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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

REITOR

José Jackson Coelho Sampaio

VICE-REITOR

Hidelbrando dos Santos Soares

EDITORA DA UECE

Erasmo Miessa Ruiz

CONSELHO EDITORIAL

Antônio Luciano Pontes

Eduardo Diatahy Bezerra de Menezes

Emanuel Ângelo da Rocha Fragoso

Francisco Horácio da Silva Frota

Francisco Josênio Camelo Parente

Gisafran Nazareno Mota Jucá

José Ferreira Nunes

Liduina Farias Almeida da Costa

Lucili Grangeiro Cortez

Luiz Cruz Lima

Manfredo Ramos

Marcelo Gurgel Carlos da Silva

Marcony Silva Cunha

Maria do Socorro Ferreira Osterne

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Silvia Maria Nóbrega-Therrien

CONSELHO CONSULTIVO

Antônio Torres Montenegro (UFPE)

Eliane P. Zamith Brito (FGV)

Homero Santiago (USP)

Ieda Maria Alves (USP)

Manuel Domingos Neto (UFF)

Maria do Socorro Silva Aragão (UFC)

Maria Lírida Callou de Araújo e Mendonça (UNIFOR)

Pierre Salama (Universidade de Paris VIII)

Romeu Gomes (FIOCRUZ)

Túlio Batista Franco (UFF)

Eis Aqui AquelaRita Magalhães

Fortaleza - CE2018

Eis Aqui Aquela©2018 Copyright by Rita de Cássia Barbosa Paiva Magalhães

Impresso no Brasil / Printed in BrazilEfetuado depósito legal na Biblioteca Nacional

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS

Editora da Universidade Estadual do Ceará – EdUECE

Av. Dr. Silas Munguba, 1700Campus do Itaperi

Reitoria – Fortaleza – CearáCEP: 60714-903

Tel: (085) 3101-9893. FAX: (85) 3101-9893Internet: www.uece.br/eduece

E-mail: eduece@uece.br

Editora filiada à

COORDENAÇÃO EDITORIALErasmo Miessa Ruiz

DIAGRAMAÇÃOIsmênio Souza

CAPAIsmênio Souza

FOTOS DA CAPARita Magalhães

FOTOSRita Magalhães

FOTOS DE RITASarah Lacet

REVISÃO DE TEXTOAlcio Farias de Azevedo

Rita Magalhães

FICHA CATALOGRÁFICALúcia Oliveira – CRB: 3/304

M188e Magalhães, Rita Eis aqui aquela / Rita Magalhães. - Fortaleza : EdUECE, 2018. 82 p. : il. ISBN: 978-85-7826-629-5 1. Literatura brasileira. 2. Poesia brasileira. I. Título.

CDD: 869.1

Eu sou Rita de Cássia Barbosa Paiva Magalhães. E tem tantas Ritas na Rita; difícil falar de si. Sou filha do Seu Noé e da Dona Nely. Nasci em 1968: meu ano que não ter-minou. Cearense de Fortaleza das ban-das do Mondubim Ve-lho. Docente do Centro de Educação da Univer-sidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN),

moro em Natal. Sou professora. Sou pesquisadora. Sou poeta. Sou de câncer com ascendente em Gêmeos. Gosto de filmes antigos. De acordar tarde. Café forte e quente. Nas horas vagas brinco de “artis-ta plástica”. Escrevo poemas desde os 11 anos de idade. Sou difícil (talvez impossível) de definir.

Eis Aqui Aquelauma apresentação

José Jackson Coelho SampaioProfessor Titular em Saúde Pública

e Reitor da Universidade Estadual do Ceará-UECEPoeta cearense

Conheço Rita Magalhães há tempo sufi-ciente para sedimentar carinho e amizade, em processo um tanto vagaroso e com mínima par-tilha dos cotidianos de vida. Nossos encontros, praticamente durante o tempo de trabalho do-cente na Universidade Estadual do Ceará-UECE, - eu na Saúde Coletiva, ela na Educação, mas tan-tos acordos e tantas interfaces - tornaram-se mais raros quando ela mudou-se, armas e baga-gens assinaladas, para a Universidade Federal do Rio Grande do Norte-UFRN.

O carinho, porém, havia se instalado e cada novo encontro salta pelo abismo do tempo não compartilhado e é como se o último olá ti-vesse sido dito ontem. Assim se explica ter eu caído na conversa dela, suavidade de veludo antigo na voz, e estar aqui a apresentar a poe-sia desta amiga. Ao leitor eu poderia omitir os sentimentos, mas parte da poesia se perde sob os escombros das técnicas de análise. Ao declarar os sentimentos envolvidos, o leitor pode supor troca de generosidade entre compadres. Bem, as-sumo os riscos.

Se um texto somente se torna poesia quan-do assim reconhecido por um fruidor, então este livro de Rita já pode assim ser chamado. Passa no meu teste: é poesia. Posto em circulação im-pressa, diante de cada leitor-fruidor, o teste se repetirá, sendo a poesia reconhecida ou não. Cada um terá a responsabilidade de aceitar a esfinge, decifrar e decifrar-se, devorar e devo-rar-se, sem a comodidade de seguir um cânone.

O tema lírico ou existencial, o verso livre, a natureza de ritmo e melodia, a existência da metáfora e a aceitação por autoridades não são suficientes: é preciso que o texto seja assim construído na consciência ético-estética e nos sentimentos de cada um.

A leitura inicial, conjunta das duas par-tes, sobretudo da 1ª parte, tornou possível iden-tificar consistente unidade temática. É como se Rita houvesse escrito, aos espasmos ou sonambu-licamente, um único poema, depois o recortado e então atribuído um título a cada recorte. A 1ª parte, de fato, pode ser lida como um único poe-ma parido de noite e organizado de dia. As som-bras polimorfas da criação encontram a lógica pragmática, quem sabe para facilitar leitura. Na 2ª parte, a maturidade nos domínios exis-tenciais da obra inventaram múltiplos temas e interesses expressos em seus próprios ritmos.

A leitura da 1ª parte, a princípio, me inquietou, mas isto foi superado com êxito após a leitura da 2ª parte. É que me desagrada a ex-cessiva marca de estratificação social (poema de rico, pobre, classe média), ou marca étnica (poema de branco, negro, índio), ou de gênero (po-ema de homem, mulher, gay). Iludo-me com a ideia de que a poesia seja mais primitiva e universal que todas estas contingências. É claro que se percebe o masculino em Drummond de Andrade, sem que isto o desmereça. É claro que se percebe o feminino em Adélia Prado, sem que isto as des-mereça. Vá lá a rabugice de quem gosta de abolir marcas e deu a isso estatuto de teoria pessoal.

A ambição do eterno, uma ambição adoles-cente e um eterno de mulherzinha (o diminutivo não está aqui como adjetivo depreciador, mas como hipocorístico), pode ser lido, realmente, como um único texto de insônia, auroras, simbo-lismos, fidelidades, felinidades, inconstâncias, impossibilidades, conselhos, tempos que passam, amores, desejos, encantos, encontros, cartas ras-

gadas, dubiedades, circos, histórias de alice, álbuns de moça e palavras. Porém um novo se insinua no ciclo das águas, no negligente iti-nerário de faxina e na referência a Lílichtka, a musa de Vladímir Maiakóvski.

Em seguida, a oferenda, em doação de si mesma, multiplica temas e ritmos, identificando em destinatários a expressão de experiências vitais, como a impressão de luz e chuva no cam-po de jaboticabas, o pouso da poesia no por-do-sol, a memória como a eternidade possível, a rua nas vozes de cigarras e cães, a beleza da flor mesmo em vaso de lata, o nascimento e o fim da poesia, o bote da gata no pássaro, o conflito entre carnaval e finados, o trânsito no bairro e no coração, a lua perene e inatual, a máquina da cidade que destrói e comove, a paixão que não cabe na fila do ônibus, o espelho de si mes-ma nos ritos do banho, o que se entrega na soli-dão e o repartir maternal dos frutos da terra.

Meu longo tríptico “Itinerário de Forta-leza” recebe de Rita uma homenagem concisa e sutil. Obrigado, minha querida, mas descobrir esta oferenda a mim, em meio às demais, tornou mais difícil o labor desta apresentação. Quem tenha acesso a este livro e se sinta motivado a lê-lo, já o fará, independente de mim. Ao ler, quem tenha a iluminação de reconhecê-lo como poesia, já a terá, independente de mim. Acolha este meu texto, então, você mesma, Rita, como sin-gela oferenda amorosa.

A todos os que tenham acesso aos umbrais do livro, peço que recebam solenemente este per-curso da juventude à maturidade de uma poeta, que, com as mãos abertas, entrega sua paixão sob forma de poesia. E cada leitor reverbere os achados no terreno fértil da própria sensibi-lidade.

Poema Prefácio

Eis aqui aquelasão sessenta poemas de rita

são sessenta poemas da rita. da menina que, por mais dias que viva, menos dias transparece e

aparenta.

são sessenta poemas. cheiro de hai kai. incisivos. contundentes. cortantes. exigentes de sustos e de

uma lealdade de sentir alegria. e de chorar... dores, surpresas, acalantos d’alma, desenganos, ânsias,

esquecimentos, meninices, relembrares, desejos, amo-res, desesperanças esperantes de entendimentos

profundos.

são sessenta poemas de rita. a menina das palavras vivas. não existem letras mortas

na vida dos poemas de rita.

uma rita de ...

um dicionário com palavras não usadas

uma menina poeta...

Eu diria nunca

Como quem diz sempre

Como quem morre sorrindo

uma poeta que caminha...

em ruas e veias

apenas calor

e um grande amor

fora de moda

afora um coração

que bate.

poemas de uma rita que

fechou o livro na sala ao ouvir a canção

poeta de angústias sãs.

porque se pergunta...

Poderá a poesia

Fugir dos meus dedos

Que será de mim

Se eu não alcançá-la

a gente começa e só para quando terminam os sessenta poemas. mas a gente recomeça –

Eu tenho sede

Deste sangue quente

Que anuncia a aurora

E me deixa tonta

e chega, novamente, ao último verso do último poema –

que a mãe ficava sempre

com a menor parte.

não consigo deixar de recomeçar, outra vez.

nem sei fazer um prefácio.

eis aqui aquela.

um livro da menina, rita poeta.

o livro da poeta, rita menina.

a poesia da rita, menina poeta.

apenas quero dizer, aqui, desavergonhadamente, que foram três tentativas para escrevinhar um prefá-

cio, antes de chegar a estes ditos. nenhum digno dos poemas levespesadosdensos de memórias vividas-nãovividas desta rita que, agora, diz-se em poemas

encantados de palavras luxuriantes de poeticidade. não me canso de ler e sentir-me encantada.

abraço-te, menina rita poeta. não sem antes dizer-te, caro leitor: (hein?)cante a si, lendo rita.

eis, aqui, aquela...

Izaira Silvino

a que ama a poeta rita

Izaíra Silvino é musicista, maestrina, arte-educado-ra e professora da Universidade Federal do Ceará

Poeta cearense

SUMÁRIO

Parte 1 – Ambição do eterno

DA INSÔNIA E DA AURORA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19SIMBOLISMO MARÍTIMO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20SIMBOLISMO MARÍTIMO No 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21POEMA DA INCONSTÂNCIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22 A FIDELIDADE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23OLHOS DE GATO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24MAR DAS IMPOSSIBILIDADES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25A TRILHA E A LEBRE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26DO DESEJO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27CONSELHINHO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28O CICLO DAS ÁGUAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30CARTAS RASGADAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31POEMAS DOS ENCANTOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32DO AMOR . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33ENCONTRO DOS CORPOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34DAS CARTAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35PEQUENO ITINERÁRIO DA FAXINA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37AO TEMPO (QUE PASSA ) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38CAMISA VERDE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39LÍLITCHKA n° 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40DAS EXPLOSÕES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41DA ARTE DE COLHER FRUTOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42AMOR EM EVIDÊNCIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43O FINAL DO SÉCULO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44POEMA DE UM ÁLBUM DE MOÇA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45O QUE DO AMOR SE PROCLAMA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46FEITO AS HISTÓRIAS DE ALICE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47DUBIEDADE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48CIRCO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49DAS PALAVRAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50

Parte 2 - Oferenda

ESTUDO EM PÚRPURA E BRANCO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52ANTES DAS 16:30 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53MEMÓRIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54MEU ITINERÁRIO DE FORTALEZA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55SONS DA INFÂNCIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57MORALIDADE Nº 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58POEMA DA GATA DE RUA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59TRÂNSITO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60DAS RAZÕES DA POESIA Nº 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61A NOITE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62SÃO PAULO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63POSTURA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64MOÇA DO 301 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65JUVENTUDE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66NASCIMENTO DA POESIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67JARDINAGEM . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68PALAVRA Nº 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69CONSIDERAÇÕES EM TORNO DE UMA PERGUNTA . . . . . . . . 70FEBRE E PAIXÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 1UM CARNAVAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72POEMA DE FINADOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73NATUREZA QUASE MORTA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74SE EU FOSSE JORGE LUIS BORGES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75PALAVRA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76O OFÍCIO DO POETA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77POEMINHA APOCALÍPTICO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78RUAS E VEIAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79OFERENDA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80FUGA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81AULA DE GASTRONOMIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82

Parte 1

Ambição do eterno

19

DA INSÔNIA

E DA AURORA

Eu tenho sedeDeste sangue quenteQue anuncia a auroraE me deixa tontaalucinadaEu tenho sedeDeste sangue puroQue me lava a almaQue me trava os dentesQue me desconsolaE não dá respostas E não dá verdadesQue me desencontraE me oferta um labirintoEu tenho sedeDeste sangue estranhamente intensoQue não sei o gosto Que não sei o aromaE me queima a peleE invoca o ventoEu tenho medo deste sangueQue anuncia a insôniaQue não sabe a horaE não dá respostas E não dá verdadesEu sei da sede e do medoDa insônia e da aurora.

20

SIMBOLISMO

MARÍTIMO

Eu pensei Que do imenso marSó restavaIntragável e obtusoO salEntão supusQue não mais me afogariaNo odor da maresiaQue não mais me encantariaCom marítimas formas.Mas o marPermaneceuDiscretamente absolutoDe seu trágico poder.

21

SIMBOLISMO

MARÍTIMO Nº 2

Tudo tão imensoTodos os maresTudo tão densoSalmoura das águasDe todos os oceanosImergi em profusãoDeuses marítimos!Gélidas correntes!Socorrei quem se afoga,No suposto afago do mar.

22

POEMA DA

INCONSTÂNCIA

E somos ondaEm qualquer lugarFeitos de espuma e ventoTrazemos dentro de nósO mar da inconstânciaNão importa Se alguém espera no caisSe alguém chora na praiaSomos onda Vivemos de nunca chegar.

23

A FIDELIDADE

A luaÉ amiga sentimentalPlatônica amanteMesmo em noites de orgiaA lua É amiga idealObtusa amanteMesmo em horas lascivasNada cobra, nada falaCala e consenteInacessível figuraBoiando no céuE no entanto,Tem milhares de amantes.

24

OLHOS DE GATO

Ele olhou para mimE disse__ Que coisa horrível a felicidade!E nesse instante nuTivemos vontade de peleE uma solidão Incorporou-se a nós.

Ele olhou para mimE era escuroTodos os galos cantaramFora de horaE ele permaneceu olhandoCom olhos de gatoSem ouvir tais galos.

Ele olhou para mim Anunciando a suposta aurora Ele me olhou.

25

MAR DAS

IMPOSSIBILIDADES

Um corpo barcaçaEgótico enteA mão que te tocaToca a si

Uma alma barcaçaEgóico serQue se ama em ti

InútilO que navegaPara dentro de tiPois só se amaAtravés do teu marInútil barcaçaNavegando dentro de si.

26

A TRILHA E A LEBRE

Por um tempoteremos a trilhapoucas milhasalgumas palavrasantes da febre- lebre afoita a nos percorrer -depoiso desejo estará mortoaté a raiz dos cabeloso fim do (que se chamou) amordecretadono peito e ao ventotudo vividolimpo e prontoem desabalada ânsiaa velha trilhae sua lebreficarão no olvido.

27

DO DESEJO

Isto que navegaNave errante, pássaro ardenteArmado até os dentespássaro mutante, nave incandescenteAmando até os dentesForma de capricho de um deus humanoIsto que navegae nos contém.

28

CONSELHINHO

Meu bem,quem mente rouba- lição da mamãe -melão, coração acerta na loteriasem necessitar cartão.

Mas só o coração fica à esperada próxima mentirafácil de acreditar O coração - bem móvel -fácil de carregar- cabe na palma da mão, dentro do bolso -tem lá suas crençase então é roubadoNestes momentos de pane corporalcomo vivermos?(Cardiologistas do mundo, uni-vos! )

29

Meu bem,Quem mente roubadesista logodo eletrocardiogramamelhor procurara polícia militarum médium, um pai de santoa santa madre igrejaler poesia, tomar um porredeitar e esperar a morteque aío coração volta- volta sim, bem de mansinho -recomeça a batermeio constrangidoquase feliz.

Acontece meu bem,que o coraçãocom seus caprichosnão tem juízoe nunca aprendequem mente, rouba.

30

O CICLO DAS ÁGUAS

Cada rio (supostamente)teria seu marAcaso construídocotidianoNo ocasoum rio se perdeuCom tantas terras a molhar,continentes inteirosE o mar vaziolentamentese inundacom as águasde outros rios.

31

CARTAS RASGADAS

PalavrasCortadas em mil pedaços

Por certoDesmanchou-se a celuloseMassa disforme

Por certo Diluiu-se a tintaManchando a massa

PalavrasIdas, lidasDiluídasDeixaram de existir?

32

POEMAS DOS ENCANTOS

Ser capaz do encantar-seapós os entretantosé nossahumana discência que se cumpremesmo com sustoe a todo custoporque o encantopercorrendo o mundoprevalece.

33

DO AMOR

O objeto do amoré sujeitode todas as forçaso sagrado( respeito e medo )foi profanado,por bocas e mãos.

34

ENCONTRO DOS CORPOS

“Deixa teu corpo encontrar-se com outro corpo

Porque os corpos se entendem, mas as almas não”

- Manuel Bandeira -

Os corpos têm razãoApenas eles têm razãoNunca negamNo encontro sãoNunca esperam Impossíveis da sorteApenas eles se enlaçamCom a devida profundidadeOs corpos no encontroFormulam a unidadeAinda que fugaz.

35

DAS CARTAS

Há cartas dentro de caixasapenas uma foi tua a gente costuma rasgar papelquando fica velhoe fazer uma fogueirinha para aquecer a alma que de tão fria pode ficar branca,lúcida demaismas ainda não decidio que fazer com as cinzasbem que é divertidosoprar para longeo que foi grave e puromas você poderia querer as cinzas(dia desses) seria difícil remexer memóriasou evocar mensagensnuma mesa tudo demandaria esforço sobre-humanoe encontro-me cansadaocupada mesmo com tanta vida que varre e escorrega

36

deixar que as cinzas sumamseria uma soluçãopois o que foi pó ao pó retorna,quando menos se espera,cartas são papel e tintamas essas coisas eu escrevo para ficar a par de mim mesmaassim como as cartasme deixam a par de tudo e tantos.

37

PEQUENO ITINERÁRIO

DA FAXINA

Tudo já foi feitoAs luzes Foram apagadasAs portas Foram fechadasNão há vestígios de poeiraTudo está Em seu devido lugar.

Resta apenasUm espelho partidoNo centro da salaE este pequeno detalheInundaUma vida inteira.

38

AO TEMPO (QUE PASSA)

O tempo passae aquele amorfica contido num canto qualquerdo coraçãoque hoje é do mundosem gemido ou precee há um silêncioem consignaçãoquase respostaao tempo que passa.

39

CAMISA VERDE

Só existiu o verdeNada em preto e branco ou cinza- como dizem –Apenas verdemanchano momento cinzaA boca abriuum adeusverde.

40

LÍLITCHKA N° 2

A chave da casa O era uma vez As cigarrasSapos e grilos Noites de chuvaLendas, sereiasE ovnis Querubins Coisas encantadas,De tudo isso Você faz parte.

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DAS EXPLOSÕES

Paixões explodemQuinze milhões de paixõesDe quinze em quinze segundosExplodem.

Tantos mundos descobertosE outros tantos mortos,Por pesada artilhariaMorteiros, granadasE o sangue frescoDos descrentes.

Paixões explodemDe quinze em quinze segundosMesmo que por quinze segundosNovas coresPintam as velhasNos peitos nusOu mesmo vestidosEm apenas quinze segundos De humanidade.

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DA ARTE DE

COLHER FRUTOS

Frutos verdesnão se desenlaçam sem dornecessário vigiaro tempo precisode sua quedaapará-lossegundos antesda precipitaçãopois paciência é artecunhada na espera.

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AMOR EM EVIDÊNCIA

Não era evidenteo amormas viventefaltou gritá-lo do altoespatifá-lo no asfaltoe o amordesmanchado em evidência(notícia de jornal) abalaria o tráfego.

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O FINAL DO SÉCULO

Se amei tanto assim já nem lembro. O certosão as filasque fazem nos cinemaspor “Romeu e Julieta”segundo se comentasó é possívelmorrer de amorna tela.

45

POEMA DE UM

ÁLBUM DE MOÇA

O meu amornão tem medidapula da janelado décimo andare nem se espatifaflutuaaté chegardentro do teu ouvidoe dizer baixinhoàs nove em pontote encontro.

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O QUE DO AMOR

SE PROCLAMA

Tudo o que no ar se perdeardebrasa e soldentro do peito.

Carregoo que sei de tino que restado ardor de tempos idospermanênciasreentrânciasencontrossequer marcados.

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FEITO AS HISTÓRIAS

DE ALICE

Chegoucomo quem necessitade mãe, amante, irmãcomo quem pedeum colo, um gozo, um abraçoassim como um tipode incestocarregava consigoum oco de tudoa lógicadas histórias de Alicee de dentro delenão raro ouvia-sea rainha gritando(___) Cortem-lhe a cabeça!mas isto ditojá é outra história.

48

DUBIEDADE

Na manhãNada é cedoTarde demaisPerdemos presságiosA noiteEmana os mistériosA questãoÉ que não quero somenteSussurros noturnosAnseio o tilintar das louçasDurante o café.

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CIRCO

Ele dizia para a moçaQue era de circofazia malabarismosengolia facascuspia fogo nos dias ímparessaindo do carro do palhaçoE a moça era seu parno jogo das facas,no alto do trapézio.

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DAS PALAVRAS

“As palavras aí estão, uma por uma”.Porém minha alma sabe mais.”

(Cecília Meireles)

As palavras dizem tudoMas quem senteMesmoSão as pontas dos dedosE das línguasAs mãos que tocamE permanecem numa atitudeDe infinda liberdadeEm profuso equilíbrioAs palavras pesam demaisPorém o tato é leveE diz maisQuando cala e tocaA superfície do serAs palavras podem fingirIludir-nos com seus engodosSó o corpo denunciaMesmo quando se põe a negar.

Parte 2

Oferenda

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ESTUDO EM PÚRPURAE BRANCOPara Raimundo Severo Júnior

Luz fosca(não luar)Chuva fina (não tempestade)o campocoberto de jaboticabas (um cheiro ácido e podre)a menina na jaboticabeira e seu poder de tornar a chuva - agora espessa -púrpura e pratabanho das vestes brancas no momento do abraço.

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ANTES DAS 16:30Para Izaíra Silvino

Como se faltassem cinco minutos parao maior acontecimento

Feito um por de sol distraídoDeslocado na terça-feira,A poesia pousou.

Nuvens no azul tomaram a forma delas mesmas fora do meu alcance,

E vi carneirinhos nas nuvens Saltitantes coelhosMeninos sem camisaNo meio do azul.

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MEMÓRIApara meu pai

Aquele homem Tinha medo de ser esquecidoQue não existisse mais memória Do seu jeito Ou cheiro Costumava tirar noites para tocar violão Mostrava constelações Consertava rádios Amava livrosTinha uma vitrola Adorava Gatos Construía cataventos Teve oito filhosOs filhos pares de netosE mesmo assim,Tinha medo de ser esquecido.

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MEU ITINERÁRIO

DE FORTALEZApara Jackson Sampaio

Rua 24 De Maio

A rua fedia um cheiro de peixeum cheiro de lama e coentrouma ânsia quase vômitoanti-clímax.

Igreja do Patrocínio

Vozes em oraçãoa praça de tudo vendia o padre abençoavavinho baratomoedas caíam no cofrinho vulgar a igreja permanecia.

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Rua Guilherme Rocha

Pernas cheias de passoscoresmulticores meninos batendo carteirasbolsas cortadas a gilletteambulantes e buzinacafezinho na esquina.

Cine São Luiz

Soube do glamourpela boca de meu paiAnastácia chapéus e sedasvi filminhos de açãomas o lustre, a escadaria eram os mesmos.

Mercado Central

Dizia-se:no alvorecerdo curto-circuitotudoviraria cinzaatéo cheiro de couroa escadaria suja.

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SONS DA INFÂNCIA

Um cão uivava a noite inteira em agonia Barulhos de sapo O caminhão ensurdecedor passando na ruaCigarras e mais cigarras E mais cigarras Chuva no telhado TrovõesTinha uma casinha branca no pé da serra Rádio Iracema Cantigas e mais cantigas de igreja HinosA voz da avóO pai cantando E mais cigarras.

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MORALIDADE Nº 1

As plantas eram belas Quase selvagens em seu viço A menina riu dos vasos latas de óleo e leite de onde nascia um jardim desmereceu o vaso por não ser vaso quis a beleza do vaso e não da florseu irmão mais velho a olhou com reprovação (___) Qual o problema das latas? Ela olhou as plantas baixou a cabeça Estava fresco aquele dia Mas o carro ficara abafado.

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POEMA DA GATA DE RUA

Minha gata se deita Na frente da janela Do apartamento E olha Passarinhos e insetosQue circulam Além do seu alcance

Ela me olha E eu a ela É obvio Não nos entendemos Mas para além da janela Fica a vida toda Minha e dela

De repenteUm barulho na varanda Penas no ar Ela trouxe o mundo para si A cor violácea Na cabeça da rolinha Combina com a tarde morrendo Ela outra vez me olha E continuo sem entendê-la.( horas depois de eu embrulhar o corpo sem vida do pássaroe colocar na lata de lixo).

60

TRÂNSITO

trens atravessam bairrosritmostomam meu corpo olho a passagem tanta pressa na esperaduvidodas batidas no coração em meio às buzinas.

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DAS RAZÕES DA

POESIA Nº 2

Minha avóolhou longamentea flor azul de tecidoDisse em tom de confissão(___) “É azul? Porque rosas brancas são dadas aos mortos”.

Na casa da tia LiaCrepitava o carvãono fogareiro,um cheiro quente de pimenta e coentrovinha me encontrar.

O canto das cigarras nos jatobás

Acontecimentos que me fizeram poetaquando podia ter sido contorcionista,engolidora de facas.

62

A NOITE

Inatuais esperançasA perene luaEstrelinhas cadentesPerseguidasPor milhares de pedidosApressados.

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SÃO PAULO

São Paulomáquina e mágicamúltiplaperdição de tantas vidastanta pressa me envolvetal metrô que engole metrosem ruas úmidaseste teu ar decadente estrela da Metrome comove.

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POSTURA

Naquela época as saias Tinham um tamanho digno - quatro dedos abaixo do joelho - o decoro só era obtidoao cobrir o corpoAcontece que elaRia e balançava o cabeloHavia um vir a ser Uma luz própriaQuase incontinenteGirando dentro da moça.

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MOÇA DO 301

Tudo coube em apenas três caixas ou pelo menos há menos papel menos palavra menos peso do que na próxima mudança.

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JUVENTUDE

Havia algo nela que ela não sabiacomouma pressa de si uma porventura uma espera,o medo do que estava por vir,a natural pressa.

67

NASCIMENTO DA POESIA

A terra ontem secaainda quenteapós a chuva Levantou um cheiroAlguém espirrouOutro aspirouE ambos Saltaram na poesiaDa manhã.

68

JARDINAGEM

Cultivo ervas as daninhas se espalhamperco o controle do jardim rosas convivem com urtigas sempre vivas espinhosas ferem suculentas- haverá pelo menos um cacto no meio do caos -revolvo a terra dou a ela excrementos arranco, podo, molhocomo quem tira espinhos da ponta dos dedos acompanha procissõese ervas daninhas rebrilham no sol da manhãcompondo meus pés.

69

PALAVRA Nº 2

na palavraalgo me move talvez por issoeu mova quebre e triturepalavrasaté tentar fazer, por exemplo,palavra ter cheiro.

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CONSIDERAÇÕES EM

TORNO DE UMA PERGUNTA

“E a vida se resume? “

A vida não se resume às coisas que nos consomemA vida só nos assumeassim como somosfrágeis, pérfidosa sósA vida tem o costume de nos legar uns rumostodos os desaprumosA vida não se resumesua funçãoa nós mortais.

71

FEBRE E PAIXÃO

Nesta longa fila Esqueci do ônibus,Tem tanta coisa Que não cabe em mimesta chuva fora de hora, esta água toda o vento início de frioisto que desconheço e toma meus ossos.

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UM CARNAVAL

Noite bruma e lua final de verão máscarastudo assimfurta-cor

Noitetrilhos e trenssangue diluídopassagenstudo assim furta-dor

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POEMA DE FINADOS

Antigamente eu chorava no dia dos mortos de meus cabelos saía uma poeira cinzamas desacostumei,vi tantos queridos indomeu pai segurando a minha mão,meu irmão sozinho no meio de uma rua caixões comprados velas e floresmissassete palmos.

Prefiro ir ao cemitério sem dia definidoe pensar como podem as mãos que eu beijei voltarem ao póecos de risos serem esquecidose pensar:todo dia pode serdia dos mortos.

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NATUREZA QUASE MORTA

Na tarde que morria devagarvi azaleias azuis mudarem de cormas não era primaveraa cor vistaera uma misturaque prenunciava o fime jamais poderia ser descritacom a palavraeu quis ser um pintordestes que cortam a orelhase matamporque ontem na tarde que morria devagarurubus deliravam ao céuenquanto aquelas azaleias murchavamsem cerimônia ou alarde.

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SE EU FOSSE

JORGE LUIS BORGES

Ela soltou pelo nariz Entrou no banho quente Escolheu o sabonete Massageou seu próprio corpo Usou óleo de banho - Viu a água escorrer no ralo Um caudaloso rio em miniatura rodopiava -Gostava de cheiros Velas, unções Tinha passado dos quarenta Pegou o perfume Foi quando deu conta de siNo fundo do espelho borrado.

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PALAVRA

A palavra que não me abandoneseja assimtestemunha oculardesta minhaânsia pelo absolutoo fogoque faça a combustão possívele me deixeoutra.Mas da palavranão abro mãoolha-me no fundoda írisoráculoe profetade mim.

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O OFÍCIO DO POETA

Há tanto para quererQuanto a mimNada queroApenas meu versoApenas adiar minha mortePoderá a poesia Fugir dos meus dedosQue será de mimSe eu não alcançá-laLançarei estrofes ao chãoPalavratórios vaziosNão ecoarãoNo fundo das almas.

Há muito para querer Mas não quero dádivas.

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POEMINHA APOCALÍPTICO

Eu diria nuncaComo quem diz sempreComo quem morre sorrindoComo um suicida no parqueEsperando o apocalipseO problema é que o dia acabaE a vida?. . . continuaBela e intocávelNo apocalipse do real.

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RUAS E VEIAS

corre nas ruas e buscameu inteiro corporasgos de desejo acobertadoalgum sol

corre nas veias e nutremeu intenso corporestos de desejo acumuladoalgum pó

em ruas e veiasapenas calore um grande amorfora de modaafora um coraçãoque bate.

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OFERENDA

Eis aquelaQue fechou o livro na salaAo ouvir a canção E foi até a janelaEsquecendo a chave e a senha Permanecendo trancada e opaca Eis aqui aquelaQue se ocultou da chuva E apenas suportou o solSeus raios douradosQueimando a peleEis aqui aquelaQue se compadece Da inútil sobriedade Daqueles que nunca se indagam Aquela que por instinto E por destinoNecessita de solidões e presenças Nos cristais da almaAquela que precisaDe um rio de lágrimas Para secar o marEis aqui aquelaQue necessita tudoE outras vezes nada Aquela que perde palavras E ganha sentidos

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FUGA

Um dicionário com palavras não usadasRimas e sinônimos Cartas de amor não enviadasPoemas abortadosCrônicas da cidadeTudo perdidoNo dilúvio do cotidianoNo redemoinho dos dias não contadosDentro do peitoNos leitosE desatinosTransformado em pedras de seixo e sal Tudo vividoSem ser palavraQue esta é artigo de luxoFeito amor de menina-moçaPelo professorOu pelo padre.

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AULA DE GASTRONOMIA

A mãe compravaUm frango vivo,branco e inocenteImolava seu corpoTransformando-ocebola, coentro, colorauo cheiro de pimentaenvolvia a casaa mãe dividia o frangoagora mortoem várias partes os filhos ávidosmastigando seu frangonão percebiamque a mãe ficava sempre com a menor parte.

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