmacêuticos, uma cozinheira, quatro seguranças privados, dois guardas
municipais, um porteiro, quatro auxiliares de enfermagem, um auxiliar de farmácia,
um vigia, um agente de serviços gerais e uma coordenadora, além de residentes e
estagiários das diversas áreas. Vale destacar que utilizo o termo “equipe técnica”
para me referir ao conjunto de profissionais de nível superior e médio que integram o
corpo multidisciplinar do CAPS, previsto pela Portaria nº 336/2002, já mencionada
anteriormente. Esta distinção é importante por entender que não são todos os
profissionais que se inscrevem nesta categorização. Já o termo “equipe profissional”
é empregado para fazer referência à totalidade dos trabalhadores. Neste sentido,
quanto à formação das equipes profissionais, em meados de 2005, um membro da
equipe técnica relata:
Quando eu cheguei aqui em 2005, o CAPS já tinha sido inaugurado em 2001. Eu não peguei o começo da reforma psiquiátrica, mas neste período o CAPS estava começando a crescer e a se desenvolver. A gente, aliás, nós todos fomos mandados para formação [...] para capacitação em saúde mental, todos, sem exceção de nenhum. Então a gente fazia por bloco. Foi muito bom, porque assim você não cai de paraquedas. [...] Na época o pessoal da enfermagem, o assistente social, o farmacêutico, faltava na equipe para constituir o CAPS. Não tinha na época. Então assim a gente foi chamado logo no começo para fazer a capacitação. Os servidores mesmo traziam todo o material pra gente complementar a capacitação que a gente fazia na UECE. E foi um processo lento, gradual. O que sabia era que o CAPS era o equipamento que ia receber o pessoal do Hospital. [...] Na época tinham uns 200 pacientes, se eu não me engano, ou mais. [...] As oficinas tinham muito pouco, só tinham umas três ou quatro oficinas por semana. As oficinas, na época, só eram da Terapia Ocupacional, Serviço Social e Psicologia. Só delas. Não tinham oficinas com nenhum nível médio participando, e hoje a gente já tem profissionais do nível médio participando. Continua a mesma coisa, só que hoje entrou outras categorias. [...] A prática foi aprendendo na bucha, no dia-a-dia, acertando, errando, aprendendo, lendo, estudando. Tivemos um ano de supervisão, aqui dentro, com o Jacson Sampaio. [...] Foi a melhor que aconteceu neste CAPS. Em 2007, 2008, 2009 neste período a gente teve supervisão (Auxiliar de enfermagem).
Na primeira entrada no campo procurei estabelecer contato com a
coordenadora e os profissionais da instituição, sendo-me permitido acompanhar um
profissional no desempenho de suas atribuições. Este fato foi muito significativo para
o desenvolvimento dessa pesquisa, pois me possibilitou compreender, através de
uma relação de proximidade, a lógica e a dinâmica institucional. Por vezes, inclusive,
fui identificada pelos usuários como uma funcionária do CAPS. Tal aspecto pode ter,
por um lado, facilitado à aceitação dos usuários e da própria equipe profissional,
57
possibilitando-me uma maior inserção nos espaços institucionais e favorecido a
obtenção de informações oficiais. Velho (2003), por outro lado, atenta para o fato de
que estranhar o familiar, ou seja, desnaturalizar noções, impressões, categorias,
classificações constitui-se como tarefa nem sempre fácil, mas de grande valia para o
pesquisador. Para o autor, relações de proximidade e distância, familiaridade e
estranhamento vão depender da trajetória do pesquisador.
Não desprezo ainda à possibilidade de que essa imagem (funcionária do
CAPS) construída pelos sujeitos com relação a mim pode ter contribuído para a
omissão de alguma informação por parte dos usuários. Esse desafio lembra, de
certa forma, aquele vivenciado por Geertz (2008, p.186-188) ao estudar a luta de
galos balineses. Ele destaca que de início era visto pelos balineses como não
pessoa, criatura invisível. Só foi identificado como pertencente aquele lugar quando,
imitando ou outros nativos, fugiu de uma abordagem da polícia, enquanto assistia
uma rinha de galos. Assim, o rompimento dessa barreira simbólica, levou-o a “uma
aceitação súbita e total, não habitual, numa sociedade extremamente avessa a
penetração de estrangeiros”. O CAPS, nesse sentido, não deixa de ser um espaço
adverso e de difícil acesso àqueles que não são nativos, ou seja, profissionais e
usuários.
Neste transcurso de tempo, recebi autorização para participar das
atividades iniciais (grupo de acolhimento inicial, avaliação individual), bem como dos
atendimentos destinados àqueles usuários que estavam afastados do serviço
(reavaliação), e ainda das atividades voltadas para atender alguma necessidade
imediata dos usuários (acolhida). Atendimentos que se mantém sob o prisma do
sigilo ético-profissional. Ainda participei das reuniões da equipe multidisciplinar e dos
encontros dos seguintes grupos: Corpo e Movimento, Artetapia, Memória,
Orientação Institucional (incorporado ao Grupo de Acolhimento Inicial), Orientação
Previdenciária, Família (não está em funcionamento), Sala de Espera (acontece de
forma esporádica), Cine CAPS e Oficina Produtiva de Terapia Ocupacional. Vale
destacar que além destas atividades o CAPS dispõe em seu organograma dos
grupos de Música e Movimento, Alfabetizar, Teatro, Laços (não está em
funcionamento), Projeto de Vida e Condicionamento Funcional. A oferta das oficinas
e dos grupos modifica-se constantemente, depende da demanda dos usuários e da
iniciativa dos profissionais. Neste período, assisti também a uma apresentação do
58
Teatro do Oprimido21, participei de uma festa comemorativa aos tempos da
brilhantina, e de um festejo junino.
Em termos do olhar etnográfico, apresento, a seguir, fotografias de
algumas atividades que participei no CAPS do Jardim América, com esforço de
descrevê-las. Faço alusão à Oficina de Arteterapia (ver Figuras 2 e 3), ao Grupo de
Memória (ver Figura 4) e à apresentação do Teatro do Oprimido (ver Figura 5). Parto
do entendimento de que “a imagem [...] oferece um registro restrito, mas poderoso
das ações temporais e dos acontecimentos reais – concretos, materiais” (LOIZOS,
2007, p. 137). Neste sentido, compreendo que as informações visuais são
representações de um complexo maior de ações sociais, extraídas das realidades
que lhes conceberam.
FIGURA 2 – Quadro produzido no grupo de arteterapia pelos usuários do CAPS
Fonte: Foto ilustrativa cedida por um profissional da terapia ocupacional.
21 Teatro do Oprimido é um método teatral que se baseia no princípio de que o ato de transformar é transformador. Criado pelo teatrólogo brasileiro Augusto Boal, o teatro do oprimido reúne exercícios, jogos e técnicas teatrais, oportunizando a encenação de uma situação real e a troca de experiências entre atores e espectadores, através da intervenção direta na ação teatral. Disponível em < http://ctorio.org.br/novosite/arvore-do-to/teatro-do-oprimido/>. Acesso em 13 mar. 2016.
59
FIGURA 3 – Painel confeccionado pelos usuários do CAPS destinado ao Festejo Junino (2015)
Fonte: Foto ilustrativa cedida por um profissional da terapia ocupacional.
Conforme referido, as fotografias 2 e 3 apresentam o registro do material
produzido pelos usuários no decorrer dos encontros do grupo de Arteterapia.
Ressalte-se que o grupo de Arteterapia constitui-se de atividades voltadas para o
desenvolvimento da expressão artística dos usuários do serviço, com enfoque no
trabalho com pinturas, desenho, modelagem e escultura. Neste contexto, utilizo-me
da segunda imagem (ver Figura 3), para descrição da minha participação no grupo,
tendo em vista que acompanhei o processo de feitura do painel que compôs a
decoração da comemoração do festejo junino do CAPS, em 2015.
Em uma das ocasiões que participei dessa atividade, os usuários estavam
produzindo bandeirinhas e as letras da frase ARRAIÁ DO CAPS. Como de costume,
eles permaneciam sentados próximos a uma mesa, onde o material (caixa de leite,
tecido, cola, tesoura) estava disposto. Logo que cheguei, fui informada que cada
membro era responsável por realizar uma tarefa. Diante da notícia, tratei de
perguntar em que poderia ajudar, sendo incumbida de contribuir com o recorte das
letras nas caixas de leite. Os afazeres dividiam-se assim: um usuário fazia o
desenho das letras nas embalagens de leite (base do letreiro), outro o desenho das
bandeirinhas, um terceiro usuário recortava as caixas, de acordo com o molde.
Outros realizavam esse mesmo processo (desenho e recorte) com o tecido. Todos
60
se mostravam empolgados com a atividade. Em meio ao exercício manual, eles
conversam sobre o processo de confecção das letras. Assuntos relacionados à vida
cotidiana (o que iriam fazer após o grupo, uso de medicação, expectativas para o
Arraiá) também permeavam às conversas paralelas. Eu, como não tinha intimidade
com eles, tentava também me inserir nas conversas, por vezes, sem êxito. Ao final
do grupo, todos guardaram o material, o qual seria utilizado pelos profissionais para
a decoração da comemoração junina.
FIGURA 4 – Fotografia alusiva à atividade do grupo de Memória
Fonte: Foto ilustrativa cedida por um profissional da terapia ocupacional.
O grupo de Memória acontece todas às sextas-feiras, no espaço do salão.
Da mesma forma que o grupo de Arteterapia, essa atividade é conduzida por
profissionais da terapia ocupacional. Segundo relatos de um membro da equipe
técnica, nesse grupo “todos os exercícios envolvem atenção, concentração,
memorização e socialização”. Dentre as ações realizadas estão: palavras-cruzadas,
bingos, listas de afazeres que envolvem a rotina dos usuários. Na data de registro
da figura 4, os usuários estavam montando um quebra-cabeça (atividade lúdica).
Neste dia, estavam inseridos na atividade cinco usuários. Outras pessoas, por
vezes, entravam na sala, onde a atividade estava sendo realizada. Uns observavam
com atenção o jogo, mas não se envolviam na brincadeira; outros perguntavam
61
alguma informação ao profissional responsável, e logo saiam; outros ainda entravam
no salão apenas para esperar os atendimentos clínicos. Desta vez, resolvi não
participar do jogo, pois queria observar o desenvolvimento da atividade em uma
perspectiva de alguém que “esta de fora”. Fiquei sentada próximo à mesa, apenas
observando-os. Chamou minha atenção o tom de entusiasmo que os usuários
falavam da disposição das peças, e o clima de calmaria que pairava na Instituição.
Nesta data chovia muito e, de modo geral, não era intenso o movimento no CAPS.
Ao se aproximar do meio dia, o profissional pediu para que todos guardassem o
material, pois seria utilizado posteriormente, e que se preparassem para o almoço.
Assim, todos saíram da sala para ir ao refeitório.
FIGURA 5 – Apresentação do Teatro do Oprimido (2014)
Fonte: elaborado pela autora.
A figura 5 faz referência à apresentação do Teatro do Oprimido no CAPS
geral do Jardim América, em 2014 22. A peça encenada foi baseada na história de
vida de uma usuária do CAPS. Traz como foco situações de violação de direitos
vivenciadas no ambiente familiar. A escolha desse enredo aconteceu durante os
22 O Teatro do Oprimido foi implementado no CAPS geral do Jardim América por residentes e preceptores da Residência Integrada em Saúde, vinculado a Escola de Saúde Pública do Ceará, no ano de 2014. Esse grupo faz parte do projeto denominado Teatro do Oprimido na Saúde Mental de Fortaleza, financiado pelo Ministério da Saúde.
62
encontros da oficina, os quais antecederam à apresentação do teatro. No período de
preparação da peça, os profissionais pediram aos usuários da Instituição que
escrevessem sobre situações marcantes em suas vidas, com o intuito de
fundamentar a trama da encenação. Neste sentido, é interessante o relato da
usuária que teve sua história escolhida, ela diz:
Até amanhã, as meninas vão fazer outra uma peça falando da minha vida,
eu escrevi um bom tempo da minha vida, desde a infância até o dia de hoje. Até ela [profissional do CAPS] levou para estudar em casa, porque eu fiz da minha infância até o dia de hoje. [...] Antes já tinham feito uma peça contando a minha história, no Teatro do Oprimido, eu contei pra ela, aí eu escrevi. (Usuária 3)
Após a escolha da narrativa, os ensaios iniciaram-se. Estes aconteceram
no próprio ambiente do CAPS, em torno de dois meses (outubro e novembro de
2014). Aproximadamente, trinta familiares e usuários dos serviços CAPS
compuseram a primeira equipe. A apresentação aconteceu no salão do CAPS do
Jardim América. Este evento contou com a participação de usuários, familiares,
profissionais e gestores de saúde. Na imagem (ver Figura 5) aparece um membro da
equipe técnica explicando sobre a peça. Após essa explanação, iniciou-se a
encenação. Os atores (usuários) apresentaram uma situação em que fazia
referência a momentos de violência psicológica, praticados por membros da família
de um portador de transtorno mental. Estigma e preconceito são tomados como
aspectos centrais nessa trama. Por vezes, a peça era paralisada, e o enredo era
dialogado com a plateia. Assim, seguiu-se até o desfecho final. Em que
arrependidos os filhos pediam desculpas a mãe, ora agredida.
Atualmente, o CAPS do Jardim América possui mais de 11 mil prontuários
abertos. Entretanto, segundo informações dos funcionários 23, apenas 3.320
aproximadamente estão ativos. Este número refere-se às pessoas que participam,
com certa frequência, dos grupos terapêuticos e atendimentos individuais, incluindo
as consultas médicas. Quanto ao atendimento diário, o Projeto Terapêutico da
Instituição (2014) prevê 240 pessoas/dia. Sua clientela é composta por adultos com
transtornos mentais severos ou persistentes, residentes no território da SER IV de
Fortaleza, egressos ou não de hospitais psiquiátricos. A maioria são pertencentes às 23 Anotações no caderno de campo na data 23/11/2015. Estes dados foram obtidos a partir de uma pesquisa realizada pelos profissionais da Instituição, com o intuito de identificar a demanda de usuários ativos. Reporta-se ao período de 2013-2015.
63
classes populares. Os usuários que buscam o CAPS geral do Jardim América
advêm de demanda espontânea ou são encaminhados por outras instituições
públicas, privadas ou organizações não governamentais.
Segundo o Fluxograma Institucional, o primeiro atendimento realizado no
CAPS geral da SER IV é denominado Acolhimento Inicial. Durante este
procedimento, quando os profissionais não avaliam necessidade de tratamento
neste serviço, as pessoas que passaram pela triagem são encaminhadas para
outras unidades de saúde e/ou equipamentos vinculados às políticas setoriais.
Quando verificada demanda, esses sujeitos são direcionados para abertura de
prontuário na Instituição. A partir deste momento, os usuários poderão ter acesso
aos grupos e oficinas terapêuticas, abordagens familiares e atendimentos
individuais, abrangendo as consultas médicas. No transcurso destes atendimentos,
quando constatadas, pela equipe técnica, necessidades que não se restringem à
saúde mental, podem também ocorrer encaminhamentos paralelos a outros órgãos
públicos ou privados.
O Projeto do CAPS do Jardim América propõe ainda a
corresponsabilização das ações junto às unidades da Atenção Básica, através do
chamado “apoio matricial”. Por apoio matricial ou matriciamento, Campos (1999)
entende o momento em que se constitui a troca de saberes entre os profissionais, de
vários serviços de saúde, com o objetivo de garantir a vinculação aos pacientes e a
responsabilização das ações de assistência. Projetos de inclusão social (ações de
orientação para o trabalho, com foco na empregabilidade, economia solidária e
trabalho autônomo) ainda são tomados no ordenamento do fluxo da Instituição. O
último procedimento realizado consiste na emissão de alta médica, ou
encaminhamento para a Atenção Básica, nos casos em que os pacientes são
considerados estáveis.
3.2 O CAPS E A REDE DE ATENDIMENTO À SAÚDE MENTAL
Evidentemente tanto o ouvir como o olhar não podem ser tomados como faculdades totalmente independentes no exercício da investigação. Ambas complementam-se e servem para o pesquisador como duas muletas [...], que lhe permitem caminhar, ainda que tropegamente, na estrada do conhecimento. (OLIVEIRA, 2006)
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Complementando o olhar, o ato de ouvir compartilha das mesmas
condições prévias desse último, aparecendo como uma ação importante na
eliminação de informações que não se constituem significantes para o pesquisador.
Assim, descrito os mecanismos de organização do CAPS, através desses
empreendimentos cognitivos, postulo que se torna necessário compreender a “teia
de significados” (GEERTZ, 2008) que os atores sociais envolvidos atribuem a essa
lógica institucional. As explicações conferidas pelos próprios sujeitos do espaço
investigado, obtidas no contexto das interações dialógicas, favorecem um ouvir todo
especial. A observação participante e as entrevistas ganham destaque nesta ótica.
Dito isso, abordarei, de forma mais detalhada, os atendimentos realizados pelo
referido CAPS e sua articulação com a rede de atenção à saúde mental.
O grupo de Acolhimento Inicial acontece todas as terças-feiras a partir
das 8hs, e nas quintas-feiras às 14hs. A priori são agendadas cinco pessoas, com
tempo de espera de dois meses aproximadamente. Este grupo é realizado por uma
assistente social, por um psicológico e por uma terapeuta ocupacional, alternando
dias e horários. Tem como objetivo identificar as pessoas que se enquadram no
perfil estipulado, pela Política Nacional de Saúde Mental, como usuários do CAPS
geral (pessoas com transtornos mentais severos e persistentes), com vistas a
proceder com a inserção ou não do usuário na instituição. Como pude olhar e ouvir,
durante esta atividade é retratado o processo de reforma psiquiátrica brasileira e
seus ideais, os critérios e procedimentos de admissão na instituição, os serviços
oferecidos, a configuração dos profissionais atuantes e as atividades desenvolvidas.
É discutido ainda o Projeto Terapêutico do CAPS. Destaca-se que o Projeto
Terapêutico configura-se como um dispositivo, no sentido foucaultiano, destinado à
organização dos processos de trabalho no CAPS geral do Jardim América,
estabelecendo a função, as metas, as articulações, as ações e os projetos
pertinentes para o delineamento do cuidado em saúde mental.
Após este momento, os usuários abordam os motivos que os trouxeram
ao serviço, respaldos por um acordo de sigilo, previamente estabelecido. Assim,
somente depois da escuta qualificada, o profissional procede com a realização dos
encaminhamentos, que podem ser interno ou externo. Os internos são voltados para
os atendimentos que ocorrem no próprio serviço CAPS. Já os externos destinam-se
àqueles usuários que não apresentam perfil para atendimento em CAPS. Estes são
65
orientados e encaminhados para outras instituições de saúde. Dentre elas
destacam-se: Hospital de Saúde Mental Professor Frota Pinto, CAPS AD, Núcleo de
Atenção Médica Integrada da UNIFOR (NAMI), Serviço de Psicologia Aplicada (SPA)
da UECE/UFC, Unidades Básicas de Saúde, Espaço Ekobé, entre outras. A rede
socioassistencial e jurídica também são incorporadas ao “processo de cuidado”,
como demonstra a fala de um profissional ao explicar o Grupo de Avaliação Inicial: E a ideia dele [grupo] é exatamente nós promovermos essa conversa, depois do que, após ter feito um acordo ético como o grupo, cada pessoa pertencente ao grupo fala porque veio ao serviço. Se veio encaminhado? Porque veio? O que está sentindo? E a partir daí a gente já faz uma avaliação do perfil de necessidade de atendimento dessa pessoa, e aí constrói uma proposta de cuidado que pode ser a de abrir prontuário no CAPS, ou não. Pode muito bem ser um atendimento no Posto, ou um plano de cuidados em outro espaço, que não seja o CAPS, e nem sempre na área de saúde. Às vezes coincide de ser em outra área de saúde na atenção primária, por exemplo. É isso, aí a gente estratifica riscos, estratifica sem instrumento real de estratificação, mas estratifica só na base dialógica mesmo, para poder definir a urgência ou não desse atendimento. (Profissional de Serviço Social)
Em seguida à acolhida são agendados os atendimentos individuais de
ingresso à Instituição. O procedimento de admissão consiste em efetuar o
preenchimento da ficha de “anamnese”, procedendo com a definição do tipo de
terapia do usuário e a abertura do prontuário. Vale destacar que este instrumental,
por vezes, não é preenchido em sua totalidade, em decorrência, sobretudo, do
número de atendimentos agendados para o mesmo profissional e da demora de seu
preenchimento. A “anamnese” dá-se através de um processo de escuta terapêutica
e entrevista, com o propósito de identificar a história social, afetiva, familiar e do
adoecimento do usuário. Por escuta terapêutica entendo uma estratégia de
comunicação essencial para a compreensão do outro, expressa a partir de uma
atitude de interesse e de respeito (BENJAMIM, 1983). Neste contexto, postulo que o
atendimento de “anamnese” constitui como mecanismo que subsidiará a construção
do projeto terapêutico do usuário, realizado somente por profissionais de nível
superior. Conforme destaca um membro da equipe técnica: Por meio da realização da anamnese ocorre à coleta de dados com o intuito
de conhecer o usuário e sua demanda, bem como reunir condições efetivas de intervenção profissional. É um momento relevante para o estabelecimento de vínculos com os usuários, e ainda possibilita a realização da escuta apurada das suas vivências. (Profissional de Serviço Social)
66
Quanto às características da ficha de “anamnese”, considero que existe
predomínio de conteúdo biologizante. Nela consta a identificação do paciente;
histórico da doença; antecedentes pessoais, familiares, psicossociais, patológicos;
avaliação psíquica (estado mental e emocional atual) e física; hipóteses
diagnósticas; e plano terapêutico. Dispondo, dentre outras, das seguintes perguntas:
Como é o seu relacionamento com as pessoas da sua família, do seu trabalho,
outros? Como são seus hábitos (alimentação, sono, lazer)? Como está o seu
humor? Você apresenta distúrbios clínicos? Já teve crises convulsivas? Já foi
hospitalizado? Isso se assemelha ao que Foucault (1987) chama de vigilância
médica. Para ele, a vigilância dá-se através de uma série de controles
administrativos sobre os doentes, por meio da identificação do paciente, histórico
das patologias, delimitação do diagnóstico, especificação do atendimento, registro
de presenças e ausências na instituição.
O momento da realização da entrevista de "anamnese”, como já citado, é
construído o Projeto Terapêutico Singular de cuidado do usuário. Salienta-se que
por Projeto Terapêutico Singular entende-se “um conjunto de propostas de condutas
terapêuticas articuladas, para um indivíduo, família e coletivo, resultado da
discussão coletiva de uma equipe interdisciplinar, com apoio matricial se necessário”
(BRASIL, 2013, p. 83). Desta forma, a partir deste atendimento são promovidos
encaminhamentos para as consultas médicas e atividades terapêuticas. Caso seja
avaliado que o usuário necessite de acompanhamento psicológico, preenche-se
uma ficha de encaminhamento interno, ficando a cargo do profissional responsável o
agendamento da data e do horário. Em virtude da demanda, há uma demora neste
atendimento. Sublinho que não existe previsão do tempo de espera por parte da
Instituição.
Realizados estes dispositivos 24, outros atendimentos são registrados no
Projeto do CAPS: a) consulta médica; b) acompanhamento psicofarmacológico; c)
avaliação psicológica ou terapêutica-ocupacional; d) terapia individual; e)
atendimento de enfermagem, que pode ser: consulta de enfermagem, intercorrência
nos quadros de maior estratificação de risco, ou administração monitorada de
medicação, reservada aos pacientes sem suporte familiar ou sem condições de
autocuidado em relação à medicação; f) atendimento psicológico; g) grupos, oficinas 24 Refiro-me à acolhida, anamnese, abertura do prontuário, construção do projeto terapêutico singular, encaminhamentos e orientações.
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terapêuticas e atividades sócioterapêuticas (grupo de acolhimento, festas
comemorativas, passeios culturais), h) visita domiciliar designada aos usuários
impossibilitados de deslocarem-se ao CAPS ou direcionada à realização de
intervenção social. Participação no Conselho Local de usuários, ações de apoio
matricial, parcerias com instituições conveniadas ao Sistema Saúde-Escola e à
Escola de Saúde Pública do Ceará, participação em eventos públicos com a
temática de saúde mental, rodas de equipe, atividades de inclusão produtiva (ações
de orientação para o trabalho executada em grupo ou individual), busca ativa
(atendimento destinado aos usuários em abandono do tratamento), abordagem à
população em situação de rua, orientação previdenciária ainda estão previstas nas
atividades do CAPS.
No que tange à participação da “equipe técnica” nestas atividades,
convém salientar que, com exceção de alguns atendimentos de enfermagem que
podem ser realizados por profissionais de nível médio (intercorrência, administração
de medicação), das atividades sócioterapêuticas (grupo de acolhimento, festas
comemorativas e passeios culturais), das tarefas compartilhadas (visitas
domiciliares, realização de busca ativa, ações de apoio matricial, participação em
eventos, reuniões e rodas de equipe), os outros atendimentos, já citados
anteriormente, são de incumbência dos profissionais de nível superior. Este fato
expressa à divisão de tarefas e das hierarquias dentro da equipe multidisciplinar.
Neste sentido, observo que na separação das atividades sobressaí às diferenças
das posições ocupadas pelos distintos agentes no espaço institucional.
Feitas as devidas explanações, alguns aspectos serão tomadas para
análise: as ações de apoio matricial, a atividade de inclusão produtiva e a
abordagem de rua. O primeiro ponto considerado refere-se às tentativas do CAPS
geral do Jardim América de fomentar iniciativas conjuntas de “apoio matricial”, junto
ao Centro de Saúde da Família Luís Albuquerque Mendes, responsável por atender
o território do bairro Serrinha. Segundo relatos dos profissionais do CAPS, estas
atividades de organização das ações de saúde mental na Atenção Básica visam
diminuir o número de encaminhamentos realizados pela referida Unidade Básica de
Saúde (UBS), oferecer suporte técnico às equipes do Núcleo de Apoio a Saúde da
Família (NASF) e da Estratégia Saúde da Família (ESF) e promover a capacidade
resolutiva de problemas de saúde (quadros leves de transtorno mental) pela equipe
68
local. Como resultados deste processo, na esfera da efetivação da política pública,
foram realizados, ainda de forma incipiente, discussões de caso, intervenções a
famílias em regime de corresponsabilidade, visitas domiciliares e atendimentos
conjuntos entre o CAPS e a UBS Luís Albuquerque Mendes. As ações de
matriciamento são citadas também como estratégia utilizada pelo CAPS para
promover a articulação entre usuários, seus familiares e demais pessoas da
comunidade. Conforme enfatiza um profissional do Centro Psicossocial:
Outra estratégia que eu acho muito importante, que a gente tá fazendo agora, é exatamente este trabalho, junto com a atenção primária. Que trabalho é esse? È um trabalho de envolver a atenção primária no cuidado do paciente que tem transtorno mental. Então envolver, inclusive, como ordenador no curso desse cuidado. Fazendo isso à gente desperta um recurso muito importante, que é aquele recurso de saúde que tá na ponta da vivência do nosso usuário. Como ele tá na ponta da vivência do nosso usuário, ele conhece melhor o território, ele conhece melhor a dinâmica da comunidade. E a gente tá fazendo isso, não só fomentando o cuidado clínico, mas também o cuidado não clínico. [...] E o cuidado não clínico o que é? É usar práticas alternativas, é usar os recursos das várias instituições e setores da política pública, é utilizar os recursos comunitários. A Atenção Básica tem um potencial muito maior do que o nosso, pois tá mexendo nessa teia de relações das pessoas, dos recursos, que se tornaram parceiros nisso. Então essa é uma estratégia. (Profissional de Serviço Social)
Como se analisa no discurso do profissional do CAPS, as novas diretrizes
propostas para a área de saúde mental presumem o envolvimento de outros agentes
no processo de cuidado psicossocial. O hospital psiquiátrico deixa de exercer papel
predominante na realização do cuidado. As famílias e as comunidades tornam-se o
lócus privilegiado do tratamento. Os serviços de saúde existentes nos territórios
onde as pessoas vivem também ganham notoriedade, com ênfase para o âmbito da
Atenção Básica. Conhecer a história de vida dos usuários, as relações que eles
estabelecem com o grupo familiar e o meio onde vivem, suas (re) significações a
respeito da díade saúde/doença e seus projetos de vida, constituem-se ideários
importantes para a construção do Projeto Terapêutico Singular de cuidado. Posto
que, “no modelo hospitalocêntrico, ou seja, aquele em que a lógica do cuidado às
pessoas era o hospital, os pacientes sofriam contenção, no modelo do território
recebem continência, isto é, acolhimento e escuta” (BRASIL, 2013, p. 28).
Este ideário pressupõe garantir a integralidade do cuidado, a partir da
observação do indivíduo na sua totalidade, separando, cada vez menos, a Saúde
Física da Saúde Mental. Neste sentido, as psicopatologias passam a ser explicadas
69
como demandas existentes no exercício cotidiano dos trabalhadores da Atenção
Básica. Exige-se, destarte, desses profissionais que incorporem as competências da
terapêutica em saúde mental na sua prática diária, objetivando desenvolver um
“cuidado integral” à saúde. A Atenção Básica é percebida, dentro deste contexto,
como mecanismo estratégico de intervenção, pois possibilita a atuação dos
profissionais de saúde em um território geograficamente delimitado e conhecido,
favorecendo o contato com os usuários e o reconhecimento de suas singularidades.
A política do SUS, no entanto, enfrenta muitas dificuldades para sua
efetivação, inclusive no âmbito da Atenção Básica. Durante o período que estive na
Instituição, pude observar que ocorreram ações pontuais do CAPS do Jardim
América em articulação com a UBS Luís Albuquerque Mendes, ambos vinculados à
Coordenadoria Regional de Saúde de Fortaleza. Essas iniciativas, em sua maior
parte, dizem respeito à tentativa de fortalecimento do “apoio matricial” e de
capacitação das estratégias de “estratificação de risco” utilizadas no domínio da
saúde mental pelos profissionais. Por “estratificação de risco” entende-se uma
técnica de definição da urgência do atendimento, dependendo do quadro
psicopatológico do paciente. Nas palavras de um profissional do serviço social: “na
abordagem a gente utiliza as queixas da crise, se existe alguma quadro de surto,
risco auto ou heterodirigido, ou uma possibilidade real de agravamento, se existe
suporte familiar, e se a pessoa está medicada” [...]. Estas ações dispõem, contudo,
de pouca abrangência, pois esbarram na falta capacitação técnica dos profissionais,
instrumentais específicos e conhecimento por parte das instituições de saúde.
No que tange a articulação do CAPS com a rede de atendimento, o
segundo aspecto considerado refere-se às atividades de inclusão produtiva. Nesse
sentido, observei que as tentativas de reintegração dos usuários à vida laborativa,
através da empregabilidade, economia solidária25 e trabalho autônomo, conforme
prevê o Projeto Terapêutico do CAPS, partem da iniciativa individual dos
25 Economia solidária é definida como o é um jeito diferente de produzir, vender, comprar e trocar o que é preciso para viver. Enquanto na economia convencional existe a separação entre os donos do negócio e os empregados, na economia solidária os próprios trabalhadores tomam as decisões de como tocar o negócio, dividir o trabalho e repartir os resultados. Dentre as iniciativas econômicas estão: associações e grupos de produtores; cooperativas de agricultura familiar; cooperativas de coleta e reciclagem; empresas recuperadas assumidas pelos trabalhadores; redes de produção, comercialização e consumo; bancos comunitários; cooperativas de crédito; clubes de trocas; entre outras. Disponível em < http://www.mtps.gov.br/trabalhador-economia-solidaria>. Acesso em 15 de mar. de 2016.
70
profissionais do CAPS. Não há uma ação articulada e efetiva de negociação e
comunicação por parte da Secretaria Municipal de Saúde com os órgãos e
instituições que se inscrevem nas políticas setoriais, com vistas a propiciar a
inserção dos usuários do CAPS no mercado de trabalho formal e informal. Ressalte-
se que o ideário de inclusão produtiva, previsto no âmbito das políticas públicas,
pressupõe o reconhecimento do trabalho e da formação profissional como direito de
cidadania. Neste sentido, verifico limitados esforços por parte da “equipe técnica” do
CAPS. Muitos destes esforços se referem a buscar informações de datas e locais
onde haverá a oferta de cursos profissionalizantes e feiras de artesanato,
estabelecer contato e negociar com estes espaços socioprodutivos. Para ilustrar
esta explicação, tomarei a fala de dois usuários. Vale destacar que as perguntas
contidas no trecho da entrevista foram feitas por mim. Objetivando preservar o
sentido da fala resolvi mantê-las. Eu faço esses trabalhos com sandália, crochê, eu faço um monte de coisas. A senhora faz em casa? È, e aonde eu vou, eu levo o meu trabalho, não custa levar a agulha e a linha, né? A senhora trabalha sozinha, ou tem outras pessoas que lhe ajudam? Não, sozinha. Às vezes, as pessoas me fazem pedidos e não sai no dia certo, porque eu trabalho só. [...]E tem feirinha que a gente vai, e não ganha nada, né? Então eu prefiro trabalhar só. A senhora leva suas peças para a feirinha? É. Feirinha do bairro? Não, é aqui do CAPS. Às vezes, a profissional do CAPS sabe onde tem feirinha, ou informam a ela onde tem. Aí ela vai e arranja um espaço pra gente ir. Ela dá o aviso. Eu acho que é o pessoal aqui do CAPS que avisa ela. Aí ela avisa pra gente. Ela diz: Em tal canto, vai haver feirinha, ai se vocês quiserem ir, a gente vai (Usuária 6). Eu faço um curso dois dias, é de pintura e tecido, à tarde. Faz três anos que eu faço. E onde a senhora faz? Eu faço com uma professora, que atende na casa dela. Neste grupo são quatro alunos, comigo. Eu fui segunda e terça-feira pela manhã. E a tarde? A tarde segunda e terça eu venho pra cá. Hoje é o grupo de bordado, o outro é projeto de vida.[...] Eu gosto de artesanato. A senhora vende? Ah, eu vendo mais é muito pouco. Vende uma pecinha aqui. Até logo porque minha produção é pequena, e por essa limitação que eu tenho, de não tá com bem coragem o dia todo, eu faço pouco, né? Eu faço poucas peças. Mas eu gosto do que faço, adoro artesanato. Aí não só minhas colegas daqui, aquela que eu tava conversando com ela, a gente dividi muito as coisas, ela traz coisas que ela aprende. A gente não fez curso, a gente aprendeu uma com as outras, com a televisão que às vezes dá umas dicas, com a internet. A filha dela pega mais. Às vezes eu olho alguma coisa com meu marido. Mas a senhora trabalha sozinha em casa? Sozinha mesmo. [...] Eu trabalho com pintura, boneca, coisinha assim. Pega um depósito eu enfeito. Crio também outras coisas. É diversificado meu artesanato. Muita coisa eu crio na minha cabeça. Eu adoro boneca. Cortar, fazer vestidinho. Eu gosto tanto, que até uma época dessas, nós fomos para uma feirinha que a profissional do CAPS levou. Mas não vendeu praticamente nada, porque o pessoal chega, olha, acha bonitinho. [...] Foi uma feira de artesanato? Foi lá na Praça do Ferreira. Aí tinha lá um local que era de artesanato. Não era só nós, tinha outras pessoas lá também. Aí
71
apareceu essa oportunidade. Aqui também, às vezes a gente faz umas feirinhas aqui. Aí se trouxer as coisas da gente, a gente vende alguma besteirinha. (Usuária 4)
Em relação aos atendimentos destinados à população em situação de
rua, durante o período que estive no CAPS, presenciei casos em que esta clientela
buscou o CAPS para atendimento psicossocial ou requisição de algum serviço.
Observei a ocorrência de articulações e encaminhamentos desse CAPS, sobretudo,
com o Centro POP, localizado no Benfica, e com o CAPS AD da SER IV
(popularmente chamado de CAPS AD do Alto da Coruja). Concernente ao âmbito da
Saúde e da Assistência Social, essa rede pressupõe a articulação entre profissionais
do CAPS (Geral e AD), Centro Pop (Centro de Referência Especializado para
População em situação de Rua), Consultórios de Rua (unidade móvel que acolhe
pessoas em situação de rua por motivos de drogadição), Centro de Convivência
para Pessoas em Situação de Rua, Pousada Social, Casa de Passagem, Abrigos
Institucionais, Centro de Referência da Assistência Social (CRAS), Centro
Especializado de Referência da Assistência Social (CREAS), Hospitais,
Comunidades Terapêuticas e as equipes do NASF (Núcleo de Atendimento à Saúde
da Família) vinculadas às Unidades Básicas de Saúde 26.
3.3 COTIDIANO DO CAPS: UM DIA DE OBSERVAÇÃO
Após realizar a descrição das atividades desenvolvidas na Instituição,
neste tópico tentarei fazer a escrita das “formas de ações recíprocas” (Simmel, 2006)
estabelecidas entre os usuários, cuidadores e os profissionais de saúde dentro do
espaço do CAPS, ou seja, os comportamentos dos indivíduos em interação uns com
os outros, no momento das reuniões e grupos terapêuticos. Entendo, portanto, que a
rede de relações existentes dentro do espaço institucional fornece uma parte
26 A Política Municipal de Atenção à População em Situação de Rua foi implementada, em Fortaleza, pela Secretaria Municipal de Assistência Social (SEMAS) a partir do ano de 2008, quando da criação do Programa de Atendimento Integral à População de Rua. Vale destacar, contudo, que no âmbito do município de Fortaleza restam instrumentos jurídicos a serem elaborados. Não existe uma Lei em vigor que regulamente a jurisdição desta Política. Consta a indicação do Projeto de Lei 0057/ 2014 que prevê a Política Municipal para a População em Situação de Rua. Disponível em http://216.59.16.201:8080/sapl/sapl_documentos/materia/17458_texto_integral.
72
essencial dos dados necessários ao estudo do funcionamento desse serviço de
saúde. Nesse intento, retratarei um dia de observação participante no CAPS do
Jardim América. Convém salientar que, em alguns casos, por se tratar de relatos
que trazem à tona eventos e informações a respeito dos prognósticos dos usuários,
optei por não descrevê-los, com o intuito de preservar os interlocutores. A maior
parte dos dados foi obtida através das minhas observações e registros em campo,
no período de decurso da pesquisa.
Era um dia de grande movimentação no CAPS. Nesta ocasião, cheguei à
Instituição por volta das 8h30min da manhã e saí apenas à tarde, quando o
expediente terminou. De início, após cumprimentar os usuários e profissionais que
estavam na recepção, deixei meus objetos pessoais na sala de prontuários, como
fazia todos os dias, e me dirigi ao salão, lugar onde iria acontecer uma reunião do
Conselho de Usuários. Naquela oportunidade, o Conselho realizaria um balanço dos
avanços e retrocessos das atividades que tiveram no decorrer do ano de 2015.
Diferente do que ocorre rotineiramente, pois na maioria das reuniões os conselheiros
presidem sozinhos, dispondo da presença esporádica de um ou outro profissional de
saúde, alguns profissionais faziam-se presentes à sessão.
Como ocorre habitualmente nos grupos terapêuticos e reuniões entre os
usuários ou profissionais do CAPS, as cadeiras estavam dispostas em círculo, com
vistas a simbolizar uma aparente inexistência de relação hierárquica. Importa dizer
que esta tentativa de dissociação entre saber e poder, proveniente da distinção entre
os detentores do conhecimento especializado e os não detentores, é reflexo do
ideário de mudança promovido pela atual Política Nacional de Saúde Mental. Posto
que, as propostas e diretrizes incluídas nos documentos oficiais visam interferir, não
apenas em como as instituições devem ser estruturadas, mas no modo com as
terapêuticas são organizadas e na maneira como os indivíduos se comportam uns
em relação aos outros. Essa perspectiva pressupõe que os usuários do CAPS
deixem de ser vistos como agentes passivos, e tornem-se sujeitos de direitos.
A reunião do Conselho foi iniciada com a fala de um membro da “equipe
técnica” sobre sua experiência na 15ª Conferência Nacional de Saúde, retratando os
assuntos discutidos e suas avaliações no âmbito da política pública de saúde
mental. Em seguida, um usuário pediu a palavra e queixou-se da insuficiência de
vale-transporte, alimentação e assistência médica na Instituição. A presidente do
73
Conselho, neste momento, explicou sobre a carga horária dos médicos e a
necessidade de mobilização política dos usuários, com o intuito de reivindicar seus
direitos. Enfatizou que um membro da gestão do município viria a esta reunião, e
que seria importante que todos participassem ativamente das discussões. Outro
usuário citou ainda situações em que se sentiu incomodado com a conduta de um
determinado funcionário. Neste momento, um profissional da “equipe técnica”
verbalizou que já havia conversado com ele, mas que iria retomar a conversa.
Foram feitas ainda reclamações com relação à demora na acolhida e no
atendimento, bem como em virtude da falta de remédios. Outro ressaltou: “quando
as pessoas têm um problema é visto pela sociedade como excluído”.
Neste instante, o membro da gestão já se fazia presente. Em sua fala
pontuou a redução de gastos por parte dos entes federados (União, Estados e
Municípios) e explicou os trâmites burocráticos que ocasionavam a falta do vale-
transporte, responsabilizando-se por rever esses protocolos, junto ao setor
encarregado. A insuficiência do vale-transporte durante o mês continuou a ser
enfatizada pelos usuários. Destarte, um paciente asseverou que faltava
conhecimento da população sobre a Reforma Psiquiátrica. A presidente do Conselho
explicou, a posteriori, que está elaborando um instrumental que mensura o número
de pessoas do CAPS que necessitam de vale-transporte para deslocar-se. Outro
usuário levantou a questão da emissão da carteira que possibilita à gratuidade das
passagens nos transportes coletivos, destinada às pessoas com deficiência, como
alternativa para diminuir a demanda por vale-transporte na Instituição. Um
conselheiro explicou, contudo, que as psicopatologias não garantiam o direito ao
passe-livre. Vale destacar que as psicopatologias são rotuladas pelo código de
Classificação Internacional de Doenças (CID). Nesta ocasião, foi sugerida a
organização de uma comissão para ir até a Empresa de Transporte Urbano e
discutir essa situação.
Prosseguindo com a reunião, a demanda por melhorias na qualidade do
serviço continuou a ser debatida. Um usuário solicitou a oferta de um número maior
de grupos terapêuticos. Outro reclamou do horário que os usuários entram na
Instituição, queixando-se de uma fila que se forma no perímetro da rua, no turno da
manhã, com vistas a garantir o atendimento. Mediante a isto, foi explicado por um
membro da “equipe técnica” que os atendimentos dão início às 8h, mas a partir das
74
7h já é permitida a entrada de usuários no CAPS. Questões, tais como: a circulação
de pessoas, no entorno da cantina, durante o horário do almoço dos profissionais,
proibição na concessão de gêneros alimentícios por parte da Instituição nas
confraternizações e festejos de qualquer ordem, e organização do espaço do salão
nos dias de atividade também foram citadas. Encerrando a reunião, verbalizou-se
que esses impasses deverão ser retomados para debate posteriormente.
É interessante pontuar quanto à regularização espacial e temporal do
CAPS, que a disciplina institucional manifesta-se por meio de diversas técnicas.
Como observado anteriormente, o controle na circulação de pessoas no entorno da
cantina, no período do almoço; a delimitação e organização dos espaços e horários
para cada atividade específica; a demarcação do horário de funcionamento são
tecnologias de controle sobre o corpo, tomando como referência por FOUCAULT
(1987). Para o autor, o poder disciplinar dá-se através da distribuição dos indivíduos
no espaço e do controle da atividade, determinada pela dimensão temporal.
Ressalta-se que o princípio da clausura, ou melhor, da especificação de um local
fechado em si mesmo, não é hegemônico nas instituições disciplinares, pois elas
“trabalham o espaço de maneira muito mais flexível e mais fina, [...] segundo o
princípio da localização imediata ou do quadriculamento” (1979, p.122-123). A regra
da localização funcional e da demarcação temporal, ou seja, da definição de lugares
determinados e dos horários para cada atividade, além de atender a necessidade de
controle, torna o espaço útil. Portanto, as disciplinas, organizando os espaços e o
tempo, criam lugares funcionais e hierárquicos. Dentro dessa regularização espaço-
temporal, os indivíduos também se tornam intercambiáveis, pois cada um se define
pelo lugar que ocupa numa classificação. A disciplina os distribui e os faz circular
numa rede de relação.
Após o almoço, no período da tarde, continuei a acompanhar o dia-a-dia
da Instituição. Como de costume havia vários usuários no pátio. Estes e as demais
pessoas presentes no local mantinham conversas simultâneas, não sendo possível
ouvir o que falavam. Como já ultrapassava 13 horas, os profissionais da farmácia
haviam retomado suas atividades rotineiras. Forma-se uma discreta fila na janela do
setor, onde normalmente os remédios são dispensados, mediante apresentação do
documento de identidade do usuário e/ou do responsável, da receita médica e do
cartão do SUS. A exigência do uso deste cartão foi inserida há pouco tempo no
75
CAPS do Jardim América, fato que ainda causa muitas queixas entre os usuários.
Neste dia, muitos usuários reclamavam da exigência de apresentação do cartão
para receber a medicação. Os profissionais, entretanto, tentavam explicar que
apenas cumpriam normas protocolares. Tal explicação, por vezes, não os satisfazia,
pois estes continuavam a argumentar.
Quanto a isso, é interessante pontuar que para FOUCAULT (1987) a
concessão dos remédios também é tomada como objeto de controle disciplinar.
Segundo o autor, as tecnologias de observação médica são antecedidas pela
vigilância fiscal e econômica. Como observado no CAPS, existe uma série de
procedimentos burocráticos, conforme já referido, que regulam a entrega da
medicação aos usuários, os quais identificam a pessoa que receitou e a que recebeu
os farmacólogos, a finalidade, a periodicidade e a quantidade de remédios. Desde
modo, o poder disciplinar “tende-se a individualizar os corpos, as doenças, os
sintomas, as vidas e as mortes, constituindo um quadro real de singularidades
justapostas e cuidadosamente distintas” (FOUCAULT, 1987, p.124).
Destaca-se que no espaço do pátio ocorre também, de maneira eventual,
o desenvolvimento da atividade de sala de espera. Essa atividade é realizada por
grupos de residentes ou estagiários voluntários das diversas áreas profissionais.
Trata-se de dinâmicas diversas, objetivando sensibilizar e envolver as pessoas que
estão esperando por atendimento. Na ocasião, fui surpreendida com a realização
deste grupo, por parte de quatro alunos de enfermagem. Em meios a olhares,
conversas, pessoas transitando de um lado para o outro, os discentes iniciaram a
atividade. A princípio entregaram um pedaço de papel, que se encontrava dobrado,
para alguns usuários. Depois de entregue, pediram que todos o abrissem e,
sequencialmente, lessem o bilhete que haviam recebido. Estes continham
mensagens positivas de otimismo, prosperidade, esperança, fé e amor. Muitos
usuários aparentavam sentir-se envergonhados com a brincadeira, todavia,
prosseguiram com a leitura dos papéis, limitando-se a isso. Paralelamente à leitura
de cada mensagem, os alunos faziam reflexões sobre o que se havia lido, sempre
com palavras que tentavam resgatar a autoestima dos usuários. E assim sucedeu-se
até a última pessoa. Por fim, eles leram uma mensagem de esperança e
despediram-se do grupo. Esta dinâmica durou em torno de 20min.
76
Neste transcurso de tempo, uma funcionária aproximou-se dos usuários e
solicitou que todas as pessoas que se encontravam no CAPS pela primeira vez e
que estavam agendadas para o Grupo de Atendimento Inicial se dirigissem para a
sala de número 03. Logo, eu também me conduzi para a sala. O atendimento
começou com uma proposta de pactuação de acordo de sigilo entre o grupo. Este
propunha que os relatos enunciados não seriam repassados para outras pessoas,
após o atendimento. Com acenos positivos esse compromisso foi firmado pelos
participantes. Em seguida, o profissional responsável iniciou a explicação sobre o
processo de reforma psiquiátrica e a organização do serviço CAPS. Ao explicar
sobre os objetivos do Grupo e a imagem oficial do que deve ser o CAPS, foi referido:
A ideia deste grupo é situar as pessoas na proposta da instituição CAPS. O
que é o CAPS? Como ele nasce? Contextualizar o CAPS dentro da Reforma Psiquiátrica. Até para que as pessoas tirem algumas ideias, porque, às vezes, as pessoas chegam com uma ideia, por exemplo, de que o CAPS é uma instituição onde se coloca o paciente para passar o dia. E a gente tem que tirar esta ideia, porque a ideia do CAPS não é substituir a vida de ninguém, pelo contrário, é promover condições para que a pessoa realize a sua vida, ao mesmo tempo, que faz o tratamento. Não tem aquela coisa, dá um stand by, para depois poder voltar. Não, não é isso [...]. (Profissional de Serviço Social)
Dando continuidade ao atendimento grupal, após a abordagem do
profissional, houve a apresentação dos usuários e suas demandas. Prontamente
aos relatos, o funcionário pediu que todos saíssem da sala, avisando que eles
seriam chamados em seguida. Assim, convidou-os (individualmente) para explicar
qual seria a conduta de tratamento. Foram agendados atendimentos individuais
para avaliação de alguns usuários. Em um caso, por se ter sido avaliado como um
quadro psicopatológico de risco foi aberto prontuário, sendo ainda realizado
encaminhamento externo para o Hospital de Saúde Mental Dr. Frota Pinto. Por fim,
foi feito a escuta de outro usuário que se recusou falar no grupo. Nessa ocorrência,
foi agendada terapia no NAMI (Núcleo de Atenção Médica Integrada), marcado
atendimento médico psiquiátrico e atendimento com sua família. Após cada
atendimento os usuários iam sendo liberados.
77
3.4 OS USUÁRIOS E A FAMÍLIA NO CAPS
Por vezes, sentei-me nos bancos do pátio do CAPS junto com os
usuários, lugar onde estes aguardavam a chamada para os atendimentos. Em várias
ocasiões, os vi acompanhados por seus familiares (principalmente cônjuges, pais,
filhos, irmãos), tendo também observado a presença de vizinhos, amigos, membros
de congregações religiosas. Constatei, não obstante, que a maioria dos
acompanhantes é do sexo feminino e membros da família dos usuários. Outro fato
que chamou minha atenção refere-se à presença da família (ou pessoas ditas como
próximas) relacionada, sobretudo, aos casos em que havia maior gravidade do
quadro clínico e/ou psiquiátrico das pessoas em tratamento. O cuidado
desempenhado por esses atores (familiares, vizinhos, amigos, membros de
congregações religiosas) no ambiente do CAPS configurava-se em auxiliar o
deslocamento do usuário, aguardar as terapias em sua companhia, e acompanhá-lo
aos atendimentos. Em virtude de alguma limitação física ou psíquica grave do ente
adoecido, o “cuidador” também era responsável por repassar as principais queixas
durante a consulta médica.
Neste sentido, compreendo que é interessante abordar a participação dos
familiares (principais responsáveis pelo cuidado) nas atividades promovidas pelo
CAPS, tendo em vista o papel desempenhado pelos laços de parentesco na
provisão do bem-estar social e individual das pessoas com transtorno mental, ora
usuários do CAPS. No que tange ao conceito de família e suas atribuições, utilizo a
definição de família constituída por um grupo de pessoas que são relacionadas entre
si por relações de afinidade, descendência e consanguinidade (casamento ou
adoção), organizada em núcleos de reprodução (DURHAM, 1982; LÉVI-STRAUSS,
1982). Quanto as suas atribuições, Dias (2011) afirma que a família no sistema
capitalista exerce as seguintes funções: biológica, de socialização, assistencial e
econômica. Destarte, interesso-me pela assistencial e econômica, que diz respeito à
proteção física, financeira, instrumental e psicológica de seus membros, referindo-se
também aos cuidados prestados na infância, na velhice ou ao familiar acometido por
alguma doença. A preconização da família como um espaço de proteção social em
nível primário também é discutida por outros autores (KALOUSTIAN, 1998, REIS,
1995). Para Kaloustian (1998) os aportes afetivos e materiais são conferidos aos
78
entes familiares à medida que a instituição familiar se constitui como espaço de
apoio, solidariedade, reprodução social e cuidados. Reis (1995), contudo, alerta que
a família ao mesmo tempo é um lócus de hierarquia, autoridade e dominação.
Partindo desse pressuposto, constatei que o apoio social exercido pela
família não engloba todos os usuários do CAPS. A impossibilidade ou incapacidade
da instituição familiar de prestar algum tipo de apoio também é algo presente na
cotianeidade das pessoas com transtornos mentais. Muitos usuários relataram que
comparecem a todos os atendimentos sozinhos e que seus familiares não
frequentavam as atividades do CAPS, ou participavam de forma eventual. A este
fato, uns explicaram que moravam sozinhos, e que seus familiares residiam distante,
mantendo contato esporádico com a família; outros expuseram que seus familiares
ditos como próximos trabalhavam, e que tinham pouco tempo para acompanhá-los à
Instituição; outros asseveraram que a insuficiência de recursos materiais por parte
dos familiares dificultava a prestação de apoio; outros ainda referiram os vínculos
(fracos) construídos nas interações familiares.
Por outro lado, alguns usuários referiram que não necessitavam de
acompanhamento para vir aos tratamentos, pois se sentiam bem de saúde, mas que
consideravam que tinham suporte social, sobretudo, da família; outros asseveraram
que seus familiares ou pessoas classificadas como próximas, compareciam ao
CAPS apenas para deixá-los e/ou buscá-los, não participando das atividades
terapêuticas; alguns abordaram que só dispunham de apoio social por parte da
família, contudo, os parentes não frequentavam as atividades terapêuticas do CAPS;
outros ainda consideravam que tinham redes sociais amplas (composta por amigos,
familiares, integrantes de congregações religiosas, membros de associações civis),
embora, estas pessoas não comparecessem ao CAPS. Tomarei a fala de dois
usuários, os quais afirmaram que, embora, seus familiares viessem à Instituição, não
estavam inseridos nas atividades terapêuticas. Conforme salientam os trechos das
entrevistas a seguir:
Depois que eu fiquei tomando remédio mais vezes, eu nunca mais sai sozinha, eu só venho pra cá por causa que ele [marido] vem comigo. Ele fica aqui me esperando, mas ele não participa das atividades daqui. Ele já participou do grupo de família, mas parou de vir. E porque ele parou? Acho que ele ficou sem tempo, eu acho que acabou também, eu nunca mais ouvi falar. O pessoal gostava da participação dele, ele gosta de falar (Usuária 4).
79
Eles [familiares] vêm, mas eles não ficam. A minha filha veio. Aí uma menina começou a gritar. Aí ela disse que ia pra casa. Eu disse pra ela: tá com medo mulher? Imagina quando eu tô em crise! Ela respondeu: a senhora é a senhora. Teve um que saiu chorando, ela disse: ai mamãe eu vou embora, eu fiquei com tanto medo da mulher que saiu gritando. Ela veio no dia da confraternização do grupo de alfabetização [...]. (Usuária 3)
Conforme observado nas falas, a participação dos familiares (ou pessoas
tidas como próximas) dos usuários nas atividades promovidas pelo CAPS restringe-
se, sobretudo, a uma situação de emergência, festejo de alguma ordem ou
atendimento previamente agendado, ocorrendo de forma pontual. Na maioria dos
casos, a inserção dos familiares nos processos é percebida, pelos profissionais e
usuários, como aspecto positivo, atrelado à melhoria do quadro psiquiátrico do
paciente. Um dos usuários entrevistados, inclusive, expressa seu anseio de que
houvesse um engajamento maior nas terapias por parte de seus parentes, conforme
demonstra seu relato:
Eu acho interessante à família participar, porque muitos familiares que não gostam de participar, deixam só o usuário lá. E eles [familiares] ficam recuados. Agora tem uns que participam só quando tem festa, alguma coisa assim. Agora eu gostaria muito que minha família participasse das minhas terapias, não participam nenhum. Ninguém me acompanha. Antigamente, meu pai me acompanhava, mas ai depois ele começou a trabalhar, ai pronto. Eu venho sozinho. (Usuário 7)
Em complementaridade, um profissional do CAPS ressalta a pouca
abrangência das atividades envolvendo as famílias e os campos de sociabilidade
dos usuários, atentando para a importância dos recursos comunitários na promoção
do cuidado, seja no desenvolvimento da autonomia da pessoa em tratamento,
incremento de ações de “inserção social” e garantia do acesso aos serviços sociais.
Sua fala traz ainda uma reflexão sobre a realidade dos serviços governamentais de
saúde mental em contraste com as premissas da reforma psiquiátrica, a seguir:
Eu não acho que a participação dos familiares e da comunidade ocorra de
forma satisfatória. Eu acho que ocorre eventual. Em alguns momentos, infelizmente. Tanto os usuários como os recursos comunitários, quando bem acionados, eles se manifestam e apresentam uma resposta positiva no sentido de participação nos processos terapêuticos, mas infelizmente essa não é uma realidade cotidiana. Porque o ideal é exatamente que estas pessoas que sofrem de transtornos mentais pudessem contar cotidianamente com uma condição comunitária e familiar que favoreça a autonomia, que favoreça a vivência, que favoreça a inserção dessas pessoas nos movimentos, nas famílias, comunidade, no acesso aos
80
serviços e tudo. E essa não é uma realidade, porque eu não posso pressupor um tratamento que seja limitado a um CAPS, isso aí não é um tratamento coerente com a proposta da reforma psiquiátrica. Um acompanhamento real, um processo terapêutico real da reforma psiquiátrica, ela se dá no dia-a-dia, em vários espaços. Então essa participação que acontece eventualmente, quando fomentada, estimulada pelo profissional CAPS, é muito incipiente, não é uma realidade, uma verdade no nosso trabalho não. (Profissional de Serviço Social)
É interessante pontuar que a perspectiva de que o envolvimento de
familiares e pessoas que compõem as redes sociais dos usuários contribui para o
controle e manejo das crises psiquiátricas é compreendia por Oliveira (2000) como
um aspecto positivo para o processo de reabilitação psicossocial. Segundo a autora,
este apoio influencia favoravelmente no prognóstico da doença, associando-se aos
baixos índices de reinternações. Esta ideia também é balizada nos relatos dos
profissionais da Instituição:
O usuário que tem um bom suporte familiar e comunitário é o usuário que
menos se interna. É o usuário que por conta da família está mais próxima do tratamento dele, aprende a manejar as crises, sem precisar internar, né? É o usuário que a família já percebe não sendo como uma síntese do transtorno mental, como acontece geralmente. O usuário deixa de ser pessoa, cidadão, e se transforma só em portador com transtorno mental. E a família quando se aproxima a gente tenta desmistificar, retirar este estigma que, muitas vezes, é iniciado dentro da própria família. Então o familiar que tá mais próximo, é aquele familiar que, às vezes, não tem a condição afetiva pra isso. Os afetos estão embotados, a relação ta muito desgastada. E a gente tem que fazer um trabalho. Mais ainda não tá do jeito que a gente quer. Aqui e acolá que a gente tem esses ganhos. Não é ainda uma realidade do serviço, é uma realidade conquistada eventualmente. Não é ainda totalizante [...]. (Assistente Social)
Esse trecho corrobora ainda a ideia legitimada no campo da “promoção
do cuidado” de que não se pode separar a doença do contexto familiar. A fala do
profissional, porém, traz à tona que o papel da família na prestação do cuidado, por
vezes, é percebido como aspecto negativo ao tratamento. Diante disso, analiso que
o contexto da prestação do cuidado está sujeito a tensões e conflitos entre os atores
envolvidos. Como demonstra Simmel (2006) às interações sociais podem prefigurar
relações conflitivas, de interesse mútuo, de subordinação ou dominação. Estes
conflitos, contudo, são explicados como fonte de relações de violência, negligência,
situações desrespeitosas e de abandono. Conforme relatos de um membro da
equipe técnica, durante o grupo de Acolhimento Inicial:
81
As famílias são partes importantes do papel de cuidado. Mas, às vezes, a gente precisa compreender que os familiares mais atrapalham, do que cuidam, porque também estão em situação de sofrimento. Como também tem família que é negligente, violenta, de várias formas. Que ameaçam de internar. (Profissional de Serviço Social)
Embora o relato do profissional indique alguns casos em que a família
atue como violador de direitos, Oliveira (2000) registra uma inversão na maneira de
cuidar do sujeito com transtorno mental, atribuindo à família papel positivo no
desenvolvimento de atividades, tais como: alimentar, administrar a terapêutica
medicamentosa e dar apoio ao seu familiar doente, tarefas anteriormente conferidas
às instituições estatais. Diferentemente do que pressupunha a terapêutica clássica,
a família é constantemente compreendida, pelo discurso oficial atual, que reverbera
nas falas dos profissionais da saúde, como importante mecanismo de apoio social
aos portadores de transtornos mentais, atuando como um recurso na prestação do
cuidado. Neste sentido, a participação da família e da comunidade nos processos de
tratamento das pessoas com transtorno mental emerge como alternativa a estrutura
da instituição manicomial, considerada segregadora e cronificadora (AMARANTE,
2013).
Por outro lado, Pimentel e Albuquerque (2010) destacam que este
reposicionamento do papel da família na provisão do bem-estar social e individual
instituída na sociedade contemporânea está vinculado a duas perspectivas. A
primeira remonta o reconhecimento dos laços familiares como contributo para
sentimento de bem-estar e suporte emocional dos indivíduos; a segunda, de sentido
negativo, associa-se ao papel de responsabilização das famílias pelos cuidados aos
seus membros, devido à ineficácia dos sistemas públicos de proteção social de
garantir a efetividade desse apoio, mediante as exigências crescentes.
No que se refere às representações construídas acerca dos benefícios,
para o tratamento das pessoas com transtornos mentais, provenientes da
participação dos familiares e pessoas ditas como próximas nas atividades do CAPS,
outras informações foram obtidas. Por meio de conversas informais, uma usuária
discorreu que se sentia acolhida no CAPS, contudo não gostava da presença de
outro usuário, pois este apresentava comportamento agitado. Ressalto que a pessoa
citada comparece ao serviço cotidianamente há longa data, não apresenta vínculos
familiares fortalecidos, tem boa relação com os funcionários da Instituição, sendo
82
portador de transtorno mental e de deficiência mental 27. Outro usuário me informou
que quando há participação dos familiares e pessoas da comunidade nas atividades
desenvolvidas pelo CAPS, observa que “fica mais alegre, confiante e comunicativo”.
Dito isso, uma terceira usuária lembrou o evento “Tô de Lua”. Destaca-se que esse
evento objetivava mobilizar a população, através de apresentações teatrais e
exposição de arte de autoria dos usuários do CAPS, sendo organizado em 2008, na
praça do bairro do Jardim América, pelos profissionais do CAPS em articulação com
lideranças comunitárias. Por fim, remetendo-se ao seu relacionamento com
familiares e vizinhos, outro usuário expôs que sofria preconceito por parte da
vizinhança, alegando que dispunha de apoio social apenas por parte de seus pais, e
que vinha ao CAPS para realizar tratamento, sentindo-se bem.
Em contato com estes sujeitos, por reiteradas vezes presenciei os
profissionais relatarem que a mudança não se refere apenas às reformulações da
ação técnica e da organização de serviços, mas também à discussão das relações
institucionais e sociais de poder. Eles destacaram ainda que o aspecto mais
significativo dessa proposta terapêutica é o reconhecimento das redes de apoio
sociais existentes no cotidiano das pessoas em tratamento, embora atentassem
para a falta de recursos humanos e materiais na realização das atividades
terapêuticas voltadas para os usuários do serviço. Assim, ao questionar sobre a
importância do serviço CAPS no cotidiano das pessoas em tratamento, uma
profissional descreveu que “o CAPS tem a função de cuidar, ao mesmo tempo em
que as pessoas vivem sua vida na comunidade”. Tal Imagem é reiterada por outros
funcionários: “a ideia do CAPS não é substituir a vida de ninguém, pelo contrário é
promover condições para que a pessoa realize a sua vida, ao mesmo tempo, que faz
o tratamento”.
Em contrapartida, embasada na experiência vivenciada e nos relatos dos
usuários, familiares e profissionais da saúde, pude observar que o CAPS, apesar
27 A deficiência mental é caracterizada por um funcionamento intelectual significativamente inferior à média, acompanhado de limitações significativas no funcionamento adaptativo em pelo menos duas das seguintes áreas de habilidades: comunicação, autocuidados, vida doméstica, habilidades interpessoais, uso de recursos comunitários, autossuficiência, habilidades acadêmicas, trabalho, lazer, saúde e segurança. Já o transtorno mental engloba uma série de condições que também afetam o desempenho interativo da pessoa. Os transtornos mentais podem ser divididas em dois grupos, neuroses e psicoses. As neuroses podem ser características encontradas em qualquer pessoa, como ansiedade e medo. As psicoses são fenômenos psíquicos anormais, como delírios, perseguição e confusão mental (Manual de Diagnóstico e Estatística de Distúrbios Mentais, edição de 1994).
83
das dificuldades estruturais, exerce um papel significativo na vida das pessoas que
estão em tratamento, pois em muitos casos se caracteriza como um dos principais
espaços de apoio social. O exemplo do usuário que não apresenta vínculos
familiares fortalecidos, citado anteriormente, é emblemático. Assim, considero que
mesmo aqueles usuários que dispõem de laços de parentesco intensos estão
inseridos em redes sociais mais restritas, com predominância ao espaço da família e
do serviço de saúde mental. A inserção social precária e o preconceito são
compreendidos como relevantes aspectos de análise. Neste sentido, verifico que o
estigma é um fator que se faz presente nas mais diversas situações da vida dos
usuários, inclusive verbalizado e materializado no próprio corpo. Outro fator
relevante refere-se à frágil abrangência das atividades terapêuticas envolvendo as
pessoas pertencentes ao cotidiano dos usuários, contando com pouca participação
da comunidade local. Salienta-se também que a participação dos familiares nas
atividades promovidas pelo CAPS acontece, principalmente, em ocasião das datas
comemorativas, atendimentos agendados ou situações de emergência.
84
4. ATENÇÃO E CUIDADO NA SAÚDE MENTAL: AS REDES DE APOIO SOCIAL
Neste capítulo construí tipologias de redes de apoio social dos usuários
do CAPS do Jardim América, através da metodologia de Análise das Redes Sociais.
No primeiro momento, realizei uma revisão de literatura da categoria rede social,
enfatizando a discussão teórica que propõe que as relações sociais têm impacto
significativo na vida das pessoas, podendo atuar como fonte de suporte social.
Posteriormente, retomei a análise dos processos de interação entre os usuários,
familiares e demais cuidadores, para identificar as estruturas reticulares. Com esse
intento, mapeei as redes sociais constituídas a partir dos vínculos interativos de dez
usuários do CAPS. Para fins de análise, as redes dos usuários foram divididas em
três categoriais: redes de malhas estreitas, intermediárias e frouxas, de acordo com
a intensidade dos laços. Esse processo permitiu a construção de padrões de
interações sociais, indicando os principais condicionantes (número e tipo de
relações, densidade, intensidade e conexidade) dessas redes e as formas
específicas de sociabilidade. Por fim, analisei os significados atribuídos por esses
sujeitos ao modelo comunitário de saúde mental, pautado no envolvimento dos
usuários, seus familiares e membros da comunidade na implementação de práticas
de assistência e cuidados.
4.1 A CONCEPÇÃO DE REDES NAS CIÊNCIAS SOCIAIS
No âmbito das Ciências Sociais a concepção rede social tem um caráter
polissêmico. Nesta abordagem, contudo, verifica-se um ponto em comum, que se
expressa pelo aspecto relacional, intrínseco ao conceito de rede. Deste modo,
entende-se que a acepção de rede se torna complexa e depende do contexto em
que é utilizada. Os primeiros usos da definição de rede, inicialmente vinculados à
Sociologia e à Antropologia Social, desconsideravam as estruturas constitutivas das
redes (característica morfológica) e também não estabeleciam relações entre as
redes e o comportamento dos indivíduos (dimensão interativa). Esses estudos
propunham estudar a realidade social como uma rede, atribuindo-lhe sentido
metafórico. Claude Lévi-Strauss, em As Estruturas Elementares do Parentesco,
publicada em 1940, utiliza-se da idéia de rede, ao identificar que os processos
85
sociais que envolvem as conexões entre os indivíduos excedem os limites dos
grupos sociais. Já Radcliffe-Brown, na década de 1950, introduz o termo “rede social
total” como uma simbologia correspondente à estrutura social. Dentro deste
entendimento, a estrutura é uma série definida de relações sociais na qual os seres
humanos individuais estão relacionados num todo integrado.
No transcorrer das últimas décadas do século XX, verifica-se a
constituição do estudo da teoria das redes sociais. O sentido analítico de rede social
desenvolveu-se, na década de 1950, em torno de duas vertentes: 1) Antropologia
Social britânica, com foco no estudo situacional de grupos sociais; 2) corrente de
estudos americana, voltada para a análise quantitativa, a partir de uma abordagem
estrutural. A utilização do conceito de rede social, pela Antropologia Britânica, surgiu
diante da insatisfação com a análise de cunho estrutural-funcionalista, a qual
privilegiava como unidade de análise o grupo restrito, e da consequente busca de
modos alternativos de interpretação da ação social. Por sua vez, a tradição de
estudos americanos fundamentou-se em duas abordagens distintas: uma de caráter
formalista, influenciada pela teoria de Simmel, voltada, principalmente, para o estudo
da morfologia das redes e para o seu condicionamento nos comportamentos; e
outra, de cunho estruturalista, direcionada ao estudo das relações que interligam os
indivíduos, compreendida como unidade básica da estrutural social.
Na Antropologia Social britânica, o trabalho de Barnes, realizado no início
da década de 1950, sobre uma comunidade de pescadores norueguesa (Bremmes),
foi precursor nos estudos das estruturas sociais de uma comunidade, entendida
como rede social. Nesta análise, o autor dividiu a rede total (englobando a totalidade
das relações de um indivíduo) da comunidade de Bremmes em três campos: sistema
territorial, sistema industrial e rede de laços sociais entre pares de pessoas. Ao
elaborar essas divisões, ele pretendia distinguir as relações estabelecidas no interior
dos grupos territoriais, religiosos, ocupacionais e de castra das conexões que se
originavam a partir dos grupos de parentesco e amizade (campo não institucional).
Os resultados do seu estudo apontaram que a maioria das interações entre os
indivíduos, não era estabelecida a partir da pertença territorial ou industrial, mas
embasava-se em laços de parentesco, amizade e conhecimento, denominado rede
de relações (BARNES, 1954).
86
Em estudos posteriores, Barnes (1987) argumenta que as relações
sociais correspondentes às conexões entre os indivíduos não formam uma cadeia
simples de interações individuais. Para ele, as conexões interpessoais oriundas da
afiliação das pessoas a um grupo social fazem parte da “rede social total”, tanto
quanto as que vinculam pessoas de grupos distintos. Por rede social total,
compreende-se “uma abstração [...] da realidade que contém a maior parte possível
da informação sobre a totalidade da vida social da comunidade à qual corresponde”
(BARNES, 1987, p.166). Deste modo, a rede parcial constitui-se como um fragmento
da rede total. Outro conceito importante utilizado por Barnes (1987), o qual
complementa o sentido de rede total, refere-se à rede sociocêntrica ou
sociocentrada. Esta rede reporta-se aos campos institucionais de sociabilidade onde
os atores estão inseridos. Com isso, ele nega a acepção de que existem tantas
redes quanto o número de atores num sistema social. Em oposição, entende-se por
redes egocentradas ou egocêntricas um conjunto de relações descritas com base
em um indivíduo de referência, ou seja, centradas em um ego (BOTT, 1976).
Diferentemente da autora citada anteriormente, Barnes (1987) propõe
outros termos e descreve alguns procedimentos para indicar as propriedades
egocêntricas de uma rede. Segundo o autor, o primeiro passo para isolar a posição
de um ator em uma estrutura reticular é tomar qualquer pessoa e examinar a rede a
partir de seu ponto de vista. A seguir, ele sugere o termo estrela 28 primária ou
estrela de primeira ordem para designar as relações sociais originadas com base em
uma pessoa a partir da qual as redes foram construídas (indivíduo de referência). As
pessoas próximas a esse indivíduo são identificadas pelo nome de contatos
primários ou contatos de primeira ordem. Quando se trata de um conjunto das
relações entre duas pessoas denomina-se zona primária ou zona de primeira ordem.
Os contatos de segunda ordem (todos aqueles originados da relação entre duas
pessoas pertencentes à zona primária ou zona de primeira ordem), por conseguinte,
vão indicando seus outros contatos, originando a zona secundária ou zona de
segunda ordem. De modo análogo, podem-se definir zonas de amplitude crescente.
Quanto maior o número de pessoas na rede, maior a amplitude.
Importa dizer que alguns autores utilizam o termo rede pessoal para
designar um conjunto de relações constituídas a partir de um sujeito específico, ou 28 Conforme destaca Silva, Fialho e Saragoça (2013), o termo estrela foi utilizado anteriormente por Moreno, ainda nos anos de 1950, para designar o indivíduo de referência da rede.
87
seja, como sinônimo de rede egocêntrica. Michel (1969 apud ENNE, 2004) atribui o
termo rede pessoal para designar as relações derivadas do status de uma pessoa
(amigo, irmã, pai, colega de trabalho), ao invés da filiação a qualquer grupo.
Marques et al (2011), porém, aponta a diferença entre redes egocêntricas e redes
pessoais. Segundo o autor, a distinção dá-se no reconhecimento das relações
diretas e indiretas constituídas a partir do ator de referência. Na rede egocêntrica
incluem-se apenas os atores que mantém relação direta com o ator de referência. Já
nas redes pessoais são conhecidas também as relações dos contatos que o ator de
referência mantém ligação, ou seja, inclui os vínculos diretos e indiretos.
Por sua vez, Bott (1976) amplia a discussão ao utilizar o conceito de rede
como uma ferramenta de análise dos relacionamentos entre pessoas, identificando
seus elos em diferentes contextos. No livro Família e Rede Social 29, ela discorre
que a dinâmica da estrutura familiar além de estar sujeita ao comportamento dos
seus membros, depende de uma rede de relações que seus integrantes mantêm
com outras pessoas e com instituições sociais, ou seja, da conexão com uma rede.
Para a autora, “[...] as famílias pesquisadas não viviam em grupos. Elas viviam em
redes, se é que podemos usar o termo ‘viviam em’ para descrever a situação de
estarem em contato com um conjunto de pessoas e organizações [...]” (1976, p. 29).
Neste sentido, foi observado que a estrutura das redes ao redor da família estava
associada ao grau de segregação dos papéis conjugais. Quanto mais próximas
eram as pessoas em uma rede, mais segregados estavam os papéis entre marido e
mulher.
É interessante pontuar que Bott (1976) e Barnes (1987), embora utilizem
terminologias distintas, se referem à extensão das relações existentes entre os
atores que compõem as redes. Para Bott (1976) “rede malhas estreitas” indica que
existe um maior número de relações estabelecidas entre a família conjugal e seus
parentes, amigos, vizinhos, colegas de trabalho. A designação “rede de malhas
frouxas” sugere que se mantêm menos relações de interdependência e que os
vínculos entre os atores são mais distantes. Já Barnes (1987) emprega os termos
“redes de malhas grandes” (número maior de relações) e “redes de malhas
pequenas” (número menor de relações) para indicar as conexões entre os atores.
29A primeira versão deste livro foi publicada em 1957.
88
Estas análises contribuíram para a acepção do atributo de densidade de rede,
posteriormente abordado.
No que se refere à corrente formalista americana considera-se importante
fazer um adendo à teoria formal de Simmel (2006). A análise simmeliana pressupõe
que a sociedade possui diversos agrupamentos e configurações que não se
confundem com a vida de cada indivíduo envolvido. Para o autor, o próprio conceito
de indivíduo é igualmente uma construção abstrata. A decisão do nível no qual a
realidade deve ser investigada, se a partir do sujeito individual ou do coletivo, é
delimitada pelo propósito do conhecimento, sendo os dois pontos de vista, modos de
observação igualmente distantes da realidade. Desta forma, a categoria sociedade,
pode ser entendida, mais amplamente, como a interação entre os indivíduos, não se
restringindo apenas às interações duradouras já cristalizadas. Para Simmel (2006)
sociedade significa, portanto, que os indivíduos estão constantemente ligados uns
aos outros, influenciando e recebendo influências; e, algo funcional, que os
indivíduos fazem e sofrem ao mesmo tempo: a sociação. Neste sentido, todos os
domínios da vida encontram sua origem e seu fundamento nas interações entre os
indivíduos.
Partindo desse ponto de vista, observa-se que o argumento simmeliano
quanto à sociologia das formas de sociação, isto é, referente aos processos que
conformam os conteúdos das relações entre os indivíduos, instigou as análises da
morfologia das redes e seu impacto nos comportamentos dos atores sociais. Esta
perspectiva, baseado nos modelos de interação entre os atores sociais, favoreceu
também o desenvolvimento de vários métodos quantitativos relativos à
sistematização, quantificação e formalização das relações sociais. Destacam-se a
análise sociométrica, empregada pela Psicologia, voltada para a quantificação de
dados relacionais; e a teoria dos grafos matemáticos, direcionada ao estudo das
estruturas que compõem os sistemas sociais, representadas pelo arranjo entre
pontos e linhas 30.
Avançando nessa discussão, a corrente estrutural americana estabeleceu
a noção de relação como unidade principal de análise da estrutura social, 30 Segundo Silva, Fialho e Saragoça (2013) foi com a invenção das técnicas sociométricas de Moreno, que se lançaram, nos anos 1930, as bases desta abordagem. Para os autores, a partir deste período e até aos anos 1950, alguns psicólogos sociais como Fritz Heider, Kurt Lewin, Alex Bavelas, Leo Festinger e George Homans trabalharam a análise das estruturas dos grupos, com influência até hoje.
89
empregando um grande número de conceitos e métodos. Segundo Wasserman e
Faust (1999 apud PORTUGAL, 2007, p. 6-7) quatro princípios são identificados
como constituintes dos estudos das redes sociais: 1) os atores e suas relações são
interdependentes; 2) os laços relacionais entre os atores são meios de trocas ou
transferências de fluxos de recursos materiais e imateriais; 3) o modelo de redes
concebe as estruturas das relações como canais que conformam a ação individual;
4) os padrões constantes das relações entre os atores são configurações da
estrutura social. Já Wellman e Berkowitz (1991 apud PORTUGAL, 2007, p. 6)
preconizam que “as estruturas sociais podem ser representadas como redes – como
conjunto de nós (ou membros do sistema social) e conjunto de laços que
representam as suas interconexões”. Neste sentido, a acepção de “nós” refere-se a
indivíduos, grupos, corporações, agregados domésticos ou outras coletividades. E a
concepção de “laços” representa fluxos de recursos, relações de amizade,
transferências ou relações estruturais.
Dentro desse entendimento, Portugal (2007) salienta que a corrente
estrutural americana influenciou, sobretudo, os estudos das redes sociais, enquanto
mecanismo de suporte social. Para a autora, os trabalhos clássicos de Barry
Wellman (1985; 1991) e de Claude Fischer (1982) constituem dois marcos neste
campo. As análises de Wellman abordam a ingerência das redes no
condicionamento do comportamento individual e na integração dos sistemas
macrossociais. Em Networks as Personal Communities (1985; 1991), ele observa
que a estrutura das redes influencia na mobilização de recursos e na constituição de
oportunidades para seus integrantes. Já os trabalhos de Fischer evidenciam a
relação entre a estrutura social e a configuração das redes pessoais. Em To Dwell
Among Friends (1982), o autor faz uma comparação entre as redes dos habitantes
das grandes áreas urbanas e as redes daqueles que vivem em pequenos centros.
Como resultados, constata que tanto os habitantes das grandes cidades, como os
moradores dos pequenos centros estão incluídos em redes de relações que
proporcionam apoio, solidariedade e ajuda. Convém salientar que essas redes,
entretanto, apresentam configurações distintas, ocasionadas, dentre outros
aspectos, pelo nível de escolaridade, ocupação profissional, rendimento, sexo, idade
de seus membros. Por fim, destacam-se nesta corrente os trabalhos de Mark
Granovetter (1973; 1982) sobre o papel das redes sociais no acesso ao emprego,
90
demonstrando como determinados tipos de laços sociais (fortes/fracos) permitem
estabelecer proximidades entre diferentes grupos sociais. E os estudos de Nan Lin
(1982), confirmando a tese de Granovetter, sobre a importância dos laços fracos na
busca de um emprego.
Estes estudos precederam o advento da “análise das redes sociais”
(ARS) ou “análise (neo) estrutural”, a qual forneceu um conjunto de instrumentos
para estudar as propriedades matemáticas das redes representadas como gráficos.
Conforme Lazega e Higgins (2014, p. 6), o método estrutural que originará a análise
de redes decorre dos trabalhos metodológicos de antropólogos anglo-saxões e da
sociometria clássica. Já as técnicas e os conceitos empregados nesse método
(equivalência estrutural, coesão, centralidade, autonomia) se desenvolveram na
década de 1970, principalmente nos Estados Unidos. Compartilhando da premissa
levantada por Barnes (1987) ao afirmar que se deve tomar a globalidade da rede
social total, Lazega (2014) assevera que esse método trabalha com sistemas de
relações completas. Ou seja, diferencia-se das análises de rede pessoal ou
egocêntrica, na qual as relações enumeradas pelo indivíduo de referência não são
conhecidas. Tal fato dificulta a reconstituição das relações indiretas de cada membro
no conjunto social. Conforme destaca “é preciso definir papéis, seja de modo
teórico, seja de modo exploratório, para passar de dados de redes pessoais a uma
lógica de tipo estrutural” (LAZEGA, 2014, p. 7).
O método estrutural parte da observação das interdependências entre os
membros de um meio social organizado, objetivando reconstituir e analisar, de modo
limitado, um sistema de relações e de trocas complexas entre atores. Neste sentido,
o sistema de relações observado, denominado de rede social, é entendido como um
meio que permite a transferência ou troca de recursos (aprendizagens,
solidariedades, controles sociais, regulações), além de um engajamento intencional
em relação a outros indivíduos com quem se estabelece contato. Esta abordagem
pode ser resumida em quatro conjuntos de procedimentos: 1) descrição das
relações entre os subconjuntos de atores (representação da morfologia); 2)
posicionamento dos atores nessa estrutura; 3) associação entre posição e
comportamento estratégico dos atores; 4) reestruturação do sistema de
dependências com base no comportamento dos atores, nas escolhas por novas
relações, nas mudanças de normas (LAZEGA, 2014).
91
Nos termos da teoria dos grafos, as relações entre os atores sociais
podem constituir-se como de caráter orientado e não orientado. As relações
orientadas ou assimétricas indicam a transferência de algum recurso de um ator
para outro, podendo ser unidirecional ou bidirecional. E as relações não orientadas
ou simétricas sugerem que não existem transmissões unidirecionais de um ator para
o outro, mas antes uma relação que não se restringe a uma transmissão orientada.
Ou seja, as relações orientadas ocorrem quando há apenas uma transmissão de A
para B, podendo ocorrer no sentido contrário. As relações não orientadas acontecem
quando necessariamente os vínculos são recíprocos. Saliente-se que são atribuídas
as denominações de “arcos” às relações ditas orientadas, e de “arestas” às relações
não orientadas (LEMIEUX, 2012).
A medida da razão entre as relações existentes e as relações possíveis é
chamada de densidade. Para calcular as relações possíveis de uma relação não
orientada utiliza-se a seguinte fórmula: N x (N-1)/2, onde N é o número de atores.
Ou seja, se houver 8 atores, o número de relações possíveis é calculado por: 8 x
7/2, que é igual a 28 relações. Caso se considere que há relações orientadas no
interior de cada um dos pares de atores, teriam 56 relações possíveis, resultado da
multiplicação de 28 por 2. Posteriormente, a densidade é calculada dividindo o
número de relações existentes pelo número de relações possíveis. Multiplica-se por
100 para calcular o percentual. Scott (1991 apud LEMIEUX, 2012, p. 21) assinala
que a densidade das relações depende do número de atores que estão dispostos no
grafo. Quanto mais elevado for o número de atores, menor será a densidade. “Assim
sendo, se o tamanho for igual, a densidade será provavelmente maior numa rede de
parentesco do que num aparelho administrativo”.
A noção de conexidade refere-se à existência de relações entre os atores.
Quando o grafo é conexo significa que os atores mantém relação entre si, quando é
não conexo simboliza o isolamento de um ou vários atores. As conexões podem ser
forte, semiforte ou quase forte. É forte quando todos os atores de um determinado
agrupamento mantêm relações entre si; semiforte quando além da relação entre o
ator A com seus contatos, há pelo menos uma relação desses contatos
simultaneamente; e quase forte quando só existe a relação do ator A com o restante
dos seus contatos (os contatos do ator A não mantém conexões). Neste sentido, os
atores podem ocupar posições dominantes, dominadas, semidominante,
92
subdominante, subdominada e isolada. Chama-se ator dominante quando ele é
emissor de uma conexão com a totalidade dos outros atores pertencentes a um
grupo. Ao contrário, a posição dominada dá-se quando o ator não mantém relação
com nenhum outro contato, além do ator dominante. Na condição de
semidominante, a relação é mantida com quase todos os atores, mais não engloba a
totalidade. O ator numa posição subdominante é emissor de uma conexão com um
ou vários atores. Já o ator que ocupa uma relação subdominada não é o emissor de
nenhuma conexão com outro ator, sendo o destinatário de pelo menos uma
conexão. Na posição isolada, ele não é emissor, nem destinatário de qualquer
conexão com outro ator (LEMIEUX, 2012).
A partir daí, vários estudos sobre redes sociais, vinculados à análise das
denominadas redes de movimentos, redes de solidariedade, expressões utilizadas
no campo de estudo dos movimentos sociais, sucederam-se. Dentro desse âmbito
destacam-se, em particular, Ilse Scherer-Warren (1996), que formulou a noção de
“rede de movimentos”, e Fontes (2004), com enfoque no conceito de “redes de
redes”. Para Warren (1996, p.10) a concepção de rede de movimentos permite uma
articulação entre o local e o global, entre o particular e o universal, entre o uno e o
diverso, nas interconexões das identidades dos atores com o pluralismo. Segundo a
autora, a análises de redes nos estudos de ações coletivas, tem apontado para a
ideia de que as ações coletivas surgem de redes, as quais interagem e influenciam-
se mutuamente. Já como enfatiza Fontes (2004), a ideia de “redes de redes” é um
mecanismo que constrói a mobilização dos indivíduos para novas redes. Esta
acepção postula que cada ator social tende a se inscrever em diferentes círculos de
troca, em um movimento permanente em que as redes de mediação tanto geram
novas redes, como renovam as antigas.
Por fim, no âmbito de estudos recentes que utilizam a ideia de rede com
viés metafórico, convém destacar a Sociologia figuracional de Elias (1994). A partir
da metáfora da Rede, ele propõe elucidar como a existência simultânea de muitas
pessoas, seus atos recíprocos e suas relações mútuas dão origem à sociedade.
Para o autor, numa rede muitos fios se ligam para formá-la. A rede é compreendida
em termos de modo como se vinculam, numa relação recíproca. Essa ligação origina
um sistema de tensões para o qual cada fio isolado concorre, conforme seu lugar e
função na totalidade. A forma do fio individual se modifica quando se alteram a
93
tensão e a estrutura da rede inteira. No entanto, a rede nada é do que uma ligação
de fios individuais. Ressalte-se que, no interior do todo, cada fio continua a constituir
uma unidade em si, ou seja, tem uma posição e uma forma singular dentro deste
todo. Desta forma, Elias (1994) destaca que é necessário abandonar o modo de
pensamento que postula a sociedade e o indivíduo como substâncias indissociáveis,
ou seja, como signos isolados, para pensá-los em termos de relações e funções
dentro da estrutura social. Pois nem o indivíduo, nem a sociedade existem um sem o
outro. O indivíduo é compreendido como um produto histórico que se construiu ao
longo do tempo, a partir de mecanismos de diferenciação de seu comportamento em
relação ao dos outros. E a sociedade é constituída através das funções sociais que
as pessoas desempenham entre si, seja em relação a si ou aos outros.
4.2 AS REDES: MECANISMO DE SUPORTE E APOIO SOCIAL
As análises que relacionam o apoio social com o processo de
saúde/doença ganharam notoriedade a partir da década de 1970. Segundo
Canesqui e Barsaglini (2012), neste período surgiram os primeiros estudos, no
âmbito da psicologia social, voltados às implicações do apoio social para a melhoria
dos efeitos do estresse na saúde dos indivíduos, com ênfase para as investigações
realizadas por Cobb (1976) e Cassel (1974). Posteriormente, estas análises se
estenderam ao enfrentamento das enfermidades crônicas ou de longa duração. No
campo da antropologia médica norte-americana sobressaíram as pesquisas sobre
os efeitos positivos do apoio e das redes sociais nos comportamentos dos indivíduos
com problemas de saúde crônicos (KAPLAN, 1987), na relação dos doentes com os
profissionais dos serviços de saúde pública (KUNSTADTER, 1960), e na aceitação
aos tratamentos médicos por parte das pessoas adoecidas, com foco na melhoria da
sua qualidade de vida (GALLANT, 2003).
Nos estudos sociológicos inicialmente estavam presentes concepções, de
natureza funcionalista, vinculadas a perspectiva de que o apoio desempenha a
função de integração e coesão social à medida que rompe com o isolamento. Neste
sentido, associa-se a noção de apoio ao tamanho das redes sociais. Quanto mais
extenso for o tamanho da rede (grau de integração social) maiores são os efeitos
positivos atribuídos à saúde mental e física dos indivíduos (RAMOS, 2002). Opondo-
94
se a esse entendimento, os estudos atrelados ao interacionismo simbólico e a
fenomenologia abordaram que o apoio social está imbricado às ações e relações
dos indivíduos entre si, dispondo de significação para eles. Nessa corrente, atribuiu-
se destaque aos sentidos atribuídos pelos sujeitos aos efeitos do apoio social,
constituído no processo de interação social.
Na esfera da literatura sobre apoio social, os conceitos e abordagens
encontram-se, principalmente, vinculados as teorias sociológicas, antropológicas e
da psicologia social, com foco na perspectiva do apoio relacionado à rede social,
solidariedade, trocas e valores culturais. Vários estudos indicam que não existe um
consenso na definição do conceito de apoio social, das suas tipologias e dos
instrumentos de mensuração de dados acerca desse recurso social. Essas distintas
concepções de apoio social o definem como: 1) elemento de integração e coesão
social (VALLA, 1999); 2) informação, falada ou não, e/ou auxilio material e proteção
oferecida por outras pessoas ou grupos com os quais se têm contatos sistemáticos e
que resultam em efeitos emocionais e comportamentos positivos (LEAL et al, 2000);
3) mecanismo de proteção, promoção da saúde e participação social (DALMASO,
2000); 4) apoio emocional ou prático fornecido pela família e ou amigos (COSTA el
al, 2005); 5) conjunto de provisões instrumentais ou expressivas, reais ou
percebidas, levadas pela comunidade, redes sociais e amigos íntimos (PENÃ, 2003).
Considerando a ampla literatura sobre apoio social, neste trabalho utilizei
a concepção que o define como “prestação de ajuda que se baseia nos
intercâmbios, obrigações e padrões de reciprocidade entre os indivíduos, grupos,
famílias e instituições, dispondo de significados para os atores neles envolvidos”
(CANESQUI e BARSAGLINI, 2012). Parto do entendimento de que a prestação de
cuidados aos portadores de transtorno mental não se restringe aos profissionais da
saúde, mas envolvem familiares, amigos, vizinhos, colegas de trabalho, membros de
congregações religiosas, associações comunitárias e movimentos sociais. Por
cuidado entendo o processo de “recompor globalmente o ser humano que sofreu
alguma desestruturação patológica de seu ser e isso significa não apenas recompor
todas as suas dimensões, mas, conquistar de novo as relações globais do ser
humano com seu entorno” (ROSELLÓ, 2009). Destaca-se que a maneira de
conceber o apoio é influenciada pelas mudanças econômicas, sociais, políticas e
culturais que afetam à sociedade.
95
Dentro dessa perspectiva, Barrón (1996) destaca três níveis (fontes)
principais de transmissão de apoio social: a comunidade, redes sociais e o apoio
social informal, que proporcionam vínculo mais estreito entre os indivíduos. Segundo
o autor, o apoio social obtido no nível comunitário proporciona um sentido de
pertencimento e de integração com a comunidade, expresso no âmbito das
associações, instituições. O nível das redes sociais concebe que o apoio social é
obtido como resultado das interações sociais dentro de um agregado social,
composto por pessoas que se estabeleçam relações de proximidade. O apoio social
informal é obtido dos vínculos mais estreitos, através de intercâmbios recíprocos e
do compartilhamento de responsabilidades, objetivando o bem-estar dos outros. O
apoio social informal (também chamado de ligações mais íntimas) provém das
relações que emergem do contexto da família e dos amigos. Vale destacar que os
três níveis são importantes no campo dos cuidados da saúde, porém diferem entre si
quando o seu impacto sobre o bem-estar dos indivíduos.
A despeito desse entendimento, postulo que estas três fontes constituem
a base das relações sociais informais, em contraposição as relações sociais formais,
estabelecidas pelas práticas de sociabilidade na esfera das instituições do mercado
e do Estado. Para análise da transmissão do apoio social, Barrón (1996) alerta que a
unidade da estrutura social que se toma como fundamento são as relações sociais
informais (denominada de redes sociais no sentido amplo), que inclui todos os
indivíduos com quem se tem uma relação de proximidade e/ou envolvimento
(família, amigos, vizinhos, colegas de trabalho, membros de congregações
religiosas, integrantes de associações comunitárias). A estrutura das redes sociais
pode ser caracterizada sob diferentes aspectos: número e tipo de relações,
frequência de contatos, duração dos contatos, diversidade, densidade e
reciprocidade, conforme já referido.
No que tange às funções que o apoio social, proveniente da interação dos
indivíduos pertencentes às redes sociais, Due (1999) aponta que o apoio social
abrange aspectos qualitativos e comportamentais das relações sociais e
compreende quatro tipos: emocional, instrumental ou material, informacional e de
interação social positiva. O apoio emocional envolve expressões de amor e afeição;
o apoio instrumental ou material se refere aos auxílios concretos como provimento
de necessidades materiais em geral, ajuda para trabalhos práticos (limpeza de casa,
96
preparação de refeição, provimento de transporte) e ajuda financeira; o apoio de
informação compreende informações, aconselhamentos, orientações; e o de
interação social positiva diz respeito à disponibilidade de pessoas com quem se
divertir e relaxar, conforme já citado. Ribeiro (1999) alerta que os distintos tipos
apoio social (referido como suporte social) apresentam efeitos distintos nos
indivíduos e nos grupos.
De modo geral, concebem-se três perspectivas principais na definição de
apoio social. A primeira concebe o apoio social como a propriedade funcional das
relações interpessoais. Neste sentido, o apoio diz respeito aos aspectos qualitativos
das relações sociais e as redes aos aspectos quantitativos, constituídos pelo número
e o tipo dos relacionamentos, sua duração, frequência, diversidade, densidade e
reciprocidade. Evidencia-se a concepção de que as relações sociais são
constituídas por características estruturais e funcionais, com foco nos distintos
contextos, os atores envolvidos e as funções que os indivíduos assumem nas
interações de apoio. Na segunda perspectiva entende-se que o conceito de apoio
social é central na análise das interações sociais. Nesta abordagem dá-se ênfase ao
sentido atribuído pelo indivíduo ao apoio recebido. A terceira corrente (utilizada
nesse trabalho) enfoca a rede social, a integração do indivíduo a um grupo e as
inter-relações entre eles. Parte-se do entendimento de que a sociedade é constituída
por redes de relações interdependentes que exercem uma influência na saúde das
pessoas. Neste sentido, as redes sociais possuem características que podem ser
explicadas em termos de estrutura, funcionalidade ou pelos atributos das relações
mais íntimas até as ampliadas.
4.3 SAÚDE MENTAL E REDE INSTITUCIONAL EM FORTALEZA
A nova prática de cuidados, postulada pela Política Nacional de Saúde
Mental, prevê que o ato terapêutico não se limite à intervenção da biomedicina,
delimitado ao espaço da instituição, mas envolva os demais serviços e
equipamentos do território, onde os usuários estão inseridos. Por território entende-
se “as instâncias pessoais e institucionais que atravessam a experiência do sujeito,
incluindo: a casa, a escola, a igreja, o clube, a lanchonete, o cinema, a praça, a casa
dos colegas, o posto de saúde e todas as outras” (BRASIL, 2005, p 13). Conforme
97
destaca Fontes (2008, p.185), esta abordagem se estende para além dos
procedimentos de medicalização, ou daqueles de higiene moral preconizado por
Pinel, diz respeito ao tratamento do transtorno mental com o mínimo de danos aos
sujeitos. Danos que se referem à “despessoalização do quotidiano do louco sem
direitos e desassujeitado juridicamente”, e relativos a uma vida ordinária, com
pessoas, afetos e sociabilidades cotidianas.
O Ministério da Saúde (2005) recomenda a implementação desse modelo,
com ênfase para a construção de uma rede comunitária de cuidados, voltada à
reorganização e ao redirecionamento das ações em saúde mental. A construção
dessa rede é considerada o principal aspecto de estruturação da Política Nacional
de Saúde Mental e do processo de Reforma Psiquiátrica brasileira, pois objetiva
viabilizar a atenção em saúde mental territorial e o envolvimento das pessoas que
fazem parte do cotidiano dos sujeitos com transtornos mentais. Na esfera da
Política, a ideia de rede perpassa um conjunto concreto de serviços interligados, e
situa-se também como forma de conceber e ofertar cuidado. “A ideia aqui é que
somente uma organização em rede, e não apenas um serviço ou equipamento, é
capaz de fazer face à complexidade das demandas de inclusão de pessoas
estigmatizadas” (BRASIL, 2004).
Dentro dessa lógica discursiva, o bairro onde os usuários residem, seus
comportamentos, suas redes de relações com vizinhos, familiares e demais pessoas
que fazem parte do seu cotidiano são tomados como questões de referência para a
delimitação do cuidado. Assim, o CAPS se constitui como serviço estratégico do
processo de reforma psiquiátrica brasileira, sendo-lhe atribuída a organização de
uma rede comunitária, em oposição às diretrizes do paradigma hospitalocêntrico:
isolamento do mundo externo, ajuste da conduta/subjetividade do indivíduo e
despojamento de bens materiais e simbólicos. Esta rede comunitária de cuidados ou
rede de atenção à saúde mental propõe extrapolar os serviços de saúde do
município, abrangendo outros equipamentos e serviços governamentais vinculados
a distintas políticas setoriais, além de recursos comunitários (associações e
cooperativas de bairro, escola, família, vizinhança), direcionados à construção de
apoio social ao usuário.
Conforme verificado no organograma abaixo, o CAPS está no centro da
rede de atenção à saúde mental. Contornando esse equipamento encontram-se
98
outras instituições governamentais: Centro Comunitário, CAPS infantil, Instituições
de Defesa dos Direitos do Usuário, Residências Terapêuticas, Hospital Geral, CAPS
Ad, alinhados respectivamente no sentido horário da rede. O PSF, Unidades Básicas
de Saúde, Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS), Prontos Socorros
Gerais estão em uma escala menor na delimitação do organograma. Estes se
responsabilizam por estabelecer um contato mais próximo entre os serviços
governamentais e a população. Por fim, essa rede comunitária de cuidados é
integrada pelos recursos comunitários: praças, esportes, associações e/ou
cooperativas, trabalho, associação de bairro, escola, família e vizinhos.
FIGURA 6 - Organograma da Rede de Atenção à Saúde Mental
Fonte: BRASIL, Ministério da Saúde, 2004.
Neste sentido, promovem-se mudanças que se reportam à articulação
dos novos dispositivos de cuidado, vinculados ao processo de desinstitucionali-
99
zação. Assim o CAPS, definido como porta de entrada dos serviços de saúde
mental, pressupõe incluir no conjunto de suas ações, tanto intervenções junto a
outros dispositivos institucionais (no âmbito da saúde e das outras políticas
setoriais), como práticas em associação com redes sociais não clínicas, as quais
fazem parte do cotidiano das pessoas com transtornos mentais: escola, instituições
de esporte, lazer, cultura, dispositivos socioassistenciais (CRAS, CREAS, Centro
Pop, Centro Comunitário) e jurídicos (Ministério Público, Promotoria de Saúde),
dentre outros. Desta forma, o cuidado terapêutico torna-se “uma tarefa não apenas
dos técnicos, mas também dos próprios internos, dos familiares e da comunidade
externa” (AMARANTE, 2013, p. 29).
No campo institucional, o CAPS relaciona-se à Rede de Atenção
Psicossocial, denominada RAPS, que inclui os serviços de natureza clínica. A
RAPS, instituída pela Portaria nº 3.088/2011 do Ministério da Saúde, é destinada ao
atendimento de pessoas portadoras de transtorno mental, ou com necessidades
decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do SUS. Como
objetivo geral desta rede atribui-se a criação, a ampliação e a articulação dos
serviços de atenção à saúde mental. Ela divide-se em: Atenção Básica em Saúde;
Atenção Psicossocial Estratégica; Atenção de Urgência e Emergência; Atenção
Residencial de Caráter Transitório; Atenção Hospitalar; Estratégias de
Desinstitucionalização; e Estratégias de Reabilitação Psicossocial.
Conforme a Portaria MS nº 3.088/2011, a RAPS é composta pelos
seguintes dispositivos assistenciais: 1) Unidade Básica de Saúde; 2) Núcleo de
Apoio a Saúde da Família; 3) Consultório na Rua; 4) Equipe de Apoio aos serviços
do componente Atenção Residencial de Caráter Transitório; 5) Centros de
Convivência e Cultura; 6) Centros de Atenção Psicossocial, nas suas diferentes
modalidades; 7) SAMU 192; 8) Sala de Estabilização; 9) UPA 24 horas; 10) portas
hospitalares de atenção à urgência/pronto socorro; 11) Unidade de Acolhimento; 12)
Serviços de Atenção em Regime Residencial; 13) enfermaria especializada em
Hospital Geral; 14) serviço Hospitalar de Referência para Atenção às pessoas com
sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack,
álcool e outras drogas; 15) Serviços Residenciais Terapêuticos e iniciativas de
Geração de Trabalho e Renda, Empreendimentos Solidários e Cooperativas Sociais.
100
As diretrizes da RAPS encontram balizadas nos seguintes pressupostos
principais: a) respeito aos direitos humanos; b) reconhecimento dos determinantes
sociais da saúde; c) combate a estigmas e preconceitos; d) garantia do acesso e da
qualidade dos serviços, ofertando cuidado integral e assistência multiprofissional; 5)
atenção humanizada e centrada nas necessidades das pessoas; 6) diversificação
das estratégias de cuidado; 7) desenvolvimento de atividades no território, que
favoreça a inclusão social com vistas à promoção de autonomia e ao exercício da
cidadania; 8) desenvolvimento de estratégias de Redução de Danos; 9) ênfase em
serviços de base territorial e comunitária, com participação e controle social dos
usuários e de seus familiares; 10) organização dos serviços em rede de atenção à
saúde regionalizada, com estabelecimento de ações intersetoriais; 11) promoção de
estratégias de educação permanente; 12) desenvolvimento da lógica do cuidado
para pessoas com transtornos mentais e com necessidades decorrentes do uso de
crack, álcool e outras drogas, tendo como eixo central a construção do projeto
terapêutico singular (PORTARIA MS nº 3088/2011).
Em suma, entende-se que o modelo de redes de cuidado, dentro dessa
perspectiva, pressupõe a configuração de ações de saúde mental em base territorial
e a atuação transversal com as outras políticas públicas. Isso implica em
intervenções articuladas nos distintos níveis da atenção da saúde (primária,
secundária e terciária), e ações intersetoriais com as políticas setoriais (Assistência
Social, Educação, Habitação, Emprego e Renda). Partindo desse pressuposto,
concebo que no âmbito da Secretaria Executiva Regional IV do município de
Fortaleza, a Rede de Atenção Psicossocial (rede de atendimento institucional oficial
de saúde mental) compõe-se pelos seguintes equipamentos:
12 Unidades Básicas de Atenção à Saúde da Família: Posto de Saúde Aloísio
Lorsheider; Posto de Saúde Luís Albuquerque Mendes; Posto de Saúde José
Valdevino de Carvalho; Posto de Saúde Parangaba; Posto de Saúde Ocelo
Pinheiro; Posto de Saúde Oliveira Pombo; Posto de Saúde Abel Pinto; Posto
de Saúde Gutemberg Braun; Posto de Saúde Dr. Luis Costa; Posto de Saúde
Filgueiras Lima; Posto de Saúde Dr. Roberto da Silva Bruno; Posto de Saúde
Maria José Turbay Barreira;
01 Hospital Distrital Maria José Barroso de Oliveira (Frotinha da Parangaba);
101
01 Hospital Infantil: Centro de Assistência a Criança Lúcia de Fátima (CROA);
01 CAPS Geral;
01 CAPS Infantil Maria Ileuda Verçosa;
01 CAPS Álcool e Drogas Alto da Coruja;
02 Hospitais Psiquiátricos: Nosso Lar São Vicente de Paula e Hospital Nosso
Lar;
01 UPA - Unidade Itaperi;
01 Centro Integrado de Referência sobre Drogas (CIRD), vinculado a
Coordenadoria Especial De Políticas Sobre Drogas;
04 Comunidades Terapêuticas: Desafio Jovem, Fazenda da Esperança, Obra
Rainha dos Anjos, Casa Santa Maria Madalena (Projeto Volta Israel).
Além desses equipamentos governamentais de saúde localizados no
território da SER IV de Fortaleza, existem outros serviços e instituições que não
limitam sua atuação ao âmbito do território das Secretarias Executivas Regionais,
sendo responsáveis por atender a demanda de urgência/emergência em saúde
mental, oriundas do município de Fortaleza. São eles: Ambulância do Serviço de
Atendimento Móvel de Urgência (SAMU); Hospital de Saúde Mental Professor Frota
Pinto; CAPS Geral 24 Horas (01 Unidade); e portas hospitalares de atenção à
urgência/pronto socorro. Como já foi dito, Fortaleza dispõe de 32 leitos distribuídos
nos seguintes hospitais gerais: Hospital Geral Dr. Cesar Cals, Hospital Infantil Albert
Sabin, Hospital Cura Dars, Hospital da Policia Militar do Ceará, Hospital Universitário
Walter Cantídio e Hospital Dr. Wandick Ponte.
4.4 TECENDO AS REDES DE APOIO SOCIAL DOS USUÁRIOS DO CAPS DO
JARDIM AMÉRICA
Com base nas entrevistas que realizei, neste tópico construí a
estruturação das redes de apoio social dos usuários do CAPS. Conforme dito na
metodologia, tomei como referência dez usuários e procurei identificar as pessoas e
instituições existentes no cotidiano dos sujeitos em tratamento. Para tal, adotei uma
abordagem egocentrada, ou seja, com base nas redes de relações a partir de um
indivíduo específico, neste caso o usuário do CAPS. Esta rede, contudo, não
102
engloba todos os contatos dos usuários, mas refere-se àqueles que prestam algum
tipo de apoio e que se mantém contato atualmente. Os tipos de apoio utilizados
foram emocional, instrumental ou material, informacional e interação social positiva
(DUE, 1999). Ressalto que a construção das redes ocorre a partir da orientação dos
vínculos (parentes, amigos, colegas de trabalho, membros de congregações
religiosas). Esta análise permitiu conhecer os padrões de sociabilidade e também
inferir sobre que tipos de recursos são acessados a partir da qualidade dos laços
dos usuários do CAPS. Utilizo a noção de “redes de malhas estreitas” (número maior
de relações com a família e os amigos) e “redes de malhas frouxas” (número menor
de relações com a família e os amigos) para indicar as conexões entre os atores.
Emprego ainda uma categoria “redes de malhas intermediárias” para simbolizar os
laços que se encontram entre essas duas dimensões.
A configuração gráfica das redes sociais de apoio aos usuários do CAPS
foi feita com base nas informações obtidas através de uma matriz geradora de
dados individuais. Nesta matriz foram sistematizadas informações das pessoas e
instituições que os usuários do CAPS mantêm contato recíproco. Ganha destaque
os dados referentes à identificação das pessoas/instituições por ordem de
proximidade e o tipo de relação, indicando os vínculos interativos e os recursos
adquiridos com o contato (material, emocional, interação social positiva,
informacional). Ressalte-se que o apoio financeiro abrange o fornecimento de
recursos materiais; o emocional compreende expressões de amor e afeto; o recurso
da informação está relacionado com o ato do aconselhamento, informação e
orientação; a interação social positiva alude à disponibilidade de pessoas com quem
se divertir e relaxar, bem como à propensão da rede social em atender a diferentes
situações, tais como: doença, desemprego, etc.
Importa dizer que entendo que o processo de interação social dá-se de
forma recíproca, através do contato e da comunicação que se estabelece entre os
indivíduos. Destarte trato aqui de redes orientadas em dois sentidos (bilaterais), pois
compreendo que embora as pessoas ditas como próximas aos usuários o
transmitam recursos (emocional, instrumental/material, informacional, interação
social positiva), o processo de interação social dá-se de forma recíproca, através do
contato e da comunicação que se estabelece entre eles. Deste modo, julgo que para
os objetivos desse trabalho é interessante salientar os tipos de apoio que as
103
pessoas ditas como próximas transmitem e recebem dos usuários do CAPS. As
arestas dispostas no gráfico, portanto, são direcionadas e representam a direção do
vínculo ou sentido do fluxo. Partem do indivíduo que recebe o apoio para aquele que
o transmite e vice-versa. Este tipo de dado irá permitir o entendimento mais apurado
dos padrões de ajuda e cuidado que ocorre de forma não mediada, por meio de
vínculos diretos.
REDES DE MALHAS ESTREITAS
Usuário 1
O usuário 1 verbaliza que é o único usuário dos CAPS do município de
Fortaleza que participa do Fórum Cearense de Luta Antimanicomial, exercendo
também a função de delegado do Conselho Municipal de Saúde. Reconhece como
um militante do movimento antimanicomial no Brasil, verbalizando que tem como
objetivo contribuir para a diminuição do preconceito contra as pessoas com
transtornos mentais. Convive como o cônjuge, filhos e netos. Relata que possui
fortes vínculos familiares. Atualmente, ele frequenta o CAPS apenas para a
realização de consultas médicas e reuniões do Conselho de Usuários, contudo,
refere que já teve uma participação ativa na instituição e que tem boa relação com
os profissionais. Refere que já participou de vários grupos de Arteterapia no CAPS,
onde aprendeu o ofício de artista plástico. Continua trabalhando com arte, realizando
vários concursos e exposições no âmbito do Estado do Ceará. Informa que a arte
possibilita-lhe conhecer e interagir com diversas pessoas. É usuário do Instituto de
Saúde dos Servidores do Estado do Ceará (ISSEC). Já foi internado cinco vezes no
Hospital de Saúde Mental Professor Frota Pinto, em momentos de crise psiquiátrica.
Reporta-se ao internamento como uma experiência negativa. É membro do grupo
religioso denominado Encontro de Casais com Cristo (ECC) e frequenta
regularmente a Igreja Santíssima Trindade, onde dispõe de muitos amigos.
Assevera ainda que mantém bom relacionamento com vizinhos. Ele relata, por fim,
que não participa de nenhuma atividade na comunidade em que vive. Não costuma
viajar, ir a festas, mas afirmou que gosta de ir a exposições e ao teatro. Considera
que mantém vínculos fortes com o cônjuge, filhos e netos.
104
Usuário 2
O usuário 2 assevera que participa das atividades artísticas e culturais
promovidas pelo Centro Cultural Banco do Nordeste (conversas filosóficas), Vila das
Arte (cineclubes) e Serviço Social do Comércio (Café com filosofia). Faz curso de
geofilosofia e meditação na Associação Geofilosófica de Estudos Antropológicos e
Culturais (AGEAC), informática na Associação Elos da Vida e curso de Libras básico
no Centro de Referência em Educação e Atendimento Especializado do Ceará
(CREAECE). Participa de palestras na Organização Internacional Nova acrópole
(organização de caráter humanista, filosófico e cultural) e no Espaço Viver.
Frequenta o CAPS três vezes na semana, participando dos grupos Cine CAPS,
Corpo em movimento e Terapia Ocupacional. É paciente do UBS Filgueiras Lima.
Afirma que atualmente mantém um bom relacionamento com sua mãe e irmãos. É
membro da Igreja Cristã Maranata, onde tem muitos amigos. Ele assevera inclusive
que os maiores dos laços de amizade que dispõe referem-se aos integrantes da
Igreja e do CAPS. Diz que se relaciona bem com as pessoas, mas que sua maior
dificuldade é conseguir emprego. Trabalha, de forma eventual, com panfletagem,
mas no momento está empregado. Já foi internado cinco vezes em hospitais
psiquiátricos (três vezes no Hospital de Saúde Mental Professor Frota Pinto, uma
vez no Hospital de Saúde Mental Doutor Suliano, uma vez no Hospital Batista
Memorial). Refere como pessoas próximas: dois membros da igreja, dois usuários
do CAPS, além de um familiar (irmão). Não refere vínculos com vizinhos.
Usuária 3
A usuária 3 frequenta o CAPS todos os dias, participando dos grupos:
Corpo e Movimento, Condicionamento Funcional, Terapia Ocupacional, Teatro do
Oprimido, Cine CAPS, Música e Movimento, Memória e de Alfabetização. É membro
da Igreja Assembleia de Deus, onde mantém uma participação diária. Afirma que
frequenta todos os eventos promovidos pela Igreja e pelo CAPS. Faz tratamento de
asma no Hospital de Messejana Dr. Carlos Alberto Studart Gomes, e recebe
atendimento clínico na UAPS Filgueiras Lima. Convive com filhos e netos, mas
considera que recebe apoio principalmente de uma filha que a acompanha ao
CAPS. Relata ter um bom relacionamento com seus familiares próximos. Verbaliza,
contudo, que mantém laços fracos na vizinhança. Refere que participava das
105
atividades de organização do bloco carnavalesco “Garotos do Benfica” na
comunidade onde morava, mas está afastada. Afirma que costuma viajar de forma
esporádica, para visitar parentes e que gosta de ir a piqueniques e à romaria de São
Francisco com seus filhos. Assevera que trabalha informalmente como cuidadora de
idosos, no período que se sente bem de saúde, mas no momento não está
trabalhando. Ela destaca, por fim, que mantém forte vínculo afetivo com seus filhos,
comadre, ex-companheiro, ex-sogra e ex-cunhada.
FIGURA 7 - Representação gráfica da rede de relações dos usuários do CAPS constituída por
malhas estreitas
Fonte: elaborado pela autora.
A rede de malhas estreitas é composta por 34 nós (atores) e 40 laços
(relações). No primeiro caso, indica que no total de 40 relações entre os atores
existem 1.122 laços possíveis. A densidade da rede (expressa pela razão das
106
relações existentes e das relações possíveis) é de aproximadamente 3,56%. Em
termos de laços recebidos, o ator central 31 da rede de malhas estreitas é o usuário
2, com grau de saída 32 de 15 relações (índice de saída normalizado 33 de 45,5 %).
Ou seja, o usuário 2 dispõe do maior número de interações nessa rede. Ele está
interconectado há 15 pessoas. Já o nó (ator) que possui o menor número de
interações na rede é a usuária 3. Este ator apresenta 13 nós interagindo com ele
(índice de entrada normalizado de 39,4%). Ressalte-se que o índice de entrada
normalizado mede o prestígio e a influência dos atores de controlar informações
e/ou obter recursos. Esta estrutura reticular é entendida como de malhas estreitas,
pois além de possuir mais atores do que as outras redes, eles apresentam o maior
índice de conexidade com os familiares e amigos. Das 40 relações, 18 são
representadas como de laço forte, sendo 22 de laço fraco. Conforme já exposto, o
usuário 1 considera manter maior vínculo com o cônjuge, os filhos e netos. O
usuário 2 aponta que é mais próximo dos membros da igreja, dos usuários do CAPS
e de um irmão. E a usuária 3 assevera que apresenta laços afetivos com os filhos,
comadre, ex-companheiro, ex-sogra e ex-cunhada.
Partindo dessas constatações e dos relatos dos usuários do CAPS, pude
observar que na rede de malhas estreitas o padrão de sociabilidade constituído por
laços fortes se estrutura entre pessoas com grau de parentesco (cônjuge, filho (a),
neto (a), mãe, irmão (a), comadre, ex-marido, ex-sogra, ex-cunhada), e por vezes de
amizade. Os laços de amizade dos usuários se referem principalmente aos
participantes da mesma igreja (grupo religioso Encontro de Casais com Cristo, Igreja
Santíssima Trindade, Igreja Cristã Maranata, Igreja Assembleia de Deus),
profissionais e pacientes do CAPS. Atribuo esta vinculação, sobretudo, às
propriedades dos laços (frequência do contato e tempo de conhecimento entre os
envolvidos) e aos recursos acessados na interação. Os três usuários relataram que
frequentam o CAPS há muitos anos e que mantém ou mantiveram contatos diários
com os outros usuários e profissionais. A participação em igrejas ou congregações
religiosas também foi apontada como algo periódico e de longa data.
31 O grau de centralidade indica o número de atores que um determinado nó está diretamente ligado. O ator central é o que possui mais atores interconectados. 32 O grau de saída indica a soma das interações do ator de referência. 33 Índice de saída normalizado é o percentual da medida do grau de saída. Calcula-se com base em todas as interações da rede.
107
Já os laços fracos reportam-se aos vizinhos, componentes de grupos
artísticos, demais profissionais de saúde (ISSEC, UAPS Filgueiras Lima, Hospital de
Messejana Dr. Carlos Alberto Studart Gomes), integrantes de movimento social
(Fórum Cearense de Luta Antimanicomial), afiliados de instituições de defesa dos
direitos dos usuários dos serviços de saúde (Conselho Municipal de Saúde),
instituições governamentais (Centro de Referência em Educação e Atendimento
Especializado do Ceará), além de membros de associação filantrópica, fundação,
organização não governamental ou entidade privada (Centro Cultural Banco do
Nordeste, Vila das Artes, SESC, Associação Geofilosófica de Estudos
Antropológicos e Culturais, Associação Elos da Vida, Espaço Viver, Organização
Internacional Nova acrópole).
Quanto aos recursos acessados, os usuários atribuíram à família o
protagonismo dos quatro aspectos de apoio: emocional, instrumental (ou material),
informacional e interação social positiva. Aos laços de amizade foram conferidos
apoios emocional, informacional e de interação social positiva. Aos demais membros
da rede de malhas estreitas, os quais constituem os laços fracos, foi dirigido apoio
informacional e de interação social positiva. É importante destacar que cada nó
apresenta combinações distintas de apoio social, dependendo do membro envolvido
e do caráter do vínculo. Nas falas dos usuários, apresentadas abaixo, é possível
observar algumas dessas dimensões referentes aos laços sociais estabelecidos com
os grupos de sociabilidade próximos.
O usuário 1 identifica que o cônjuge e os filhos dispensam-lhe apoio
emocional, material/instrumental, informacional e de interação social positiva,
contribuindo para melhora do seu quadro clínico. O momento da internação em um
hospital psiquiátrico foi tomado como emblemático. Segundo relata: “Eles sempre
me apoiaram, mesmo quando eu estava nas crises, quando eu me internava,
sempre contei com o apoio deles, em tudo”. Quanto aos profissionais de saúde do
CAPS, indica apoio emocional, informacional e de interação social positiva. A
perspectiva do acolhimento é citada como abrangendo o cuidado ofertado pelos
profissionais nas distintas etapas do processo de tratamento, que vai da triagem aos
atendimentos individuais e grupais, descrito a seguir:
Quando eu cheguei aqui, a primeira coisa que eu percebi foi o acolhimento.
Eles me acolheram com respeito, carinho e afeto [...]. Eles conversaram
108
comigo. Aí fui fazendo os tratamentos, passei pelo grupo de Psicologia, e
hoje eu não posso dizer que estou curado, mas nunca mais tive crise.
(Usuário 1)
A participação em movimentos sociais também é entendida como uma
experiência positiva de interação social, enquanto espaço de exercício da cidadania.
“Minha participação no Fórum é ótima. Eu tenho vez, tenho voz. Os meus trabalhos,
mesmo sem eu querer, eles divulgam. Isso me anima, continuo caminhando, um dia
eu chego lá”. Já sua inserção em grupos religiosos é representada dentro da
dimensão de interação social positiva e de apoio emocional. A dimensão do
acolhimento é retomada, influenciando no sentimento de bem-estar. Conforme
relata: “Eu faço parte da Igreja Santíssima Trindade, faço parte do ECC. Me sinto
muito bem lá, porque sou acolhido [...]. Eu tenho muitos amigos no ECC, me dou
bem com todos eles, sem nenhum problema”.
Já o usuário 2 considera que mantinha uma relação conflituosa com a
mãe, referindo eventos de agressões físicas e psicológicas aferidos por ele contra a
genitora, em momentos de crise psiquiátrica. Atualmente, relata apresentar um
relacionamento estável com a família. Aos laços de parentesco foi atribuído apoio
financeiro e de interação social positiva. É citado o envolvimento da mãe nas
atividades do Grupo de Família promovido pelo CAPS, contudo, seu discurso não
apresenta os motivos que ocasionaram o afastamento de sua progenitora do grupo.
Convém ressaltar que esta atividade terapêutica (Grupo de Família) não está em
funcionamento34. Conforme segue:
O meu relacionamento com a minha família é um relacionamento normal. Assim, de tempos em tempos eu tenho alguns atritos com a minha mãe [...]. E algumas vezes eu agredi minha mãe fisicamente e verbalmente [...], mas no geral eu sou uma pessoa tranquila, sou calmo. Não sou de discussão, de briga. [...] Atualmente meu relacionamento com minha mãe e com meu irmão tá normal, tá tranquilo, tá tudo bem. Eles me ajudam financeiramente. Minha mãe vinha pra a reunião de família aqui. (Usuário 2)
34 No período que estive na Instituição foram feitas algumas tentativas de reativação do Grupo de Família, entretanto, apesar da divulgação por meio de contatos telefônicos e presenciais, houve pouca aderência por parte dos familiares dos usuários. Em duas ocasiões acompanhei as atividades do grupo, tendo constatado a participação de três familiares na primeira reunião e dois no segundo encontro. Não houve continuidade das ações.
109
Partindo desse relato, ele refere que a sua participação nas atividades do
CAPS é percebida como de caráter de interação social positiva. Para ele: “Eu venho
pro CAPS quase todo dia, porque eu gosto de participar dos grupos. [...] É bem
animado, bem legal. Todo mundo me trata bem”. Por sua vez, reporta que mantém
relações de amizade, principalmente com membros da Igreja Cristã Maranata e do
CAPS, referindo apoio emocional e de interação social positiva. Enfatiza melhora em
seu quadro clínico advindo da interação com os integrantes da igreja e forte vínculo
afetivo com uma integrante da instituição religiosa. Um paciente do CAPS também é
citado como um amigo que frequenta outros espaços sociais com ele. A seguir:
Tenho muitos amigos. Eles gostam muito de mim. A maioria é da igreja e
aqui do CAPS. Eu frequento a Igreja Maranata, melhorei bastante depois que comecei a frequentar a igreja. De todas as denominações religiosas é a que eu mais me identifico. Eu tenho maior prazer e orgulho de ser dessa igreja. [...] Eu sou mais próximo de uma irmã da igreja. É uma senhora que tem duas filhas, que eu ajudo muito elas. Quando eu tava trabalhando eu ajudava muito financeiramente, agora eu parei mais. [...] Aqui no CAPS eu tenho um amigo também, ele frequentava muito o Centro Cultural comigo. (Usuário 2)
Os vínculos fracos são atribuídos aos membros das seguintes
instituições: Centro Cultural Banco do Nordeste, Vila das Artes, Serviço Social do
Comércio, Associação Geofilosófica de Estudos Antropológicos e Culturais,
Associação Elos da Vida, Espaço Viver, Organização Internacional Nova acrópole,
além do Centro de Referência em Educação e Atendimento Especializado do Ceará.
Segundo relatos, não existe um caráter de frequência, intimidade ou reciprocidade
dos laços. Um exemplo disso é a escassa circulação de informações entre as redes
sociais mais próximas desse usuário. Em algumas ocasiões, ele é informado da
oferta de cursos e palestras, através de meios publicitários ou por parte da própria
organização do curso. Os laços construídos referem-se à interação social positiva,
adquire uma dimensão de diversão e relaxamento. Conforme disposto abaixo:
Eu gosto de frequentar esses ambientes, porque eu gosto muito de assistir
palestras. Palestras de cunho filosófico, psicológico, teológico, religioso, bíblico. Eu vou só quando eu tô no ônibus e eu vejo um cartaz mostrando, falando das próximas palestras aí eu anoto a data, o horário e vou naquele dia e assisto à palestra, ou quando eles avisam no final do curso. Faço a inscrição por telefone. (Usuário 2)
110
A usuária 3 identifica que os filhos são responsáveis por prestar-lhe apoio
emocional, material/instrumental (preparo de refeições, controle do uso da
medicação), interação social positiva (acompanhamento as consultas médicas,
atividades de lazer). Já a comadre responsabiliza-se pelo apoio emocional e
informacional (conversas), material/instrumental (ajuda material de algum alimento).
Conforme relato a seguir:
As meninas [filhas] me tratam muito bem. Meu filho também. Eles levantam
mesmo. Eu tenho uma comadre que morava em frente lá de casa, só que ela se mudou. Aí, quando eu tava assim, ela conversava, chamava eu lá pra fora, mas eu não saia. Quando eu tô com depressão, eu só fico dentro de casa, eu não quero vê ninguém. Se eu vejo as meninas [filhas] fazendo comida, eu fico só olhando, porque se vem comida de fora, eu não como, eu acho que tem veneno. Todos dão apoio, mais quem se destacou mais foi uma filha [...], porque dia 19 teve a consulta, ela veio. O médico pediu para trazer acompanhante, porque ás vezes eu tô com esquecimento um pouquinho, mas não é totalmente. A minha comadre ajudava muito. Só que era assim, era a minha vizinha também, mas eu me mudei. Ela é como se fosse uma irmã, assim era uma família que se ajudava um ao outro. Quando tava precisando de uma coisa a gente cedia. Lá em casa faltou arroz, eu dizia me arranja ali emprestado amanhã eu te dou. Era assim, como se fosse um parente da gente, mas ela se mudou, e eu também me mudei de lá. Mas aí meus filhos são muito assim, elas puxam de mim, ficam pegando no meu pé. Se precisar eu tomar remédio, eu tomo. Elas [filhas] mandam eu abrir a boca, mostrar a língua, para ver se eu tô enganando elas. É assim, elas puxam mesmo. (Usuária 3)
Os laços fracos referem-se aos profissionais de saúde, usuários do CAPS
e membros de grupos religiosos, dispondo de interação social positiva. É
interessante pontuar que a usuária 3, embora relate contato frequente com os
membros do CAPS e da Igreja Assembleia de Deus, não os indica como pessoas
que mantém relações de proximidade/intimidade. Conforme segue:
Todo dia eu venho pro CAPS, só não venho no dia que eu tenho consulta
no Hospital de Messejana. Eu faço tratamento de asma lá. Aí eu não venho. Aí depois que eu almoço, eu vou para casa, e volto à tarde. Às vezes eu saio um pouco à noite, se tiver algum evento para eu ir, eu vou. Frequento os eventos que tá tendo tudinho na Igreja, esta noite assim teve evento na Igreja. Ontem foi o culto das missões, aí a gente teve uma festa, uma confraternização que nós fizemos. [...] Sei que hoje foi uma benção. Vou à semana todinha, eu só não vou quando eu tô trabalhando. Eu participo dos eventos da Igreja e daqui também. Quinta-feira retrasada, dia 13, eu fiz o Seminário de Cultura e Saúde Mental, eu fui também para a exposição de artes plásticas. Aí as meninas [profissionais do CAPS] me inscreveram. Aí, quando foi dia 13, a gente passou o dia todinho no Seminário. Foi lá na Promotoria de Justiça, ali na Rua Assunção. Eu gostei muito. (Usuária 3)
111
Segundo a terminologia adotada na ARS, estes atores ocupam posições
na rede, dependendo da emissão ou recepção dos laços. Neste caso, como
considerei apenas as interações dos usuários do CAPS, verifico que as conexões
partem dos laços que o usuário 1 estabelece com sua rede de apoio. A conexidade
dessa rede é composta por atores dominantes, dominados e subdominados 35. O
usuário 1 é dito como ator dominante. Em contraposição, os atores dominados
dessa rede, pertencentes aos diferentes campos de sociabilidade dos usuários do
CAPS, podem ser elencados em 4 (quatro) grupos: 1) familiares
(comadre/compadre; ex-companheiro (a); ex-sogro (a); ex-cunhado (a); cônjuge;
irmão (a), pai/mãe); 2) profissionais de saúde (Instituto de Saúde dos Servidores do
Estado do Ceará e Hospital de Messejana Dr. Carlos Alberto Studart Gomes); 3)
membros de congregações religiosas (Igreja Cristã Maranata, Igreja Santíssima
Trindade, grupo religioso Encontro de Casais com Cristo e Igreja Assembleia de
Deus), 4) participantes de grupos artísticos informais e associações civis (Fórum
Cearense de Luta Antimanicomial, Conselho Municipal de Saúde, Centro Cultural
Banco do Nordeste, Associação Vila das Artes, Serviço Social do Comércio,
Associação Geofilosófica de Estudos Antropológicos e Culturais, Centro de
Referência em Educação e Atendimento Especializado do Ceará, Associação Elos
da Vida, Organização Internacional Nova Acrópole e Espaço Viver). Já os atores que
ocupam a posição de subdominado são representados por: filho (a), neto (a),
profissional de saúde do CAPS, usuário (a) do CAPS, vizinho (a), amigo (a),
profissional da UAPS Filgueiras Lima.
REDES DE MALHAS INTERMEDIÁRIAS
Usuária 4
A usuária 4 relatou que faz um curso particular de pintura e tecido.
Frequenta o CAPS dois dias na semana para participar dos grupos: Projeto de vida
e Terapia Ocupacional. Relata que permanece a maior parte do tempo em casa,
pois a medicação está deixando-a sonolenta, mas tem o hábito de fazer artesanato.
35 Conforme já referido, os atores dominantes são os emissores das relações que compõem a rede de malha grande; os atores dominados são aqueles que mantêm relação somente com o ator dominante; e os atores subdominados são destinatários de pelo menos uma vinculação, mas não são emissores de nenhuma conexão.
112
Participa dos eventos promovidos pelo CAPS, no que se refere ao grupo de Terapia
Ocupacional. Ela reside com o companheiro e um filho, além da empregada
doméstica. Considera que a família a apoia, o cônjuge principalmente. Não participa
de atividades na comunidade onde reside. Faz parte do grupo religioso Legião de
Maria e costuma ir regularmente à Igreja Bom Jesus dos Aflitos. Frequenta a UAPS
Aloísio Lorsheider e o Programa de Saúde do Instituto de Previdência do Município
(IPM). Raramente viaja ou faz passeios. Às vezes, costuma ir à casa de uma vizinha,
que mantém muito apreço. Considera que não tem amigos, mas afirma que mantém
boa relação com todos que convive. Relata ainda que após a descoberta do quadro
psiquiátrico muitas pessoas se afastaram. Todas as pessoas ditas como próximas
são membros da família.
Usuária 5
A usuária 5 comparece ao CAPS quatro vezes por semana. Participa de
seis grupos terapêuticos: Teatro do Oprimido, Corpo e Movimento, Oficina Terapia
Ocupacional, Alfabetização, Memória, Cine CAPS. Afirma que mantém fortes
vínculos de amizade com os usuários da instituição e que se sente incomodada
quando estes se encontram acometidos de algum problema. Relata que seus
familiares exercem papel significativo no seu cuidado. Reveza entre a casa da tia,
em Fortaleza, e a da mãe, em outra cidade do interior. Além desses parentes,
convive também com seus filhos e primos. Quando está na casa da mãe, ela
participa de um grupo de artesanato, composto por quinze vizinhas, utilizando a
renda para ajudar nos gastos diários. Revela que quando está em Fortaleza dedica-
se ao tratamento no CAPS. Afirma que gostaria de inserir-se nas atividades do
Centro de Referencia da Assistência Social (CRAS), contudo, percebe que o serviço
não está funcionando adequadamente. Costuma ir à Paróquia Nossa Senhora de
Nazaré, participando do grupo religioso Legião de Maria. É beneficiária do Beneficio
de Prestação Continuada (BPC). Relata que já sofreu várias manifestações de
preconceito por parte de familiares distantes e da vizinhança, mas que atualmente
mantém bom relacionamento com ambos. Frequenta a UAPS Filgueiras Lima. Não
costuma fazer passeios e/ou ir a festas. Considera importante a família vir ao CAPS
com regularidade, pois contribui com a efetividade do tratamento. Considera como
próximos: filhos, mãe, tio, primo, usuário do CAPS.
113
Usuária 6
A usuária 6 frequenta o CAPS uma vez por semana, com o intuito de
participar do Grupo de Terapia Ocupacional (oficina produtiva). Afirma não envolver-
se em nenhuma atividade na comunidade onde reside. Trabalha informalmente na
fabricação de peças feitas em crochê, além de receber o Benefício de Prestação
Continuada. É paciente da UAPS Filgueiras Lima. Costuma ir à Igreja Católica Dom
Bosco e à Paróquia Nossa Senhora de Nazaré. Reveza entre a sua casa e a da
cunhada. Assevera que embora resida sozinha, sua filha e netos moram ao lado. A
filha é a principal responsável por lhe prestar apoio. Ela considera que mantém um
bom relacionamento com a filha. Refere vínculos de amizade com usuários e
profissionais do CAPS. Relata ainda que já participou do Projeto Saúde, Bombeiros
e Sociedade e que costumava ir com sua sobrinha, mas que atualmente não está
frequentando. Não costuma ir a festas, viajar, fazer passeios. Reconhece como
pessoas próximas: profissional do CAPS, usuário, filha, netos e cunhada.
Usuário 7
O usuário 7 trabalha informalmente, ajuda o irmão na venda de lanches,
dispondo de apoio material e emocional deste. Frequenta o CAPS semanalmente,
participando do Grupo Corpo e Movimento. Em sua fala é constante a referência a
outros usuários do CAPS quando são mencionados os laços de amizade. Segundo
relata mantém relação de proximidade com a mãe, a irmã, um membro da Igreja, um
usuário do CAPS e um profissional da instituição. Não participa de nenhuma
atividade na comunidade onde reside, não costuma viajar, fazer passeios ou ir a
festas, permanecendo, a maior parte do tempo, no âmbito familiar. Recebe
atendimento clínico na UAPS Ocelo Pinheiro. Informa que já sofreu várias
manifestações de preconceito por parte da vizinhança, não mantendo relações de
apoio. É integrante da Igreja Cristã Maranata, onde frequenta semanalmente. Afirma
ainda que já foi internado no Hospital de Saúde Mental Professor Frota Pinto,
mesmo realizando tratamento no CAPS. Percebe o internamento como algo
negativo ao tratamento psiquiátrico.
114
FIGURA 8 - Representação gráfica da rede de relações dos usuários do CAPS constituída por malhas intermediárias
Fonte: elaborado pela autora.
A rede de malhas intermediárias tem 28 nós e 37 laços. Esta estrutura
reticular apresenta uma densidade de aproximadamente 4,89%, manifestando um
percentual de 756 relações possíveis. Convém ressaltar que a densidade da rede é
uma medida que indica a razão do número de relações existentes pelo número de
relações possíveis, sendo inversamente proporcional ao número de atores na rede.
Quanto maior o número de atores, menor a densidade. No que se refere ao número
de conexões diretas de um ator (grau de centralidade), verifico que o ator 4
apresenta o maior número de interações. Ele exibe um grau de saída de 11
relações. Por grau de saída entendo a soma das interações que o ator de referência
tem com os outros nós. Portanto, o índice de saída normalizado do ator 4 é de
115
40,7%. Já o ator que apresenta o menor percentual de laços é o usuário 7. Ele
interage diretamente com 7 atores, os quais são responsáveis por lhe prestar algum
tipo de apoio. O usuário 7 apresenta a medida do índice de saída de 25,9%.
Os laços sociais da rede de malhas intermediárias são
predominantemente do tipo primário, fato que indica menor participação desses
pacientes em redes sociais mais amplas. Das 37 relações sociais existentes, 13
laços referem-se aos familiares dos usuários. Neste caso, verifico que embora a
existência de contatos frequentes com familiares não expresse necessariamente
uma proximidade afetiva, os usuários entrevistados nesta rede consideram manter
maior vínculo afetivo com seus parentes. Por sua vez, a composição dos laços fortes
é identificada pela usuária4 como concernente apenas ao cônjuge e aos filhos. Já a
usuária5 afirma dispor de laços fortes com a mãe, a tia, os filhos, o primo, além de
outros usuários do CAPS. Quanto à usuária 6,elaafirmaque é mais próxima da filha,
dos netos, da cunhada, dos profissionais e usuários do CAPS.O usuário 7 percebe-
se próximo da mãe, da irmã, de um membro da Igreja, de um usuário do CAPS e de
um profissional da Instituição. Considerando a indicação desses quatro atores,
constato que os laços fortes são configurados nessa estrutura reticular pelos
familiares dos pacientes, outros usuários e profissionais do CAPS, além de membros
de grupos religiosos. Os outros campos de sociabilidade construídos a partir dos
laços fracos referem-se: 1) vizinhos; 2) profissionais de saúde (UAPS Aloísio
Lorsheider, UAPS Filgueiras Lima e Programa de Saúde do Instituto de Previdência
do Município); 3) membros de grupo de artesanato; 4)empregada doméstica; 5)
integrantes de grupos religiosos (Legião de Maria, Igreja Bom Jesus dos Aflitos,
Igreja Católica Dom Bosco e Paróquia Nossa Senhora de Nazaré).
Os tipos de apoio conferidos aos usuários do CAPS são pertinentes aos
tipos de laços que eles mantêm. Aos laços fortes foram atribuídos apoio emocional,
informacional/material, instrumental e interação social positiva. Importa dizer que
cada ator exerce um papel diferente na provisão dos cuidados. A usuária 4
considera que o cônjuge é quem lhe presta maior apoio, referindo que ele a
acompanha em todos os lugares, oferta ajuda nos momentos de crise, orienta nas
decisões difíceis, auxilia financeiramente e lhe garante suporte emocional. Os filhos
também foram citados como sujeitos envolvidos na provisão de apoio emocional e
de interação social positiva, contudo, com menos frequência, conforme relata:
116
Meu marido é maravilhoso. Depois que eu fiquei tomando remédio mais
vezes, eu nunca mais sai sozinha. Eu só venho pra cá por causa que ele
vem comigo. Ele fica aqui me esperando. Ele é meu companheiro mesmo,
me apoia em tudo, inclusive materialmente. Meus filhos também. Lógico não
é igual. Dá problema, e às vezes não quer receber a gente quando tá
doente. É ruim pra eles quando eu entro em crise. Mas eu tô bem, eles me
tratam bem, me respeitam. Meus filhos me acompanhavam no tratamento,
mas hoje em dia vem pouco (Usuária 4).
Aos membros do grupo de artesanato foi conferido o atributo de interação
social positiva. Aos profissionais do CAPS, profissional UAPS Aloísio Lorsheider e
do Programa de Saúde do Instituto de Previdência do Município estão atrelados os
suportes informacional e de interação positiva. A empregada doméstica foi
relacionada ajuda para trabalhos práticos relativos aos cuidados com a casa (apoio
instrumental). Aos vizinhos, membros do grupo religioso Legião de Maria e da Igreja
Bom Jesus dos Aflitos foram atribuídos apoios de interação social positiva.
A usuária 5 considera que mantém vínculos fortes com seus familiares e
usuários do CAPS. Conforme demonstra em sua fala, este fato está também
atrelado com a provisão das suas necessidades. Ela citou que seus parentes (mãe,
filhos, tios e primo) prestam-lhe apoio emocional, material/instrumental e de
interação social positiva. Aos usuários do CAPS é conferido apoio emocional e de
interação positiva.
Eu passo três semanas em Fortaleza, e depois eu vou pro interior. Porque
eu tenho dois filhos lá, ai eles ficam com a minha mãe. Aqui eu fico na casa
dos meus tios. Eles [filhos] me ajudam. O mais velho ele me ajuda muito,
ele me dá meus remédios quando ele tá em casa. Às 10 horas quando ele
chega, ele sempre faz alguma vitamina pra mim. E a outra filha, ela é mais
de me ajudar nas coisas de casa. Mas quando ela sai de casa, ela manda o
outro tomar conta de mim. Eu sou igual uma criança pra eles. Eles cuidam
muito bem: meus filhos, minha mãe. Aqui é minha tia, meu tio e meu primo
que toma conta de mim. Então assim: todos eles têm uma responsabilidade
por mim, né. É meu tio vem me deixar e me buscar, vem me deixar dentro
do CAPS, e me pega dentro do CAPS. Meu primo também. Eles gostam
muito de mim [...]. Aqui eu passo o dia todinho. Aí eu participo dos grupos.
Agora tem dias que eu não me sinto bem aqui, nos dias que elas [pacientes
do grupo terapêutico] tão estressada, nervosa. Eu fico agitada, triste. Eu me
sinto bem quando vejo todo mundo bem. Aí eu fico bem [...] (Usuária 5).
117
A usuária 6 atribui a provisão de apoio emocional e apoio
instrumental/material (preparo das refeições), aos laços com a filha e a neta. Relata
que sua cunhada presta-lhe auxílio emocional, principalmente relacionado ao
enfrentamento de uma situação de perda (morte do filho). Por vezes, a cunhada
também a acompanha ao CAPS e à Igreja. Ressalte-se que ela não cita vínculos
fortes com os membros da Igreja. O CAPS é percebido com um lugar de apoio
emocional, a seguir:
A minha filha casou, mas ela nunca me abandonou. Eu mando ela procurar
um lugar pra ela: mulher vai embora com teus filhos. Aí ela diz: mãe se eu não lhe deixei antes, eu vou lhe deixar agora. [...] Ela sempre tá perto de mim. Durante o dia, eu fico com minha neta, aí eu vou e durmo, porque tomo uma série de remédio. [...] Eu me acordo tarde, aí vou merendar, fico no meio dos meus crochês, das minhas encomendas, das minhas sandálias, das minhas coisas. Aí passa o tempo, aí minha netinha, às vezes tem feito o almoço, às vezes é minha filha quem manda, pra mimnão ir pra cozinha. De vez em quando, eu venho pro CAPS com a minha cunhada. Ela também vai pra igreja comigo. Sempre assim, eu choro muito, eu saio de casa pra chorar aqui [CAPS], porque em casa tem aquela coisa. Foi meu filho que eu perdi (Usuária 6).
Por fim, o usuário 7 indica que mantém um bom relacionamento com a
mãe e os dois irmãos, dispondo de apoio emocional e instrumental/material.
Segundo relata: “O meu relacionamento com eles é bom. Nós somos amigos uns
dos outros. Se ajuda nas coisas. Se respeita [...]”. Quanto aos laços de amizade, ele
sugere apoio de interação social positiva. Refere que é amigo apenas de um
membro da Igreja Maranata (que também faz tratamento no CAPS), e de outro
paciente do CAPS. Conforme afirma: “Eles são legais, a gente conversa muito”.
Porém, demonstra laços fracos com os membros da vizinhança, segundo relata: “Eu
converso com eles só o necessário. Antes, eu tinha muito atenção com eles. Hoje eu
não gosto mais disso. Perdi esse interesse. Eu me reservo. Fico só dentro de casa”.
REDES DE MALHAS FROUXAS
Usuária 8
A usuária 8 relata que não mantém laços fortes com sua família. Refere
que foi abandonada pela mãe quando tinha sete anos de idade, seu pai faleceu
recentemente, e não dispõe de contatos regulares com seus irmãos. Segundo relata
mora sozinha, mantendo contato esporádico com um irmão, uma tia e a madrasta.
118
Frequenta regularmente o CAPS, onde é participante dos Grupos: Condicionamento
Funcional, Terapia Ocupacional (Pintura e Bordado). Recebe atendimento médico
também na UAPS Dr. Roberto Bruno. Costuma ir à Igreja Universal, mas não
apresenta vínculos fortes com os integrantes. Não trabalha, mantendo-se com os
recursos do BPC. Relata que está esperando o início das aulas de um curso
profissionalizante de estética e manicure, mas não soube informar o nome da
instituição que irá promovê-lo. Afirma ainda que faz passeios apenas quando o
CAPS promove. Não costuma participar de atividades na comunidade, viajar ou ir a
festas. Verbaliza que tem amigos no CAPS, dispondo de bom relacionamento com
os vizinhos. Mantém histórico de internação asilar. Considera como pessoas mais
próximas o irmão e um profissional do CAPS.
Usuário 9
O usuário 9 frequenta o CAPS todos os dias para uso da medicação (é
classificado como paciente monitorado, ou seja, recebe e faz uso da medicação na
própria Instituição). Participa, contudo, apenas do Conselho de Usuários e das
consultas e atendimentos individuais. Relata que foi abandonado pela família ainda
quando criança, apresentando histórico de internação asilar por longa data. Não
mantém, portanto, contatos com a família. Apresentou discurso confuso sobre a
realização de atividade laborativa. Ora afirmou que ajuda uma pessoa no
restaurante próximo a sua casa, ora que no período noturno frequentava a escola.
Relata que tem apenas um amigo fora da Instituição (um vizinho). Costuma ir à
Igreja Nossa Senhora de Fátima, de forma esporádica. Afirma que frequenta de
forma eventual o Conselho Municipal de Saúde e o Distrito de Saúde da Secretaria
Executiva Regional IV, para reivindicar remédios. É paciente da UAPS Filgueiras
Lima. Recebe o BPC. Não participa de atividades na comunidade onde reside.
Afirmou que faz passeios promovidos pelo CAPS, e que gosta de ir a um shopping
da capital. Todas as pessoas citadas como próximas são usuários do CAPS.
Usuário 10
O usuário 10 não realiza atividade laborativa, mantendo-se com os
recursos do BPC. Relata que atualmente mantém uma boa relação com a família,
considerando que é mais próximo de dois irmãos em particular. Segundo informa,
119
mora sozinho, não possui filhos, dispondo de contato diário com uma irmã (citada
como pessoa próxima). Frequenta o CAPS há 12 anos, participando dos grupos de
Arteterapia e Memória. Exerce também o papel de membro do Conselho de
Usuários do CAPS, apresentando-se como uma pessoa atuante na instituição. É
usuário ainda da UAPS Filgueiras Lima. Comunica que já trabalhou como vendedor
ambulante na Praça José de Alencar, no centro da cidade de Fortaleza, e que gosta
de ir lá, visitar seus ex-colegas de trabalho, todavia não vai com regularidade. Em
sua fala é constante o relato de que já sofreu preconceito, em virtude da sua
orientação sexual e de ser portador de transtorno mental, por parte da família e
vizinhos. Costuma ir à missa, mensalmente, na Igreja Nossa Senhora de Fátima.
Considera que mantém vínculos fortes apenas com dois amigos (pessoas externas
ao CAPS), dois irmãos e um profissional do CAPS.
FIGURA 9 - Representação gráfica da rede de relações dos usuários do CAPS constituída por
redes de malhas frouxas
Fonte: elaborado pela autora.
120
A rede de malhas frouxas dispõe de 16 nós e 20 laços. Essa estrutura
reticular demonstra uma densidade de 8,33% (razão das relações existes pelas
relações possíveis), no total de 240 relações possíveis. Este dado indica que esta
rede dispõe de menos atores, em comparação com a rede de malhas estreitas e as
redes de malhas intermediárias. No que tange ao número de conexões diretas de
um ator (grau de centralidade) constato que o ator 8 apresenta o maior número de
interações. Ou seja, ele exibe 8 atores em sua rede de apoio social. O índice de
saída normalizado desse ator é de 53,3%. Já o ator que apresenta o menor número
de laços é o usuário 9. Sua rede de apoio é composta por 5 atores, os quais são
responsáveis pela provisão de recursos para atender suas necessidades básicas. O
usuário 9 apresenta a medida do índice de saída de 33,3%. Conforme observado,
quando maior o índice de saída da rede, maior é o percentual de laços provenientes
de um nó.
Diferentemente das redes de malhas estreitas e intermediárias, as quais
denotam predominância dos laços de parentesco na provisão dos cuidados, na rede
de malhas frouxas os laços fortes incluem campos de sociabilidade mais
diversificados. Os laços fortes abrangem familiares (em menor escala de cuidado),
profissionais e usuários do CAPS, amigos 36. É interessante pontuar que estes
campos sociais também são referidos como constituintes dos laços fracos. Os laços
fracos referem-se a parentes; profissionais de saúde (UAPS Ocelo Pinheiro, UAPS
Filgueiras Lima e UAPS Dr. Roberto da Silva Bruno), usuários do CAPS, ex-colega
de trabalho, vizinho, integrante de grupos religiosos (Igreja Nossa Senhora de
Fátima e Igreja Universal), amigo, membro de órgãos deliberativos e de gestão no
âmbito da política pública da saúde (Conselho Municipal de Saúde e Distrito de
Saúde da Secretaria Executiva Regional IV).
Neste sentido, observo que na rede de malhas frouxas há uma
incongruência na definição desses laços. Não há uma delimitação dos campos
sociais que compõem os vínculos fortes e fracos. Estes campos ora são
identificados como constitutivos dos laços fortes, ora dos laços fracos. Há uma
menor intensidade dos laços, tendo em vista que eles se constituem por relações
36 Convém destacar que a definição de amigo apresenta questões empíricas importantes. Utilizo a definição de amigo a partir dos usuários entrevistados. Os laços de amizade citados pelo usuário 8 referem-se a pessoas que não estão inseridas no ambiente do CAPS e de grupos religiosos, mas pertencentes a outros campos sociais (vizinhança, trabalho).
121
mais fracas. Vale destacar que os laços fortes (também chamados de laços
estreitos) são aqueles que unem os indivíduos a parentes (pais, cônjuges, filhos) e a
amigos que se mantêm uma relação mais próxima. Ao passo que os laços fracos
(laços frouxos) são aqueles que ligam os indivíduos a familiares mais afastados,
colegas de trabalho e vizinhos. Este tipo de laço dá acesso preferencialmente a
recursos de conhecimentos (GRANOVETTER, 1973).
Por sua vez, verifico que o papel da família não apresenta centralidade na
prestação do cuidado. Esta característica está mais acentuada na morfologia das
redes dos usuários 8 e 9. Os dois usuários (com especificidades diferentes) se
reportam a situações de abandono familiar. Para ilustrar destaco a fala da usuária 8,
referindo-se ao relacionamento com seus parentes. A percepção atribuída às suas
interações familiares, impulsionadas por conflitos ou afastamentos afetivos, bem
como pelo distanciamento geográfico da sua rede de parentesco, confere significado
a sua biografia.
No momento, eu tô morando sozinha, porque meu pai morreu, minha mãe
foi embora e me abandonou. Eu era bem pequenininha [07 anos], ela me deixou com meus irmãos. Ficamos todos jogados. Na casa de um, na casa de outro. Porque meu pai não sabia cuidar de nós. Cuidava de um e do outro mal cuidado. Na casa dos outros, aí se criamos. [...] Meu pai morreu, minha mãe não tem mais. O relacionamento que eu tenho agora é o seguinte: Tem uma irmã minha na Itália. [...] Ela gosta muito de brigar comigo. [...] Tem meu irmão. Eu me dou bem com ele, agora ele mora longe. E a minha madrasta é minha amiga (Usuária 8).
Partindo do contato que mantive com a usuária 8 e da análise do relato
exposto, observo que provisão de recursos por parte de sua família é escassa. Sua
fala sugere que ela dispõe de apoio emocional apenas por parte da madrasta e do
irmão. No que se refere aos vínculos com os profissionais e usuários do CAPS,
verifico suporte de interação social positiva, instrumental (material) e informacional,
conforme segue: “Eu tenho muitos amigos no CAPS. Eu me sinto bem aqui. Se eu
passar o dia, eu almoço aqui, se não passar, eu almoço em casa. Eu gosto mais da
[profissional], porque ela me indica as coisas”. É interessante pontuar ainda sua fala
a despeito do seu relacionamento com os membros da Igreja que frequenta, com
foco no apoio informacional dispensado por alguns religiosos: “Na igreja tem muitas
pessoas, mas eles não falam comigo não. Só as obreiras. Elas conversam comigo,
me dão conselho”.
122
Por sua vez, o usuário 9 assevera que todas as pessoas que considera
próximas (ditos como amigos) reportam-se aos outros pacientes do CAPS. Aos
amigos indica apoio emocional e de interação social positiva e emocional. Frequenta
o CAPS todos os dias para obtenção e uso de medicação (apoio instrumental e de
interação social positiva). Ressalta que frequenta a Igreja Nossa Senhora de Fátima,
sendo conferido também suporte de interação social positiva. Para ele: “as pessoas
são legais. Eu gosto de lá”. Em sua fala não está presente interações com laços
fortes. Apresenta histórico de internação hospitalar por longa data, não mantendo
vínculos familiares. Ele relata que: “Eu vou na SER IV avisar que não tem remédio
pro povo. Eu vou pra promotoria também”. Não há indicação de recursos advindos
dos membros do Conselho Municipal de Saúde e do Distrito de Saúde da Secretaria
Executiva Regional IV.
Em oposição, o usuário 10 indica laços fortes de parentesco. Contudo,
verifica-se uma rede de relações menores do que os atores dispostos nas redes de
malhas estreitas e intermediárias. Segundo ele relata, mantém laços fortes apenas
com dois membros da família, dispondo de apoio emocional e interação social
positiva. Assim observa: “Eu não diria que eu tenho uma relação muito boa. E os
únicos que eu sou realmente próximo são o meu irmão e a minha irmã. Sei que
posso contar com eles. Quer dizer a família toda não. Só de dois”. No que tange aos
laços de amizade, foram atribuídos apoio informacional e de interação social
positiva. Para ele: “O meu relacionamento com meus amigos é bom. Às vezes tem
algumas desavenças, porque a gente diverge de opiniões. Mas de um modo geral, a
convivência é positiva. Nós conversamos muito”.
4.5 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE AS REDES DE MALHAS ESTREITAS,
INTERMEDIÁRIAS E FROUXAS DOS USUÁRIOS DO CAPS
Nos dois tipos de redes (estreitas e intermediárias), verifico que os laços
familiares constituem as principais relações sociais de alocação de recursos e
prestação de apoio social (em suas diferentes tipologias) destinado aos usuários do
CAPS. Há predominância da família principalmente na prestação do cuidado
emocional e material ou instrumental. A família não exerce papel principal na
prestação do cuidado, apenas na rede de malha frouxas. Tomando como referência
123
o conceito de laços fortes e fracos de Granovetter (1973) para explicar esse fato,
entendo que os laços fortes constroem-se a partir de relações mais frequentes,
ocasionando maior intimidade entre os atores envolvidos e maior intensidade
emocional. Esses laços (fortes) são estabelecidos principalmente entre familiares e
amigos. Sendo menos provável que aconteça entre pessoas conhecidas. Essas
diferenças entre os laços fortes e os laços fracos vão fazer com que as
configurações das redes dos usuários adquiram formas diferentes. Constato,
portanto, que existe uma causalidade entre os campos de sociabilidade, as redes e
a condição social (pessoa com transtorno mental) desses sujeitos.
É interessante também pontuar que nas amostras de redes de malhas
estreitas e frouxas utilizei a representação da rede de três usuários. Na rede de
malhas intermediárias utilizei a amostra de quatro usuários. Este resultado reverbera
na variável densidade. No primeiro caso, indica que no total de 40 relações entre os
atores existem 1.122 laços possíveis. A densidade da rede é aproximadamente
3,56%. Já a rede de malhas intermediárias apresenta uma densidade de 4,89%,
manifestando 756 relações possíveis. Em contrapartida, a rede de malhas frouxas
demonstra uma densidade de 8,33%, no total de 240 relações possíveis. Com base
nesses dados, percebe-se que quanto maior o número de relações de uma rede,
menor é a sua densidade (razão entre as relações existentes e as relações
possíveis). Ou seja, maior é o número de laços possíveis e menor a propriedade de
conexidade entre os atores. Convém destacar que este entendimento é aplicado
quando se estuda as redes formadas pelos contatos dos atores que estão em
ligação com o nó de referência (usuário do CAPS). Neste caso, como apresento
apenas as interações imediatas, com foco na vinculação dos usuários do CAPS com
sua rede de apoio, verifico que a rede de malhas estreitas apresenta a maior
possibilidade de vinculação entre os atores (1122 relações possíveis), bem como
que estes estão notadamente marcados por laços fortes de parentesco e de
amizade entre participantes da mesma igreja, profissionais e pacientes do CAPS.
Por sua vez, observo que estão presentes nas três estruturas reticulares
as seguintes instituições pertencentes à Rede de Atenção à Saúde Mental (rede de
cuidados oficial): o próprio CAPS; o Conselho Municipal de Saúde (Instituição de
Defesa dos Direitos do Usuário); Hospital de Messejana Dr. Carlos Alberto Studart
Gomes (Hospital Geral); UAPS Filgueiras Lima, UAPS Aloísio Lorsheider, UAPS Dr.
124
Roberto da Silva Bruno, UAPS Ocelo Pinheiro (unidades de atenção primária à
saúde); Conselho Municipal de Saúde e Distrito de Saúde da Secretaria Executiva
Regional IV do município de Fortaleza. No que se refere aos arranjos comunitários
de apoio social, verifico o envolvimento de parentes e vizinhos, bem como de grupos
de artesanato. Esta configuração, contudo, denota a predominância de serviços de
saúde do município, em contraste com os recursos comunitários.
Nas três redes (malhas estreitas, intermediárias e frouxas), o ator que
apresenta a posição com maior número de interações, indicada pela medida de
centralidade de grau, é o ator central da rede de malhas grandes. Isto é, o usuário 2,
com grau de saída de 15 relações (índice de saída normalizado de 45,5 %). Já o
ator que apresenta o menor número de laços é o usuário 9. Sua rede de apoio é
composta por cinco atores, os quais são responsáveis pela provisão de recursos,
com vistas a atender suas necessidades básicas. Ele apresenta um grau de
centralidade de 33,3% (índice de saída). Conforme observado, quando maior o
índice de saída da rede, maior é o percentual de laços provenientes de um nó.
Quanto ao local de encontro dos pacientes com as pessoas que
compõem sua rede de apoio é frequente a menção ao ambiente da casa, do espaço
do CAPS e da Igreja. A frequência de contato entre as pessoas com transtornos
mentais e os integrantes de suas redes é, de modo geral, diariamente e/ou
semanalmente. Este resultado pode sugerir que, embora se encontrem com
regularidade, a proximidade afetiva não se expressa somente pela frequência de
contato, mas pelo tipo de recurso recebido. Por sua vez, os atores que compõem as
redes de apoio desempenham papéis diferentes na provisão das necessidades
sociais aos usuários do CAPS. Conforme já referido, isso reverbera na morfologia
das Redes.
4.6 (RE) SIGNIFICANDO A SAÚDE MENTAL COMUNITÁRIA: A PERSPECTIVA
DOS USUÁRIOS, FAMILIARES E PROFISSIONAIS DO CAPS
Carta de um usuário do CAPS Do ano de 2002 a 2008, passei por várias internações em um determinado Hospital Psiquiátrico, onde nunca tive melhoras e sim cada vez mais piorando. [...] Em 2008 fui encaminhado ao CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) da Regional IV de Fortaleza. Neste momento, percebi que o tratamento era e é completamente diferente dos Hospitais Psiquiátricos. No CAPS fui tratado
125
com respeito, liberdade e não como prisioneiro. No CAPS também foi descoberto meu talento para as artes (esculturas e pinturas). Já fiz inclusive várias exposições, e fui premiado em vários concursos. Através dos meus trabalhos artísticos, procuro mostrar para a sociedade que as pessoas com transtorno mental são capazes de criar e produzir. Em todo o país, é possível encontrar artistas usuários de serviços de saúde mental produzindo: pintando, gravando, escrevendo, expondo e se expondo, orgulhosos de seus dons e valores. Hoje faço parte do Fórum Cearense da Luta Antimanicomial, lutando para que a reforma psiquiátrica seja cumprida, conforme a lei nº 10.216. Sou o único usuário de CAPS que faz parte do Fórum. Luto para que pessoas com transtorno mental tenham liberdade e direito a voz. Luto por uma sociedade sem manicômios, pois se cruzar os braços estarei aceitando uma camisa de força. Não ao retrocesso, avanços sim. Queria que houvesse conscientização de que todos são iguais. Eu sou um sobrevivente sim, no meio de tanto preconceito eu sobrevivo, pois a cada dia respiro o milagre da arte e nela encontro paz. Se arte for loucura, não quero cura.
Neste tópico final, início com uma breve carta que me foi entregue
carinhosamente pelo usuário 1, vinculado ao CAPS do Jardim América. Em poucas
palavras, ele nos traz relatos biográficos de sua trajetória terapêutica. Manifesta-se
como um militante do movimento de luta antimanicomial e aponta nuanças na
mudança do sistema de valores, atreladas à formulação das premissas que
embasam os modelos de tratamento psiquiátrico. A cessação da liberdade e dos
vínculos sociais são aspectos que denotam profundo sofrimento em sua narrativa.
Por sua vez, ele associa a experiência com a arte a uma nova percepção de si e da
condição social conferida ao portador de transtorno mental. Assim, o anseio por
equidade, liberdade e direito à voz o faz lutar por uma sociedade livre de
manicômios.
Com base no exposto e em outros relatos dos usuários e familiares,
considero que o modelo de atenção à saúde mental, pautado na perspectiva de
tratamento em base comunitária, é representado por esses sujeitos dentro de uma
perspectiva de conquista de direitos, respeito de intersubjetividades e possibilidade
de realizar o tratamento sem estar isolado dentro de um hospital psiquiátrico. Tomo
como referência o relato do familiar 1, quando destaca que o CAPS (funcionando de
acordo com as diretrizes da reforma) poderia consagrar-se como “solução” para as
demandas de saúde mental. Aponta ainda que a implementação desse equipamento
foi um avanço no que concerne ao tratamento, e que a capacidade substitutiva do
CAPS está na possibilidade de reinserir o usuário no convívio com a família.
126
O CAPS é uma solução para a saúde mental, se funcionasse. É um negócio tão complexo. É importante os CAPS? É! Do jeito que tá? Não! Acabar? Deus me livre. Que já foi uma conquista, vai perder essa conquista? É uma coisa assim muito difícil, importante é demais. Se funcionassem muitas pessoas que tem problemas mentais, não digo que estariam curadas porque tem muitos que não tem cura, né? Mas estariam estabilizados, estariam até convivendo com seus familiares, contribuindo de alguma forma na sociedade, seria um ponto de apoio. (Familiar 1)
Na visão dos profissionais, o modelo de atenção em saúde mental em
rede também é representado como uma conquista do direito que extrapola a
conquista de realizar o tratamento de forma humanizada e fora dos muros da
instituição psiquiátrica. Refere-se ao exercício do direito de conviver em sociedade,
trabalhar e cuidar de qualquer quadro de saúde, crônico ou não, assumindo o
protagonismo do tratamento. Segundo o profissional de Terapia Ocupacional:
“representa, portanto, a única oportunidade efetiva de uma terapêutica que dê
realmente resultado na vida do usuário”.
Importa salientar também que o cuidado exercido em articulação com a
família e a comunidade é representado por um membro da “equipe técnica” do
CAPS como fator relevante de controle e manuseio das crises psiquiátricas,
ocasionando a diminuição dos encaminhamentos para o CAPS 24 horas, ou mesmo
das internações em hospitais de cunho manicomial. A seguir:
Eu acredito no cuidado aberto de base territorial, acredito sim, que a gente trabalhando a comunidade e a família no manejo de crises, talvez não precise de tantos leitos mesmo, entendeu? A partir do momento em que se aprendi a manejar, a conviver com uma pessoa que, em algum momento, apresente uma crise. E eu sei manejar esta crise, sem precisar encaminhar esta pessoa lá para o CAPS 24hs, seja pra onde for, aí eu vou tá entendendo que o processo terapêutico tá dando certo. Porque o projeto terapêutico tem que avançar mesmo rumo à família e a comunidade. (Profissional de Serviço Social)
Por outro lado, no discurso desse mesmo profissional ainda é constante a
referência do hospital psiquiátrico como espaço de atendimento especializado para a
terapêutica das crises dos usuários do CAPS, tendo em vista a inabilidade da família
em lidar com esse momento de crise, e a falta de infraestrutura do CAPS. O fato,
porém, da assistência se dar em âmbito de um hospital psiquiátrico é contestado,
levando-se a hipótese desse atendimento ocorrer em um hospital geral, conforme
prevê a Politica Nacional de Saúde Mental. A frequência do atendimento em hospital
127
psiquiátrico é atribuída, sobretudo, ao número reduzido de unidades de CAPS 24
horas ou à falta de leitos em hospitais gerais. Conforme segue: O hospital psiquiátrico [nome do hospital] em ainda um papel dentro da nossa sociedade, na nossa comunidade, ninguém pode negar. Tanto é que quando a equipe se treme nas bases quem é que socorre é lá. [...] Principalmente, em uma realidade que o CAPS 24 horas não tem ainda um suporte, uma estrutura para cuidar. [...]Eu não posso dizer que eu conto com um sistema de 24hs de CAPS, se eu tenho só oito leitos dentro desse CAPS, né? Às vezes eu tenho paciente que, infelizmente, eu tenho de enviar para o hospital psiquiátrico, porque eu não tenho leito nos hospitais gerais, e nos CAPS geral da IV, da II, ou da V, sei lá. (Profissional de Serviço Social)
O profissional acrescenta ainda que a questão central do processo de
reforma psiquiátrica não é o questionamento do hospital psiquiátrico como principal
centro de tratamento ou a criação dos serviços substitutivos, mas a criação de uma
cultura que seja antimanicomial. Inclusive no que diz respeito ao exercício
profissional. Neste sentido, tomo como alusão sua fala a despeito da atuação do
CAPS. Segundo relata a própria Instituição CAPS pode perpetuar práticas ditas
“hospitalocêntricas”, que influenciam na construção desse dispositivo psiquiátrico em
suas técnicas de poder-saber:
E olhe lá, eu também não vou ser hipócrita não, muitas vezes nós temos hospitais psiquiátricos travestidos de CAPS. Não só travestido de CAPS, travestido de salas de consultório. Dependendo da forma que eu me porto, diante do usuário, posso ser um hospital psiquiátrico, eu todinha. Então mais uma vez eu digo, não é a instituição só, hospital psiquiátrico, é uma sociedade. As práticas, e como estão conjugadas as práticas. Inclusive com a fala disciplinar que tem dentro dos CAPS, entendeu? Então eu posso ser um hospital psiquiátrico em pessoa, dependo de como eu me porto, diante do processo terapêutico que tá sendo proposto para este usuário, diante da recusa desse usuário de aceitar este projeto terapêutico, diante do modelo de cuidado que eu tô sugerindo a ele, eu posso ser um hospital psiquiátrico. O hospital psiquiátrico pode ser uma pessoa. Quem pode avaliar? E eu não me sinto legítimo de avaliar isso, é o próprio usuário. E eu acho que o usuário ao avaliar, vale muito a pena lembrar que não mudou muita coisa. Mudou muito com relação a algumas coisas, mas com relação a outras não. [...] A gente ainda pega muito paciente, robotizado, embotado. Nós temos muita coisa de um hospital psiquiátrico ainda. (Profissional de Serviço Social)
Partindo dessa análise, observo que existem duas propostas terapêuticas
em disputa: o modelo de atenção embasado no hospital psiquiátrico, e o de
proeminência psicossocial, voltado ao atendimento do usuário a partir do viés
ambulatorial. A articulação entre o discurso e a prática dos profissionais está
128
diretamente atrelada as suas compreensões acerca das terapêuticas realizadas no
âmbito da nova Política de Saúde Mental. Desta forma, considero que o binômio
discurso e prática pode apontar indícios do direcionamento das políticas públicas no
âmbito da saúde mental. E reconhecê-la imbrica acessar os mecanismos
institucionais que compõem a rede de atenção à saúde mental. Tomo como aporte o
subsequente relato de um profissional:
Então assim as pessoas que vão trabalhar nesse cuidado, estas pessoas estão preparadas? Não estou falando de informação, estou falando de formação. Estou falando de empatia com os princípios da reforma psiquiátrica, estas pessoas querem estar trabalhando ali? Estão sabendo o que estão fazendo ali dentro? Porque minha grande impressão é que muitas as pessoas não sabem o que estão fazendo dentro dos CAPS. Não tem noção do projeto maior que acompanha o CAPS junto de toda a rede, entendeu? Não entende qual é o seu papel dentro da reforma psiquiátrica, como instituição. Aí vêm aquelas práticas muitas vezes não muito atuais. Sem nem saber. Na maior da simpatia. E ai muitas vezes, é uma postura manicomial. Seja infantilizando, seja estigmatizando, seja de qualquer jeito. Mas não deixa de ser manicomial. Institucionalizar paciente, como também institucionalizar profissional. É isso que tá acontecendo muitas vezes. E essa não é a ideia da reforma. Nós sabemos qual a ideia da reforma? Que projeto nós estamos construindo? Como é que o usuário, como é que a sociedade tá vendo está reforma? Não se discute reforma psiquiátrica dentro da sociedade. Não se discute. [...] (Profissional de Serviço Social)
No que tange à representatividade da situação da rede de atenção
psicossocial de Fortaleza, o profissional de Serviço Social destaca que avalia “a rede
como uma rede incompleta, fragilizada em conteúdo e estrutura”. Segundo verbaliza,
o conteúdo refere-se à definição das diretrizes clínicas da saúde mental do
município. Diante disso, ele sugere que os profissionais devem ter bem claro qual
modelo de tratamento pretende-se implementar, e pautar suas práticas na promoção
de ações que levem em conta o vínculo e o cuidado comunitário. Conforme segue:
Se eu digo que o referencial é o da reforma psiquiátrica e não do hospital psiquiátrico. Então eu tenho obrigação de ser coerente com os princípios dessa reforma, né? Pra isso se eu trabalho dentro da questão da reforma, dentro de um CAPS, onde o vínculo e o cuidado são fundamentais. Então eu tenho que promover condições para que este vínculo e este cuidado ocorram. E ai vem à credibilidade de uma política pública, com financiamento adequado. Não só em termos de logística, mais em termos de educação permanente para as pessoas que vão trabalhar [...]. (Profissional de Serviço Social)
Já o familiar 1 pontuou que há problemas estruturais que dizem respeito
ao funcionamento dos serviços comunitários de saúde mental, o CAPS em
129
particular. Em seu discurso enfatiza as condições de infraestrutura da Instituição.
Destaca ainda que considera o modelo clássico de tratamento inapropriado, mas
que não avalia que os CAPS estejam atuando de acordo com os preceitos da
reforma psiquiátrica. Para ele:
Eu avalio assim, a quantidade de CAPS é maravilhosa, se os CAPS funcionassem como deveria ser. Porque na verdade eu sou contra a internação, eu participo da luta antimanicomial. Eu acho manicômio “descer a escada abaixo”, é o fim, é regredir. Agora também eu não aceito o CAPS do jeito que tá. Aí nem manicômio, nem os CAPS do jeito que estão. Por isso que eu lutei a vida toda, para que o CAPS fosse dentro da proposta, dentro do projeto. (...) Então aquela estrutura ali não acolhe ninguém, nem profissionais nem usuários. Porque, umas gaiolinhas que você fica ali mal acomodado. É melhor uma praça, é melhor ir para a praia. Eu no meu caso prefiro ficar em casa. Sair da minha casa para ir para o CAPS do jeito que tá, eu prefiro não ir mais, por isso que eu não fui mais. (Familiar 1)
Neste sentido, considero que as falas dos usuários, seus familiares e
profissionais do CAPS denotam para a capacidade substitutiva dos serviços
comunitários de saúde mental, em detrimento do hospital psiquiátrico. Esta
disposição está atrelada, sobretudo, à possiblidade desses serviços públicos
atuarem no território, seja na mobilização de atores e recursos comunitários em
função dos objetivos e estratégias de inclusão social (atividades culturais,
esportivas, de lazer e trabalho), seja na transformação da cultura e da comunidade
em relação ao fenômeno da loucura e aos sujeitos em sofrimento mental. Por outro
lado, é constante o argumento de que o modelo de atenção baseado no hospital
psiquiátrico ainda se faz presente na vida cotidiana dos usuários do CAPS, e que há
problemas estruturais que envolvem os serviços públicos, que ocasionam uma
inclusão precária de acesso à política pública de saúde mental.
130
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo se propôs analisar a mudança no modelo de tratamento
destinado às pessoas com transtorno mental, tendo como referente empírico as
redes de apoio social dos usuários do Centro de Atenção Psicossocial do bairro
Jardim América, em Fortaleza, Ceará. Para tal, mapeei as redes sociais dos
usuários do CAPS, investiguei os tipos de apoio prestados pelos integrantes dessas
estruturas reticulares às pessoas que realizam tratamento no serviço, examinei as
práticas institucionais e as relações que os sujeitos acometidos por transtornos
mentais estabelecem com as pessoas envolvidas no seu processo de cuidado, e
avaliei os significados atribuídos a esse paradigma de assistência em saúde mental.
Iniciei minha jornada refletindo sobre as perspectivas históricas acerca da
loucura e de suas formas de tratamento. Fiz um sucinto resgate dos paradigmas
clássicos de concepção da loucura, passando pelos movimentos de reforma
psiquiátrica instituídos após a II Guerra Mundial (que deram origem à desconstrução
do modelo manicomial), culminando na reforma psiquiátrica do Brasil e do Ceará.
Parti da ideia de que as representações e os dispositivos de tratamento
historicamente construídos em torno da loucura remetem à reflexão dos mecanismos
de produção de saberes e do exercício do poder direcionados aos sujeitos, rotulados
como portadores de transtorno mental. Isso me levou a pensar que na
representação social do louco e da loucura, em um dado momento histórico, são (re)
significadas e (re) constituídas as bases dos paradigmas de intervenção
psicossocial.
No segundo ponto, abordei o serviço CAPS, caracterizado como uma
estrutura intermediária entre a internação integral e a vida comunitária. Assim,
através de uma perspectiva com direcionamento etnográfico, enveredei pela
dinâmica e lógica cotidiana de funcionamento do CAPS do Jardim América, bem
como pelas práticas e relações constituídas entre usuários, profissionais e demais
pessoas envolvidas no processo de cuidado. Esta proposta de descrição detalhada
do CAPS contribuiu para identificar atores, vínculos e relações, dando suporte ao
mapeamento das redes de apoio dos usuários.
No desfecho dessa caminhada, construí tipologias de redes de apoio
social dos usuários do CAPS do Jardim América, através da metodologia de Análise
131
das Redes Sociais. Num primeiro momento, realizei uma revisão de literatura das
categorias de apoio social e rede social, enfatizando a discussão teórica que propõe
que as relações têm impacto significativo na vida das pessoas com transtornos
mentais, podendo atuar como contributo para o tratamento e fonte de suporte social.
Posteriormente, retomei a análise dos processos de interação entre os profissionais
do CAPS, usuários, familiares e demais cuidadores, para identificar as estruturas
reticulares e os tipos de apoio social conferidos dessas relações. Por fim, foram
analisados os significados atribuídos por esses sujeitos ao modelo comunitário de
saúde mental.
As hipóteses defendidas neste trabalho consideraram que: 1) as redes
sociais são centrais à sociabilidade dos indivíduos e ao acesso aos distintos
recursos materiais e imateriais (apoio emocional, material ou instrumental,
informacional e integração social positiva); 2) as redes de apoio social dos usuários
do CAPS do Jardim América se estruturam a partir das tensões existentes entre as
sociabilidades cotidianas das pessoas em tratamento e as práticas institucionais; 3)
apesar da mudança do modelo de tratamento clássico, para outras modalidades de
tratamento, as redes sociais das pessoas acometidas de transtorno mental
continuam fragilizadas.
Como resultados dessa pesquisa, constatei que as redes de apoio social
dos usuários do CAPS geral do Jardim América se caracterizam predominantemente
por interações com parentes, membros de grupos religiosos, profissionais e outros
usuários do CAPS. A provisão do cuidado está centrada, sobretudo, no papel
desempenhado pela família e na intervenção assistencial proporcionada pelo CAPS,
as quais acontecem dentro de um processo de inclusão precária. Ou seja, marcado
pela ineficácia dos serviços públicos (neste caso o CAPS) de efetivar ações
concretas de proteção social, em detrimento de um processo amplo de garantia de
direitos.
Deste modo, verifiquei que apesar da Politica Nacional de Saúde Mental
prever uma prática terapêutica centrada no envolvimento ativo da família e da
comunidade, existe pouca participação, nas atividades desenvolvidas pelo CAPS do
Jardim América, dos recursos comunitários na prestação dos cuidados às pessoas
com transtornos mentais. Os obstáculos, que dizem respeito à organização de uma
rede comunitária de cuidados, perpassam condições estruturais de funcionamento
132
dos serviços de saúde mental, que envolvem limitações orçamentárias, de política
de pessoal e de gestão; condições de infraestrutura; precariedade de organização e
articulação da rede assistencial de serviços; e ações limitadas de saúde mental na
Atenção Básica.
Outro aspecto relevante, no âmbito da organização interna do CAPS geral
do Jardim América, refere-se à escassa oferta e abrangência das atividades
terapêuticas envolvendo os grupos sociais próximos aos usuários (família,
vizinhança, associações, igreja), contando com pouca participação da comunidade
local. Em sua maioria, a participação desses grupos restringem-se às celebrações
de datas comemorativas, atendimentos previamente agendados e situações de
emergência. Não há, portanto, um trabalho efetivo e contínuo de articulação entre o
serviço de saúde, a família do usuário e a comunidade. Ressalte-se que esta
constatação contrapõe-se ao discurso do Estado, sobre a reestruturação da
assistência psiquiátrica centrada na promoção de ações conjuntas entre a sociedade
civil organizada e os serviços públicos locais. Desta forma, verifico que existe uma
dicotomia entre os significados produzidos pelos usuários e seus familiares sobre a
realidade social e as ideias difundidas pelo discurso do Estado.
Por sua vez, as práticas representativas do modelo de atenção
representado pelo hospital psiquiátrico ainda são verificadas no cotidiano dos
usuários do CAPS do Jardim América. Situações de isolamento vivenciadas por
motivo de internação, abandono familiar, inclusão social precária das políticas
públicas e violação de direitos são recorrentes na fala desses sujeitos. Assim,
constato que apesar da diminuição das internações e da ampliação dos dispositivos
da rede de atenção psicossocial de Fortaleza, o hospital psiquiátrico desempenha
papel de destaque no que tange aos cuidados intensivos dos sujeitos com
transtornos mentais, ora entrevistados.
No que tange ao Programa Estratégico de Bolsas para Promoção da
Inovação Tecnológica, entendo que este trabalho apresenta relevante contribuição
para o chamado setor de inovação social. Por inovação social compreendo o
desenvolvimento de estratégias, produtos, processos e serviços que buscam
contribuir com o atendimento das necessidades sociais das pessoas, que vão desde
as condições de trabalho e educação até o desenvolvimento de atividades de
promoção à saúde, com vistas a fortalecer a sociedade civil.
133
Assim sendo, diante das contribuições dessa pesquisa, em especial a
delimitação das redes de apoio social dos usuários do CAPS, trago algumas
sugestões de estratégias para eventuais intervenções por parte da Secretaria de
Saúde de Fortaleza, com vistas a potencializar a promoção à saúde e o
fortalecimento da rede comunitária de cuidados. Parto do entendimento que a
Política Nacional de Saúde Mental exige uma ação continuada, articulando gestores,
servidores, usuários dos serviços públicos, seus familiares e a comunidade,
objetivando a transformação das práticas de saúde.
Realizar ações culturais, jornadas esportivas, atividades educacionais e
artísticas, através da concretização de parcerias externas com associações
de moradores, conselhos comunitários, igrejas como forma de incentivar o
engajamento e a participação da sociedade civil na promoção do cuidado às
pessoas com transtorno mental;
Ampliar a execução de “Projetos Terapêuticos Singulares” em parceria com
as redes de apoio social dos usuários dos serviços de saúde mental;
Incrementar ações voltadas à geração de emprego e renda dos usuários do
CAPS e seus familiares, em conjunto com as políticas setoriais de educação,
trabalho e assistência social como forma de oportunizar acesso aos direitos
sociais. Dentre essas iniciativas destaco: feiras de artesanato, cursos de
capacitação técnico-profissional, oficinas produtivas, encaminhamentos para
empresas públicas e privadas, salientando as atividades que promovam a
empregabilidade, geração de trabalho e inclusão social;
Promover eventos de sensibilização da temática de saúde mental e reuniões
de planejamento das atividades do CAPS em articulação com as pessoas
pertencentes aos campos sociais próximos dos usuários (família, vizinhança,
associações, igreja), visando mobilizar e fortalecer as redes de apoio social
dos usuários dos serviços de saúde mental;
Reorganizar a relação matricial, fortalecendo a corresponsabilização das
ações entre as equipes da atenção básica e da atenção especializada em
saúde mental, tendo em vista a instrumentalização da rede comunitária de
cuidados;
134
Fortalecer a participação dos espaços de discussão e de avaliação das ações
desenvolvidas no âmbito da política pública de saúde mental, estimulando o
envolvimento e o compromisso dos sujeitos envolvidos no processo de
cuidado;
Realizar rodas de conversas periódicas com os usuários, familiares,
associações civis e comunitárias, com o intuito de abordar temas relacionados
à saúde mental, mobilizando a participação desses diversos sujeitos na
prática de cuidado;
A partir do mapeamento da rede de apoio social dos usuários do CAPS,
ampliar a oferta de atividades terapêuticas envolvendo os campos de
sociabilidade pertencentes ao cotidiano das pessoas em tratamento.
Considero, portanto, que as transformações societárias não são simples
reflexo da mudança de uma legislação, mas fruto de um longo processo de
construção e desconstrução de saberes e práticas. A substituição dos serviços
públicos de saúde, dentro de uma lógica neoliberal, não garante a efetividade das
ações. É necessária uma mudança estrutural dos agentes governamentais e da
sociedade civil, no sentido de se construir uma prática voltada para a inserção social
concreta das pessoas com transtorno mental, dentro de um compromisso ético e
político com os preceitos da Reforma Psiquiátrica brasileira.
135
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145
APÊNDICE A – ROTEIRO DAS ENTREVISTAS
USUÁRIOS
1. Como é o seu dia-a-dia?
2. Quantas pessoas residem com você? Quem são?
3. Como é o seu relacionamento com seus familiares?
4. Você participa de alguma atividade na comunidade a qual reside? Em
caso afirmativo, especifique.
5. Você exerce alguma atividade laborativa? Se sim, qual?
6. Você costuma ir à igreja, festas, viajar ou fazer passeios?
7. Como é o seu relacionamento com estas pessoas (vizinhos, amigos,
membros de associações civis, colegas de trabalho, outros)?
8. Indique as pessoas que você considera que mantém relações mais
próximas. Você considera que recebe algum tipo de apoio dessas
pessoas? Quais?
9. Você já sofreu alguma manifestação de preconceito dentro destes grupos
(família, vizinhança, amigos, colegas de trabalho)?
10. Você gostaria de participar ou faz parte de algum grupo ou oficina
terapêutica no CAPS do Jardim América? Se sim, qual?
11. Nesta atividade existe a participação de familiares, pessoas da vizinhança
e/ou demais pessoas envolvidas em seu cotididiano?
12. Como você percebe a participação dessas pessoas (familiares, pessoas
da vizinhança, membros de associações) nas atividades desenvolvidas
pelo CAPS do Jardim América? Você acha que contribui para o seu
tratamento? Que mudanças você identifica na sua saúde?
13. Para você o que representa o modelo de atenção em saúde mental,
pautado na perspectiva de tratamento em base comunitária?
146
PROFISSIONAIS
1. Desde quando você trabalha no CAPS do Jardim América? Você
acompanhou o processo de implantação deste CAPS? Como foi?
2. Você é responsável por realizar algum grupo ou oficina terapêutica neste
CAPS? Se sim, qual? Que atividades são realizadas neste grupo ou oficina
terapêutica?
3. Partindo da premissa de que o CAPS deve ser um lugar que promova a
articulação entre usuários, seus familiares e demais pessoas da comunidade.
Eu gostaria de lhe perguntar se, em sua opinião, ocorre efetivamente à
participação dos campos de sociabilidades existentes no cotidiano das
pessoas em tratamento nas atividades desenvolvidas por este CAPS? Quais
estratégias são utilizadas pela Instituição para organizar esta prática?
4. Você considera que a convivência e articulação entre profissionais, usuários
do serviço, seus familiares e demais membros da comunidade, dentro do
espaço do CAPS, constitui instrumento auxiliar no tratamento das pessoas
com transtorno mental? Que mudanças você identifica na qualidade de vida
deles?
5. Para você o que representa o modelo de atenção em saúde mental, pautado
na perspectiva de tratamento em base comunitária?
6. No sentido da promoção do cuidado, quais avanços/retrocessos foram
promovidos pela mudança no modelo de atenção à saúde mental, promovida
pela Reforma Psiquiátrica no Brasil? O que falta avançar?
7. Como você avalia a situação atual da Rede de Atenção Psicossocial de
Fortaleza? Em sua opinião, que mudanças necessitam ser realizadas ou não
para garantir a efetividade das ações?
147
FAMILIARES
1. Como é o seu dia-a-dia?
2. Quantas pessoas residem com você? Quem são?
3. Como é o seu relacionamento com seu familiar que apresenta transtorno
mental?
4. Você gostaria de participar ou faz parte de algum grupo ou oficina terapêutica
no CAPS do Jardim América? Se sim, qual?
5. Nesta atividade existe a participação de outros familiares, pessoas da
vizinhança e/ou demais pessoas da comunidade?
6. Que atividades são realizadas neste grupo ou oficina terapêutica?
7. Você considera que a convivência e articulação entre profissionais, usuários
do serviço, seus familiares e demais pessoas envolvidas no cuidado, dentro
do espaço do CAPS, constitui instrumento auxiliar no tratamento das pessoas
com transtornos mentais? Que mudanças você identifica na qualidade de vida
deles?
8. Para você o que representa o modelo de atenção em saúde mental, pautado
na perspectiva de tratamento em base comunitária?
148
APÊNDICE B - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Nome da pesquisa: DAS INSTITUIÇÕES TOTAIS AOS DISPOSITIVOS COMUNITÁRIOS DE SAÚDE MENTAL: ESTUDO DAS REDES SOCIAIS DE UM CAPS NO MUNICÍPIO DE FORTALEZA. Pesquisador Responsável: Antônia Iara Adeodato. Endereço: Rua 143, Bloco 02, ap. 11C, Bairro Conjunto Nova Metrópole, CEP: 61658-290, Caucaia-CE – Brasil. Fone (85) 98839 6669. E-mail: iaraadeodato@hotmail.com Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Ceará Endereço: Av. Dr. Silas Munguba, 1700, Campus do Itaperi, Fortaleza-CE CEP: 60.714.903. Fone/Fax: (85) 3101-9890. E-mail: http://www.uece.br/cep/ Delimitação e Justificativa: A presente proposta de pesquisa tem como objetivo geral analisar a dinâmica de funcionamento, organização e articulação de uma rede social em saúde mental, constituída pelos profissionais do Centro de Atenção Psicossocial geral da SER IV do município de Fortaleza, pelos usuários do serviço e seus familiares, além de demais pessoas envolvidas no processo de cuidado que, porventura, desenvolva alguma atividade junto ao CAPS. Busco, de modo particular: mapear as sociabilidades cotidianas dos usuários e as práticas institucionais do CAPS geral da SER IV; contribuir para a reflexão da importância das redes sociais como mecanismo de suporte social; analisar as relações que os usuários do serviço estabelecem com os profissionais de saúde, seus familiares e demais pessoas da comunidade; avaliar os significados atribuídos a esse modelo de assistência em saúde mental, segundo o ponto de vista dos usuários e profissionais envolvidos. A relevância do estudo diz respeito à ênfase nas novas significações que a interação social vem trazendo para as questões de saúde, influenciando nos mecanismos de socialização dos indivíduos. E o fato de ocorrer no CAPS parte significativa do cotidiano das pessoas em tratamento psiquiátrico, lugar onde se retira apoio para o enfrentamento do sofrimento psíquico. Por fim, dirijo-me à mudança no intitulado modelo de atenção em saúde mental brasileiro, que resultou na implantação dos serviços comunitários de atendimento, contrapondo-se ao paradigma tradicional, pautado no hospital psiquiátrico como principal centro de tratamento. Ressalta-se que o CAPS é considerado pela Política Nacional de Saúde Mental o serviço de saúde estratégico para a organização da rede substitutiva ao hospital psiquiátrico em determinado território. O (a) senhor (a) está sendo solicitado (a) a participar desta pesquisa e voluntariamente responder as perguntas. As suas informações e respostas serão mantidas em sigilo. As pessoas não serão identificadas e as informações serão consideradas confidenciais. Ao participar desta pesquisa asseguramos ao (a) senhor (a) que as respostas ficarão sob total sigilo e não haverá identificação das pessoas participantes. Ressaltamos que este estudo possibilitará benefícios no que diz respeito ao mapeamento das redes de apoio social dos (a) usuários (a) do CAPS geral da SER IV, constituindo subsídios para a formulação e implementação de atividades desenvolvidas pelos profissionais da instituição. E ainda contribuirá para a
149
apreensão dos sentidos e significados em torno do atual modelo de atenção à saúde mental brasileiro, fomentando a discussão a respeito da Política Nacional de Saúde Mental. Os riscos que o (a) senhor (a) estará susceptível referem-se aos sentimentos de desconforto que poderá sentir ao compartilhar informações de âmbito privado, ou constrangimento em falar de situações de preconceito que presenciou ou mesmo foi vítima. Como providências para evitar tais riscos, respeitarei os momentos e as escolhas dos informantes em compartilhar de suas vivências pessoais, tendo como central o cuidado com sua integridade física e psíquica. Sendo observado ainda o não aprofundamento dos diálogos que reportem a situações de constrangimento. Destacamos que são direitos do (a) senhor (a) ao participar da pesquisa (Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde/Ministério de Saúde – Governo Federal – Brasil): 1 - A garantia de receber resposta a qualquer pergunta, dúvidas, esclarecimentos acerca dos procedimentos, riscos, benefícios e outros relacionados à pesquisa; 2 - A liberdade de retirar seu consentimento a qualquer momento e deixar de participar do estudo, sem que isso traga qualquer prejuízo; 3 - A segurança de não ser identificado e do caráter confidencial de toda a informação relacionada com sua privacidade; 4 - O compromisso de receber informação atualizada durante o estudo, mesmo que este afete sua vontade de continuar participando; 5 - A disponibilidade de indenização a que legalmente tem direito em caso de danos justificados, causados diretamente pela pesquisa; 6 - Se existem gastos adicionais, estes serão absorvidos pelo orçamento da pesquisa. TERMO DE CONSENTIMENTO Eu, ______________________________________________________, portador do documento de Identidade ____________________ fui informado (a) dos propósitos do estudo DAS INSTITUIÇÕES TOTAIS AOS DISPOSITIVOS COMUNITÁRIOS DE SAÚDE MENTAL: estudo das redes sociais de um CAPS no município de Fortaleza, de maneira clara e detalhada e esclareci minhas dúvidas. Sei que a qualquer momento poderei solicitar novas informações e modificar minha decisão de participar se assim o desejar. Declaro que concordo em participar desse estudo. Recebi uma cópia deste termo de consentimento livre e esclarecido e me foi dada à oportunidade de ler e esclarecer as minhas dúvidas.
___________________________, ____/____/____
______________________________________________________________ Assinatura do sujeito da pesquisa Assinatura do pesquisador responsável (entrevistado) Digital do sujeito da pesquisa (entrevistado)
152
ANEXO A – PARECER SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE
PREFEITURA FORTALEZA SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE
COORDENADORIA DE GESTÃO DO TRABALHO E EDUCAÇÃO NA SAÚDE DECLARAÇÃO
Número do Processo: P533098/2015
Título do Projeto de Pesquisa: “DAS INSTITUIÇÕES TOTAIS AOS DISPOSITIVOS COMUNITÁRIOS DE SAÚDE MENTAL: um estudo das redes sociais do CAPS da SER IV do município de Fortaleza”
Pesquisador (a) Responsável: ANTONIA IARA ADEODATO
Instituição Proponente: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ
A Coordenadoria de Gestão do Trabalho e Educação na Saúde - COGTES,
conforme sua atribuição declara ter analisado o mérito científico e a relevância social
do projeto de pesquisa supracitado e emitido parecer recomendando a
coparticipação da Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza no estudo. Declara,
outrossim, conhecer e cumprir as Resoluções Éticas Brasileiras, notadamente a
Resolução CNS 466/2012. A Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza, por meio
desta Coordenadoria, está ciente de suas corresponsabilidades como instituição
coparticipante do referido projeto de pesquisa, assim como de seu compromisso no
resguardo da segurança e bem-estar dos sujeitos de pesquisa nela recrutados,
dispondo de infraestrutura necessária para a garantia de tal segurança e bem-estar.
Fortaleza, 30 de Março de 2015
Maria Ivanília Tavares Timbó
Coordenadora de Gestão do Trabalho e Educação na Saúde
Rua Antonio Augusto, 1571 • Meireles • CEP 60.110 - 370 Fortaleza - Ceará, Brasil (85) 3105 1473 / 3131 1694
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