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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO
ESCOLA DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO, HUMANIDADES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
DOUTORADO EM EDUCAÇÃO
VERA LUCI MACHADO PRATES DA SILVA
UM OLHAR SOBRE A FRATERNIDADE CRISTÃ DE PESSOAS COM
DEFICIÊNCIA (FCD):
Sua trajetória em direção à Inclusão das Pessoas com Deficiência
São Bernardo do Campo
2017
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VERA LUCI MACHADO PRATES DA SILVA
UM OLHAR SOBRE A FRATERNIDADE CRISTÃ DE PESSOAS COM
DEFICIÊNCIA (FCD):
Sua trajetória em direção à Inclusão das Pessoas com Deficiência
Tese apresentada à Universidade Metodista de São Paulo, Escola de Comunicação, Educação, Humanidades, Programa de Pós-Graduação em Educação para obtenção do grau de Doutor em Educação.
Orientação: Profª Drª Zeila de Brito Fabri Demartini
São Bernardo do Campo
2017
3
A tese de doutorado intitulada “UM OLHAR SOBRE A FRATERNIDADE CRISTÃ DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA (FCE): sua trajetória em direção à Inclusão das Pessoas com Deficiência”, elaborada por VERA LUCI MACHADO PRATES DA SILVA, foi apresentada e aprovada em 09 de novembro de 2017, perante a banca examinadora composta por Profª. Drª. Zeila de Brito Fabri Demartini (Presidente/UMESP), Profª. Drª. Arlete Assunção Monteiro (PUC/SP), Prof. Dr. Luiz Silvério da Silva (Escola de Gestão e Direito/UMESP), Profª. Drª. Elizabete Cristina Costa Renders (UMESP e USCS) e Prof. Dr. Roger Marquesini de Quadros Souza (UMESP)
_______________________________________________________
Profª Drª Zeila de Brito Fabri Demartini
Orientadora e Presidente da Banca Examinadora
________________________________________________________
Profª. Drª. Roseli Fischmann
Coordenadora do Programa de Pós-Graduação
Programa: Pós-Graduação em Educação
Linha de Pesquisa: Formação de Educadores
4
Ao
Serginho ( in memória)
e
À
Neves
5
Agradecimentos
A Deus
Porque ter me dado a vida e não só isso, mas tem sido companheiro de jornada e
apresentado pessoas muito especiais que ajuda a dar sabor e cor que enfeitam
ao logo do caminho
Aos meus pais
que desde sempre deram suporte para a caminhada
Ao Luiz
marido, companheiro, incentivo em todas horas e principalmente porque apontou
a Frater como possibilidade para pesquisa
Aos Filhos
Juliana – pelo seu apoio incondicional “Mamãe vai dar certo! Tu vais
conseguir” de cada dia
Eduardo – meu motorista e companheiro em entrevistas, pelas transcrições, pela
compreensão e solidariedade nos momentos difíceis que passamos
Às Pessoas que contribuíram
dando seus depoimentos, indicando pessoas, acolhendo nos ventos,
convidando para os eventos, incentivando. Foram muitos, no Brasil e na
América Latina – Gratidão a todos e todas
À Mara
que tem sido parceira ao longo de toda a formação acadêmica, acompanhando
especialmente na revisão da escrita
À Profª Drª Zeila
pela coragem e confiança de aceitar o desafio de orientar um trabalho sobre um
tema desconhecido, pela solidariedade nos momentos difíceis
6
Ao Prof. Dr. Luiz Silvério e ao Prof. Dr Roger Quadros
Pelas orientações dadas na Banca de Qualificação que foram muito valiosas
Ao Programa de Pós-Graduação
Em especial na pessoa de Profª Drª Roseli Fischman pelo incentivo e
solidariedade
Aos Colegas do Programa – eles e elas
Pelo convívio carinhoso, pela troca de saberes
À Banca de Defesa
Pela apreciação e considerações ao trabalho, as quais tornaram-se preciosas
para a lapidação na finalização do mesmo.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)
Pela sustentação financeira que possibilitou frequentar o Programa de Pós-
Graduação e a realização da pesquisa.
7
“Deixei de andar, não de viver.”
(Maria de Lourdes Guarda)
“A deficiência que invalida uma pessoa é a falta de sentido para a vida.”
(Margarida Oliva)
“A raiz mais profunda da politicidade da educação se acha na educabilidade mesma do ser humano, que se funda na sua natureza inacabada e da qual se tornou consciente.”
(Paulo Freire)
8
RESUMO
A Fraternidade Cristã de Pessoas com Deficiência (FCD) é um movimento que
iniciou na França na década de 1940, pelo padre Henri François, cujo lema é
“Levanta-te e Anda”. Pe François, com a saúde extremamente debilitada, vivendo
em uma sociedade dilacerada pelas guerras, inicia o trabalho de visitação às
pessoas enfermas e com deficiência. Com o passar do tempo, precisou de ajuda e
desafiou os próprios doentes e pessoas com deficiência para engajarem-se nesta
missão. Seu desafio foi atendido, o movimento ganhou um nome “Fraternidade
Católica de Doentes”, espalhou-se pela França, por toda Europa, chegando em
meados de 1960, à América Latina. Em 1972, chega ao Brasil, primeiramente em
São Leopoldo/Sul em seguida ao Nordeste, em Recife e hoje encontra-se
espalhada por todo país. A pesquisa se propôs a olhar para a trajetória da FCD
procurando descobrir qual a sua contribuição para inclusão das pessoas com
deficiência na sociedade brasileira. Para isto valeu-se de recursos como:
depoimentos, bibliografia, observação participante, fotos. Este trabalho estrutura-
se a partir da perspectiva do olhar: Quem olha (quem sou)? O que preciso ver?
Com que olhar? O que vejo? A introdução procura apresentar a proposta do
trabalho, assim como, apresentar quem olha, a trajetória de vida da pesquisadora
e seu envolvimento com a temática a ser pesquisada. A partir das vivências e
reflexões evidenciam-se temas que dão o terreno para que a FCD se enraíze e se
desenvolva. O primeiro capítulo discute temas como: deficiência; integração;
exclusão – inclusão, tentando tecer um cenário que serve como pano de fundo para
o nascimento e desenvolvimento da FCD. Quando olhamos para algo ou alguém,
mesmo que não estejamos fazendo uso de óculos ou lupa, estamos usando um
instrumental consciente ou inconsciente que vai pautar o que vemos ou não. Neste
sentido, no trabalho acadêmico, é necessário explicitar com que olhar, ou que lente
está nos instrumentalizando, para observação e busca de resultados na pesquisa.
O segundo capitulo situa o instrumental teórico, trazendo também temas que dão
instrumentalização para análise da atuação da FCD, como: Movimentos Sociais,
Teologia da Libertação, CEBs. O terceiro capitulo registra a trajetória da FCD,
utilizando os recursos disponíveis: depoimentos, fotos, bibliografia, histórias de
vida. O quarto capítulo explicita pontos importantes que este olhar permitiu ver: as
contribuições da Fraternidade na vida das pessoas, ajudando-a a assumirem a sua
própria vida. Bem como, o sair em direção ao outro, propiciando o envolvimento
nos movimentos sociais e na luta pela inclusão de pessoas com deficiência.
Finalizando com considerações que apontam a importância da FCD, tenta fazer
uma reflexão sobre o que foi encontrado pelo caminho, ressaltando os desafios,
diante da realidade que se vive hoje.
Palavras–Chave: Pessoa com Deficiência. Inclusão. Dignidade Humana.
Empoderamento. Fraternidade.
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ABSTRAT
The Intercontinental Christian Fraternity of People With Disabilities (ICFPD – in
Brazil Christian Fraternity of People With Disabilities, initials FCD) is a movement
by Father Henri François that began in France during the forties. Its motto is “rise
and walk with me”. Father François, suffering poor health and living in a war-torn
society, began to visit sick and disabled people. Soon he needed help and
challenged the sick and disabled people themselves to engage in this mission. His
challenge was answered, and the movement was named “Catholic Brotherhood of
the Infirm”. It spread through France and all of Europe, coming around the sixties to
Latin America. In 1972, it comes to Brazil, first to São Leopoldo (South of Brazil) and
then to Recife (Northeast). It is now spread through all the country. Our research
aimed at surveying the FCD trajectory and trying to discover its contributions to the
inclusion of disabled people in Brazilian society. To this end, we employed these
resources: testimonies, bibliography, participant observation and pictures. This
research structures itself from the perspective of the gaze: who looks (who am I)?
What do I need to see? Which gaze do I employ? What do I see? Our Introduction
tries to present the goals of this research, as well as presenting the gazer – the
biography of the researcher and her involvement with the subject. Through
experience and reflection, subjects are evidenced and offer the grounds for FCD to
root and develop itself. The first chapter discusses subjects such as disability,
integration, exclusion – inclusion in order to weave together a setting that serves as
a background for the birth and development of FCD. When we gaze at something
or someone, even though we wear no glasses nor use any magnifying glasses, we
employ conscious or unconscious tools that will dictate what we see or not. This is
why, in academic research, it is necessary to make explicit the type of gaze – which
lens we are using – to observe and look for research results. Chapter Two presents
our theoretical framework, introducing subjects that offer us tools to analyze FCD’s
operations, such as: Social Movements, Theology of Liberation and Basic Ecclesial
Communities. The third chapter sets down FCD’s trajectory employing available
resources: testimonies, pictures, bibliography and life stories. Chapter Four raises
the important points this gaze allowed us to see: FCD’s contributions to people’s
lives, helping them to take hold of their own lives. It also makes them reach out
towards others, allowing engagement in social movements and in the struggle to
include disabled people. Lastly, we offer considerations that indicate the importance
of the FCD. We also reflect upon what we found along the way, emphasizing the
challenges we face in our contemporary context.
Keywords: Disabled People. Inclusion. Human Dignity. Empowerment. Fraternity.
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES e FIGURAS
Figura 1 - Ilustração sobre a situação das pessoas com deficiência no
Renascimento. ................................................................................... 45
Figura 2 - A loja de próteses para soldados .................................................. 48
Figura 3 - Ilustração crítica à Guerra do Paraguai .......................................... 53
Figura 4 - A Família de Henri François ............................................................ 140
Figura 5 - Henri François aos 17 anos ............................................................ 140
Figura 6 - Primeiro encontro em 1945 ............................................................. 143
Figura 7 - Celebração Eucaristica em Benoite Vaux .........................................144
Figura 8 - Pe François em seu gabinete de trabalho no Lar em Verdun ......... 145
Figura 9 - Visita de Luiz Itamar e Pe Geraldo a Henri François – 1985 .......... 149
Figura 10 - Uma das ultimas Missas... em Verdun – dezembro de 1985........... 149
Figura 11- 1º Retiro em Benoite-Vaux, 1945 .................................................... 151
Figura 12 - Casa Paroquial Nossa Senhora da Conceição .............................. 161
Figura 13 - Vicente Masip com um fraternistas ................................................. 162
Figura 14 - NIDA ............................................................................................... 163
Figura 15 - HELENINHA ................................................................................... 164
Figura 16 - JOSÉ BERNER .............................................................................. 165
Figura 17 - Encontro de D. Sinésio Bohn com a Fraternidade .......................... 167
Figura 18 - Exposição de exemplares de Cartas Abertas ................................. 171
Figura 19 - Maria de Lourdes aos 22 anos ........................................................ 178
Figura 20 - Maria de Lourdes, Pe Geraldo e o Bebê que ela cuidava .............. 180
Figura 21 - Lourdes Guarda em manifestação na Av. Paulista ......................... 182
Figura 22 - Maria de Lourdes na kombi que foi adaptada para sua melhor
locomoção. ............................................................................... 183
Figura 22 - Encontro da FCD com a presença de cadeirantes do Carandiru... 184
Figura 23 - Equipes Nacional (Biênio 1979-1980 e Biênio 1981-1982) ............ 187
Figura 24 - Organograma da FCD ................................................................... 189
Figura 25 - Momento de Formação .................................................................. 192
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Figura 26 - Caminhada em direção à Praça da Matriz ..................................... 192
Figura 27 - Celebração Ecumênica de Encerramento ....................................... 193
Figura 28 - XI Assembleia, Fortaleza/CE – reunião de grupo ............................ 195
Figura 29 - Assembleia da FCD do Rio Grande do Sul ...................................... 198
Figura 30 - Encontro das Áreas Sudeste e Centro – Oeste. .............................. 200
Figura 31 - Teco-teco usado para viagem de M. Lourdes à Cuiabá .................. 202
Figura 32 - Casamento de José Roberto Amorim (Zé) e
Zenilda Borges Rego(Zê).... .......................................................... 208
Figura 33 - Casal com a filhinha -Yara Letícia .................................................. 209
Figura 34 - Clair Pereira de Souza .................................................................... 210
Figura 35 - Fraternistas recebidos pelo Governador no Palácio Piratini ........... 223
Figura 36 - Concentração no centro de Porto Alegre/RS .................................. 225
Figura 37 - Cartaz utilizados na Concentração em Porto Alegre/RS ................ 226
Figura 38 - Parte de um documento sobre o MDPD .......................................... 227
Figura 39 - Parte do relatório da Coordenação da FCD- Nacional quanto
a participação no 1º Congresso Brasileiro das Pessoas Deficientes –
Recife 26 a 30 de outubro/81............................................................ 228
Figura 40 - Detalhamento do número de Fraternistas participantes no
1º Congresso Brasileiro das Pessoas Deficientes–Recife/81..............229
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LISTA DE ABREVIATURAS
AIPD – Ano Internacional de Pessoas das Pessoas Deficientes
ALCA - Área de Livre Comercio das Américas
APAE - Associação de Pais e Amigos de Excepcionais
CEBs – Comunidades Eclesiais de Base
CECA – Centro Ecumênico de Evangelização Capacitação e
Assessoria
CGT – Central Geral dos Trabalhadores
CELAM – Conselho Episcopal Latino Americano
CERU – Centro de Estudos Rurais e Urbanos (USP)
CONADE – Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas com
Deficiência
CUT- Central Única dos Trabalhadores
CVI – Centro de Vida Independente
FADERS - Fundação de Articulação e Desenvolvimento de
Políticas Públicas para Pessoas com Deficiência e
com Altas Habilidades no Rio Grande do Sul
FCD – Fraternidade Cristã de Pessoas com Deficiência
FRATER - Fraternidade Cristã de Pessoas com Deficiência
FSM – Fórum Social Mundial
JOC – Juventude Operária Católica
JUC – Juventude Universitária Católica
MDPD – Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes
13
MLD – Movimento dos Loteamentos Clandestinos
MST – Movimento dos Trabalhadores Sem Terra
NID – Núcleo de Integração dos Deficientes
ONEDEF – Organização Nacional de Deficientes Físicos
ONGs – Organizações não Governamentais
ONU – Organização das Nações Unidas
14
SUMÁRIO
Introdução ........................................................................................................ 17 Capitulo 1 - O que é preciso ver? ................................................................... 28
Da Invisibilidade à Visibilidade 1.1 Deficiência ................................................................................................... 29
1.1.1 Deficiência é doença? ............................................................................... 29
1.1.2 Visão da sociedade sobre a pessoa com deficiência 30 ........................... 33
1.1.3 Histórico ...................................................................................................... 36
1.1.3.1 Deficiência no Brasil ................................................................................ 49
1.1.4 Como Nomear? .......................................................................................... 55
1. 2 Inclusão ....................................................................................................... 58
1.2.1 Integração .................................................................................................... 61
1.2.2 Inclusão Social ............................................................................................ 62
1.2.3 Inclusão Escolar ........................................................................................... 67
Capitulo 2 - Com que olhar?.............................................................................. 75
Referencial Teórico – Metodológico
2.1 Perspectivas Teóricas ................................................................................. 76
2.1.1 Movimentos Sociais ...................................................................................... 84
2.1. 2 Movimentos de Pessoas com Deficiência ................................................... 94
2.1.3 Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e Teologia da Libertação..............106
2.1.3.1 Concílio Vaticano II .................................................................................. 110
2.1.3.2 II Conferência Geral do Episcopado Latino Americano – Medellín ..........113
2.1.3.3 III Conferência Geral do Episcopado Laino Americano – Puebla …....... 114
2.1.3.4 Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) ................................................ 117
2.1.3.5 Teologia da Libertação ........................................................................... 122
2.1.3.5.1 Gustavo Gutiérrez ............................................................................... 125
2.1.4 Novos Movimentos Religiosos .................................................................. 127
2. 2 Perspectiva Metodológica ......................................................................... 129
2.2.1 Construção da Pesquisa .............................................................................131
15
Capitulo 3 - Olhando Para a FCD ..................................................................... 139
Fraternidade Cristã de Pessoas com Deficiência
3.1 Quem é Henri François? .............................................................................. 139
3. 2 O que é a FCD? ............................................................................................ 151
3.2.1 Contextualização ...................................................................................... 152
3.3 FCD no Brasil ............................................................................................ 161
3.3.1 Como começa e com quem ....................................................................... 161
3.3.3.1 Quem são estes? ................................................................................... 161
3.3.2 Em que solo germina ............................................................................... 165
3.3.3 Os 10 primeiros anos ................................................................................. 168
3.3.4 A Coordenação da Lourdes Guarda ......................................................... 176
3.3.4.1 Um pouco Maria de Lourdes Guarda .................................................... 177
3.3.4.2 IV Assembleia Nacional ......................................................................... 185
3.3.5 Pós Maria de Lourdes Guarda ................................................................. 193
Capítulo 4 - O que vi .. ....................................................................................... 201
A importância da FCD
4.1 A Importância da FCD na vida das pessoas ................................................ 205
4.2 Participação da FCD com os Movimentos Sociais ...................................... 222
4. 3 A Fraternidade Cristã de Pessoas com Deficiência nos dias atuais ........... 236
Considerações .................................................................................................. 241
Referências ........................................................................................................ 254
Lista de Referências Complementares ............................................................... 264
Apêndice A - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ............................... 269
Apêndice B - Depoimento de Carmencita ........................................................... 270
Apêndice C – Tradução depoimento do Orlando ............................................... 273
Apêndice D - Depoimento da Ir Conceição ......................................................... 275
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Apêndice E – Depoimento de Tuca Munhoz ...................................................... 283
Apêndice F – Depoimento de Olivia .................................................................... 288
Apêndice G – Depoimento de Levino Guilherme Schneider ............................... 290
Anexo A - Carta do Pe François a Luiz Itamar .................................................... 298
Anexo B - CARTAS ABERTAS Nº 57, comemorativa aos 15 anos da FCD/BR. 299
Anexo C - Celebração de Corpus Christi – Praça da Sé/ SP.............................. 300
Anexo D - Mensagens do Pe. François ............................................................... 301
Anexo E - Documento informando sobre o Dia Nacional de Concentração ....... 305
Anexo F - Fotos de Eventos ............................................................................... 306
Anexo G - Materiais utilizados para formação pela FCD/Brasil ......................... 312
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Um olhar sobre a FCD:
seu caminhar em direção à Inclusão de Pessoas com Deficiência
INTRODUÇÃO
As pessoas com deficiência sempre estiveram presentes, mas nem sempre foram
percebidas de fato ou como deveriam ter sido. Estas pessoas nem sempre foram
contabilizadas nas pesquisas demográficas. De algum tempo, tem surgido a
preocupação em se fazer um mapeamento da existência destas pessoas e da
incidência das diversas deficiências. O Censo de 2010, do IBGE, constatou a
existência no Brasil de 45.606.048 pessoas que apresentam algum tipo de
deficiência. Este número incide em várias faixas etárias: 7,5% nas crianças de 0 a
14 anos; 24,9% na população de 15 a 64 anos e 67,2% na população com mais de
65 anos. Do contingente das pessoas com deficiência: 38,5 milhões viviam em
áreas urbanas e 7,1 milhões em áreas rurais. Foi constatado também que a
população feminina é a mais atingida, em todas as raças declaradas. As diferentes
deficiências pesquisadas ficam assim distribuídas entre a população: Visual 37,4%;
Motora 28,6%; Auditiva 9,6%; Mental ou intelectual 2,7 milhões.
Sempre ao meu redor houve pessoas com deficiência. Conforme fui crescendo, fui
percebendo essas presenças e algumas coisas foram como que fazendo cócegas,
faziam com que olhasse para elas; olhando, algo trazia um certo incômodo. Não
com a presença delas, mas um sentimento estranho, acho que nunca de piedade,
coitadismo, mas um desconforto com o modo como eram tratadas. Não sei
identificar com precisão qual o sentimento. Era como se uma névoa se
interpusesse, envolvesse esse cenário. Confesso que algumas vezes senti medo
de algumas delas; em outras, desconforto por ver como eram tratadas ou
maltratadas.
Sou filha de comerciante, meu pai sempre trabalhou no comércio. Quando eu tinha
6 anos ele saiu do grande atacado onde trabalhou por muitos anos e montou um
18
armazém no bairro onde morávamos. Durante minha infância e adolescência
passei muito tempo do outro lado do balcão, “atrás do balcão”, segundo o linguajar
da época, por onde passaram muitas pessoas. Revisitando esse tempo, posso
perceber que aproximadamente trinta pessoas, com as mais diferentes
deficiências, circularam em minha história, naquele período, a começar por
familiares muito próximos, de cada uma tenho lembranças muito marcantes.
Algumas trabalhavam, outras mendigavam, mas todas carregavam o estigma da
diferença que as afastavam do convívio social mais pleno, muitas vezes eram
menosprezadas, e até serviam de escárnio. Lembro que serviam até de ameaça
pelos pais, caso alguma criança infringisse alguma regra. Convivi com a deficiência
no meio familiar, um sentimento de desconforto com a superproteção e o
coitadismo sempre presente.
Percebi, que nestas vivências, já havia uma inquietação e desconformidade com a
situação destas pessoas. Com o passar do tempo, pude perceber nestas relações
com as pessoas com deficiência a marca da exclusão em uma sociedade
capitalista, de mercado e de culto ao corpo. O ser humano é valorizado pelo que
produz e pelas aparências. As pessoas com deficiência até muito pouco tempo
eram consideradas como improdutivas, incomodas para a sociedade e não faziam
parte do mercado da moda.
Aos 21 anos, fui estudar teologia para ser pastora da Igreja Metodista, da qual fui
participante desde o berço, onde aprendi a amar a Deus e ao próximo. Neste tempo
de formação teológica, encontrei as teorias de Paulo Freire e a Teologia da
Libertação que deixaram marcas para a atuação pastoral. Em 1979, tornei-me
pastora, estas marcas pautaram minha atuação como pessoa e como pastora. Nos
primeiros anos do pastorado, a questão da deficiência não esteve muito presente.
Confesso que só fui ter uma percepção consciente da pessoa com deficiência a
partir da convivência com a FCD (FRATERNIDADE CRISTÃ DE PESSOAS COM
DEFICIÊNCIA), em 1992, na época ainda chamada de Fraternidade Cristã de
Doentes e Deficientes.
A FCD é um movimento de pessoas doentes e pessoas com deficiência que se
inicia na França, através do padre Henri François. Em 1942, a Fraternidade começa
a germinar como uma sementinha, com a nomeação do Pe François, vigário da
Paróquia de Saint-Victor, em Verdun, como Capelão do Hospital. Diante da
19
impossibilidade de continuar sua missão de visitação domiciliar aos doentes e
deficientes desafia-as a continuarem sua tarefa. Três mulheres aceitaram o desafio,
continuam sua tarefa. François reunia-se mensalmente com elas. Compartilhavam
as experiências, rezavam juntos, reanimavam as forças e o movimento foi se
ampliando. A Frater (como é chamada carinhosamente por seus participantes)
chega ao Brasil através do seminarista Vicente Masip Viciano. A primeira reunião
realizou-se na Casa Paroquial Nossa Senhora da Conceição, em São Leopoldo,
Rio Grande do Sul, no dia 12 de junho de 1972. É um movimento que se mantém
pelo protagonismo da própria pessoa doente ou com deficiência.
Em 1992, trabalhando no CECA (Centro Ecumênico de Evangelização Capacitação
e Assessoria, de São Leopoldo- RS), fui convidada a assessorar nas celebrações
do Encontro Nacional que comemoraria os 20 anos de atuação da FCD no Brasil.
Participei de algumas reuniões de preparação para o Encontro, junto com a
coordenação regional do Rio Grande do Sul, em especial, na preparação das
celebrações. Até que chegou o tão esperado dia – 7 de junho de 1992. Reuniram-
se por volta de 1200 pessoas do Brasil e da América Latina; destas,
aproximadamente 900 tinham alguma deficiência. O primeiro momento foi de
estranhamento, parecia estar em meio a limitações e impossibilidades, mas ao
mesmo tempo as potencialidades que estas pessoas possuíam; a competência em
realizar tão grande evento; a desenvoltura que transparecia na comunicação, na
parte artística, na formação profissional que possuíam; o clima de festa que pairava
no Encontro, dissipou de pronto aquele estranhamento. A convivência com aquele
grupo deixou marcas para a vida toda.
Outro fato impactante se deu na praça da Matriz da cidade onde aconteceu esse
evento, São Leopoldo-RS, cidade onde surgiu primeiro grupo da FCD no Brasil.
Como parte da programação, foi feita uma caminhada do Ginásio Municipal até a
praça principal. Quando chegamos em frente à Igreja Matriz, estava encerrando
uma Missa de Primeira Comunhão. Muitos pais estavam saindo com seus filhos e
filhas para tirar fotografia na praça, todos rigorosamente vestidos, com as roupas
tradicionais deste importante acontecimento religioso. A reação das pessoas foi a
pior possível, muitas delas pegavam os filhos e se afastavam como se a praça
tivesse sido tomada por um bando de bichos. Estava sendo distribuída uma carta à
20
população, muito poucas pessoas a pegaram e algumas tomavam das mãos dos
filhos e as devolviam. Foi uma cena grotesca, nunca mais vou esquecer.
A partir deste primeiro contato, estreitaram-se os laços entre a FCD e o CECA.
Participantes da FCD frequentaram cursos oferecidos pelo CECA, como cursos da
Capacitação Política, Pastoral Popular, etc. Buscaram assessoria para vários
cursos e encontros de capacitação da própria FCD. Após meu afastamento do
CECA, em 1993, continuei em contato com o Movimento, especialmente
participando de celebrações. É tradicional, em Porto Alegre – RS, um Encontro
anual no Colégio São Luiz, durante um dia inteiro, encerrando com uma
Celebração, inclusive da Eucaristia. Por vários anos participei como celebrante
neste evento. Prestei assessoria em uma Assembleia Nacional, em Fortaleza/CE
no ano 2000, em Assembleias Regionais no Rio grande do Sul, em Cursos de
Formação realizados na EST, São Leopoldo.
Chegou, em 1993, nossa filha com Síndrome de Dandy Walker (SDW)1. Em
consequência, apresenta deficiência múltipla: déficit motor, visual e cognitivo. Os
exames Potencial Evocado Visual indicavam amaurese bilateral. Neurologistas e
oftalmologistas, diante dos diagnósticos produzidos por estes exames
computadorizados, afirmavam que ela não enxergava nem poderia vir a enxergar,
seu diagnóstico era cegueira total. O prognóstico neurológico era de que não
andaria, não enxergaria e não falaria, ou seja, teria uma vida vegetativa. No
entanto, hoje com 24 anos, anda, fala (com dificuldade, mas fala), tem um ótimo
convívio social, trabalha no Setor Produtos Artesanais na Universidade Metodista
de São Paulo, faz capoeira e dança. Em outros trabalhos tenho já narrado com
mais detalhes sua trajetória.
Na busca de proporcionar melhor qualidade de vida para a filha, passei
praticamente as manhãs, durante dez anos, nas salas de espera de profissionais
da área da saúde. Neste tempo pude partilhar com familiares, majoritariamente as
mães de crianças com deficiência, de suas angústias e expectativas. Ao mesmo
tempo, nasce na comunidade em que pastoreava uma criança que, em virtude de
1 Esta síndrome se caracteriza por uma alteração congênita no cerebelo, “é uma síndrome não familiar, caracterizada por dilatação cística do quarto ventrículo e por aplasia ou hipotrofia parcial ou total do verniz cerebelar.” (EWALD, 2005)
21
uma parada cardíaca aos 3 meses de vida, ficou com severas sequelas. Tive a
oportunidade de construir uma rede de apoio a esta família junto à comunidade
eclesial. Isto me levou ao mestrado em Teologia Prática, na Escola Superior de
Teologia em São Leopoldo, onde discuti a comunidade eclesial e as mães de
crianças com deficiência, em que medida a comunidade eclesial poderia ou pode
ser terapêutica para estas mães. Conclui este mestrado em 2002, com a
dissertação: Comunidade Eclesial: espaço terapêutico para a díade mãe-criança
portadora de deficiência.
Vindo para São Bernardo, em 2005, trabalhei como voluntária no Projeto Vida, na
Universidade Metodista, que desenvolvia atividades esportivas e artísticas com
pessoas com diferentes deficiências, de diferentes idades. O Projeto oferecia a
prática de esportes como basquete, capoeira, dança, escalada, handebol, judô e
natação. O objetivo era oferecer melhor qualidade de vida para estas pessoas, além
de estimular a autoestima, melhorar o condicionamento físico e diminuir os casos
de depressão nessa população. Participando desse projeto, elas tinham a
oportunidade de lutar pelos seus direitos e exercer melhor a cidadania. Além de
ajudar a comunidade fora, também beneficiava os alunos da Universidade, em
especial dos cursos de Educação Física e Fisioterapia, envolvidos mais
diretamente nestas atividades, que tinham a oportunidade de se relacionar com
essas pessoas e assim ingressavam no mercado de trabalho com um diferencial
e uma experiência de cidadania. A convite do coordenador do Projeto, Prof.
Domingos Belasco Jr. (Dumas), coordenei o Grupo de Familiares, que no projeto
considerávamos um espaço de apoio mútuo e construção de cidadania.
Ao longo do tempo de minha convivência e percepção do mundo da deficiência,
surgiram movimentos pessoas com deficiência e de seus familiares, em direção a
uma maior visibilidade das mesmas. Elas passam a assumir seu papel na
sociedade como ser humano sujeito de direitos e deveres e como cidadãos e
cidadãs que pertencem à sociedade e querem dela participar. Esses movimentos
ganharam mais expressão na década de 1980, a partir de 1981, “Ano Internacional
da Pessoa Deficiente”, que foi estabelecido pela ONU. Muitos avanços têm havido
no sentido da sociedade perceber a presença destas pessoas e, também, um
esforço em incluí-las em seu convívio criando uma relação de pertencimento e de
participação.
22
Na caminhada para a inclusão, está a discussão sobre inclusão escolar, pois, de
fato, é um direito das pessoas com deficiência terem acesso à educação como
qualquer outra pessoa. As leis brasileiras garantem a inclusão da pessoa com
deficiência na rede regular de ensino. No entanto, isto ainda é alvo de muita
discussão, desconfiança e insegurança. A escola tem dificuldade de fazer de fato
a inclusão por desconhecer a realidade destas pessoas e pela insegurança diante
dos preconceitos que foram cristalizados ao longo da história da humanidade a
respeito das deficiências e das pessoas acometidas por elas. Há também a
dificuldade de criar novos paradigmas educacionais que incluam estas pessoas no
processo de ensino aprendizagem. Os educadores muitas vezes manifestam se
sentimento de não estarem preparados para este desafio. Tenho visto muita
preocupação com o diagnóstico, o que pode ser limitador em um processo de
construção de possibilidades.
No período de atuação do Projeto Vida, acentuou-se a discussão sobre inclusão
escolar e medidas começam a ser tomadas para a implantação e cumprimento das
leis estabelecidas. Este movimento, tanto nas escolas quanto nas famílias, traz
muita insegurança. Surge, neste contexto, a necessidade de discutir a questão da
inclusão escolar do ponto de vista das famílias. Com o passar do tempo, foi
surgindo a necessidade de refletir sobre esse momento vivido como família: criança
que conviveu com a deficiência; mãe que acompanha o percurso (processo de
desenvolvimento da filha), em direção à sua construção como ser humano,
vencendo bravamente seus limites. Alguém que tem se envolvido neste mundo
ainda marginal, de pessoas que vivem a sua condição de diferente em uma
sociedade que as coloca como desiguais. Esta vivência, convivência, percepção do
que se passa deu a possibilidade de instituir-me como alguém que pode refletir e
dizer sobre esta realidade. Com esta perspectiva ingressei no Mestrado em
Educação, na Universidade Metodista de São Paulo e neste curso trabalhei sobre
a questão da inclusão escolar na perspectiva das famílias. Nota-se que ainda
existem muitas resistências com relação a isto. A dissertação de conclusão foi
apresentada em março de 2010 com o título: Inclusão: O que a escola tem a
aprender com a família.
Ingressando no doutorado, depois de algumas incursões em outros temas, a FCD
se colocou como uma possibilidade de pesquisa. Tendo investigado sobre
23
movimentos sociais de pessoas com deficiência, encontrei muito pouco sobre a
FCD e sua importância para a Inclusão das pessoas com deficiência. Senti que as
leituras e conhecimentos acumulados a partir dos Mestrados realizados, das
vivências, quando busco conhecimento sobre formas de atuação de instituições,
religiosas ou não, poderão ajudar em pesquisas futuras. Por isto, no Doutorado, a
proposta é olhar para a caminhada da FCD (Fraternidade Cristã de Pessoas com
Deficiência) ao longo de sua história, especialmente, no Brasil. Perceber em que
medida a sua trajetória tem contribuído para o processo de inclusão da pessoa com
deficiência. Buscando responder às seguintes perguntas: Qual a contribuição da
FCD para a vida das pessoas com deficiência? Houve alguma contribuição na luta
para a inclusão efetiva? Qual? Qual a relação da FCD com outros movimentos
sociais, de pessoas com deficiência ou não? A FCD ainda tem relevância no estágio
atual dos movimentos de pessoas com deficiência?
Como já está registrado nos relatos, tenho tido ao longo da vida, contato com
pessoas com as mais diferentes deficiências e há 24 anos tenho vivenciado a
situação de cuidadora de uma filha com múltiplas deficiências. E, de repente, me
vejo na situação de cadeirante. Dia 28 de junho de 2016, em plena preparação para
a qualificação acadêmica, saio de casa para acompanhar o marido, que iria levar
um documento a Delegacia de Ensino. Saímos às 10h da manhã e às 10h30min,
estava com o pé quebrado, pouco acima do tornozelo. Primeira palavra do médico
“precisa cirurgia”. Como eu residia em outro município (estava em São Paulo e
resido em São Bernardo do Campo), fui encaminhada ao pronto socorro de minha
cidade, onde o médico deu outro diagnóstico: pode ser tratado com gesso, mas é
de 6 a 8 semanas sem colocar o pé no chão. Quinze dias depois, feita nova
avaliação, a previsão é um mês com o gesso e se tudo der certo será retirado e
colocada uma bota para começar o processo de andar. Resultado de tudo isto é
que foram três meses de gesso, por dois meses vivi a experiência de andar de
cadeira de roda e mais um mês de muleta, mais alguns dias de bengala.
Meu filho me disse: “Bah, mãe! Não basta pesquisar sobre deficiência, tem que
experimentar?” Realmente pude experimentar algumas situações que as pessoas
com deficiência passam no dia a dia. Que fique bem claro que é diferente: uma
coisa é saber que teremos uma limitação por um período curto de tempo; outra é
24
saber que precisa adaptar-se a viver desta forma. No entanto, não deixa de ser
uma experiência interessante.
Nos dois primeiros dias foi uma angústia muito grande com a possibilidade de
cirurgia: passar por hospitalização; como ficaria a dinâmica da casa com uma mãe
idosa e uma filha com deficiência? Além de uma tese para escrever... Passado este
período, vem a fase de adaptação às limitações, como manejar a cadeira de rodas,
como se equilibrar com as muletas. A cadeira não passava por todas as portas. Um
sentimento de impotência e dependência vai tomando conta. Ficar dependente de
alguém até para ir ao banheiro... nada na casa é compatível com a situação. Tive
dificuldade de me adaptar com as muletas, caí dentro de casa. O medo de ter
afetado a quebradura, a recomendação médica para os dois primeiros meses era
não colocar o pé no chão sob hipótese alguma. Na visita ao médico no décimo
quinto dia, foi trocada a imobilização e colocada uma mais reforçada que deu maior
estabilidade ao pé. Sentindo-me mais segura. Começam as tentativas de
autonomia: levantar da cama sozinha, tomar banho com mais autonomia, até
chegar a fazer uso do banheiro sem precisar de auxílio. É uma sensação
libertadora. Outra experiência significativa foi vivenciar as barreiras arquitetônicas,
comportamentais e atitudinais impostas pela sociedade e, em meio às dificuldades
impostas por estas barreiras, a solidariedade ou a indiferença das pessoas com
estas situações.
Passado o tempo do gesso, é tempo de conviver com as consequências para o
resto do corpo, dor no tornozelo e joelho da outra perna e nos pulsos, pela exigência
de apoio para sentar, levantar e para andar com as muletas, sentindo o cansaço de
estar muito tempo sentada.
Como já mencionado, esta experiência não se compara à de uma pessoa que
convive com a deficiência ao longo da vida, mas deu para experimentar um pouco
do sentimento de limitação e dependência e como estes são “deprimentes”. Eles
ferem a autoestima e podem acentuar o sentimento de limitação. Por outro lado, a
conquista da autonomia, mesmo que pequena, pode trazer o sentimento de
libertação e a impulsão para novas buscas e conquistas.
Voltando à pesquisa, escolhi este movimento, em primeiro lugar, por já ter uma
familiaridade com ele. Depois, porque encontrei muito pouca referência a ele nas
25
pesquisas. Das que encontrei, aparece a atuação em Conselhos de Pessoas com
Deficiência e suas lutas. Considero que este Movimento tem relevância por ter
abrangência mundial e, fundamentalmente, por apresentar em seus princípios uma
significativa preocupação com o protagonismo da pessoa com deficiência.
À medida que foram sendo feitos contatos para as entrevistas fui convidada pela
coordenadora da Equipe Continental a participar da reunião da Equipe de
Coordenação Continental que aconteceria em março de 2015, em Porto Alegre. Fui
e participei de toda reunião, que contou com a presença da Coordenadora Adjunta
da Equipe Intercontinental e do Conselheiro Intercontinental, além da Equipe
Continental da América Latina. Estes contatos possibilitaram uma visão ainda mais
abrangente da FCD, especialmente, em nível de América Latina. No entanto,
ajudou na delimitação da pesquisa centrando-se mais significativamente no Brasil.
A Fraternidade Cristã de Pessoas com Deficiência é um movimento que nasce com
um cunho essencialmente religioso, que traz em seu bojo um forte impulso para a
visibilidade da pessoa com deficiência à medida que vai dando a ela a conquista
de sua autoestima e autonomia e resgatando a dignidade humana inerente a todas
pessoas, com deficiência ou não. Nesse processo há um empoderamento e
envolvimento em lutas por seus direitos e pelos direitos de outras pessoas
marginalizadas. Neste sentido, a contribuição da FCD se dá na visibilidade
proporcionada às pessoas com deficiências e na luta por seus direitos, que se
tornam alavanca para o processo de inclusão na sociedade, no mundo do trabalho
e na escola. Para comprovar esta hipótese foram utilizados como recursos:
depoimentos de participantes e coordenadores de núcleos locais, regionais,
nacionais e continentais; histórias de vida de participantes; correspondências; atas
de reuniões; bibliografia; fotos; e o periódico "Cartas Abertas" produzido pela FCD,
no Brasil.
O trabalho se estrutura a partir da perspectiva do olhar: Quem olha (quem sou)? O
que preciso ver? Com que olhar? O que vejo? Entende-se que este olhar será
sempre incompleto e insuficiente, por mais esforço que seja empreendido em
desvendar o que é a FCD e sua abrangência na trajetória da inclusão das pessoas
com deficiência. Sempre ficará algum aspecto a ser descoberto, tendo em vista
ainda, que é um movimento que tem muitos ângulos a serem analisados, por sua
26
forma de atuação e por estar espalhado em todos os continentes, nos seus mais
remotos rincões.
A introdução tem a pretensão de apresentar quem olha, a trajetória de vida da
pesquisadora e seu envolvimento com a temática a ser pesquisada, tendo em vista
que não há neutralidade entre a/o pesquisadora/o e seu objeto de pesquisa,
embora se exija o máximo de objetividade e competência científica.
A partir das vivências e reflexões evidenciam-se temas que dão o terreno para que
a FCD se enraíze e se desenvolva. Este “ser” que está sendo percebido está
envolto em algumas questões que interferem no seu desenvolvimento e na sua
caminhada. Precisamos trazer à discussão temas como: deficiência – eficiência;
integração; exclusão – inclusão. Estes temas serão tratados no primeiro capítulo,
procurando situar o cenário que serve como pano de fundo para o nascimento e
desenvolvimento da FCD.
Quando olhamos para algo ou alguém, mesmo que não estejamos fazendo uso de
óculos ou lupa, estamos usando um instrumental consciente ou inconsciente que
vai pautar o que vemos ou não. Neste sentido, no trabalho acadêmico, é necessário
explicitar com que olhar, ou que lente está nos instrumentalizando para a
observação e a busca de resultados na pesquisa. No terceiro momento há que
expor as questões teórico-metodológicas que estão norteando o percurso do
trabalho. O segundo capítulo situa o instrumental teórico, trazendo também temas
que dão instrumentalização para a análise da atuação da FCD, como: Movimentos
Sociais, Teologia da Libertação, CEBs.
Leve-toi ... et marche (Levanta-te e anda) é o mote da FCD. Em 1945, na França,
ela se pôs em marcha, e chegou até aqui. Na caminhada, muitos desafios foram
enfrentados. Quando chega no Brasil, em meio a ebulição de movimentos sociais
de luta pela redemocratização e luta por direitos, a FCD, à medida que vai
caminhando, vai envolvendo-se nas lutas pelos direitos da Pessoa com Deficiência
e de outras marginalizações. O terceiro capitulo, procura fazer um registro da
trajetória da FCD, utilizando os recursos disponíveis: depoimentos, fotos,
bibliografia, histórias de vida.
O quarto capítulo explicita pontos importantes que este olhar permitiu ver: as
contribuições da Fraternidade na vida das pessoas, ajudando-a a assumirem a sua
27
própria vida, bem como, o sair em direção ao outro, propiciando o envolvimento nos
movimentos sociais e na luta pela inclusão de pessoas com deficiência.
Finalizando com considerações que apontam a importância da FCD, tenta fazer
uma reflexão sobre o que foi encontrado pelo caminho, ressaltando os desafios,
diante da realidade que se vive hoje.
28
CAPÍTULO I
O QUE PRECISO VER?
Da invisibilidade à Visibilidade
Um olhar sobre a FCD não pode deixar de perceber duas realidades que se fazem
presente: Deficiência e Inclusão. A reflexão sobre estes dois temas é fundamental
para que se tenha mais clareza sobre o solo em que este movimento faz seu
percurso. A tentativa de definir ou conceituar a deficiência é muito complexa e, por
mais que se procure fazê-lo, será sempre limitada diante do universo vasto e
dispare em que se situa a realidade na qual vivem estas pessoas. Empiricamente,
busca-se definir na perspectiva da “normalidade” e da “anormalidade”. Seguindo o
raciocínio da “normalidade”, as pessoas tendem a confundir o “normal” com o
“comum”, levando à errônea ideia de que o diferente é inferior ou incapaz. O que
garante que uma pessoa que se locomove em uma cadeira de rodas não é ou não
poderá vir a ser, se a deixarem ser, exímia digitadora? Ou, ainda, uma pessoa com
paralisia cerebral ser muito eficiente em amar? Tenho visto e ouvido as pessoas
com paralisia cerebral serem consideradas como dementes ou totalmente
incapazes. Conheço duas pessoas com paralisia cerebral que são doutores.2
As pessoas com deficiência sofrem muito com o preconceito por vivermos em um
mundo onde as pessoas são valorizadas pelo que produzem e não pelo que elas
são. A aparência vale mais que o conteúdo. O diferente é considerado como
desigual. Há falta de atendimento adequado para as suas necessidades, até
atendimento adequado para o desenvolvimento de suas potencialidades. Tudo isto,
muitas vezes as exclui do convívio social. Esta exclusão pode favorecer o
acometimento de doenças emocionais e espirituais e que são causa de muito
sofrimento. Para se pensar em inclusão destas pessoas é necessário atentar para
alguns aspectos importantes que de certa forma dão a pauta de como estas
pessoas serão tratadas na sociedade. Há, ainda, certa confusão entre inclusão e
2 Gustavo Müller é doutor em Ciências Políticas pela UFRGS e Emílio Figueira é doutor em
Psicanálise, em Teologia e em Extensão Universitária em Docência em Ensino à Distância.
29
integração, estes dois conceitos têm interfaces que precisam também ser
esclarecidos.
1 1 - DEFICIÊNCIA
111 - Deficiência é Doença?
O tema da deficiência tem sido tratado atualmente sob dois aspectos: o modelo
médico e o modelo social. O modelo médico tem pautado ao longo do tempo as
discussões sobre deficiência e suas intercorrências. Este modelo, como o próprio
nome já diz, tem como base os preceitos da medicina para tratar sobre a deficiência
e as pessoas que povoam este universo. Baseia-se no diagnóstico e no
prognóstico. Tem como função descrever a deficiência e diante da descrição fazer
uma previsão de como será a vida deste indivíduo que é acometido por ela.
Normalmente, apontando as limitações e não as potencialidades.
O modelo social tem superado a mera categorização médica das deficiências e
tratado das questões políticas e sociais em que estão envolvidas as pessoas que
são acometidas por elas, o que é um salto de qualidade no trato desta questão.
Alguém poderia pensar que então seria desnecessário tratar aqui do modelo
médico, porém, esta nova visão é muito recente e a FCD tem seu nascedouro em
um tempo que em que o modelo médico é decisivo.
É difícil uma definição sobre o que é deficiência. No senso comum, confunde-se
deficiência com doença. Embora a pessoa doente e a pessoa com deficiência
tenham algumas características ou necessidades em comum, como atendimento
profissional, reabilitação, ser vítima de preconceito, existem elementos que as
diferenciam. A Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes define-as como:
Qualquer pessoa incapaz de assegurar por si mesma, total ou parcialmente, as
necessidades de uma vida individual ou social normal, decorrência de uma
deficiência congênita ou não, em suas capacidades físicas ou mentais. (Apud
MÜLLER, 1999: 12)
30
Giuseppe Sovergino define doente como:
[...] o indivíduo que é vítima de alguma das diversas espécies de doenças
físicas, psíquicas, ou psicossomáticas que perturbam gravemente a rotina da
própria vida e do próprio trabalho. Podem ser conhecidas através de uma
planilha nosográfica detalhada e pormenorizada, e atinge uma minoria das
pessoas e por um curto período de tempo em relação à vida inteira. Às vezes
trata-se de doenças crônicas.
Num sentido lato, entendemos por doente o indivíduo que sofre de alguma enfermidade ou de alguma fraqueza física ou psíquica que provoca algum condicionamento negativo. (SOVERGINO, 1998:283)
As definições apresentam alguns aspectos semelhantes que contribuem para que
se considere o deficiente como doente. Quando ambas acentuam a dificuldade de
prover as necessidades básicas para a vida, o que está diretamente relacionado à
possibilidade de trabalhar, estão colocando as duas situações no mesmo patamar.
Há casos em que a deficiência vem acompanhada de uma debilidade de saúde
física, ou provoca uma debilidade por falta de alguns atendimentos básicos. A
deficiência em si não é doença. Faz-se necessário ter claro essa distinção. No
imaginário popular, ainda hoje muitos se relacionam com pessoas com deficiência
como se fossem portadoras de doenças contagiosas. Uma mãe ao devolver o
questionário de uma pesquisa disse: É muito importante este trabalho, precisamos
continuar falando sobre isso. Infelizmente, ainda hoje, tem pessoas que olham para
nossos filhos com deficiência como se eles fossem contagiá-los com sua
deficiência. É duro! Porém, não podemos deixar de considerar que grande parte
das crianças com deficiência tenha a saúde muito débil e que demandam
frequentes cuidados médicos e internações.
As pessoas com deficiência sofrem muito com o preconceito por vivermos em um
mundo onde as pessoas são valorizadas pelo que produzem e não pelo que elas
são. A aparência vale mais que o conteúdo. O diferente é considerado como
desigual. Há falta de atendimento adequado para as suas necessidades, até
atendimento adequado para o desenvolvimento de suas potencialidades. Tudo isto,
muitas vezes as exclui do convívio social. Esta exclusão pode favorecer o
acometimento de doenças emocionais e espirituais e que são causa de muito
sofrimento.
31
O dicionário (FERREIRA: 2005) define doença como alteração da saúde, no
equilíbrio do ser humano. Então, doente é quem tem a saúde alterada, está
enfermo. “Considera-se uma pessoa com deficiência aquela que possui de
nascença ou adquiriu ao longo da vida um déficit ou dano mental, físico ou
sensorial.” (MÜLLER, 1999:12)
Deficiência física para John Shenkman é
qualquer tipo de invalidez ou doença que coloca seu portador em desvantagem
diante das outras pessoas. Naturalmente, todos adoecemos de vez em quando:
é uma inflamação na garganta, é uma gripe que, às vezes, nos obriga a parar
as atividades por algum tempo. Mas a deficiência física tem um efeito mais
permanente sobre a vida daqueles que dela sofrem e exige esforço especial
para viver com os problemas que ela acarreta. (SHENKMAN,, 1994: 4)
Algumas deficiências físicas impedem que seus “portadores” façam tudo o que uma
pessoa considerada sadia faria. Por exemplo, toda criança corre, pula, chuta, canta
e tem energia para gastar. No entanto, a pessoa com deficiência física pode ter
mais dificuldades em fazer as coisas que são normais para a maioria.
Deficiência mental, para ASSUNÇÃO JR, é uma diminuição da inteligência, por
causas orgânicas, impedindo a pessoa de ter desempenhos esperados de acordo
com sua idade, sexo e grupo cultural, causando uma defasagem em relação aos
demais. (ASSUNÇÃO JR, 1991:31) A deficiência mental não é considerada doença
ou síndrome médica de causa específica. São identificadas mais de cem causas.
Os tratados que a conceituam e a definem não apontam para possibilidade de cura.
Procedimentos médicos são voltados para prevenção das causas e os de
assistência pressupõem alteração do padrão da deficiência.
Deficiência sensorial é a carência ou comprometimento de um dos canais
sensoriais de aquisição de informação. Comumente, divide-se em auditiva e visual
cada uma delas com diferentes graus de intensidade. (COOL, PALACIOS,
MARCHESI, 1995: 183)
Deficiência múltipla ocorre quando a pessoa é acometida de um déficit em mais de
uma destas áreas. Uma lesão precoce na área motora do cérebro resulta em
distúrbios na coordenação motora, com vários graus de severidade. Na paralisia
32
cerebral, como é denominada esta lesão, associada à dificuldade motora poderão
ocorrer distúrbios da fala, da visão e da mente.
Estas são as classificações clássicas de deficiências. No entanto, há que se
considerar que dentro de cada uma dessas categorias há uma diversidade imensa
de intensidade de acometimento e de sequelas que cada uma delas acarreta.
Um fator que mexe com as pessoas são as causas das deficiências. Elas são
provocadas por fatores diversos, são consideradas causas pré-natais, natais e pós-
natais. As pré-natais são genéticas ou ambientais. As genéticas são alterações
ocorridas na gestação provocadas por diferentes fatores como: transmissão por
laços de consanguinidade, interação com fatores ambientais. Estas alterações
podem ser isoladas, múltiplas ou cromossômicas.3 As causas pré-natais ambientais
podem ser os traumatismos pré-parto, as infecções nutricionais ou tóxicas, as
doenças infecto-contagiosas, ação de agentes teratogênicos (físico ou químico)
desnutrição, álcool, fumo, drogas.... Hoje estão sendo muito faladas e estudadas
as alterações pré-natais provocadas pelo Zicavírus.
As causas natais incluem prematuridade, asfixias, traumas físicos, infecção durante
o parto, hemorragias intra-cranianas, hiperbilirrubinemias e a chamada
Encefalopatia Hipóxico – isquêmica.4
As causas pós-natais são o trauma físico, as infecções (como: neuroencefalites e
septicemias), os acidentes, doenças em geral, desnutrição e privação sócio-
econômico-cultural e afetiva, traumatismo crânio–encefálico. Contextualizando
para nossa situação brasileira, podemos dizer que essa causa está intrinsecamente
ligada à falta de prevenção e de condições básicas de vida (alimentação,
saneamento básico, assistência à saúde, etc.) aliada ao uso de drogas e
3I.Herança Autossômica Dominante: Tuberosa, S.Sturge-Weber, Aspert. Neurofibromatose.II.
Herança Autossômica Recessiva: Fenilcetonúria. Microcefaléia Vera, D. Tay-Sachs, S. Niemann-Pck, Mucopolissacaridoses.III. Herança ligada ao sexo: D. Hunter, D.Pelizaeus-Merzbacher.IV. Aberrações Cromossômicas: Trissomias do 21 (Down), do 18 (Edwards) e do 13 (Patau) Aneuploidias de cromossomos sexuais (S.Turner e Klinefelter). (WAJNSZTEJN, 2005: 102)
4Síndrome Hipóxico – Isquêmica (SHI) no período perinatal, é um insulto ao feto e ao recém-
nascido ... (...) representa hoje, uma importante causa de mortalidade e morbidade no período neonatal, sendo a causa mais comum de deficiência neurológica não progressiva, observada posteriormente na infância, incluindo: retardo mental, paralisia cerebral, dificuldades de aprendizado e epilepsias. (WAJNSZTEJN, 2005: 104,105)
33
agrotóxicos e a acidentes, em especial automobilístico, cujo índice tem crescido a
cada ano.
11 2 - Visão da sociedade sobre as pessoas com deficiência
A Constituição Brasileira, no Capítulo I, art. 5º declara: Art. 5º Todos são iguais
perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e
aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade,
à igualdade, à segurança e à propriedade..., consequentemente, perante a
sociedade, sem distinção de qualquer natureza. A Bíblia afirma que os seres
humanos foram criados à imagem e semelhança de Deus. (Gn 1.26). Porém, o
comportamento humano com relação aos seus semelhantes nem sempre
corresponde a estas afirmações.
A imagem mítica com relação à deficiência aparece ainda hoje, de forma muito
frequente, especialmente nas igrejas neopentecostais, onde é propagada a visão
de que a deficiência é obra do demônio e que sua cura só será possível através do
exorcismo. O oposto também é frequente: considerar a “deficiente” presença da
divindade. “O deficiente vira ‘santo’, ‘pessoa iluminada’, ‘super-herói’, alguém que
‘é só coração’. Defeitos? Nenhum.” (WERNEK,1997:241)
Pessoalmente, passei por duas experiências com pessoas de igrejas
neopentecostais, que até foram engraçadas. Na primeira, minha filha tinha pouco
mais de cinco anos, estava iniciando a andar sozinha. Estávamos em uma calçada
esperando o pai e o irmão. Ela feliz andando de um lado para outro e eu feliz e
agradecida a Deus pelo seu desenvolvimento. Vi passar duas senhoras com uns
jornais na mão. Passaram, cumprimentaram, respondi e continuei a desfrutar do
encantamento do momento com a Ju. Vi que pararam na esquina, conversaram e
olharam para nós. Ouvi uma dizer “vou voltar e falar com ela”. Voltou, aproximou-
se de mim e alcançou-me um jornal. Era um jornal da sua Igreja e disse: minha
querida, tal dia o missionário tal vai estar no endereço tal. Vá e leve sua filhinha.
Ele vai orar por ela e afastar todo mal. Ela ficará curada. Fiquei um pouco surpresa,
agradeci o convite e elas saíram contentes. Passados alguns anos fui buscá-la na
34
escola e quando entrávamos no carro apressadas, um jovem atravessa a rua e tira
do bolso um lencinho e estende na minha direção e diz: Senhora, leve este lenço
abençoado e coloque em baixo do travesseiro da sua filha e o Senhor fará uma
grande obra. Ela vai ficar curada. Eu estava com muita pressa, olhei para ele e
disse de supetão: Obrigada meu filho, o Senhor já fez tanto na vida dela que é pedir
demais a cura. Ele me olhou meio perplexo, ficou desconcertado e saiu. Entrei no
carro e fiquei pensando: coitado, ele era um jovem simpático, de aparência bem
humilde, queria fazer um bem, assim como as outras duas. No mesmo dia,
passando pelos canais de TV vi o líder de uma destas Igrejas neopentecostais
vendendo o tal lencinho.
Há um total desconhecimento a respeito da questão da deficiência, na população
em geral. O mundo da deficiência é, ainda, um mundo mítico. As pessoas não
sabem quais são as causas, não sabem quais as limitações, quais as
potencialidades. Povoam o imaginário popular as diferentes ideias que as culturas
cultivaram ao longo de séculos. Este imaginário explica a atitude das pessoas em
ambientes públicos quando se deparam com uma criança com limitações. As
atitudes variam da simples curiosidade ao preconceito, como expressa o relato de
uma mãe. “As pessoas ficam olhando sem parar, por curiosidade, parecendo quer
perguntar alguma coisa sobre ele. Às vezes contam uma história sobre outra
criança que conhecem ou da própria família, e perguntam como foi a história dele”.
A forma como as pessoas se porta diante da situação faz com que a própria mãe,
algumas vezes, prefira a segregação.
“Eu odeio andar de ônibus com Jéssica porque todos olham para ela. Ela sempre tem algumas bolhas de saliva horrorosas saindo de sua boca e eu sempre enxugo sua boca, mas o próximo bocado é sempre mais rápido que eu. Ela se debate e geme e dá uns pulos disparatados que chocam as pessoas.” Não é surpreendente que as pessoas olhem indiscretamente para tal comportamento incomum. Entretanto, este tipo de celebridade negativa é muito difícil de encarar. (...)” Eu gostaria que existissem hotéis para pessoas assim, ao invés de fazermos sempre esses passeios auto abastecidos, assim nós não ficaríamos constrangidos num restaurante” é um argumento comum. (SINAMON,1993:63)
Uma outra mãe, falando sobre situações enfrentadas no ônibus, ilustra um pouco
isto. “Quando se anda de ônibus cheio, as pessoas geralmente não dão o lugar.
Fica uma mandando a outra dar o lugar. Na verdade não levantam, ficam
35
reclamando: não tem outro ônibus para pegar: não tem outro horário para sair? por
que tem que sair de casa com ele?”(SILVA, 2002:38).
Este desconhecimento está presente também nos círculos que prestam
atendimento às pessoas com deficiência. Na área científica, houve muitos
crescimentos e descobertas que oferecem novas possibilidades, mas ainda não há
muita clareza sobre reais possibilidades de cada pessoa. As capacidades do ser
humano são ilimitadas.
Em 1975, a ONU declara o ano de 1981 como Ano Internacional das Pessoas
Deficientes. Isto provocou uma grande mobilização em termos de preparação até o
Ano e também de programações e manifestação durante o ano. A partir daí, tem
crescido a consciência da sociedade com relação à condição de igual de uma
pessoa com deficiência, impulsionando um processo de inclusão dessas pessoas.
É uma caminhada lenta e difícil. Existem muitos movimentos de pessoas com
deficiência e de pais de crianças com deficiência que se organizam e buscam seus
direitos e espaços provocando essa inclusão. Muitos fatores concorrem, ainda,
para dificultar esse caminhar.
Embora seja constitucional o reconhecimento como igual, o desconhecimento de
quem é este ser diferente e como incluí-lo no meio dos “normais”, causa um certo
medo e insegurança, inclusive no que diz respeito ao direito à educação. O relato
de V. sobre o ingresso do filho, com paralisia cerebral, na creche. reflete esta
situação. Sua trajetória em busca de uma escola foi muito difícil. Ela procurou esse
ingresso desde que ele completou 4 anos. Foram quase três anos de peregrinação
nas creches e escolinhas da cidade. As razões para não o matricular foram as mais
diversas possíveis: “por usar fralda, pessoas teriam que trocar. Por não caminhar,
não acompanhar as crianças maiores que ele, nem os bebês. Dificuldade de
locomoção e de não comer sozinho”. (SILVA,2002:39)
Algumas chegavam a explicitar mais claramente os temores existentes na escola e
na sociedade em geral:
Creche particular: a desculpa era que as mães das outras crianças não
aceitariam, e/ou as próprias crianças quererem imitar ele. O preço da creche
era muito alto.
Creche do município: Não havia pessoa apta a trabalhar com ele. A creche não tinha espaço para ele. Uma escola do município, preparada para crianças com
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deficiência, não o aceitou pela 2ª vez, disse que ele não aproveitaria o trabalho da escola. (SILVA, 2002:40)
Estes temores impedem que uma grande parcela se beneficie deste direito.
Outro fator, que contribui para atitude discriminatória com as pessoas com
deficiência, são os critérios impostos pela sociedade capitalista em que vivemos: 1.
O padrão de beleza: quem não se enquadra dentro dos padrões de beleza,
especialmente imposto pela mídia, já está sujeito a discriminação; 2. A sociedade
valoriza a pessoa por aquilo que ela é capaz de produzir, seja no trabalho ou na
escola. A maioria destas pessoas não faz parte do mercado de trabalho.
Geralmente é dependente da família e do Estado. O rendimento escolar não
corresponde aos padrões estabelecidos pelo sistema escolar.
É importante salientar que o envolvimento com as pessoas com deficiência se
intensifica a partir das guerras, com a preocupação com os mutilados de guerra.
Poder-se-ia considerar que nesta situação a questão mítica da deficiência já está
mais ou menos desbravada, as causas estão explícitas e foge do imaginário mítico
religioso do endeusamento ou da presença do demônio. Sai da esfera do
desconhecido, conhecem-se as causas, o que não é o caso de uma criança que
nasce com alguma deficiência. Hoje estas causas já são mais conhecidas também
e até em muitos casos pode ser prevista anteriormente. Isto faz com que a
sociedade se relacione com elas de forma mais tranquila.
1 1 3 Histórico
Pessoa com deficiência na sociedade é acontecimento constante na história da
humanidade. Desde as culturas primitivas até o tempo presente, ocorreram casos,
e não poucos, na família e na sociedade. Há que se ressaltar que cultura é uma
construção humana e histórica que sempre teve decisiva influência na forma como
foram tratadas as pessoas com deficiência.
A cultura, portanto, está inserida no processo evolutivo do homem; ela faz parte de um mesmo processo que se desenvolve no processo mais simples (orgânico) para o mais complexo (social), baseado em ideias estimuladoras das ações. Isso garante a sobrevivência da espécie que envolve a produção e o consumo, o mundo do trabalho, além da transformação do modo de existência
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onde se insere a sociedade e suas relações humanas. (FERNANDES; SCHLESENER; MOSQUERA, 2011:133)
Os desenhos e restos arqueológicos demonstram isto, embora muitos povos
exterminassem crianças e adultos com deficiência, em geral relacionando o
nascimento destas crianças a uma relação com espíritos malignos. Nas culturas
da antiguidade sempre estiveram presentes acontecimentos em torno da
deficiência. Otto Marques da Silva, em sua obra Epopeia Ignorada (1986) aponta
que desde a antiguidade a humanidade convive com dois tipos de atitude: “uma
atitude de aceitação, tolerância, apoio e assimilação e uma outra, de eliminação,
desprezo ou destruição. O autor traz em seu primeiro capítulo importantes dados
sobre como se tratava a questão da deficiência no mundo primitivo.
A presença da deficiência sempre causa estranheza. As explicações para esta
presença vão da demonização à divinização. A deficiência, em algumas culturas,
era vista como presença da divindade ou do demônio. A forma como estas pessoas
foram tratadas estava muito relacionada com a explicação que se dava para o fato,
justificando o extermínio, a segregação ou inclusão da pessoa com deficiência.
Com o passar do tempo elas foram transpondo barreiras e modificando a visão da
sociedade sobre sua verdadeira condição. Os preconceitos que enfrentam ainda
hoje não nasceram do acaso, mas são frutos da compreensão sobre a deficiência
e da forma de tratamento que receberam ao longo da história. "Preconceitos não
nascem do abstrato, mas nascem e se fixam através de experiências vividas no
cotidiano da história". (MÜLLER, 1999:16)
Os egípcios, por seus registros, demonstram ter buscado a cura. Pessoas com
deficiência, dependendo de suas condições, podiam ter uma vida normal, apesar
de ver a deficiência como consequência de maus espíritos. (MÜLLER, 1999:19).
SILVA (1986), apresenta fatos que comprovam a atenção dada a pessoas com
deficiência na civilização egípcia, como cegueira de faraós, coral de homens cegos,
a presença de anões na vida e na arte. Ao mesmo tempo em que a medicina tinha
grandes avanços e tratava de algumas deficiências, era costume nesta sociedade
a prática de penas mutiladoras. Em geral, a pessoa condenada por ter cometido
algum crime pagava com a mutilação do membro ou parte do corpo com a qual
havia efetuado o crime.
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A literatura grega registra a presença de figuras mitológicas que apresentam algum
tipo de deficiência. O próprio escritor dos poemas épicos Ilíada e Odisseia, Homero,
era cego, segundo alguns historiadores. Como em outros povos, a guerra sempre
é causadora de deficiências, ainda mais em tempos de combates corpo a corpo.
Havia muitas amputações de mãos, braços e pernas. Os atendimentos médicos
procuravam garantir a sobrevivência, mas diante dos recursos da medicina da
época eram muito traumáticos. Além das deficiências causadas pela guerra, ainda
havia as causadas como pena e castigo e as congênitas ou adquiridas por doenças
ou acidentes diversos.
A medicina grega demonstrou preocupação e atendimento a questões de
deficiências físicas e sensoriais. Já no tempo de Hipócrates, deu vasta contribuição
na adoção de medidas que poderiam prevenir os defeitos físicos em crianças de
pouca idade e uso de recursos artificiais para fortificação de membros frágeis. A
história grega é marcada pela presença de pessoas que se dedicaram às questões
médicas de deficiência e também por pessoas que, tendo alguma deficiência, se
destacaram na história do povo grego.5
Os romanos negavam qualquer direito à vida a alguém que nascesse com alguma
anomalia. A criança deveria, por lei, ser morta imediatamente ao nascer. Porém
sabe-se que nem todos cumpriam essas leis e algumas crianças eram
abandonadas.
Havia para o “pater famílias”, dentre as faculdades a ele outorgadas pelo poder paterno (pátria potestas), uma alternativa: poderia expor a criança às margens do rio Tigre ou em lugares sagrados, desde que antes de o fazer tivesse mostrado o recém-nascido a cinco vizinhos, para que fosse de certa forma certificada a existência de anomalias ou da mutilação. (SILVA, 1986:125)
Havia também mutilados de guerra e pessoas que se automutilavam para não ir à
guerra.
5A obra Epopéia Ignorada: a pessoa deficiente na história do mundo de ontem e de hoje, de Otto
Marques da Silva traz um farto material sobre a deficiência no mundo grego bem como em outras civilizações.
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É importante ressaltarmos o quadro da deficiência na cultura judaica e na Idade
Média. Estas duas visões trazem marcas muito fortes à cultura atual, trazidas pela
cultura judaico-cristã. Os relatos bíblicos apontam alguns episódios que marcam a
presença de pessoas com deficiência que atuam ou atuaram na história do povo
hebreu como Moisés, tinha dificuldade de fala; Isaque, ficou cego; reis, que tiveram
ao longo de sua vida marcas da deficiência, trazendo até recomendações de
respeito a pessoas com deficiência como cegos e surdos. Maldito quem fizer o cego
errar o caminho. Todo povo dirá: Amém! (Deut.27:18) Não amaldiçoem o surdo
nem ponham pedra de tropeço à frente do cego, mas temam ao seu Deus. Eu sou
o Senhor. (Lev.19:14). Embora se encontre estes relatos e recomendações, há que
perceber que “apesar dessa forte ênfase nas várias normas de conduta do povo
hebreu o cego viveu praticamente por muitos séculos em absoluta degradação
social, que só começou a ser combatida sob o reinado do príncipe Judah-há-Nasin
(135 a 217 d.C.)” (SILVA, 1986: 83). Esta contradição estabelecida no livro de
Levítico (livro das leis judaicas), ao mesmo tempo que traz recomendações de
cuidado e respeito às deficiências, traz restrições especialmente no que diz respeito
aos ritos religiosos.
Disse ainda o Senhor a Moisés: 17 Diga a Arão: Pelas suas gerações, nenhum dos seus descendentes que tenha algum defeito poderá aproximar-se para trazer ao seu Deus ofertas de alimento. (grifo Nosso) 18 Nenhum homem que tenha algum defeito poderá aproximar-se: ninguém que seja cego ou aleijado, que tenha o rosto defeituoso ou o corpo deformado; 19 ninguém que tenha o pé ou a mão defeituosos, 20 ou que seja corcunda ou anão, ou que tenha qualquer defeito na vista, ou
que esteja com feridas purulentas ou com fluxo, ou que tenha testículos
defeituosos.
21 Nenhum descendente do sacerdote Arão que tenha qualquer defeito poderá aproximar-se para apresentar ao Senhor ofertas preparadas no fogo. Tem defeito; não poderá aproximar-se para trazê-las ao seu Deus. 22 Poderá comer o alimento santíssimo de seu Deus, e também o alimento santo; 23 contudo, por causa do seu defeito, não se aproximará do véu nem do altar, para que não profane o meu santuário. Eu sou o Senhor, que os santifico. (Lev.21:16-23 NVI)
Certamente contribuía para esta contradição a relação que os hebreus faziam entre
deficiência e pecado. As deficiências ou deformações como cegueira, surdez,
paralisia, eram consideradas como castigo em consequência de pecado ou crimes.
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O livro de Levítico é o código de leis da sociedade hebraica, traz elencada, assim
como o Deuteronômio, as normas e os castigos imputados para o descumprimento
destas normas. Em Deut. 25:11 e 12, encontramos uma das prescrições para
amputação de mão. Estes preceitos traziam a necessidade de normatização da
sociedade. “Então todo o Israel saberá disso; todos temerão e ninguém tornará a
cometer uma maldade dessas. (Deut.13.11) ”. “Então todos os homens da cidade
o apedrejarão até a morte. Eliminem o mal do meio de vocês. Todo o Israel saberá
disso e temerá. (Deut. 21.21). O capítulo 28 de Deuteronômio elenca uma
quantidade de bênçãos pela obediência ao Senhor, do versículo 9 ao 14: “O Senhor
fará de vocês o seu povo santo, conforme prometeu sob juramento, se obedecerem
aos mandamentos do Senhor, o seu Deus, e andarem nos caminhos dele” (Deut.
28.9). A seguir, traz uma série de castigos aos que não obedecerem: “Entretanto,
se vocês não obedecerem ao Senhor, o seu Deus, e não seguirem cuidadosamente
todos os seus mandamentos e decretos que hoje lhes dou, todas estas maldições
cairão sobre vocês e os atingirão:”(Deut. 28.15), terminando com a maldição da
deficiência:“ O Senhor os afligirá com loucura, cegueira e confusão mental. Ao
meio-dia, vocês ficarão tateando às voltas, como um cego na escuridão. Vocês não
serão bem-sucedidos em nada que fizerem; dia após dia serão oprimidos e
roubados, sem que ninguém os salve.” (Deut.28:28 e 29). Talvez em decorrência
destes preceitos religiosos que se tornam normas para a sociedade, o nascimento
de uma criança com deficiência era atribuído ao pecado dos pais, porque as leis
criadas para manter o povo unido previam castigos de amputação e vazamento de
olhos como pena às transgressões.
Havia também outras causas de deficiência que constavam no arcabouço das
explicações religiosas, como por exemplo: marcas da escravidão, sequelas de
acidentes e de guerras como em todas as outras civilizações. No entanto, estas,
carregadas de um sentido religioso e normativo da sociedade, deixaram marcas
muito profundas que transitam no imaginário popular até os dias de hoje nas
civilizações judaico-cristãs.
Relatos do Novo Testamento refletem este imaginário e como as pessoas com
deficiência, via de regra, eram colocadas à margem. Os diferentes relatos dos
milagres de Jesus, na grande maioria são referentes às mais diferentes
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deficiências. Segundo SILVA (1986), nos Evangelhos as causas das deficiências
eram atribuídas a três fatores: castigo pelos pecados, interferência dos maus
espíritos e as forças da natureza. Em que pese a atitude de Jesus com as pessoas
doentes e deficientes encontradas pelo caminho, de respeito, de solidariedade, de
inclusão, o imaginário construído através dos séculos permaneceu.
Os primeiros séculos do cristianismo foram marcados por castigos de mutilação e
cegueira aos primeiros cristãos.
Ao comentar a questão das mutilações impostas aos cristãos, sob o ponto de vista do Código Penal Romano, Mommsen afirma que ‘na perseguição aos cristãos que teve lugar sob Diocleciano, deixava-se inicialmente a cada tribunal, se estivermos bem informados, a liberdade de agravar as penas como bem lhes parecesse, pela mutilação corporal e finalmente o governo mandou adicionar à pena de minas o vazamento do olho direito e a amputação do pé esquerdo’(“Le Droit Pénal Romain”, de Mommsen) (SILVA, 1986: 156)
Em meio a castigos, enfermidades e mutilações, a história registra fatos que
mostram a presença de pessoas com deficiência que tiveram participação relevante
na sociedade, como é caso de Dídimo, teólogo cego que foi diretor da Escola de
Alexandria. Dídimo perdeu a visão por volta dos 4 anos de idade, e foi diretor da
Escola de Alexandria de 345 a 395.
O cristianismo foi relevante na mudança de mentalidade, condenava o sistema
vigente que, entre outras coisas, aprovava a morte de crianças indesejadas por
causa de deformações. Constantino condenou a prática prevalecente, em Roma e
Esparta, de morte pelos pais a recém-nascidos com deformações.
Constantino taxou esses costumes de “parricídio” e tomou providências para que o Estado colaborasse para alimentação e vestuário de filhos recém-nascidos de casais mais pobres. Exigiu que essa nova lei fosse publicada em todas as cidades da Itália e da Grécia, e que fosse em todas as partes gravada em bronze para, dessa forma, tornar-se eterna. (SILVA, 1986: 160)
Sob a influência do espírito do cristianismo de mansidão, caridade e amor ao
próximo, surgem os primeiros hospitais cristãos que atendem também as pessoas
com deficiência. Há registros de que o primeiro hospital foi organizado pelo Papa
Anacleto, Bispo de Roma que reinou entre 76 e 88. No entanto, são considerados
42
de maior importância os organizados no século IV, sendo considerado o primeiro
hospital cristão o criado por São Basílio, em 375. Era constituído de vários edifícios,
um verdadeiro complexo hospitalar. São Jerônimo (347 a 420) em uma carta a um
cristão de Roma faz referência a uma mulher que se convertera ao cristianismo e
dedicara seu patrimônio aos pobres e necessitados e fundou um hospital.
...’et prima omnium ‘nosokomeion’ instuit’ (e antes de mais nada criou um ‘nosokomeíon’) O uso do termo grego, com caracteres gregos em sua carta original, indica-nos a inexistência de um termo próprio em latim para o novo tipo de organização de caridade na qual Fabíola e seus colaboradores cuidavam apenas de doentes, recebendo também pessoas deficientes, como veremos a seguir. São Jerônimo fala expressamente delas em algumas considerações que faz a Oceanus: “ Mencionarei agora algumas calamidades humanas, tais como, nariz decepado, olhos vazados, pés mutilados, mãos enfraquecidas, ventres tumefeitos, pernas enfraquecidas, pés inchados?” Na verdade, esses eram os tipos de doentes e pessoas deficientes que Fabíola por vezes chegava até a carregar em seus braços até o hospital. (SILVA,1986: 164).
Embora havendo preocupação cristã com as pessoas com deficiência, em que pese
que todos eram considerados filhos de Deus, continuava a acontecer no seio da
própria igreja instituída o uso de castigos que provocavam a deficiência. SILVA
(1986) traz a história de discórdia entre dois bispos, São Miles e Papas, que acaba
em uma maldição.
Miles, assustado e ao mesmo tempo chocado com aquela atitude questionadora, tirou-lhe o evangelho das mãos, beijou-o e aproximou-o dos olhos. Em seguida, num tom profético e inspirado disse ao bispo irreverente: “Já que em teu orgulho ousaste falar dessa maneira contra as palavras de vida do Senhor, eis que seu anjo está pronto para secar metade do teu corpo para inspirar o terror a todos; portanto, não expirarás: a vida ser-te-á conservada como um milagre de punição. ” No mesmo instante Papas sentiu a metade de seu corpo sem movimento e sem vida. Tombou sobre um lado e assim permaneceu. Viveu assim por mais doze anos, até sua morte no ano 326. (SILVA, 1986: 161)
Diferentes autores têm demonstrado que o cristianismo traz uma nova visão sobre
as pessoas com deficiência, embora conviva com suas contradições. Como já
vimos, por influência do estimulo à virtude da caridade e amor ao próximo,
começam a surgir os primeiros indícios de institucionalização dos atendimentos às
pessoas com deficiência. Primeiros hospitais, organizações de caridade e de
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assistência, que se constituíam em confinamento destas pessoas, dava algumas
melhoras em sua condição de vida, mas mantinha sua condição de necessitadas e
dependentes. Este modelo de institucionalização perdurou ao longo do tempo
chegando até a primeira metade do século XX. A partir dos avanços da
compreensão sobre as deficiências, começaram as contestações sobre esta forma
de atendimento, e paulatinamente começam a desaparecer.
Na Idade Média, houve um grande crescimento dos aglomerados urbanos. Por falta
de infraestrutura e com poucos recursos, o risco de epidemias era muito grande. A
principal causa das deficiências era a lepra, que colocava as pessoas segregadas.
As crianças nascidas com deficiência eram mortas ou eram também segregadas e
ridicularizadas. Segundo ARANHA, intensifica-se o imaginário relacionando as
deficiências, as más formações congênitas, a questões religiosas, atribuindo-as à
ira celeste e ao castigo divino. Ao mesmo tempo, ela aponta que tem autores, como
Teresa d’Amaral, que traz uma noção positiva da deficiência na Idade Média. A
pessoa com deficiência é tratada como sagrada, sinal da diferença, marca da
predestinação. Por isso, eram protegidas pela sociedade. (ARANHA, 2016:29)
É período da história da humanidade, que juntamente com o sistema de produção
baseado na agricultura, pecuária e artesanato, intensifica-se o fenômeno da
aglomeração urbana. Provocado pelo cristianismo surge uma nova classe social:
o clero, que se torna o guardião dos valores da sociedade, assim como do
conhecimento.
Estes guardiões do conhecimento e dominadores das relações sociais, foram assumindo cada vez maior poder social, político e econômico, provenientes do poder maior que detinham, de excomungar (vedando, assim, a entrada aos céus) aqueles que, por razoes mais ou menos honestas, os desagradassem. Assim, conquistaram o domínio velado das ações da nobreza, através da qual comandavam a sociedade. Cabia ainda ao povo (servos) o trabalho, seja na produção de bens e serviços, na constituição de exércitos, como no enriquecimento do clero e da nobreza, sem a prerrogativa de participação nos processos decisórios e administrativos da sociedade. Aparentemente, as pessoas com deficiências físicas e/ou mentais eram ignoradas a sua sorte, buscando a sobrevivência na caridade humana. (ARANHA, 2001:4)
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A organização social, segundo ARANHA (2001) propiciou dois processos que
desempenharam papel importante na história da humanidade: a Inquisição e a
Reforma Protestante.
A Inquisição foi um processo de tentativa de inibição de manifestações contrárias a
determinadas ações do clero, manifestações estas que chegaram a colocar em
risco a hegemonia e o poder da Igreja. Foi uma reação que provocou, em nome de
Deus, forte repressão levando muitos à morte e ao escárnio público. As próprias
cartas papais orientavam como deveriam ser os castigos (torturas, açoites,
punições severas, até a fogueira) para obter a confissão dos considerados hereges.
A Reforma Protestante, que comemora seus 500 anos neste ano, provocada pela
insatisfação com a atuação, especialmente do clero, liderada pelo monge
agostiniano Martinho Lutero, produz um rompimento com a Igreja. Dá início a uma
nova Igreja. No que diz respeito às pessoas com deficiência, não houve alteração.
Na realidade, a partir da Reforma Protestante, dois sistemas político-religiosos passaram a coexistir e concorrer, dominando, por muito tempo, o direcionamento da história da humanidade (grandes navegações, descobrimentos, repartição de áreas geográficas, colonizações). Ambos concebiam a deficiência como fenômenos metafísicos, de natureza negativa, ligados à rejeição de Deus, através do pecado, ou à possessão demoníaca. (ARANHA, 2001:5)
No Renascimento, houve um despertar de interesse com as pessoas colocadas à
margem, entre elas as com deficiência. O humanismo valorizava a cada pessoa,
mas a situação da marginalização era muito difícil. Isto fez com que surgissem
confrarias dos marginalizados, uma mendicância organizada, onde as pessoas
doentes e com deficiência faziam parte com relevância.
Dentre esses grupos que mantinham identificação própria, nos quais estavam invariavelmente inseridos pobres com deficiências evidentes, é importante destacar alguns, tais como:
- os “Orphelis” – mendigavam chorando pelas ruas das cidades;
- os “Mercandiers” – errantes, andavam vestidos com um gibão velho mas de qualidade, fazendo-se passar por comerciantes arruinados;
- os “Malingreux” – cobertos de andrajos, mostravam suas feridas e chagas (falsas muitas vezes) e pediam dinheiro para uma pretendida viagem de peregrinação a um templo milagroso para sua cura;
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- os “Piètres” – mendigos com deficiências físicas, locomoviam-se com muletas ou pequenos aparatos para as mãos e joelhos;
- os “Sabouleux” – pedintes em feiras, mercados e igrejas, simulavam ataques e convulsões, espumando pela boca graças a um pequeno pedaço de sabão, rolando pelo chão e conseguindo polpudas esmolas. (SILVA, 1986: 235)
Figura 1 – Ilustração sobre a situação das pessoas com deficiência no Renascimento
Fonte: (SILVA, 1986: 234)
Os grupos mencionados por Silva, assim como uma série de outros tantos, eram
encontrados na França, porém esta mendicância organizada se espalhava por
vários países da Europa. “Dentre os que tinham mais e melhores esmolas sempre
estavam os mendigos com deficiências físicas mais sérias ou que mais tocavam a
população. ” (SILVA, 1986: 236).
Havia neste período a sensibilização com as deficiências físicas, e certa valorização
da pessoa com deficiência visual. No entanto, as crianças com retardo mental
profundo eram consideradas como “entidades que se assemelhavam a seres
humanos, mas não eram. Esta crença estava disseminada até mesmo nos meios
intelectuais. Otto Marques da Silva apresenta o relato de Martinho Lutero sobre o
caso de um menino de doze anos que ele havia examinado e seu veredito sobre o
caso, confirma esta crença. “Lutero chegou a afirmar que estava convencido de que
aquele retardado de doze anos de idade era apenas massa de carne (“massa
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carnis”) sem alma. ‘O demônio possui esses retardados e fica onde suas almas
deveriam estar.’ (Apud Wolfensberger)” (SILVA, 1986: 236, 237).
Apesar de todas estas mazelas, a Renascença, com o surgimento do mundo
científico e a relativização do poder e supremacia clerical, contribuiu para amenizar
a ignorância sobre a questão das deficiências. “No século XVI, Paracelso e
Cardano trouxeram a questão da deficiência para o âmbito da ciência, para a
medicina, tirando-a da esfera somente moral e teológica.” (MÜLLER, 1999: 20) Isto
faz com que as deficiências começassem a ser tratadas como causadas por fatores
naturais e não espirituais. Passam a ser tratadas na área da medicina. A introdução
de novos conceitos traz uma mudança na abordagem com referência às pessoas
com deficiência, passando de uma questão ético-religiosa ou humanitária para uma
concepção com argumentações científicas. Surgiram algumas ações concretas em
benefício destas pessoas: primeira cadeira de rodas, organizações para cegos,
ortopedia ... Houve neste século pela primeira vez, avanços com relação à audição
e surdez.
[...] A partir da segunda metade do século XIX, surge um fato fundamental: A pessoa com deficiência é vista como potencial de trabalho também. Em 1884, Bismarck, chanceler alemão, cria leis de proteção ao acidentado de trabalho. Logo após, em 1889, surge em Cleveland, estados Unidos, o primeiro centro de reabilitação para pessoas com deficiência como um todo e não apenas em relação ao seu déficit (MÜLLER, 1999: 21) .
É importante ressaltar que este foi um paço de fundamental importância que
direcionou o olhar para a pessoa com deficiência no século XX. Principalmente, na
primeira metade do século, houve um grande desenvolvimento e investimentos
científicos, motivados pela ideia de reabilitação que contribuiu para que pessoas
com deficiência tivessem melhor qualidade de vida. Aconteceram avanços na
medicina, cirurgias corretivas; novas tecnologias que possibilitaram o avanço das
próteses e aparelhos, assim como medidas preventivas, especialmente, na
prevenção de acidentes de trabalho.
Também o século XX foi marcado pelas duas grandes guerras, além de outras
polvilhadas ao longo do tempo. Estas guerras foram palco de muita destruição,
mortes, multiplicação de mutilados, doenças que produziam a debilidade e
marginalização do ser humano. Dados, embora não muito precisos, mostram que
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na Segunda Guerra Mundial os 72 países que entraram em guerra, mobilizaram
110 milhões de pessoas, aproximadamente. Como resultado, contabiliza-se por
volta de 50 milhões de mortos e 28 milhões de mutilados,6 sem falar nas sequelas
emocionais e psíquicas.
As guerras trazem grande contradição. Ao mesmo tempo que trazem a destruição
e a miséria trazem a preocupação com as sequelas deixadas por elas. Já no pós
1ª guerra e em especial após a 2ª, houve maior interesse pela reabilitação dos
mutilados e o reaproveitamento destes como força de trabalho. Este fato mereceria
uma pesquisa sobre qual seria a verdadeira motivação para isto. Escassez de mão
de obra? Preocupação com o ser humano? Ou até sentimento de culpa? Ou ainda
um ou outro, ou todos juntos?
Após a final da 1ª Guerra Mundial, o mundo estava assolado por questões
econômicas e sociais, em consequência da guerra. O número de mutilados,
doentes, refugiados estava escancarado. Os países envolvidos precisaram se
mobilizar e atender as carencias tanto de militares como de civis.
21 milhões de homens ficaram feridos durante a Primeira Guerra Mundial, e muitos voltaram com lesões faciais incapacitantes. Embora a cirurgia plástica estivesse avançando mais rápido do que nunca na época, muitos soldados passaram a usar rostos protéticos para esconder as cicatrizes que não puderam ser removidas. Depois de trabalhar com soldados feridos na Cruz Vermelha, Anna Coleman Ladd, nascida em Boston (EUA), montou uma loja em Paris, que se tornou incrivelmente popular. Ela vendia próteses feitas à mão a partir de cobre e aplicadas ao rosto do paciente de maneira que se misturassem com a pele tão perfeitamente quanto possível. Anna produziu mais de 220 máscaras protéticas até 1918. O espaço da loja era o mais alegre possível para combater o trauma que os pacientes já haviam passado na guerra, com um jardim coberto de hera e decorado com estátuas, quartos cheios de flores e bandeiras por todos os lados. Os soldados recebiam chocolates, vinho e dominó para passar o tempo enquanto estavam na loja. Anna estabeleceu padrões revolucionários de cuidados para os feridos, diferente de tudo que eles já tinham visto antes (ROMANZOTI, 2014).
6 Dados encontrados em: Rápido e Fácil! Estatísticas Resumidas Segunda Guerra Mundial.
https://asegundaguerramundial.wordpress.com/tag/mortos/- acesso 27/06/2017
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Figura 2 - A loja de próteses para soldados
Fonte: ROMANZOTI, (2014)
A Inglaterra e os Estados Unidos tiveram um impulso significativo em direção ao
processo de reabilitação. A Inglaterra criou a Comissão Central da Grã-Bretanha
para o Cuidado do Deficiente. Nos Estados Unidos, em 1917, em New York, surge
a Red Cross Institute for the Crippled and Disabled Men, já atendendo civis. Hoje é
conhecida essa organização como ICD Rehabilitation and Research Center (SILVA,
1986: 305).
No ano de 1918, foi aprovada a lei conhecida nos Estados Unidos da América do
Norte como Vocational Reabitation Act. Lei que dava condições de reabilitação para
o trabalho a veteranos portadores de deficiências, vindos quer das fileiras da
Marinha, quer do Exército. Em 1920, o chamado Fess-Kenyon Civilian Vocational
Rehabilitation Act autorizou o atendimento de civis com deficiências físicas. A
legislação procurou enfatizar soluções de trabalho e descuidou-se excessivamente
dos aspectos de recuperação ou de restauração física, como parte do programa.
No entanto, foi uma grande colaboração aos programas de reabilitação, pois abriu
uma grande avenida para a compreensão da problemática global das pessoas com
deficiência e reconhecimento da necessidade de se implantar programas mais
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abrangentes (SILVA, 1986: 309). A década de 30 foi marcada por forte depressão
econômica, deixando muitas dificuldades e fez com que a mão de obra de pessoas
com deficiência fosse menosprezada e olhada com comiseração e caridade. É a
época em que surgem as agências de bem-estar social, com um atendimento mais
individualizado.
A Segunda Guerra foi deflagrada quando já havia sido construído o respeito e
entendimento sobre reabilitação, crescendo o envolvimento de organismos
internacionais na preocupação e assistência às necessidades das pessoas com
deficiência e com os “investimentos” na reabilitação, que não são só econômicos,
mas científicos, emocionais e outros.
Um passo decisivo para um maior envolvimento da ONU e de suas Agencias Especializadas ocorreu quando, no mês de dezembro de 1946, sua Assembleia Geral adotou uma resolução que estabeleceria o primeiro passo para um programa de consultoria em diversas áreas de bem-estar social , nele incluindo a reabilitação das pessoas deficientes, como uma das principais áreas com possibilidades de captar recursos financeiros para assistência técnica a ser colocada à disposição dos países subdesenvolvidos e interessados no assunto. Foi montado o Bureau of Social Affairs, dentro do Secretariado da ONU, que iniciou seu funcionamento quando a ONU ainda trabalhava em Lake Sucess, nos arredores de New York. Dentro da estrutura do Bureau foi inserida uma Unidade de Reabilitação da Pessoas Deficientes (SILVA, 1986:312).
1 1 3 1 - Deficiência no Brasil
O processo histórico de construção e desconstrução do ideário sobre as pessoas
com deficiência se fez presente no Brasil também, como não poderia deixar de ser.
Historiadores como Emílio Figueira (2008) registram que os povos primitivos no
Brasil eram fortes, robustos, sofriam poucas doenças. “Não são maiores nem mais
gordos que os europeus são, porém, mais fortes, mais robustos, mais entroncados,
mais bem dispostos e menos sujeitos a moléstias havendo entre eles muito poucos
coxos, disformes, aleijados ou doentes.” (LÈRY apud FIGUEIRA, 2008:24,25). Isto
demonstra que a presença da deficiência não era frequente, mas havia. Nossos
índios viviam da caça, da pesca e da agricultura, domesticavam animais. Todos
tinham os mesmos direitos e recebiam o mesmo tratamento. Porém, há relatos de
historiadores e de antropólogos que registram a exclusão de crianças nascidas com
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deficiência, abandonando nas matas, atirando das montanhas e até faziam
sacrifício em rituais de purificação. Acreditavam que trariam maldição para a tribo
ou coisas da natureza, crenças essas que causam discussões e polêmicas ainda
hoje.7
[...] Entre os indígenas só foram encontradas deficiências traumáticas, nenhuma de nascimento ou hereditariedade, o que demonstra que a prática de sacrifício de crianças com anomalias ao nascer era natural. Havia, no entanto, paralíticos, coxos, cegos e muitos surdos. (MÜLLER, 1999: 22)
No período da escravidão houve grande produção de pessoas com “defeitos”
físicos provocados por desastres nos engenhos e por castigos, legitimados por
documentos oficiais.8
A cegueira noturna foi um mal assustador dos séculos XVI e XVII, tendo como principal causa a alimentação sem vitamina A. Os escravos foram portadores de deficiências físicas advindas, muitas vezes, de castigos sofridos e desastres em engenhos. Eles também eram vítimas de raquitismo, beribéri, escorbuto, males que denotam carências na alimentação (MÜLLER, 1999: 22).
A preocupação em atender as pessoas com deficiência no Brasil inicia já no
período dos jesuítas com o surgimento dos primeiros hospitais e dos primeiros
sinais de uma educação especial. FIGUEIRA, (2008) registra que na segunda
metade do século XVI, o Brasil contou com a “chamada Medicina Jesuítica”
7 A mídia tem divulgado seguidamente notícias a respeito de polêmicas entre as sociedades
indígenas e os órgãos governamentais de saúde e de defesa das crianças a respeito de procedimentos de saúde com crianças indígenas com deficiência. Por exemplo: Caso de índia Ianomâni deficiente gera crise institucional no Amazonas e Polêmica sobre infanticídio indígena mistura leis, valores culturais e saúde pública, veiculadas na internet pela UOL Notícias em16/04/2009. 8 Emilio Figueira registra em sua obra Caminhando em Silêncio, o seguinte documento que
autorizava atos de mutilações: Alvará de 3 de março de 1741 do rei D. João V sobre punição a escravos achados em quilombos (quilombolas). “ Eu, El-Rei, faço saber aos que este alvará virem, que sendo-me presentes os insultos que no Brasil cometem os escravos fugidos, a que vulgarmente chamam quilombolas, passando a fazer o excesso de se ajuntarem em quilombos; e sendo preciso acudir com remédios que evitem esta desordem: hei por bem que a todos os negros eu forem achados em quilombos, estando neles voluntariamente, se lhes ponha com fogo uma marca em uma espádua com a letra “F”, que para este efeito haverá nas câmaras; e se, quando for executar esta pena, for achado já com a mesma marca, se lhe cortará uma orelha, tudo por simples mandado do juiz de fora, ou ordinário da terra ou do ouvidor da comarca, sem processo algum e só pela notoriedade do fato, logo que do quilombo for trazido, antes de entrar para a cadeia.” (FIGUEIRA,2008: 45)
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[...] onde os padres e irmãos da Companhia de Jesus foram de fato os médicos, os enfermeiros e os boticários dos indígenas, dos povoadores, dos colonizadores [...] tratando-se de pessoas bem instruídas e bem orientadas, os jesuítas foram permitidos aplicar seus conhecimentos de arte médica europeia e ao mesmo tempo procuraram se inteirar da pratica médica indígena – pajés, ou médico-feiticeiros, nos quais os índios depositavam supersticiosa fé [...] (FIGUEIRA,2008: 28,29).
As deficiências não atingem só a população indígena e negra, os colonizadores
também são atingidos. A quantidade de insetos e os males dos trópicos causavam
enfermidades que chegavam a afetá-los com limitações físicas ou sensoriais.
SILVA, (1986) faz referência a um inseto chamado “chigua” que se introduzia entre
as unhas e as carnes das mãos e dos pés.
Léry conta que, que por maior cuidado que tivesse e por maior esmero que procurasse empregar para deles se livrar, não conseguia. Segundo seu relato, chegaram a extrair dele mais de vinte “chiguas” num só dia. E, de acordo com Southey, muita gente chegou a perder os pés de uma forma pavorosa, por causa deste inseto. (SILVA, 1986: 276)
Assim como em outros países com situações semelhantes, o Brasil tem
apresentado casos de deformidades, congênitas ou adquiridas das mais diversas,
por falta de recursos médicos. Ocorreram muitos casos de amputação cirúrgica. A
camada mais pobre e marginalizada da população é a que mais sofreu com as
doenças e as sequelas deixadas por elas.
Desde os primeiros séculos de nossa história, houve sinais de preocupação e
acolhimento, especialmente com as crianças. Na verdade, era uma preocupação
assistencialista, mas não diferindo do que se passava no mundo da época. Em
1585, existiam no Brasil cinco “Casas de Machucados”, em Ilhéus, Porto Seguro,
Espirito Santo, São Vicente e São Paulo. Eram lugares onde abrigavam os
chamados “órphãos da terra”
Crianças oriundas das ligações entre os brancos ou negros e mulheres índias, que normalmente eram abandonadas por suas mães, pois os índios acreditavam que o parentesco verdadeiro só vinha pela parte dos pais; por isto, estes não faziam parte do seu povo, na medida que não foram gerados por um homem da tribo (FIGUEIRA, 2008: 35).
Outra forma de acolhimento surgiu em 1726, em Salvador, na Bahia, a “Roda dos
Expostos”. Foi instalada na Santa Casa de Misericórdia da Bahia a primeira “Roda
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dos Expostos”. Teve origem na Idade Média e servia para recolher bebês
enjeitados. Este sistema se espalhou pelas Santas Casas de Misericórdia do país
e persistiu desde 1726 até 1950.
[...] em 1726 Salvador tinha em torno de 30.000 habitantes, e o abandono de crianças já se constituía num sério problema. Todas as manhãs podiam ser encontradas, nas ruas da cidade, corpos de recém-nascidos deixados à própria sorte por seus pais, e que acabavam mutilados por cães e porcos. Embora não tendo números e informações exatas, Januzzi (2006), chama-nos a atenção para suas observações: “Pode-se supor que muitas dessas crianças traziam defeitos físicos ou mentais, portanto as crônicas da época revelavam que muitas vezes eram abandonadas em lugares assediados por bichos que muitas vezes as mutilavam ou matavam” (p.9). A situação tornou-se insustentável, provocando a reação do Vice-Rei Vasco Fernandes de Menezes (Conde de Sabugosa), que designou à Santa Casa a tarefa de criar uma Roda para acolher os bebês enjeitados [...] (FIGUEIRA, 2008: 37).
No período do Império, por influência das tendências de renovação e modernização
vindas da Europa, foram criadas por D. Pedro II, três organizações para
atendimento de cegos e surdos e mutilados de guerra. O primeiro em 1854, Imperial
Instituto de Meninos Cegos, inspirado pelo jovem José Alvares de Azevedo, que
havia estudado na França, no Institute des Jeunes Aveugles de Paris e com apoio
do médico da família real, Dr. Xavier Sigaud, que era pai de uma menina cega. Este
Instituto, mais tarde na Republica, ganhou o nome de Instituto Benjamin Constant.
Segundo alguns, esta foi a primeira tentativa de educação especial. O Asilo dos
Inválidos da Pátria foi inaugurado com pompa, em 29 de julho de1868, e esteve em
atividade até 1976. Desde o século XVIII já havia no Brasil iniciativas de
atendimento aos feridos e mutilados nas guerras internas. Com a participação na
Guerra do Paraguai, estas iniciativas se intensificam e resultam na criação deste
Asilo. Possivelmente com um misto de gratidão e reconhecimento pelos feitos das
tropas e de remissão de culpa pela miséria em que se encontravam tais
combatentes.
Mesmo recebidos como heróis, esses soldados “eram infelizes”, segundo observações de Honorato, pois a Pátria restava amenizar seus dias para viverem em paz. Combatentes da Guerra do Paraguai, estavam pelo menos naquele dia, recebendo o carinho de seu Imperador e de toda a multidão presente. “Aqueles homens foram os que inutilizaram-se pela Pátria, foram os bravos que regaram os campos de batalha com o sangue de suas veias, foram os que viram para sempre a estrela fagueira, que lhes acenava para o futuro, desaparecer” (HONORATO Apud SILVA, 1987, p.291) Os oficiais que
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compunham o Corpo dos Inválidos, quase todos mutilados ou sem maiores possibilidades de atuar no serviço militar ativo – prejudicados por ferimentos graves, por amputações os por doença sérias, durante a guerra contra o Paraguai -,eram pobres, sem qualquer chance de receber da sociedade brasileira muita coisa, a não ser , talvez, compaixão. Dentre eles haviam os já mencionados “Voluntários da Pátria”, homens pobres, mulatos e negros formavam os batalhões convocados para combater soldados na Guerra do Paraguai, os escravos da nação – africanos trazidos ilegalmente para o país após a lei de extinção do tráfico, que estavam sob a guarda do Império e recebiam alforria para ser transformados em soldados. Naquele dia de inauguração o Asilo já contava com 29 oficiais, 67 sargentos, 1 coronheiro, 7 músicos, 239 cabos e semelhantes, 1010 soldados e 1 tambor. E no mesmo lote de doentes e deficientes do exército brasileiro, havia 42 prisioneiros paraguaios nas mesmas condições físicas (FIGUEIRA, 2008: 37).
Figura 3 – Ilustração crítica à Guerra do Paraguai
Fonte: SILVA, (1987: 294)
A terceira instituição foi o Instituto dos Surdos-Mudos, criada por D. Pedro II por
volta de 1887, com a finalidade educativa – educação literária e profissionalizante
para meninos surdos-mudos. Eram admitidos alunos entre 7 e 14 anos, que viviam
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em regime de internato. Mais tarde se tornou conhecido como Instituto Nacional
de Educação de Surdos – INES. SILVA (1987) apresenta algumas orientações
importantes para a vida do futuro profissional de seus alunos:
- “É inquestionavelmente de máxima importância e conveniência que o surdo-mudo tenha um ofício, ou arte que subsista.”
- “Na escolha do ofício ou arte a que o surdo-mudo deve aplicar-se, convém
ater-se à sua constituição física, à localidade em que tem de residir, à sua aptidão e até à posição ou gênero de vida de seu pai”.
- “Em geral as artes e ofícios convém aos habitantes das cidades e a agricultura aos dos campos”.
- “Das artes e ofícios devem ser preferidos os que podem ser exercidos em qualquer parte, cidade ou pequenos povoados. Sapateiro, alfaiate, correeiro, torneiro, oleiro, chapeleiro, tintureiro, impressor e encadernador, são industrias que muito lhe convém”.
- “Os ofícios de carpinteiro, pedreiro e outros que exigem comunicações simultâneas com o trabalho, não lhe são tão convenientes” (SILVA, 1986: 288).
Assim como na história da deficiência em geral, o Brasil também passa por fases
distintas na forma de enfrentar a deficiência. Müller (1999) aponta três fases que se
apresentam de forma demarcada, embora não necessariamente de forma linear.
São: extermínio (entre os índios); segregação ou asilismo (institutos e abrigos) até
a integração a partir de 1981. “Enquanto se discutia e discute uma política de
integração no trabalho, na sociedade, ainda se constroem casas-lares, asilos para
alojar as pessoas com deficiência, demonstrando que a fase do assistencialismo
ou asilismo está em pleno vigor.” (Müller, 1999: 22)
A fase da integração vem sendo gestada desde a preocupação em inserir a mão
de obra da pessoa com deficiência no mercado de trabalho, como vimos
anteriormente, o que também acontece no Brasil. Para isto é preciso um processo
de reabilitação. Segundo FIGUEIRA, (2008) a criação dos hospitais-escolas
contribuiu para isto.
O Hospital São Paulo, que abriu as portas em 1942, foi o primeiro nascido como hospital-escola, em ligação com a Escola Paulista de Medicina. Embora precise de um estudo mais profundo, podemos dizer que a partir dos hospitais-escolas, as deficiências passaram a também ser alvos de estudos, novas pesquisas científicas, desenvolvimento de novos tratamentos e novas técnicas de trabalho, principalmente no campo da Reabilitação. Fortalecendo assim, a associação da deficiência com a área médica. (FIGUEIRA, 2008: 70,71)
55
Este envolvimento das Escolas de Medicina no mundo da deficiência possibilitou
maior descrição sobre as diferentes deficiências evidenciando suas causas,
descobrindo medidas para amenizá-las, e criando possibilidades de reabilitação
para o mundo trabalho. A partir daí foram criados os centros de reabilitação como
o Sara Kubitschek, em Brasília. Este olhar da medicina sobre a pessoa com
deficiência reforçou o que se chama Modelo Médico, em que a pessoa era vista
como um diagnóstico. Era feito uma descrição da patologia e os sintomas que teria.
No máximo o que poderia ser feito minimizar estes sintomas. Não se pensaria nas
potencialidades que esta pessoa teria fora as suas limitações.
1 1 4 - Como Nomear?
O esforço em nomear as pessoas e suas deficiências tem variado ao longo da
história, conforme a relação da sociedade com estas pessoas e os valores vigentes
em cada época. Com o passar do tempo, tem se acelerado as buscas para uma
nomenclatura mais compatível e que respeite a dignidade destas pessoas. Nesta
busca há duas frentes que têm contribuído no avanço deste intento: os movimentos
populares e as medidas de ordem governamental. Os movimentos populares têm
encabeçado as discussões e dado visibilidade à realidade destas pessoas,
enquanto as medidas governamentais de ordem nacional ou global têm legitimado
os avanços.
Tentando dar uma nomenclatura adequada, podemos correr o risco de enfocar
mais a necessidade e perder de vista dois aspectos importantes: o primeiro, é que
estas pessoas têm limitações, mas têm potencialidades que são múltiplas; o outro,
não ver na diferença a alteridade. .... Um homem não pode ser valorizado pela
quantidade de passos que pode dar com suas próprias pernas e, sim, pelo amor e
respeito que tem por si mesmo e pelos outros. (ARAUJO, 1999:15)
A declaração da ONU, que deu o nome de “Ano Internacional das Pessoas
Deficientes” no ano 1981, refere-se a “Pessoas Deficientes”, o que foi considerado
um avanço, pois foi pela primeira vez em todo mundo, o substantivo “deficientes”
(como em “os deficientes”) passou a ser utilizado como adjetivo, sendo-lhe
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acrescentado o substantivo “pessoas” (SASSAKI, 2003). No entanto, esta
expressão é ainda muito limitadora. A palavra deficiente carrega em si o estigma
de descapacitado e junto a isto um sentido de inferiorização. A pessoa que traz
consigo alguma deficiência não está descapacitada no sentido de ser pessoa.
Pode-se dizer que é diferente, tem limitações, mas não é desigual na sua condição
de ser humano.
A Constituição Brasileira de 1988 utiliza a nomenclatura “pessoa portadora de
deficiência”. Esta expressão retira a conotação de incapacidade. No entanto,
acarreta outra dificuldade, pois a expressão “portadora” sugere que a pessoa
carrega alguma coisa e que poderá deixar de portar, o que não é o caso.
Por algum tempo foi usado “Pessoa com Necessidades Especiais”. Esta
“classificação” suscita um questionamento: Todo ser humano deve ser tratado
como tal, e deve ter garantida a dignidade e integridade, independentemente de
sua condição física, mental, sensorial. Qual a necessidade especial que uma
pessoa que não anda, não fala ou precisa de apoio mecânico ou de outra ordem
precisa para ser humana?
A partir da Declaração de Salamanca 19949, tem se diferenciado “pessoas com
necessidades especiais” quando se refere a necessidades educacionais e “pessoas
com deficiência” quando se refere à deficiência, seja física, sensorial ou múltipla
que acarrete em alguma necessidade educacional especial ou não.
Depois de muitos debates, os movimentos mundiais de pessoas com deficiência
acordaram que querem ser chamadas de “Pessoas com Deficiência” em todos os
idiomas. E esse termo faz parte do texto da Convenção Internacional para
Proteção e Promoção dos Direitos e Dignidade das Pessoas com Deficiência,
9 A Declaração se Salamanca resultou da Conferência, organizada pelo Governo da Espanha
em cooperação com a UNESCO, congregou altos funcionários da educação, representantes das
Nações Unidas e das Organizações Especializadas, outras organizações governamentais
internacionais, organizações não governamentais e organismos financiadores. A Conferência
aconteceu em Salamanca de 7 a 10 de Junho de 1994, mais de 300 participantes, em
representação de 92 governos e 25 organizações internacionais, a fim de promover o objetivo
da Educação para Todos, examinando as mudanças fundamentais de política necessárias para
desenvolver a abordagem da educação inclusiva, nomeadamente, capacitando as escolas para
atender todas as crianças, sobretudo as que têm necessidades educativas especiais.
57
aprovada pela Assembléia Geral da ONU em 2004 e promulgada posteriormente
através de lei nacional de todos os Países-Membros, da qual o Brasil é signatário.
Eis os princípios básicos para os movimentos terem chegado ao nome “pessoas com deficiência”: 1.Não esconder ou camuflar a deficiência; 2.Não aceitar o consolo da falsa idéia de que todo mundo tem deficiência; 3.Mostrar com dignidade a realidade da deficiência; 4.Valorizar as diferenças e necessidades decorrentes da deficiência; 5.Combater neologismos que tentam diluir as diferenças, tais como “pessoas com capacidades especiais’, “pessoas com eficiências diferentes” , “pessoas com habilidades diferenciadas”, “pessoas dEficientes”, “pessoas especiais”, “é desnecessário discutir a questão das deficiências porque todos nós somos imperfeitos”, “não se preocupem , agiremos com avestruzes com a cabeça dentro da areia”(i.é, “aceitaremos vocês sem olhar para as suas deficiências”); 6.Defender a igualdade entre as pessoas com deficiência e as demais pessoas em termos de direitos e dignidade, o que exige a equiparação de oportunidades para pessoas com deficiência atendendo às diferenças individuais e necessidades especiais, que não devem ser ignoradas; 7.Identificar nas diferenças todos os direitos que lhes são pertinentes e a partir daí encontrar medidas específicas para o Estado e a sociedade diminuírem ou eliminarem as “restrições de participação” (dificuldades ou incapacidades causadas pelos ambientes humano e físico contra as pessoas com deficiência). (SASSAKI, 2003: 12-16.)
Uma das pessoas entrevistadas quando perguntada: qual é sua deficiência?
Respondeu: Olha, ultimamente, para você ver como as coisas mudam, eu estou
achando que não tenho deficiência. E apresenta a seguinte reflexão:
Na verdade, nós estamos, talvez progredindo para novas conceituações. Como
já existiram conceituações, até chegar a pessoas com deficiência, ou da própria
deficiência, eu tenho feito alguns vídeos, que eu. tenho colocado na internet,
eu fiz dois e uso um termo, bastante conhecido, que digo: “As palavras tem
poder”, né?
Então quando nós somos chamados de deficientes, o que isso pode significar?
O que significa isso no contexto semântico social? Na Europa, em alguns
países da Europa mais, outros menos, mas na Espanha e em Portugal, tem
sido muito forte a discussão, já superando essa terminologia de deficiência,
usando o termo: diversidade funcional
As pessoas não têm, não são deficientes, elas têm diversidade funcional. Então isso é interessante, porque a deficiência, quer queira ou quer não, ela está no corpo da pessoa, não é? Muito mais do que no meio, no ambiente. Talvez seja interessante. Eu não sei até que ponto eu concordo com essa definição, mas eu acho que a pro-ble-ma-ti-za-ção que ela traz, é muito interessante. (Tuca Munhoz)
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Isto demonstra que este conceito “pessoa com deficiência” também não dá conta
das implicações que envolvem a situação destas pessoas, mas dá a possibilidade
de reforçar a presença da “pessoa”, do ser humano que pode ter limitação em
alguma área da vida, mas que é um ser humano com todas as suas características,
limitações e potencialidades e digno de ser tratado como tal.
1 2 - Inclusão
Ao abordar o tema deficiência, vimos que o imaginário sobre a Pessoa com
Deficiência decorre de preceitos e conceitos construídos culturalmente e
modificam-se ao longo do tempo, conforme as situações sociais, políticas e
culturais que vão se delineando também com o passar do tempo. O modelo médico,
centrado na falta, na anomalia, está ainda muito arraigado no imaginário da
sociedade e expressa sua compreensão sobre a deficiência, possibilitando que as
pessoas que trazem a marca de alguma, sejam colocadas à margem.
À medida que se modificam os conceitos sobre estas pessoas, muda também a
forma como elas são tratadas na sociedade e como participam dos espaços sociais.
No entanto, em que pesem as mudanças do imaginário sobre o mundo da
deficiência, o estigma a respeito do assunto continua e o processo de exclusão
permanece na sociedade. GOFFMAN afirma:
O termo estigma, portanto, será usado em referência a um atributo profundamente depreciativo, mas o que é preciso na realidade, é uma linguagem de relações e não de atributos. Um atributo que estigmatiza alguém pode confirmar a normalidade de outrem, portanto ele não é, em si mesmo,
nem honroso nem desonroso. (GOFFMAN, 1988: 1)
No entanto, o próprio GOFFMAN diz que: “Por definição, é claro, acreditamos que
alguém com um estigma não seja completamente humano.” (GOFFMAN, 1988:15)
Isto consciente ou inconscientemente justifica as relações de exclusão que
imperam na sociedade em relação às pessoas com deficiência. “Há, bem no fundo,
um sentimento velado de rejeição contra tudo o que é diferente, que é ‘defeituoso’
e que causa certo mal-estar” (SILVA, 1986: 20). As pessoas com deficiência vivem,
via de regra, a experiência de uma profunda marginalização, da sociedade, do
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conhecimento, do trabalho e até da família. Esta marginalização se dá através do
afastamento do convívio social pela institucionalização, segregação na família, etc.
Cotidianamente presencia-se ou ouve-se relatos que demonstram a marginalização
e segregação destas pessoas. Fui pastora em uma cidade do RS, na região
calçadista, no início da década de 90, onde a população era basicamente de
pessoas oriundas da zona rural, que vieram morar na periferia da cidade, para
trabalhar na indústria do calçado. Estes pequenos agricultores deixavam sua terra
e se instalavam ali em precárias condições. Após já haver trabalhado por longo
período com aquela população, em uma certa programação de final de ano, na
distribuição de doces para as crianças, uma senhora da comunidade pediu-me um
pacotinho a mais para levar para um vizinho doente. Procurei saber quem estava
doente. Então ela contou: é o filho do meu vizinho da frente, na verdade ele é
doente, teve um problema no parto e vive em cima de uma cama. Ele é gêmeo com
“fulano”. O fulano era um adolescente que eu conhecia, vizinho do barraco onde
nos reuníamos, deveriam ter uns 14 ou 15 anos. Seu irmão teve uma complicação
ao nascer, ocasionando uma paralisia cerebral grave. Tinha uma vida vegetativa.
Este adolescente vivia segregado em casa e nem a maioria da vizinhança sabia de
sua existência.
Uma senhora que fazia trabalho voluntário nas periferias da sua cidade, a uns 10
km de Porto Alegre (uns 10km), em um encontro de capacitação da FCD relatou
as degradantes condições, abandono, falta de higiene e saúde em que
encontravam as pessoas com deficiência, nas visitas que faziam.
Vivemos, no ano de 2016, a experiência de sediar no Brasil as Paralimpíadas, onde
pode-se acompanhar um grandioso espetáculo de eficiência e possibilidades
proporcionado por pessoas com deficiência. Evento este, que não ficou devendo
em nada para as Olímpiadas que aconteceu poucos dias antes. Este acontecimento
e sua divulgação deram sinais concretos de como as pessoas com deficiência estão
colocadas na sociedade: um grupo à margem. Por um lado, a mídia deu, ou não
deu, atenção ao evento, tratando-o como um evento à parte: Aconteceu o grande
evento das Olimpíadas, agora tem um apêndice: a Paralimpíada. Pouca divulgação,
pouco espaço para que a população pudesse acompanhar o desempenho dos
atletas. Quem não teve acesso aos canais fechados, de TV, praticamente, só pode
acompanhar os feitos de maior destaque: à premiação dos vencedores, às quebras
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de recordes. A eficiência do dia a dia, o desempenho de cada atleta, sua eficiência
em praticar determinada modalidade, mesmo lhe faltando algo, foi privada à
população de acompanhar. Em uma Olimpíada, ou em qualquer outra competição,
para haver um vencedor, é necessário haver outros competidores, que podem não
ter sido o melhor naquele momento, mas que são muito bons naquilo que fazem e
o vencedor só venceu porque teve alguém com quem competir. Por outro lado, nas
divulgações, foram dadas, de forma exagerada, ao meu ver, ênfases à ideia de
superação e a idéia de “heroicização” destes competidores. Essa atitude de
“heroicização” parece-me perigosa.
Cada vez que alguma pessoa que tem algum estigma particular alcança notoriedade, seja por infringir a lei, ganhar um prêmio ou ser o primeiro de sua categoria, pode-se tornar o principal motivo de tagarelice de uma comunidade local; esses acontecimentos podem até mesmo ser notícia nos meios de comunicação da sociedade mais ampla. De qualquer forma, todos os que compartilham o estigma da pessoa em questão tornam-se subitamente acessíveis para os normais que estão mais imediatamente próximos e tornam-se sujeitos de uma ligeira transferência de crédito ou descrédito. Dessa maneira, sua situação leva-os facilmente a viver num mundo de heróis e vilões de sua própria espécie, sendo a sua relação com esse mundo sublinhada por pessoas próximas ou não, que lhes trazem notícias do desempenho de indivíduos de sua categoria. (GOFFMAN, 1988: 37)
Corre-se o risco de colocar estas pessoas na condição de superioridade em relação
a tantos outros que têm deficiência e não tiveram oportunidade de estarem lá ou
têm outras eficiências que não são ligadas ao esporte de alta
“produtividade”. Ou ainda de colocar numa condição de supra-humano, de certa
forma desconsiderando a condição humana de um contingente da humanidade que
tem alguma deficiência e não tem a visibilidade das suas eficiências.
Em meio a esta marginalização e segregação há o movimento de trazer estas
pessoas ao convívio da sociedade. Isto passa pelo processo de transformação do
entendimento e da desconstrução do imaginário sobre a deficiência. No bojo desta
tentativa de aproximação destas pessoas com a sociedade, há dois conceitos que
perpassam essa discussão: integração e inclusão. Embora muitas vezes usadas
como sinônimo, COSTA-RENDERS (2009) assim como CERIGNONI;
RODRIGUES (2005) reportam a uma questão política apresentando pontos de
diferenciação. Embora, ambas estejam preocupadas com a presença da pessoa
com deficiência na sociedade partem de pressupostos diferentes para atuação. A
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integração tem seu fundamento no modelo médico enquanto que a Inclusão tem
como referência o modelo social.
“Se para o modelo médico a lesão levava à deficiência, para o modelo social
são os sistemas sociais excludentes que levam pessoas à experiência da deficiência. Em síntese, o modelo médico identifica a pessoa com deficiência como alguém com algum tipo de inadequação para a sociedade: o modelo social, por sua vez, inverte o argumento e identifica como deficiência a inadequação da sociedade para a inclusão de todos, sem exceção. (CERIGNONI; RODRIGUES, 2005: 33,34)
Para os autores o principal problema está na forma como as pessoas são tratadas
na sociedade em decorrência de sua deficiência. Por isto, a necessidade de tratar
estes termos separadamente.
1 2 1 - Integração
Integração, poder-se-ia dizer, está mais relacionada ao modelo médico, e dá ênfase
à deficiência; de certa forma o diagnóstico é que estabelece os procedimentos a
serem adotados para que a pessoa com deficiência possa aproximar-se dos
padrões de normalidade e assim participar da sociedade. Embora se possa
considerar a integração como um processo embrionário do movimento em direção
à inclusão, está relacionada à adaptação da pessoa com deficiência à sociedade,
na busca de reabilitação e inserção na mesma. Para Costa-Renders “a integração
é uma via de uma mão só – onde cabe à pessoa com deficiência superar suas
incapacidades para inserir-se na sociedade.” (COSTA-RENDERS, 2009:89).
Segundo ARANHA (2001:6), este ideário está imbricado no século XVII, no
surgimento do modo de produção capitalista. Passa-se a defender a ideia de que
os indivíduos não são iguais e que é necessário respeitar as diferenças. Isso dava
legitimidade para a existência da desigualdade social, a prática da dominação do
capital e dos privilégios.
Dentro deste processo de fortalecimento da produção capitalista, está inserido o
paradigma da institucionalização, uma medida que demanda muito custo. Além do
que acresce, com o desenvolvimento da indústria, as deficiências causadas por
acidentes de trabalho e a necessidade de tornar ou retornar estas pessoas
produtivas, dando origem a um novo paradigma, o Paradigma de Serviços, com o
62
objetivo de tornar as pessoas com deficiência o mais próximo possível da
“normalidade”. Aí surge a ideia de reabilitação e neste bojo proliferam os centros
de reabilitação. Estes esforços tem o mérito de inserir a pessoa com deficiência na
sociedade, no entanto, ela precisava alcançar padrões compatíveis com os
vigentes na sociedade.
No modelo integrativo, a sociedade, praticamente de braços cruzados, aceita receber pessoas com deficiência desde que estas sejam capazes de:
moldar-se aos requisitos dos serviços especiais separados (classe especial, escola especial, etc)
acompanhar os preconceitos tradicionais (de trabalho, escolarização, convivência social, etc)
contornar os obstáculos existentes no meio físico (espaço urbano, edifícios, transportes, etc)
lidar com as atitudes discriminatórias da sociedade, resultantes de estereótipos, preconceitos e estigmas (Sasssaki, 1995ª; Amaral, 1994, p.18, 35-37, 40), e
desempenhar papéis sociais individuais ( aluno, trabalhador, usuário, pai, mãe, consumidor, etc) com autonomia, mas não necessariamente com independência . (SASSAKI, 2006: 34)
Concomitante a esse processo, no âmbito da medicina foi avançando e se
consolidando o conhecimento sobre fisiologia, bioquímica, etc. Com o passar do
tempo, foram dados passos importantes de intervenções que poderiam levar a uma
nova configuração ao atendimento às pessoas com deficiência e até na
“minimização” da deficiência, aproximando o “portador/a” da normalidade. Talvez
daí originando a tão propalada ideia de “superação”. Essa ideia não cabe numa
sociedade inclusiva. Quando se fala em superação parece estar embutida a ideia
de que a pessoa deixou de “portar” sua deficiência. Que conseguiu se tornar mais
“normal”. Conseguiu aproximar-se do mundo dos normais. Deixou a deficiência pelo
caminho. No entanto, o que acontece é que a pessoa não deixa de ter uma
deficiência, no entanto ela desenvolve suas competências , que são muitas, como
qualquer outra pessoa.
1 2 2 - Inclusão Social
A palavra inclusão vem do latim inclusius, includo – encerrar, fechar, rodear, cercar,
incluir. Inclusio, inclusionis – prisão, encerramento. Os dicionários como: HOUAISS
(1979 ) define inclusão como Ação ou efeito de incluir – compreender, envolver;
63
para FERREIRA (2005) incluir é – fazer parte, fazer constar na lista ou conter, trazer
em si, compreender, abranger; Pensando na inclusão da pessoa com deficiência,
entende-se inclusão como inserir, dar condições para que ela tome parte, abranger
a todos o direito de ser e participar integralmente da sociedade.
A inclusão traz um movimento em direção contrária à integração. É a caminhada
da sociedade em direção à pessoa com deficiência, reconhecendo-a como
pertencente ao grupo social e sujeito de direitos. “A inclusão é uma via de mão
dupla – onde também a sociedade é responsável pela superação das
incapacidades da pessoa com deficiências, barreiras estas resultantes de barreiras
sociais” (COSTA-RENDERS, 2009:89). A atenção não está centrada na sua
incapacidade, mas no que falta para que ela faça parte de seu grupo social sem
barreiras arquitetônicas, comunicacionais e atitudinais; no que ela tem para
contribuir com seu grupo social onde as diferenças não são barreiras, mas
possibilidades de construção de subjetividades e de um novo status quo.
Podendo definir, então, inclusão como: o ato ou ação de incluir, compreender,
envolver, fazer tomar parte das ações que constroem cidadania. Cidadania,
entendida aqui, como medida da qualidade da vida humana, ou seja: “o homem só
é efetivamente humano na medida em que dispõe das condições objetivas que lhe
permitam exercer sua tríplice atividade prática: a prática produtiva, prática social, e
a prática simbólica” (SEVERINO, 2002:11). Seria a construção de possibilidade de
participação no mundo do trabalho, do convívio na sociedade e na cultura
simbólica. Goffman, afirma: “Por definição, é claro, acreditamos que alguém com
um estigma não seja completamente humano,” (GOFFMAN, 1988:15). Neste
sentido é necessário reconhecer a dignidade humana da pessoa com deficiência.
Se formos capazes de nos colocar diante da pessoa com deficiência de igual para igual, descobriremos, neste convívio, que o ser humano tem uma capacidade extraordinária de superar seus limites, quando acolhido e amado por outro ser humano. (CERIGNONI; RODRIGUES, 2005: 67)
Como seres humanos, somos inconclusos, limitados, condicionados. É preciso ver
no diferente um outro que é capaz de se colocar diante de nós com sua condição
de ser humano e que traz em si a possibilidade de ser, de reagir além do limite do
nosso desejo.
64
O vídeo Janelas da alma10 apresenta diferentes olhares, não só diferentes formas
de interpretar o que se vê. Poder-se-ia dizer: com que instrumentos se vê, com os
olhos como a maioria das pessoas, com o tato, com outros órgãos dos sentidos ou
mesmo com os sentimentos? A palavra de um dos entrevistados, que tem uma
dificuldade, ou melhor, uma alteração visual chama a atenção. Para ele isto não é
uma dificuldade, é a forma que ele vê, não sabe se esta é a melhor ou pior, não
imagina ver o mundo de outra forma. Ele tem uma maneira diferenciada de ver o
mundo, não só de interpretá-lo, mas uma instrumentalização diferente para ver o
mundo. Porém, não deixa de participar da vida e de fazer a diferença nela, o que
nos aponta a necessidade de conviver com o diferente, “sem obviamente, se
considerar superior ou inferior a ele ou ela, como gente” (FREIRE, 2003b:194). No
pensamento de ARDOINO (1998), “instituir o outro como outro”. Isto significa
considerar o outro como valioso, importante, com capacidade de participação
criadora na construção de si mesmo e de relações libertadoras. Reconhecer o ser
humano é reconhecer nossa dignidade e nossos direitos, reconhecer a dignidade e
o direito dos outros, primar para que a dignidade e o direito de todos sejam
garantidos. Independente das diferenças de locomoção, de comunicação, da forma
de ver e de ler o mundo.
O conceito de cidadania aponta para pertencimento e participação. Seria dizer que
todos pertencem à sociedade brasileira e participam dela como sujeitos de direitos
e deveres. Entre estes direitos, está o acesso à educação independente de suas
limitações ou diferenciações. A educação é mediadora do processo de construção
de cidadania, “ela só se legitima se estiver construindo a cidadania.” (SEVERINO,
2002:11). Pode-se dizer que a educação é um processo contínuo de aquisição de
conhecimento acumulado pela humanidade ou sua relação com o cotidiano,
10 JANELA DA ALMA. Documentário de João Jardim e Walter Camargo – 2001
Dezenove pessoas com diferentes graus de deficiência visual, da miopia discreta à cegueira total, falam como se vêem, como vêem os outros e como percebem o mundo. O escritor e prêmio Nobel José Saramago, o músico Hermeto Paschoal, o cineasta Wim Wenders, o fotógrafo cego franco-esloveno Evgen Bavcar, o neurologista Oliver Sacks, a atriz Marieta Severo, o vereador cego Arnaldo Godoy, entre outros, fazem revelações pessoais e inesperadas sobre vários aspectos relativos à visão: o funcionamento fisiológico do olho, o uso de óculos e suas implicações sobre a personalidade, o significado de ver ou não ver em um mundo saturado de imagens e também a importância das emoções como elemento transformador da realidade se é que ela é a mesma para todos. http://www.adorocinema.com/filmes/filme-50435/ ACESSO – 6/04/2017
65
construindo cidadania que traz a ideia de pertencimento e participação. Acontece
em espaço formal, institucional (escola) e ou em qualquer outro que propicie aos
sujeitos a conscientização de seu desenvolvimento como ser humano.
Desenvolvimento este que traga autonomias individuais, participações
comunitárias e sentimento de pertencimento à espécie humana (MORIN, 2002:55).
A caminhada para inclusão é um processo educativo. O centro do processo
educativo é o ser humano, que traz em si toda uma complexidade porque é um ser
psicológico, biológico, social, histórico, religioso que vai se constituindo como ser
humano à medida que vai se conscientizando de sua condição pessoal e social.
Ernani Maria Fiori, na apresentação da Pedagogia do Oprimido referindo-se ao
método Freiriano diz que a “antropologia acaba por exigir e comandar uma política”
(FIORI, 1991: 53). Certamente, refere-se a todos e todas, independentemente de
suas condições, físicas, sociais, mentais, etc. A discussão sobre inclusão tem que
ser centrada na visão de ser humano e no entendimento sobre educação. A
educação deve incluir todos em um processo que é antropológico, gnosiológico e
político porque traz a perspectiva de transformação social. Para pensar educação
e inclusão, é fundamental a visão do ser humano como inacabado; sujeito de
história que não só sofre os efeitos dos acontecimentos, mas que faz história; que
é capaz de ler o mundo; que tem a sua palavra e, ainda, considerar que a educação
se constrói no diálogo.
Homens e mulheres, ao longo da história, vimo-nos tornando animais deveras
especiais: inventamos a possibilidade de nos libertar na medida em que nos
tornamos capazes de nos perceber como seres inconclusos, limitados,
condicionados, históricos. Percebendo, sobretudo, também, que a pura
percepção da inconclusão, da limitação, da possibilidade, não basta. É preciso
juntar a ela a luta política pela transformação do mundo. A libertação dos
indivíduos só ganha profunda significação quando se alcança a transformação
da sociedade (FIORI, 1991: 100).
Freire fala ainda na capacidade do ser humano de ler o mundo, “do ato de ler, que
não se esgota na decodificação pura da palavra escrita ou da linguagem escrita,
mas que se antecipa e se alonga na inteligência do mundo. A leitura do mundo
66
precede a leitura da palavra” (FREIRE, 1984:11). O filme Diário de Motocicleta11, de
Walter Salles, mostra claramente a possibilidade do ser humano de fazer a leitura
do mundo e o quanto isso pode ser transformador. Alberto e Ernesto percorrem a
América do Sul em uma motocicleta velha, sujeitos a qualquer contratempo. Os
dois jovens depararam-se com diferentes situações de vida do povo latino-
americano que não foram tomadas apenas como situações pitorescas de uma
viagem aventureira. Eles se interessaram pela situação e se deixaram tocar pelo
que estavam vivenciando. O filme demonstra isto em várias situações: desde a
carta para a mãe, onde relata a morte da senhora idosa, ao olhar melancólico do
barco rebocado, onde navegam os pobres e os doentes. O contato com a teoria
veio mais tarde, quando tiveram contato com as ideias de Mariategui sobre o
potencial revolucionário do povo da América Latina, mas já estavam impregnados
pela leitura que fizeram das situações vivenciadas. A possibilidade de ler o mundo
e envolver-se com ele propiciam a alteração. Promove construção da subjetividade
em relação, reforçando a ideia de Freire, do ser inacabado e a vocação de ser mais.
Na situação de inclusão de pessoas com deficiência, é preciso ler o mundo destas
pessoas que são seres humanos e que vivem no seu dia a dia as barreiras
colocadas a partir de sua condição; barreiras reais ou impostas pela sociedade e
descobrir com elas o que é possível transpor ou eliminar. Paulo Freire, em sua obra
escrita e realizada, demonstra uma amorosidade pela vida, pelo mundo e,
especialmente, pelas pessoas que, de certa forma, as sacraliza. Nesta
amorosidade deve-se ter presente que não é um amor piegas, mas um amor em
11 Diários de Motocicleta - O filme de Walter Salles mostra a viagem que Ernesto Guevara, o
Che, e seu amigo Alberto Granado fizeram pela América do Sul na década de 50. Che Guevara
era um jovem estudante de medicina, seu amigo, Alberto Granado, um bioquímico. Baseado em
fatos reais e aborda uma viagem pela América do Sul, em 1952, destes dois amigos. Saíram da
Argentina com o intuito de percorrer o subcontinente em uma motocicleta, pois pretendiam
conhecer a América do Sul, da qual só tinham informações através de livros e revistas. A viagem
é realizada em uma moto, que acaba quebrando após 8 meses. Mesmo assim, eles seguem
viagem por meio de caronas e caminhadas. Quando os viajantes chegam à colônia de San Pablo,
no Peru, ali havia um leprosário, tanto Che Guevara quanto Alberto Granado convivem com os
doentes sem qualquer tipo de discriminação e orgulho.
O filme também aborda as desigualdades socioeconômicas da população sul-americana.
http://educador.brasilescola.uol.com.br/estrategias-ensino/o-filmediarios-motocicleta.htm
Acesso em 06/04/2017
67
ação, que implica em comprometimento e esperança: “a verdadeira generosidade
está em lutar para que desapareçam as razões que alimentam o falso amor”
(FREIRE, 1977: 31).
No encontro de heterogeneidades há possibilidades da construção de uma postura
diante da vida e de uma relação de construção de subjetividades. A princípio, pode
ser dolorosa, mas quando passamos a olhar o outro como outro que, na sua
diferença, é um ser humano capaz de se constituir sujeito de sua identidade, esta
pode se tornar uma experiência enriquecedora. Lembrando Oliver Sacks (1995),
precisamos passar por uma mudança radical no funcionamento psicológico, no eu,
na identidade. Em nosso processo de ver o outro, em sua identidade e na
construção de nossa nova identidade, se processa o mesmo. O que ARDOINO
chama de alteração, “ela ocorre no tempo, na temporalidade e contém também a
morte e o enriquecimento tudo junto” (ARDOINO,1998:20), se dá no
reconhecimento do outro como outro que está em interação comigo e com o mundo
e está “me” e “se” constituindo como ser humano, é considerar a presença do outro
e sua ação (BARBOSA, 2004:16,17). Poderíamos dizer que estamos assim em um
processo de educação para a condição humana.
Educar para a condição humana é, antes de qualquer coisa, buscar compreender a condição humana vislumbrando a possibilidade de uma vida melhor para todas as pessoas, com ou sem deficiência. É reconhecer a cultura humana em sua complexidade e respeitá-la. Nestes termos, é possível olhar a pessoa com deficiência como uma pessoa que compõe o universo social e que tem um modo diferente de viver e aprender. (COSTA-RENDERS, 2009: 95)
Na caminha da educação para a condição humana está o direito a educação e a
uma educação inclusiva, no que se refere a pessoa com deficiência ou não.
1. 2 3 - Inclusão Escolar
A Constituição de nosso país garante a todos os cidadãos brasileiros o direito à
cidadania e à educação ( Art.1º, 3º, 5º e 205ss), sem discriminação de qualquer
espécie. A lei nº 8.069/90, no art. 54, III, assegura o atendimento educacional
especializado, que deve ocorrer de forma preferencial na rede regular de ensino. A
68
lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), Lei 9.394/96 garante a educação e o
atendimento especializado, na rede regular de ensino, com apoio necessário. Para
se efetivarem esses direitos previstos na Constituição, muitas discussões se
estabelecem em torno da educação de pessoas com deficiência.
A Declaração de Salamanca, 1994, com base na Declaração Universal dos Direitos
Humanos (1948), reafirma o direito à educação para todos os indivíduos. Garante
o acesso às escolas regulares, que incluam a todos. Estas escolas devem adequar-
se através de uma pedagogia centrada na criança, capaz de ir ao encontro de suas
necessidades. É enfática quando recomenda aos órgãos governamentais a
necessidade de construir novos paradigmas educacionais adequados e voltados à
criança e às suas necessidades. Apela aos governos, entre outras coisas, para:
- adotar como matéria de lei ou como política o princípio da educação inclusiva,
admitindo todas as crianças nas escolas regulares, a não ser que haja razões
que obriguem a proceder de outro modo (Declaração de Salamanca, 1994: IX).
- que sancionem a perspectiva da escola inclusiva e apoiem o desenvolvimento
da educação de alunos com necessidades especiais, como parte integrante de
todos os programas educativos (Declaração de Salamanca, 1994:X).
A inclusão, segundo Maria Teresa Mantoam, é a “inserção escolar de forma radical,
completa e sistemática.” Todos os alunos, sem exceção, devem frequentar as salas
de aula do ensino regular. (MANTOAN, 2003: 19). Ela entende que no conceito de
integração cabe a idéia de escola especial. Para Susan Stainback
uma escola inclusiva é um lugar do qual todos fazem parte, em que todos são aceitos, onde todos ajudam e são ajudados por seus colegas e por outros membros da comunidade escolar, para que suas necessidades educacionais sejam satisfeitas (STAINBACK, 1999:XII).
A presença de uma pessoa com deficiência na rede de ensino deve garantir-lhe
estar integralmente envolvida no processo educacional, em todos os espaços
disponíveis, capazes de propiciar seu desenvolvimento cognitivo, cultural, social
possibilitando seu crescimento como ser humano. Deve permitir seu crescimento
pessoal e possibilitar a seus colegas um crescimento em relação à sua visão sobre
as diferenças e uma postura qualificada de convivência com elas. Isto nos reporta
ao pensamento de MASETO (2003) sobre processo de aprendizagem. Ele faz uma
diferenciação entre processo de ensino e processo de aprendizagem. O processo
69
de ensino traz a ideia de transmissão de conhecimento “o professor ‘ensina’ aos
alunos que ‘não sabem”. Ele defende o processo de aprendizagem, que embora
traga embutida a ideia de ensino, leva em conta o aluno, o que ele precisa saber,
como ele aprende e qual o capital cultural que possui.
... aprender entendemos buscar informações, rever a própria experiência,
adquirir habilidades, adaptar-se às mudanças, descobrir significados nos seres,
nos fatos, nos fenômenos e nos acontecimentos, modificar atitudes e
comportamentos. (MASETO, 2003:36)
Ao falarmos de processo de aprendizagem, queremos nos referir a um processo
de crescimento e desenvolvimento de uma pessoa em sua totalidade,
abarcando minimamente quatro grandes áreas: a do conhecimento, a do
afetivo-emocional, a de habilidades e a de atitudes ou valores. (MASETO,
2003:37)
A educação como ato de conhecimento vai além de aquisição de conteúdo,
estende-se a conhecer a razão de ser dos fatos econômicos, sociais, políticos,
ideológicos, históricos a que estejamos submetidos (FREIRE, 1999:102).
Ensinar e aprender são assim momentos de um processo maior - o de
conhecer, que implica re-conhecer. No fundo, o que eu quero dizer é que o
educando se torna realmente educando quando e na medida em que conhece,
ou vai conhecendo os conteúdos, os objetos cognoscíveis, e não na medida
em que o educador vai depositando nele a descrição dos objetos ou dos
conteúdos (FREIRE, 1999:47).
Dentro deste processo de aprendizagem, o professor/a torna-se mediador da
construção do conhecimento, pesquisador e incentivador de pesquisa e mediador
de convivência das diferentes culturas. Com a perspectiva da escola inclusiva, a
convivência com o diferente torna-se mais aguda, o docente, além de conviver com
as dificuldades da docência e sua constante necessidade e busca de superação
desta demanda, depara-se com o “inédito viável”, como diria Paulo Freire.
O ‘inédito viável’ é na realidade uma coisa inédita, ainda não claramente
conhecida e vivida, mas sonhada e quando se torna um ‘percebido destacado’
pelos que pensam utopicamente, esses sabem então que o problema não é
mais um sonho, que ele pode se tornar realidade. (Ana Maria Freire, in FREIRE,
1999: 206)
70
O docente tem diante de si o desconhecido que se apresenta e já à primeira vista
é diferente na forma de se locomover, de se comunicar, de ler, etc. A diferença
agora não é só de âmbito cultural de construção de sentidos e valores, culturas
diferentes. Inclui um instrumental de comunicação e locomoção diferenciado. No
entanto, é uma pessoa que transpôs barreiras, que se constituiu como estudante,
na maioria das vezes com muitas lutas e dificuldades e chegou, está aí para
continuar sua caminhada no sentido de “ser mais”.
O docente e discente se constroem em relação e juntos produzem conhecimento
sobre si e sobre o conhecimento acumulado pela humanidade. em que o outro não
é apenas ideia de outro, mas considerar a presença do outro e sua ação na
temporalidade e “que produz morte e enriquecimento tudo junto” (BARBOSA, 2004)
A pessoa com deficiência é um dos atores deste processo e precisa ser incluída
como participante deste processo. Ela tem plenas condições de ser atora e autora
desta construção de cidadania, pois “o fim último da educação inclusiva é a
conquista da autonomia moral e intelectual de pessoas com deficiência” MANTOAN
(1997). Isto nos reporta à ideia de autor-cidadão defendida por BARBOSA (2000),
que aponta o aluno como construtor da sua própria história e ao mesmo tempo
construtor da história, participando de todas as perspectivas da vida.
Educando é o sujeito que se percebe “não pronto” (fechado), como se
fosse um lugar definitivo, mas “pronto” (aberto), no sentido da capacidade
de, per si, elaborar uma leitura do mundo e de se expressar nele, como
numa linguagem em que a continuidade é propriedade importante, em
resposta aos desafios das mais diferentes ordens e de velocidade cada
vez mais acentuada, apresentados pela dinâmica social. (BARBOSA,
2000: 90)
É importante ressaltar que o papel do educador e da educadora é desafiador.
Desafio este, que reporta novamente ao filme “Diário de Motocicleta”. O
personagem, em sua festa de aniversário, ao invés de ficar confortável no seu
mundo já estabelecido, opta por estar com os leprosos, mesmo que isto lhe custe
uma difícil e perigosa travessia a nado por um rio caudaloso. Ele estava do lado da
ciência, do lado do conhecimento (proximidade dos médicos, o hospital...), mas isso
não bastava. Era necessário aproximar-se dos que necessitavam desse
conhecimento para torná-lo efetivo, transformando-o em atividade prática e
71
proveitosa para os que dele necessitam. Essa travessia é um ato simbólico do papel
do educador, que é o de servir de elo, de aproximação entre o saber sistematizado
e saber informal, entre quem detém o conhecimento e quem necessita deste
conhecimento. Atravessar o rio torna-se ato emblemático de transposição de
barreiras para aproximar dois mundos, que, na verdade, são duas faces da mesma
moeda.
A postura educacional deve ser a de apostar no incerto e trilhar um caminho que
precisa ser descoberto a cada passo, partindo do princípio de que o que está dado
não é definitivo. MANTOAN fala em déficit real e circunstancial, refere-se a déficit
real como aquele dado pelo diagnóstico médico diante da anomalia ou lesão
apresentada. O déficit circunstancial seria a interação entre a incapacidade física
e/ou mental e os obstáculos que o social interpõe entre o sujeito e o meio
(MONTOAN, 2000:18). Este pensamento encontra eco no pensamento de
Fewerstein, apontando que o objetivo não deve ser de definir as características
estáveis, mas procurar formas para superar as barreiras impostas, “é conhecer as
diferenças de forma a sobrepujá-las” (FEWERSTEIN apud BEYER, 1996: 72).Estes
pensamentos sustentam-se na teoria de Vygotsky, da zona de desenvolvimento
proximal. Segundo ele:
Ela é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma
determinar através da solução independente de problemas, e o nível de
desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob
a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes
(VYGOTSKY, 2000: 112) .
A escola pode proporcionar estes procedimentos que ajudam a construção da
educação levando em conta o pensamento de Fewerstein e Vygotsky. O primeiro
defende a mediação como instrumento de estimulação e possibilidade de transpor
barreiras de aprendizagem. O outro defende a troca entre alunos/colegas com
“níveis” diferentes de aprendizagem. “As formas de funcionamento cognitivo são
construídas através dos processos interpsíquicos, vivenciados pelo sujeito. Estes
processos interpsíquicos acontecem no nível das interações vividas pelo indivíduo
no seu grupo cultural” (VYGOTSKY, apud BEYER, 1996: 53). Estas posturas
apontam para um processo educacional que transpõe o modelo médico e vê o
educando com possibilidades de ser mais e com condições de transpor barreiras
postas por sua deficiência e ou barreiras que lhe impõe a sociedade.
72
Pensando mais na presença da criança com deficiência na escola, esta deve
garantir-lhe estar integralmente envolvida no processo educacional em todos os
espaços disponíveis capazes de propiciar seu desenvolvimento cognitivo, cultural,
social, possibilitando seu crescimento como ser humano. Deve permitir seu
crescimento pessoal e possibilitar a seus colegas um crescimento em relação à sua
visão sobre as diferenças, bem como a postura qualificada de convivência com
elas.
O trabalho de inclusão, certamente, é como navegar em um oceano de incertezas,
e é necessária a parceria entre todos os atores desse processo, não reforçando as
suas limitações e dificuldades, mas valorizando as características positivas, nas
quais se possibilite apostar em seu desenvolvimento. Muitas vezes, o caminho a
ser percorrido com uma criança com deficiência é bastante desconhecido, todos
parecem estar pisando em um pântano, porém é preciso acreditar na possibilidade
de chegar ao solo firme. Cada um tem uma parte desta pista. Pode-se dizer que
todos têm uma pedra que pode servir de apoio para um próximo passo. Cada pedra
colocada pode formar uma trilha onde se consegue prosseguir com mais
segurança. Neste caminhar em direção a uma educação inclusiva, três elementos
devem estar aliados: a família, a escola e outros profissionais especializados.
A discussão sobre inclusão no universo das pessoas com deficiência passa pelo
pensar sobre a família, em geral, a temos como um espaço idealizado, cheio de
virtudes, mas que na prática não é bem isto. Sabemos que a família é espaço de
conquista, aprendizado, troca de afeto, cristalização de atitudes, de conceitos, mas,
também, de preconceitos, de muito conflito, luta de poder, ciúmes, etc. Quando da
presença de uma pessoa com deficiência, tudo isto pode ser potencializado. Pode
ser o primeiro espaço de inclusão ou de exclusão.
Via de regra, a família passa por algumas fases, como: luto pela perda daquele ser
idealizado, busca da superação do “problema”, aprendizagem de viver aquela
situação, que precisam ser considerados.
73
Muitas vezes, a própria família, passa por um processo de exclusão, pelo fato de
ter a presença da deficiência em um dos seus membros. Ela também precisa ser
incluída, no meio social, no meio médico, no meio escolar. Por outro lado,
teoricamente, passa a maior parte do tempo com a criança. Circula entre os demais
ambientes que a criança frequenta. Nem sempre tem conhecimento acadêmico
sobre o assunto, mas tem a vivência com a criança e ela precisa dos saberes dos
outros envolvidos para qualificar sua atenção com a criança.
Nos relatos de familiares, normalmente as mães, é frequente a constatação de
como os diagnósticos e prognósticos são limitadores e de como seus filhos
quebraram, extrapolaram os prognósticos. Mas ainda assim, elas mantêm um
vínculo com os profissionais da saúde que lhes dão um certo saber sobre as
condições de seus familiares.
A escola, por outro lado, tem o instrumental educacional e o espaço de convivência,
necessários para o desenvolvimento da criança. Em primeiro lugar a escola propicia
a convivência com outras crianças o que é estimulador para que a criança com
deficiência desenvolva suas potencialidades. Por outro lado, é o espaço de
compartilhamento do conhecimento acumulado pela história da humanidade que é
importante para bagagem cultural do educando, Da mesma forma, que dá
possibilidade para que este construa seu próprio conhecimento.
Porém, é impossível ter o conhecimento sobre todos os aspectos de todos os
alunos. A troca com outros envolvidos pode enriquecer o processo, seja com a
família, seja com profissionais da saúde, tornando o processo de inclusão em um
caminhar criativo e de desconstrução de barreiras para os educandos com
deficiência.
Há outros profissionais, como: médicos, psicólogos, psicopedagogos, terapeutas
ocupacionais, fonoaudiólogos, etc, que detêm conhecimento mais especializado e
podem contribuir para a inclusão, clarear mais o caso clínico e subsidiar a escola
no processo de inclusão.
74
Tem uma fundamental importância a parceria entre eles. A família pode ser o elo
entre a escola e estes profissionais. É necessário que barreiras sejam quebradas
na relação destes três elementos, sabendo que o três tem a sua contribuição para
a construção de uma vida digna para a pessoa envolvida, seja ela criança ou adulto.
O processo de inclusão social ou educacional que vivemos nos tempos atuais estão
intrinsicamente ligado ao entendimento sobre deficiência que se construiu e
desconstruiu ao longo da história. Hoje vivemos um momento de resgate da
dignidade humana das pessoas com deficiência, porém volte e meia, aflora as
atitudes discriminatórias para com estas pessoas. Haja vista, as medidas
governamentais que têm sido tomadas atualmente, como Reforma da Previdência
e Terceirização que vão retirar direitos adquiridos. Isto daria outra tese. Até aqui
vivíamos um momento, onde a brisa da inclusão, de direitos e dignidade foi
conquistado pela construção de conhecimento sobre a deficiência e sobre o ser
humano e muito pela luta dos movimentos de pessoas com deficiência que se
intensifica a partir da década de 1980.
75
Capítulo II
COM QUE OLHAR?
Referencial Teórico Metodológico
O título do trabalho aponta para o olhar que tem como principal objetivo dar conta
de vários aspectos que envolvem a FCD. No capítulo anterior, procuramos sinalizar
temas que estão envolvidos neste universo por onde transita este olhar e precisam
ser levados em conta para melhor entendermos o universo das pessoas com
deficiência. Agora, se faz necessário tornar claro o olhar teórico-metodológico que
está a nortear o percurso a ser desbravado.
Ao debruçar o olhar sobre um objeto de pesquisa, é preciso ter clareza com que
lente se está fazendo isto, quais referências nos possibilitam analisá-lo, com que
visão de mundo estamos desvendando dados e fatos. É importante salientar que
me aproximo deste movimento chamado FCD com um olhar de quem tem
vivenciado o mundo das deficiências com uma certa intensidade e interesse,
especialmente, nos últimos anos em que tenho me permitido ver aspectos que não
eram percebidos em tempos passados. Isto me possibilita pensar e pesquisar a
partir dos referenciais vivenciais e acadêmicos aqui postos.
A proposta primeira é olhar para este “locus” procurando trazer à luz a história e os
depoimentos das pessoas que atuaram na luta pela conquista da dignidade
humana e dos direitos das pessoas com deficiência. Lembremos que, quando
falamos em deficiência, não a estamos tratando como contrária à eficiência,
capacidade, potencialidade. Referimos aqui pessoa com deficiência como alguém
que tem alguma dificuldade, ou falta em algum órgão ou sentido, mas isto não
significa que não seja capaz. O dicionário do portal UOL define “eficiente” como
“competente e eficaz”. Isso a pessoa com deficiência pode ser se lhe forem
possibilitadas as oportunidades de sê-lo. Por isso a necessidade de olhar para a
caminhada destas pessoas procurando ver o protagonismo de suas vidas, a
construção de uma nova realidade com a participação de todos e todas e a
importância de cada um e cada uma com a mínima contribuição que seja.
76
2 1 - Perspectiva Teórica
A história oficial é pautada pela narrativa dos grandes acontecimentos da
humanidade, dos feitos heroicos de personagens que passaram pelo mundo
deixando marcas, nem sempre heroicas no sentido de construção da humanidade
cidadã, solidária e responsável. Em geral, narra a história dos vencedores,
deixando de lado a voz dos que morrem nas batalhas, dos que deram o sangue
para que houvesse uns poucos vencedores. De outro lado, não visibiliza o cotidiano
que dá sabor e cor à vida, que perpetua valores e constrói identidades.
Ultimamente, tem se questionado esta postura. Hoje está fortalecido o pensamento
de que há necessidade de novos olhares para que se possa construir uma narrativa
histórica mais inclusiva, percebendo a contribuição de atores nesta construção,
com o desvelamento de fatos e valores até então ocultados e ainda apontando
novas perspectivas de atuação na realidade atual.
As grandes narrativas ocultam e simplificam as dinâmicas múltiplas e as
contradições que se processam no interior dos acontecimentos. Narrativas de
guerras, via de regra, contam os atos “heroicos” dos vencedores e deixam de lado
ou ignoram totalmente os horrores sofridos nos meandros destes acontecimentos.
Lembro-me sempre do sofrimento de um senhor que conheci já com,
aproximadamente, 90 anos. Ele participava da comunidade da qual fui pastora,
vivia atormentado por um fato que havia vivido na Guerra Civil Espanhola. Cada
vez de participar da mesa de comunhão (Eucaristia), ele sofria muito. Por muitas e
muitas vezes, contou-me a mesma história: Quando jovem soldado na guerra,
encontrara um inimigo gravemente ferido. Este jovem inimigo implorou
desesperadamente que ele o matasse, pois se ficasse vivo certamente sofreria
muito como prisioneiro de guerra. Nunca contou o que de fato ele fez, mas era
visível o seu sofrimento. Certamente este fato não foi registrado nos anais desta
guerra, mas marcou a vida desta pessoa para sempre, assim como deve ter sido
um momento de extrema angústia e sofrimento para o inimigo ferido. Para Mary Del
Priore, “os problemas colocados pelo cotidiano não são ‘menores’ e a história não
é um produto exclusivo dos grandes acontecimentos; ao contrário, ela se constrói
no dia a dia de discretos atores que são a maioria” (DEL PRIORE, 1997: 266).
77
Veena Das, assim como Michel de Certeau, entende que a “cotidianidade constitui
a unidade que resolve na prática (quer dizer, na sua realização) a complexa relação
entre agência e estrutura, subjetividade e objetividade, enunciados e gêneros
discursivos” (ORTEGA, 2008: 22). Das trabalha com situação de sofrimento de
mulheres da sociedade hindu, vítimas de uma violência histórica, desde a luta de
separação entre Índia e Paquistão. Aponta, em relatos de mulheres e em textos
literários, os sinais de libertação em meio à violência estrutural. Esta autora defende
a ideia da necessidade de se prestar atenção ao sofrimento e à possibilidade de se
fazer história através desta leitura. Para ela, o Conceito não dá conta da
experiência da dor inefável.
Lendo a história de Helen Keller, e assistindo o Filme “O Milagre de Anne Sullivan”,12
percebe-se que, em meio ao caos de sua relação com a família e desconstrução
do mundo em sua volta, ela demonstrava uma enorme vontade de se inserir
naquele mundo. Uma atitude frequente, que fica bem expressa no filme, é sua
insistência em pôr a mão na boca das pessoas, o que passa a elas, como sendo
um comportamento agressivo, que causa medo. No entanto, a menina tinha a
percepção, mesmo que inconsciente, que ali ela teria uma possibilidade de
comunicação com o mundo dos falantes. Tanto que, fotos e materiais bibliográficos
mostram que continuou, ao longo da vida, como um meio de comunicação, a
utilização da mão na boca de seu interlocutor/a. “Mi mano es para mí lo que el oído
y la vista juntos son para vosotros.”( KELLER, ... , 5)
A ello le debo mi continuo contacto con el mundo exterior. También es mi mano
la que me permite salir del aislamiento y de la obscuridad, mientras mis dedos
anhelantes se apoderan de todo goce y actividad que encuentran a su paso. Al
pasar por primera vez una simple palabra de otra mano la mía, al rozar
suavemente otros dedos los míos, comenzaron la conciencia, el júbilo y la
plenitud de mi vida. Como Job, siento que una mano me ha hecho, me ha dado
una forma, aunque un tanto vaga, y ha moldeado mi propia alma. (KELLER, ...,
5)13
12O filme The Miracle Worker ,produzido para TV em 2000 nos EUA, dirigido por Nadia Tass,
conta a história de Helen Keller e o trabalho de Anne Sullivan para integrá-la ao mundo. Helen era cega e surda. O filme está disponível no Youtube . 13 A ela devo meu contato com o mundo exterior. Também minha mão me permite sair do
isolamento e da obscuridade, enquanto meus dedos ansiosos se apoderam de todo gozo e atividade que encontram em seu caminho. Ao passar pela primeira vez uma simples palavra de uma mão a minha, ao roçar suavemente outros dedos os meus, iniciaram a consciência, o júbilo e a plenitude de minha vida. Como Jó, sinto que uma mão me tem feito, me tem dado forma, ainda que um tanto vaga, e tem moldado minha própria alma. (KELLER, ..., 5, trad. Nossa)
78
Esta incessante busca pela aprendizagem, o se deixar experimentar não a partir de
suas limitações, mas das possibilidades que lhe eram apresentadas, deu-lhe a
possibilidade de fazer sua leitura do mundo.
Las ideas forman el mundo donde vivimos, y son las impresiones las que
transmiten las ideas. El mundo en el cual vivo se halla construido sobre una
base de sensaciones táctiles, desprovistas de todo color y sonido físicos; pero
a pesar de ello, es un mundo donde se respira y se vive. Cada objeto esta
íntimamente ligado en mi mente a esas cualidades táctiles, las cuales,
combinadas de diversos modos, me proporcionan el sentido del poder, de la
belleza o de la discordancia; ya que con la ayuda de mis manos pueda llegar a
sentir tanto lo risible como lo admirable en el aspecto de las cosas. Observad
que vosotros, los que dependéis de vuestra vista, no os dais perfecta cuenta
del número de las cosas tangibles que os rodean. Todo lo palpable es móvil o
rígido, sólido o líquido, grande o pequeño, cálido o frío, y estas cualidades están
infinitamente matizadas. (KELLER, ..., 5-6)14
Em seus relatos, Helen Keller deixa claro que através da imaginação possibilitou
construir o seu mundo, dando sentido e significado às formas e tessituras que seus
tatos lhe comunicavam.
Que insignificante sería mi mundo sin la imaginación! Mi jardín no representaría más que un trozo de tierra silencioso y salpicado de varas y estacas, en gran diversidad de formas y aromas. Pero en cuanto el ojo de mi mente se abre la belleza que encuentra en el, el suelo raso, libre ya de malezas, se ilumina de regocijo bajo mis pies, los setos se cubren de hojas y del rosal prodiga su fragancia por doquier. Conozco cual es el aspecto de los árboles en flor y penetró íntimamente la tierna alegría de los pájaros al hacer sus nidos.15
Este es el milagro de la imaginación. (KELLER, ...,7)16
14 As ideias formam o mundo no qual vivemos, e são as impressões que transmitem as ideias. O
mundo no qual vivo se acha construído sobre uma base de sensações táteis, desprovidas de toda cor e som físicos; porém apesar disto, é um mundo onde se respira e se vive. Cada objeto está intimamente ligando minha mente a essas qualidades táteis, as quais, combinadas de diversos modos, me proporcionam o sentido do poder, da beleza ou da discrepância; já que com a ajuda de minhas mãos posso chegar a sentir o risível como o admirável do aspecto das coisas. Observo que vocês, que dependem de vossos olhos, não dão se dão conta do número de coisas palpáveis que os rodeiam. Todo o palpável é móvel ou rígido, sólido ou líquido, grande ou pequeno, quente ou frio, e estas qualidades estão infinitamente matizadas. (KELLER, ..., 5-6, trad. Nossa) 15 Que insignificante seria meu mundo sem a imaginação. Meu jardim não representaria mais
que um pedaço de silencioso de terra, salpicado de varas e estacas, em grande diversidade de formas e aromas. Porém quando o vejo minha mente se abre a beleza que encontra nele, o solo plano, livre já de ervas daninhas se ilumina de regozijo de baixo de meus pés, os cogumelos se cobrem de folhas e do roseiral exala fragrância por todo lugar. Conheço o aspecto das arvores em flor e a alegria envolvente dos pássaros a fazerem seus ninhos. (KELLER, ..., trad. Nossa) 16 Este é o milagre da imaginação. (KELLER, ..., 7, trad. Nossa)
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Y así es como la imaginación corona la experiencia de mis manos. Éstas aprehendieron su sagacidad de las sabias manos de la persona (aclaración de pie de página: Miss Sullivan, maestra de Helen Keller) que, guiada por su imaginación poderosa, supo conducirme felizmente por senderos desconocidos, lograr que la sombra se convirtiera el luz y hacer más fácil mí paso al través de los caminos tortuosos. (KELLER, ...,7)17
A imaginação, segundo Rui Josgrilberg,
é uma atividade intencional que trabalha a objetivação e a ideação de algo. Passiva ou ativa, trabalha ao lado de outras intencionalidades como percepção, linguagem ou sentimento. Trata-se de outro modo de tornar algo presente. A imaginação é “outro modo” de trabalhar com os objetos dados à nossa consciência. (JOSGRILBERG, 2012: 10)
Ela ganha relevância no processo de construção de mundo, tanto trazendo à
memória sensações e sentimentos já experimentados, assim como despertando
outros que ganham sentido no entrelaçamento de vivências anteriores ou possíveis.
“A busca de sentidos é a expressão da contínua sede do corpo e da alma. Sede
múltipla, sede de diferentes águas e diferentes vinhos!” (GEBARA, 2010:180).
Vivemos e é pelo vivido e no vivido que se faz historicidade. É no vivido que temos
nossas emoções, nossos afetos, nosso inconsciente. Certamente, neste vivido está
um emaranhado de acontecimentos, sentimentos, situações que vão constituindo
a vida de cada um, de cada uma. (BORBA: 2004). Segundo Gebara: “o mundo
começa a partir de meu mundo pessoal. O mundo para mim é aquilo que interpreto
como mundo.” (GEBARA, 2005: 28). Seguindo esta perspectiva, tomamos o
pensamento de Remi Hess (2004) ao entender que a vida é constituída de
momentos. Define momento como “tempo-espaço que o sujeito se dá para se
construir” dando, assim, a possibilidade da construção consciente de sua própria
subjetividade. Os momentos não são tempos e espaços estanques, são vivências
que vão se entrelaçando e construindo significados e identidade, são pilares para
a construção da subjetividade. Para Hess: “O momento é constituído de um
conjunto de elementos materiais, psicológicos (afetivos) e passionais” (HESS,
17Assim é como a imaginação coroa a experiência de minhas mãos. Estas aprenderam sua
sagacidade das sábias mãos da pessoa (esclarecimento de pé de página: Miss Sullivan, professora de Helen Keller) que guiada por sua imaginação poderosa, soube conduzir-me felizmente por caminhos desconhecidos, fazendo com que a sombra se convertesse em luz e tornando mais fácil meus paços através dos caminhos tortuosos. (KELLER, ..., 7, trad. Nossa)
80
2004: 35), desencadeado por um outro momento. Pode-se dizer que, a princípio,
ele se alimenta de nossa herança, depois cresce e evolui. É um feixe de várias
ramificações que vão constituindo nosso presente. Temos vivências e quando
pensamos as nossas vivências passamos a ter experiências (JOSSO, 2004). Tendo
em vista as vivências, estas deixam de ser passado, são constituidoras do presente
e alicerces para o futuro. Estes elementos são constituintes de nossos momentos
e, por consequência, os momentos são constituintes de nossa subjetividade.
No processo de construção de si mesmo, com a possibilidade imaginativa se
estabelece o processo de construção de mundo. Conforme Ivone Gebara referindo-
se ao reescrever a história de vulnerabilidade, “a história de nosso corpo tornava-
se o ponto de partida para o conhecimento do mundo!” (GEBARA, 2010:181)
Na perspectiva fenomenológica, ‘’mundo significa horizontes” (horizonte
transcendental de produção de sentidos/formação de sentido). Um horizonte que
não se explica por causa e efeito. Explica-se pelas condições da experiência
elaborada sempre com a percepção de sentido. A experiência deve sempre fazer
sentido. Dentro de um mundo horizonte cabem outros mundos possíveis.
O ser humano por colocar ativamente na constituição de seu mundo, cuja abertura permite a constituição de um mundo comum a todos, pode conter, e isso já um acréscimo fenomenológico, uma diversidade de mundos possíveis em seu mundo. Isso me parece essencial: nós formamos um mundo que pode conter todos os mundos pensáveis e possíveis. Mundo aqui é horizonte. Nós somos formadores de nosso mundo porque a constituição de sentido possui um aspecto ativamente humano de doar uma ordem ao nosso entorno, doar sentido às coisas, e abrir o mundo como horizontes para outros mundos possíveis. (JOSGRILBERG, 2012: 6)
Caminhar em direção ao ser mais, segundo Paulo Freire (2003b), é a vocação do
ser humano, acontece no encontro de subjetividades em uma relação dialogal.
Sendo ser humano, é o centro do processo de construção de conhecimento, é
preciso caminhar junto, ouvir, perguntar, deixar falar, sinalizar e criar possibilidades
de, neste exercício de leitura da realidade, se desvendar novas possibilidades, de
modo que a pessoa se insira na “comunidade” humana como integrante dela,
81
sujeito de transformação da realidade. O processo de leitura dos acontecimentos e
reflexão sobre eles possibilita “tomar distância” de nós mesmos. “Em certo
momento não apenas vivíamos, mas começamos a saber que vivíamos, daí que
nos tivesse sido possível saber que sabíamos e, portanto, saber que poderíamos
saber mais.” (FREIRE, 1999:98)
É impossível a construção da subjetividade sem que se tenha em mente que ela se
construiu e se instituiu no convívio com outras subjetividades. Estabelece-se,
assim, uma relação de coautoria. Posso dizer que minha história de vida,
construída numa relação de intersubjetividades, é marcada por todas as pessoas
que povoaram minha caminhada e comigo conviveram. Tanto marcas positivas,
como negativas, fazem parte da minha subjetividade e as trago junto comigo em
um processo de construção de conhecimento. Não posso me desvencilhar da
instituição do outro, como outro, na dimensão do vivido. Esta experiência possibilita
um processo de alteração que ganha radicalidade na possibilidade do outro reagir
diferentemente do modo que esperamos, ou mesmo que se oponha a nós. A esta
capacidade que o outro possui sempre de poder desmantelar, com suas próprias
contra estratégias, aquelas das quais se sente objeto, Ardoino (1998) chama de
“negatricidade”. Essa ideia nos reporta a Certeau (1994) e sua concepção de tática
como “ação calculada no espaço do outro” que possibilita uma ação que neutralize
a estratégia dominante. Sem considerar estes aspectos, a construção do ser
humano, na perspectiva do pensamento de Edgar Morin, “todo desenvolvimento
verdadeiramente humano significa o desenvolvimento conjunto das autonomias
individuais, das participações comunitárias e do sentimento de pertencer à espécie
humana fica prejudicada.” (MORIN, 2002: 55)
Considerando ainda que o foco da pesquisa é o ser humano, precisa-se examiná-
lo na sua complexidade. Esta complexidade vem do fato de que ele é constituído
de bipolaridades que são, ao mesmo tempo, complementares e antagônicas, cujas
fronteiras entre antagonismo e complexidade são tênues e permitem que os
elementos, permanentemente, se entrecruzem. A articulação entre o físico,
biológico, social, cultural, psíquico e espiritual é o que desenha esta complexidade.
Isto situa-se não na ordem do complicado, mas na forma de olhar-se para o objeto,
percebendo os feixes de elementos envolvidos em sua tessitura. Tomando a ideia
82
de MORIN (2005) sobre a complexidade do ser humano, pode-se dizer que é um
ser político, social, cultural, econômico, religioso, que está envolvido em um mundo
de relações: e é na construção destas relações que ele se constrói como ser
humano.
É fundamental a visão do ser humano como inacabado, segundo Paulo Freire;
sujeito de história que não só sofre os efeitos dos acontecimentos, mas que faz
história; que é capaz de ler o mundo; que tem a sua palavra e, ainda, considerar
que esta subjetividade se constrói no diálogo. Freire fala da capacidade do ser
humano de ler o mundo “do ato de ler, que não se esgota na decodificação pura da
palavra escrita ou da linguagem escrita, mas que se antecipa e se alonga na
inteligência do mundo. A leitura do mundo precede a leitura da palavra” (FREIRE,
1984:11). A possibilidade de ler o mundo e envolver-se com ele, propicia a
alteração, promove a construção da subjetividade em relação, reforçando a ideia
de Freire, do ser inacabado e da vocação de ser mais.
Sendo o ser humano o centro deste processo que traz em si toda uma
complexidade, que vai se constituindo à medida em que vai se conscientizando de
sua condição pessoal e social, propicia a inclusão de todos em um processo que é
antropológico, gnosiológico e político porque traz a perspectiva de transformação.
Para Ernani Maria Fiori, “a antropologia acaba por exigir e comandar uma política”
(FIORI, 1991: 53). Neste processo de construção da própria subjetividade, torna-se
autor-cidadão, na perspectiva do pensamento de Joaquim Barbosa:
[...] é uma construção histórica, geográfica, social, psicanalítica, ecológica que,
enquanto tal, exige “politização não só de uma dimensão do sujeito, tal como a
economia ou a política partidária, mas da vida em suas várias perspectivas,
englobando seu modo de ser e de se expressar. (BARBOSA, 2000:90)
A narrativa de histórias de vida tem aspectos importantes, a serem considerados
neste processo. “Ao imaginar a ideia de capacidade pelo poder dizer, conferimos
de saída à noção de agir humano a extensão que justifica caracterização como
homem capaz de si que se reconhece em suas capacidades” (RICEOUR, 2006:
110). Para Ivone Gebara,” contar já é interpretar” (...), o ouvir a narração já é
reinterpretar o que foi contado” (GEBARA, 2000a: 47).
A experiência do “contar” não só indispensável, mas revela nossa própria condição humana. Somos seres que nos contamos sempre e, a cada vez,
83
guardamos os traços do passado à luz do presente. O presente muda a compreensão que temos do passado e de nós mesmos. O presente introduz novas mediações para compreender o passado e parece às vezes ampliar ou às vezes diminuir seu significado (GEBARA, 2000a: 48).
Sedo assim, as narrativas de História de Vida não se constituem apenas no relato
de uma história que passou, ela aponta para um vir a ser. Para Delory-Momberger
(2008), a narrativa não é só o lugar no qual o indivíduo toma forma, mas é o espaço
que possibilita a este ser sujeito de uma história a ser construída.
A “história de vida” não é a história da vida, mas a ficção apropriada pela qual o sujeito se produz, como projeto dele mesmo. Só pode haver sujeito de uma história a ser feita, e é, à emergência desse sujeito, que intenta sua história e que se experimenta com projeto, que responde o movimento da biografização (DELORY-MOMBERGER, 2008: 66).
Ela contém um caráter formativo, além de contribuir para o processo de formação
individual e coletiva no grupo envolvido. O explicitar dessas vivências e dessas
diferenças, e no diálogo com elas, se produz novos significados e um novo patamar
de conhecimento. Para JOSSO (2004), há uma “auto-interpretação” e uma “co-
interpretação” nesse processo). Produz, assim, uma reformulação da subjetividade
e do conhecimento conforme Joe L Kincheloe :“Ao examinarmos o eu e sua relação
com outros nesses contextos, adquirimos um sentido mais claro de nosso propósito
no mundo, especialmente em relação à justiça, à interconexão e à produção de
sentido”.(KINCHELOE, 2007: 55).
A História de Vida reconstrói aspectos individuais, singulares de cada sujeito,
mas, ao mesmo tempo, ativa uma memória coletiva, pois, à medida que cada
indivíduo conta sua história, esta se mostra em um contexto sócio-histórico que
precisa ser hermeneuticamente reconstituído pelo pesquisador (OLIVEIRA,
2011: 2).
Ouvir a própria história, refletir sobre ela e confrontá-la com as histórias de vida de
outros faz-nos perceber o outro com suas emoções e vivências que, por vezes, são
semelhantes às suas ou totalmente díspares. Trata-se de experimentar, na prática,
o pensamento de Certeau: “Essa maneira de ‘dar a palavra’ às pessoas ordinárias
correspondia a uma das principais intenções da pesquisa, mas ela exigia, na coleta
das conversas, uma intenção diretiva e uma capacidade de empatia fora do
comum.” (CERTEAU, 1994: 26)
84
As histórias de vida e depoimentos propiciam a explicitação dos condicionantes
sociais e culturais que atuam no cotidiano do indivíduo que, por sua vez,
condicionam sua atuação na sociedade. A relação entre o público e o privado é
uma relação dialética. Podemos tomar como exemplo a família, nela se constroem
os valores que vão direcionar o modo como o indivíduo vai se colocar na sociedade.
Por exemplo, a questão de gênero é um aspecto marcante nesta perspectiva da
dialética entre o cotidiano e a sociedade. O gênero sublinha o aspecto relacional
entre o homem e a mulher. Em geral, na família é acentuada a relação assimétrica
entre ambos e que vai perpetuar-se na esfera do público. No entanto, outra é a
visão que povoa o imaginário da família sobre, por exemplo, a questão da
deficiência. A sociedade recebe influência do imaginário social sobre a deficiência
e suas interferências na vida das pessoas e ao mesmo tempo propaga o seu próprio
entendimento e experiência sobre esta realidade. Isto ressalta a importância de se
ter presente como se entende o ser humano e o processo de construção de sua
subjetividade, tendo presente a sua complexidade e a percepção de que o ser
humano se constrói em relação com o outro e isto é um processo contínuo.
2 1 1 - Movimentos Sociais
No capítulo anterior foram tratados os temas deficiência e inclusão que têm
alcançado muitos avanços através de Movimentos Sociais. A FCD desde o seu
nascedouro identifica-se como um movimento. Em seus documentos, deixados por
François, seu fundador, encontramos três razões para que seja identificada como
tal. Entende-se como movimento por que: 1) não a considera como uma obra social;
2) nem a considera como uma associação: 3) e por último, porque ela se mantém
pelo protagonismo das próprias pessoas com doença ou com deficiência. Ao longo
de sua história, também, a FCD teve participação em movimentos de luta pelos
direitos das pessoas com deficiência. Quando da chegada da FCD no Brasil, em
1972, tanto os Movimentos Sociais como as CEBs (Comunidades Eclesiais de
Base) estavam em efervescência no país. Diante disto, faz-se necessário refletir
sobre o tema Movimentos Sociais e perceber em que medida pode ou não ser
assim classificada.
85
A sociologia, desde seu nascedouro, tem dado atenção aos Movimentos Sociais
como objeto de estudo, porém, mesmo anteriormente, estes estiveram sempre
presentes no meio da sociedade. Para Alain Touraine, os movimentos são o
coração e o pulsar da sociedade. Ao longo do tempo, vários pensadores têm
procurado definir o que é movimento social. Segundo SCHERER-WARREN, o
termo “movimentos sociais surgiu com Lorenz Von Stein, por volta de 1840.
Defendia a necessidade de uma ciência da sociedade que se detivesse no estudo
de movimentos dentro dela, como o movimento do proletariado na França e do
comunismo e socialismo emergentes. A partir do início do século XX, cresce o
interesse da Sociologia Acadêmica pelo tema. Nos anos da década de 1950, a
Academia passa a incorporar cada vez mais a análise marxista para estudo dos
movimentos sociais na “busca da contribuição dos movimentos sociais na produção
transformadora do social” (SCHERER-WARREN,1987a:13). Embasada na
corrente marxista para análise da sociedade, a autora define movimento social
como:
uma ação grupal para transformação (a práxis) voltada para a realização dos mesmos objetivos (o projeto), sob a orientação mais ou menos consciente de princípios valorativos comuns (a ideologia) sob uma organização diretiva mais ou menos definida (a organização e a sua direção). (SCHERER-WARREN,1987a: 20)
A sociedade vai modificando-se, ao longo do tempo, e novos agentes começam a
atuar, modificam-se as formas de atuação dos movimentos sociais e com isto novas
teorias tentam descrever e analisar estes movimentos. Tem crescido esta
teorização e várias correntes posicionam-se sobre o papel e importância deles
como ações coletivas dentro da sociedade. GOHN (2010) ressalta que no contexto
da globalização, o Estado deixou de ser, para muitos teóricos, o centro da
investigação. Boaventura de Sousa Santos tem contribuído para este entendimento
da política, para além do marco liberal da distinção entre Estado e sociedade civil.
Neste contexto de transferência de interesse para a sociedade civil, os movimentos
sociais passam a ser considerados como uma das ações sociais por excelência.
[...] A politização do social, do cultural e, mesmo, do pessoal abre um campo imenso para o exercício da cidadania e revela, no mesmo passo, as limitações da cidadania de extracção liberal, inclusive da cidadania social, circunscrita ao marco do Estado e do político por ele constituído. (SANTOS,2003: 263)
86
Nesta perspectiva, a discussão passa a ser sobre os novos movimentos
sociais que tentam dar conta do que acontece na sociedade, no momento.
Ele aponta os movimentos estudantis dos anos 60 e 70 como exemplo
deste alargamento da visão da política, ressaltando três características
importantes deste movimento:
- opõe ao produtivismo e ao consumismo uma ideologia antiprodutivista e neoliberal;
- identifica múltiplas opressões e propõe se alargar a elas o debate e a participação política;
- declara o fim da hegemonia operária nas lutas pela emancipação e legitima a criação de novos sujeitos de base transclassista. (SANTOS, 2003: 263)
Este deslocamento, ou alargamento da visão política, possibilita a percepção de
novos sujeitos sociais que atuam de diferentes formas e modificam situações e
conceitos na construção de novas realidades sociais. Esta movimentação de novos
sujeitos pode trazer uma contribuição importante para que se possa situar a
atuação das pessoas com deficiência dentro do leque de movimentos sociais, em
especial, a FCD. A definição de subjetivação apresentada por Alain Touraine traz
elementos que apontam para características pertinentes à ação e atuação desta
organização.
A subjetivação é a construção do sujeito quando se põe à procura de uma felicidade que só pode nascer da recomposição de uma experiência de vida pessoal e autônoma, que não pode nem quer escolher entre a globalização, onipresente, e a identidade...
O sujeito, que tem seu fundamento na vontade pessoal de felicidade, é a única força capaz de fazer nascer o diálogo e a compreensão mútua entre as tendências que desmembram a experiência pessoal como também a vida social. TOURAINE, 1999: 81,82)
Para o autor, esta construção ou reconstrução só é possível se houver o
reconhecimento do indivíduo “como criador de sentido e de mudança e igualdade
de relações sociais.” (TOURAINE, 1999: 75). Na subjetivação está contido “o apelo
à dignidade, de si mesmo e do outro”. (TOURAINE, 1999: 80). A construção do
sujeito só é possível em uma ação coletiva, onde o ator entra em relação com o
outro, que é outro, que é diferente, que ao mesmo tempo é parcialmente
87
identificado. Esta relação é feita de empatia, de simpatia e até de compreensão. O
sujeito se torna ator de transformação e isso adquire uma significação política.
A ideia de movimento social traz sempre a presença do conflito central, econômico,
cultural. Para TOURAINE, o conflito está presente em toda parte, “o sujeito
constitui-se unicamente por sua luta, por um lado, contra a lógica dos mercados e,
por outro, contra a lógica do poder comunitário”. TOURAINE, 1999:114). “Em todas
as sociedades, porém, o sujeito se revela pela presença de valores morais que são
opostos à ordem social”. “Um movimento social é sempre um protesto moral”.
(TOURAINE, 1999: 119).
No texto, Movimientos sociales, participación sociológica y educación en el nuevo
milênio, Maria da Glória Gohn define movimentos sociais
[...]como acciones sociales coletivas, de carácter sociopolítico y cultural, que viabilizan distintas formas de organización y expresión de las demandas de la población. En la acción concreta, essas formas adoptan diferentes estrategias que van desde la simple denuncia, pasando por la presión directa (mobilizaciones, marchas, concentraciones, distúrbios del orden constituído, actos de desobediencia civil, negociaciones, etc.), hasta las preciones indirectas. En la actualidad, los principales movimientos sociales actúan por medio de redes sociales, locales, regionales, nacionales, e internacionales, y se valen em gran medida de los novos medios de comunicación e información – como el Internet. Por esto, ejercen lo que Habermas denominó como la acción comunicativa. La creación y el desarrollo de nuevos saberes son produtos de esa comunicación. (GOHN, 2002:25)18
Em outra obra, a autora, ao definir movimentos sociais, acrescenta um dado
importante que não aparece claramente aqui e que ajudam na identificação do
movimento. Para ela, um dos elementos constitutivos do movimento social é que
suas “demandas configurem sua identidade, adversários, bases, lideranças e
assessorias.” E ainda, os movimentos têm “nos direitos a fonte de inspiração para
18 Como ações sociais coletivas, de caráter sociopolítico e cultural, que viabilizam distintas formas
de organização e de expressão das demandas da população. Na ação concreta, essas formas adotam diferentes estratégias que vão da simples denúncia, passando pela pressão direta (mobilizações, marchas, concentrações, distúrbios da ordem estabelecida, atos de desobediência civil, negociações, etc), até as pressões indiretas. Na atualidade, os movimentos sociais atuam por meio de redes sociais, locais, regionais, nacionais, e internacionais, e se valem em grande medida dos novos meios de comunicação e informação – como a Internet. Por isso, exercem o que Habermas denominou como ação comunicativa. A criação e o desenvolvimento de novos saberes são produtos dessa comunicação. (GOHN, 2002:25, trad. Nossa)
88
construção de sua identidade”. (GOHN, 2010: 14). Quatro pontos que devem ser
levados em conta para a análise destas ações coletivas em uma realidade concreta,
como o Brasil: 1) “a necessidade de qualificação do tipo de ação coletiva que tem
sido caracterizada como movimento social.” Os movimentos sociais passaram por
transformações até chegarem à atualidade. Os movimentos de século XIX e início
de século XX diferenciam-se muito nas lutas e reivindicações no início do século
XXI.; 2) “no novo cenário, relações desenvolvidas entre os diferentes sujeitos
sociopolíticos presentes na cena política alteraram-se neste milênio.” Embora tenha
havido ampliação de sujeitos, modificação nas mobilizações e outros, convivem ao
mesmo tempo as antigas características e as novas; 3) “as alterações do Estado
em suas relações com a sociedade civil e em seu próprio interior”. Há uma ação
contraditória do Estado, pois, ao mesmo tempo em que prioriza processos de
inclusão social de camadas “vulneráveis e excluídas”, cria parcerias de ações com
ONGs (Organizações Não Governamentais) que garantem o controle e
coordenação das ações coletivas para o poder estatal; 4) As lacunas na produção
acadêmica a respeito dos movimentos sociais, que a autora aponta sete delas:
1) O próprio conceito de movimento social. 2) O que os classifica como novos. 3) O que os distingue de outras ações coletivas ou de algumas organizações sociais como as ONGs .4) O que ocorre de fato quando uma ação coletiva expressa num movimento social se institucionaliza. 5) Qual o papel dos movimentos sociais neste novo século. 6) como podemos diferenciar um movimento social criado a partir da sociedade civil, por lideranças e de mandatários, de ações civis organizadas ao redor de projetos de mobilização social e que também se autodenominam movimentos. 7) Quais teorias que realmente têm sido construídas para explicá-los. (GOHN, 2010: 14)
Ao longo do tempo, o Movimento Social tem passado por fases que se diferenciam
conforme a demanda defendida por eles. GOHN (2013) divide as lutas e
movimentos sociais no Brasil no século XX em seis fases, que são: 1ª fase – Lutas
sociais da Primeira República (1900-1930); 2ª fase- Lutas sociais após a Revolução
de 30 até a Queda do Estado Novo (1930-1945); 3ª fase - As lutas dos Movimentos
no Período Populista (1945-1964); 4ª fase – A resistência durante o Regime Militar
(1964-1974); 5ª fase – As Lutas para Redemocratização (1975-1982); 6ª fase – A
época da Negociação e a era dos Direitos (1982-1995).
89
Tanto no Brasil como na América Latina, nas décadas de 1960 a 1980 houve
grande efervescência dos movimentos populares. No período de 1964 a 1974 o
Brasil vive um tempo de resistência durante o período militar, em que ao mesmo
tempo a sociedade brasileira sofre a repressão imposta pelo regime militar.
Ocorreram muitas lutas de resistência e movimentos de protesto no país, a despeito
do forte controle político e social (prisões, torturas e perseguições), muitos tiveram
que ir para fora do país para não serem mortos. As organizações populares eram
reprimidas; no entanto, vários movimentos de resistência surgiram neste período.
Neste bojo, estão movimentos populares de Igrejas.
Em 1968 surge, especialmente, na zona rural do Nordeste, o Movimento das
Comunidades Eclesiais de Base da Igreja Católica no Brasil (CEBs). Este
movimento tem grande impulso e sustentação nas Conferências do Episcopado
Latino-Americano, em especial, a de Medellín, na Colômbia, em 1968, que teve
como tema “A Igreja na atual transformação da América Latina à luz do Concílio
Vaticano II”. E ainda a de Puebla, no México, em 1979. Estas Conferências
firmaram a opção de “uma Igreja voltada para os pobres, buscando melhorar as
condições de existência na Terra” (GOHN: 2013,110).
A Teologia da Libertação, sistematizada por Gustavo Gutierrez e desenvolvida por
outros teólogos latino-americanos e brasileiros como os irmãos Boff, serviram de
fundamentação teórica para a práxis deste movimento. A noção de libertação foi,
desde seu nascedouro, apresentada em uma dimensão global, integral, partindo de
“uma reflexão crítica sobre a práxis à luz da Palavra de Deus” (GUTIERREZ, 2000:
28). Nas décadas de 50 e 60, aparecem os primeiros traços da consciência e
organização populares na defesa da vida e luta pela dignidade e justiça, movidos
pela leitura libertadora da revelação cristã. A libertação é apresentada em três
níveis: libertação de situações econômicas e sociais de opressão; transformação
pessoal que traz a construção de um homem novo; a libertação do pecado. “Apenas
a libertação do pecado vai à frente da injustiça social e de outras dimensões
humanas e nos reconcilia com Deus e com os outros”. (GUTIERREZ, 2000: 40). Os
temas das CEBs e Teologia da Libertação serão tratados mais adiante.
No Brasil, nos anos 70, acontece uma movimentação no meio da sociedade, com
novos agentes e características diferentes dos antigos movimentos sociais, que
Eder Sader identifica como novos personagens entrando em cena, o que denomina
90
de novos sujeitos. Marilena Chauí, no prefácio do livro deste pensador, identifica
este novo sujeito social, apresentado por ele, como: sujeitos que criam seus
próprios movimentos sociais populares, sem teorias prévias que os determinem;
sujeito coletivo e descentralizado; sujeito coletivo, mas sem uma universalidade
definida.
Porém, sujeito novo ainda noutro sentido, pois os traços anteriores revelam ser uma determinação, decisiva desse sujeito histórico a defesa da autonomia dos movimentos, tendendo a romper com a tradição sócio política da tutela e do cooptação e, por isso mesmo, fazendo a política criar novos lugares para exercitar-se. Lugares onde a política institucional ainda não lançou tentáculos e que interessam a Eder Sader neste livro: aqueles onde se efetua a experiência do cotidiano. (CHAUÍ: in SADER, 2001: 11)
Quando uso a noção de sujeito coletivo é no sentido de uma coletividade onde se elabora uma identidade e se organizam práticas através das quais seus membros pretendem defender seus interesses e expressar suas vontades, constituindo-se nestas lutas. (SADER, 2001: 55)
Na perspectiva do sujeito coletivo, os anos 70 são marcados por uma ebulição de
movimentos, que pipocam em todo país e contribuem para que algumas conquistas
sejam alcançadas. Em 1972, o Movimento de Pastorais de Periferia Urbana, em
São Paulo, vai trabalhar com um público carente e cheio de necessidades e num
momento de total cerceamento dos canais tradicionais de participação política e
social. Outros movimentos tiveram grande relevância neste período como: 1972-
Movimento do Custo de Vida, mais tarde Movimento de luta contra a carestia;
Movimento dos Loteamentos Clandestinos - MLC, também surge em 1972; 1973-
Promulgação do Estatuto do Índio, que garante a posse e o usufruto permanente
das terras habitadas pelos índios. Os movimentos sociais e populares tiveram
acolhida na Igreja e isto, de certa forma, garantiu uma proteção.
Os anos de 1980 foram marcados pela luta de garantia de direitos com lutas e
experiências políticas sociais, iniciando com os movimentos de sem-terra e
atingidos por barragens como o Acampamento de Encruzilhada Natalino, no Rio
Grande do Sul e a invasão da Itupu, em São Paulo em 1981, que são marcos para
início do Movimento dos Sem Terra (MST). A luta pelas Diretas, em 1984, levou
multidões às ruas, resultando na volta das eleições diretas para presidência da
república, no processo da constituinte e promulgação da nova Constituição em
91
1988, chamada Constituição Cidadã. A década de 80 foi marcada pela
institucionalização dos movimentos sociais: criação do Partido dos Trabalhadores,
surgimento das Centrais Sindicais (CUT, CGT, FORÇA SINDICAL e outras). Este
tempo foi marcado também pelo surgimento de muitos movimentos sociais
trazendo novas demandas e discussões, evidenciando novas problemáticas como:
das mulheres; das crianças; dos negros; do meio ambiente; dos idosos; das
pessoas com deficiência e muitos outros.
todos, em seu conjunto, revelavam a face dos sujeitos até então ocultos ou com as vozes sufocadas nas últimas décadas. Os anos de 1980 são fundamentais para a construção da cidadania dos pobres no Brasil, em novos parâmetros. Embora com o estatuto de cidadãos de segunda categoria, os pobres saíram do submundo e vieram à luz como cidadãos dotados de direitos – direitos estes que são inscritos na Constituição, mas, usualmente, negados ou ignorados na prática. (GOHN, 2013: 126)
Os movimentos sociais das décadas de 70 e 80 motivam e constroem mudança na
cultura política do país, fortalecem a crença no poder popular. As demandas
continuam as mesmas, o novo encontra-se na configuração do comunitário nas
formas de lutas pelos direitos. A ideia de comunidade passa a ser “não apenas
como locus geográfico espacial, mas como uma categoria da realidade social, de
intervenção social nesta realidade.” (GOHN, 2013: 203) O movimento das CEBs
pode ter contribuído para este empoderamento popular.
A autora em questão aponta um novo direcionamento dos movimentos sociais no
final do século XX, os pobres passam a ter um sentido diferenciado de excluídos.
O pobre tem um caráter mais genérico e é um tema que vem sendo discutido desde
o início da colonização, enquanto os excluídos passam a ter uma identidade. São
os jovens, as mulheres, os idosos, as pessoas com deficiência e outros, que
expressam suas lutas e dificuldades, se organizam e reivindicam seus direitos
sociais de cidadãos.
O novo dos movimentos que passa a ser construído nos anos 70 e 80 que criou
figura do comunitário, passa a ser configurado pelas lutas cívicas de cidadania. Os
anos 90 foram marcados pela mobilização do impeachment do ex-presidente Collor
de Melo, com o movimento “Ética na Política”.
Nos anos de 1990 o modelo referencial passa a ser outro. Ele enfatiza os valores da ética e da moral. Uma nova moral, sem corrupção, com dignidade.
92
Trata-se de metas ambiciosas se considerarmos o passado da cultura política vigente, impregnada de vícios como o nepotismo, clientelismo, e uma visão patrimonialista do Estado. (GOHN, 2013: 206)
A organização dos movimentos passa a perder relevância e se fortalecem novas
formas de institucionalização. Surgem as Câmaras Setoriais de Negociação e a
prática dos Orçamentos Participativos.
Na década de 90 há uma nova configuração dos movimentos sociais populares,
alguns entram em crise, outros se redefinem. Surgem novos movimentos onde as
questões éticas e a revalorização da vida são a tônica. Criam-se movimentos
nacionais, com características de “Campanhas” de solidariedade como “Ação da
Cidadania Contra a Fome, a Miséria, Pela Vida” liderada por Herbert de Souza, o
Betinho. Em 1993, foi criada a Central dos Movimentos Populares, ocorrendo que
as questões da cidadania e da moradia foram eleitas como suas prioridades de
lutas. Em 1992, acontece, conjuntamente à ECO 92, no Rio de Janeiro, o Fórum
Global das Organizações Não Governamentais relacionadas com o meio ambiente.
E, ainda, outros eventos como: Grito dos Excluídos, Plebiscito contra a Divida
Externa, Plebiscito contra a ALCA (Área de Livre Comercio das Américas)19
Há, nesta década, um fortalecimento das ONGs (Organizações Não
Governamentais) e incentivo de parcerias com o poder público, especialmente do
governo de Fernando Henrique Cardoso, na segunda metade da década. Segundo
Maria da Glória Gohn:
Essas tendências são lados complementares das novas ênfases das políticas sociais contemporâneas, particularmente nos países industrializados do Terceiro Mundo. Trata-se das novas orientações voltadas para a desregulamentação do papel do Estado na economia e na sociedade como um todo, transferindo responsabilidades do Estado para as “comunidades” organizadas, com a intermediação das ONGs, em trabalhos de parceria entre o público estatal e o público não estatal e, às vezes, com a iniciativa privada também. (GOHN, 2013:128-129)
Também na segunda metade da década de 1990, surgem, em nível internacional,
novas formas de mobilização que são movimentos transnacionais, chamados de
19Estas mobilizações tiveram grande apoio da Igreja Católica através da Caritas Brasileira, a
CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), as pastorais Sociais e ainda: o “Movimento Consulta Popular”; o Movimento Nacional dos Direitos Humanos; a Comissão Nacional de Justiça e Paz e outros.
93
anti ou alterglobalização. No início do século XXI, ocorre no Brasil, em 2001, o I
Fórum Social Mundial (FSM) em Porto Alegre/RS. Este Fórum com o slogan “um
outro mundo é possível” mobilizou pessoas do mundo inteiro com discussões
antiglobalização e tem sido reeditado em vários lugares do mundo.
Os anos 2000 trazem um enfraquecimento dos movimentos comunitários, surgindo
os movimentos comunitaristas –“organizados de cima para baixo, em função de
programas e projetos sociais estimulados por políticas sociais e projetos sociais
estimulados por políticas sociais governamentais.” (GOHN, 2013: 224).
Neste novo século, percebe-se um crescimento na implantação dos Conselhos de
direitos, já garantidos por lei desde a Constituição de 1988. Os Conselhos
Comunitários foram criados ainda no período do regime militar. Os Conselhos
Institucionalizados têm sua legitimidade garantida pela Constituição Cidadã de
1988. Estes Conselhos são temáticos, compostos em parceria com o poder público.
Atuam como controladores e fiscalizadores do poder executivo, com participação
no planejamento das políticas públicas, com mais ou menos intensidade, conforme
a correlação de forças nestas composições.
Segundo o depoimento de Francisco Cerignoni, em 1984 foi criado no Estado de
São Paulo, no governo de Franco Montoro, o Conselho Estadual para Assuntos da
Pessoa Deficiente, assim como outros Conselhos Identitários: da saúde, dos
negros, das mulheres. Maria de Lourdes Guarda, da FCD, foi eleita a primeira
coordenadora do Conselho referente às Pessoas com Deficiência. Esta experiência
de São Paulo certamente motivou a institucionalização na Constituição destes
Conselhos.
A partir da segunda metade do século XX, o Brasil passou por uma efervescência
de movimentos sociais que tentavam dar conta às demandas trazidas pela
conjuntura sócio-política da época, configurada por questões internas ou externas
do país. Estes movimentos ganhavam características diferenciadas a cada década,
que faziam com que algumas ênfases fossem deixadas de lado e/ou acrescidas de
outras demandas. Neste percurso, também se fizeram presentes os movimentos
de Pessoas com Deficiência, o que passaremos a ver a seguir.
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2 1 2 - Movimento de Pessoas com Deficiência
Desde o Império, já houve algumas providências em relação às pessoas com
deficiência com a criação de instituições asilares que cuidavam inicialmente de
cegos. Estas instituições, criadas a partir de iniciativas governamentais, eram para
pessoas do sexo masculino. Motivadas por uma postura de caridade e
benevolência, não tinham características de políticas públicas, eram marcadas por
posicionamentos de moral e não por uma preocupação com a situação político
social em que estavam envolvidas essas pessoas. Mais tarde surgiram instituições
de cunho associativas, criadas por familiares e profissionais envolvidos na área das
deficiências, como o caso da Sociedade Pestalozzi.
Com a Declaração dos Direitos Humanos, em 1948, a Organização das Nações
Unidas declara no artigo 1º: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em
dignidade e direitos” e ainda no artigo 7º: “Todos são iguais perante a lei e, sem
distinção, têm direito a igual proteção da lei. Todos têm direito a proteção igual
contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer
incitamento a tal discriminação.”(UDHR, 1948) Isto impulsionou que fossem
tomadas medidas que fizessem assegurar os direitos básicos a grupos vulneráveis
e deu mais força para grupos associativos e outra instituições foram criadas: em
1954, no Rio de Janeiro a primeira Associação de Pais e Amigos de Excepcionais
- APAE; Conselho Brasileiro para o Bem Estar dos Cegos, 1954; Federação
Nacional das APAEs, 1962; Federação Nacional das Sociedades Pestalozzi, 1970;
Federação Brasileira de Excepcionais, 1974. Em 1975 foi criada a Associação
Nacional de Desportos para Deficientes, cujos objetivos eram diferenciados das
outras instituições.
Como se percebe, o caminhar da sociedade em direção às pessoas com deficiência
se dá no sentido do “por elas” e “para elas”, sem uma participação direta das
mesmas. Estas são consideradas passivas e objetos da benevolência alheia. As
ações destinadas a elas eram marcadas pelo caráter assistencialista, filantrópico,
caritativo. Mais tarde, passa a ter a preocupação com a reabilitação. No Brasil, isto
se fez sentir com mais intensidade nos anos da década de 70.
95
Ainda em meio a esta configuração surge, em 1972, a FCD, trazendo uma nova
postura para com as pessoas com deficiência. No primeiro momento, vai ao
encontro delas, ajuda-as a resgatar sua autoestima e assumir o protagonismo da
sua própria história e, aos poucos, torna-as participantes do mundo em sua volta,
essa marca que a acompanha desde seu nascedouro, na década de 40, na França.
Chegando aqui, encontra um ambiente social de lutas pela democratização do país
e pela garantia de direitos.
Os movimentos sociais na luta pela redemocratização no Brasil, como vimos nas
páginas anteriores, a partir da segunda metade do século XX, ganham impulso e
visibilidade, passando posteriormente por um período de lutas e discussões por
direitos de grupos identitários. Neste bojo estão os grupos de pessoas com
deficiência.
Os movimentos sociais de pessoas com deficiência, como tantos outros da sociedade civil brasileira, foram decorrentes do florescimento da participação social, e se baseavam nos laços de identidades e pertencimento, em busca de reconhecimento de sua cidadania. (CABRAL FILHO; FERREIRA, 2013: 103)
A partir da influência dos movimentos internacionais de pessoas com deficiência, a
ONU, na Assembleia de 9 de dezembro de 1975, lança a Declaração dos Direitos
das Pessoas Deficientes. No rastro da Declaração Universal dos Direitos Humanos,
ressalta a dignidade e o valor da pessoa humana. Isto se torna mais evidente no
Artigo 3º:
- As pessoas deficientes têm o direito inerente de respeito por sua dignidade
humana. As pessoas deficientes, qualquer que seja a origem, natureza e gravidade de suas deficiências, têm os mesmos direitos fundamentais que seus concidadãos da mesma idade, o que implica, antes de tudo, o direito de desfrutar de uma vida decente, tão normal e plena quanto possível. (DDPD, ONU : 1975)
No ano seguinte, 1976, a ONU institui o ano de 1981 como “Ano Internacional das
Pessoas Deficientes”. Com isto, os Movimentos Sociais de Pessoas com
Deficiência ganharam um novo impulso e um novo foco, passando a lutar pelas
demandas próprias de sua condição pessoal e social. Houve um fortalecimento na
luta pela dignidade humana da pessoa com deficiência, pelo reconhecimento
destas como cidadãs e cidadãos de direitos e construtores de história. As pessoas
com deficiência passam a ser sujeitos de sua própria história.
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Para acontecer o que estabelecia a proclamação do Ano Internacional das Pessoas
Deficientes (AIPD) com o lema “Participação Plena e Igualdade”, era preciso
colocar em prática um plano de ação em nível nacional, regional e internacional.
No Brasil, as pessoas com deficiência, que já vinham participando de organizações
que defendiam seus interesses, impulsionadas pela mobilização da sociedade pela
redemocratização e cientes das oportunidades e responsabilidades que o AIPD
oferecia, começaram a se mobilizar e se organizar nacionalmente. Ainda em 1979,
acontece a primeira reunião para discussão de estratégias de mobilização das
pessoas com deficiência, de conscientização da sociedade e responsabilização do
Poder Público para as pautas apontadas pelo AIPD. Nascia, assim, o Movimento
das Pessoas com Deficiência. Participaram destas primeiras reuniões: Maria de
Lourdes Guarda, Heloisa Chagas, Sérgio Del Grande, Thomas Frist, Romeu
Sassaki, entre outros.
Antes mesmo de 1981, acontece em Brasília, de 22 a 25 de outubro de 1980, o 1º
Encontro Nacional de Entidades de Pessoas Deficientes. Participaram do Encontro
mais de 500 pessoas, sendo a maioria delas com deficiência.
Durante este evento histórico, o movimento decidiu suas estratégias nacionais, criou a Coalizão Nacional Pró-Federação de Entidades de Pessoas Deficientes (composta por 25 entidades de dez Estados brasileiros) e entregou ao Presidente da República20 um manifesto contra o fato de que não
havia representantes das pessoas com deficiência na Comissão Nacional do Ano Internacional das Pessoas Deficientes. Depois dessa e de outras manifestações, o governo incluiu, na qualidade de consultor da Comissão Nacional, José Gomes Blanco, representante da Coalizão Nacional. (Linamara Rizzo Battistela21. In: SÃO PAULO (Estado), 2011: 12)
O Encontro foi um marco no Movimento de Pessoas com Deficiência não só por ser
um espaço de discussão da política nacional relacionada às pessoas com
deficiência, como também por evidenciar as diferentes deficiências e as barreiras
impostas pela sociedade para que estas possam ter livre acesso à vida em
20 João Batista de Oliveira Figueiredo, presidente no período de 1979 a 1985. Através do Decreto
84.919, de 15/71980, criou a Comissão Nacional do Ano Internacional das Pessoas Deficientes e nomeou seus membros. Paradoxalmente, nenhuma pessoa com deficiência ou representante das mesmas foi nomeada para fazer parte desta Comissão. 21Linamara Rizzo Batistella – Secretária de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência, à
época da publicação da obra “30 anos do AIPD – Ano Internacional das Pessoas Deficientes – 1981-2011”. Faz a introdução do livro.
97
sociedade. Os relatos a seguir dão uma visão do que foi e o que significou este
evento na vida dos participantes.
O Encontro Nacional que houve em Brasília foi um encontro épico. Viajamos, 18 horas, num ônibus com motorista que a Lourdes arrumou com algumas empresas. Lotou de pessoas com deficiência. Ela mesma foi na maca. Foi muito sacrificado. Assim como nós, pessoas do Brasil inteiro, também foram com dificuldade. Esse encontro foi memorável. A gente já tinha participado de vários encontros com pessoas com deficiência. Mas, é grande o choque cultural que se tem quando entra num recinto e vê 500 pessoas com deficiência! Foram discutidos vários assuntos. Houve embates políticos, discussões e divergências de opinião. A parte da logística ficou com o pessoal de Brasília. Tiveram muita dificuldade. O pessoal estava alojado em exército, em convento, em clubes, casas de família, de amigos. Quando nosso ônibus chegou, não havia alojamento para nós. Mas, deram um jeito e começaram a espalhar a gente por Brasília. Só que os ônibus eram poucos, nenhum acessível. Rodava, rodava, rodava e parava: “Fulano agora é você! ” Desciam Romeu e o motorista. Tiravam a cadeira de rodas do cara. Tiravam o cara. Botavam o cara na cadeira de roda. Romeu e o motorista entravam no ônibus e começava de novo. Rodava, rodava, parava: Agora é você sicrano!” Havia umas 15 pessoas no ônibus. Como era noite e todos os prédios se parecem em Brasília, a impressão que se tinha é que o ônibus rodava, rodava, rodava e parava sempre em frente ao mesmo prédio. Eu me senti num episódio daquela antiga série de TV “Além da Imaginação”. Fomos os últimos a ser entregues. Era madrugada. Lembro-me do Romeu deitado no meio do ônibus, no chão, exausto, depois de ter trabalhado o dia inteiro. (Lia Crespo. In: SÃO PAULO (Estado), 2011: 39)
Fui para Brasília, em outubro de 1980, para o Congresso Nacional. (...) já estava reabilitada! Fui com minha cadeirinha, tinha 25 anos. (...). Aí, vi como viver na cadeira de rodas! Vi como minha cadeira de rodas era linda, como bengalas eram bonitas, como surdos que faziam sinais eram felizes. Vi o cego que dava trombada na parede e ria! Quem tinha deficiência mental nos ajudava muito. Todos ali eram como todo mundo, com alegria e tristeza, com sonhos e desejos! Deu mais vontade de viver. Uma amiga minha, Isaura Pazzatti, disse: “Célia, tem um amigo meu do Rio que quer fazer uma entrevista sobre mercado de trabalho para a pessoa com deficiência. Quer entrevistar pessoas que tenham ficado deficientes para saber se estão ou não. (...) Ele contou que tinha uma pesquisa, que mostrava que, de fato, não tinha mercado de trabalho para deficiente. Empregador, empresário não empregava deficiente, além disso, tinha a falta de escolaridade. Então falei: “Acho que estou no caminho certo por estar neste Congresso.” (Célia Leão. In: SÃO PAULO (Estado), 2011:39- 40)
A movimentação gerada a partir da proclamação do AIPD resultou em muitas
reuniões de preparação de eventos, de discussões sobre a situação das pessoas
com deficiência e levantamento de agendas de lutas em toda parte do Brasil. Em
1981, de 25 a 30 de outubro acontece em Recife o 2º Encontro Nacional de
Entidades de Pessoas Deficientes, simultaneamente ao 1º Congresso Brasileiro de
Pessoas Deficientes. Este Congresso teve como objetivo reinvindicações quanto a
98
melhores serviços de reabilitação, eliminação de diferentes barreiras que impediam
e ainda impedem a efetiva inclusão das Pessoas com Deficiência. O 1º Encontro
de Delegados de Pessoas Deficientes aconteceu nos dias 16 a18 de julho de 1982,
em Vitória/ES. Durante este Encontro ficou definido que o 3º Encontro Nacional de
Pessoas Deficientes seria realizado em São Bernardo do Campo de 13 a 17 de
julho de 1983. Neste evento, a Coalizão Pró-Federação Nacional de Entidades de
Pessoas Deficientes começa a ser extinta e inicia o processo de organização de
Entidades Nacionais por tipos de deficiências.
No encontro nacional de Brasília, foi criada a Coalizão Nacional, que reunia entidades de todos tipos de deficiência. Em Recife, no Congresso Brasileiro, as quatro áreas de deficiência disputavam espaço. Mas, era uma disputa saudável. Não era para atender o ego de ninguém, nem de nenhuma instituição. É que cada um queria ver a sua luta atendida. Havia os deficientes visuais, os deficientes auditivos, os deficientes físicos e o pessoal do Morhan (dos hansenianos). Os deficientes mentais, como eram chamados, na época não participaram. Esta disputa já apontava para as quatro organizações nacionais, separados por áreas de deficiência, criadas após a dissolução da Coalizão Nacional. Foi quando surgiu a Onedef (Organização Nacional de Entidades de Deficientes Físicos) da qual o Rui e eu fizemos parte da Coordenação. (Celso Zoppi. In: SÃO PAULO (Estado), 2011: 39)
As novas organizações nacionais se aliaram ao Movimento de Reintegração das
Pessoas Atingidas pela Hanseniase (MOHAN), que havia sido criado em 1981. Em
1984, foram criadas: a Organização Nacional das Entidades de Deficientes Físicos
(ONEDEF) e a Federação Brasileira de Entidades de e para Cegos (FEBEC). A
Sociedade Brasileira de Ostomizados (SOB) foi criada em 1985. A Federação de
Educação e Integração dos surdos (FENEIS) e a Associação de Paralisia Cerebral
do Brasil (APCD) foram criadas em 1987.
Em decorrência da preparação e atuação no AIPD, houve muita movimentação das
pessoas com deficiência, que ganharam visibilidade na sociedade e nos meios de
comunicação, junto com a exposição da variedade de deficiências existentes. A
mídia passou a dar atenção ao assunto, como mostra o cartunista Jota.22
22 Cartum de autoria de Jota, mostra um batalhão de profissionais da mídia entrevistando uma
pessoa com deficiência sob a luz de fortes holofotes, enquanto uma criança que se aproximava
para vender balinhas é afastada por um jornalista que diz: “Nem vem! O teu ano já passou!”,
referindo-se ao ano de 1979, o Ano Internacional da Criança (AIC). O cartum previa que, assim
como a criança voltou a ser esquecida logo que acabou o AIC, a pessoa com deficiência, em
destaque durante o AIPD, poderia vir a acabar no esquecimento. (SÃO PAULO(Estado),
2011:108)
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Embora a falta de conhecimento e o preconceito ainda fizessem com que o assunto
fosse tratado de forma equivocada e sensacionalista, Romeu Sassaki contou em
uma entrevista um episódio com a Rede Globo que retrata bem o entendimento e
o interesse por parte dos meios de comunicação.
O Ano Internacional foi em 1981, mas no início de 1980 a Globo nos procurou dizendo que queria fazer uma série de vinhetas de 30 segundos para passar em cada intervalo do show do cantor Roberto Carlos. [...] A Rede Globo já tinha tudo pronto, as cenas, onde filmar, quem filmar, o que falar. Eles nos procuraram não para perguntar se concordávamos, se a abordagem estava correta. Não! Fomos procurados porque eles queriam que nós indicássemos pessoas com deficiência para serem filmadas. Mas, aí, olhamos o projeto e vimos as barbaridades que havia e dissemos que estava tudo errado, precisávamos melhorar aquele roteiro. Brigamos muito, mas a Globo resistiu e não quis saber de acatar nossas sugestões.
A Globo, assim como o jornalismo em geral da época, queria mostrar “sangue”: filmar o “defeito” físico, o “horror das feridas” da perna, do braço, etc.Eles queriam mostrar isso para chocar. A coordenadora do projeto, Virginia Cavalcante, dizia: “Temos que chocar o público para conscientizá-lo!” E nós dizíamos: “Não, de jeito nenhum. Não concordamos com isso. Essa tática de chocar o público com o objetivo de sensibilizar para a questão é errada; não concordamos com isso. Queremos conscientizar e informar o público sobre nossas reinvindicações, sobre o que queremos que mude na sociedade. Essas vinhetas vão reforçar ainda mais aquela visão do coitadinho, ‘olha que coisa triste que está ali’. Nós não queremos mais isso!” A Globo não nos respeitou e filmou do jeito que ela queria. (Romeu Sassaki- Entrevista da “História do Movimento Político das Pessoas com Deficiência no Brasil- acesso 19/04/2017)
A luta dos movimentos sociais foi muito dura. Houve confrontos de interesses e de
mundos contraditórios. Embora o Brasil passasse pelo período de abertura política,
forças contrárias ainda se faziam presentes. O regime militar mantinha vigilância e
controle sobre os movimentos e sobre a liderança que lutava para a transformação
do status quo. O movimento de pessoas com deficiência não ficou isento a essa
vigilância. Prova disto são documentos no Arquivo Público do Estado, encontrados
pela pesquisa feita para o Memorial da Inclusão. Foram encontrados documentos
que provam a vigilância pelo Dops sobre os Militantes pelos Direitos das Pessoas
Deficientes (MDPD): Candido Pinto de Melo; Isaura Helena Pozzati e Maria de
Lourdes Guarda, à época na coordenação da FCD. Ainda foram encontrados
documentos, matérias, folhetos incluídos em relatórios que provam a presença de
“arapongas” em eventos realizados pelo movimento. Por exemplo, o ato em frente
ao Teatro Municipal. “Portanto não julgamos como mera paranoia ou fantasia os
100
receios dos ativistas em defesa dos direitos das pessoas com deficiência.”
(GADELHA; CRESPO; RIBEIRO: In: SÃO PAULO (Estado), 2011:25). Como no
caso do relato a seguir:
Acho que em 1979 ou 80, fazíamos reunião de coordenação da FCD, na igreja do Carmo, lá na Rua Monsenhor Passalacqua. Na ocasião, tínhamos que pedir licença para o Dops. Sim, pedir licença para o Dops, mandar a relação dos nomes dos participantes e dizer o motivo da reunião! Em uma ocasião, estávamos em Parelheiros, acho que num encontro de formação ou coisa parecida, e a gente começou a aprender a letra daquela música Caminhando (Pra não dizer que não falei de flores), do Geraldo Vandré. Um dos participantes era medroso que só e falou: “Não! Essa música a gente não deva cantar porque se o Dops aparece por aqui o que vai acontecer? Todos os aleijadinhos vão presos! ” Tinha repressão, sim! Nossa Senhora! (Ilda Mitico Saito. In: SÃO PAULO (Estado), 2011: 25)
O simples fato de estas pessoas estarem nas ruas e tornarem públicas suas
demandas, já mexeu com a estrutura social e cultural.
Os na época considerados “deficientes” enfrentaram conscientemente esse debate e com isso alargaram o espaço público de sua atuação, pois ela passa a ser ao mesmo tempo ação “perturbadora” e política. Criando sujeitos capazes de mediar o mundo em conflito no qual vivem e direcionar suas escolhas por meio de suas experiências. (GADELHA; CRESPO; RIBEIRO, 2011:29)
O Ano Internacional foi muito intenso, houve muitas atividades e manifestações que
colocaram as pessoas com deficiência em evidência e propiciaram ganhos em
relação a sua melhor participação na sociedade. Como, por exemplo, o movimento
pela rampa de acesso ao Teatro Municipal de São Paulo.
Em julho de 1981, em São Paulo, aconteceu um fato inédito. O MDPD conseguiu que o secretário Municipal de Cultura, Mário Chamie, autorizasse a construção de uma rampa provisória, feita de madeira, na entrada do Teatro Municipal de São Paulo. Embora fosse provisória, aquela rampa representou uma conquista. Para nós, esta foi uma vitória porque que foi a única maneira de as pessoas com deficiência poderem entrar e assistir, como todo mundo, a uma apresentação do maestro Isaac Karabtchevsky. (Romeu Sassaki- Entrevista da “História do Movimento Político das Pessoas com Deficiência no Brasil- acesso 19/04/2017)23
Outro evento marcante, narrado por Sassaki, foi a realização de uma feira de
demonstração de barreiras e acessibilidades, na Praça Roosevelt. Proporcionou ao
público em geral sentir o que eram as barreiras e o que era acessibilidade. Foram
23 A rampa está registrada em foto na obra comemorativa aos 30 anos do AIPD, editada pela Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência. Em: SÃO PAULO (Estado), 2011:103.
101
construídos caminhos com degraus e desníveis, havia várias cadeiras de rodas
para as pessoas experimentarem a dificuldade de estar em uma cadeira de rodas
diante de degraus. Assim como outras dificuldades que as pessoas com deficiência
encontram no seu dia a dia, como: altura de orelhão, a altura da pia, do espelho:
“tudo tinha amostra do errado e do certo”.
A mobilização das pessoas com deficiência ultrapassou o AIPD. Em decorrência
das discussões levantadas durante a programação do AIPD, onde foram expostas
a realidade da pessoa com deficiência e as suas demandas, várias iniciativas
aconteceram que propiciaram a continuidade das discussões e lutas pela inclusão
das mesmas, impulsionando a criação de organismos estaduais e municipais
buscando a implantação de políticas públicas para esse segmento da sociedade.
Em São Paulo, onde havia intensa atividade do MDPD, foi articulado o Fórum de
Pessoas com Deficiência, que abrangia todo o Estado de São Paulo.
Incentivamos, divulgamos e implementamos, junto a outras pessoas, o Fórum das organizações de pessoas com deficiência, daqui de São Paulo, do qual participavam Romeu Sassaki e Robinson de Carvalho (médico já falecido, de Ourinhos), além de representantes de Taubaté, eu, de Piracicaba, e o pessoal das entidades de São Paulo: Fraternidade, MDPD, NID e vários movimentos. Logo depois do Ano Internacional, nós demos continuidade a esse fórum que resultou no 1º Seminário Estadual das Pessoas com Deficiência, depois da eleição de Franco Montoro, 1983. (Chico Pirata. In: SÃO PAULO (Estado), 2011: 40)
A primeira reunião ocorreu em 20 de maio de 1989, dando início à atuação do
Fórum, segundo Romeu Sassaki. O registro das discussões e as diversas
retomadas das mesmas possibilitou o fortalecimento da construção teórica sobre a
questão e nortear o rumo do movimento. Resultou na confecção da Carta de
Princípios.
...onde ficou tudo claro: em que documentos estávamos nos baseando, quais direitos reivindicávamos, que medidas especiais – nunca direitos especiais - quais eram as ações de conscientização, observância, atualização. [...] Elaboramos o Programa do Fórum para a década de 90. Tudo isso é fruto de debates, não saiu da cabeça de uma pessoa. Era uma batalha para a gente fechar estas coisas: ônibus adaptados ou acessíveis, reinvindicações, eliminação de barreiras, o Dia Nacional de Luta das Pessoas com Deficiência (21 de setembro), etc. (Romeu Sassaki- Entrevista da “História do Movimento Político das Pessoas com Deficiência no Brasil- acesso 19/04/2017)
102
O Dia Nacional de Luta foi proposto em 1982. Só mais tarde foi oficializado, pela Lei
Nº 11.133, de 14 de julho de 2005, o dia 21 de setembro como o Dia Nacional das
Pessoas com Deficiência. É considerado um dia de luta que tem como objetivo
pautar ações que contribuam na reflexão e busca de caminhos para uma efetiva
inclusão das pessoas com deficiência em todos os espaços sociais. A data foi
escolhida para coincidir com o Dia da Árvore, representando o nascimento das
reivindicações de cidadania e participação em igualdade de condições.
Conforme depoimento de participantes dos diferentes movimentos de pessoas com
deficiência o AIPD foi um impulsionador dos avanços alcançados por estas pessoas
nas últimas décadas. Um dos resultados deste evento juntamente com a
democratização do país foi a criação de Conselhos para tratar dos assuntos da
pessoa com deficiência, tanto em nível estadual como municipal. O Estado de São
Paulo, no governo de Franco Montoro, foi o primeiro ou dos primeiros estados a
instituir o Conselho.
A partir do Ano Internacional, tudo foi se consolidando. Foram sendo criados conselhos. O primeiro foi no Estado de São Paulo. Depois começaram a surgir os outros conselhos estaduais e municipais também, em Pernambuco, no Rio Grande do Sul, em Minas Gerais e outros Estados. Discutimos e aprovamos 14 propostas para serem encaminhadas para fazer parte da Constituição. E todas foram aprovadas. Lógico que tinha outras propostas individuais de deputados e outros grupos. Mas, o movimento organizado apresentou 14 propostas, que passaram a fazer parte da Constituição, promulgada em 4 de outubro de 1988. (Chico Pirata. In: SÃO PAULO (Estado), 2011: 41)
Com o processo de democratização, vem a discussão sobre a necessidade de uma
nova Constituição. Para isso, instala-se o processo da Constituinte e o movimento
se engaja neste processo, apresentando a discussão sobre a nova Constituição e
os direitos das pessoas com deficiência, ou melhor, passa a discutir sobre a
participação da pessoa com deficiência na sociedade, incluindo direitos e
responsabilidades. Os relatos a seguir dão uma panorâmica do que foi este
processo:
Surge o movimento pela Constituinte. Fizemos uma coisa muito interessante, com o apoio, inclusive, do governo Montoro: realizamos reuniões setoriais para discutir o deficiente na Constituinte. Nós tivemos 19 reuniões. Na época, tínhamos 500 e poucos municípios. Fizemos reuniões em diferentes regiões do Estado. A primeira e a última foram aqui em São Paulo, para discutir o que deveria estar contemplado na Constituinte. (Linamara Rizzo Battistela. In: SÃO PAULO (Estado), 2011: 40)
103
Cada entidade nacional fez um fórum. Houve reuniões em Minas Gerais e Belo Horizonte. Houve também, uma grande reunião em Manaus, durante a qual foi feito o fechamento das propostas que seriam encaminhadas por duas pessoas de cada área de deficiência. Dois deficientes físicos, que eram da Onedef, dois da Federação dos Cegos, dois dos deficientes auditivos e dois do Morhan. Esse foi um momento marcante. A maioria daquelas propostas foi contemplada e faz parte hoje da Constituição Federal. Até o Ano Internacional, havia uma postura da sociedade. A partir de1981, havia outra postura e nova Constituição. (Celso Zoppi. In: SÃO PAULO (Estado), 2011: 41)
No Ano internacional, não participei dando palestras. Fiquei direcionada para a legislação do portador de deficiência. (...) em 1988, coletamos assinaturas dos portadores de deficiência ou de não deficientes, para que nossas propostas fossem incluídas na Constituição. Nessa época, fui falar de legislação em recife, Fortaleza, Manaus, Brasília, Paraná, Rio de Janeiro. Havia pessoas que nunca tinham ouvido falar nisto. (...). Toda parte da legislação, eu compilei. Uma pessoa trabalhava comigo e eu coordenava. O Fundo Social de Solidariedade me pediu permissão para editar meu trabalho. Falei que sim. (...). foi um livreto sobre direitos das pessoas portadoras de deficiência, com trechos da Constituição do Estado de São Paulo, da Lei Orgânica do Município de São Paulo e mais alguma coisa do Estatuto da Criança e do Adolescente. O título ficou sendo “Direito das Pessoas Deficientes”. Tenho até um exemplar daqueles antigos. (...). Foram feitos mais 30 mil livretos. A gente viajava e levava. Fez muito sucesso o livreto. (Cintia de Souza Clausell. In: SÃO PAULO (Estado), 2011: 40-41)
A Constituição aprovada em outubro de 1988 garantiu a existência dos Conselhos
em todos os níveis (nacional, estadual e municipal). No entanto, o CONADE
(Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência) só foi criado em 1 de
junho de 1999, através do Decreto 3.076/1999. Inicialmente vinculado ao Ministério
da Justiça, mais tarde passa à Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Em
março de 2010, por necessidade de se adequar às exigências da Convenção sobre
os Direitos das Pessoas com Deficiência, da ONU, houve uma atualização no nome
passando de Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência,
como havia sido criado, para Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com
Deficiência, através da Medida Provisória nº 483. O CONADE é um órgão superior
de deliberação colegiada, criado para acompanhar e avaliar o desenvolvimento de
uma política nacional para inclusão da pessoa com deficiência e das políticas
setoriais de educação, saúde, trabalho, assistência social, transporte, cultura,
turismo, desporto, lazer e política urbana dirigidos a esse grupo social. Foi criado
para que 23,92% da população brasileira, que possui algum tipo de deficiência,
segundo o censo de 2010, do IBGE, tome parte do processo de definição,
planejamento e avaliação das políticas destinadas à pessoa com deficiência. É um
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meio da articulação e diálogo com as demais instâncias de controle social e os
gestores da administração pública direta e indireta. “Estes espaços são a
materialização do “nada sobre nós sem nós”, pois tem a tarefa de garantir a
participação e o protagonismo das pessoas com deficiência na avaliação e
monitoramento das políticas públicas” (SDH/PR-SNPD, 2017). Segundo dados
governamentais, aproximadamente 10% dos municípios brasileiros já possuem
Conselho de Direitos das Pessoas com Deficiência e todos os Estados possuem o
órgão institucionalizado. (SDH/PR-SNPD, 2017)
Acontece, em 2006, em Brasília, a I Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa
com Deficiência, com o tema: “Acessibilidade, você também tem compromisso”.
Durante todo o período de mobilização e discussão nos movimentos, dois temas
eram recorrentes: educação e trabalho. Quanto à educação, as discussões vão
desde o direito à educação até a inclusão da pessoa com deficiência na classe
regular. Resulta, então, a obrigatoriedade por lei matricular a criança com
deficiência na escola regular. Junto a isso, houve grande discussão sobre inclusão
e educação especial. Ajudou nas resoluções sobre as questões de educação a
Declaração de Salamanca, em 1994, já mencionada anteriormente. Da discussão
sobre trabalho resulta a lei de cotas, que garante o ingresso de pessoas com
deficiência no mercado de trabalho.
LEI Nº 8.213, DE 24 DE JULHO DE 1991, lei de contratação de Deficientes nas Empresas. Lei 8213/91, lei cotas para Deficientes e Pessoas com Deficiência dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência e dá outras providências à contratação de portadores de necessidades especiais. Art. 93 - a empresa com 100 ou mais funcionários está obrigada a preencher de dois a cinco por cento dos seus cargos com beneficiários reabilitados, ou pessoas portadoras de deficiência, na seguinte proporção: - até 200 Funcionários.................. 2% - de 201 a 500 funcionários........... 3% - de 501 a 1000 funcionários......... 4% - de 1001 em diante funcionários... 5% (DEFICIENTEonline, 2017)
Estas e outras discussões que se fizeram ao longo do tempo, tanto a nível nacional
como internacional resulta mais tarde, em 2015, na Lei Brasileira de Inclusão, Lei
nº 13.146, de 6 de julho de 2015.
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Art. 1o. É instituída a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania.
Parágrafo único. Esta Lei tem como base a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, ratificados pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo no 186, de 9 de julho de 2008, em conformidade com o procedimento previsto no § 3o do art. 5o da Constituição da República Federativa do Brasil, em vigor para o Brasil, no plano jurídico externo, desde 31 de agosto de 2008, e promulgados pelo Decreto no 6.949, de 25 de agosto de 2009, data de início de sua vigência no plano interno.
Art. 27. A educação constitui direito da pessoa com deficiência, assegurado sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida, de forma a alcançar o máximo desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem.
Parágrafo único. É dever do Estado, da família, da comunidade escolar e da sociedade assegurar educação de qualidade à pessoa com deficiência,
colocando-a a salvo de toda forma de violência, negligência e discriminação.
Art. 34. A pessoa com deficiência tem direito ao trabalho de sua livre escolha e aceitação, em ambiente acessível e inclusivo, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. (PRESIDENCIA DA REPÚBLICA, 2017)
A mobilização das pessoas com deficiência acontece não só no Brasil, mas em
nível mundial. E o Brasil também teve participação neste movimento mundial, com
representantes brasileiros participando de eventos internacionais e trazendo as
discussões que se davam em nível mundial para os espaços de debates no país.
Soube do 1º Congresso Mundial da Pessoa Deficiente, organizada pelas Nações Unidas e pela DPI (Disabled People International), que seria realizado no Canadá. Escrevi dizendo que gostaria de participar. Mas, não tinha recursos. Quando retornei do 1º Congresso, em Recife, recebi um telegrama comunicando que mandariam uma passagem. Tive que ir sozinho, com a cara e a coragem. Mas, tinha força adquirida na FCD. Formamos o Conselho Mundial das Pessoas Deficientes e os Conselhos Continentais. Como era só eu do Brasil, acabei fazendo parte do Conselho Latino-Americano e, depois, simultaneamente, do Conselho Mundial. [...]. Na época, não havia a preocupação de detalhar por temas (educação, saúde, transporte, etc) o que hoje a gente chama de políticas públicas. O grande arcabouço era a acessibilidade. E, a partir daí, se fazer presente na sociedade. Eu passava aos militantes de vários estados do Brasil, as informações sobre as discussões do Congresso Mundial e do Conselho Latino-Americano. Na época, lembro que Rosangela Bermann também estava muito atuante, no Rio de Janeiro. Aqui,
106
além de outras pessoas da FCD, havia o saudoso Rui Bianchi. (Celso Zoppi. In: SÃO PAULO (Estado), 2011: 41-42)
Participei, em 1990, de um seminário, no Vaticano, a respeito das pessoas com deficiência. Esse seminário foi fruto do Ano Internacional, da melhoria de consciência em nível internacional. A Igreja também começou a se manifestar. (Chico Pirata. In: SÃO PAULO (Estado), 2011: 42)
A 30 de março de 2007, em Nova York, na sede da ONU, foi assinada a Convenção
sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência e seu Protocolo Facultativo. O Brasil
foi signatário destes documentos. No ano seguinte, 2008, o Brasil eleva a
Convenção à condição de equivalência constitucional.
Marco para os Direitos Humanos e para o público destinatário, a ratificação da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência afirmou a importância do protagonismo dessas pessoas, na medida em que endossou o tema do Dia Internacional das Pessoas com Deficiência de 2004: Nada sobre nós, sem nós. (CABRAL FILHO; FERREIRA, 2013: 111)
Embora os problemas ainda continuem a partir dos movimentos das pessoas com
deficiência, a sociedade passou a ter um novo olhar para com elas e significativas
vitórias foram alcançadas durante este processo. Muito ainda precisa ser superado,
como em todas as situações, especialmente onde o preconceito está envolvido. Em
meio aos ganhos e as novas formas de ver e enfrentar situações, sempre estão
convivendo os novos conceitos, novas visões de mundo, com a visão antiga e
preconceituosa.
2 1 3 - Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e Teologia da Libertação
Como já foi referido anteriormente, durante a ditadura militar o Brasil viveu um
período de muitas lutas de resistências e movimentos de protestos. Neste contexto,
conforme salienta Maria da Glória Gohn, estão os movimentos populares de Igrejas,
apontando a Teologia da Libertação como base teórica para estes movimentos.
Leonardo Boff, considerando esta relação, afirma que existe uma estreita conexão
entre Teologia da Libertação e CEBs. (Comunidades Eclesiais de Base). São dois
momentos do processo de mobilização do povo na América Latina. “As
107
comunidades eclesiais representam a prática da libertação popular e a teologia da
libertação, a teoria desta prática” (BOFF,1986: 93). É inegável. Na Igreja da
América Latina, a partir da década de 1960, as CEBs e a Teologia da Libertação
caminham juntas, uma serve de combustível para a outra.
Procurando entender o relacionamento entre religião e política na América Latina,
assim como outros autores, Michel Lövy (2000) aponta que o que possibilitou o
surgimento tanto da teologia da libertação como o que ele chama de cristianismo
da libertação, foi “uma combinação ou convergência de mudanças internas e
externas à Igreja que ocorreram na década de 50, e que se desenvolveu a partir da
periferia e na direção do centro da instituição” (LÖVY, 2000:69). Como síntese e
demonstração simbólica dos elementos dessa convergência temos, pelo lado
interno, a convocação do Concílio Vaticano II, e pelo externo, a revolução cubana
e todo o seu lastro de consequências para os países latino-americanos.
Foi a convergência desses conjuntos muito distintos de mudança que criou as condições que possibilitaram a emergência da nova “Igreja dos Pobres”, cujas origens, é preciso observar, remontam a um período anterior ao Vaticano II. De uma maneira simbólica, poderíamos dizer que a corrente cristã radical nasceu em janeiro de 1959, no momento em que Fidel Castro, Che Guevara e seus camaradas entraram marchando em Havana, enquanto que, em Roma, João XXIII publicava a primeira convocação para a reunião do Concilio. (LÖVY, 2000:70)
O processo de radicalização da cultura católica que iria levar ao movimento dos
cristãos da libertação começou com setores marginais de Igreja: movimentos
laicos, padres estrangeiros, ordens religiosas; e avançou para o centro,
influenciando bispos e conferências episcopais (especialmente ao Brasil). Houve
vários desdobramentos da inserção de leigos e teólogos na realidade social latino-
americana, assim como também tentativa da hierarquia eclesiástica, especialmente
do Vaticano, de bloquear esse movimento.
O novo movimento social surgiu primeiramente entre os grupos que estavam localizados na interseção desses dois grupos de mudanças: os movimentos laicos (e alguns membros do clero), ativos entre a juventude estudantil e nas comunidades mais pobres. Em outras palavras, o processo de radicalização da cultura católica latino-americana que irá levar à formação do cristianismo da libertação não começou, de cima para baixo, dos níveis superiores da Igreja, como a análise funcionalista que aponta para a busca de influência por parte da hierarquia sugeriria, e nem de baixo para cima, como argumentam certas interpretações “de orientação popular” e, sim, da periferia para o centro. (LÖVY, 2000:70,71)
108
Para este autor, dois grupos laicos contribuíram para o desenvolvimento deste
movimento: o movimento da juventude com: Juventude Operária Católica (JOC);
Juventude Universitária Católica e Ação Católica. Outros movimentos populares,
tanto no Brasil como na América Latina, junto com as comunidades de base “eram,
no início dos anos 60, a arena social da qual os cristãos se comprometeram
ativamente com as lutas populares, reinterpretaram o Evangelho à luz de suas
práticas e, em alguns casos, foram atraídos pelo marxismo.” (LÖVY, 2000: 71)
A Ação Católica, segundo Prof. Dr. Pe. Ney de Souza, começa a germinar na
França, na Revolução Francesa, em 1789, quando brota na sociedade o ideário
baseado no pensamento iluminista (liberdade, igualdade e fraternidade). Ganha
impulso com Pio XI, no início do século XX, considerado o “papa da Ação Católica
e das missões. A intenção era que fosse “uma associação de católicos que, a partir
do seu próprio ambiente, participam ativamente na missão apostólica da Igreja”
(SOUZA, 2006: 48). No Brasil, a Ação Católica nasce com este espírito, tendo como
papel inicial a defesa dos valores e princípios cristãos por parte dos leigos católicos
no campo da atuação política. A prática para ministrar doutrina da Igreja aos
operários e estudantes utilizava o método Ver, Julgar, Agir, especialmente
adaptado à mentalidade concreta destes. “A Ação Católica teve o mérito de levar a
doutrina social da Igreja às escolas, às universidades, às fábricas, aos meios de
comunicação, aos sindicatos e estimulando a criação de inúmeros outros
movimentos sociais de inspiração cristã.” (SOUZA, 2006: 49). Segundo Souza, D.
Hélder Câmara tem um significativo protagonismo no movimento, imprimindo uma
forte inclinação para atividades políticas e sociais.
Estes são alguns dos movimentos especializados da Ação Católica. - HAC: Homens da Ação Católica – para os maiores de 30 anos e os casados de qualquer idade; - LFAC: Liga Feminina da Ação Católica – para as maiores de 30 anos e as casadas de qualquer idade; - JCB: Juventude Católica Brasileira – para homens de 14 a 30 anos; - JFC: Juventude Feminina Católica – para moças de 14 a 30 anos. Os próximos movimentos citados são relacionados pelos Estatutos da Ação Católica como seções importantíssimas” São eles: - JEC: Juventude Estudantil Católica – para a mocidade do curso secundário; - JOC: Juventude Operária Católica – para a mocidade operária; - JUC: Juventude Universitária Católica – só para universitários. Depois teremos outros grupos: - JAC: Juventude Agrária Católica;
109
- JIC: Juventude Independente Católica; - MAC: Movimento de Adolescentes e Crianças; - ACO: Ação Católica Operária – atualmente MTC: Movimento dos Trabalhadores Cristãos. (SOUZA, 2006: 53,54)
Também contribui de forma significativa para a formação do que poderia se chamar
de “cristianismo de libertação”, tomando a expressão de Michel Lövy, e englobando
nesta expressão a teologia da libertação e as CEBs, o grupo de intelectuais e
pensadores que embora não tenham passado pelo processo de formação da Ação
Católica tiveram papel importante na assessoria de bispos e Conferências
Episcopais. Eram economistas, sociólogos, teólogos e outros especialistas “que
constituíam uma espécie de aparelho intelectual leigo da Igreja, que introduzia na
instituição os últimos acontecimentos nas ciências sociais – o que na América
Latina a partir da década de setenta, significava sociologia e economia marxista
(teoria da dependência)” (LÖVY, 2000: 73). Estas equipes assessoravam,
instruindo e propondo planos para atuação pastoral e redigindo declarações
episcopais. Foram responsáveis na formulação de documentos levados pelo
Episcopado Brasileiro à Conferência de Medellín (1968), desde a sua preparação.
Assim como os grupos leigos dentro da própria instituição religiosa, houve
protagonismo de religiosos que se tornaram fundamentais na prática e na
teorização do novo modo de ser Igreja que se instala na América Latina a partir de
meados do século XX. As ordens religiosas, em especial: Jesuítas, Dominicanos,
Franciscanos, Capuchinos, Maryknolls e as ordens femininas estiveram na
vanguarda neste movimento prático teológico. “As ordens religiosas – um total de
157.000 pessoas em toda América Latina, em sua maioria mulheres – são os
grupos que mais participam das novas pastorais sociais e que mais criam
comunidades de base.” (LÖVY, 2000: 73).
Junto a este grupo de religiosos se acrescenta a contribuição de padres e religiosos
estrangeiros, que vêm somar ao surgimento e à consolidação do cristianismo da
libertação. Estes religiosos, vindos especialmente da França, da Espanha e da
América do Norte, certamente se dispunham à missão na América Latina, por já
estarem envolvidos no setor da Igreja que se mostrava sensível aos problemas da
pobreza e marginalização do Terceiro Mundo.
110
Muitos dos missionários franceses tinham participado da experiência dos padres operários, ou pelo menos tinham um com conhecimento de primeira mão dessa experiência; e entre os “espanhóis” havia uma alta porcentagem de bascos, vindos de uma região onde a Igreja tinha uma tradição de resistência ao governo. Uma razão adicional é o fato que membros do clero estrangeiro eram muitas vezes enviados pelos bispos para regiões mais remotas e mais pobres, ou para as novas favelas que proliferavam nas grandes áreas urbanas do continente – isto é, onde não existissem dioceses tradicionais. O contraste entre as condições de vida em seu país de origem e a pobreza total que descobriram na América Latina levou muitos deles a uma verdadeira conversão moral e religiosa ao movimento de libertação dos pobres. Como observou Brian H. Smith, um sociólogo americano, em seu importante trabalho sobre a Igreja no Chile, os padres estrangeiros, que originalmente tinham sido inspirados pelas mesmas preocupações com reforma que os bispos, “tinham se radicalizado graças ao que haviam visto e vivenciado nas áreas das classes trabalhadoras” e, com isso, “passaram decisivamente para a Esquerda, tanto
em suas opiniões teológicas, quanto em sua análise social”. (LÖVY, 2000: 75).
Esse processo de radicalização se deve, em grande medida, à utilização do
marxismo, pelo fato de que ele fornece não apenas uma análise cientifica, mas
também uma visão utópica da mudança social, capaz de “inspirar uma praxis
revolucionária radical e permanente” (G. Gutierrez)
Este “cristianismo de libertação” onde estão envolvidas as CEBs e a Teologia da
Libertação, ganham fomento com o Concílio Vaticano II e com as Conferências
Episcopais Latino – Americanas, principalmente a de Medellín e Puebla.
2 1 3 1 - Concílio Vaticano II
Conforme referido anteriormente o Concílio Vaticano II foi um marco fundamental
na Igreja da América Latina, traz um novo aggiornamento: rompe algumas
fronteiras e traz uma modernização para dentro da Igreja, ao mesmo tempo em que
impulsiona o “cristianismo libertador”. Este evento foi convocado pelo papa João
XXIII, em 1959, realizou-se entre 1962 e 1965, com quatro sessões,
aproximadamente uma por ano (outubro a dezembro). Contou com a participação
de bispos do mundo todo, nos encontros, debates e votações. A abertura do
111
Concílio foi feita pelo papa João XXIII. Com sua morte em 196324, assumiu a direção
o papa Paulo VI, que o substituiu no pontificado.
Foi um concílio pastoral. Tinha como objetivo expresso pelo papa João XXIII
procurar atualizar a doutrina da Igreja face à sociedade contemporânea.
Constavam na pauta das discussões temas como: rituais da missa; deveres dos
padres; liberdade religiosa; relação com as outras igrejas cristãs e não cristãs;
costumes da época. Foram tratados temas delicados que fizeram com que a Igreja
repensasse e fizesse mudanças na forma de sua presença no mundo moderno.
Este Concílio foi um marco fundamental na história da Igreja Católica, o que
certamente teve reflexo nas demais denominações cristãs.
Deste evento resultaram 16 documentos (quatro constituições, nove decretos e três
declarações). As 4 constituições, consideradas os pilares para os demais
documentos, são: Lumen Gentium; Sacrosanctum Concilium; Gaudium et Spes; Dei
verbum.
Sobre esses quatro pilares a Igreja hoje edifica sua missão, para salvaguardar o depósito, o tesouro da sua doutrina, a riqueza do Evangelho, para apresentá-lo ao mundo, ao homem de nosso tempo. Entendamos bem esses 4 documentos, situando cada qual. 1. Precisava-se urgentemente na Igreja uma Renovação Teológica. Houve grandes teólogos na época: Para isso, respondeu o documento conciliar Dei Verbum, que fala de toda a Revelação Divina e de sua transmissão, que é uma constituição dogmática; 2. Precisava-se renovar a Liturgia, não podendo mais somente se rezar em Latim, o padre virado de costas e ninguém entendendo nada da Liturgia. A Constituição Sacrosanctum Concilium responde a essa verdadeira renovação do modo de celebrar e entender a própria liturgia; 3. Urgia, na Igreja, um verdadeiro e profundo diálogo com o mundo, com o homem moderno, da técnica, das correntes sociais. A Constituição pastoral Gaudium et Spes vinha ao encontro dessas tantas perguntas que se fazem da vida, da sociedade em constante mudança e a missão da Igreja no mundo. Note-se que é uma constituição pastoral porque tem a intenção de exprimir as relações da Igreja com o mundo e o homem moderno – diria hoje
24Poucos dias antes de morrer, o papa XXIII ditou ao cardeal Cicognani um texto que resumia a
sua visão do futuro da Igreja. “Hoje mais do que nunca, e com certeza mais do que nos séculos passados, somos chamados a servir o homem enquanto tal e não somente aos católicos, em relação aos direitos da pessoa humana e somente direitos da Igreja católica. As circunstâncias presentes, as exigências dos cinquenta últimos anos, o aprofundamento doutrinal, conduziram-nos a novas realidades – como disse na abertura do Concílio. Não é o evangelho que mudou: acontece que nós começamos a entendê-lo melhor. Quem viveu longamente e enfrentou, no início do século, novas tarefas de atividade social que envolvem o homem inteiro, quem viveu – como é o meu caso – vinte anos no Oriente, oito na França, e quem pode enfrentar culturas e tradições diversas, sabe que chegou o momento de reconhecer ‘os sinais do tempo’, de aproveitar o momento oportuno e olhar para longe.” (COMBLIN, 2002: 160,161)
112
já pós-moderno. Diga-se que o concílio teve esse caráter pastoral e ecumênico, não tanto dogmático como foi o de Trento e outros. 4. Finalmente, também se precisava uma verdadeira mudança de mentalidade em relação à própria identidade da Igreja, refletindo sobre si mesma, sua missão, sua atuação como fermento de transformação. Para isso a Constituição dogmática Lumen Gentium, vinha ao encontro dessas respostas. Diga-se que esse foi o mais polêmico documento, que necessitou de inúmeras reformulações até ser aprovado quase por unanimidade, havendo apenas 5 votos contrários em novembro de 1964. (SCHMIDT, 2016)
O Concílio provocou mudanças tanto no âmbito teológico pastoral, como na
hierarquia da Igreja. As missas que eram, até então, rezadas em latim passam a
ser celebradas na língua de cada país, com o padre de frente para o público,
mulheres e homens leigos (que não são do clero) podem ajudar na celebração.
Aumenta um pouco a liberdade dos teólogos para interpretar a Bíblia, apesar de
continuar a condenação do capitalismo e do comunismo. Há maior aceitação da
ideia de que, por meio de outras religiões, também é possível conhecer Deus e a
salvação. Foi dada menor atenção aos Santos, aqueles não canonizados foram
abolidos. Há uma centralização da pessoa de Cristo na missa. A obrigatoriedade
do uso da batina pelos padres é deixada de lado podendo ser usado, por estes, os
trajes sociais. O poder ficou mais descentralizado, o papa aceita dividir parte do
seu poder com outros cardeais. No que concerne aos costumes, o Concílio foi
pouco liberal, especialmente no que diz respeito à sexualidade. Mantém o celibato
para os padres e a condenação do sexo antes do casamento.
A realização do Concílio ensejou a aspiração pela II Conferência Geral do
Episcopado Latino-americano, que já foi pela primeira vez, proposta pelo CELAM
(Conselho Episcopal Latino- Americano) na sua IX reunião, na última sessão do
Concilio Vaticano II, com o objetivo de pensar a aplicação do Concílio à realidade
da América Latina. Em novembro de 1967, na XI reunião do CELAM ficou acertada
a realização da Conferência e estabelecido seu objetivo: estudar a Igreja na
América Latina à luz do Concílio. Em janeiro de 1968, o papa convoca a
Conferência para 26 de agosto a 6 de setembro de 1968.
113
2 1 3 2 - II Conferência Episcopal da América Latina – Medellin
A II Conferência Episcopal da América Latina tem sua abertura no dia 24 de agosto,
em Bogotá, feita pelo papa Paulo VI, por ocasião do XXXIX Congresso Eucarístico
Internacional. Em seu discurso, o papa salientou quatro categorias de pessoas que
mereceriam uma atenção especial: os sacerdotes, os jovens, os estudantes e os
trabalhadores. Em 26 de agosto, a Conferência se deslocou para Medellín, onde
transcorreu o desenrolar dos trabalhos.
A reunião em Medellín se desenrolou em um contexto de grandes transformações
na Igreja e no mundo. Transformações estas que escapavam da atuação da própria
Igreja: a Revolução Cubana que se transformou em referencial para milhares de
jovens; o movimento estudantil que se agitava no mundo com protestos contra a
“ordem burguesa” e o “imperialismo”; os movimentos feministas e a quebra de
tabus; junto com o descontentamento e questionamentos contra a Igreja católica
por seus costumes considerados medievais e arcaicos.
Fue verdaderamente extraordinario el entorno de la II Conferencia General del Episcopado Latinoamericano. La fecha es emblemática, agosto de 1968, apenas unos meses después del mítico mayo de La Sorbona que ha venido a caracterizar toda una época de contestación y de esperanzas. Era el período inmediatamente siguiente al Vaticano II, el ambiente estaba cargado de euforia y optimismo en una Iglesia, que, experta en humanidad y empeñada a fondo en el aggornamiento propuesto por Juan XXIII , quería hacer llegar su voz de aliento al mundo contemporáneo mediante un diálogo abierto y fecundo. Pablo VI una vez clausurada la gran Asamblea Ecuménica, había publicado la Populorum progressio y había tomado el cayado del peregrino cruzando el ancho mar Atlántico, por primera vez en la vida dos veces milenaria de la Esposa de Cristo. El Vicario de Cristo, con gesto expresivo e innovador, puesto de rodillas, había besado emocionado la tierra del continente americano, ante la mirada asombrada y conmovida de la multitud que se había congregado para recibirlo y la de la muchedumbre inumerable que su viaje a través de la televisón. (MESA POSADA: 1996: 417)25
25 Foi verdadeiramente extraordinário o entorno da II Conferência Geral do Episcopado Latino-
Americano. A data marcada, apenas alguns meses depois do mítico maio da Sorbonne que vem marcar uma época de contestação e de esperanças. Era o período imediatamente posterior ao Vaticano II, o ambiente estava carregado de euforia e otimismo em uma Igreja, que, desperta para a humanidade e empenhada a fundo na atualização proposta por João XXIII, queria fazer chegar sua voz de alento ao mundo contemporâneo através de um diálogo aberto e fecundo. Paulo VI, após o encerramento da grande Assembleia Ecumênica, havia publicado a Populorum progressio e havia tomado o cajado do peregrino cruzando o amplo Oceano Atlântico, pela primeira vez na vida de dois milênios da Esposa de Cristo. O Vigário de Cristo, com gesto expressivo e inovador, ajoelha-se, beija emocionado a terra do continente americano, diante do olhar assombrado e comovido da multidão que se congregava para recebê-lo e da multidão imensurável que acompanhava sua viagem pela televisão. (MESA POSADA, 1996: 417)
114
O contexto internacional estava agitado com manifestações que pediam mais
liberdade e justiça. O CELAM compromete-se com a causa dos setores populares
da América Latina – “opção preferencial pelos pobres”. Não sem tensões internas
que expressavam pensamentos destoantes ao que ficou aprovado.
O documento final com o título: A Igreja na atual transformação da América Latina
à luz do Concílio expõe as linhas de pensamentos presentes na elaboração de seu
conteúdo. O documento traz frequentes alusões ao Concilio. O trabalho se
desenvolveu de maneira semelhante ao mesmo, no tratamento dos temas
utilizando o método Ver, Julgar e Agir.
2 1 3 3 - III Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano - Puebla
A terceira Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, a princípio fora
convocada por Paulo VI para outubro de 1978. Seu falecimento e o breve
pontificado do Papa João Paulo I, fizeram com que fosse transferida para realizar-
se em Puebla de los Angeles, no México, de 28 de janeiro a 13 de fevereiro
de 1979. A Conferência foi inaugurada por João Paulo II e presidida por
Sebastião Cardeal Baggio, prefeito da Congregação para os Bispos e presidente
da Pontifícia Comissão para a América Latina; Cardeal Dom Aloísio Lorscheider,
arcebispo de Fortaleza, presidente da CNBB e presidente do CELAM; e Alfonso
López Trujillo, arcebispo coadjutor de Medellín, na Colômbia e secretário-geral
do CELAM. Teve a participação de 356 delegados. Os bispos, neste conclave,
apontaram para o fenômeno da desigualdade e da injustiça na América Latina e o
desafio cristão de transformar o contexto de marginalização e desrespeito aos
direitos humanos. Apontava, no que diz respeito à doutrina, caminhos e
preocupações com relação à dignidade humana e libertação total da pessoa.
O objeto precípuo desta doutrina social é a dignidade pessoal do homem, imagem de Deus e a tutela de seus direitos inalienáveis (PP 14-21). A Igreja explicitou seus ensinamentos nos diversos campos da vida: social, econômico, político, cultural, segundo as necessidades. Portanto, a finalidade dessa doutrina da Igreja – que traz sua visão própria do homem e da humanidade (PP 13) – é sempre a promoção de libertação total da pessoa humana, em sua dimensão terrena e transcendente, contribuindo assim para a construção do
115
Reino último e definitivo, sem confundir, contudo, progresso terreno e crescimento do Reino de Cristo. (EPISCOPADO LATINO AMERICANO, 1979)
[...] Para que nossa doutrina social seja acreditável e aceita por todos, deve responder de maneira eficaz aos desafios e aos problemas graves que surgem de nossa realidade latino-americana. Homens diminuídos por carências de toda espécie reclamam ações urgentes em nosso esforço promocional que tornam sempre necessárias as obras assistenciais. Não podemos propor eficazmente esta doutrina sem sermos nós mesmos interpelados por ela em nosso comportamento pessoal e institucional. Ela exige de nós coerência, criatividade, audácia e entrega total. Nossa conduta social é parte integrante de nosso seguimento de Cristo. Nossa reflexão sobre a projeção da Igreja no mundo como sacramento de comunhão e salvação é parte de nossa reflexão teológica, porque “a evangelização não seria completa se não levasse em conta a interpelação recíproca que ao longo dos tempos se estabelece entre o Evangelho e a vida concreta, pessoal e social do homem (EN 29 ) (EPISCOPADO LATINO AMERICANO, 1979)
O Documento final define como acontece a promoção humana.
A promoção humana implica atividades que ajudam a despertar a consciência do homem em todas as suas dimensões e a lutar por si mesmo como protagonista de seu próprio desenvolvimento humano e cristão. Educa para a convivência, dá impulso à organização, fomenta a comunicação cristã dos bens, ajuda de modo eficaz a comunhão e a participação. (EPISCOPADO LATINO AMERICANO, 1979)
Estas duas Conferências tiveram papel preponderante na atuação da Igreja na
América Latina, na sua tentativa de pensar o Concílio Vaticano II no contexto latino-
americano e como colocar em prática suas importantes decisões. As discussões e
o resultado destas Conferências, embora tenha havido muitas discordâncias, foram
um espaço de referendo para as ações do cristianismo da libertação que se fazia
ativo e também serviu de fomento para sua continuidade.
Após estas, houve mais duas, não menos importantes para a história do catolicismo
latino-americano, mas que não trouxeram muito avanço para a Igreja da base.
Nestas últimas Conferências, as forças que ficaram mais de lado ganharam mais
espaço e deram mais o caráter de seu pensamento contrário à teologia da
libertação.
A IV Conferência-Geral do Episcopado Latino-Americano realizou-se em Santo
Domingo (República Dominicana) de 12 a 28 de outubro de 1992. A palavra chave
para Santo Domingo foi inculturação. É dada especial atenção à promoção
humana. A vivência da cidadania é requisito para uma efetiva comunhão e
116
participação libertadora. E, para que haja uma autêntica promoção humana, é
preciso ter em conta as diferentes culturas presentes na América Latina e no
Caribe. Esta Conferência se deu em um panorama difícil, acrescidas as dificuldades
encontradas nas discussões que envolviam o tema proposto. O evento foi aberto
em 12 de outubro de 1992, dia do chamado “Descobrimento da América”. A
Conferência-Geral encontra-se diante de duas realidades: uma, a celebração dos
500 anos desde a chegada dos europeus à América Latina e, outra, a reflexão em
vista de uma ação evangelizadora para o próximo futuro. “A celebração tornou-se
muito complexa. Não estava claro o que se iria celebrar: uma invasão, uma
ocupação ou uma evangelização?” Como seria a celebração – teria um caráter
penitencial ou eucarístico? Tudo isto se refletiu no documento final, prejudicando a
sua clareza e coerência na redação.
A V Conferência Geral do Episcopado acontece em Aparecida, no Brasil, de 13 a
31 de maio de 2007. Procurando responder à pergunta: como ser Igreja na atual
situação da América Latina? analisou a realidade social, econômica, política,
cultural, religiosa e eclesial do continente, confrontando-a com a perspectiva
teológica escolhida, a saber, como ser discípulo e missionário em tal contexto
histórico.
O documento final se estruturou em torno de três eixos centrais, seguindo o método
ver-julgar-agir.
A conclusão do documento retomou incisivamente a ideia central de “despertar a Igreja na América Latina e Caribe para um grande impulso missionário”. No horizonte está “uma grande Missão Continental”, cujo projeto e desejo o texto mencionou em vários lugares. Ao falar das CEBs, reconheceu-as como “ponto válido de partida” para ela. E agora, na conclusão, o documento acena para o “despertar missionário em forma de uma Grande Missão Continental”. As linhas de tal missão já foram discutidas na conferência, mas ela será considerada concretamente na próxima Assembleia Plenária do Celam em Havana, Cuba. (LIBÂNIO, 2007)
Libânio, fazendo um prévio balanço sobre o que foi Aparecida, aponta que:
conservam-se as aberturas da tradição de Medellín, mas modifica-se a maneira de
compreendê-las. Insiste-se na “alegria” do encontro com Jesus, de que se dá
testemunho. Pergunta: Será já algum toque pós-moderno, carismático? Ou indica
que o ímpeto militante da década pós-Medellín se tornara pesado, sisudo e duro?
117
Estamos em tempos de sublinhar a alegria, o gozo, o prazer de ser cristão; desloca
a inserção simplesmente para dentro da Igreja particular em comunhão com o
bispo, e a pobreza aparece sob a forma de liberdade diante do mercado e das
riquezas. A inserção no meio dos pobres desaparece. (LIBÂNIO, 2007)
2 1 3 4 - Comunidades Eclesiais de Base (CEBS)
Com as CEBs recuperamos criativamente a grande tradição do primeiro
milênio, cujas raízes, na verdade, se encontram na própria comunidade dos
Doze, formada ao redor de Jesus, e na experiência eclesial atestada nos Atos
dos Apóstolos (capítulos 2 e 4). Os membros das CEBs possuem forte
consciência deste seu transfundo evangélico e apostólico. (BOFF,1986:84)
As Comunidades Eclesiais de Base são um grande movimento que acontece no
meio, especialmente, da Igreja Católica na América Latina, surge da periferia da
Igreja e da sociedade. Para falar sobre as CEBs é necessário, primeiramente,
pensar o que se entende por Igreja, com atenção especial aos setores mais
progressistas da Igreja.
A palavra “Igreja” vem do latim “Ecclesia”, que transmite o conteúdo do termo
hebraico “qahal” ou “qehal”, que “assembleia”, o ato da reunião ou também a própria
comunidade reunida. Os primeiros cristãos chamavam de “Igreja” também uma
comunidade reunida em algum lugar, como a Igreja da Judéia, a da Galileia, a da
Samaria, que são partes da terra de Jesus.
Ao longo dos séculos, a Igreja passou por muitas transformações, passando de um
movimento para uma institucionalização e aliança com o Estado. A América Latina
foi palco desta aliança no processo de colonização e cristianização do continente,
com movimentos de contestação e reformas que foram acontecendo ao longo do
tempo. Para pensarmos o que é a Igreja, tomamos o pensamento de D. Paulo
Evaristo Arns, Arcebispo da Arquidiocese de São Paulo, no período de maior
efervescência dos movimentos populares e dos movimentos de pastorais
populares. Para ele: “Também hoje, quando dizemos “Igreja Católica” pensamos
na comunidade de fiéis batizados, que se encontram no mundo todo. ”(ARNS,
1981:9) O Concilio Vaticano II, que se realizou nos anos de 1962 até o final de
1965, resgatou a expressão bíblica e passou a chamar a Igreja de Povo de Deus.
Este Povo de Deus tem um papel evangelizador.
118
Os Bispos reunidos em Roma junto com o Papa, no Sínodo de 1974, chegaram à conclusão seguinte: “A Igreja evangeliza, quando, unicamente firmada na força divina da mensagem que proclama, ela procura converter ao mesmo tempo a consciência pessoal e coletiva dos homens, a atividade em que eles se aplicam, a vida e o meio concreto que lhe são próprios”.
Se você, portanto, perguntar à Igreja o que é mais essencial na evangelização, ela responderá pela palavra do Papa Paulo VI: É “atingir e como que modificar, pela força do Evangelho, os critérios de julgar, os valores que contam, os centros de interesse, as linhas de pensamento, as fontes inspiradoras e os modelos de vida da humanidade” (ARNS, 1981:9)
O resgate dessa expressão “povo de Deus”, conforme COMBLIN (2002), vem
carregado de grande relevância no sentido de ser Igreja e sua atuação no mundo.
Povo, para ele, tem características muito fortes que constroem sua identidade. O
povo é sujeito, é ele que faz história. Sua identidade se dá na sociedade, se constrói
em comunidade, é o oposto do individualismo. No povo todos são livres. O povo
tem poder. O que fundamenta o povo é a esperança. “Sem esperança não há povo.
O que faz o povo é a esperança comum. Não há esperança que não seja coletiva,
esperança de uma multidão em povo.” (COMBLIN, 2002: 11)
Se a Igreja é povo de Deus, isso quer dizer que o seu ministério de comunhão com o Pai, o Filho e Espirito Santo se vive e se realiza numa condição de Povo. Povo, como veremos, inclui toda a realidade humana na sua diversidade concreta. O mistério da Igreja não se vive num mundo paralelo ao mundo dos povos terrestres, num mundo espiritualizado, supraterrestre, num mundo de almas, num mundo puramente religioso. A religião é parte de um povo, mas não é o povo. Se a Igreja é povo, isso quer dizer que ela não se limita à dimensão religiosa da vida, mas penetra toda a diversidade do ser humano. (COMBLIN, 2002: 134)
Segundo Faustino Teixeira, não dá para enquadrar o catolicismo brasileiro como
uma religiosidade homogênea. Para ele, há uma diversidade de catolicismo que
classifica como: catolicismo “sensorial”; catolicismo “erudito” ou “oficial”; catolicismo
dos “reafiliados” e o catolicismo “midiático”. As CEBs são colocadas no grupo dos
“reafiliados”, seguindo o pensamento de Hervieu-Léger, que apresenta a figura do
convertido que se insere num “regime forte” de intensidade religiosa. (TEIXEIRA,
2005:19)
É uma experiência que traduz para seus participantes uma mudança significativa no campo do exercício religioso. Pode-se falar com pertinência de conversão, como mudança acentuada na maneira pessoal e coletiva de se viver a experiência da própria religião. O caso das CEBs evidencia a trajetória de indivíduos que se reafiliam a uma mesma tradição, que redescobrem uma
119
nova identidade religiosa, até então mantida formalmente. (TEIXEIRA, 2005:20)
As Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) são uma nova forma de organização
pastoral em torno de paróquias urbanas ou de capelas rurais. São grupos pequenos
de natureza religiosa e caráter pastoral, podem ser organizadas por leigos, padres
ou bispos. Frei Beto as define assim:
São comunidades porque reúnem pessoas que têm a mesma fé, pertencem à mesma Igreja e moram na mesma região. Motivadas pela fé, essas pessoas vivem uma comum-união em torno de seus problemas de sobrevivência, de moradia, de lutas por melhores condições de vida e de anseios e esperanças libertadoras. São eclesiais, porque congregadas na Igreja, como núcleos básicos de comunidade de fé. São de base, porque integradas por pessoas que trabalham com as próprias mãos (classes populares): donas-de-casa, operários, subempregados, aposentados, jovens e empregados dos setores de serviços, na periferia urbana; na zona rural, assalariados agrícolas, posseiros, pequenos proprietários, arrendatários, peões e seus familiares. Há também comunidades indígenas. (FREI BETTO, 1981: 17)
Nas CEBs, emerge um novo modo de ser Igreja, pois se inscrevem dentro de um
modelo de Igreja-comunhão-comunidade, recuperando o modelo das comunidades
cristãs primitivas, que se encontra no evangelho e nas comunidades fundadas por
Paulo. Em seu interior prevalecem as relações comunitárias e relações de
comunhão, não só de fé, mas afetivas e efetivas.
As pessoas se conhecem pelo nome; comungam não apenas a mesma fé e esperança, mas também a vida e suas lutas. A Igreja assim estruturada exerce para além de sua função especificamente religiosa uma eminente função humanizadora e integradora. (BOFF,1986:84)
A característica mais visível desta Igreja-comunhão-comunidade se manifesta na
atuação e na convicção de se considerar de base. Leonardo Boff define como “uma
Igreja na base e a partir da base”, ressaltando dois sentidos de base.
Primeiramente, base como povo organizado, onde estão os leigos que compõem a
Igreja Popular e as diferentes instâncias eclesiais que compõem a hierarquia da
Igreja, havendo uma estreita relação de poder, onde a questão da Igreja Popular é
discutida e amadurecida na base e esta tem poder nas decisões. Por isto, base
também é um conceito político-eclesiástico: “distingue-se entre a fonte humana do
poder (a base: o povo organizado) e o exercício do poder (cúpula: os ministros
120
sacros).” “A partir da base se constrói o consenso e a comunhão, impedindo
cristalizações autoritárias de poder.” (BOFF, 1986:56)
A emergência da Igreja Popular do seio da Igreja em regime de cristandade na qual se separavam demasiadamente clero e fiéis, cristãos ricos e cristãos pobres, reunindo-os agora numa comunidade de participação em todos os níveis construída a partir de baixo, mas aberta em todas as direções, buscando justiça e liberdade para todos, concretiza a permanente vontade fundadora de Cristo e de seu Espírito que quer uma igreja, reunião dos povos peregrinando
para o Reino definitivo. (BOFF, 1986:57)
A inserção nas CEBs provoca em âmbito vital uma reorganização ética e espiritual. Os participantes das comunidades passam a compartilhar uma nova identidade (fala-se em “novo jeito de ser Igreja”), reorganizam seu “aparelho de conversa” sob novas bases e estabelecem uma nova relação com o sagrado, que implica agora a centralidade da conscientização, um novo compromisso
ético e político e a ênfase na participação em lutas populares. ((TEIXEIRA, 2005:20)
Há duas vertentes sobre o surgimento das CEBs, no Brasil: sabe-se que surgiram
por volta dos anos de 1960. Segundo alguns, na Arquidiocese de Natal, em Nísia
Floresta, segundo outros, em Volta Redonda. Quando da redação da obra O que é
Comunidade Eclesial de Base, Frei Betto (1981) registra que a estimativa era da
existência de 80 mil CEBs, no Brasil, agregando por volta de dois milhões de
pessoas pobres e em situação de opressão.
As CEBs viveram o seu momento de maior efervescência nas décadas de 70 e 80, envolvendo distintas formas de pertencimento. A partir do final dos anos 80, com os novos ventos da conjuntura eclesiástica internacional, elas encontram inúmeras resistências e mesmo impedimentos para a continuidade de sua afirmação criadora. Mas sobrevivem à crise e ampliam o campo de seu interesse para novos desafios, como os da cultura, etnia, gênero, subjetividade,
ecologia, espiritualidade, ecumenismo e diálogo inter-religioso. (TEIXEIRA, 2005:21)
Nas últimas décadas o movimento carismático tem crescido muito no meio da
população católica, a chamada Renovação Carismática Católica. Muitos estudiosos
afirmam que este movimento tem contribuído para o encolhimento das CEBs.
Teixeira, utilizando-se de dados de Luiz Alberto Gomes de Souza, afirma que os
Intereclesiais26 de: 1997, em São Luiz; 2000, em Ilhéus; 2005, em Itabira e ainda as
26Encontros Intereclesiais são Encontros de caráter nacional que reúnem milhares de pessoas
participantes das CEBs do Brasil inteiro. Iniciou em 1975, por D. Luiz Fernandes, em 2018
acontecerá o 14º Intereclesial em Londrina no Paraná. Terá como tema “CEBs e os desafios no
mundo urbano”, e o lema: “Eu vi e ouvi os clamores do meu povo e desci para libertá-lo” (Ex 3,7).
http://www.a12.com/noticias/detalhes/intereclesial-de-2018-em-londrina-vai-discutir-os-
desafios-do-mundo-urbano - ACESSO 30/05/2017
121
pesquisas de campo apontam que o movimento das CEBs se mantém vivo e com
pujança, apresentando novas nuances e com maior sensibilidade ecumênica e
interreligiosa. (TEIXEIRA, 2005:21)
Os Intereclesiais continuam acontecendo, o último aconteceu na Diocese de Crato,
no nordeste brasileiro. O 13º Intereclesial das CEBs reuniu mais de cinco mil
pessoas. Teve como tema: justiça e profecia a serviço da vida; e como lema: CEBs,
romeiras do reino no campo e na cidade.
Este grande evento eclesial reuniu 2.248 mulheres, 1.788 homens, entre estes, 146 religiosos/as, 232 sacerdotes, 72 bispos, 68 assessores e membros da ampliada, 36 participantes de outros países,27 20 pessoas evangélicas, 75
representantes dos povos indígenas e vários representantes de comunidades afrodescendentes. Foram 4.036 inscritos provindos das Comunidades de Base das Grandes Regiões do Brasil: nortão, nordestão, oestão, sulão e lestão, e outros países. A soma com os voluntários que participaram das equipes de serviços no espaço do encontro totalizou um número de 5.046 participantes. Mas destacamos ainda os membros das equipes de acolhida, alimentação, transporte e hospedagem que se engajaram nas paróquias.(VIDAL,2017)
As CEBs orientam-se pelo método Ver-Julgar-Agir. Mesmo método foi usado no
desenrolar dos trabalhos do Concílio e também das Conferências. O Ver consiste
em colocar diante da comunidade sua vida. Os participantes do grupo trazem seus
relatos pessoais, familiares, profissionais. Cada grupo tem sua sistemática de fazer
florescer este compartilhar de experiências do cotidiano. Destes relatos salientam-
se questões e problemas que são considerados importantes. O Julgar se dá a partir
das questões levantadas, ligando-as ao Evangelho. A pergunta básica é “como
Jesus agiria nesta situação?” “Como devemos agir?” Através da leitura e reflexão
sobre o Evangelho buscam-se pistas para ação na vida. A terceira parte é o Agir.
Através da relação ação de Jesus-nossa ação é feita as combinações para
enfrentar de forma concreta os problemas e busca de soluções. Cada momento
tem inter-relação com o outro, não funciona de forma linear. É um método dialético.
Grupos de natureza religiosa, as comunidades têm um caráter pastoral, que é aristotelicamente político. Por adotarem um método que parte da realidade,
27representantes das CEBs da América Latina e do Caribe (Argentina, Paraguai, Colômbia, Haiti,
Costa Rica, República Dominicana, Nicarágua, El Salvador, Honduras, Guatemala e México), da
Europa (Espanha, Itália, Alemanha, Áustria, Austrália, Inglaterra), da Ásia (Filipinas) e da África
(Cabo Verde) para a partilha de suas experiências exitosas e reflexão das problemáticas
contemporâneas que desafiam a evangelização da Igreja comprometida com os pobres nestes
novos tempos.http://www.cebsdobrasil.com.br/artigos/m.html - acesso 30/05/2017
122
elas suprimem a dualidade fé-vida encontrada em grupos cristãos que partem da doutrina e reduzem o “ser cristão” ao domínio intelectual-moral das verdades reveladas e explicitadas pelo magistério eclesiástico. [...] as comunidades permitem à Igreja retornar sua índole evangélica; ser fermento na massa, luz no mundo, sal na comida. Espaço de expressão da palavra do oprimido, nas comunidades emerge a consciência crítica do povo, a crítica à ordem social injusta. Neste sentido, elas são políticas, são enquanto grupos partidários ou dotados de estratégias e táticas políticas. Pretender “despolitizar” as comunidades seria castrar seu caráter pastoral libertador e torna-las mera caixa de ressonância do discurso eclesiástico-político dominante, aprofundando a introjeção da ideologia do opressor na consciência do oprimido. (FREI BETTO, 1981: 31,32)
A ação das comunidades eclesiais de base se dá de modo intra-eclesial (celebração do culto, festas litúrgicas, novenas, catequeses, preparação aos sacramentos, estudos de documentos da Igreja) e de modo extra-eclesial (vinculação às lutas populares, na cidade e no campo). (FREI BETTO, 1981: 32)
2 1 3 5 - Teologia da Libertação
Ao longo do processo, que se instala na América Latina, de compromisso e reflexão
a partir das exigências da fé cristã e da urgência do compromisso libertador, passo
a passo, é construída uma nova maneira de fazer teologia. É uma reflexão que
questiona, a partir da perspectiva da libertação, o status quo, e a vivência dos fiéis
latino-americanos, levando em conta as bases econômicas, estruturas políticas e
diferentes formas de expressão de sua consciência social.
Nesta construção teológica o que mais influenciou, antes de uma abordagem
teórica, foi a prática, isto é, a verificação da pobreza e o engajamento na
transformação das condições que a geram. E, para isto, a busca de uma
compreensão adequada do fenômeno.
A pobreza generalizada, a marginalidade e o contexto histórico de dominação irrompeu agudamente na consciência coletiva e produziu uma virada histórica. Desta consciência nova que impregnou todo o continente, nas ciências sociais, na educação, na psicologia, na medicina, nas comunicações sociais, participa também a existência cristã e se reflete na reflexão teológica. (BOOF, 1975:13)
É dessa reflexão teológica, nascida do compromisso revolucionário como uma
reflexão crítica sobre a práxis, que surge a elaboração teológica mais genuína da
123
América Latina: a teologia da Libertação. Gustavo Gutiérrez conseguiu
sistematizar, de forma clara, a tarefa a que se propôs esta teologia:
[...] a teologia será uma reflexão crítica na e sobre a práxis histórica, em confrontação com a palavra do Senhor, vivida e aceita na fé. Será uma reflexão na e sobre a fé que parte de um compromisso em criar uma sociedade justa e fraterna e que deve contribuir a que esse compromisso seja mais radical e mais pleno (...). Reflexionar sobre a fé como práxis libertadora é um reflexionar sobre uma verdade que se faz e que não só se afirma. (GUTIÉRREZ, 1973:244)
A proposta da teologia da libertação, portanto, torna-se significativa por ser uma
reflexão surgida não no gabinete dos pensadores, mas nas práxis objetivas da
libertação. Os parâmetros para verificar sua assertiva constituíam-se não apenas
no pensar sobre teorias, mas de verificação pratica se essas teorias serviam ou não
aos propósitos da libertação. Na prática, realizava-se o pensar teológico. A
elaboração que daí surgia era julgada por ela e, por sua vez, dialeticamente, a
fecundava. É a isso que os teólogos da época se referiam com a expressão “nova
maneira de fazer teologia”.
Por se tratar de um compromisso real, tornava-se fácil confundir a intenção que se
tinha ao elaborar essa teologia. Por isso, Gutiérrez alertava: “a teologia da
libertação não tenta justificar cristãmente posturas já tomadas, não quer ser uma
ideologia cristã revolucionária”. (GUTIÉRREZ, 1973:244)
Porém, não dá para negar a influência marxista na fundamentação do pensamento
de teólogos da libertação. O próprio Gutiérrez falando sobre a reflexão crítica sobre
a prática e o compromisso implicado nos sinais dos tempos afirma:
A isto se acrescenta a influência do pensamento marxista centrado na práxis, dirigido para a transformação do mundo. Tem seus inícios em meados do século passado, porém sua gravitação se acentuou no clima cultural dos últimos tempos. Muitos são os que por isso pensam, com Sartre, que “o marxismo, como marco formal de todo pensamento filosófico de hoje não é superável”. Seja como for, de fato, a teologia contemporânea acha-se em inesquivável e fecunda confrontação com o marxismo. E em grande parte estimulado por ele é que, apelando às suas próprias fontes, o pensamento teológico orienta-se para uma reflexão sobre o sentido da transformação deste mundo e sobre a ação do ser humano na história (GUTIÉRREZ, 2000:65,66).
Devido a sua inspiração ético-religiosa, os teólogos da libertação, usando as
categorias de análise marxistas, foram mais radicais que os próprios partidos
124
comunistas latino-americanos, que defendiam necessidade de um
desenvolvimento capitalista para se chegar ao socialismo. No Brasil e na América
Central, uma parcela pequena, mas significativa, mais do que uma ‘aliança tática
ou estratégica’, chegou mesmo a incorporar certos princípios básicos do marxismo
em uma nova interpretação do cristianismo e a propor uma unidade orgânica com
os marxistas.
É importante salientar, ainda, que este não foi um movimento isolado no cenário da
reflexão científica e nem seus horizontes críticos foram compartilhados por uns
poucos “intelectuais da teologia” do nosso subcontinente, como se refere Leonardo
Boff, na citação acima, pois abrangeu não só a teologia, mas várias áreas do
conhecimento.
Houve muita produção intelectual, e produções bem elaboradas, sistemáticas e
abrangentes do tema “libertação” que estão à disposição no mercado de produção
acadêmica teológica. Estas são apenas emergências de uma grande quantidade
de escritos e reflexões que não aparecem ao grande público, mas que chegavam
as comunidades de base e aos movimentos populares através de pequenos
cadernos datilografados e reproduzidos através de mimeógrafos e papel barato,
muitas vezes ilustrados com desenhos despretensiosos. Proliferavam em sistema
comercial próprio, vendidos a preço do custo ou distribuídos gratuitamente.
Nisto reside a grande riqueza da teologia latino-americana de então: uma teologia
que não ficava restrita a grupos especializados com bonitas edições para consumo
de uma minoria privilegiada, mas se encarnava no povo, na medida em que refletia
sua vida, seus anseios, suas preocupações e voltava a ele, possibilitando um
sentido cristão a suas lutas e esperanças. Isso não deve ser confundido com
barateamento ou com banalização do conteúdo da teologia, mas deve-se
interpretar como uma recuperação do verdadeiro sentido da mensagem bíblica e
do cristianismo, que se efetivou quando o rico potencial teórico das disciplinas
teológicas reverteu em favor do povo e foi fertilizado pela vida deste mesmo povo.
Isto, em grande medida, é o que a teologia da libertação representou de novo.
125
2 1 3 5 1 - Gustavo Gutiérrez
Tem-se como grande expoente desta teologia o dominicano Gustavo Gutiérrez.
Sua contribuição foi marcada pela sistematização da reflexão sobre a prática da
Igreja na América Latina. Ele trouxe essa reflexão para dentro da oficialidade
assessorando Encontros e Assembleias da Igreja latino-americana.
Gustavo Gutiérrez Merino Diaz, nascido no Peru, em 1928, teve sua infância e
adolescência marcada pela luta contra pobreza enfrentada pela família. Aos 18
anos foi diagnosticado com uma doença chamada osteomielite, doença que
acarreta inflamação na medula óssea, da qual carrega marcas até hoje. Gutiérrez
teve uma vasta e variada formação acadêmica, frequentou de 1947 a 1950 o curso
de medicina na Universidade Maior de San Marcos, em Lima. Em 1948 e 1949,
juntamente com medicina, cursou letras, na Universidade Católica Del Perú. Mais
tarde, estudou filosofia e psicologia na Université Catholique de Louvaine, na Suiça.
Logo em seguida ingressa no curso de teologia na Universidade Catholique de
Lyon, na França. Após formado, em 1959, com trinta anos de idade, é ordenado
sacerdote, em Lima.
Seu trabalho pastoral tornou-se o fundamento de sua produção teológica, no qual procurava desenvolver sua práxis, pois entendia ser fundamental a necessidade de caminhar junto com seu povo, questionando as cruéis situações dos empobrecidos, buscando uma aproximação de sua realidade e estabelecendo canais de diálogo em encontros, conversas e reuniões. (PRADO, 2016: 51)
Durante seu tempo de estudante em Lima, militou ativamente em grupos
universitários e grupos de apostolado leigos. Mais tarde, já ordenado, foi nomeado
para assessor da União Nacional dos Estudantes Católicos, em Lima. Gutiérrez
ajudou nas reflexões desta juventude que estava cada vez mais envolvida nas
discussões das questões de desigualdade social e nas condições de opressão
histórica do continente latino-americano. Tudo isto, certamente, contribuiu para a
reflexão e sistematização do que se chamou teologia da libertação. Gustavo
Gutiérrez deu sua valiosa contribuição na sistematização de todo pensamento e
prática ocorridos na América Latina, nas CEBs e nos movimentos de libertação.
126
Sua sistematização ajudou na realimentação da práxis destes agentes sociais e
religiosos. Sua contribuição se deu não só escrevendo essa nova teologia, mas
também assessorando e refletindo junto com eles em encontros, assembleias, etc.
O lançamento de seu livro Teologia da Libertação: perspectivas, em 1971, foi um
marco da sistematização do conceito teológico, que se construía neste processo –
a Teologia da Libertação.
A Teologia da Libertação apresentada por Gutiérrez procura equacionar uma
questão histórica entre o dogma cristão de salvação e o processo de libertação
humana. Ele reconhece o crescente despertar do povo latino-americano para sua
situação e condicionamentos econômicos e socioculturais e suas causas.
Reconhece a dificuldade que o pensamento teológico desenvolvido até então tem
em responder a estas questões. Ou melhor, tem construído uma dicotomia entre o
privado e o político.
Insistiu-se na vida privada, no cultivo dos valores intimistas: o político achava-se em segundo plano, no escorregadio e pouco exigente terreno de um mal-entendido “bem comum”. Isso servia, no máximo, para elaborar uma “pastoral social”, baseada na “emoção social” que todo cristão que se respeitasse devia ter. (GUTIÉRREZ, 2000:104).
Dentro deste quadro, ele afirma que na América Latina há um conflito girando em
torno do eixo opressão-libertação. No entanto, a construção de uma sociedade
justa passa pelo enfrentamento de grupos antagônicos. Isso traz o questionamento
a respeito do papel do cristão na história presente, que ele afirma categoricamente:
A práxis social converte-se, gradualmente, no próprio lugar onde o cristão empenha - com outros – seu destino humano e sua fé no Senhor da história. A participação no processo de libertação é um lugar obrigatório e privilegiado da reflexão e da vida cristãs hoje. Nessa participação se escutarão matizes da palavra de Deus, imperceptíveis em outras situações existenciais, e sem os quais não há, no presente, autêntica e fecunda fidelidade ao Senhor.
Por isso é que, se aprofundarmos um pouco a forma como hoje se apresenta o problema do valor da salvação, descobriremos na tarefa histórica, assim entendida, quer dizer, como práxis libertadora, que se trata de uma pergunta sobre a própria significação do cristianismo. Ser cristão é aceitar e viver solidariamente na fé, na esperança e na caridade o sentido que a palavra do Senhor e o encontro com ele dão ao devir histórico da humanidade em marcha para a comunhão total. Estabelecer a relação única e absoluta com Deus como horizonte de toda ação humana é situar-se inicialmente em contexto mais amplo, mais profundo. Mais exigente também. (GUTIÉRREZ, 2000:105). (grifo nosso)
127
Juntamente com Gutiérrez, outros pensadores envolvidos nas CEBs e na luta do
povo latino-americano em seu processo de libertação também contribuíram para
esta elaboração teológica, tanto católicos como protestantes. Aqui vamos apenas
enumerar alguns sem especificar suas contribuições: Leonardo Boff, Clodovis Boff,
Frei Betto, Rubem Alves, Hugo Assmann, Carlos Mesters, Elza Tames, Enrique
Dussel, Ernesto Cardenal, Helder Câmara, Ivone Gebara, João Batista Libanio, Jon
Sobrinho, Jorge Pixley, José Comblin, José Miguez Bonino, Juan Luis Segundo,
Milton Schwantes, Pablo Richard. Entre tantos outros e outras. É importante
ressaltar que dentre estes alguns tiveram destacada contribuição na leitura popular
da Bíblia como é caso do Frei Carlos Mesters e o Pastor Milton Schwantes.
A conjunção das CEBs e Teologia da Libertação ou poderia se dizer este
“cristianismo de libertação” tem uma atuação importante nos movimentos de
libertação em vários países da América. Um caso exemplar das mudanças
ocorridas foi o da Igreja brasileira. Sua atuação produziu uma mudança
fundamental na atuação dos movimentos populares rurais e urbanos (CPT, MST e
Coordenação Central dos Mov. Populares), o sindicalismo (criação da CUT) e na
política partidária (criação do PT) e outros que Maria da Glória Gohn enumera muito
bem. Chegou a esta posição devido a três fatores que se verificaram no início dos
anos 60: uma radicalização da teologia francesa progressista recebida no meio
católico brasileiro; uma incorporação cada vez maior de elementos teóricos do
marxismo; uma participação intensa de católicos nas lutas sociais, especialmente
no movimento estudantil e não dá para deixar de lado também a apropriação da
Bíblia pelas CEBs.
2 1 4 - Novos Movimentos Religiosos
No discurso atual, com característica de senso comum, na Modernidade, não há
espaço para a religião. O que está se assistindo é o desmoronamento das religiões
tradicionais. O ser humano do mundo atual é um sujeito autônomo, que não precisa
mais da Igreja para dar respostas às suas inquietações e como elemento fundante
da sociedade atual.
128
Autores como Philip Jenkins em seu livro, A próxima Cristandade, projetam para os
próximos 50 anos, um crescimento significativo, até vertiginoso, do cristianismo.
Expansão esta que se dá de uma forma inversa ao que aconteceu até aqui, ou seja,
será da periferia para o centro do mundo cristianizado, do sul para o norte (América
Latina, África e Oriente) tendo como matriz os Novos Movimentos Religiosos
Cristãos – Igrejas Neo-pentecostais). Em sua análise, apresenta um crescimento
das Igrejas Pentecostais, mas não fica claro o lugar que as igrejas “tradicionais”
terão neste crescimento, ao que parece não terão um papel relevante. O autor
aponta, também, em sua projeção o crescimento significativo das religiões
orientais, em especial o Islam. Surgem as novas configurações do cristianismo e a
invasão da Europa por um cristianismo “nativo” contextualizado nas diferentes
culturas, especialmente, a africana. Em grande parte, este fenômeno se dará pelo
processo migratório.
Segundo Danièle Hervieu-Léger, a Modernidade não faz desaparecer a religião.
Ela a transforma. A dinâmica do progresso que caracteriza a cultura moderna é
acompanhada da incerteza que gera a novidade da religião, mas recomposta e
disseminada. Entre as mudanças essenciais aparece primeiro “o fim da civilização
paroquial. Este modelo de enquadramento de espaço e de tempo para as
instituições religiosas” já teve seu tempo. O mundo de observância de ritos
desapareceu. Outro aspecto da mudança: “A bricolagem das crenças”. A crença é
pessoal/personalizada. “Cada um, à sua maneira, possui dentro do capital cultural
religioso o que lhe convém. Antes, a religião foi manifestada como uma canga.
Atualmente, ela aparece como um recurso segundo as necessidades e de livre
escolha do indivíduo. Se o universo religioso das sociedades tradicionais
desapareceu, a secularização proveniente da modernidade não a suprimiu, “mudou
o sentido”. A religião constitui, nas suas formas novas, uma das ofertas possíveis.
Outro autor que pensa a modernidade, Marc Augé, propõe um outro olhar da
antropologia para o que ele chama de supermodernidade. Segundo ele, a
antropologia até então tem um olhar “viciado”. Toma seu objeto de pesquisa a partir
de um local determinado, com limites e fronteiras bem estabelecidos. Faz sua
descrição de fenômeno territorializado e como se comporta dentro deste território
com seus ritos, crenças e organização social, em que as civilizações viviam em
agrupamentos e organizavam o seu cotidiano em uma constante relação entre seu
129
grupo social. Onde as relações familiares, econômicas, religiosas se entrecruzam.
Os lugares são bem determinados: lugar de culto, lugar de trabalho, etc., marcados
por símbolos que os identificam. Para Augé, o ser humano da supermodernidade
vive o não- lugar.
O não-lugar é diametralmente oposto ao lar, à residência, à aldeia, ao espaço
personalizado. O ser humano da supermodernidade vive sempre em trânsito. As
fronteiras sejam geográficas, sejam culturais, ou de outra ordem, são muito tênues.
Com as facilidades tecnológicas, há uma grande mobilidade. Uma pessoa pode
estar em um mesmo dia em diferentes lugares, distantes um do outro. Com os
meios de comunicação, os acontecimentos podem ser acompanhados em tempo
real em diferentes partes do mundo. Os lugares desconhecidos tornam-se
familiares através da propagação da imagem, da fotografia. A sociedade da
modernidade está sofrendo a invasão da imagem que está “enfraquecendo” o
sonho e o mito.
As pessoas nesta constante mobilidade estão em geral na presença de muitas
outras e até em meio a uma multidão, mas em geral estão como indivíduos. Na
verdade, é uma participação coletiva, mas predominantemente individual. Este
não-lugar propicia a proliferação da não-memória, enfraquece os laços com os
centros que são referências para a memória, por sua vez traz o enfraquecimento
da tradição.
Daniéle Hervier-Léger defende a presença da religião na modernidade e aponta
suas características, que tem se modificado da religião tradicional, trazendo forte
traço de mobilidade e trânsito religioso. A leitura feita por estes autores nos dá
elementos para entender este quadro da religiosidade contemporânea. A forma
como o religioso se apresenta na modernidade é reflexo de como se configuram as
relações sociais e as relações de tempo e espaço no mundo moderno. Diante do
exposto, faz-se necessário também pensar a FCD dentro deste quadro.
2 2 - Perspectiva Metodológica
Ao debruçar o olhar sobre um objeto de pesquisa, é preciso ter clareza com que
lente se está fazendo isto, quais referências nos possibilitam analisá-lo, com que
130
visão de mundo estamos desvendando dados e fatos, se faz necessário traçar o
caminho percorrido e com que olhar se está intentando perceber este “locus”. Até
aqui, procuramos sinalizar temas que estão envolvidos neste universo por onde
transita o tema, proposto pela pesquisa. É importante, ainda, salientar que a
aproximação a FCD, como “locus” de pesquisa, se dá com o olhar de quem tem
vivenciado o mundo das deficiências com uma certa intensidade e interesse,
especialmente, nestes últimos anos em que foi permitido ver aspectos que não
eram percebidos em tempos passados. Isto possibilita-me pensar e pesquisar a
partir dos referenciais vivenciais e acadêmicos aqui postos. E, já na introdução fica
claro o envolvimento da pesquisadora com o Movimento que está sendo analisado.
A proposta primeira é olhar para este “locus” procurando ver as histórias e
depoimentos das pessoas que atuaram na luta pela conquista da dignidade
humana e direitos das pessoas com deficiência. Tendo presente que, quando
falamos em deficiência não estamos tratando-a como contrária a eficiência.
Tomamos aqui pessoa com deficiência como alguém que tem alguma dificuldade,
ou falta em algum órgão ou sentido, mas isto não significa que não seja capaz. É
olhar para a caminhada destas pessoas procurando ver o protagonismo de suas
vidas e a construção de uma nova realidade com a participação de todos e todas e
a importância de cada um e cada uma, com a mínima contribuição que seja.
As histórias de vida e depoimentos propiciam a explicitação dos condicionantes
sociais e culturais que atuam no cotidiano do indivíduo que, por sua vez,
condicionam sua atuação na sociedade. A relação entre o público e o privado é
uma relação dialética. Podemos tomar como exemplo a família, nela se constroem
os valores que vão direcionar o modo como o indivíduo vai se colocar na sociedade.
Por exemplo, a questão de gênero é um aspecto marcante nesta perspectiva da
dialética entre o cotidiano e a sociedade. O gênero sublinha o aspecto relacional
entre o homem e a mulher. Em geral, na família é acentuada a relação assimétrica
entre ambos e que vai perpetuar-se na esfera do público. Outro, é a visão que
povoa o imaginário da família sobre a questão da deficiência, se reflete na
sociedade e vice-versa.
A pesquisa oral, em especial quando envolve as histórias de vida das pessoas, é
muito enriquecedora. No entanto, é necessário rigor na realização do trabalho de
análise cauteloso com as entrevistas obtidas. O texto "História Oral, Sociologia e
131
Pesquisa: a abordagem do CERU” traz o passo a passo realizado nas pesquisas
do Centro de Estudos Rurais e Urbanos, e é muito útil como proposta para analisar
corretamente as narrativas (CAMPOS; DEMARTINI; LANG, 2010). Os passos
sugeridos foram adaptados conforme as necessidades da pesquisadora e as
oportunidades que se apresentaram, tanto estender o campo de observação, como
delimitar alguns passos em função da limitação do tempo para finalização da
pesquisa.
Por se tratar de uma pesquisa de cunho qualitativo, difere da quantitativa em que a
análise é feita somente após a coleta completa de dados, enquanto que, em
pesquisas qualitativas, ela é realizada em todas as fases. Isso porque o resultado
de cada entrevista pode - e deve - contribuir para as seguintes; levando, muitas
vezes, a reformulações e aperfeiçoamentos no roteiro orientador do estudo. No
processo desta pesquisa a cada entrevista surgia a possibilidade e a indicação de
uma nova pessoa a ser entrevistada ou a indicação para participação em eventos.
Ao iniciar a construção deste caminho, a intenção primeira era trabalhar com relatos
orais, mais especificamente, histórias de vida, entendendo que a história de vida
de pessoas com deficiência, que tiveram algum envolvimento com a FCD,
pudessem fornecer ricas informações sobre este Movimento e sua contribuição
para as pessoas com deficiência, ao longo de sua trajetória de mais de 75 anos.
Com o passar do tempo e o esgotamento de prazos para conclusão, optamos por
utilizar depoimentos, tendo em vista que a história de vida demanda vários
encontros, disponibilidade de tempo da pesquisadora e do entrevistado/a. Fez -se
necessário recorrer a outras fontes que pudessem confirmar ou clarear dados
colhidos nas entrevistas que mostrassem o envolvimento da FCD como um
movimento social e qual sua contribuição nos movimentos e na vida das pessoas
com deficiência.
2 2 1 - Construção da Pesquisa
Olhando para a FCD com um olhar pesquisador ou desbravador, a primeira
pergunta foi: por onde começar? A conclusão: falando com pessoas que já
132
conheço. Lembrei-me da Salete, que foi Coordenadora Nacional, com quem já
havia tido contato e participado de encontros e assembleias no período em que ela
era coordenadora no Estado do Rio Grande do Sul, na década de 90.
Entrando em contato com ela, fui convidada a participar da reunião da Equipe de
Coordenação Continental, da qual é atual Coordenadora, que aconteceria nos dias
20 a 26 de março de 2015, em Porto Alegre. Participei de toda a reunião, tive
contato com os coordenadores de área na América Latina e com a Coordenadora
Adjunta da Equipe Internacional e também com o Conselheiro Internacional, ambos
moram na América Latina. Em decorrência desta participação, participei, no ano
seguinte, da outra reunião anual, que foi preparatória para a Assembleia
Continental, que aconteceu em fevereiro de 2017, em Honduras, na qual não pude
comparecer por razões pessoais.
As duas Reuniões da Equipe de Coordenação Continental da FCD aconteceram
em Porto Alegre, na Casa da Fraternidade. A primeira foi de 20 a 26 de março de
2015, sob a coordenação de Salete Milan, Coordenadora Continental. Teve a
participação de Miguel Angel Arrasate – Conselheiro Intercontinental (Basco – Vive
no Panamá); Frei José Luis Gennaro, OFM Conv. (Argentina) Conselheiro
Continental; Frei Nelson, Conselheiro Adjunto (Brasil). Os três Conselheiros são
religiosos. Carmencita Mazariegos (Guatemala), Coordenadora Adjunta
Intercontinental; Ana Fernanda Iñiguez Guevara (México), coordenadora da Área
I28; Orlando Jaramillo Gaviria (Colombia) Coord. Area II29; Verónica Olave Godoy
(Chile) Coord. Área III30, que abrange o Brasil. As coordenadoras e o coordenador
das Áreas são leigos, todos com deficiência.
No primeiro momento da reunião, foram feitos informes e avaliação do Comitê
Intercontinental, que aconteceu na Eslovênia, a partir dos relatos e das impressões
dos que estiveram participando. No geral, o sentimento era de que o Encontro foi
importante: troca de experiências, renovação das forças, serviu para se
reaproximar pela Frater. Algumas recomendações foram postas: procurar fazer
28 Área I é composta dos seguintes países: Panamá, Costa Rica, Honduras, Nicarágua,
México, Guatemala, Porto Rico. Estados Unidos está em fase contatos. 29 Área II - Bolívia, Peru, Equador, Venezuela e Colômbia 30 Área III – Argentina, Brasil, Chile, Uruguai, Paraguai
133
informes que não sejam só executivos; utilizar melhor os meios de comunicação;
aprender a orar a vida.
A reunião teve diversos momentos: relatos, celebrações, discussão de temas,
primeiros encaminhamentos para a Assembleia Continental. Boa parte do tempo
foi dedicado ao relato sobre as áreas: suas realizações, seus avanços e suas
dificuldades. Além do cunho organizativo e administrativo, foi dedicado tempo
também para formação. Frei José Luiz apresentou um estudo com base no
pensamento de Gustavo Gutierres com o título “Da exclusão a Libertação” e o Frei
Nelson apresentou uma reflexão sobre Solidariedade. Outro assunto tratado foi
sobre a comemoração dos 70 anos da Frater. Ficou como recomendação para a
Equipe Inter: recordar a história da Frater e dos Grupos; avaliar como estão; ver
onde querem chegar; ter no continente uma Celebração comemorativa no dia 17
de maio. Miguel Angel fez uma recomendação “Cuidado para não fazer ídolos” (Ter
sempre na lembrança que François em sua ação traz a ação de Jesus) Também
foram pensadas algumas questões relacionas à Assembleia Continental que
deveria acontecer em fevereiro de 2017, na América Central. Foram sugeridos três
países: Costa Rica, Porto Rico e Honduras. Data prevista, 5 a 12 de fevereiro de
2017 e para assessorar ficaram, como sugestão, os nomes do Frei Carlos Mesters
e Gustavo Gutierres. Foi sugerido que se escolhesse um tema que deveria ser
discutido por cada país e apresentado por ocasião da Assembleia.
Todo dia iniciava e encerrava com uma celebração que servia de iluminação para
o dia. Toda noite havia um momento de confraternização. A semana foi encerrada
com uma bonita e significativa celebração, coordenada pelo padre Miguel Angel. É
importante salientar que a pesquisadora participou de todos os momentos, em que
pode estar presente, em igualdade de condições com qualquer outro membro da
Equipe. Nas Celebrações, o marco ecumênico foi muito forte. Em uma determinada
manhã foi preciso encontrar com uma pessoa amiga que havia passado por uma
séria enfermidade e não foi possível estar no momento de celebração no início dos
trabalhos do dia. Foi uma agradável surpresa quando fui recebida no final da manhã
com os elementos da eucaristia que havia sido celebrada. Após o encerramento do
evento, fomos todos e todas, que não precisaram voltar de imediato para seus
países, comemorar em uma churrascaria, pois durante os dias da reunião, três
membros da Equipe fizeram aniversário. Foi um momento celebrativo, de
134
confraternização e de partilhar da cultura do Rio Grande do Sul, não só do
churrasco, mas da música e da dança. Deste encontro de 2015 tivemos contato e
nos foram disponibilizadas matérias de formação da FCD no Brasil e na Espanha.
A segunda reunião de coordenação da Equipe Continental aconteceu, nos dias 10
a 16 de março de 2016. Nesta ocasião, foram apresentados os relatórios das 3
áreas que compõem a Equipe Continental. Estiveram presentes também, além
das/dos coordenadores de áreas, a Coordenadora Adjunta da Equipe
Intercontinental e Conselheiros de áreas. A reunião serviu para preparação da
Assembleia Continental que se realizaria em Honduras, no mês de fevereiro de
2017. Tendo como Tema: Frater - Semeadores de Cambio e como Lema:
Despertemos e lutemos Unidos por la dignidad. Não foi possível participar durante
todo o tempo do evento, estive só nos últimos três dias. Os temas tratados para a
formação e iluminação pensando, especialmente, na Assembleia Continental foram
baseados na Encíclica do Papa Francisco sobre Misericórdia e o que significa ter
misericórdia na América Latina. Para isto foi utilizado um vídeo que traz a
mensagem do Papa Francisco, em Santa Cruz, na Bolívia em 10 de julho de 2015
– El Papa le habla a los Movimientos Sociales.
Nesta oportunidade foram colhidos os depoimentos das coordenadoras das Áreas
I e III: Ana Fernanda Iñiguez Guevara, (México) e Verónica Olave Godoy (Chile) do
coordenador da Área II: Orlando Jaramillo Gaviria (Colômbia) da Coordenadora
Adjunta Intercontinental: Carmencita Mazariegos (Guatemala). e ainda da
coordenadora da casa, em Porto Alegre, Olivia Machado. Após o termino da
reunião no dia 19/03, visitei o sr Levino Guilherme Schneider, atual Conselheiro
Adjunto da FCD no Rio Grande do Sul. Passei o dia com ele e a esposa e gravamos
entrevista. Levino está na Frater desde 1980. Acompanhou por muitos anos a Luiz
Itamar Jaines, que foi Coordenador Nacional e Continental. Por problemas na
gravação não foi possível contar para analise os depoimentos das coordenadoras
da Area I e III.
A Casa da Fraternidade, em Porto Alegre abriga documentação e material que
sinaliza trajetória FCD, ao longo dos 45 anos de existência no Brasil. Este material
foi disponibilizado pela Ir. Ângela Smiderle, que é a responsável pelo acervo.
Durante a realização das reuniões continentais não foi possível examinar a
135
documentação porque o material se encontra no arquivo na sala de reuniões e que
servia também de dormitório para a ala masculina do grupo. Diante disto, se fez
necessário uma visita à casa, para examinar o material. Esta visita foi realizada em
23 de março de 2017. Para aproveitar a viagem, foi marcada a entrevista com a Ir.
Ângela, para esta data. Foi uma grata surpresa quando chego lá e encontro o Frei
Nelson, com quem estava difícil o contato e mais ainda uma data para entrevista.
Almoçamos juntos com a Olivia coordenadora da casa e aguardamos a chegada
da Ir. Ângela. Logo após o almoço, o que seria uma entrevista ou coleta de um
depoimento se tornou uma conversa a três.
Nesta mesma ocasião fiquei sabendo que haveria no final do mês a Assembleia
Estadual e que gostariam que eu assessorasse. A assembleia aconteceria no dia
31, 1º e 2 de abril, como eu não pudesse ficar até esta data providenciaram a
passagem para que pudesse estar na assembleia. Voltei a Porto Alegre e participei
no dia 1º e 2 de abril. Participaram da Assembleia por volta de 22 pessoas,
representando núcleos espalhados pelo Rio Grande do Sul. Na noite do dia 31, foi
a chegada e acolhimento. Sábado pela manhã foram os relatórios da coordenação
estadual e dos núcleos representados. Na tarde do dia primeiro trabalhei com o
grupo. O tema proposto era Motivação. Foram feitas algumas dinâmicas de grupo
procurando motivá-los a retomar o entusiasmo a partir do que para eles é
importante na Fraternidade e necessidade de compartilhar o que eles recebem
neste convívio fraternistas. Uma das dinâmicas realizadas os participantes foram
motivados a dizerem o que os/as encanta na Fraternidade. Estes depoimentos
foram gravados e também utilizados como material da pesquisa. No domingo, fui
convidada a presidir a celebração de encerramento, que foi realizada com o
Conselheiro Estadual Adjunto Levino Schneider.
Quando da entrevista com Antonio Carlos Munhoz, ele mencionou que havia
recebido o convite para uma reunião da FCD de São Paulo. Após enviou-me as
informações. O convite era para a XVII Assembleia Estadual da FCD – SP, nos dias
24 a 26 de março de 2017, na Casa de Encontro Centro Santa Fé, via Anhanguera.
No dia 25, pela manhã estive presente. Estava assessorando o Dr. Marcos Arroyo
que trabalhou o tema “A Essência da Fraternidade e a Realidade Atual”. Foi
interessante perceber o clima da assembleia, encontrar pessoas conhecidas e
conhecer outras tantas.
136
Nos dias 28 a 30 de abril, aconteceu no local da Assembleia, o Encontro Inter
Estadual da FCD, perto de Perus/SP. Estivaram presente representantes de São
Paulo, Mato Grosso, Espirito Santo e Rio de Janeiro. No dia 28 a tarde houve um
seminário sobre a Reforma da Previdência e suas implicações para as pessoas
com deficiência. O seminário foi apresentado pelo vereador Toninho, do PSOL de
Perus e a sua assessora Michele (participante da FCD e que tem deficiência física).
Neste seminário, participaram além dos representantes dos Estados, um membro
do Conselho Estadual para Assunto das Pessoas com Deficiência e vários
fraternistas participantes de Conselhos Municipais. À noite, os representantes dos
estados se reuniram com o Coordenador Nacional (Giovani Rodrigues) e o
Conselheiro Continental (Frei Nelson). Na oportunidade, os participantes na
Assembleia de Honduras (Frei Nelson, Pe. Geraldo e Giovani) fizeram um breve
relato sobre a Assembleia e os grupos dos Estados compartilharam sobre seus
núcleos. Nestes dois momentos, pude estar presente.
Por ocasião destes encontros foi possível fazer observações, anotações e
gravações de depoimentos, que junto com os documentos examinados, a
bibliografia consultada e os depoimentos colhidos formaram o acervo para embasar
o trabalho.
Além dos depoimentos colhidos por ocasião da participação de eventos da FCD,
foram também colhidos depoimentos de outras pessoas como:
Francisco Núncio Cerignoni (Chico Pirata) que atua na FCD desde 1980 e já foi
coordenador Intercontinental. Teve e tem forte participação em movimentos por
direitos da pessoa com deficiência especialmente na construção do arcabouço
jurídico. O depoimento de Chico foi tomado em dois momentos em sua casa em
Piracicaba. O primeiro, por falha no equipamento de gravação, foi perdido grande
parte. O segundo aconteceu um mês depois. Nesta ocasião ele sugeriu que seria
importante ter um contato com Pe Geraldo que é o atual Conselheiro Nacional e
tem uma longa militância na FCD e foi Conselheiro Nacional à época em que
Lourdes Guarda foi Coordenadora Nacional. Quando dessa recomendação, Pe
Geraldo estava fora do Brasil.
Pe Geraldo Marcos L. Nascimento, SJ. – De volta ao Brasil após contato telefônico,
Pe Geraldo gentilmente recebeu-nos em sua residência e deu-nos seu depoimento.
137
Foi colega de seminário de Vicent Masip, colaborou com a FCD desde seu
nascimento, mas participou ativamente a partir do final da década de 70. Foi grande
amigo e companheiro de jornada na Fraternidade com Maria de Lourdes Guarda.
Foi uma grata satisfação conhecer o Pe Geraldo e poder construir laços de amizade
com ele.
Antônio Carlos Munhoz (Tuca Munhoz) . Tuca Munhoz como é conhecido é um
ativista social dos movimentos sociais de pessoas com deficiência. Foi coordenador
da Pastoral da Pessoa com Deficiência da Arquidiocese de São Paulo. Amigo e
colaborar da FCD. Tuca, após contato telefônico e por e-mail acertou em nos
encontrarmos em um café no centro de São Paulo. Na conversa que tivemos ele
recomendou que era importante fazer contato com a Irmã Conceição, irmã de
Lourdes Guarda. Após alguns dias me pôs em contato com ela.
Irmã Conceição – Feito contato telefônico com ela, acertamos de encontrá-la em
sua residência, a Casa das Irmãs de São José, em Santo André. Fui recebida
carinhosamente por ela. Foi uma tarde muito agradável, falou sobre sua irmã e
sobre o grande amor e empenho que ela tinha para com a Fraternidade.
Salete Millan – É Coordenadora Continental, reeleita na Assembleia em Honduras.
Estivemos juntas nas duas reuniões da Intercontinental, mas não foi possível gravar
seu depoimento. No entanto, entendia que era muito importante para o trabalho.
Como não conseguíamos conciliar datas ela se prontificou e enviou seu depoimento
por escrito.
Após a transcrição dos depoimentos foram lidos e analisados levando em conta os
seguintes itens: Como as pessoas com deficiência são tratadas na sociedade;
Importância da FCD na vida das pessoas – Resgate da Dignidade, Resgate da
Autonomia, Empoderamento; Contribuição da FCD (Metodologia); Envolvimento da
FCD com Movimentos Sociais; Contribuição para esses Movimentos. Para cada
uma destas categorias foi utilizada uma cor e os textos foram assinalados conforme
a possibilidade de serem encaixados nas mesmas. A seguir foi feito um quadro com
este material e após utilizados na elaboração do trabalho final.
138
Este capítulo parece ao primeiro olhar que está um pouco desconexo, no entanto,
considera-se necessário que os temas abordados aqui estejam presentes,
fundamentando como se dá este olhar para o que será tratado no próximo capítulo.
Olhar que estará debruçado sobre a FCD, sua fundamentação, sua forma de
atuação e sua caminhada em solo brasileiro.
139
Capítulo III
Olhando para ... FCD
Fraternidade Cristã de Pessoas com Deficiência
Esta pesquisadora, como já tem sido referido anteriormente, está embebida nesta
realidade da pessoa com deficiência, tem alguns pressupostos para este mundo
das deficiências. Porém este trabalho tem um “locus” específico para onde seu
olhar está voltado, que é a FCD. Por esta razão, se faz necessário responder as
perguntas: está olhando para quê? Ou seria melhor, para quem? O primeiro passo
deste capítulo apresenta este “locus” que está sendo olhado e precisa ser
enxergado em suas riquezas e peculiaridades, e também dificuldades. A FCD
precisa ser apresentada: Como surgiu? Por quem? Onde? Como chegou ao Brasil?
Como foi sua caminhada? Que rosto tem? para que se possa explicitar, discutir e
de certa forma responder a pergunta central deste trabalho: A FCD contribuiu, como
um movimento social, na caminhada em direção à Inclusão das pessoas com
deficiência, em que medida?
A FCD é um movimento de doentes e deficientes que se inicia na França, através
do padre Henri François. Em 1942, a Fraternidade começa a germinar como uma
sementinha, com a nomeação do Pe François, vigário da Paróquia de Saint-Victor,
em Verdun, Capelão do Hospital. Diante da impossibilidade de continuar sua
missão de visitação domiciliar aos doentes e deficientes, desafia estes a
continuarem sua tarefa.
3 1 Quem é Henri François?
Henri François nasceu em 08 de maio de 1897, em Legny, na França, filho de René
e Marguerite Morel que tiveram 12 filhos dos quais morreram 7 ainda pequenos.
Henri era o mais velho dos sobreviventes. A família estabeleceu-se em Ligny,
pequena cidade de 5 000 habitantes, encravada no vale de Ornain. Levavam uma
vida tranquila, viviam de rendimentos.
140
Figura 4 – Família de Henri François
Fonte: BOILLON, (2001: 6)
Figura 5 – Henri François aos 17 anos
Fonte: BOILLON, (2001: 7)
141
Fez sua formação secundária em Melgrange, o grande colégio católico de Nancy.
Terminava seu curso quando estourou a guerra de 1914. Sua vocação sacerdotal
despertou ainda no colégio. Iniciou sua formação sacerdotal em St.Sulpice. Durante
sua formação, adoece gravemente.
“No Natal de 1916 em Issy-les-Moulineaux, fico gravemente doente. Depois de
dois anos em cima de uma cama ou numa espreguiçadeira, retorno ao meu
seminário na diocese de Verdun, Bar-le-Doc. Regime especial: uma hora de aula
pela manhã, uma hora à tarde. Cama e espreguiçadeira o resto do tempo. Em
1921 faço meu último ano em Benoite-Vaux, para onde o seminário foi
transferido”. (FRANÇOIS apud BOILLON,2001: 22)
Sua enfermidade não o impediu de fazer um bom seminário. Dedicou seu tempo
de imobilidade à reflexão e ao aprofundamento teológico e das Escrituras.
Terminou seus estudos em 1922, com meritórios resultados, mas com a saúde
profundamente comprometida. O Bispo Monsenhor Ginistry tomou a seguinte
decisão: “Vamos ordená-lo para que possa rezar algumas missas antes de morrer.”
E, após a ordenação, disse-lhe: “Não vou lhe dar nenhuma função. Volte para sua
família e se trate”. (GINISTRY apud BOILLON, 2001: 23). Em 29 de junho é
ordenado e encaminhado à família.
De volta a Ligny, procura seu pároco para pedir-lhe uma função. Um pouco
embaraçado, o pároco disse-lhe que ensinasse o catecismo e visitasse os doentes.
“Ele o estava engajando no caminho em que o Espirito faria dele o ‘Fundador’ da
‘Fraternidade Cristã Intercontinental dos Doentes e Deficientes’”(BOILLON, 2001:
23). Ao dedicar-se à visitação dos doentes, em uma cidade de operários, descobriu
não só o mundo dos doentes, mas o mundo dos pobres. A doença de um operário
o colocava imediatamente na condição de mendigo, pois nesta época a Seguridade
Social não existia. Isto o impactou para toda a vida, segundo as palavras de seu
sobrinho, Luc François:
De família rica e de grande inteligência, ele tinha tudo para ter conseguido êxito
na Igreja, mas abandonou tudo para dedicar-se aos pobres e aos pequenos.
Sua humildade natural tornava-o dependente de todo mundo, apagando-se
diante dos outros, pois gostava de colocar seus irmãos e irmãs em evidência.
Sua fé era muito grande, mas se tornava sempre modesto e acessível diante
dos pequenos, usando uma linguagem simples despojada e direta, jamais fazia
sobressair sua própria pessoa, preferindo uma vida simples, modesta,
acolhendo as dificuldades, assumindo o lema: “Nos meus sofrimentos, vou
142
crescendo”. Era assim que confortava as pessoas que sofriam. (FRANÇOIS
in FRANÇOIS, 2003: XVII)
Passaram-se anos e como não morreu e se recuperou, podia assumir uma
responsabilidade. Em agosto de 1929, já com 32 anos, foi nomeado pároco de
Faire-les-Sources e mais tarde, em 1932, com a morte do capelão do Hospital
Psiquiátrico, torna-se além de vigário, capelão do hospital, onde teve contatos
continuados com os doentes mentais.
Mon ministère des malades s’élargit. Je remarque que je fais du bien aux malades de l’hôspital. Je suis leur seul ami. Iln’ont de contact qu’avec les surveillants qui “surveillent”, et avec les médecins qui, à leur yeux, ne sont des amis, mais ceux qui les tiennent enfremés. Ces contacts avec les malades mentaux m’ont donné une expérience extraordinaire de la fragilitè du mécanisme psychique et des repercussions du physique sur le mental et rèciproquement.” (FRANÇOIS apud BOILLON, 1989: 17).31
Em 1937, foi nomeado pároco de Saint-Victor, continua com sua tarefa de visitação
a doentes e deficientes. Saint-Victor era a mais populosa das cinco paróquias de
Verdun. Contava com uma população de cerca de 4000 habitantes, mais os
quartéis. Em 1942, morre o capelão do Hospital de Saint-Victor e ele assume
cumulativamente a capelânia. Impossibilitado de continuar com as visitas
domiciliares, pela sobrecarga dos trabalhos, desafiou os doentes e deficientes da
paróquia a assumirem esta missão.
Três mulheres aceitam o desafio de continuar a tarefa, Bernadette Buflon,
Marguerite Renand e Jeanette Huguet. Então delegou a elas a missão.Tornaram-
se assim as cofundadoras da FCD. Para incentivá-las e manter a troca de
experiência François reunia-se mensalmente com elas. Compartilhavam as
experiências, rezavam juntos, reanimavam as forças e o movimento vai se
ampliando. Cada uma prestava conta das visitas, indicava quem deveria receber
31 Meu ministério junto aos doentes se amplia. Percebo que faço bem aos doentes do hospital. Sou
seu único amigo. Eles só têm contato com aqueles que fazem a vigilância e com os médicos que
eles não consideram amigos, mas pessoas que os mantém encarcerados. Estes contatos com os
doentes mentais foram para mim uma experiência extraordinária quanto à fragilidade do mecanismo
psíquico e às repercussões do físico sobre o mental e reciprocamente. (FRANÇOIS apud BOILLON,
2001:27)
143
os Sacramentos. Refletiam juntos sobre êxitos e dificuldades encontradas. Com o
passar do tempo, o grupo que se reunia mensalmente aumentou, chegando a uma
dezena.
Maravilhosa intuição! Aqueles “assistidos” se convertiam em “responsáveis”,
aqueles “inúteis” vinham a ser “úteis”, aqueles “solitários” se uniam em “grupos”,
os “marginalizados” se inseriam na vida paroquial e social. Era uma autêntica
ressurreição, da qual o vigário, feliz, contemplava seus frutos: a solidariedade na
doença e na deficiência era uma solidariedade de estilo evangélico, provocando
conversões. (BOILLON: In: FRANÇOIS, 2003: XX)
Muitas pessoas foram visitadas. Em março de 1945, as pessoas doentes e
deficientes organizaram um Retiro Espiritual de três dias, em Benoit-Vaux.
Estenderam a participação aos diversos Movimentos de Ação Católica da Diocese
de Verdun. Reuniram, no primeiro dia, 45 doentes e deficientes, sendo 15 de maca.
No último dia o número de participantes chegou aproximadamente a uma centena.
O padre François foi o convidado a pregar neste retiro e as visitadoras de Verdun
contaram o que faziam e convidaram aos doentes a fazerem o mesmo, cada um
em seu respectivo lugar. No terceiro dia, decidiram, por unanimidade,
reencontrarem-se e se organizarem em Movimento, ainda sem nome.
Ainda em junho de 1945, Pe. François sai de Saint-Victor para ser o Diretor da
Equipe Diocesana de Conselheiros da “Ação Católica”, em Verdun, o que acelerou
a expansão da Fraternidade em toda Diocese.
Figura 6 - Primeiro encontro em 1945
Fonte: BOILLON, (1989: 168)
144
Figura 7 - Celebração Eucaristica em Benoite Vaux
Fonte: BOILLON, (1989: 169)
Voltam a se reunir em 1946 e neste segundo retiro, por sugestão do padre François,
o Movimento passa a denominar-se Fraternidade Católica dos Doentes (Fraternité
Catholique des Malades).
L’équipe de Verdun est le centre du Mouvement. Bientôt,em 1946, deux
grandes infirmes, Simone et Annie, quittent leur famille et viennent renforcer
l’équipe de Verdun. C’est alors que naît projet d’avoir une foyer de Fraternité,
um foyer où l’accueil serait fraternel. Il serait la Maison de famille pour les
malades de Verdun, et um lieu de séjour tous ceux de l’exterieur qui
voudraient se refaire. Le désir est profond, le rêve est beau. Mais nous
n’avons ni Maison ni argent. J’em parlai à l’Evêque. C’est alors qu’une
grande Maison appartenant à l’Evêché, et qui avait été requisitionnée
pendant la guerre, se trouva libre. On s’y instala avec une confiance em la
Providence. Nous n’avions pas le moindre mobilier! L’Evêque était inquiet ...
Il fut rassuré quando il vit arriver mobilier et ravitaillement par la voie de la
Providence... (FRANÇOIS in BOILLON, 1989: 27, 28)32
32 A equipe de Verdun é o centro do Movimento. Logo, em 1946, duas deficientes, Simone e Annie,
deixaram as suas famílias e vieram reforçar a equipe de Verdun. Em seguida, nasce o projeto de
ter uma casa da Fraternidade, um lar onde a acolhida seria fraternal. Seria a casa da família para
os doentes de Verdun, um recurso para qualquer pessoa de fora que quisesse se refazer. O desejo
é profundo, o sonho é lindo. Mas não tínhamos nem casa, nem dinheiro. Falei com o Bispo. Em
seguida, uma grande casa pertencente à diocese, que tinha sido requisitada durante a guerra,
estava livre. Ele instala com confiança na Providencia. Nós não temos nenhum mobiliário! O bispo
estava preocupado ... Ele foi tranquilizado quando viu aparecer mobiliário e material por meio de
providencia ... (FRANÇOIS in BOILLON, 1989: 27, 28) (Trad. Nossa)
145
Em 1955, torna-se Conselheiro Diocesano da Fraternidade. O Movimento toma
proporções internacionais e em 1960 surge a Fraternidade Católica Internacional
dos Doentes, durante o I Comitê Internacional, em Bury, com a presença de quatro
países: França, Alemanha, Bélgica e Suíça. Nesta ocasião, foi criada uma
Comissão Internacional Provisória. Em 1961, em Trêveris, Alemanha, no II Comitê
Internacional foi escolhida a primeira “Coordenação Internacional” sendo escolhido
o Pe. François como Conselheiro Internacional.
Com o passar do tempo, a Fraternidade expande-se cada vez mais, atingindo
outros continentes e, em 1967, nasce a Fraternidade no Peru, com Pe. Manuel
Duato, da Espanha. Em 1972, chega ao Brasil, sempre acompanhada, mesmo que
de longe, por François, que quebra todas as expectativas e prognósticos de vida.
Figura 8 - Pe François em seu gabinete de trabalho no Lar em Verdun – 1972.
Fonte: BOILLON, (1989: 167)
Ao longo de sua vida, alimentava o movimento com mensagens que anunciava um
Deus presente com a humanidade e especialmente no sofrimento. Ao mesmo
tempo incentivava os doentes e deficientes saírem de si mesmos e se voltarem aos
outros. Apontava a importância das pessoas doentes e deficientes e estimulava a
146
ir ao encontro de outros na mesma situação. Como expressa esta mensagem de
natal do ano de 1947, com o título: VIVER EM ENCANTAMENTO
" Vocês encontrarão, num estábulo, uma criança envolta em / panos ".
Parece uma informação precária, mas foi o suficiente. Os Pastores o
encontraram. E desde essa primeira visita a Jesus muitos outros foram adorar
o Salvador junto a Maria e José.
Queridos doentes e deficientes, estou convidando-os para me acompanhar
numa visita ao Menino Jesus. Vamos visitar o presépio! Abandonem os leitos
e as cadeiras de rodas, desçam das alturas dos sanatórios e clínicas, saiam
deste hospital, cuja limpeza o torna ainda mais frio; fujam de seus quartos,
sombrios e úmidos. Há lugar para todos, portanto, para você também!
" O que vamos levar-lhe como presente? ". Vocês vão me fazer essa
pergunta. " O que vamos dar-lhe? " "Tenho umas moedas na minha bolsinha".
Tenho aquela xícara de leite e uns tabletes de açúcar, uns poucos
complementos alimentares ". "Uma canção? "" Uma prece que compus? "
Deixem tudo isso, queridos amigos, e venham comigo sem levar nada. Vamos
entrar. Há um mundo de pessoas, pois os doentes e deficientes não são os
únicos convidados. É preciso arranjarmos um lugar, nos colocarmos num "
canto. [...]
[...] Não acham ser muito mais conveniente agir assim? Para se ter sucesso
não é preciso capacidade intelectual, nem grande raciocínio, nem imaginação
brilhante, nem grande memória. Precisa-se somente do coração, mas não há
necessidade de espelho para nos vermos doando o nosso coração.
Se quiser continuar me seguindo, não limite seu "encantamento" à época do
Natal. Proponho-lhe vivê-lo sempre.
Dê seu coração ao Salvador, aos seus irmãos, e esqueça completamente de
você mesmo. Eu queria falar a cada um de vocês, mostrar-Ihes como realizar
esse "encantamento" por toda vida ...
Vou citar alguns exemplos típicos:
Você bem pode estar entre os doentes e deficientes que pouco podem se
queixar. Sua família e amigos o cercam, têm toda consideração por você.
Procure, então, dar uma vida tranqüila a todos aqueles que de você se
aproximam. Acabe com as exigências, perca o hábito de se queixar.
Demonstre seu reconhecimento, por menores que sejam as atenções que lhe
dispensem. Pense no bem daqueles que o visitam, interesse-se por eles e
esqueça seus próprios interesses. Você terá, então, uma vida de
"encantamento".
Ou, talvez, à sua doença você ainda tenha que acrescentar outra dificuldade:
a de ser "economicamente fraco". Além de ser um doente ou deficiente, você
tem que assumir, ao mesmo tempo, a responsabilidade de um trabalho,
portanto, você tem que esforçar-se muito mais do que as pessoas sãs.
Trabalhe com Jesus, siga Jesus, e dê aos outros o exemplo de uma vida
corajosa e aberta. Então você será também um "encantado".
Ou ainda, você pode ter muitos momentos de solidão. Viva com Cristo.
Ofereça tudo por seus irmãos. Sua alma ficará radiante de luz. Você torna-se
“encantado”.
Ou, quem sabe, você mora dentro de um desses abrigos de doentes em
hospitais e sanatórios. Cem vezes por dia você tem ocasiões de sofrer com a
doença ou a deficiência seus irmãos e irmãs no contato com eles. Nesse seu
147
problema não é solidão, mas é uma bela ocasião de estar com outros,
esquecendo-se de si mesmo. Uma auréola de “encantamento” vai marcar sua
vida.
Se a palavra "encantamento" indica uma saída de si, ela também significa
alegria. Um "encantamento" triste nunca existiu. Essa vida dedicada fará sua
tristeza fugir para bem longe. Você não terá necessidade de procurar a
alegria, pois já a encontrou.
Você será a alegria de seu Salvador.
Você será a alegria dos outros.
E, vitorioso, você se achará preparado para falar, com alegria, de seu
reconhecimento pela vida fecunda que Cristo o faz levar. 33 (FRANÇOIS,
2003: 5-7)
Inspirado na Encíclica “Quadragésimo Anno” do Papa Pio XI: “os apóstolos dos
obreiros serão os obreiros...” foi espalhando por meio de suas mensagens:” os
apóstolos dos doentes e deficientes serão os doentes e deficientes”. Espalhou esta
convicção através das mensagens de Natal e de Páscoa dos anos de 1947 a 1985
que alimentaram e alimenta a Fraternidade até agora. Elas eram reproduzidas e
serviam de reflexão em todas as partes do mundo onde havia a Fraternidade. Na
Páscoa de 1961 ele envia a mensagem incentivando a sair de si mesmo e ousar, ir
em direção ao outro, com o título “Aquele que ousa é como uma árvore ao vento
solidariamente enraizada – ousar ... para ser.”34 Inicia com a frase de Turgot “
Aqueles que não ousam sair com medo de quebrar uma perna, como não saem é
como se tivessem quebrado as duas” 35(FRANÇOIS, 2003:123). Algumas partes,
desta mensagem, merecem ser ressaltadas para demonstrar a forma como se
dirigia aos seus companheiros da Fraternidade.
[...] Vocês perceberam, queridos amigos, que esta frase tem um sentido simbólico e devemos, então, desenvolvê-la.
Não querer sair, é não quere sair de si mesmo, não ousar ir aos outros, não ousar dialogar com os outros, resumindo, não ousar se fraternizar com os outros.
E o motivo é bem claro: temos medo de nos prejudicar.
33Texto em francês, em (BOILLON, 1989: 89)
34CELUI QUIOSE C'EST L' ARBRE DE PLEIN VENT SOLIDEMENT ENRACINE
OSER ... POUR ÊTRE (BOILLON, 1989: 197)
35 «Ceux qui n'osent pas sortir de peur de se casser les jambes, comme ils ne sortent pas, c'est
comme s'ils s'étaient cassé les jambes» (Turgot). (BOILLON, 1989: 197)
148
[...] recusar diálogo com os outros, não é apenas recusar agir, é recusar ser.
Ser, é atingir a idade adulta, assumir toda a responsabilidade. Aquele que não ousa, está incompleto. Há nele possibilidades que se atrofiaram. Observem aquele que nunca exercita um membro, em que estado ele fica! Aquele que há anos está acamado, quando se levanta, não consegue dar nem mesmo alguns passos sozinhos, seus músculos estão flácidos.
[...] então, vocês, doentes e deficientes, que passam por pessoas que são menos, mesmo que não sejam, apareçam, claramente, como aqueles que são porque ousam Ser, e que levam, ao mundo, a vida. (FRANÇOIS: 2003:123, 124).
Sua última mensagem de Natal foi em 1985, “Amour Fou” (Amor louco) dois meses
antes de sua morte. Além das destas mensagens para as datas importantes da
cristandade, existem muitas outras que foram pregadas nas Assembleias e
reuniões continentais da Fraternidade. Suas mensagens anunciam um Deus
sempre presente na vida e ao mesmo tempo que incentivam aos doentes e aos
com deficiência a sair de si mesmo e a se voltarem aos outros. Aponta a importância
da pessoa doente ou com deficiência e estimula a ir ao encontro do outro. Mantinha
correspondência com fraternistas espalhados pelo mundo. Continuou como
Conselheiro e Conselheiro fundador até o ano de 1980, quando sua saúde já estava
muito debilitada, mas não deixou de manter suas correspondências, como a que
segue:
Verdun, 29 de dezembro de 1984
Querido Amigo, Fiquei muito feliz em receber tua carta. Estou muito contente pelos fortes laços
de amizade que existem entre nós. São sólidos porque são para o bem de
muitos doentes e deficientes. Nós os ajudamos a se tornarem vivos e
irradiantes nos locais onde moram.
Asseguro-te minhas preces por ti e por toda tua família.
No mês de janeiro, a Equipe Intercontinental vai se reunir aqui em casa. Estou
feliz por vê-las e certamente falarão da América Latina.
Estou muito feliz por ver como ela está se desenvolvendo bem no continente.
Tu desempenhas muito bem teu papel de responsável. Que Deus te dê força e
inteligência para bem realizá-lo.
Reafirmo toda minha amizade e, de todo coração, abraço-te e abençoo toda
tua família. (FRANÇOIS, 2003: 414) (grifo nosso)36
36 Carta enviada ao Coordenador Latino-Americano, Luiz Itamar. A original encontra-se no acervo
da FCD/BR, na Casa da FCD em Porto Alegre. Foto nos Anexos
149
Figura 9 – Visita de Luiz Itamar e Pe Geraldo a Henri François - 1985
Fonte: BOILLON, (2001: 17)
Figura 10 - Uma das últimas Missas... em Verdun – dezembro de 1985.
Fonte: BOILLON, (1989: 166)
150
Sempre com a saúde débil, mas com disposição e fé, alcança os 88 anos de vida.
Veio a falecer em 03 de fevereiro de 1986, em Verdun.
Les obsèques furent célébrés le 6 févrie dans la Cathédrale. L’employé des Pompes Funèbres était presque scandalisé du cercueil choisi pour lui:” C’est le cercueil des indigentes!”. Mais cetait as volonté formelle exprimée dans son testament. Ce cercueil desapin das cette cathédrale remplie comme aux grands jours avait son éloquence. Eloquente aussi la couronne des viturettes d’handicapés qui l’antouraient . La Fraternité de tuote le Meuse átait là, mais aussi des representetants d’un grand nombre de diocese, d’Allemagne, d’Austriche, de Belgique, de Suisse, d’Espagne. C’était leur père qui une fois encore les rassemblait. Som frère et sa proche famille était au premier rang, tandis que son neveu Bernard allait assiter, les filles de Notre Dame de l’Offrande, et particulièrement celes qui l’accompagné pendant son interminable chemin de Croix. Etaient là également les anciennes responsables internacionales entourant l’actuelle qui, ayant la veille enterré sa propre mère, avaint tenu à être là pour ce dernier adieu. Etaient là aussi ceux qu’il appelait ses “copeins”, une larme au coin de l’oeil. (BOILLON, 1989: 76)37
A descrição de seu funeral retrata a importância do Pe. François no movimento da
Fraternidade e na vida das pessoas que tiveram contato com ele. A última frase de
François foi: Eu me alegro em deixar este mundo, com a certeza de deixar atrás de
mim, a Fraternidade, Movimento de Evangelização” (FRANÇOIS. In:
DOCUMENTO BASE, 2006: 4)
37 As exéquias foram celebradas no dia 6 de fevereiro na Catedral. O empregado da funerária ficou
escandalizado com o caixão escolhido. “É caixão de indigente”. Mas fora vontade formal expressa no seu testamento. O caixão de pinho, dentro da Catedral repleta como as grandes datas, tinha sua eloquência. Expressiva era também a coroa de cadeiras de rodas dos deficientes que o cercavam. A Fraternidade de toda Meuse ali estava, bem como representantes de um grande número de dioceses da Alemanha, Áustria, Bélgica, Suíça e Espanha. Era o pai deles que mais uma vez os reunia. O irmão e os parentes marcavam presença, e o sobrinho Bernardo ajudava o Bispo na celebração. Sua família espiritual, as filhas de Nossa Senhora da Oferenda e, particularmente as que o acompanhavam em sua interminável via sacra, lá estavam, também, os ex-Responsáveis internacionais e a atual, que na véspera, enterrara a própria mãe. Todos faziam questão de lhe dar o último adeus. Também lá se encontravam seus “companheiros", com lágrimas nos olhos (BOILLON, 2001: 84).
151
3 2 - O que é a FCD?
A FCD - “Fraternidade Cristã de Pessoas com Deficiência” é um
movimento internacional e ecumênico de Apostolado Leigo, de natureza
promocional, no qual os próprios doentes e deficientes assumem sua
direção e se encarregam de sua difusão. (DOCUMENTO BASE, 2006:5)
É assim que se define a FCD no Brasil, a partir do Documento Base da FCD,
aprovado na VII Assembleia Nacional, realizada em fevereiro de 1988, em Cuiabá
(MT). Porém ela tem seu nascedouro em meados do século XX, na Europa,
estreitamente ligada a história de vida do Padre Henri François. Poderia se dizer
que deu seu primeiro passo em 1929, com sua ordenação e devolução para a
família devido a sua saúde frágil. Começa a estender suas pegadas em 1942,
quando pároco de Saint-Victor assume cumulativamente a capelânia do Hospital
de Saint-Victor e delega sua tarefa de visitação às três mulheres, doentes ou
deficientes , que aceitaram o desafio. No entanto, esta caminhada foi oficialmente
reconhecida a partir de 1945. Data que é celebrada como da fundação da FCD.
Figura 11 - 1º Retiro em Benoite-Vaux, 1945
Fonte: BOILLON, (1989: 169)
152
3 2 1 - Contextualização
Poder-se-ia considerar que a sementinha da Fraternidade tenha sido plantada em
1942, quando o Pe François foi nomeado capelão do Hospital de São Vitor. Porém
é importante ressaltar que François inicia sua formação sacerdotal vivendo o
contexto da 1ª Guerra Mundial, que vai de julho 1914 a novembro de 1918. Esta
guerra envolveu as maiores potências mundiais. Calcula-se 70 milhões de
soldados envolvidos, além dos civis.
Mais de 1,3 bilhão de projéteis de artilharia, canhões, obuses e morteiros foram usados durante o conflito, mostrando o papel essencial da artilharia, incluindo o famoso canhão Big Bertha. Bombardeios causaram 70% da morte de militares.
O uso de capacetes metálicos aumentou, mas não fez tanto efeito. Os soldados voltavam para casa amputados, mutilados, envenenados, cegos e desfigurados. (UOL, 2014)
No final de 1916, quando é acometido pela tuberculose que o afasta por dois anos
de seus estudos de preparação sacerdotal, volta ao seminário na diocese de
Verdum. Na região onde aconteceu, em 1916, uma das mais longas e mais
sangrentas batalhas da 1ª Guerra Mundial. “As emblemáticas batalhas de Verdun
e do Somme, travadas em 1916 na França, provocaram, respectivamente, 770.000
e 1,2 milhão de baixas (mortos, feridos e desaparecidos), dos dois lados”
(em.com.br Internacional, 2014). Calcula-se que na Batalha de Verdun, em média
mais de mil pessoas por dia, perderam a vida, esfacelados pela violência das
armas. Explosões que pulveriza soldados.
Entre os incontáveis monumentos aos 300 dias de Verdun, nenhum é tão impressionante quanto o Ossário de Douaumont, erguido em 1927 diante do forte mais poderoso e setentrional da zona de batalha. Na torre principal dessa sepultura de massa jazem os restos mortais de cerca de 130 mil soldados franceses e alemães, todos desconhecidos. Até hoje ainda são depositados lá ossos da época, achados por acaso em jardins, campos e bosques da região. Para a França e os franceses, a catástrofe de Verdun é superposta hoje pelo sentimento de vitória, uma vitória de defensiva, segundo o lema de Pétain: "On ne passe pas!" – "Aqui não se passa!" (DW made for ninds, 2016)
153
Em 1922, terminando seus estudos, volta para a família em Lingy, logo após a
guerra e encontra um mundo que não conhecia.
Filho de uma família burguesa, nunca tinha visto, tão de perto, o mundo da pobreza e mesmo da miséria, pois nessa época, a Seguridade Social não existia, e a doença de um operário o colocava imediatamente na condição de mendigo. Isso para um sacerdote recém ordenado, uma revolução, um choque que iria ter um papel importante na sua vida. (BOILLON, 2001: 23)
Foi neste contexto de destruição, de morte, de desesperança que François, foi
também desacreditado. Para ele não tinha esperança, estava condenado, era só
esperar um tempo que não tardaria a chegar. E ele saiu, foi visitar, visitar, visitar e
viu renascer a esperança e o reacreditar no ser humano. E certamente isto deu-lhe
um sentido para viver. E como disse Pe. Geraldo38, dirigindo-se aos fraternistas na
Assembléia Estadual da FCD, em São Paulo: “Ele começou a trabalhar ele tinha
essa ameaça da tuberculose que na época matava. E ele esqueceu de morrer foi
morrer aos 87 anos, puro esquecimento, não se lembrou que estava com esse
compromisso de morrer.”
Como não morreu, em 1929 foi designado para a paróquia de Faíns. Em 1932, foi
designado capelão psiquiátrico. O reconhecimento de seu trabalho, tanto na
paróquia como no hospital se espalhou e em 1937, foi nomeado para vigário de
Saint Victor.
São Vitor era uma das cinco paróquias de Verdun. Era a mais populosa. Tinha cerca de 4 000 habitantes, sem contar os importantes quartéis. Na paróquia estava o Carmelo, fundado depois da guerra de 1914-1918, para que fosse um lugar de oração permanente, nesta terra dolorosamente, ensanguentada. (BOILLON, 2001:30)
Em 1939, ainda em meio ao cenário de destruição eclode uma nova Guerra
Mundial, vai de 1939 a 1945. Europa é novamente palco de destruição e a França
da mesma forma. Isto vai interferir no seu trabalho sacerdotal. Em 1940, por ocasião
da invasão alemã, a cidade de Verdun teve que ser evacuada.
Como Bom Pastor, acalmou as angustias, ajudou a organizar a as saídas por causa da catástrofe, conduzindo em seu carro os idosos e as bagagens até a estação. Saiu por último com as carmelitas numa aventura pitoresca que vale a pena relembrarmos, pois foi o ponto de partida para a amizade entre ele e o
38 Pe. Geraldo (Geraldo Marcos Labarrère Nascimento) é o atual Conselheiro da FCD, no Brasil.
154
Carmelo, que veio a ter um papel importante para o resto de sua vida. (BOILLON, 2001:31)
No mesmo ano por insistência da Madre Germaine, Madre Superiora, fundadora do
Carmelo de Verdun, voltam para Verdun e se instalaram no Carmelo, ainda
interditado. Em 1943, sua irmã Madeleine, religiosa Franciscana Missionaria de
Maria, foi morta, junto com toda comunidade, atingida por bombas italianas, em
Alger.
É neste contexto de guerra, destruição e miséria que esta sementinha chamada
FCD, começa a ser gestada e já como uma grande força de vida. O quese percebe
nos dados publicados sobre as duas grandes guerras, é que o que é contabilizado,
via de regra, é o número de mortos, deixando pra traz o rastro de destruição de
vidas, pessoas que perderam parte do seu corpo, que perderam seus queridos e
passam a viver a dor desta perda, os que sofrem ao longo do tempo da guerra e
até as futuras gerações que sofrem ou sofrerão pelo efeito das querras químicas.
Não se contabiliza a multidão daqueles e daquelas que ficam destroçados à beira
do caminho ou são colocados nas casas para militares feridos de guerra e perdem
o direito a viver com os seus e até de prover o seu próprio sustento ou de sua
família. Sem falar nos civis atingidos pelos horrores da guerra e que não estão
envolvidos e nem queriam estar.
A reflexão do Pe Geraldo falando de sua visita ao Pe François:
eu tive a oportunidade de conhecer o François. Eu estive em Verdun, bem no
finalzinho, pouco antes dele falecer. Em Verdun, ele morava. É uma cidade
cemitério, tem centenas de cemitérios. O que significa uma cidade de
cemitérios depois da Guerra violenta, que não era uma guerra de matar de
longe, era uma guerra de matar de perto, não havia tantas bombas, então era
na baioneta, era na proximidade, era eu matar alguém mesmo. Isso arrasa na
pessoa, com o Marcos falava, arrasa na cabeça, arrasa fisicamente, mas
arrasa mais na cabeça. Arrasa na cabeça em que ponto? Arrasa na cabeça a
esperança que a gente tem na pessoa humana. Quem é que não conhece uma
pessoa que ela mesma acha que é boa, fulano de tal acha que é muito bom.
Se destruírem isto na minha cabeça, destroem ao mesmo tempo a capacidade
que eu tenho de me achar bom.39
39 Pe. Geraldo (Geraldo Marcos Labarrère Nascimento) é o atual Conselheiro da FCD, no Brasil. Falando se sua visita ao Pe François e sua impressão a respeito da cidade de Verdun.
155
Neste sentido podemos dizer que a Guerra, não só produz morte, deficiências
físicas, mentais, emocionais, causa também a “deficiência em SER”. Porém, a força
de vida, como uma sementinha que germina em meio aos escombros, cresce e não
se deixa contagiar pelas guerras e continua a acreditar e reacreditar. Trouxe
encantamento, conforme sua mensagem para o Natal de 1947 (p5-7). Este
encantamento chegou aos quatro cantos da Terra.
Em 1946, quando se reuniram para o segundo retiro o movimento já havia se
expandido a toda diocese de Verdun. Neste encontro, o movimento passa a ser
denominado Fraternidade Católica dos Doentes (FraternitéCatholique dês
Malades). Em 1949, acontecem os primeiros encontros de estudo com participantes
de dioceses vizinhas.
A Assembleia de Cardeais e Arcebispos (Igreja Católica) autoriza, em 1952, a
existência da Fraternidade Católica de Doentes. Ela ganha impulso dentro da
França e fora dela. Em 1957, iniciam os contatos e implantação na Bélgica, na
Alemanha e na Espanha, já tendo passado para Suíça, Áustria e Madagascar. Em
1966, acontece em Strasbourg, o I Congresso Internacional, que segundo o próprio
François, é marca de uma etapa importante. Além de salientar a unidade e a
profunda fraternidade do Movimento, dá origem e expansão da fraternidade na
América Latina. O padre Manolo Duato, jesuíta espanhol, parte para o Peru e ali,
em 1967, inicia o trabalho da Frater que vai daí para o Brasil, Argentina, Colômbia,
Guatemala e México. Pe. Duato sofria com uma enfermidade vascular que o levou
a passar por 17 cirurgias. Com sua vasta experiência do sofrimento, trabalhou com
amor e afinco semeando a Fraternidade por todos os países da América Latina,
sempre com um vivo amor ao próximo irradiando alegria e fé.
Com o passar do tempo, surgiram protestos quanto ao nome. As pessoas com
deficiência não se consideravam doentes. Então passou-se a chamar Fraternidade
Católica Internacional de Doentes e Impedidos. Um pouco mais tarde,
considerando que a palavra “Impedido” era inadequada, foi mudada para
Fraternidade Católica de Doentes e Deficientes, em 1972. Surge outro problema
em relação ao nome. Com a expansão do movimento, chega a países de
ascendência protestante como: Alemanha, Holanda, Suíça, talvez na América
Latina, passando a fazer parte da Fraternidade doentes e deficientes protestantes.
Por decisão comum, em 1974, no VI Comitê Internacional, a partir de uma visão
156
ecumênica da situação das pessoas com deficiência e sua participação no
Movimento, além da percepção de que a deficiência e a doença são ecumênicas,
atingem pessoas de todos os credos, passa a denominar-se Fraternidade Cristã
Internacional de Doentes e Deficientes.
Isso só podia nos alegrar. Mas havia dois perigos a evitar: fazer do Movimento
um instrumento de proselitismo para atrair os protestantes ao catolicismo, ou
escorregar numa confusão onde desaparecessem todas as diferenças. Pe.
François havia estudado, dentro dessa perspectiva, os textos conciliares,
chegando a conclusões sábias: caso os protestantes viessem para o
Movimento, que o fizessem em união com seus pastores e que estes pudessem
ser convidados para os Encontros gerais. Por outro lado, era preciso que, pela
oração comum, se evitasse o que dividia. Todavia, para Celebração
Eucarística, haveria separação, a fim de que se conservasse a fidelidade à fé
de cada confissão e a disciplina da Igreja Católica. (BOILLON, 2001:67)
Atenta aos sinais dos tempos e participante dos movimentos sociais, a FCD tem
demonstrado na sua própria identificação, em seu nome, como se apresenta
adequando-se às mudanças e as exigências que a sociedade e, em especial, as
pessoas com deficiência exigem e demostram sua postura no mundo. Diante disso,
ao longo do tempo, tem alterado seu nome, sua identidade civil. Hoje denomina-se:
Fraternidade Cristã de Pessoas com Deficiência. Já se ouve algum questionamento
sobre o termo Cristã, tendo em vista que participam pessoas que fazem parte de
outros movimentos religiosos que não necessariamente se considerem cristãs,
especialmente no Brasil. Atualmente, já tem tomado providencias práticas para que
esta questão seja tratada, está sendo programada uma reunião intercontinental
para acontecer até o final de 2018, segundo comunicação de Giovanni à
Assembleia Estadual no Rio Grande do Sul, quando do seu relatório sobre a
Assembleia Continental (continente Latino-Americano) realizada em Honduras, em
fevereiro de 2017.
Eu fui eleito como delegado para um comitê internacional que vai acontecer na Europa, neste ano ou provavelmente o ano que vem pra decidi umas questões lá de estatuto, de mudança de nome da federação, Fraternidade que eles querem tirar o termo cristão, porque tá Europa, tá na África e em outros países que tem religiões diferentes como: budistas, muçulmanos, judeu, cristão, evangélico ... então foi discutido lá nessa assembleia. (Giovanni – Coordenador Nacional da FCD no Brasil)
A Fraternidade se vê como um movimento, pois não é uma obra social que se reúne
para realizar uma ação beneficente em favor de alguém, nem tão pouco uma
157
associação, porque não tem associados, que se inscreva para cumprir estatutos e
pagar mensalidade.
As pessoas profundamente atingidas por um ideal vivem esse ideal!
...irradiando-o por todo seu ambiente .... Um movimento é alguma coisa em que
sempre há o que se fazer e aperfeiçoar... E é justamente isso que a
Fraternidade quer criar entre todos os deficientes: uma fraternidade conforme
o Evangelho.
Os doentes e deficientes deixam seu isolamento, desabrocham, assumindo
plena e ativamente seu lugar na vida, de acordo com o plano de Deus a seu
respeito. (FRANÇOIS, 2000: 10)
É um movimento que se mantém pelo protagonismo da própria pessoa doente ou
deficiente, anônimas ou não. Muitas delas tiveram grande protagonismo na
expansão do movimento e muito mais que isso contribuíram para o resgate de
muitos e muitas para a vida e vida com dignidade. Segundo palavras do próprio
François na sua luta de desvincular a Fraternidade da tendência de torna-la uma
instituição caritativa ou uma obra social: “a Fraternidade não prende o doente a ela.
Não lhe pede adesão nenhuma. Ela somente quer ele renasça, que cresça na
realização do plano de Deus em relação a ele.”40(FRANÇOIS apud BOILLON, 2001:
38)
O trabalho atingiu todos os continentes, está estabelecido em aproximadamente 45
países. Na Ásia ainda está na fase de contatos com Taiwan e com a India.
Il y a 3 groupes à Taiwan. Il est prévu pourl'année prochaine faire une visite aux membres de la Fraternité pour en définir les activités. Visites aux pays: la Chine (novembre 2016), Philippines (17 Février), le Japon (17 mai). Cette année, on prévoit de faire 2 ou 3 visites em Chine pour stimuler l'esprit de la fraternité. On suggère à Taiwan de développer un programme de formation et d’autres activités. Cela peut renforcer les groupes et la participation des membres. (LETTRE AUX NATIONONS No 22)41
40Mais Ia Fratemitén 'attache pas le malade à elle-même. Elle ne lui demande aucun eadhésion. Elle veut seulement qu'il revive, qu'il avance um peu dans Ia réalisation du plan de Dieu sur lui.(FRANÇOIS apud BOILLON, 1989: 29) 41 Existem 3 grupos em Taiwan. Está previsto para o próximo ano uma visita aos membros da Fraternidade para definir as atividades.Visitei os países: China (novembro de 2016), Filipinas (Fevereiro de 2017), Japão (maio de 2017). Este ano está previsto 2 ou 3 visitas à China para estimular o espirito da fraternidade. Sugerimos a Taiwan desenvolver um programa de formação e de outras atividade. Isto pode reforçar os grupos e a participação dos membros. (Carta às Nações, publicada pela Fraternidade Cristã Internacional de Pessoas com Deficiência) (trad. Nossa)
158
Esta trajetória alicerça-se em sete princípios fundamentais, que, por sua vez, são
baseados nos princípios que foram definidos desde seu nascedouro pelo Pe.
François, que estabelecem a forma como deve funcionar, estabelece claramente a
motivação, a quem se dirige, como, para quê e qual a animação42. A Fraternidade:
1) fundamenta-se no espírito da fraternidade evangélica;
2) dirige-se a todos os doentes e deficientes;
3) cria laços pessoais e comunitários entre doentes e deficientes;
4) desenvolve integralmente os doentes e deficientes;
5) ajuda o doente e o deficiente a se integrar em seu meio;
6) tem vida através das equipes de Fraternistas Responsáveis: doentes e
deficientes;
7) recebe animação espiritual, através principalmente dos conselheiros, que
participam ativamente na vida das equipes. (FRANÇOIS, 2000: 11, 12)
Como a Fraternidade é um movimento que está espalhado por várias partes do
mundo, em cada lugar ela sofre ajustes para se adequar a cada realidade. Porém,
há quatro características que não podem mudar:
1. Os contatos pessoais – estes contatos se dão através da visitação que toca na
pessoa doente ou com deficiência que está à margem da sociedade, à margem da
vida. É um contato que cria laços de amor fraternal: universal; gratuito; recíproco;
criador; vai aos menos amados.
42PRINCIPES FONDAMENTAUX: La Fraternité s’appuie sur sept príncipes fondamentaux. Mais il
ne faut pas les mettre l’um endessous de l' sans explication. Ils ont un ordre logique. Le voici:
D’abord, il y a un ESPRIT qui anime tout ce qui se fait: 1. La Fraternité mise à fond sur l’esprit de
Fraternité évangélique. Cet esprit, il faut le livre pratiquement. C est pourquoi le príncipe suivant dit
à qui la Fraternité s´adresse. POUR QUI? 2. La Fraternité va à tous les malades et handicapés. La
Fraternité dit comment elle agit: COMMENT? 3. La Fraternité crée des liens personnels et
communautaires entre malades et handicapés. La Fraternité exprime SON BUT: POURQUOI? 4.La
Fraternité épanouit les malades et handicapés. 5. La Fraternité aide le malade et handicapé à
s’intégrer a son milieu. Mais son Esprit ne peut se propager et se maintenir qu’avec un minimum de
structure. A cette âme, ilfaut un corps. Donc: ANIMATION 6. La Fraternité vit par des equipes de
responsables maladies et handicapés. 7.La Fraternité reçoit son animation spirituelle principalement
des aumôniers qui participant activement à la vie des équipes. ( Extraído do livreto "LEVE-TOI ...
ET MARCHE" de Monseigneur FRANÇOIS. (FRANÇOIS, 2000)
159
2. O fato da fraternidade não ser uma associação, mas um movimento – François
em seu livreto Leve-toi ... et Marcheargumenta que a Fraternidade não é uma
associação porque não tem associados e ninguém é excluído por falta de
fidelidade. Não é uma obra social, porque na obra social as pessoas se reúnem
para realizar alguma obra beneficente para suprir alguma carência e oferecem :
dinheiro cuidados, etc.
É um movimento porque os fraternistas criam laços responsáveis, com outros
doentes e deficientes. E, estes deixam seu isolamento, desabrocham, assumem
em plenitude seu lugar na vida.
3.A inquietude da evangelização – “Para Pe. François, era básica e essencialmente
um Movimento apostólico, cuja finalidade era ir a todos os doentes, tal como numa
caminhada de evangelização.” (BOILLON, 2001: 46) “... cultivar uma espiritualidade
de ressurreição em vez de resignação; fazer com que os doentes não se sentissem
mais assistidos, mas responsáveis.” (BOILLON, 2001: 47) “ Se a Fraternidade ajuda
o doente a encontrar o Senhor, ela merece tomar seu lugar como o grande
movimento de evangelização do mundo moderno. Se não for assim, que ela
desapareça! ...” (FRANÇOIS apud BOILLON, 2001: 49)
4. A equipe de Coordenação: A Equipe de Coordenação deve ser constituída
predominantemente de pessoas doentes e de pessoas com deficiência, tanto a
nível local, regional, Nacional, continental ou intercontinental. (Organograma em
Anexo)
Outro aspecto que não se pode deixar de abordar é a importância dada pela FCD,
desde o início com o primeiro grupo que se sentiu desafiado pelo Pe François, é a
atenção dada à formação. O próprio François deixou esta marca a partir das
reuniões mensais realizadas com o grupo, em que o compartilhar das vivencias se
tornavam uma capacitação mútua. Esta marca permanece até hoje. A FCD por toda
parte tem um programa de formação próprio fundamentado nos ensinamentos e
documentos deixados pelo fundador, materiais produzidos pelos comitês
Internacionais, continentais e nacionais. Há promoção de cursos específicos ou
participação em outros espaços de formação que tratam de assuntos pertinentes
ao grupo, tanto no que diz respeito às questões da deficiência ou assuntos
referentes a problemas socioculturais. A Fraternidade Cristã Internacional de
160
Pessoas com Deficiência produziu uma publicação em seis idiomas(Français,
English, Deutsch, Español, Português e Magyar) com o objetivo de divulgar as
decisões da Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência e também
capacitar aos Fraternistas a partir de sua identidade a porem em prática estes
direitos e atentar para o respeito aos mesmos. Este material foi publicado
reproduzindo o tema do V Comité Internacional da Fraternidade Cristã de Pessoas
com Deficiência, acontecido em agosto de 2010, na cidade do Porto (Portugal).
Em nível continental, América Latina, foram publicados dois cadernos com o Plano
de Formação para o continente. O primeiro trata os temas mais pertinentes à
atuação da FCD como: contatos pessoais e visitas; temas relacionados às questões
da deficiência e suas consequências na perspectiva de resgate da pessoa;
apresentação da Fraternidade e outros textos. O segundo caderno apresenta três
grandes temas subdivididos em vários outros temas: 1. Formação humana e
crescimento na fé; Fraternidade, aldeia global; Espirito Ecumênico. Este material
está traduzido para o português e tem servido de suporte para a formação dos
fraternistas no Brasil, junto com o Documento Base.
Os cadernos do Plano de Formação na América Latina (traduzidos para o
Português), o Material sobre a Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência
e o Documento Base são a base para a formação da FCD/BR.
Ao longo de todos estes anos a FCD tem se esforçado em cumprir as
recomendações do Pe François: “ e mais, que cada país dê prova de sua
imaginação para deixar bem marcado este ano... Sempre com o mesmo objetivo:
fazer de nossos irmãos doentes e deficientes... seres vivos ...43(FRANÇOIS, 2003:
228)
43 “Em plus, que chaque pays fasse preuve d’imagination pour marquer cette annèe ... Toujours
le même objetctive: Faire de nos frères malades ou handicapés ... des Vivants ... (FRANÇOIS. In:BOILLON,1989: 291) segundo a tradução para o português das mensagens de Henri François, esta frase faz parte da Circular Internacional, em outubro de 1980, enviada por François, quando deixa sua função de Conselheiro Internacional.
161
3 3 - FCD NO BRASIL
3 3 1 - Como começa e com quem?
A Fraternidade Cristã de Pessoas com Deficiência, ou a Frater (como é chamada
carinhosamente por seus participantes) chega ao Brasil através do seminarista
Vicente Masip. A primeira reunião aconteceu na Casa Paroquial Nossa Senhora da
Conceição, em São Leopoldo, no dia 12 de junho de 1972. Nasce aqui ainda com
o nome de Fraternidade Católica dos Doentes, tendo, entre os cofundadores,
Zenilda de Lourdes da Costa (Nida), Helena Inácia da Silva (Heleninha), José
Eugenio Berner.
Figura 12 – Casa Paroquial Nossa Senhora da Conceição
Foto: JAINES; SCHUCK, (1982: 24)
3.3.1.1 Quem são estes?
Vicent Masip nasceu em Carcagente (Valencia, Espanha) no dia 11 de junho de
1947. Ingressou na Companhia de Jesus em 1965. Chegou ao Brasil em 1969,
estudou teologia na Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, Rio
Grande do Sul. Foi ordenado sacerdote em 1974.
162
Figura 13 - Vicente Masip com um fraternistas
Fonte: JAINES; SCHUCK, (1982: 23)
Segundo relato de Pe. Geraldo, que foi seu colega de formação para o sacerdócio,
Masip conheceu o Pe. Duato, quando este esteve São Paulo e passou pela
Faculdade de Filosofia onde estudava.
Quando eu estava na filosofia, ...aqui o Masip era colega meu na filosofia,
passou por são Paulo e nos deu uma palestra o Padre Manoel Duato. Quem
fundou no Peru, exatamente. É... Ele chamava Padre “Quitapenas,” porque...
ele... tinha muitas operações, muitas doenças e conseguia ainda ser alegre,
conseguia ser... beleza, ter iniciativa, criatividade e tal. Então, chamavam a ele
de Padre Quitapenas.
Ele passou na Faculdade de Filosofia e nos deu uma palestra sobre
movimentos com deficientes e tal. Eu participei dessa palestra, mas eu nessa
época já estava ligado a parapsicologia com Quevedo. E... Então, o Vicente
não tinha um trabalho escolhido né, ... nas próximas férias que ele teve, pediu
licença ao provincial para fazer um estágio lá no Peru, pra conhecer melhor
esse trabalho, que ele achou interessante, gostou não sei quanto, e ele recebeu
essa... essa... licença e foi, passou no Peru um mês.
163
Em 71 nós fomos para a teologia no Rio Grande do Sul, ele também, eu e ele,
e 72 ele começa a fraternidade em São Leopoldo. e eu daí de novo eu me
conectava. Porque daí eu ajudava, descia o pessoal das kombis, do carro,
ajudava a levar, a trazer, essas coisas. Não tava trabalhando com eles mais
tinha esse envolvimento aí. (Pe. Geraldo)44
Em 1971, viaja para o Peru e lá tem contato direto com o movimento da Frater
através de Pe. Duato, que era Conselheiro do movimento. De volta ao Brasil, inicia
um trabalho de visitação e realiza a primeira reunião, em 12 de junho.
Estas três pessoas são consideradas cofundadoras da Fraternidade, no Brasil.
Figura 14 - NIDA
Fonte: JAINES; SCHUCK, (1982: 173)
Zenilda de Lourdes da Costa (Nida) – nasceu em São Sebastião do Caí, no dia 5
de março de 1935. Aos 5 anos de idade, em consequência de uma queda, ficou
com deficiência física. Foi a primeira responsável do primeiro Núcleo da FCD no
Brasil, em São Leopoldo. Ela desempenhou a função por 4 a 5 anos, sempre com
dinamismo, alegria e otimismo. Junto à sua função no movimento, cuidava da casa
e dos nove irmãos. Faleceu em janeiro de 1977, vítima de derrame cerebral.
44Pe Geraldo em entrevista à pesquisadora em 1º de março de 2017
164
Figura 15 - HELENINHA
Fonte: JAINES; SCHUCK, (1982: 174)
Helena Inácia da Silva (Heleninha) - nasceu em 15 de junho de 1929. Vitimada por
paralisia infantil aos 9 anos de idade, passou 41 anos em cadeira de rodas. Foi, por
5 anos, responsável pelo Núcleo de Sapucaia do Sul, RS, cidade vizinha a São
Leopoldo e incentivadora da responsável pelo núcleo em Esteio, Tia Pierina. Ao
conhecer a Fraternidade, sua vida se transformou. Dedicou-se com fidelidade, amor
e carinho ao movimento, com muito esforço para escrever, pois sua mão não
segurava a caneta. Organizou seu núcleo elaborando um fichário das pessoas com
deficiência. Escrevia cartas regularmente ao programa de rádio “Hora da Alegria”45,
programa semanal da FCD, em São Leopoldo.
“Cada vez que me encontro com meus amigos dá mais vontade de trabalhar. Vou levando a vida com fé, esperança e caridade, com otimismo, não olhando para trás. A graça do Divino Espirito Santo que me trouxe esta grande alegria. Para tudo que vou fazer, peço a graça de Jesus, Maria e José e Divino Espirito Santo. Tudo que faço é por amor a nosso bom Deus, assim vou cumprindo minha missão, fazendo a vontade de nosso Criador, a vida é bela e digna de ser vivida.” (HELENINHA in: JAINES, 1982: 174)
45 HORA DA ALEGRIA foi o primeiro programa semanal de rádio da FCD de São Leopoldo, indo ao ar no dia de 15 maio de 1973, há pouco menos de um ano do início das atividades da FCD no Brasil.
165
Figura 16 - JOSÉ BERNER
Fonte: JAINES; SCHUCK, (1982:26)
Quanto a José Berner há pouca informação. No livro Dez Fraternos Anos no Brasil
os autores citam-no como um dos fundadores. Referem que ele era do Lar São
Francisco e que trabalhou desde o início da Fraternidade. O núcleo do Lar São
Francisco foi um dos primeiros a serem criados, ainda no ano de 1972. Certamente
este fraternista teve papel importante neste núcleo. Seu nome consta também
como um dos representantes de São Leopoldo, na 1ª Assembleia Nacional da
Fraternidade.
3 3 2 - Em que solo germina?
Com a dedicação e esforço destas pessoas, até então anônimas, começa a
germinar a sementinha da FCD em solo brasileiro, gaúcho e leopoldense. São
Leopoldo é um município relativamente pequeno em área territorial, porém com
grande desenvolvimento industrial e econômico com aproximadamente cem mil
habitantes. Seu desenvolvimento se deu principalmente pela implantação de
indústrias fornecedoras de insumos para as fábricas de calçado que se instalaram
na região, hoje chamada de zona calçadista. A marca de sua produção é na
166
indústria da borracha. Nasceu fortemente marcada pela imigração alemã, que
aportou às margens do Rio dos Sinos em 1924, trazendo sua cultura e suas crenças
religiosas. Ao longo do tempo, a religiosidade católica como protestante têm
firmado suas pegadas neste município, tanto no que diz respeito às questões de fé
como na educação. É importante ressaltar que, durante os anos de construção e
implantação da comunidade leopoldense, foram vividas experiências muito fortes
de uma boa convivência assim como experiências muito duras como, por exemplo,
o episódio dos Muckers, uma verdadeira guerra política e religiosa.46
Por parte da Igreja Católica, a comunidade deve a influência às congregações
Jesuítas e Franciscanas. O município sedia a UNISINOS, importante universidade,
e o Colégio Cristo Rei, que foi centro de formação de centenas de Sacerdotes e
Bispos brasileiros. No final dos anos 70 e início de 80, foi implantada a Diocese de
Novo Hamburgo, da qual São Leopoldo passou a fazer parte. Foi nomeado como
primeiro Bispo da nova Diocese, D. Sinésio Bohn, que foi empossado em 23 de
fevereiro de 1980 com o lema: “Para que todos sejam um” (omnes unumsint). D.
Sinésio teve atuação marcante naquela região do Vale do Rio dos Sinos, foi um
grande incentivador e companheiro dos movimentos populares. Foi, por muitos
anos, Conselheiro do CECA, mesmo depois de sua transferência para a Diocese
de Santa Cruz do Sul.
46Os “mucker” (santarrões, hipócritas, santos fingidos, em alemão), como eram chamados, foi um
movimento messiânico ocorrido no interior do Rio Grande do Sul, no final do sec. XIX. Teve início por volta de 1867 e seu desfecho sangrento em 1874. Dividiu a colônia alemã, gerou conflitos e mortes, e se transformou em tragédia com a intervenção do Exército Nacional. O centro dos acontecimentos se dá aos pés do Morro Ferrabraz (localizado na que é hoje cidade de Sapiranga, região Metropolitana de Porto Alegre), na colônia germânica de Padre Eterno. Houve desdobramentos em toda região da então, colônia alemã de São Leopoldo, que hoje atinge vários municípios do Vale dos Sinos e Vale do Caí. Este movimento foi liderado pelo casal Maurer, com forte domínio de Jacobina Meurer.O movimento foi essencialmente religioso, porém teve forte influência política, tanto de lideranças locais, como regionais e até nacionais. Inspirou livros como Videiras de Cristal (1991), de Luiz Antonio de Assis Brasil, e filmes como Os Mucker (1978), de Jorge Roberto Bodanzky, e A paixão de Jacobina (2001) de Fabio Barreto.
Em 23 e 24 outubro 1897 são assassinados os Jovens Mueller, Weber e Graebin, na Fazenda Pirajá, em Nova Petrópolis. O Crime atribuído aos Mucker da região, que estariam reunidos sob liderança de Aurélia, filha do casal Maurer. Nascida em abril de 1872, sendo referida como herdeira dos dons espirituais da mãe. Estava casada com Miguel Nëe, filho de um colono Mucker, um dos que conseguira escapar do massacre final. Em 3 janeiro 1898, mais de 100 colonos da região assassinam 5 colonos Mucker na região de Nova Petrópolis e Lajeado. Muitos anos mais tarde, ainda se faz sentir as repercussões deste movimento.
167
Figura 17 – Encontro de D. Sinésio Bohn com a Fraternidade
Fonte: JAINES; SCHUCK, (1982: 122)
Também, não sem menor importância, participa da construção da identidade de
São Leopoldo, a Igreja Luterana, em especial a IECLB (Igreja Evangélica de
Confissão Luterana no Brasil) que, além de sua influência doutrinária religiosa na
sociedade, tem a EST (Escola Superior de Teologia) que centraliza a formação de
pastores e pastoras para todo o Brasil e também a formação acadêmica com
Mestrado e Doutorado em Teologia. Hoje a EST oferece outros cursos de formação,
além da Escola de Música, que já oferecia anteriormente e hoje através da
Faculdade de Musicoterapia. No próprio campus da EST funciona o Colégio Sinodal
que é responsável pela formação básica e média de expressiva parcela da
liderança da sociedade de São Leopoldo.
Além destes dois grupos nitidamente influentes nesta comunidade, também
funciona no município o Seminário Concórdia da IELB (Igreja Evangélica Luterana
do Brasil).
168
3 3 3 - Os 10 primeiros anos
A Fraternidade começou sendo um Movimento intimista, preocupado apenas com o mundo interior do homem sofredor, alheio aos grandes problemas do Brasil e do mundo.47
Este caráter intimista não atrapalhou a impulsão do movimento, ao contrário, as
pessoas sentiam-se resgatadas para a vida e impulsionadas a irem ao encontro do
outro e compartilhar este novo momento. A partir do primeiro encontro, no salão
paroquial, o “espírito da Fraternidade”, como os fraternistas gostam de dizer, se
espalhou. Depois de fundado o primeiro núcleo no centro de São Leopoldo, foi
fundado no Bairro Rio Branco e mais tarde no Lar São Francisco. Em seguida,
surgem os núcleos das cidades vizinhas como: Sapucaia do Sul, Esteio, Campo
Bom, Estrela, Novo Hamburgo e no Bairro Partenon, em Porto Alegre. Para estes
núcleos, a FCD contou com apoio da Pastoral da Saúde da Arquidiocese de Porto
Alegre. O depoimento da Ir. Ângela Paulina Smiderle confirma isto
Estou na fraternidade a pedido do Luiz Itamar. Eu trabalhava na época na
CNBB, no setor da Pastoral da Saúde. Que bem na verdade, eu acompanhei
com Vicente Masip que ia no meu apartamento onde eu morava. Ele dizia que
nós éramos tudo da área da saúde e ele ganhava muita experiência conosco
na área de saúde. Como se inicia, como é que se faz os trabalhos, como é que
organiza, (...). O trabalho que eu fiz na pastoral da CNBB me deu lastro também
para ajudar a organizar, um pouco, a fraternidade. Logo no início foi um trabalho
bastante árduo, porque significava, é que a gente tinha que ver onde os
deficientes estavam e também quem é que estava conosco como
colaboradores, porque a fraternidade sem colaborador, ela não subsiste. Que
é aliás o problema que nós estamos tendo hoje, a falta de colaboradores pra
poder ajudar a manter o trabalho. Mas, no início foi assim... eu poderia dizer...,
até bastante profícuo. Porque, então, como a fraternidade começou no Rio
Grande do Sul, a gente começou a organizar os núcleos aqui, organizar o
estado e a partir da... da fraternidade do Rio Grande do Sul, se expandiu pelo
Brasil. O Masip foi lá para o Recife depois. Então no início não foi assim, eu
diria, bem exuberante, porque era tudo novidade. Não era fácil pra poder
localizar os deficientes, conseguir colaboradores, fazer com que tivesse um
transporte pra poder fazer as visitas e pra poder agrupá-los, mas, com
insistência no trabalho das pastorais, nas paróquias e nas congregações, a
gente conseguiu fazer frente a este trabalho, diria eu, bastante bem. (Ir.
Ângela)48
47 Expressão dos autores Luiz Itamar Jaines e Ethilha Maria Schuck na introdução da obra Dez fraternos anos no Brasil 1972*1982. P.13 48 Depoimento dado pela Ir Angêla, juntamente com o Frei Nelson, à pesquisadora. Em 23 de março de 2017, na Casa da Fraternidade em Porto Alegre.
169
Em maio de 1973, dia 15, foi ao ar o primeiro programa semanal de rádio “A HORA
DA ALEGRIA”, da Fraternidade Católica de Doentes (FCD) de São Leopoldo. A
FCD começa a ocupar os espaços nos meios de comunicação para divulgar sua
mensagem. O nº 15 de Cartas Abertas, de agosto de 1976, anunciava os seguintes
programas de rádio:
a) A HORA DA ALEGRIA – às 17h30min na Rádio Progresso, de São Leopoldo -RS, às sextas-feiras;
b) LEVANTA-TE E ANDA – das 18h30min às 19h na Rádio Olinda, de Recife – PE, às sextas-feiras;
c) Na Rádio Progresso de N. Hamburgo – às quartas-feiras, das 16h30min às 17h;
d) Na Rádio Clube de Canela-RS – às segundas-feiras, das 18h30min às 19h; e) Na Rádio Cultura de Livramento-RS, das 15h20min às 15h30min
diariamente. (JAINES; SCHUCK, 1982: 60)
No verão de 1973/74, chega ao nordeste, durante as férias de verão, Vicente Masip,
juntamente com Claudemira Soares e Terezinha Ferreira do Nascimento (Teca),
que iniciam os trabalhos fraternistas nos bairros de Pina e Vasco da Gama, na
cidade de Recife.
Conscientizar o deficiente pelo próprio deficiente ou doente para que se assume é o objetivo fundamental da Fraternidade Cristã de Doentes e deficientes (FCD). Nesse sentido, as visitas e as reuniões dos mesmos adquirem um papel importante, pois o simples fato de eles entrarem em contato, conviverem, já ajuda a superar as dificuldades. (JAINES; SCHUCK, 1982: 21)
Por onde passam os ventos da Fraternidade, o chamado de “Levanta-te e anda”
traz o despertar na vida das pessoas, nas doentes e nas com deficiência e também
nas sãs que se tornem colaboradoras. À medida que o número de participantes
aumenta, torna-se necessário ampliar e qualificar a forma de comunicação para
que possam fluir as informações entre os núcleos, tanto locais como no estado e
até entre outros estados que estão sendo atingidos. Então foi criado um canal de
informação e circulação de notícias que atendia aos grupos em todo Brasil.
CARTAS ABERTAS, esse foi o nome dado a mais um fraternistas, que, de agora em diante, iria chegar aos lares, com a mesma roupa, a mesma linguagem e o espirito. Foi este o meio utilizado pelo Movimento, para chegar a todos a experiência vivida. (JAINES; SCHUCK, 1982: 29)
170
Foi editado, em 1974, no ano do sesquicentenário da migração alemã, o primeiro
número de CARTAS ABERTAS, por intermédio do Pe. Masip. Este periódico
circulou por quase quatro décadas veiculando entre os doentes e deficientes as
notícias e informações sobre os núcleos e testificando a ação da Fraternidade na
vida das pessoas. Servia para noticiar eventos, resoluções das assembleias,
estudos para formação, notícias sobre a vida dos fraternistas como: casamentos,
aniversários, nascimentos, falecimentos e também para divulgar as informações de
interesse continental e intercontinental.
CARTAS ABERTAS, Nº1, março de 1974, levava aos seus primeiros leitores esta mensagem:
No momento em que redigimos estas palavras, temos presente a figura extraordinária do Padre Manolo Duato, jesuíta espanhol, com o seu desejo de unificar as forças fraternais da América Latina, a sua vontade de se doar sem limites. Ele é que nos ensina para dar este passo à frente, cheio de alegria e entusiasmo.
É possível que você, que lê o Boletim, não seja brasileiro, não saiba Português. Mas estamos certos de que vai entender tudo o que aqui for escrito. Porque o AMOR supera as palavras e as línguas e estas folhas estão cheias de muito AMOR. (JAINES; SCHUCK, 1982: 30)
Figura 18 – Exposição de exemplares de Cartas Abertas
Montagem de fotos tiradas com celular de exemplares de Cartas Abertas em exposição na XVII Assembleia da FCD/SP
Fonte: Foto Nossa
171
O periódico, Cartas Abertas, circulou de 1974 até o final de 2011. O último número
a circular foi nº 126 out., nov., dez./2011. Cumpriu um papel muito importante na
caminhada da FCD, no Brasil, foi um canal importante na divulgação do movimento
e também de aproximação dos fraternistas espalhados por um país continental.
Serviu para levar informações e também alimentar a chama e o entusiasmo através
do compartilhar das experiências e dos ensinamentos que circulavam entre os
grupos.
Nos primeiros anos, no Brasil, houve vários encontros, seminários que foram
despertando a necessidade de haver uma Assembleia para dar possibilidade de
um maior conhecimento dos trabalhos e dos participantes (Responsáveis,
Conselheiros e colaboradores) e também para delinear uma mínimo de estrutura e
organização necessária para o Movimento. A primeira Assembleia acontece em
Porto Alegre, nos dias 10 a 13 de abril de 1975, na Vila Manresa. Houve vários
estudos sobre o que é a FCD e como funciona, quantos somos, como descobrimos
os doentes, quais são os nossos problemas. Nesta Assembleia foi declarado que a
Fraternidade contava com a participação de 600 fraternistas em todo o Brasil. Foi
eleita a Equipe Nacional que deveria coordenar o Movimento no Brasil. Na noite de
12 de abril foram definidas as seguintes Conclusões Gerais:
1. O nosso Movimento denomina-se Fraternidade Cristã dos Doentes e Deficientes Físicos. 2. A FCD é um movimento de Evangelização no mundo dos doentes e deficientes onde, ele próprio, libertado por Cristo de tudo o que oprime, passa a evangelizar os outros doentes. E não somente os doentes, mas também os sãos. 3.Compõe-se a FCD de Doentes-Responsáveis, Colaboradores e Conselheiros. 4. A Fraternidade brasileira divide-se em Núcleos (Conjunto de Fraternistas de cada paróquia ou bairro), Áreas (conjunto de Núcleos de uma cidade ou diocese) e Regiões (conjunto de Áreas por Estado ou Estados próximos). 5. A Fraternidade brasileira forma parte integrante da FCD latino-americana e está plenamente inserida na FCD internacional. 6. A FCD trabalha unida à Pastoral de Saúde de diversas dioceses. 7. A partir de 12 de abril, a Equipe Nacional da FCD é constituída pelas. seguintes pessoas: Luiz Itamar Jaines (Responsável Nacional), Ethel Batista (Responsável Nacional Adjunta, Pe. Vicente Masip (Conselheiro Nacional), Pe. Izaías Bordignom (Conselheiro Nacional Adjunto) 8. A Equipe Nacional enviará uma carta ao Governo Federal, participando a existência da fraternidade e as urgentes necessidades da pessoa doente no nosso país. 9. Cada dois anos terá lugar uma Assembleia Nacional Brasileira (a próxima será em abril de 1977, no mesmo lugar)
172
10. Haverá Encontros Regionais de Formação para Doentes-Responsáveis, cada ano. 11. Haverá frequentes Encontros de Colaboradores. 12.Ficou estabelecido que cada Núcleo da FCD colaborará com as despesas da Equipe Nacional por meio de uma cota anual. 13. A Equipe Nacional elaborará um fichário completo de todos os fraternistas para se fazer presente no dia do seu aniversário. 14. A Equipe Nacional se encarregará de preparar a celebração Eucarística do dia 6 de julho de 1975, a ser televisionada pela TV Difusora, canal 10, de Porto Alegre. 15.A Equipe Nacional, juntamente com a Equipe Técnica da Pastoral da Saúde da Arquidiocese – POE, planejará algumas atividades para a Semana do Enfermo (13-20 de junho de 1975). (JAINES; SCHUCK, 1982, 41-42)
Luiz Itamar Jaines nasceu em São Leopoldo, em 25 de maio de 1944, desde os
sete anos começou a trabalhar, exerceu diversas profissões. Estudou, concluiu o
2ª grau (científico) Cursou Administração de Empresas e processamento de Dados,
especializando-se em Mercado de Capitais. Aos 23 anos casou, pai de duas filhas.
Até aos 28 anos levou sua vida normalmente, quando foi acometido por uma
enfermidade e diagnosticado com a chamada Esclerose Amiotrófica Lateral, que
aos poucos foi deixando-o imobilizado. Sofreu por dois anos, no anonimato, as
angustias de sua deficiência física. Em seu isolamento lhe apareceu o Pe Valério
Alberton,S.J que o reanimou e lhe incentivou a não se deixar abater pela doença.
“Comecei a meditar e perguntei a mim mesmo: Será que na minha doença o mundo terminou para mim, ou posso transformá-lo? Pois mesmo paralítico, meu corpo está em movimento, e principalmente meu espírito.
O mundo tornou-se pequeno para mim, quase limitado. Mas um sorriso que dou a meus irmãos já é alguma coisa. O que não posso é ficar inerte, parado.
Já que não tenho condições de fazer enormes coisas, serei grande para transformar as pequenas. Não posso mudar, porque sou pequeno demais, mas posso modificar o meu ser, ajudando aqueles que de mim se aproximam: ouvindo, orientando, aconselhando e dizendo aos sãos que não é necessário ficar paralítico para a gente se encontrar consigo mesmo. E aos doentes, encorajando-os, amando-os. “(JAINES; SCHUCK, 1982, 48)49
Na primeira Assembleia Nacional da FCD no Brasil, que acontece de 10 a 11 de
abril de 1975, em Porto Alegre, Luiz Itamar é eleito Responsável Nacional e reeleito
na 2ª Assembleia em 1977. Durante seus dois mandatos como responsável
49Este texto é parte de um depoimento de Luiz Itamar Jaines publicado em Cartas Abertas
nº10, de outubro de 1974. Itamar Jaines teve participação marcante nos 10 primeiros anos, foi coordenador nacional por muitos anos e depois coordenador latino-americano.
173
nacional ao lado de Vicente Masip, assessor nacional, viajaram por todo estado do
Rio Grande do Sul, por vários estados do Brasil fundando e fortalecendo o
movimento. Em julho de 1976, participa do Comitê Internacional em Frankfurt, na
Alemanha, representando o Brasil e Argentina. Com a ajuda de Representantes da
Argentina e acompanhado da Equipe Nacional, em janeiro de 1978, vão a
Montevidéu para o fundar o Movimento.
Participou, em 1980, da 1ª Assembleia Latino Americana, onde estavam
representados 14 países. Foi eleito como Responsável Latino-Americano, para um
mandato de 4 anos. Nesta época sua enfermidade já havia se alastrado,
lentamente, afetando cada vez mais sua mobilidade, deixando-o totalmente
dependente de outra pessoa. O fraternistas, Levino Schneider, ingressou na
Fraternidade no ano de 1980, através do próprio Luiz Itamar, e o acompanhou por
muitos anos como cooperador por suas andanças pelo Brasil e pelo mundo. Levino
relatou o seguinte:
Ele tinha problema de locomoção, esclerose amiotrófica lateral e ele tentou
curas, mas não conseguiu. Os médicos deram 3 anos de vida pra ele, no
entanto, ele viveu 15 anos. E ele me disse o seguinte: eu estou vivendo por que
eu não estou ruminando a minha doença, estou me preocupando com os
outros, por isso que em vez de três anos eu ainda to vivo. Isto ele me falou
quando já tinha 10 anos mais ou menos. (Levino Schneider)50
O “Ita” como era chamado carinhosamente, foi o primeiro responsável nacional e
reeleito, em 1977. Foi também o primeiro responsável latino-americano e também
reeleito. Conheceu pessoalmente o fundador do movimento. Conheceu toda a
Fraternidade no Brasil, na América Latina e na Europa. Sempre incentivou o
ecumenismo. Escreveu dois livros: Vivendo o desafio: a libertação das deficiências
físicas, juntamente com Elaine Gonçalves de Araujo; Dez Fraternos Anos no Brasil:
1972*1982. Faleceu em 24 de maio de 1989, em Cachoeirinha /RS.
A 2ª Assembleia Nacional acontece novamente em Porto Alegre, de 8 a 13 de
julho de 1977. Teve como tema: Humanização da Sociedade. Em sua palavra o
coordenador, Luiz Itamar ressaltou o seguinte:
50 Relato de LevinoGuilherme Schneider, entrevista dada em sua casa no dia 19 de março de
2016, Porto Alegre/RS.
174
Hoje, muitas pessoas falam de humanização. Ao ligarmos a televisão, rádio, vemos e ouvimos falar em direitos humanos, direitos disso, direitos daquilo. E nós? Nós que sentimos realmente a falta e a carência de humanização, procuramos vivenciá-la?
O que significa realmente humanizar? Humanizar é despertar no homem a capacidade de ser mais- pessoa, dar-lhe condições para que descubra seus valores, os desenvolva e os coloque a serviço da humanidade. É fazer CRESCER O AMOR na terra, é fazer brotar mais vida, mais comunhão. É estabelecer, construir pontos entre os homens para maior relacionamento e comunicação. É encorajar os tímidos e os deprimidos a acreditarem em seus valores, é incentivar os passivos a se tornarem dinâmicos e cultivarem suas personalidades. É irradiar espírito do Evangelho do Cristo, que manda amar sem distinção e procurar em primeiro lugar o Reino de Deus e sua justiça ...
É ter coragem de denunciar os erros e proclamar a verdade. É ser capaz de dar a própria vida pelos irmãos, de morrer por uma causa, por uma missão assumida por causa do Reino ... O humanizador é sempre um profeta, que tem coragem de transgredir e denunciar as leis que escravizam o homem - que entravam a libertação da humanidade. Por isso é sempre perseguido, caluniado e, não poucas vezes, morto, como Cristo na Cruz. Nós Fraternistas estamos vivendo isto? Estamos realmente vivendo a missão. que pregamos? (JAINES; SCHUCK, 1982, 73)
Na ocasião, estiveram representados os núcleos de 20 cidades do Rio grande do
Sul, mais a representação de Recife, Florianópolis, Brasília e representes de
Buenos Aires – Argentina. Onde foram tomadas as seguintes decisões:
1. Enviar uma carta ao Presidente da República propondo algumas reformas à lei 6. 179 de novembro de 1974.
2. A FCD integra a Pastoral de Saúde, conservando, porém, sua identidade própria.
3. Solicita-se à Coordenação da Pastoral de Saúde (CNBB) a inclusão da FCD como Pastoral de Saúde Domiciliar.
4. Foi reeleita, por um período de dois anos, a atual Equipe Nacional: Luíz Itamar Jaines, responsável e Pe. Vicente Masip, Conselheiro.
5. Foi eleita como Equipe Regional do Rio Grande do Sul (Regional Sul III) o Núcleo de Caxias do Sul.
6. A partir desta Assembleia, estará estruturada da seguinte forma: núcleo, área, diocese, regional, nacional e internacional.
7. Uma vez por ano, todos os núcleos planejarão uma promoção especial remetendo no mínimo 50 % do lucro líquido para as equipes regionais e nacionais.
8. O boletim Cartas Abertas será enviado gratuitamente a todos os Núcleos que o desejarem. Cada Núcleo se encarregará de distribuí-los entre os fraternistas, colaboradores e as pessoas interessadas. Há as assinaturas de colaboração que serão pagas. Sua distribuição ficará a encargo do respectivo Núcleo.
175
9. A Equipe Nacional tem CGC (nº 88.018.130/0001-00). 10. O local e data da próxima Assembleia será em Florianópolis-SC, na segunda quinzena de julho de 1979. (JAINES; SCHUCK, 1982, 75)
A 3ª Assembleia acontece no Morro das Pedras, em Florianópolis, de 17 a 22 de
fevereiro. NOSSAS CAPACIDADES SUPERAM AS DEFICIENCIAS: foi o lema que
norteou as discussões das 124 pessoas reunidas, entre fraternistas, Conselheiros
e Colaboradores. Que representavam a FCD em Pernambuco, Minas Gerais, São
Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Argentina, Bolívia e Uruguai. Foi
constatada a existência de núcleos da FCD em 31 Dioceses do Brasil.
Nesta Assembleia foram criadas 4 regionais: Rio Grande do Sul, Santa Catarina,
São Paulo e Nordeste. Luiz Itamar é eleito como responsável pela regional do Rio
Grande do Sul e Moisés Tavares de Souza assume como Responsável Nacional e
o Pe Masip, que foi reeleito, como Conselheiro Nacional. Moisés era o Responsável
de Recife.
Como disse Luiz Itamar o movimento da FCD iniciou tímido, intimista, buscando um
a um na reclusão, vai trazendo, colocando na roda começa a ver os seus
semelhantes, começam se colocar de forma diferente na família e na sociedade,
começam a ser percebidos e a se perceber, começam a ter uma nova percepção
de seu lugar social .
A FCD, a partir de 1979 começou a ser impulsionada também, para os problemas sociais. Assim, os que antes eram poucos e não tinham uma visão real da situação de marginalização do doente e do deficiente no Brasil, agora mais conscientizados, com mais coragem e mais unidos, resolvem voltar-se para uma formação mais social e mais libertadora. E, com essa nova consciência realizaram o II Encontro Regional de Estudos da FCD, na Vila Manresa - Porto Alegre, no período de 6 a 13 de julho de 1979, tendo como tema central: Direitos e Deveres do Doente e Deficiente para com a Sociedade. (JAINES; SCHUCK, 1982, 105)
Nestes primeiros dez anos de existência, a FCD expandiu-se e iniciou um processo
de visibilidade para a sociedade da pessoa com deficiência, seus problemas e
especialmente sua eficiência. Houve quatro Assembleias que ajudaram a
consolidar o movimento e que tiraram resoluções importantes para o seu trabalho
e para fortalecimento da luta por direitos. Em 1981, são apresentados os seguintes
dados:
176
A Fraternidade cresceu muito em qualidade e quantidade. Os dados oficiais e em cultivo, para uma realidade aproximada em 1981, com perspectivas de aumentar são as seguintes:
A FCD existe no Brasil em 14 Estados, sendo:
11 Estados oficialmente; 1 Estado em cultivo – Paraná; 2 Estados solicitam a fundação: Amazonas e Piauí.
Das Dioceses onde já existe a FCD, em uma delas a implantação se acha em cultivo e em outra é solicitada a formação.
Atinge-se o total de 185 Núcleos, estando 30 destes em fase de cultivo. O total de fraternistas (deficiente) é de 6.400. (JAINES; SCHUCK, 1982:168)
Pode-se dizer que a partir de 1979 inicia uma nova fase na FCD do Brasil, os
primeiros anos foram de implantação e expansão, mas ainda com uma
preocupação individual com as pessoas com deficiência, a partir da decisão de
eleger o ano de 1981 o Ano Internacional da Pessoa Deficiente abriu-se a visão em
relação a estas pessoas e o mundo de situações em que elas estavam envolvidas.
3 3 4 - Coordenação de Maria de Lourdes Guarda
Olhando para a caminhada da FCD no Brasil, percebe-se que ela viveu momentos
bem distintos: nos primeiros dez anos, foi o período de expansão e consolidação
com um caráter mais intimista, como expressaram fraternistas Luiz Itamar e Ethilha,
sem deixar seu ímpeto libertador. Já na próxima década ganha um caráter mais
identificado com os movimentos sociais em efervescência no país. Na Assembleia
de 1981, foi escolhida para coordenadora nacional Maria de Lourdes Guarda, que
foi "responsável" nacional de 1981 a 1988. Lourdes Guarda, como era mais
conhecida, ficou paraplégica aos 20 anos, por erro médico, ficando 50 anos deitada
em uma maca. Vivia no Hospital Matarazzo, em São Paulo, mas isto não a impediu
de ter uma incansável militância na Frater, desde que ingressou no final dos anos
70. Viajou por todo o Brasil e alguns outros países, trabalhou com aidéticos,
encarcerados. prostituta, crianças ... Depois da gestão como "responsável"
nacional, dedicou-se ao periódico "Cartas Abertas". O período sob a liderança de
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Lourdes coincide com a preparação e a programação da comemoração do Ano
Internacional da Pessoa Deficiente, 1981.
3 3 4 1 - Um pouco sobre Maria de Lourdes Guarda
“Deixei de andar não de viver. Pois a felicidade está dentro da
gente”.(Maria de Lourdes Guarda)
Nasceu na cidade de Salto, no interior de São Paulo. Filha de Innocêncio Guarda
e de Júlia Froner Guarda. Teve dois irmãos Geraldo e Leonor. Sua irmã Leonor
tornou-se freira do Instituto das Filhas de São José do Caburlotto, assumiu o nome
de Irmã Conceição. Estudou os primeiros anos em Salto, no Grupo Estadual
Tancredo do Amaral, mais tarde foi para o internato do Colégio Patrocínio, em Itu.
Aos 18 anos retorna a Salto e vai lecionar no Colégio da Congregação das Filhas
de São José. Seu grande sonho era seguir os passos da irmã e entrar para a vida
religiosa. Para isso precisou primeiro tratar de sua saúde, pois apresentava muitas
dores na coluna.
Aos 20 anos, foi diagnosticada com lesão na coluna vertebral e recomendada a
cirurgia. Seu amigo de todas as horas, Archimedes Lammoglia51, a época estudante
de medicina, animou-a a confiar na indicação feita.
Em 12 de agosto de 1947, foi realizada a primeira cirurgia com relativo sucesso,
mas as dores não desapareceram. Precisou ser submetida a nova cirurgia, no
decorrer de cinco anos passou por seis procedimentos cirúrgicos. Devido as
complicações em decorrência destes procedimentos teve uma perna amputada na
altura do joelho e a outra totalmente paralisada, ficou impossibilitada até mesmo de
51 A intensa atividade de Maria de Lourdes dependia da colaboração de seus inúmeros amigos,
destaca-se, um que a acompanhou desde a infância e juventude. Archimedes Lammoglia era estudante de Medicina na época em que se encontrava com Maria de Lourdes na saída da escola onde lecionava, em Salto. Ele a animou a procurar o médico que a operou. E tal qual fiel “anjo da guarda”, o doutor Archimedes acompanhou-a por toda a vida e até na morte. Médico residente no Hospital Matarazzo, nunca se casou, sempre ocupou um quarto ao lado do de Maria Lourdes e a visitava diariamente. Maria de Lourdes morreu no dia 5 de maio de 1996. Archimedes faleceu no dia 8 de junho de 1996. (OLIVA; ROCHA, 2016: 40,41)
178
sentar. Lourdes passa a viver em um leito de hospital, no antigo Hospital Matarazzo,
viveu deitada por aproximadamente 50 anos.
Figura 19 – Maria de Lourdes aos 22 anos
Fonte: OLIVA; ROCHA, (2016:18)
Durante os vários tratamentos a que foi submetida na esperança de poder voltar a
andar, mantém correspondência com sua irmã Leonor. Entre 1949 a 1957 escreveu
quinze cartas e um bilhete. No início de junho escreve para comunicar que fará
nova cirurgia, provavelmente no dia 15. “Desta vez vai ser pior do que das duas
outras, vão fazer um enxerto na coluna e mexer no nervo ciático para ver se consigo
andar” (in: OLIVA; ROCHA, 2016:24). Em setembro do mesmo ano ela escreve:
Eu estou de bruços no gesso, mas graças a Deus já estou acostumada; o médico quer que eu fique até que eu possa, depois me põe de costas noutro gesso; quanto a operação na espinha, estou me sentindo bem, mas tenho bastante dor no pé e nas pernas porque o dr. Pontes abriu a perna boa para tirar o osso para enxerto na espinha; fiquei quatro horas na mesa e passei mal nos primeiros dias, mas agora continuo bastante animada, fico 40 dias neste gesso, depois vão me fazer um colete para quatro meses. Penso que com este colete irei para casa, se for possível andar; gostaria que mamãe ficasse mais sossegada, mas tudo será se Nosso Senhor permitir, pois eu estou disposta a fazer tudo o que Ele quiser. Recebi dia 29 uma benção especial do Santo Padre por intermédio do padre Geraldo52, fiquei tão, contente. Nosso Senhor me deu
a graça do sofrimento, mas não faltam consolações e esta é uma delas.( In: OLIVA; ROCHA, 2016:24)
52 Pe. Geraldo Azevedo, de Campinas/SP, era um velho amigo de sua família.
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Em seu depoimento Padre Geraldo, que foi seu companheiro de jornada por muitos
anos, na FCD em São Paulo e no Brasil descreve o quadro.
Ela teve amputada a perna direita. Depois tirou os ossos aqui dos quadris.
Então, a perna esquerda atrofiou e por isso precisava do gesso. Era uma
camada grossa de gesso, não sei se sete, oito centímetros, nas costas até o
joelho. No pescoço aqui em cima, uma canaleta, né. O gesso queimava. Ainda
tinha uma armação de madeira que ficava por cima para o lençol não ficar direto
em cima da perna. Não podia, paralisava a circulação. Sonda vaginal. Várias
infecções.... Então ela tinha muita dificuldade de tomar remédios, não gostava
porque tinha medo, tinha pavor de médico e de hospital. (Pe. Geraldo L.
Nascimento)
Em 1972, quando completa 25 anos de permanência internada, houve festa no
Hospital Matarazzo para comemorar o jubileu de prata de internação.
Maria de Lourdes Guarda, uma senhora forte, de traços delicados e um constante sorriso, há 25 anos está internada no Hospital Matarazzo, sem poder ao menos levantar da cama. Para muitos, isto poderia ser motivo de de tristeza; mas não para ela, para seus incontáveis amigos, funcionários, médicos e freiras daquela casa: todos têm-na como símbolo de amor e fé, que tem sempre um conselho otimista para dar, ao mesmo tempo em que faz trabalhos manuais para o próprio hospital.
Por isso, a administração do Hospital Matarazzo organizou, ontem à tarde, uma verdadeira festa para os 25 anos de internamento de Maria de Lourdes. Às 15 horas, na capela, foi oficiada missa em ação de graças, cantada por um grupo de freiras e com a presença de uma verdadeira multidão de amigos. “25 anos para a Glória do Senhor”, assim foi chamada essa missa, onde Maria de Lourdes fez sua profissão de fé dizendo “que a canção de Bernadete seja a minha canção de graças a Deus pelos meus 25 anos de hospital, onde nossa amizade nasceu e perdura até hoje” (JORNAL ULTIMA HORA, 1972: 5).
Os autores do livro “Um quarto com vista para o mundo”: A vida de Maria de
Lourdes Guarda”, dividem sua história em três fases. Chamam a primeira fase de
“infância”, a luta pela reabilitação física. Foi um período de esperanças frustradas,
questionamentos, resignação e aceitação de uma realidade imposta por
circunstancias alheias a sua vontade. Interpretado por ela como “vontade de Deus”.
“Foi duro para ela, muito duro. Ela sofreu bastante com isso, porque ela era uma
criatura muito assim... viva. Gostava de ter trabalho, de ir na igreja, na escola...
tudo!” (Ir. Conceição)53
53 Ir. Conceição é a Leonor, irmã de Maria de Lourdes.
180
Aos poucos foi entendendo a sua condição de deficiência física e atualizando suas
potencialidades humanas. Foi um tempo de elaboração e aprofundamento,
libertação de sonhos impossíveis.
Lourdes foi compreendendo aos poucos o sentido da mudança em sua vida e fez questão de frisar que se trata de um assumir e não de aceitar. “A gente assume a condição: não se trata de aceitar, porque todo o dia é difícil ficar na cama. Então, aceitar mesmo, não; mas é um assumir a responsabilidade de viver como posso. Eu acho que a vida ´muito importante; então, se não posso viver andando, eu vivo deitada. É lógico que eu tenho que fazer o máximo do que posso: eu quero que a minha vida seja bem vivida, deitada. Eu amo a vida ... eu acho que a vida tem muita razão de ser, por isso é preciso ser bem vivida”. (Revista Família Cristã, 1/1979: 22)
A esta segunda fase, os autores chamam de “vida oculta”, passou mais de 20 anos.
Foi uma longa hibernação, passou bordando e animando a quem se aproximava
dela.
Esse período da vida de Maria de Lourdes é extremamente rico. Sua vida está a serviço dos outros. Na imobilidade forçada, seu dinamismo vital se concentra e se potencializa. Seu quarto é um ponto de encontro, um polo de atração que reúne não só amigos, mas pessoas que buscam consolo e ajuda para suas carências. Até de um bebê, cuja mãe tinha que trabalhar e não tinha com quem deixar, Maria de Lourdes cuidou. Sua paz de espírito e sua alegria de viver se irradiam, cada vez mais, para além das quatro paredes de seu quarto. Dessa época, seus amigos guardam a imagem de um rosto sadio, olhos azuis, brilhantes, e suas palavras: “A vida é boa demais” (OLIVA; ROCHA, 1998: 30)
Figura 20 – Maria de Lourdes, Pe Geraldo e o Bebê que ela cuidava
Fonte: OLIVA; ROCHA, (2016: 36)
Segundo relatos que encontramos no livro sobre a sua vida e nos das pessoas que
a conheceram, seu quarto era um ponto de peregrinação. Por lá passavam
181
funcionários do hospital, pessoas de fora que vinham conhece-la e buscar seus
conselhos, pacientes, artistas, ativistas sociais, etc. Seu telefone não parava de
tocar. Este foi o período de sua vida em que se abriu para os outros.
Seu amigo Archimedes foi eleito vereador e se manteve por várias legislaturas. Em
certa medida foi sua voz na Câmara de Vereadores de São Paulo, lutando a favor
das pessoas sofridas e marginalizadas.
Em 1975, quando participou de um encontro de deficientes no Colégio São Luiz,
conheceu o padre Aldo Giacchi, jesuíta promotor do Movimento Esperança Cristã.
Foi convidada por ele para coordenar o Movimento no Brasil. Aceitou e coordenou
o Movimento em São Paulo, por um ano. Mas em seu entendimento a proposta de
Movimento valorizava muito e deficiência, a espiritualidade proposta dava a
impressão de que quanto maior a deficiência mais facilidade em entrar no céu. Ela
grava uma fita, envia ao padre Giacchi, no Chile, dizendo o que pensava: “devia-se
valorizar a pessoa com a deficiência, e não a deficiência da pessoa...”. (OLIVIA;
ROCHA, 2016: 40) O padre responde indicando outro movimento que poderia estar
mais de acordo com o que pensava, a Fraternidade Cristã de Doentes e Deficientes
que iniciou no Rio Grande do Sul e já estava em Pernambuco e Santa Catarina.
Em maio de 1977 ela tem o primeiro encontro com o padre Geraldo Marcos
Labarrère Nascimento, que foi colega de seminário de Vicente Masip, quem inicou
a FCD no Brasil.
Em 71 nós fomos para a teologia no Rio Grande do Sul, ele também, eu e ele.
Em 72 ele começa a Faternidade em São Leopoldo, e eu daí de novo eu me
conectava. Porque daí eu ajudava, descia o pessoal das kombis, do carro,
ajudava a levar, a trazer, essas coisas. Depois, no final de 75 eu retorno da
teologia para São Paulo. Em 76 vem a Janete Vega Lomparte, do Peru,
trabalhar comigo, quero dizer, veio para trabalhar no CLAP( Centro Latino
Americano de Parapsicologia), acabou ficando sendo minha secretária, e ela
conheceu a Lurdes, porque lá no Peru ela já conhecia o movimento da
Fraternidade. E ela então falava comigo, e insistia comigo:
- “Ah, fiquei conhecendo uma senhora lá no Hospital Matarazzo, Lurdes não
sei das quantas e... Vamos lá, você vai gostar de conhece-la.”
Eu falei:
- Ah, vou sim – mas não ia. Vou sim – mas não ia. Vou sim, vou sim, vou sim
– mas não ia não.
No mês de Maio de 77, isso demorou então um ano, mais ou menos, eu
falando que sim, que não, que sim, que não e que não ia, né... É... Eu fui ao
182
hospital com ela, depois do nosso trabalho, fui e gostei demais da Lourdes.
Aí passei a ir quase todos os dias. Depois do expediente a gente ia pra lá.
E acabou que nós começamos a Fraternidade aqui, em São Paulo. (Pe
Geraldo)
A partir daí inicia-se a terceira fase da vida de Maria de Lourdes Guarda, a que os
autores chamam de “vida pública”.
“Vida pública”, totalmente pública, entregue, de quem não podia dar um passo
sequer, não alcançar sozinha, um único copo que estivesse na mesa ao lado. Nela se manifestou, cabal e literalmente, a grande força de Deus que se revela na sua fraqueza humana (2Cor 12.9-10) Teve certeza, absoluta, do enorme amor que Jesus tinha para ela. (Pe. Geraldo In: OLIVA; ROCHA, 2016: 14)
Figura 21 – Lourdes Guarda em manifestação na Av. Paulista
Fonte: OLIVA;ROCHA, (2016: 34)
A FCD, pra ela, foi a vida dela! Porque, você deve saber que quando ela foi
para a FCD ela não via obstáculo, não via coisa nenhuma. Ela viajava, ela ia
pra lá, mesmo daquele jeito... era avião, era ônibus, era coisa e tal não tinha
183
problema nenhum. Então, ela trabalhava muito nisso. A FCD foi a vida dela,
mesmo. (Ir. Conceição)
A partir do encontro com o padre Geraldo, em maio de 1977, inicia as andanças
dos dois espalhando os principios e valores da FCD, primeiramente na cidade de
São Paulo. Com isto foram surgindo os primeiros grupos: no Jaçanã, na Vila Carrão,
no Centro ... Não demorou muito e para chegar ao interior: Campinas, Limeira,
Americana, Santa Barbara d’Oeste, Ourinhos, Andradina, Valinhos, Marília,
Jundiaí,Ubatuba, Lins.
Figura 22 - Maria de Lourdes na kombi que foi adaptada para sua melhor locomoção.
Fonte: Acervo digital do Memorial da Inclusão.
... nós ganhamos uma Kombi num sorteio na Paróquia São Luís, que é na final da Paulista, lá que é dos jesuítas. Nós ganhamos... A Lurdes ganhou umas cartelas de bingo. Fomos à festa, ela distribuiu as cartelas e ficou sem.
E a que eu fiquei, foi marcando tudo. Acabou que nós tiramos um carro. Estavam sorteando um carro, e saiu o carro, mas saiu com outra senhora também. Então, nós vendemos o nosso carro lá no meio do palco mesmo, e com dinheiro de metade do carro nós compramos uma Kombi antiga do Anchietano que é onde eu morava. Estavam querendo trocar a Kombi, então...
- Troca com a gente... - e tal.
De posse dessa Kombi, nós começamos com liberdade. Porque antes nós dependíamos de Kombis emprestadas. De amigos, conhecidos da Lurdes.
184
- Pode emprestar? - “Ah, nessa semana pode. Nessa semana não pode.” – A gente ficava nessa dependência.
Ganhamos. E aí pronto, espalhamos o movimento pela cidade. Primeiro São Paulo, depois estado de São Paulo, várias cidades, e... E assim foi esse comecinho aí, né. (...) chegou no fim do ano, e o negócio já tinha crescido de tal modo, tinha espalhado pelo interior todo, pela cidade toda, já tinha encontros grandiosos, é... (Pe Geraldo)
Ainda em dezembro de 1977, acontece o primeiro encontro de pessoas com
deficiencia organizado com inspiração no espirito da FCD. Foi um marco na
caminhada da Fraternidade Cristã de Pessoas com Deficiencia. Dia 7 de dezembro
de 1977 é considerado o dia da fundação da FCD em São Paulo.
Este encontro reuniu pessoas com deficiência de diferentes níveis sociais. Maria
de Lourdes conseguiu que o juiz corregedor, Renato Laercio Talli, permitisse que
detentos deficintes fisicos participassem do evento. Pe Geraldo relata um fato
corrido que envolve um dos detentos e outro participante paraplégico.
Nós conseguimos entrar no presidio do Carandiru. Tínhamos conseguido
uma... uma licença do juiz corregedor e entramos no Carandiru. E conseguimos
uma licença desse juiz, para os presos cadeirantes e deficientes, participarem
do nosso encontro. E são esses aí de roupa branca, de traje branco.
Figura 22 – Encontro da FCD com a presença de cadeirantes do Carandiru
Fonte: OLIVA; ROCHA, (2016: 51)
185
E, lá do meio da... do encontro, um dos presos fala assim:
- “Quem que é esse senhor que tá ali nessa outra cadeira de rodas?”
Era o doutor Adalberto, era um desembargador que não era deficiente, depois
por uma doença ficou deficiente e o preso também não era deficiente, depois,
por um tiro, ficou cadeirante e ele já tinha roubado a casa do doutor Adalberto.
Olha... Quer dizer... As coisas bem malucas, né¿ Uai, nós vamos então
apresentar você pra ele agora que vocês dois... agora que vocês já se
conhecem ... (risos) são colegas.
Pois então, vamos lá... e ficaram amigos e tudo. Quer dizer, então, aconteceu
muitas coisas assim, né. (Pe Geraldo)
3 3 4 2 - IV Assembleia Nacional
Realizou-se em São Bernardo Campo, nos dias 18 a 25 de janeiro, na Casa de
Retiros São José a IV Assembleia Nacional da Fraternidade Cristã de Doentes e
Deficientes (como era denominada na época a FCD). Participaram representantes
dos Estados de: Santa Catarina, Rio Grande do Sul, São Paulo, Pernambuco,
Paraíba, Mato Grosso, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Além da representação na
nacional: Messias Tavares de Souza – Responsável Nacional e Vicente Masip –
Conselheiro Nacional estiveram presentes também Itamar Jaines – Responsável
da América Latina e mais organizadores e colaboradores.
Foram tratados assuntos relevantes para a caminhada do Movimento no Brasil e
temas que estavam em efervescência no momento, como:
1)Realidade Atual da FCD no Brasil.
2) Regimento da Fraternidade Cristã de Doente e Deficiente no Brasil.
3) Conferência sobre PUEBLA - Tema: Como situar os 7 pontos Fundamentais da FCD nas Conclusões de Puebla. 4) 19 Encontro Nacional das Pessoas Deficientes em Brasília nos dias 22 a 25
de outubro de 1980
5)Ano Internacional das Pessoas Deficientes - 1981.
6)Estrutura Internacional da FCD e Comitê na Bélgica.
7)Eleição da nova Equipe Nacional.
8)Semana do Enfermo e Cartas Abertas. (JAINES; SCHUCK, 1982:135)
A partir da discussão dos temas foram tomadas algumas decisões que pautaram a
atuação da FCD nos anos que se seguiram. Em termos de organização do
Movimento no Brasil foi aprovado o regimento interno para servir de orientação aos
186
núcleos espalhados pelo país. Existiam 153 núcleos formados e em alguns Estados
estavam em formação, como: Rio de Janeiro, Paraíba, Mato Grosso, Rio Grande
do Norte, Fortaleza e Sergipe.
Foram também introduzidas algumas alterações em termos de coordenação, o
Responsável passa a chamar-se Coordenador. As Equipes de Coordenação ficam
constituídas: Coordenador, Vice coordenador e Conselheiro, eleitos nas
respectivas assembleias. Mais 3 (três) pessoas escolhidas por estes. A composição
das Equipes deve ser de 2/3 (dois terços) de pessoas com deficiência, sendo o
Coordenador e o Vice coordenador sempre deficientes. Ainda foi criado um Comitê
Nacional para facilitar o entrosamento da Fraternidade brasileira, tendo em vista a
extensão territorial. Este comitê fica constituído pela Equipe Nacional e por todos
os Coordenadores e Conselheiros regionais e reúne-se anualmente.
Outra decisão importante foi suprir do nome do Movimento a palavra Físicos, que
até então era usada, passando a chamar-se Fraternidade Cristã de Doentes e
Deficientes (FCD), isto para demonstrar sua abertura para todas as pessoas com
deficiência.
O evento foi um marco importante na caminhada da FCD, teve além destas
decisões, duas outras que impulsionaram a Fraternidade para um maior
envolvimento social. Primeira, porque se deu no início do Ano Internacional da
Pessoa Deficiente e foi criada a comissão interna para elaborar, colher dados,
informações e sugestões sobre este importante evento mundial. A segunda, pela
eleição da nova Coordenação Nacional. Foi eleita para Coordenadora Nacional,
Maria de Lourdes Guarda, para vice coordenadora Célia Camargo Leão
(cadeirante) e o Pe Geraldo M.L Nascimento Conselheiro Nacional, por um período
de dois anos.
A partir daí inicia-se as andanças pelo país na implantação de novos núcleos e
consolidação dos já existentes. Segundo padre Geraldo, ajudaram a iniciar mais de
250 grupos, por todo país. Além das muitas atividades que envolviam outros grupos
sociais de pessoas com deficiência ou não que se organizavam e lutavam por seus
direitos e melhores condições de vida.
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Figura 23 – Equipes Nacional (Biênio 1979-1980 e Biênio 1981-1982)
Fonte: JAINES; SCHUCK, (1982:135)
Começamos a viajar pelo Brasil. a Lourdes ocupava nove assentos do avião, por causa da maca. Deitávamos o encosto de nove cadeiras e a cama, já sem pés, era colocada sobre seis próximas das janelas. As outras três eram levantadas para sua posição normal e aí, sentávamos nós, Célia, Mauricio Silva e eu. (Pe Geraldo, In: SÃO PAULO (Estado), 2011: 210)
Os mais de 30 anos de hospitalização de Lourdes Guarda, foram marcados pela
rede de relacionamentos que ela estabeleceu com pessoas dos mais diversos
seguimentos da sociedade. Pelo fortalecimento espiritual e social que ela
proporcionava a elas. Estas viagens só foram possíveis porque o presidente da
companhia aérea Transbrasil foi uma das pessoas impactadas pelo seu trabalho.
“Por isso, a cada um, dois ou três meses, durante quatro anos do nosso mandato nacional, passou a nos dar as passagens para irmos a qualquer lugar do Brasil realizar os trabalhos da Fraternidade: encontros, reuniões, congressos, assembleias…” (Pe Geraldo, In: SÃO PAULO (Estado), 2011: 210)
Viajou pelo Brasil todo e por países da América Latina, visitou e fez contatos em
presídios, asilos, colônias de hansenianos, com prostitutas e outros.
188
Não havia limites para a Lourdes. Isso impressionava muito. Enquanto todos nós reclamávamos por qualquer coisa, ela chegava a ter queimaduras, nas costas, por causa do gesso e do calor do Mato Grosso. Tinha bolhas nas costas, o gesso queimava. Como se fosse um bronzeado do sol. Mesmo assim, ela não abria a boca pra lamuriar. (Pe Geraldo, In: SÃO PAULO (Estado), 2011: 211)
Não se escondeu atrás de nenhuma de suas enormes dificuldades, ajudou a tornar este mundo um lugar melhor. (Pe Geraldo, SÃO PAULO (Estado), 2011: 212)
Em 1983 acontece a V Assembleia Nacional, Maria de Lourdes foi reeleita. É
apresentada a proposta de aumentar o mandato da Coordenação Nacional devido
a complexidade territorial do Brasil e também adequação com a Coordenação
Continental, ficou para ser discutida. Nesta Assembleia também, foi manifestada a
necessidade de ter um documento que expressasse o espirito do movimento.
Lourdes pediu a Francisco Cerignoni que assessorasse neste processo.
Na Assembleia que aconteceu em 1985, em Belo Horizonte foi formada uma equipe
juntamente com o Frei Carlos Mesters, para redação final. Em 1988, na Assembleia
de Cuiabá foi aprovado o que se chamou de Documento Base. Na Na XIII
Assembleia em 2006, em Jundiaí foi feita a revisão e após a publicação de um
livreto, com o documento e na contracapa o organograma de como a FCD se
organiza. Nas palavras de Francisco Cerignoni :
É um documento em que colocamos o espírito da -Fraternidade. Foi a principal
contribuição da gestão Lourdes para a Fraternidade Mundial. Esse documento
não só passou para o papel nosso espírito de Fraternidade, mas começou a
ser um exemplo para todas as outras Fraternidades do mundo, que estavam
perdendo o espírito. Há 50 anos estamos no mundo. Então havia muitas
Fraternidades desgastadas, que estavam vivendo só a fraternidade dentro
delas mesmas, sem perspectivas mais amplas, sem ação construtiva.
Principalmente na Europa.
E esse documento balançou a Fraternidade no mundo. Traduzido para o francês e o espanhol, foi a principal contribuição da gestão Lourdes. O documento foi elaborado segundo o método do ver--julqar-agir. Primeiramente, ver a realidade da vida das pessoas com deficiência. Quem somos, os problemas que temos, nossas esperanças, necessidades, facilidades, a vida nossa de cada um. Ver a realidade, o tipo de deficiência. A missão da Fraternidade vem depois. A realidade constatada é julgada à luz do Evangelho, da Bíblia. O julgar é baseado na missão do servo sofredor, de Isaías. Aí então vem o agir: a missão da Fraternidade, o engajamento na Igreja, na sociedade, a missão evangélica de propagar a Boa Nova. E a Boa Nova, para nós, é que a vida supera qualquer obstáculo. Essa é a Boa Nova que a Fraternidade tem vivido. Lourdes falava muito isso. A vida supera tudo. O que
189
importa é a vida, e não a deficiência. O que importa é a pessoa. (OLIVA; ROCHA, 2016:78)
Figura 24 - Organograma da FCD
Fonte: Contracapa do livreto “Documento Base”.
Após o cumprimento de seus mandatos, Lourdes Guarda, dedicou-se a edição do
periódico “Cartas Abertas” até o final de sua vida, seu quarto se tornou a sede
editorial deste periódico.
Também lutou até o fim pela reabertura do Hospital Matarazzo e participou da luta
pela garantia dos direitos trabalhista dos funcionários do hospital. Lourdes faleceu
em 5 de maio de 1996, sem ver o final das negociações.
Eles faziam muitas reuniões com ela no hospital, onde estava fechado, porque eles não tinham recebido todas as suas indenizações. Conta-se que depois, naquele ano que ela faleceu, 96, em novembro, no dia do aniversário dela, diz que receberam tudo, tudo aquilo que deviam, né. Então, eles diziam: “Ah, é milagre da Lourdes.” (Ir. Conceição)
190
A vida Maria de Lourdes Guarda é rica no aspecto pessoal, suas lutas e disposição
para vida, assim como, sua abertura para o próximo que se deu através das
relações pessoais como no envolvimento e abertura para o mundo como diz o título
da obra que procura descrever sua vida. Certamente este trabalho deixa de
apresentar muitos aspectos importantes, mas objetivo do mesmo não é um estudo
sobre ela. O que não deixa de ser desafiador, quem sabe um novo locus de
pesquisa. Para encerrar este período da história da FCD reproduzo aqui as
palavras do padre Geraldo
A Fraternidade Cristã de Doentes e Deficientes foi sua casa, sua bandeira, a quem ela deu a vida. Por dezenove anos ela não mediu esforços, suor ou lágrimas. O Brasil foi seu palco.Do extremo do Pará aos confins do Rio Grande do Sul; dos fundos do Mato Grossoà mais avançada praia, bico último da Paraíba. Experimentou dfe tudo, menos o pecado (Heb 4,15), pois jamais deixou de servir a quem quer que seja. Banhou-se nas águas do mais límpido rio da Chapada dos Guimarães (MT); atravessou, de ponta a ponta, o Pantanal matogrossense. Frequentou a praia no interior paraibano, com direito a fotos e tudo mais. Passou frio e medo, sem gasolina, nas madrugadas do mais ermo sertão deste país. Crutiu horas de solidão, no quarto, noite adentro, esquecida em cima da “comadre”, enquanto a acompanhante dormia numa “breve” visita à capela. De penitenciárias a colônias de hansenianos; de favelas a acampamentos de sem-terra; de campos de futebol para ver seu time favorito (São Paulo) a cinemas e sorveterias; de shows do Roberto Carlos a pesseatas de protesto nas avenidas mais movimentadas de San Jose da Costa Rica, na América Central; de celebrações diminutas, nas casas de um abandonado portador de deficiência física, a concentrações de Corpus Christi, monumentais, de 100 mil pessoas, 400 padres, 12 bispos e o cadeal, na Praça da Sé (SP). Ela foi a tudo. Visitou, deu força, apoiou o que pode, sem limites. (Pe Geraldo. In: OLIVA;ROCHA, 1998:12,13)
A segunda década de atuação da FCD no Brasil foi marcada pela forte atuação na
vida pública e no envolvimento em movimentos sociais e especialmente nos que
envolvia a luta pela garantia de direitos das pessoas com deficiência. Maria de
Lourdes incentiva seus participantes a engajarem-se nos espaços políticos que
poderiam garantir estes direitos. Os autores OLIVA e ROCHA apresentam vários
relatos que demonstram isto.
Por meio de Archimedes, que foi deputado estadual durante oito legislaturas, Maria de Lourdes entrou em contato com muito políticos e pessoas com cargos no governo, aos quais recorria para resolver os casos desesperados que lhe batiam à porta. (OLIVA; ROCHA, 1998, 33)
Depois de falar de seu comprometimento com todos os marginalizados em geral, posseiros, sem-terra, favelados, negros, índios, Lourdes confia à repórter Tânia Regina Pinto que está prestes a realizar mais um sonho: a casa dos
191
deficientes, para que tenham onde ficar quando vierem a São Paulo, para tratamento. (OLIVA; ROCHA, 1998, 46)
É preciso valorizar o pequeno, valorizar as coisas simples, valorizar o pobre, o deficiente, o favelado, o sem-terra... E começamos a nos engajar nessas lutas todas. Nas lutas dos sem-terra, nas lutas dos favelados, nas lutas políticas. O Celso foi, até 1996, vice-presidente da Câmara Municipal de Americana. Era vereador. Eu fui secretário do Bem-Estar Social da Prefeitura de Piracicaba. Fui delegado estadual do IBDF (atual Ibama), aqui no Estado de São Paulo, sou secretário de um partido político, o Partido Popular Socialista. O Celso é do PT, estamos engajados na luta política também ... E Lourdes incentivava sempre muito isso. Dizia que era nosso compromisso participar de todas as lutas, estar presente e expressar nosso pensamento onde fosse possível... (Francisco Nuncio Cerignoni in: OLIVA; ROCHA, 1998, 64)
Isto ela nos passou de maneira bastante clara e bastante forte: a necessidade de estarmos comprometidos com a vida da comunidade, da sociedade.
Em 1982, ano eleitoral, foi estimulada nos núcleos, em todo o país, a discussão sobre o tema fé e política, para reverter aquela ideia de que política é coisa suja e incentivar o portador de deficiência a participar também da política.
Outra ideia que Lourdes repetia e me marcou muito foi de que, se os portadores de deficiência constituem 10% da população, no mínimo poderíamos reverter essa sociedade que a gente considera injusta e transformá-la em mais fraterna com a nossa participação.
Começou esse envolvimento na política, com participação nos diversos partidos. Em 1992 fui eleito vereador. (Celso Zoppi in: OLIVA; ROCHA, 1998, 66-67)
Este incentivo resultou em uma participação ativa da FCD na elaboração da
Constituição de 1988, nos Movimento Nacional das Pessoas com Deficiência que
resultou em leis que garantem direitos destas pessoas.
Em 1992, ainda sob sua Coordenação, houve em São Leopoldo/RS, no Ginásio
Municipal um grande evento em comemoração aos 20 anos da Fraternidade no
Brasil. Foi um dia festivo iniciando com uma celebração ecumênica, onde foi
amassado um grande pão. Ao longo do dia houve momentos de discussão sobre
temas pertinentes à Fraternidade, apresentação das delegações, muitas
apresentações artísticas e momentos de formação, com mesas de discussão sobre
direitos das pessoas com deficiência.
192
Figura 25 – Momento de Formação
Mesa que discutiu questões da deficiência e da FCD, com a participação do Presidente da FADERS- Humberto Lippo, pastor Ricardo Wangen, Frei Nelson e umas representantes da coordenação estadual, nacional e continental da FCD.
Foto: Vera Luci M.P.da Silva
No final da manhã os participantes do evento, que reuniu por volta de mil pessoas,
deslocaram-se em caminhada até a praça da Matriz, onde foi distribuída uma carta
aberta à população.
Figura 26 - Caminhada em direção à Praça da Matriz
Foto: Vera Luci M.P.da Silva
193
A celebração ecumênica, com a participação do Rev. Renato da Cruz Raatz, pela
Igreja Episcopal Anglicana do Brasil; do Pastor Ricardo Wangen, pelo; Igreja
Evangélica de Confissão Luterana no Brasil; do Frei Nelson Junges, pela Igreja
Católica e da Revª Vera Luci Machado Prates da Silva, pela Igreja Metodista,
quando foi partilhado o pão, que havia sido amassado pela manhã e assado na
casa das irmãs religiosas da comunidade local, encerrou o evento. Participaram
fraternistas de todo o Brasil e de países da América Latina. Maria de Lourdes era
esperada com entusiasmo pela equipe coordenadora, mas não foi possível sua
presença devido a complicações em sua saúde.
Figura 27 - Celebração Ecumênica de Encerramento
Consagração e partilha do pão amassado na Celebração de Abertura. Celebrantes da esquerda para direita: Rev. Renato, Revª Vera Luci; Pastor Ricardo e Frei Nelson.
Foto: Luiz Eduardo P. da Silva
3 3 5 - Pós Maria de Lourdes Guarda
Após 1992 não houve períodos mais longos de uma mesma coordenação, os
grupos já estavam bem mais estruturados espalhados pelas diversas regiões do
país ensejando maior alternância entre as regiões, na Coordenação Nacional. No
decorrer dos anos 90, a FCD continuou seu trabalho de visitação e busca de
194
pessoas com deficiência em seu isolamento, sempre com uma ativa preocupação
com a formação dos fraternistas tanto no que diz respeito às questões relacionadas
às pessoas com deficiência, quanto à questões que envolvem a sociedade. Neste
período acompanhei mais de perto a FCD/RS e pude perceber a presença de seus
membros e cursos de formação de educação popular, pastoral popular e formação
política. Nos encontros do próprio movimento, havia quase como regra, espaço
para análise da conjuntura nacional.
Eleita em 97, em Florianópolis, a primeira equipe ampliada realizou, prioritariamente, 1) expedição de circular motivando o aprofundamento das diretrizes de formação, procurando um maior conhecimento e adequada aplicação; não recebeu retorno. 2) O envio de cópias do capítulo 5 do documento base, buscando colher contribuições das Estaduais que aperfeiçoem, culminando com o Comitê Nacional. Consultou-se advogados e contadores quanto ao registro civil da Equipe Nacional. Eles indicam a formação de uma federação como melhor caminho, pois assim manterá uma independência jurídica, inclusive das Estaduais que ainda não têm registro. Por falta desse registro, a Nacional não participou dos Conselhos de Saúde, Assistência Social e CORDE. Mesmo assim; a FCD Nacional não deixou de participar de encontros locais, como da Comissão Civil de Acessibilidade, Grito dos Excluídos e campanhas da fraternidade da CNBB. Além de estudos bíblicos, comemorou 25 anos da Frater no Brasil; realizou, em Salvador, assembleia extraordinária e encontro do Comitê Nacional, onde concluíram alterações do documento base e redefiniu Cartas Abertas; realizou o I Encontro Nacional de Conselheiros, em 99. (CARTAS ABERTAS, 2009, nº 93: 17)
O envolvimento com as questões das pessoas com deficiência se deu em
diferentes frentes, teve efetiva participação nos Conselhos de Direitos das pessoas
com deficiência, sua implantação e consolidação tanto em nível municipal, quanto
estadual e nacional.
A XI Assembleia aconteceu em Fortaleza no Ceará, na segunda semana de março
de 2000. Estiveram presentes fraternistas dos estados de Pernambuco, Paraíba,
Rio de Janeiro, Sergipe, Piauí, Espírito Santo, Minas Gerais, Mato Grosso, Rio
Grande do Sul; equipes nacional e latino-americana e intercontinental. Na ocasião
foi eleita a nova Coordenação Nacional, que ficou assim constituída: Coordenadora
Nacional – Zenira Rebouças Ferreira (Bahia); Conselheiro - José Ilson Moreira
Gonçalves (São Paulo); Conselheira Adjunta – Cleusa Gonsalves Seixas (Bahia).
Representantes Adjuntos: Interestadual Sudeste – Maria Auxiliadora Massoli de
Campos (Mato Grosso); Interestadual Sul – Salete Millan (Rio Grande do Sul);
195
Interestadual Nordeste – Maria José Mendes (Pernambuco). A pesquisadora
esteve participando nesta assembleia com toda família. Juntamente com o Pastor
Luiz Eduardo, meu marido, foram assessores, trabalhando os desafios da FCD para
o terceiro milênio tem vista a Pedagogia de Jesus e a sua atuação com as pessoas
com deficiência.
Figura 28 - XI Assembleia, Fortaleza/CE – reunião de grupo
Foto: Vera Luci M.P.da Silva
As XII e XII Assembleias aconteceram, respectivamente, no Rio de Janeiro, em
2003 e Jundiaí/SP, em 2006. Na do Rio de Janeiro foi eleita para Coordenadora
Nacional, Salete Inês Milan do Rio Grande do Sul, a época Coordenadora Inter Sul.
Para Conselheira Nacional foi eleita a Ir. Ângela Smiderle, também do Rio Grande
do Sul. Elas cumpriram o mandato e foram reeleitas em Jundiaí. Salete hoje é
Coordenadora Continental, já no segundo mandato, foi reeleita na Assembleia de
Honduras, em fevereiro de 2017. Atualmente, mora em Chapecó/SC.
196
XIV Assembléia Nacional aconteceu entre os dias 17 a 23 de maio de 2009 em
Carpina/PE, com a participação de 70 pessoas entre delegações de Estados e
convidados. Contou com a presença de Vicente Masip, quem trouxe a FCD para
Brasil. Masip falou sobre a implantação da Frater aqui e respondeu a perguntas dos
participantes. Outras assessorias ajudaram na discussão do tema assembleia
“Convenção da ONU e os desafios e possibilidades da FCD no contexto atual” e do
lema: “Conheça e faça conhecer”. Assessoram nestas discussões o Frei Nelson e
Chico (Francisco Cerignoni).
Foi eleita a nova Equipe de Coordenação Nacional que ficou assim constituída:
Coordenadora Nacional Rosane Gil Valente (RJ); Conselheiro Almiro Dantas
(Pretinho) (RJ); Conselheiro Adjunto Estevão dos Santos Filho (RJ);
Coordenadores Adjuntos e representantes de suas Interestaduais foram eleitos:
Inter Sul – Domingos João Montagna (SC); Inter Sudeste/Centro Oeste – Carlos
Alberto Moraes da Silva (SP); e Inter Norte/Nordeste Raimundo Monteiro (Dedinho)
(CE), este reeleito para mais um mandato.
A nova coordenação continua a participar do movimento de pessoas com
deficiência. Em agosto de 2009, a FCD Brasil, foi representada pela coordenadora
Rosane, conselheiro Estevão e com a colaboração de Cenira, FCD/RJ, no
Encontro com Organizações Nacionais, representantes do movimento de pessoas
com deficiência, para aprofundar o debate sobre habilitação e reabilitação e a
promoção de sua inclusão na vida comunitária. O evento aconteceu em Brasília e
foi promovido pelo Conselho Nacional de Assistência Social, ao qual a FCD Brasil
está inscrita. CARTAS ABERTAS registra este evento em seu nº 125, ano 2011.
A coordenadora Rosane com a colaboração de Cenira, FCD/RJ, no dia 11 de
agosto, participaram a representando a FCD Brasil, na reunião com entidades da
sociedade civil, que tratam do tema pessoa com deficiência, promovido pela
Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, da
Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Nesta reunião esteve
presente a Ministra Maria do Rosário Nunes – Secretaria Nacional de Promoção e
Defesa dos Direitos Humanos.
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O “Plano Nacional de Ação para Pessoa com Deficiência”, denominado “VIVER
SEM LIMITES”, que foi lançado pela presidente Dilma Rousseff, em solenidade no
Palácio do Planalto em Brasília, na manhã do dia 17 de novembro de 2009. A
FCD/BR esteve representada pela coordenadora Rosane Gil Valente e pelos
Coordenadores adjuntos, Domingos J. Montagna e Raimundo J. R. Monteiro –
Dedinho, que. representam a FCD no CONADE.
O plano aborda quatro eixos, sendo eles: “Educação, Saúde, Inclusão e
Acessibilidade”. As ações previstas, para o “Viver Sem Limites”, serão executadas
em conjunto, por 15 órgãos do governo federal, sob a coordenação da Secretaria
de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR). Foram estabelecidas
metas para serem alcançadas até 2014, com previsão orçamentária de R$ 7,6
bilhões.
A XV Assembleia aconteceu em São Leopoldo/RS, de 29 de abril a 05 de maio de
2012. Nesta ocasião foi eleito para coordenação nacional Raimundo J. R. Monteiro
(Dedino), do Ceará. Sua gestão foi marcada pela realização de Seminários em
diferentes regiões do país, em parcerias com entidades de pessoas com deficiência
e a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
A XVI Assembleia foi realizada na Paraíba, na primeira semana de novembro de
2015. Onde foi eleita a seguinte Equipe Nacional: Coordenador Nacional ou
presidente da Federação Nacional das Fraternidades Cristãs de Pessoas Com
Deficiência no Brasil – Giovani Silveira Rodrigues (Rio Grande do Sul);
Coordenador adjunto da Area Norte Nordeste – Paulo Fernando da Silva;
Coordenadora adjunta Area Sul – Carmen Sibila Fittareli; Area Sudeste/Centro
Oeste – Amélia Galan; Conselheiro Nacional – Pe Geraldo Labarrère Nascimento
e Conselheiro Adjunto – Gerson Lordelo.
Neste período atual, os temas que tem sido recorrentes nas discussões são:
Motivação e encantamento pela Frater, Desafios para o tempo presente e as
Reformas do Governo Temer – Reforma Trabalhista e Reforma Previdenciária. Isto
se reflete nas assembleias estaduais.
198
A Assembleia do Rio Grande do Sul, de 31 de março a 2 de abril de 2017, teve
como tema “Resgatando a verdadeira missão da FCD”. Estivemos presente como
assessora, trabalhando o tema “Encantamento”, o que me encanta na Fraternidade.
Figura 29 – Assembleia da FCD do Rio Grande do Sul
Assessoria à Assembleia no Rio Grande do Sul, trabalhando sobre Motivação e Encantamento
Foto: Vera Luci M. P. da Silva
“A Essência da Fraternidade e a Realidade Atual” foi o desenvolvido pelo assessor
Marcos Arroyo, na XVII Assembleia Estadual da FCD/SP, realizada de 24 a 26 de
março de 2017, Perus/SP. Arroyo ressaltou a importância da FCD desde o seu
surgimento no contexto das duas grandes guerras, salientando a importância da
visitação desafiando o grupo a assumir ou reassumir o papel protagônico na
sociedade.
Aconteceu no primeiro semestre de 2017, o encontro das áreas Sudeste e Centro
Oeste, com a presença de representantes dos estados de: São Paulo, Mato
Grosso, Espirito Santo e Rio de Janeiro. Como parte da programação aconteceu,
em uma das tardes, um seminário aberto sobre as reformas do governo Temer:
Reforma Trabalhistas, em especial, a Reforma Previdenciária e suas implicações
199
para as pessoas com deficiência. O tema foi abordado pelo vereador Toninho, de
Perus/SP e pela assessora parlamentar Michele. Michele atua na FCD há muitos
anos. Após a exposição do arcabouço legal desta reforma, pelo ver. Tonhinho, e as
implicações para as pessoas com deficiência, pela Michele, houve amplo debate e
foram feitos alguns encaminhamentos, como: elaboração de um documento se
pronunciando sobre o assunto; procurar outras entidades de pessoas com
deficiência ou não para endossar o documento; enviar o documento a todos os
deputados; acrescentar ao documento a questão da terceirização; adaptar o
material disponibilizado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro para ser utilizado
nos núcleos em cada Estado. Juntamente com os participantes do encontro
estiveram presentes fraternistas de vários núcleos da cidade de São Paulo e da
Grande São Paulo, atuantes nos Conselhos Municipais dos Direitos das Pessoas
com deficiência e um representante do Conselho Estadual.
À noite os representes dos Estados reuniram-se com os representantes da Equipe
Nacional: Coordenador Nacional – Giovani; Coordenadora da Área
Sedeste/Centro-Oeste – Amélia e Conselheiro Nacional – Pe Geraldo. Com a
presença ainda, do Frei Nelson Junges – Coordenador Nacional.
Na ocasião, Frei Nelson, Pe Geraldo e Giovani fizeram um breve relato sobre a
Assembleia Continental que aconteceu em Honduras, no início do ano. Frei Nelson
falou ainda, de suas andanças no continente latino-americano, especialmente, na
América Central onde esteve visitando, por vários dias, os núcleos espalhados pela
região. Giovani compartilhou com o grupo algumas informações sobre a
FCD/Brasil. Após estes relatos, os representantes dos estados trouxeram
informações sobre seus grupos e como está sendo a experiência da FCD no
Sudeste e no Centro-Oeste.
De maneira geral, percebe-se que a Fraternidade está ativa nestas duas regiões
do Brasil. É recorrente na fala dos participantes a dificuldade de engajamento das
pessoas na liderança dos grupos locais e a falta de recursos financeiros para
realização do trabalho. As pessoas que participam e que já tem história no
movimento mantém o encantamento, no entanto há dificuldades de renovação de
quadros.
200
Figura 30 - Encontro das Áreas Sudeste e Centro – Oeste.
Reunião à noite. Troca de informações sobre as áreas e relato sobre a Assembleia Continental em Honduras: Frei Nelson – Conselheiro Continental; Pe Geraldo –
Conselheiro Nacional e Giovani – Coordenador nacional. Foto: Vera Luci M. P. da Silva
Estes apontamentos refletem alguns aspectos da trajetória da FCD, da França até
o Brasil de nossos dias. Certamente estes são apenas alguns pontos de uma
profícua caminhada que deixou pegadas por onde passou. Por ser um movimento
que apresenta múltiplas facetas e está sedimentado em diferentes culturas
brasileiras, torna-se difícil dar uma ideia global do que é e como acontece em cada
parte do quase continente brasileiro e de seu atuar no mundo.
No entanto, entende-se que as marcas deixadas nesta caminhada são significativas
para as pessoas que se envolveram com ela diretamente ou não. Também
sinalizam sua participação nas lutas das pessoas com deficiência, pela garantia de
seus direitos e de sua dignidade. Este olhar sobre a FCD possibilita-nos perceber
alguns aspectos que passarão a ser considerados como: a importância da FCD
para as pessoas; o envolvimento da FCD nos movimentos sociais e, em especial,
os de pessoas com deficiência.
201
CAPÍTULO IV
O QUE VI:
A Importância da FCD
Tendo feito um breve passeio sobre a história da FCD, principalmente, no Brasil,
pode-se perceber que a Frater tem um papel importante na história de vida das
pessoas que se aproximam dela, como das que são buscadas pelos fraternistas.
Os depoimentos confirmam a maneira discriminatória como são tratadas as
pessoas com deficiência. Muitas são as formas de discriminação, mas algumas
palavras marcam duas posturas que afastam-nas de sua possibilidade de
participação plena no meio social: a invisibilidade e o coitadismo. “E, ninguém
enxerga, ninguém vê, precisamos participar mais, nós queremos participar...”
(Francisco Cerignoni) “Me lembro de muitas visitas em que e a pessoa dizia: “Mas
vieram por minha causa?” – E a gente: Viemos por tua causa. “Mas ninguém me
visita. Ninguém me conhece. Ninguém sabe. E vocês vieram por minha causa.”” (Ir.
Ângela).
Ninguém falava de deficiente, ninguém convidava os deficientes, ninguém valorizava... Então o fato de a gente ir por causa da pessoa com deficiência, isso fez com que, familiares e amigos, né, criassem interesse e quisessem ajudar nesse processo. E como não havia associação de deficiente nenhuma, né? tudo isso veio depois, mais tarde, é... a gente via que, nos locais, mesmo no interior, onde a gente chegasse e alguém tivesse vontade de levar o trabalho pra frente, podia-se confiar que eles achavam um jeito de fazer. A criatividade era grande, e não precisava criar muita coisa, porque não tinha nada, não é. Qualquer coisa que fizesse era bom. Agora, a... a mudança que dava na pessoa com deficiência, isso era uma coisa impressionante. (Frei Nelson)
Quer dizer, começaram aí... essa... recuperação da autoestima, e... a gente viu
muita gente por esse Rio Grande, por esse Brasil a fora, pessoas que estavam
escondidas em casa e que de repente por uma amizade, que começou com
visitas, elas começaram a sair, começaram a participar, se tronaram líderes e
partiram pra vida. De fato, fizeram o que diz o lema: Levanta-te e anda! (Ir.
Ângela)
É uma situação recorrente no país. Ir. Ângela certamente fala a partir do Rio
Grande do Sul, onde foi seu principal campo de atuação, embora tenha sido por
202
dois mandatos, Conselheira Nacional. Francisco fala da situação em Piracicaba,
sua cidade e onde inicia sua militância na FCD. Pe.Geraldo faz um relato que
atesta esta mesma atitude em outra região brasileira.
Em Mato Grosso, por exemplo, combinamos um encontro em Alta Floresta, no
interior do Estado. Por isso, em Cuiabá, Plinio e amigos conseguiram uma
avioneta, um teco-teco. Mas como entrar naquele aviãozinho nós quatro:
Lourdes, Célia, Maurício e eu? Desmontamos a maca e a Lourdes foi,
praticamente, com a cabeça no colo do piloto e, nós outros três, mais a cadeira,
os pés da maca e as malas, atulhados no fundo.
Figura 31 – Teco-teco usado para viagem de M. Lourdes à Cuiabá
Fonte: OLIVA; ROCHA, (2016: 56)
E o sufoco não acabou aí. Quando chegamos à cidade, o padre, com quem
havíamos combinado, disse: “Vocês me desculpem, não vamos ter o encontro
porque, aqui, não tem deficientes, a cidade é pequena”. Falei: “Meu Deus,
padre, como o senhor não nos avisou? Fizemos uma viagem dessas, saímos
de São Paulo, viemos até aqui, nestas condições dificílimas e, agora, voltar
sem nada? Jamais”. Combinamos, então, Maurício e eu de sairmos pelas ruas
convidando os deficientes que encontrássemos. Quarenta e três, daqueles
“invisíveis” (nem o padre enxergava), participaram do encontro. Engraçado que
havia 18 mineiros entre eles. O padre ficou sem jeito, mas Deus nos abençoou.
Imaginem, corria o ano de 1983/84 e a única coisa que aquele pessoal recebia
na cidade era compaixão e piedade. Ninguém os via como pessoas de direito,
necessitadas de cuidados e atenção, ao menos da paróquia. (Pe. Geraldo. In:
SÃO PAULO (Estado), 2011: 210, 211)
Há um dito popular que diz: “O que os olhos não veem o coração não sente”. Este
provérbio aplica-se muito bem para esta situação, nosso olhar não regista a
203
presença da pessoa com deficiência e assim ela passa a não existir. Se “ela não
existe” não é preciso se preocupar com ela. Não precisa adaptar o mundo e a
sociedade para que ela possa participar e com isso ela própria não constrói o seu
mundo. A invisibilidade passa pelo ignorar a presença da pessoa, ou mesmo pelo
esconder, isolar até do convívio familiar.
Todas as famílias, antigamente, tinham um quartinho secreto. Você não pegou
isso... Eu peguei. Quando ia sair de visita com a minha mãe, né. Eu era
pequeninho. Então eu lembro que chegava no... Vamos visitar a família do
fulano, beltrano, lá. Aí chegava lá. Criança não fica agarrada no pé da mãe. Vai
brincar lá com outro que chegou e corre lá pelo campo. Sempre tinha lá um
quartinho no fundo que não podia tocar, não podia abrir a porta, não. E aí...
- “Não, não, não. Não mexe aí não, não mexe aí não” – Era alguém deficiente
ou com deficiência mental ou com alguma coisa assim, né. (Pe Geraldo)
A negação da presença da deficiência na família era uma constante. O próprio Pe
Geraldo, relembrando as investidas da FCD/SP para iniciar o núcleo em
determinadas localidades, relata o que vivenciavam:
Lembro que acontecia algo interessante, quando começamos a formar um núcleo da Fraternidade num bairro. Uma das estratégias era buscar informações nas farmácias, onde as famílias compravam alguns remédios específicos para certas doenças. Nas abordagens sempre informavam onde moravam os deficientes locais e quais eram suas deficiências. Porém quando chegávamos ao endereço para confirmar, as famílias negavam: “Deficiente aqui? Não temos não.” Respondíamos que havíamos recebido a informação por parte do farmacêutico. Mesmo assim ouvíamos: “Não, tem não, deve ser outra casa.” Era a negação pela vergonha, que demandou todo um trabalho imenso para reverter esse quadro. (Pe Geraldo, In: SÃO PAULO (Estado),2011 213)
O dito serve também para ajudar a perceber o quanto é difícil para a família lidar
com a presença da deficiência. Ir Ângela considera, depois de tantos anos atuando
na Fraternidade, que ainda hoje, um dos maiores desafios que a pessoa com
deficiência enfrenta é a família.
Eu me lembro da Etel Batista que ela tava a meu lado e a mãe disse: “Se eu
soubesse que eu ia ter uma filha deficiente eu ia abortar. ” – Na frente da filha.
Quer dizer, assim como estas, quantas vezes que eu ouvi, então me parece,
para mim, todos são desafios bastante grandes, mas para mim é o desafio que
o deficiente tem dentro da família. De ele ser considerado um membro como
os outros, com os mesmos direitos, mesmos deveres e que a ele seja dado
204
esta oportunidade. Então isto me parece que foi, para mim, foi um dos maiores
desafios. (Ir Ângela)
Outro fator impeditivo da participação, das pessoas com deficiência, da vida na sua
plenitude é o coitadismo. É o sentimento de dó, de pena que está carregado da
perspectiva de ver o outro, a outra, como alguém que não é. “Quer dizer, o que a
gente nota é que a pessoa não... é, até hoje ... É um coitadinho!” (Ir. Ângela e Frei
Nelson). Junta-se a isto o que passa pelo imaginário religioso sobre a deficiência e
o sofrimento.
“e fora os preconceitos da Igreja. Antigamente quem era deficiente não
precisava participar da comunidade, porque ... já estava salvo, porque estava
sofrendo... Aquelas teorias de sofrimento que não tem nada a ver. E tudo isso
está no subconsciente, ainda da sociedade. (Frei Nelson)
Este sentimento de dó, expressa-se de diferentes maneiras, desde ficar olhando de
longe até se aproximar com expressão de pesar ou condolência. Pe Geraldo conta
um episódio ocorrido, enquanto ele empurrava a cadeira de rodas de um jovem
tetraplégico, pelas ruas de São Paulo. O moço era professor de inglês e
coordenador estadual do Movimento.
Estávamos no meio do caminho, quando avistamos uma senhora que vinha em nossa direção, à distância aproximada de uma quadra. Notei que ela olhava, parava e mexia na bolsa. Parava, andava um pouco, tornava a parar e mexer na bolsa. Eu falei: “Zé Carlos, acho que você vai ganhar uma esmola.” Ele falou: “o que é isso menino!” Respondi: “Acho que aquela senhora lá do outro lado está com uma atitude meio esquisita, fuçando tanto naquela bolsa que sinto que vai sair um troquinho para você.”
O Zé continuou duvidando: “Ah não ... Imagina! Não fala isso, não.” Insisti e brinquei: “Vai sim! Vamos ficar um pouquinho mais ricos com esta caminhada.” Lá fomos nós, até que a mulher se aproximou e, de fato, deu 10 centavos a ele, que até agradeceu ... (Pé Geraldo)
Vivendo estas experiências cotidianas, a Fraternidade ganha uma importância
diferenciada na vida das pessoas com deficiência: tira-as do isolamento e ajuda-as
a perceber que há um mundo além das quatro paredes de sua casa, que existem
possibilidades além de suas “limitações”. Isto faz com que abracem o lema do
Movimento: “Levanta-te e anda”. Assumem a sua própria vida e passam a se
envolver na busca da melhor qualidade de vida para si e para os outros, resultando
205
no envolvimento em movimentos sociais e nas lutas pela garantia de direitos, dando
assim, com sua peculiaridade, relevante contribuição para os movimentos sociais,
especialmente, nas décadas de 1980 e 1990.
4.1 Importância da FCD na Vida das Pessoas
Diante o quadro exposto podemos destacar alguns aspectos que demostram o
quanto a FCD é significativa para vida das pessoas. Trazemos aqui depoimentos
colhidos em uma Assembleia Estadual da FCD/RS, com representantes de núcleos
espalhados por todo o Estado, como parte de uma dinâmica de grupo, em que as
pessoas foram convidadas a falar sobre a importância da Fraternidade para sua
vida. Também retiramos das entrevistas e de outras fontes algumas falas que
confirmam esta importância.
Eu sou a Neusa Maria, o que me encanta na Fraternidade, é: Primeiramente, a
amizade, que a gente tem com o grupo, e também a identificação: a
identificação de problemas, da relação com limitações. Um apoia o outro e a
gente encontra a... identificação, né. A dificuldade na superação.
Para os fraternistas o encontro tem um papel importante na sua vida, talvez reflexo
do isolamento a que são submetidos no dia a dia.
Bem, meu nome é Edi. O que me encanta é de estar junto sempre, unido, união.
Que a gente tem muito isso lá em Pelotas, assim, é o grupo, né. E, assim,
quando a gente vem pra cá a gente sente aquela alegria de tá junto. A
felicidade de estar junto. O que eu sinto é isso.
Eu sou Carla, e o que me motiva é o amor, e puxando o gancho da... da Edi, a
maravilha de quando a gente se encontra lá no grupo, é mesmo muito bom
estar junto. É muito bom a gente se encontrar, aonde a gente se encontra, com
os amigos... parece que não se vê há muitos, muitos anos, assim, e é sempre
com a mesma intensidade, o amor que se tem um pelo o outro.
Alguns depoimentos expressam que a Fraternidade é um misto de diversidade,
humanidade, autonomia e empoderamento.
206
... encontrei na Fraternidade a liberdade. A liberdade de poder falar, de poder
pensar, poder refletir. Ao mesmo tempo, descobri em mim o espírito de
solidariedade que me faz ter algum resquício de... fraternismo. ... Fraternidade
é aberta a todos os seguimentos. Sem nivelar ninguém, sem excluir ninguém,
não é. Não tem lugar onde eu me sinta mais livre do que dentro da
Fraternidade. Experimento totalmente da liberdade dentro do movimento
Fraternidade. (Fernando)54
Essa questão de... fraternidade, solidariedade, amor, união, que... a gente...
briga pra conseguir, né! Briga no sentido, que é uma briga que é... faz parte do
nosso eu. Eu acho que isso tá dentro de cada um de nós. Acho que nós temos
dois lados, todos. O lado ruim e o lado bom, e na fraternidade, eu... eu acho
isso... sensacional de poder ver, mesmo que a gente, às vezes fica bravo com
certas situações e... que... acha que não tá certo e vê essas discórdias, mas
as... muitas vezes eu já parei pra refletir e eu já falei com pessoas que não
fazem parte do movimento quando eu falo da fraternidade e digo: “Lá é o mundo
das pessoas.” É... acho que tem um pouco de cada coisa, né. Um pouco de
cada credo, um pouco de cada um, um pouco de cada sentimento... eu acho
que é uma mistura, essa mistura toda de... explosão, é uma explosão de
sentimentos, onde tem as nossas... a gente consegue avaliar as nossas
frustrações, as... nossos anseios, as coisas que nós amamos, que nós
queremos... Eu acho que isso é sensacional e que... parece que é isso que não
me deixa sair..., essa oportunidade de conviver com isso, né! (Carmem)55
O encontro com seus semelhantes, que também são diversos, traz o prazer da
convivência, mas também desperta a possibilidade de ser mais, de desfrutar mais
plenamente da vida. “Se a gente vai olhar assim, quanto empoderamento se deu
às pessoas, quanta gente que estava em casa sem fazer nada e que de repente
começou no encontro do grupo se apaixonar, ... casaram, quantos estudaram,
procuraram emprego ... (Frei Nelson)”.
A Neuza (Aparecida dos Santos) já morava ali há 9 anos, cadeirante, jovem,
robusta, cheia de vitalidade, mas sem nenhuma perspectiva de sair dali. A
gente sabe como são esses depósitos humanos, custeados com verba pública,
sempre escassa e, muitas vezes, desviada, apesar do enorme esforço das
irmãs em administrar o pouco que chegava até elas. As meninas, os meninos
e idosos internos tinham de se levantar a partir das 8 da manhã, quando
chegavam as funcionárias que, pouco a pouco, iam colocando os internos nas
cadeiras de rodas.
Daí a pouco, a partir das 15 horas, começavam a retornar aos leitos, para se
deitar, pois às 16 horas as funcionárias iriam embora. Depois desse horário,
ninguém tinha condições de ajudá-los a subir na cama. Ou, se depois de subir,
durante a noite se caíssem no chão, aí passariam até a manhã, machucados
ou não. Os vigilantes noturnos, além de poucos, eram para o patrimônio,
54 Fernando é Coordenador da FCD no Rio Grande do Sul 55 Carmem faz parte da Coordenação Nacional da FCD no Brasil
207
portaria e algo mais. Na instituição, que ocupava bem mais de cinco quadras,
com cerca de 150 moradores. Todos precisando de algum tipo de auxílio
pessoal. A maioria passava sem beber água e sem urinar, do momento em que
era colocado na cama até o momento em que era descido, no dia seguinte, isto
é, das 16 da tarde às 8 da manhã: 16 horas. Não havia quem pudesse ajudar.
Se fizermos as contas, a Neuza, jovem cheia de vida, dos nove anos que
passou ali, seis ela esteve sobre uma cama, pois eram dois terços de cada dia
no leito, não por maldade, mas por condicionamento de horário dos
funcionários. Apesar do bom tratamento, é uma vida muito judiada.
Mais tarde, três ou quatro anos participando da Fraternidade, ela arranjou um
jeito de estudar, terminar a formação do segundo grau, fazer um curso técnico,
prestar concurso em um banco, onde trabalhou como telefonista, alugar um
apartamento para dividir com alguém as despesas e, por fim, preferiu morar
sozinha, vivendo a sua independência até o final de seus dias. (Pe. Geraldo In:
SÃO PAULO (Estado), 209, 210)
Em 1981, durante o Ano Internacional das Pessoas Deficientes, fiquei conhecendo a Fraternidade Cristã de Doentes e Deficientes (FCD), que hoje se chama Fraternidade de Pessoas com Deficiência. Quando tive que apresentar, numa das primeiras reuniões, falei que assistia a muitos filmes da Sessão da Tarde, na minha TV em preto e branco. Nada mais acontecia, pois, o médico da AACD disse para meu pai que eu não tinha mais jeito e me deu uma sentença fatídica: eu não podia fazer nada na vida. O pessoal da FCD me disse: “Olha, é mentira desse cara. Você pode fazer o que quiser.“ E, desde então, não paro mais em casa. Estou sempre em reuniões, representando a FCD. [...] abracei esse movimento com muito carinho. Nem podia ser diferente. Afinal, o pessoal mudou minha vida, quando me disse: “Olha, você pode tudo, pode até não fazer o que eu faço, exatamente como eu faço, mas vai fazer a mesma coisa, só que de outra maneira.” (José Roberto Amorim. In: SÃO PAULO (Estado), 2011: 275)
O periódico CARTAS ABERTAS, ao longo de aproximadamente 37 anos, circulou
com depoimentos e histórias do resgate de vida de fraternistas. Em quatro
exemplares narra partes da vida de José Roberto Amorim, cujo relato sobre a FCD
está registrado acima. É na verdade a história do Zé e da Zê, assim chamados
carinhosamente. José Roberto é um fraternistas ativo, teve envolvimento nas
atividades do Ano Internacional das Pessoas Deficientes. Casa-se em 2008 com
Zenilda Borges Rego, em 2009 nasce a filhinha do casal e ele faz um emocionante
depoimento.
Que é ser pai Ser... queremos ser tantas coisas!! Advogado, Engenheiro, Médico, mas ser pai, a emoção é diferente. É se sentir pequeno diante da grandeza de ter um filho, ou uma filha... É um milagre!! Sentir a emoção de beijar este ser tão
208
pequeno, porém, geram tão grandes emoções que se misturam... Alegria, responsabilidade, incertezas em um mundo onde crianças são abandonadas, assassinadas... Onde está nossa responsabilidade? Nossa filha Yara nasceu dia 30 de março de 2009, portanto há 4 meses. Diziam que não iria deixar-nos dormir... Que bom!! Teremos mais tempo para admirá-la, para conversarmos os três. Tenho paralisia cerebral com falta de coordenação motora, portanto, tinha medo de machucar a Yara, mas minha esposa que veio do céu para se casar e termos a filha mais amada do mundo, muito me ajudou a enfrentar meu medo em relação à criança. Ela colocou Yara em meu colo e deste este instante em diante eu perdi todo o medo e Zenilda minha amada e mãe disse: Zé, Yara Letícia é sua, é nossa filha! Yara começou a balbuciar sons. E nós rimos, choramos a cada momento em que ela balbucia alguma coisa. É muito emocionante! Todo ser humano deveria passar pela experiência e emoção de ser pai! Aproveito e desejo neste segundo domingo de agosto próximo, para todos os pais, Um Feliz dia dos Pais! (José Roberto de Amorim, In: CARTAS ABERTAS, 2009, Nº 118: 26)
Figura 32 - Casamento de José Roberto Amorim (Zé) e Zenilda Borges Rego(Zê)
– Núcleo Arthur Alvin – FCD/SP
Fonte : CARTAS ABERTAS, ( 2008, Nº 113:26)
209
Figura 33 - Casal com a filhinha -Yara Letícia
Fonte: CARTAS ABERTAS, (2009, Nº 118: 30)
É forte o sentimento de que a Fraternidade é espaço de resgate de vida.56
A fraternidade pra mim é uma coisa muito boa, é uma coisa que... que me
levanta, que... a gente faz as coisas com vontade e pro núcleo ir pra frente, pro
es... pra o estado ir pra frente e pra gente também, porque é muito gratificante...
é o amor e o carinho que irmandade traz junto. (Haroldo)57
Eu... quando entrei na fraternidade, acho que a fraternidade existia há uns 3
anos, por aí, eu já participava da associação (...). No tempo da FCD, eu
descobri o valor da vida. Porque, quando tinha formação do espírito, na
época tinha quase 80 alunos, né, no início, e, pessoal... nós íamos visitar o
pessoal da FCD, núcleos, e lá as pessoas pegavam vida com as próprias
mãos. Se descobriam, que tinham uma vida que tinha sentido, e para o
atendimento até a habilitação da pessoa com deficiência, é ele descobrir
que tem uma vida. Não é o treinamento pra uma escola tal ou adestramento
ou treinamento, é mais descobrir um sentido da vida, que tem uma vida, que
precisa se querer bem, se querer (...). Não de retirar eles de casa (...) mas que
se descubra que tem uma vida que tem sentido e esse sentido ele pode
56 Os grifos, nos depoimentos, são nossos. 57 Haroldo é vice- coordenador da FCD no Rio Grande do Sul
210
ser uma mudança de trans... transformação de vida. Eu consegui, boa
parte, dentro da FCD.58
Então a importância da FCD na minha vida foi isto: eu era uma pessoa extremamente tímida, tinha dificuldade de interagir com as pessoas. Apesar de ter ainda hoje... Estou na casa da FCD há 13 anos, coordeno a casa, recebo o pessoal que vem de fora e para os encontros como este. Posso dizer que a Fraternidade pra mim... que ela me libertou, eu era... ficava sempre dentro de casa e agora se quiser me encontrar tem que ligar e agendar pra me achar, né. Então a FCD pra mim foi uma liberdade, foi também onde aprendi a me amar como sou. Era extremamente revoltada com minha deficiência, né. (Olivia)59
Eu sou Clair, trintanta na Fraternidade. Esse... resgate, daquilo que eu tinha
e não sabia, que é me conhecer e... e saber que é uma fonte de vida, cada
dia renova, cada dia surgem novas pessoas e cada dia novas pessoas
descobrindo o que elas podem fazer... então isso me encanta.60
Figura 34 - Clair Pereira de Souza -Santiago/RS
Fonte: CARTAS ABERTAS, (2008, Nº 113: 22)
58 Adão Zanandreia é advogado, deficiente visual, está com 79 anos, atua na FCD segundo ele
desde o terceiro ano de atuação no Brasil. Foi Coordenador Estadual, atuou fortemente na inserção, especialmente, do deficiente visual no mercado de trabalho. Atualmente atua junto a direção da Casa do Cego Idoso, em Porto Alegre e é representante da FCD no Conselho Estadual da Pessoa com Deficiência. 59 Olivia teve Poliomielite, é cadeirante. Coordena a Casa da FCD em Porto Alegre, mora sozinha
na casa. A Casa da FCD serve para os encontros e cursos e também acolhe fraternistas que precisam passar uma temporada na capital, principalmente para tratamento de saúde. 60 Depoimento da Clair na Assembleia em Porto Alegre.
211
Quando falo da fraternidade, ou na Frater, falo da minha vida! Costumo dizer nas palestras que faço que minha vida tem dois períodos: um antes da Frater e outro depois da Frater. Imaginem leitores há 50 anos atrás, a mentalidade, numa cidade do interior, quando estava incrustado na mente não de uma pessoa, mas a sociedade (baixo poder aquisitivo, desnível social e cultural), onde se pensava que a pessoa com deficiência era um ser inanimado, que se tivesse comida e roupas limpas não precisava de mais nada. Hoje quando estou fazendo essa comparação parece que estou falando de uma outra pessoa? Porque Deus é tão bom que iluminou um servo, que eu gostaria de dizer um profeta, que semeou para o mundo e escreveu no livro da vida que a diferença só é um problema quando ela está casada com a ignorância, com o descaso, com a falta de solidariedade, resumindo com a falta de amor. Fui vereadora, conclui o ensino médio, iniciei a faculdade de psicologia, interrompi, fiz o ENEM e espero conseguir PROUNI. Casei, meu esposo bem mais jovem, e por essa situação, também, enfrentamos preconceito, perguntavam se eu tinha dinheiro para ele me querer, mas eu confio na libertação dessas pessoas, pois Deus é perseverante e nos dá força para sermos instrumentos dessa transformação. Nasci em 1953 e a Frater iniciou em Santiago em 1980. Muitos da FCD me conhecem e sabem qual é a minha luta! (Clair. In: CARTAS ABERTAS, 2008, Nº 113: 21, 22)
Clair participou como delegada, na Assembleia Estadual do Rio Grande do Sul. Em
seu relatório salientou a vida de jovens com deficiência que passaram a participar
da Fraternidade. Mudaram o rumo de sua vida, fizeram curso universitário e hoje
são profissionais respeitados em seu município e colaboram com a Frater dentro
de seu ramo profissional.
As pessoas que expressaram como a Fraternidade foi ou é importante, em especial,
a descoberta de sentido para suas vidas, não mudaram a sua condição de pessoas
com deficiência, não perderam suas limitações e em algumas até acentuou suas
dores físicas. No entanto, descobriram que tinham uma vida e que poderiam dar
sentido a ela. A FCD tem proporcionado aquilo que Viktor Frankl, que experimentou
o limite da vida em um campo de concentração afirma: “Precisamos aprender e
ensinar às pessoas em desespero que a rigor nunca e jamais importa o que nós
ainda temos ainda que esperar da vida, mas sim exclusivamente o que a vida
espera de nós.” (FRANKL, 1987: 97)
O que se pode perceber é que as pessoas ao se aproximarem do Movimento,
encontram outras, com suas lutas e dificuldades, descobrem que não estão sós nas
suas próprias fragilidades. Encontram um ambiente fraterno acolhedor, sentem-se
212
acolhidas e reconhecidas, percebem que estas pessoas encaram a vida de outra
forma e vão se envolvendo. Neste aproximar-se e envolver-se criam um clima de
pertencimento e de percepção da diferença de mundos. Há pelos menos dois
mundos diferentes: o que encontram no seu dia a dia e o que encontram agora,
neste espaço. Começam a envolver-se com outras pessoas e a esquecerem-se de
si. “Quanto mais a pessoa esquecer de si mesma – dedicando-se a servir uma
causa ou amar outra pessoa – mais humana ela será e mais se realizará.”
(FRANKL, 1987: 127).
De acordo com a logoterapia, podemos descobrir este sentido na vida de três diferentes formas: 1. Criando um trabalho ou praticando um ato; 2. Experimentando algo ou encontrando alguém; 3. Pela atitude que tomamos diante do sofrimento inevitável. A primeira, o caminho da realização, é bastante óbvia. A segunda e a terceira necessitam de uma melhor elaboração. A segunda maneira de encontrar um significado na vida é experimentando algo – como bondade, a verdade e a beleza – experimentando a natureza e a cultura ou, ainda experimentando outro ser humano em sua originalidade própria –
amando-o. (FRANKL, 1987: 127) É preciso deixar claro, no entanto, que o sofrimento não é de modo algum necessário para encontrar sentido. Insisto apenas que o sentido é possível mesmo a despeito do sofrimento – desde que, naturalmente, o sofrimento seja
inevitável. (FRANKL, 1987: 129) Eu sou Luiz Carlos. O que me motiva estar na Fraternidade, é a necessidade que temos de ser humano. Na Fraternidade eu senti que tem ser humano. Na Fraternidade eu senti que vou ter irmãos e irmãs que se sentem responsáveis pelos outros... Eu sempre sentia a necessidade de ser útil, de ser humano. Então na Fraternidade eu encontrei um motivo. Eu me senti útil por ter cooperado. As vezes a minha dor não é a dor do outro... e na Fraternidade eu encontrei um motivo a mais para descobrir-me útil, né! Necessário!
Eu sou Clarisdina. O que me encanta na Fraternidade na... na Fraternidade, o
que encantou, há tantos anos atrás, é que... eu consegui ver que... o
deficiente é gente como os outros, pessoas, que eu não me sentia gente,
me sentia... uma coisa, né! Porque eu não gostava de aparecer pra ninguém,
eu tinha vergonha de tudo, e a Fraternidade me fez ver que nós somos, com
todos os defeitos físicos que a gente tem, a gente é e tem importância na...
na... na vida da gente. Que a gente tem uma missão pra cumprir. Então isso
me encantou, tanto que eu... tá que nem uma cachaça, eu não passo mais sem
a FCD.
Meu nome é Giovani. O que me encantou no início, que eu não conhecia o
movimento, quando a... Carmem ... a Carla lá de Venâncio me convidou, foi
que... não era um movimento de piedade, não era um movimento
213
assistencialista. É um movimento, como ela fala de... de ajuda, de...
potencialização, de capacitação, de... reconhecimento, de... valorização
seria a palavra, né? É um movimento de valorização da pessoa, que a pessoa
quando ela tá na diferença, ela... ela... ela se analisa diferente, e a fraternidade
dá essa oportunidade de reflexão, como o Fernando falou, pra que a gente
possa se descobrir e descobrir que a vida é mais importante de que... qualquer
outra coisa. É isso.61
Em um dos depoimentos a pessoa conta que sentia como se só ela estivesse em
uma cadeira de rodas. Quando aceitou o convite e foi até uma reunião da
Fraternidade se surpreendeu. Encontrou pessoas cadeirantes, de muleta, de
bengala todas felizes, cantando e dançando, pensou: “AH! Aqui eu quero ficar!”
(Carmencita)
Aprendi en la Fraternidad que no tengo que quejarme, puedo aprovechar al máximo lo que me tengo, puedo hablar, puedo utilizar mis brazos y lo que es mas importante es que todo esto se puede poner al servicio de los demas. La visita, y el encuentro con el otro que tiene descapacidades mas profundas y así como me sentí más contenta cuando me encontre. Esto fue así para mí como uno: el despertar. (Carmencita) 62
O depoimento da Salete Inês Milan63, Coordenadora Continental do Continente
Latino – Americano, sobre sua trajetória na FCD, reflete a síntese do que significa
a Fraternidade para a vida de milhares de pessoas espalhadas pelo mundo e que
de alguma forma se envolvem no Movimento.
Um resumo da minha trajetória na FCD.
Depois de refletir um pouco, sobre a minha vida na FCD, comecei a contar os anos e me surpreendi de como o tempo passou.
Já se passaram exatamente 39 anos que estou na FCD, a conheci quando tinha 15 anos, em plena adolescência, justamente quando mais necessitava.
61 Giovani é o Coordenador Nacional da FCD, no Brasil. Há poucos anos levou um tiro em um
assalto e em consequência teve lesão na coluna. Locomove-se com ajuda de aparelhos ortopédicos ou na cadeira de rodas. 62 Aprendi na Fraternidade que não tenho de que me queixar, posso aproveitar ao máximo o que
tenho, posso falar, posso utilizar meus braços e, o que é mais importante, é que tudo isso pode-se colocar ao serviço dos demais. A visita e o encontro com o outro que tem deficiência mais profunda e assim como me senti mais contente quando me encontrei. Isto foi assim pra mim como pessoa: o despertar. Carmencita é da Guatemala, é cadeirante. Sofreu um acidente quando tinha 23 anos. Em 1979 conheceu a Fraternidade, atualmente faz parte da Equipe de Coordenação Intercontinental. É coordenadora adjunta. 63 Salete é brasileira, mora em Chapecó. Casada tem uma filha que também se tornou cadeirante. A filha está com 23 ou 24 anos, é universitária e como se diz na gíria “muito bem resolvida”.
214
A amiga e fraternista Lia Mara, seguidamente me visitava. Visitas sem interesse, apenas por amizade, seu exemplo de vida, sua luta para estudar, trabalhar sair à rua sozinha, foi um impulso para a minha vida. Senti que não estava sozinha, que eu tinha uma amiga para compartilhar.
Depois de um tempo, Lia me convidou para participar de um encontro da FCD em seu núcleo. Não gostei da ideia, mas como iria encontrar minha amiga, fui.
Quando me vi diante de várias pessoas com deficiência, um pior do que o outro, minha reação foi de sair correndo e não voltar mais. Porém DEUS tinha um plano para mim. Logo fui sendo cativada por outros fraternistas e minha vida mudou por completo.
A FCD me fez descobrir que podia ser protagonista da minha própria história, que tinha capacidades de decidir, opinar, estudar, trabalhar e amar. Que tinha direitos e que junto aos demais fraternistas podíamos lutar por eles com mais força. E ali aprendi que eu também sou amada por Deus e que Ele nunca me abandonou.
Comecei a participar de outros encontros, outras atividades da FCD. Aos poucos fui conhecendo a vida de Padre François, a história da FCD, seus objetivos sua espiritualidade e mística, sua simplicidade em acolher a todos e todas sem distinção. Entendi a importância de uma visita. Nesta trajetória, visitei muitas pessoas com deficiência isoladas, sem perspectiva, presenciei o seu despertar para a vida, acompanhei o lindo LEVANTATE e ANDA de muitos. Posso dizer que me enamorei da FCD, e hoje é minha filosofia de vida.
Durante 10 anos estive na FCD apenas como assistida, nunca quis assumir compromisso. Não me sentia capaz. Este período (pode parecer longo), eu o necessitei para sentir-me motivada e segura para assumir alguma função. Assim foi, que despertou em mim um sentimento muito forte de responsabilidade pelo movimento. Meu primeiro “sim” a uma função, foi como coordenadora de núcleo, depois como coordenadora diocesana, estadual (RS) e nacional da FCD Brasil, coordenadora da Área III (países do Conesul), por dois períodos. Hoje como coordenadora do Continente Americano e membro da equipe Intercontinental.
Coloquei minha vida a serviço da FCD, porque não tenho dúvida que é um movimento de AMOR, de promoção humana, de luta por dignidade das pessoas que sofrem o preconceito, a exclusão por ter uma deficiência. Acredito que somos parte de uma sociedade que tem muita força e capacidade, para ajudar na transformação de um mundo melhor para todos e todas. Apenas precisamos que esta sociedade acredite nisso.
Salete Inês Milan Julho de 2017
A “ditadura do olhar” é um determinante na forma de como as pessoas são tratadas
e como elas agem ou reagem em resposta a esse tratamento. A expressão
“ditadura do olhar” é utilizada por Marcelo Rezende Guimarães, referindo-se à
possibilidade de a teoria interferir ou engessar a ação na educação para a paz.
(GUIMARÃES, 2011: 143). Consideramos que é perfeitamente possível utilizá-la
no contexto da vivencia e convivência no mundo das deficiências. As pessoas que
215
são olhadas com coitadismo, como alguém que não é, ou como alguém que é de
uma outra “esfera”, tendem a se comportar no mundo dentro dos padrões com os
quais são rotuladas.
Nas manifestações sobre a importância da FCD, nota-se que é dada ênfase ao
encontro. Isto é significativo, levando em conta a importância da convivência na
construção da subjetividade. Embora TOURAINE enfatize a individualidade do
sujeito, em sua combinação de três componentes na formação da consciência do
sujeito, é na relação entre subjetividades que se constrói a própria subjetividade.
Para ele os componentes são:
Primeiramente uma relação a si mesmo, ao ser individual, como portador de direitos fundamentais, o que marca uma ruptura em relação à referência a princípios universalistas, ou mesmo à lei divina. O Sujeito é seu próprio fim. Em segundo lugar, tanto hoje como ontem, o sujeito não se forma a não ser entrando conscientemente em conflito com as forças dominantes que lhe negam o direito e a possibilidade de agir como sujeito. E por fim, cada um, enquanto sujeito, propõe uma certa concepção geral do indivíduo. (TOURAINE, 2006: 130)
Esta relação intersubjetiva propicia a reflexão sobre si mesmo, o reconhecimento
do outro como outro. Este outro que tem uma deficiência diferente, que pensa
diferente, que tem necessidades diferentes, mas que ao mesmo tempo é
parcialmente identificado. As diferenças podem trazer pontos de negatricidade. No
entanto, a riqueza do encontro está em dialogar com estes pontos.
O diálogo, como modo de existência, é a superação do solipsismo do sujeito e a afirmação da alteridade, uma vez que supõe sempre, ao menos, dois parceiros que interagem. O esquema que estrutura o diálogo não é um-depois-do-outro, mas um-com-o-outro. Ouvir constitui-se, não apenas da exigência e condição central da hermenêutica filosófica, mas sua mais originária experiência. Compreender-se no mundo significa “compreender-se-um-com-o-outro” e “compreender-se-um-com-o-outro significa compreender o outro” (GADAMER apud ROHDEN, 2002, p. 199). (GUIMARÃES, 2011: 234)
Compreender o outro implica também compreender-se a si mesmo e entender-se
como alguém que é e pode ser mais. O encontro contribui não só na construção da
subjetividade, na identificação das semelhanças e diferenças, como também, é um
espaço de empoderamento. GUIMARÃES (2011) baseado em ARENT afirma a
importância do coletivo para a existência do poder. Ele trata o poder como uma
216
possibilidade de poder ou um potencial que só passa a existir quando os humanos
agem juntos e desaparece quando se dispersam. Ele entende o poder como
potencialidade de convivência.
“O poder emerge onde quer que as pessoas se unam e ajam em concerto, mas sua legitimidade deriva mais do estar junto inicial do que de qualquer ação que então possa seguir-se”. (ARENT, 1994, p. 41) A essência do poder é a experiência coletiva, assentando sua base na coletividade. O poder nunca é prioridade de um indivíduo, mas pertence a um grupo e permanece em existência apenas à medida que o grupo permanece unido. (ARENT, 1994, p.36). (GUIMARÃES, 2011: 231)
O poder é coletivo, grupal e comunitário, embora possa-se identificar o
empoderamento individual dos participantes da FCD, este poder emana do
pertencimento a um grupo, a um movimento que valoriza, que potencializa a
convivência e traz luz aos pontos de conflito com as forças excludentes dominantes.
As pessoas que não têm deficiência também são conquistadas pela Fraternidade,
por sua proposta e pelo clima de encantamento, solidariedade e força dos
fraternistas. Depoimentos de colaboradores/as e conselheiros e conselheiras
confirmam isto e expressam o quanto esta convivência é transformadora.
Para mí conocer la Fraternidad Cristiana de Personas con Discapacidad fue una Gracia de Dios, no pongo en duda. En el caso de que se trate de una persona que no sea de su familia, no se sienten satisfechos con mi vida, con la trayectoria que había tenido. Y pedía mucho a Dios que me diera luz que me asistiera. Era docente de inglés y de religión y uno de los niños que tenía unos trece años, venía cada día a decirme: Profe, en mi casa tenemos un grupo de oración y nos tiene contacto lo que ustedes nos enseña aquí y ellos quieren conocer ...... Yo había recaudado a Manisalles y quise ir a casa de jovencito, alumno de día porque la noche, sentía que no iba a encontrar la dirección. Una tarde, buscando la dirección de este joven, me encontré con 2 personas en silla de ruedas y una religiosa esperando para ver quién las ayudaba a subir en un vehículo que estaba estacionado. Me pidieron el favor y me gustó que me ayudara a subir en el vehículo. Se sentó en dos tablillas porque no tenía silla de ruedas. Entonces dijeron: Bueno. ¿Quién nos ayudará a bajar allá donde vamos? Y me ofrecí, cambié de planes y ya no fui a buscar la casa de mi alumno. Sentí que me parecía bueno, ayudar a estas dos personas. Regresé con ellos hasta el centro de la ciudad a una universidad, donde iban a reunirse con otras personas y estuve toda tarde con ellos. Regresé con ellos desde donde habíamos partido inicialmente, los ayudé a instalar en su casa, luego la religiosa me invitó a su casa de la comunidad, tomamos algún refrigerio, finalmente la comida. Hablamos por largo tiempo, hasta las nueve de la noche y así me encanta.
Este fue el comienzo, conociendo a unas personas con discapacidad y luego abriéndome a grupos ya actividades más amplias. Por eso digo que fue una
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gracia de Dios. Mi vida adquirió nuevo sentido, me sentí más contento, ya no era sólo un profesor, un docente en un colegio sino que tenía una proyección en el campo pastoral, en el servicio a los demás. Y me encontré con algo muy grande, ya cumplirá 40 años de estar con la Fraternidad, con la FCD y digo muy contento muy lleno todos los días ha tenido sentido mi vida. (Orlando) 64
Eu sou a Maria, eu entrei... estou participando da Fraternidade que me chamou
a participar com eles. A gente vê neles aquela fortaleza, eles têm uma fortaleza
muito grande e ao mesmo tempo eles têm uma fé, e um carisma muito grande,
que eles têm. Então, isso que me encantou na Fraternidade.
Meu nome é Ilce Siqueira. Eu, assim, ... a fraternidade é uma... uma grande
família, e como toda grande família, têm grandes discussões, mas tem amor e
solidariedade.
Eu me chamo Janete, e o que eu encontro aqui, com a fraternidade, é... essa
oportunidade de através das diferenças, aparentes ou não, compartilhando
essas diferenças, as pessoas sentindo-se parte de uma unidade. Unidade - ser
humano, com mais essência do ser humano mesmo e... é o que eu encontro
na fraternidade. As diferenças, elas podem ser uma ponte pra olhar pra mim
mesma e (...) melhorar, de ser mais inteira, tornar-me um pouco mais inteira
dentro do que é a busca do ser humano. Isso eu acho valioso.
Eu diria assim: Todo esse tempo que eu trabalhei na Fraternidade, eu trabalhei
em diversas áreas em diversas situações, em diversos movimentos, o que eu
tive de ganho, quantas vezes mudou minha cabeça, meus conceitos, minha
maneira de ver, minha maneira de ser, de olhar para a pessoa humana de olhar
para o ser humano... da maneira como se manifesta; o que tem de prós e
contras, dificuldades que tem. Ah! Dá outra visão para a gente. Eu posso
sempre dizer que o ganho eu tive como pessoa trabalhando com deficientes é
inexplicável. Que outro, qualquer setor dá esta bagagem, da gente poder ter
esta percepção, sobre a pessoa. E depois assim ó... o desafio pra gente
também. Então a pessoa com toda dificuldade de caminhar, então caminha dor,
com nem sei que ... ah! Contente, sorrindo, vai ... caminha com dificuldade,
mas tá lá. Quer dizer, não deixa de ser um desafio, né. Muito bonito isto. Muito
bonito eu acho ... testemunho. E aí não só pra mim, mas para as pessoas que
tenho próximas de mim também. Eu começo a dizer: pra que eu to me
queixando olha aí ó... pra que que estou me queixando e aí o desafio e o
testemunho né. Isso também é muito bonito. Acho que neste sentido também
o deficiente dentro da sociedade como um todo ele é um questionador e um
desafio para as pessoas que se dizem normais. Porque eles portam, como diria
eu, portam uma bagagem muito grande de testemunho que chama a atenção.
Basta olhar pra si, tá se queixando, se queixando do quê? Tu consegues
caminhar, tu consegues viver bem, tu consegue .... eu não consigo ... e ela vivia
feliz. Tudo fala: não falta nada, tu poderias dizer. Então, isto eu acho que é um
grande ganho para toda a sociedade quando o deficiente consegue, realmente,
64 Orlando Jaramillo Gaviria é da Colombia, Coordenador da Area II. Sua deficiência se
manifestou aos 51 anos em consequência de uma trombose cerebral. (Tradução do depoimento nos Anexos)
218
mostrar-se e agora com a pessoa do jeito como é. Com os valores que tem. (Ir.
Ângela)
O benefício do contato com o movimento das pessoas com deficiência é muito
grande. Agora por exemplo lá na 10ª Assembleia Continental, em Honduras...
na cidade de Comaiaguá, antiga capital de Honduras. E tinha lá um encontro
de seminaristas. É... Candidatos e de seminaristas já seminaristas. E... eles
participaram da nossa celebração eucarística final. Então... um deles, que eu
fico com a impressão, não gravei, mas que eu fico com a impressão que era
Júlio, ele falou assim: - “olha, nunca pensei que na minha vida eu tivesse a
oportunidade de participar de um encontro tão forte espiritualmente pra mim.
Por causa da alegria de vocês, do... da... É um mistério isso pra mim.”
A sociedade acha que a pessoa com deficiência... O conceito de pessoa né!
é... só o perfeito, corpo perfeito, e bonito, né! Então, quem não está perfeito e
não é bonito, é... devia estar chorando, devia... né! E quando chega lá e vê
aquela turma toda sem perna, sem braço, sem visão, e alegre, e sorrindo, isso
fica muito esquisito. Isso toca muito. Então... Dois, dois, dois momentos fortes,
três, quatro, ixe... Não sei quantos.
Um dia foi tocar lá a banda da polícia militar e... Daí em cima do palco e nós
ficamos em baixo, o palco alto, mas eles não aguentaram ficar lá em cima
tocando e desceram e vieram dançar com os deficientes que estavam em
baixo... Então falavam: “Ah! nós pensávamos que vocês iam estar meio
chorando e nós ia alegrar vocês, porque...” – Inclusive os próprios deficientes
pensam isso, né! Antes de entrar em contato, né!
- “Não, eu aleijado, basta eu. Vou mexer com aleijado? como assim? credo...
Não vou lá de jeito nenhum.”
Aqui teve uma... uma coordenadora aqui em são Paulo que pensou isso
durante muito tempo. Convidada, convidada, convidada. e não ia, não ia...
Mas aí um dia não teve jeito, foi:
- “ô meu Deus, vou ficar nessa porcaria. Vai ser aquela choradeira, porque a
minha muleta, que a minha perna, porque a minha cadeira, porque a minha não
sei quanto...” – E chegou lá estava todo mundo contente, alegre, nunca mais
saiu. (...) foi por aí também. No final foi coordenadora, depois nacional.
Então tem muito isso, então a polícia foi e depois esse jovem:
- “Olha, isso tudo, essa experiência aí que eu tive aqui hoje espiritual foi muito
forte pra mim. Nunca na vida imaginei que fosse presenciar uma coisa dessa.
Ou seja, a fraternidade tem uma missão, junto a sociedade, muito grande. De
aparecer nos locais. E ver que a vida que a sociedade concebe como vida, não
está correta esta concepção, né! Precisa de haver uma reformulação de:
O que que é gente? O que que é pessoa humana? (Pe Geraldo)
A pergunta posta aqui pelo Pe. Geraldo “o que é a pessoa humana?”, merece ser
considerada. Estamos desde o início deste trabalho falando em pessoa com
219
deficiência. Talvez merecesse ser grafado assim, “PESSOA com deficiência”.
Falamos aqui em pessoas que tem uma característica que pode ou não ser
impeditivas em suas vidas, porém são pessoas e se são pessoas são humanas.
Trazem em si essência da dignidade. “Dignidade” definida pelo dicionário Aurélio
como “qualidade de digno”, “que confere posição graduada” (FERREIRA,
2005:318).
O espaço de envolvimento destas pessoas é inicialmente uma comunidade de fé e
da atuação pastoral de um homem, um padre que se coloca ao lado dos que
sofrem. Segundo BRAKMEIER, “A fé, em sentido lato, constitui uma necessidade
elementar do indivíduo e da sociedade, e o sagrado exerce papel fundamental na
vida das pessoas.” (BRAKMEIER, 2002: 20,21) Para Ronaldo Sathler “ a tarefa
perene da ação pastoral é facilitar o contínuo processo humano de busca por
sentido na jornada da vida, em meio as suas mudanças, aos seus desesperos, às
angustias, injustiças e enfermidades``(SATHLER-ROSA, 1996: 99). Neste percurso
da trajetória da FCD percebe-se que esta tarefa tem sido desempenhada.
Certamente a primeira força propulsora desta caminhada, foi a partir de uma
experiência de fé e atuação pastoral fundamentada na formação teológica que
François recebeu no Seminário, por isso não é possível fugir aqui, de se valer de
algumas informações nesta área de conhecimento.
Com base na Bíblia, para BRAKMEIER, “quem define o ser humano e lhe confere
a identidade” é Deus. Ele fundamenta isto, em Gn. 1.26-27, onde encontramos que
o ser humano foi feito a imagem e semelhança de Deus (homem e mulher), esta
afirmação bíblica traz uma série de implicações para a atuação junto às pessoas.
Reconhecer que o ser humano é imagem e semelhança de Deus é reconhecer que
o ser humano é sagrado. “Portanto, a relação com o criador é constitutiva para a
compreensão do fenômeno humano. A identidade e a dignidade do ser emanam de
sua qualidade de imagem de Deus.” (BRAKMEIER, 2002: 18)
Por intermédio da imagem de Deus (Sl 8,5; Sb 2,23; 1Co 11.7, Tg 3.9), a Bíblia
afirma o sagrado ou a dignidade de cada pessoa. Dizer que cada pessoa é
sagrada é dizer que Deus tem um relacionamento tão estável conosco que não
conseguimos entender uma pessoa sem considera-la como um ser em relação
com Deus. ... Entendemos uma pessoa como alguém cuja dignidade é mantida
pelo amor divino e a fidelidade. A nossa dignidade é sagrada, porque Deus nos
ama. (GULA, 2001: 31,32)
220
Diante disto, pode-se afirmar que cada ser humano tem a sua dignidade que é
um valor inestimável, refletida pela imagem de Deus nele. Nisto se estabelece a
igualdade entre os seres humanos. “A aplicação do conceito da imagem de Deus
ao ser humano é o estatuto da igualdade humana e a constituição da
humanidade em ‘sociedade’… A qualidade da imagem é atribuída a todas as
pessoas indistintamente, sem consideração de raça, cultura e credo, sexo.”
(BRAKMEIER, 2002: 21). Também, às pessoas com deficiência. Dizer que os
seres humanos são iguais não significa ignorar as diferenças. Há uma
diversidade muito grande no gênero humano, mas isso, não significa que não
sejamos iguais.
Agora, eu acho que o momento bastante importante para o deficiente na
Fraternidade foi quando percebeu que eles deveriam ser os líderes do
movimento, assessorados pelo conselheiro e outros colaboradores. Me parece
que aí eles começaram a perceber que têm um lugar na sociedade e que ele
era próprio deles. Eles se desempenhavam dentro da liderança. [..] foi um
momento bastante importante na hora que eles perceberam que além do
trabalho, além de namorar, além de estudar, eles tinham condições de serem
líderes na sociedade e isso foi pra mim, pelo que eu percebi, foram momentos,
assim, bastante importantes. (Ir Ângela)
A medida que foram descobrindo suas capacidades e exercendo a liderança dentro
movimento começaram a participar em esferas maiores e se tornaram líderes em
outros espaços, movimento popular, partidos políticos, etc.
O pessoal estudou, se preparou e tem seu emprego e está seguindo adiante.
Poucos líderes que tinham essa capacidade que foi despertada, conseguiram
ficar lutando dentro da fraternidade, mas a fraternidade cumpriu a missão dela,
né, que foi motivar pra que sejam felizes. Que possam assumir o protagonismo
nas suas vidas. (Ir Ângela)
Uma vez eu perguntei para os fundadores: “Como é que tem umas lideranças
que vem e são trabalhadas, são dinâmicas, são líderes, são entusiasmadas e
como é que não militam no movimento?” – Tanto como outro me disse assim:
“Olha, a fraternidade tem uma grande missão: Fazer com que a pessoa se
perceba pessoa e tome a sua história em suas mãos, seja construtora da sua
própria história. Se milita na Fraternidade, bom seria. Mas importante é que
com isso ela conquiste seu espaço no mundo.” – Eu achei isto maravilhoso,
porque eu ficava agoniada. Como é que vem, o pessoal é trabalhado e, daqui
a pouco, quando pensam que é alguém que poderia pegar bem, pegar no
núcleo, um estado e... e já... e... e... pega outro, seu próprio caminho, com seu
221
próprio histórico. E aí, sabe que depois me convenceu. Me disse: “A grande
missão da fraternidade não é prender todos dentro da fraternidade, é ajudar
para que a pessoa com deficiência se reconheça pessoa, descubra o seu
espaço neste mundo, seja protagonista de sua própria história e vá construir a
sua história contribuindo do seu jeito na construção da sociedade.” – Achei isto
maravilhoso. Bom, lógico, nós gostaríamos que as lideranças ficassem
conosco. Mas, realmente, o objetivo não era prender, é ajudar a pessoa a Ser
e encontrar o seu espaço (...). É lógico, muitos vão encontrar o seu espaço
militando na fraternidade. Que bom que ficam. Agora, mas também, nós temos
que respeitar os que têm o caminho sendo protagonistas dentro da sociedade.
(Ir Ângela )
Com base na palavra das pessoas encontradas pelo caminho, percebe-se que
estas falas refletem o sentimento das pessoas e ao mesmo tempo é como se elas
vivessem sem se perceber, que de repente, sentem-se diante de um espelho e
veem que existem, que são pessoas e tomam sua vida e dão sentido a ela. Nas
palavras de Paulo Freire, percebem que vivem e que podem ser mais. É o resgate
de sua condição de ser humano que não é só uma pessoa com deficiência. É
cidadão. Como tal, é legitimo participante da prática produtiva, da prática social e
da prática simbólica e que tem direito de participação no mundo do trabalho, do
convívio na sociedade e na cultura simbólica. A sociedade tem o dever que construir
condições para que todos possam participar plenamente destes espaços.
Começam então a participar no espaço que se abre ao seu redor, mas não ficam
aí. Abrem o leque a sua volta e participam da vida do cotidiano e nas lutas por
direitos, seus e de seus pares. Com isto, participam da construção da história,
deixam marcas na participação com os movimentos sociais, especialmente, nos de
luta por garantia de direitos das pessoas com deficiência.
Antes disso, as pessoas com deficiência, eram apenas vistas como.... sujeitos de caridade, e foi com o papel da FCD, naquele, nos primórdios aí de 30, 40 anos atrás, que essa realidade, é... começou a mudar e as pessoas com deficiência passaram a ser vistas, não mais como sujeitos de caridade, mas como sujeitos de direito. Essa realidade ainda não mudou completamente. É... Ao contrário. Ainda é forte essa visão e esse conceito caritativo e assistencialista e paternalista em relação as pessoas com deficiência. Mas aqui no Brasil, marcadamente aqui em São Paulo, a FCD foi a pioneira na mudança nos primeiros passos que levaram a... que estão levando ainda, essa mudança, essa transformação do papel social das pessoas com deficiência. (Antônio Carlos Munhoz/Tuca Munhoz)
Nos primeiros anos de atividade no Brasil, a FCD, foi voltada à busca das pessoas
222
com deficiência no seu isolamento, no espaço da família ou até nas intuições
asilares. Com o passar o tempo, vendo que havia vida fora de sua “janela” e que
sua marginalização não era consequência de sua deficiência e sim de uma
realidade marginalizante, passam a interessar-se pelas questões sociais. Pe
Geraldo relatou um episódio ocorrido, no Metrô de São Paulo, no início, nos
primeiros anos da atuação da FCD na cidade.
Aqui em São Paulo teve uma confusão, mil novecentos e setenta e oito... O Metrô estava começando..., Quer dizer, começando... Já havia. E um cadeirante foi tentar utilizar e o segurança veio pra ele, quando estava se aproximando da... catraca, veio e... - “olha, não dá né?! Infelizmente...”
- “olha...” – Ele falou... pro segurança. – “Olha, eu posso dar alguns passos, não posso caminhar, mas posso dar alguns, posso ficar em pé com muletas canadenses, tenho aqui, e o senhor podia passar então a cadeira pra mim.” – E foi começando a se levantar, né. Pegar a muleta pra se levantar, e... O segurança perdeu um pouco o chão e disse:
- “Olha, você não tá vendo que isso aqui não é pra aleijado? Caramba meu, presta a atenção. To falando que não pode, é porque não pode!”
- “Ta bom.” – Sentou de novo, foi pra nossa reunião e contou o fato. – “Olha, no metrô não pode aleijado.”
Falei:
- Pelo amor de Deus, como que não pode aleijado? Mas é justamente para deficiente, é quem mais vai precisar desse negócio, porque facilita a vida.
Aí marcamos um dia, na praça da Sé e foi todo mundo pra lá. Cento e tantos. Cadeirantes, muletas, cegos, surdos, mudo... de tudo quanto é jeito. E... Aí parou tudo. Parou tudo... é...
- “Confusão imensa.”
E... Entramos na praça da Sé e descemos na avenida Vergueiro. É ali perto onde é Centro Cultural de São Paulo. Então foi uma loucura. E abrimos um processo contra o Metrô, que... correu durante dez anos. Em oitenta e oito nós tivemos ganho de causa, obrigando o Metrô a... fazer... botar acesso, né! Todas as estações, que ainda não tivessem sido inauguradas, botar elevador. E nas que já estavam prontas, entregues, tinham que ter alguém que pudesse trazer em baixo e levar. Em todo caso, não poderia proibir, nem impedir, nem dificultar, mas facilitar. Então, hoje, aqui tem alguém que chamam... é... Jovem cidadão. Jovem cidadão, no guichê tal, aí vai ele lá um desces e leva em baixo. Mas é isso. ( Pe Geraldo)
4 2 – Participação da FCD com e os Movimentos Sociais
As palavras do Responsável Nacional, Messias Tavares de Souza, eleito na III
Assembleia Nacional, em 1979, reforçam o interesse pelas questões sociais.
223
Nossa FCD está se desenvolvendo bastante, segundo expressão que pude captar recentemente. Nota-se um interesse maior pela questão social, uma consciência de que é o próprio deficiente que deve exercer uma ação ordenada e eficaz, visando a obter a efetivação de seus direitos como membro da comunidade brasileira, atento às suas obrigações, mas exigindo que não lhe neguem o que lhe é devido (JAINES; SCHUCK, 1982: 104).
Este interesse intensifica-se a partir de 1979. “Os que antes eram poucos e não
tinham uma visão de marginalização do doente e do deficiente no Brasil, agora mais
conscientizados, com mais coragem e mais unidos, resolveram voltar-se para uma
formação mais social e mais libertadora.” (JAINES; SCHUCK, 1982: 105). Em julho
de 1979, acontece em Porto Alegre no Rio Grande do Sul, o II Encontro Regional
de Estudos da FCD, com o tema: Direitos e Deveres do Deficiente para com a
Sociedade. Participaram do encontro 82 fraternistas e outros convidados. O
Governador do Estado foi convidado para o encerramento do evento, mas não
compareceu.
O não comparecimento do Governador ao Encontro Regional de Estudos foi a razão que levou os fraternistas reunidos no encontro a dirigirem-se ao Palácio para levarem em mão suas reinvindicações ao Governador. Durante o período de espera, os meios de comunicações (imprensa falada, escrita e televisada) deram apoio ao Movimento (JAINES; SCHUCK, 1982: 108).
Figura 35 – Fraternistas recebidos pelo Governador no Palácio Piratini
Fonte: JAINES; SCHUCK, (1982: 108)
224
As comemorações do Ano Internacional da Pessoas Deficientes, 1981, foi uma
mola propulsora para o envolvimento das organizações de pessoas com
deficiência, não só em eventos comemorativos, mas principalmente em atos
reivindicatórios. Francisco Cerignoni (Chico Pirata) fala de como iniciou seu
envolvimento com a FCD, em 1980, já no final da sua administração como
Secretário Municipal do Bem-Estar Social, em Piracicaba/SP. Seu depoimento a
respeito, retrata um pouco da realidade das atividades referentes a este ano.
Em setembro, comecinho de outubro, eu saí no final de outubro, eu recebi a
visita de um grupo de pessoas com deficiência, aqui de Piracicaba, e o
movimento que eu não conhecia chamado Fraternidade Cristã de Pessoas com
Deficiência, a tal da FCD. Eu recebi porque no ano seguinte era o Ano
Internacional da Pessoa Deficiente. Eles vieram pedir, ao Secretário, apoio pra
comemorar esse ano. Que era o ano para discutir os problemas, levantar os
problemas, para descobrir onde estão estas pessoas. A gente sabe que é
bastante, mas não tínhamos dados naquela época, nem eles. Sabe que é
bastante, mas não sabe quanto. Ninguém enxerga, ninguém vê, precisamos
participar mais, nós queremos participar... e aí eu me comprometi com eles de
ajuda-los, né. E, pensei comigo mesmo, não só eles, eu vou participar porque
é da minha turma. Uma pessoa com deficiência de outro grupo, a gente se
interessa. Então! Mas, eu saí da Administração, as facilidades que eu podia ter
como Secretário eu não ia ter, mas mesmo assim, que eu fiz? falei: bom, eu
vou entrar no grupo e vamos ver o que junto a gente pode fazer. Aí comecei a
participar do grupo, aí organizamos várias atividades durante o ano, a principal
delas foi um grande encontro, que também tinha o pessoal de Santa Barbara
do Oeste, de Americana (lá já tinha um grupo da fraternidade, também), e o
pessoal aqui de Piracicaba, nós fizemos um grande encontro na Câmara
Municipal, pra discutir as questões das pessoas com deficiência. De certa
forma parou o centro da cidade porque não tinha nenhuma adaptação. A
câmara não tinha elevador, o salão nobre era no andar superior. Precisamos
mobilizar bombeiros, tiro de guerra pra levar as pessoas lá em cima, é!. E aí,
isso saiu nos jornais, saiu ... não tinha televisão, mas saíram nas rádios e
começou a aparecer... esse movimento, não só o movimento da FCD, mas as
pessoas com deficiência. Eu comecei a me engajar cada vez mais na FCD, aí
eu fui designado aqui de Piracicaba, eleito pra participar de uma assembleia
extraordinária do Estado, que foi em São Paulo, no Anchietano. Eu cheguei lá
participando e tal, já me elegeram vice coordenador estadual. (Francisco
Cerignoni)
A IV Assembleia Nacional, da Frater, ocorrida em São Bernardo do Campo/SP, no
início de 1981, que elege de Maria de Lourdes Guarda, para a Coordenação
Nacional, juntamente com o Pe Geraldo do Nascimento, para Conselheiro Nacional,
estabeleceu que em todos os lugares, onde existisse a Fraternidade deveria haver
concentração pública para : “Expor e reivindicar tudo o que for necessário para a
225
conscientização dos Valores e Direitos das Pessoas Deficientes.” (JAINES;
SCHUCK, 1982: 139)
Precisamos chamar a atenção da sociedade em geral, usando todos os meios de comunicação possíveis, distribuindo panfletos que alertem sobre todas as fontes causadoras de deficiências, bem como faixas colocadas em lugares estratégicos (em cada cidade), salientando: Acidentes, Medicamentos, Poluição, Prevenção, Reabilitação, Transporte, Lazer etc... Tudo o que conceberem dentro da realidade de cada lugar (JAINES; SCHUCK, 1982: 139).
Figura 36 – Concentração no centro de Porto Alegre/RS
Fonte: JAINES; SCHUCK, (1982: 142)
226
Figura 37 – Cartazes utilizados na Concentração em Porto Alegre/RS
Fonte: JAINES; SCHUCK, (1982: 143)
Após a eleição de Maria de Lourdes, para a Nacional, assume a coordenação no
Estado de São Paulo, Isaura Helena Pozzatti, que até então era a vice. Francisco
Cerignoni, conhecido como Chico Pirata, assume a vice-coordenação.
Exatamente a data não me lembro, bom aí eu comecei a me engajar cada vez mais. Aí a Lourdes me chamava pra ajudar algumas coisas, porque eu era agrônomo, formado tinha habilidade pra escrever, secretário, tinha uma visão política e coisa e tal. Então, virava e mexia eu ia lá na casa, no Hospital Matarazzo onde a Lourdes morava. Eu ia praticamente uma vez por mês, depois eu comecei a ir 2 vezes por mês. E aí, em 82 foi eleito no Estado de São Paulo o Governador Franco Montoro, eu era do partido dele, PMDB, e, o que era prefeito, João Hermann, foi eleito Deputado Federal e aí, em 83 ele me chamou para trabalhar, com ele. O que começou a facilitar eu ir lá com a Lourdes, porque eu tinha que ir pra SP uma vez por mês mesmo, então eu ia, era pertinho de onde a Lourdes morava. Então, eu passava onde eu precisava ir. Fazia meio rapidamente as coisas no período da manhã, aí eu ia almoçar com a Lourdes, ficava a tarde ali trabalhando com ela. Nós trabalhávamos: fazíamos o projeto, priorizava pauta, ... quando foi instituído Fórum Estadual das Pessoas com Deficiência. Ela que motivou que o pessoal do Vale do Paraíba, o pessoal de Ourinhos, nós aqui de Piracicaba, o pessoal de Americana, vários grupos da FCD de São Paulo, dos outros movimentos: MDPD, do NID, vários movimentos lá da capital... E nós começamos a ... como fruto do Ano Internacional este Fórum, que depois deu origem ao Conselho Estadual de luta .. de Assunto da Pessoa com Deficiência. (Francisco Cerignoni)
227
Figura 38 - Parte de um documento sobre o MDPD
Fonte: SÃO PAULO (Estado), (2011: 81)
A Fraternidade participou ativamente de toda mobilização nacional em torno do Ano
Internacional. Esteve junto com outros, os mais diferentes movimentos e
organizações, cada um contribuindo com as estratégias que lhes eram mais
próprias, mas que se complementavam. “A FCD notabilizou-se por buscar as
pessoas com deficiência onde quer que estivessem em situação de marginalidade
(prisões, asilos, hospitais e, mesmo, residências familiares), para “resgatar” a
autoestima e mobilizá-las para a causa” (SÃO PAULO (Estado), 2011: 27). O
movimento em torno do Ano Internacional das Pessoas Deficientes foi fundamental
228
para se chegar ao estágio atual, da visibilidade, garantia de direitos, da inclusão da
pessoa com deficiência.
A luta desse movimento social “foi o confronto violento não apenas de interesses, mas de mundos contraditórios.” (Rancière, 1996, 375) É importante refletir o significado do simples fato de pessoas deficientes estarem nas ruas e suas demandas serem objeto de discussão pública. O que isso representou em um país com uma estrutura social e cultural como a brasileira. Os na época considerados “deficientes” enfrentaram conscientemente esse debate e com isso alargaram o espaço público de sua atuação, pois ela passa a ser ao mesmo tempo ação “perturbadora” e política. Criando sujeitos capazes de mediar o mundo em conflito no qual vivem e direcionar suas escolhas por
meio de suas experiências. (SÃO PAULO (Estado), 2011: 29)
Entre os temas que perpassavam as discussões do Ano Internacional das Pessoas
Deficientes estava a acessibilidade, ou melhor a falta dela que impedia o ir e vir das
pessoas com mobilidade reduzida, seja qual fosse o grau de redução. Ir. Ângela
Smiderle traz dois relatos que demonstram esta dificuldade e como dois fraternistas
enfrentaram este problema. O primeiro acontece em Porto Alegre, em relação às
resistências das Empresas de Transporte Urbano em adaptar a frota para
possibilitar a acessibilidade.
Estou vendo, aqui em Porto Alegre, ônibus adaptado. Foi uma luta da
Fraternidade para conseguir os ônibus adaptados aqui, porque os empresários
diziam que não tinha deficientes para viajar. Então tinha o Zezinho, lembra? O
Zezinho pegava ônibus num ponto, dava toda a volta, descia no outro ponto,
pegava outro ônibus e ia rodando a cidade. Ele disse: “Não?...” – “Os
empresários vão ver que tem deficientes que vão de ônibus.” Ele passava o
dia, no ônibus, zanzando, pra dizer: “Não, porque nós vamos conseguir (...)
ônibus adaptado.” Eu me lembro que nós começamos com a Carris aqui. A
Fraternidade, ia com o grupo de Kombi, no estacionamento da empresa para
treinar os cobradores e os motoristas como subir e descer deficientes do
ônibus. Depois então vieram os ônibus adaptados, e também daqui se
expandiu para o Brasil, foi aqui em Porto Alegre, um dos primeiros lugares onde
nós tivemos ônibus adaptados.
O outro episódio, ocorreu com Maria de Lourdes Guarda, dificuldade de acesso à
urna eleitoral.
A acessibilidade, era um grande problema na movimentação dentro das cidades, como circular a cadeira de rodas? Não só cadeiras, mas os que andam de muleta, por exemplo. Agora a gente tá vendo que, a maioria das esquinas, o meio fio já está rebaixado. Tem ainda o grande problema do acesso em logradouros públicos. Mesmo das próprias igrejas começou a despertar consciência que pra ele, a igreja tinha que ter uma rampa para entrar. Isso
229
também parece que ajudou, mas tem ainda muito problema, acessos também é direito. Eu me lembro, por exemplo, na época das eleições, colocam a urna no terceiro andar. Eu sei que a Maria de Lurdes Guarda, ela tinha no terceiro andar. Ela foi votar, de Kombi. Ficou na frente do prédio. “A senhora é deficiente, não tem obrigação de votar.” “Eu sou cidadã. Eu quero votar.” – Ficou uma tarde, na frente do prédio, dentro da Kombi, e aí chamou rádio e televisão, com tudo que tinha direito. Bem que a urna desceu e ela votou.
Na obra publicada pela Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência, do
Estado de São Paulo, em comemoração aos 30 anos do Ano Internacional das
Pessoas Deficientes, é possível encontrar inúmeros registros da participação da
FCD, nos movimentos de luta pela garantia de direitos das pessoas com
deficiência. Tanto nas mobilizações e manifestações públicas como em
Congressos e Encontros nacionais.
O movimento social ampliou e recriou o espaço público, bem como transformou a imagem das pessoas com deficiência, ao dispensar seus antigos porta-vozes (os médicos, os padres, os políticos) e passar a falar por si mesmos. E, o mais importante, se fizeram ouvir. E isso só foi possível, como grupo ou coletivo, por meio da “cidadanização” de seus membros. (SÃO PAULO (Estado), 2011: 26)
Figura 39 - Parte do relatório da Coordenação da FCD- Nacional quanto a participação no
1º Congresso Brasileiro das Pessoas Deficientes – Recife 26 a 30 de outubro/81
Foto Nossa
230
Figura 40 – Detalhamento do número de Fraternistas participantes no 1º Congresso
Brasileiro das Pessoas Deficientes – Recife 26 a 30 de outubro/81
Foto Nossa65
O depoimento de Antônio Carlos Munhoz, o Tuca Munhoz, aponta a importância da
FCD como movimento social e sua contribuição nas lutas das pessoas com
deficiência, ressaltando a significativa liderança de Lourdes Guarda.
No caso da Maria de Lurdes Guarda, eu acho que a Maria de Lurdes, além de ser uma liderança, de alto gabarito, uma pessoa... muito politizada, com forte
65 Fotos tirada de parte do relatório da Coordenação da FCD- Nacional quanto a participação no 1º
Congresso Brasileiro das Pessoas Deficientes – Recife 26 a 30 de outubro/81
231
poder de mobilização, ela teve a sorte e o privilégio de militar em uma época, junto a igreja, em que nós tivemos talvez o maior, e o mais destacado... cardeal da arquidiocese de São Paulo, que era o Dom Paulo Evaristo Arns. Então, quero crer sobre esse aspecto, que FCD nunca foi , salve engano, analisada, mas ela, é... o desabrochar, digamos assim da FCD, é... foi em um terreno, em um ambiente muito... propício, muito fértil, em função, justamente do papel que Dom Paulo Evaristo Arn desenvolvia aqui na arquidiocese, em sintonia, com a Maria de Lurdes Guarda que era também uma liderança... de... enorme expressão. Então foi um momento privilegiado pra FCD e um momento também em que ela foi pioneira e foi, é... e teve a dianteira do... movimento social de pessoas com deficiência, aqui em São Paulo. Na luta, por exemplo, por acessibilidade nos transportes. Eu lembro que, por exemplo na luta pela acessibilidade no metrô, logo que o metrô foi inaugurado, aqui em São Paulo. Mesmo antes de ele ser inaugurado, mas quando estava em planejamento, a FCD teve um papel bastante destacado e hoje nós... o que nós temos de acessibilidade nos transportes aqui da cidade de São Paulo, deve-se muito ao papel que a FCD desempenhou na época. A fora isso, um outro papel bastante importante que a FCD, é... foi pioneira, foi justamente de dar visibilidade às pessoas com deficiência junto ao movimento social de modo geral. Ao movimento social que lutava por habitação, que lutava pelos direitos humanos... Eu lembro que, na época, havia o movimento contra a carestia, e... e a FCD tinha presença nisso. (Antônio Carlos Munhoz)
Na verdade, a FCD esteve envolvida em todos os espaços possíveis de discussão
e concretização de direitos. Maria Lourdes Guarda incentivava a participação dos
fraternistas em todos espaços da vida social incluindo a participação na política
partidária. Isto se constata nas palavras de Celso Zoppi.
"Isto ela nos passou de maneira bastante clara e bastante forte: a necessidade de estarmos comprometidos com a vida da comunidade, da sociedade. Em 1982, ano eleitoral, foi estimulada nos núcleos, em todo o país, a discussão sobre o tema fé e política, para reverter aquela ideia de que política é coisa suja e incentivar o portador de deficiência a participar também da política. Outra ideia que Lourdes repetia e me marcou muito foi de que, se os portadores de deficiência constituem 10% da população, no mínimo poderíamos reverter essa sociedade que a gente considera injusta e transformá-la em uma mais fraterna com a nossa participação. Começou esse envolvimento na política, com participação nos diversos partidos. Em 1992 fui eleito vereador. Envolvimento não só em política, mas também na Igreja e nos diversos movimentos sociais. Lourdes dava muita importância à unidade e ao esforço do trabalho em conjunto com outras entidades de portadores de deficiência - eu me lembro de que naquele ano de 1981 houve um esforço muito grande de se estabelecer ligação com os deficientes visuais, com os deficientes auditivos e com os hansenianos, a ponto de se realizar um congresso nacional envolvendo não só a Fraternidade mas outros movimentos de portadores de deficiência, outras entidades, sem distinção de credo, raça ou cultura. Foi formada uma coalizão nacional, envolvendo todas as áreas. Lourdes Guarda, representando a Fraternidade, fez parte desse movimento para poder levar o espírito de valorização da vida também para as outras áreas de deficiência." ( Celso Zoppi. In: OLIVA; ROCHA, 1998: 66,67)
232
Outros tiveram também um envolvimento na esfera política, concorrendo a cargos
eletivos, como é o caso de Célia Leão, que exerceu o mandato de Deputada
Estadual e Archimedes, Vereador de São Paulo, o amigo inseparável de Lourdes
Guarda.
Passado o AIPD, a mobilização continuou, embora tenha ganhado novos
contornos. Inicia a fase de luta pela garantia de políticas para toda sociedade e
principalmente pela garantia dos direitos das pessoas com Deficiência.
Incentivamos, divulgamos e implementamos, junto a outras pessoas, o Fórum das organizações de pessoas com deficiência, daqui de São Paulo, do qual participavam Romeu Sassaki e Robinson de Carvalho (médico já falecido, de Ourinhos), além de representantes de Taubaté; eu, de Piracicaba, e o pessoal das entidades de São Paulo: Fraternidade, MDPD, NID e vários movimentos. Logo depois do Ano Internacional, nós demos continuidade a esse fórum, que resultou no 1º Seminário Estadual das Pessoas com Deficiência, depois da eleição do Franco Montoro, em 1983 (Chico Pirata. In: SÃO PAULO (Estado), 2011: 40).
Houve a partir daí a consolidação dos ganhos alcançados durante as atividades em
torno do AIPD. No governo de Franco Montoro no Estado de São Paulo foi
constituído o Conselho Estadual para Assuntos da Pessoa Deficiente. Depois
foram surgindo outros em nível estadual e também municipal.
Estava aqui no Brasil um processo de reeducação, de redemocratização e nós aqui, então participávamos de todos os momentos políticos: lançamento da Assembleia Nacional Constituinte, nós estávamos juntos; aprovação da Constituição em 88, nós estávamos juntos; a discussão da Constituição nós estávamos juntos; fazíamos protestos na Av. Paulista; nós fazíamos protestos no metrô na Sé, na Câmara Municipal de São Paulo; no dia 21 de setembro que foi definido o Dia Nacional de luta; em todos os lugares, na frente o INSS, na frente do Ministério da Saúde conforme fosse o caso, conforme fosse a luta.
A FCD, estava metida em tudo, não sozinha, mas ela sentia assim: “ nada sobre nós, sem nós” . O Documento Base que estava sendo elaborado ainda, já dava a sedimentação destas reivindicações, destas discussões, destas políticas de protestos. Isso foi, mais ou menos, até a década de 90. Foi num crescendo, participação popular, compromisso com os mais pobres, reivindicações, passeatas, mutirões, tudo que se pode imaginar. (Francisco Cerignoni)
O Brasil nesta época passa por um processo de redemocratização e luta por
garantia de direitos políticos que haviam sido desrespeitados ou retirados no
233
período do Regime Militar. A luta pelas diretas, a reivindicação por uma Assembleia
Nacional Constituinte. Estas questões estiveram presentes no horizonte da FCD.
Nós participamos também da elaboração da Constituição, Como representante do Conselho e pela FCD. Eu como, naquela época, era diretor do Conselho. O Conselho de SP, um dos que ajudou a puxar esta discussão nacional, tanto que, eu que fui designado para coordenar a última Assembleia para decidir o que encaminharíamos para Assembleia Nacional Constituinte, que foi em 1987. Nós ficamos lá 6h para decidir 14 pontos que encaminhamos para Assembleia Nacional Constituinte. Desses 14, se não me engano foram todos adotados, passou a fazer parte da Constituição. Foi no começo, algumas coisinhas assim que a pessoa com deficiência devia receber algum recurso quem não tem como trabalhar. Depois deu origem ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), algumas coisas assim .... Tem direito a educação, então precisa matricular as crianças, porque não adianta dizer que tem direito, mas não matricula, e algumas coisas assim. Tem direito a saúde, é ... princípios bem gerais como era a Constituição. A Constituição é de princípios bem gerais, não é de detalhes, e nós respeitamos isto. Apesar de que, a Constituição não respeitou tanto, colocou mais detalhes do que deveria. Mas, nós respeitamos a ideia da Constituição ser uma coisa enxuta, tanto é que nós apresentamos somente 14 pontos. Isso não significa que esgotava todas as questões que dizia respeito as pessoas com deficiência (Francisco Cerignoni).
Com a aprovação da Constituição, muda a forma de atuação, é tempo de garantir
que a legislação contemple o que foi discutido e apontado como direitos dos
cidadãos e, particularmente, os dos cidadãos com deficiência. A FCD tem isto claro
e continua atuando.
Depois da Constituição (88) nós passamos por um período que foi construir o arcabouço jurídico. Houve uma enorme redução das atividades reivindicatórias, de manifestações públicas ... por um lado a Fraternidade foi crescendo no espírito fraterno e tal. Com pouca participação pelo viés que ela tinha maior, que era de luta popular, de levar cartaz e tal e agora não era essa época... A época era de construir leis, era de pressionar deputados... pressionar senadores .... Construir, porque aprovada a Constituição Nacional, teve que aprovar todas as constituições estaduais, cada estado começou a se debruçar para que aquelas questões que foram garantidas na Constituição passassem a vigorar através das constituições estaduais. Então foi uma época assim, de pouca atuação de massa, foi mais atuação de bastidor e aí eram poucas pessoas que tinham essa visão, que tinham essa amplitude, né. Eram poucas as pessoas que participaram mais ativamente nesta construção, porque é um processo difícil, é um processo de muitas idas e vindas, e as pessoas da população em geral se desgasta com isso. Sabe!
Dá a impressão que não caminha, que nunca avança e é assim mesmo o processo de construção no legislativo, mas foi construído um arcabouço jurídico, que garantiu vagas nos... no mercado de trabalho, garantiu as cotas, né. As famosas cotas e começou a garantir o atendimento de saúde pelo SUS, né. O SUS começou a distribuir algumas órteses e próteses, mas não distribuía cadeira de rodas, cadeira de rodas aí vem depois, né. Mas foi construindo essa
234
legislação, né. Aí foi aprovada a LOAS - A Lei Orgânica da Assistência Social. A Lei Orgânica já trouxe algumas coisas mais, veio o tal de PPC, isso foi até ... até 88, 93, 95 até o ano 2000 mil mais ou menos, esse período que a Fraternidade... vamos dizer assim ... patinou enquanto movimento popular, no caso de essa atuação foi mais na área de legislação. Nesta área muito poucos participaram, né. O terceiro momento é aquele que nós vivemos agora a partir do ano 2000. Com a Fraternidade agora a característica dela é de ela ser, vamos dizer assim o elo de ligação entre várias entidades que existem de pessoas com deficiência, então ela tem : teve acento no CONADE, nesse período, duas ou três ela teve (2 ou 3 mandatos) acento no CONADE. Neste momento ela não tem.
A LBI (Lei Brasileira da Inclusão) que a gente reivindicou para que ela pudesse vir para organizar os Conselhos, para dar força para estes Conselhos... Não fala em nenhum momento de Conselho .... não toca nesse assunto. Diferente do Estatuto do Idoso, obrigou que todos os municípios tivessem Conselho ... Estatuto da Criança e do Adolescente que obrigou que todos os municípios tivessem o Conselho da Criança e do Adolescente, o da pessoa com deficiência, não tocou nesse assunto a LBI. É! o atual estatuto da pessoa com deficiência não tocou nesse assunto do Conselho, portanto ele está solto.né! Tem alguns estados que ajudam mais como o estado de SP, e tem outros estados ... como é obrigatório ... fica ... fica na vontade da participação das pessoas com deficiência e dos organizadores das pessoas com deficiência que também sofrem ,ora tão no alto, ora tão na baixa, como todo movimento popular, movimento de igreja , movimento de esquerda: sobe, desce, sobe, desce, né. Tem uma linha que mantém, mas sobe muito, desce muito (Francisco Cerignoni).
Na avalição de Francisco Cerignoni, a FCD, assim como os movimentos populares
passam por um momento de estagnação, ou de baixa e com isso as pessoas com
deficiência tendem a se tornar novamente invisíveis. Aparecem na lei, nos
documentos, mas perdem em protagonismo na vida, na história.
Hoje nós entendemos, todos os setores de pessoas com deficiência estão, como o trabalho popular, em baixa. Não está aparecendo muito, nós estamos invisíveis de novo. Nos documentos a gente aparece etc, ..... sem o protagonismo, os Conselhos não tem força. Agora, o de SP nós estamos tentando reativar, o de Piracicaba eu quando assumi lá, visando implementar melhor com os companheiros, que nós somos ou ... que pegamos pra valer, né. Mas, tá num momento difícil, os movimentos populares de uma forma geral tá, em baixa. Esta é uma hora difícil de atuar porquê .. é .. tem aí esta questão dessas PEC, a PEC 241 agora já mudou de número agora é 55, no Senado é outro nº, a PEC 55 é o ... a Fraternidade se posicionou. Eu tenho o documento aí assinado pela Amélia e pelo padre Geraldo, né. A fraternidade se posicionou, o Conselho Estadual se posicionou, o nosso conselho.. O CANADE se posicionou , nosso Cons. Munic. aprovou... to redigindo, tenho que apresentar até 4ªf , 3ª é feriado, hoje ponto facultativo, pra manda pro senado, né. O documento considerando algumas coisas, mas é pouco. Não é só nós que estamos aí. Os que tão mais batalhando são os estudantes secundaristas que aproveitaram o embalo da mudança do ensino médio, né. A proposta de
235
mudança do ensino médio que tão atuando também ,né... com relação a PEC. Mas, nós estamos vivendo um momento dramático que a gente vai ... a gente analisando as questões das pessoas com deficiência, hoje a Constituição garante um mínimo pra saúde, um mínimo pra educação, com esta proposta da PEC isso não tá mais garantido, né. Pelo que foi aprovado da Convenção Internacional e da LBI há necessidade de gastar mais com a pessoa com deficiência e o pessoal vai cortar, vai gastar menos, vão descumprir a Constituição, Vão descumprir a constituição porque não dá pra cumprir os dois , porque um é proposta de emenda constitucional aprovada para vir a Constituição. Mas, a Constituição já está ali não foi nada divulgado? Então vai cumprir alguma coisa e outra não. Vai ser uma ... juridicamente vai ser um negócio inseguro, para o país inteiro, porque eles vão cobrir este lado da Constituição e o outro vão deixar, vão deixar .... (Francisco Cerignoni)
No período pós Constituição, como Francisco relata, foi um período árduo, mas
com envolvimento mais direto de poucos. Isto devido a natureza da exigência do
momento. Embora não tenham sido muitos os envolvidos, neste processo, A FCF
se fez presente e teve uma atuação interna, significativa. Como já foi mencionado
na palavra do próprio Francisco, juntamente com a discussão da Constituinte a
Fraternidade passou por uma intensa discussão interna que resultou na elaboração
e aprovação do Documento Base, que afirma a missão e a mística do Movimento,
assim como aponta perspectivas.
A fase de implantação do Documento Base, foi quando nós refletimos: quem nós somos, o que nós queremos, como é que nós queremos fazer, o que nós defendemos, quais são os nossos parceiros, quais são os nossos adversários. Esse é o nosso quadro que foi e consta no Doc. Base. Com isso ela teve uma expansão enorme, no Brasil e fora do Brasil. Porque a fraternidade Cristã já era um movimento internacional, mas nunca tinha um documento que surgiu da própria Fraternidade. Os documentos que tinham e que se discutiam eram documentos teológicos vindos de sacerdote, vindo de pensadores de dentro da Igreja, do próprio Pe. François que era o fundador, ele morreu em 86. Ele produzia muito! Mas das pessoas... era mais a reflexão que ele fazia sobre as pessoas. Documento das pessoas tinha pouco, para nós pelo menos, nos chegava pouco. Então, o fato de ter este documento que tinha: uma mística, que tinha, ou defendia uma mística; que tinha uma forte base teológica mais ao mesmo tempo tinha pinceladas de ecumenismo, foi uma revolução. Esse documento defendia até as últimas consequências a participação das pessoas com deficiência, nas questões que diziam respeito às pessoas com deficiência. O slogan “ nada sobre nós, sem nós” ainda existia, mas a Fraternidade defendia e este fato motivava ela participar de tudo que existia e de forma bastante marcante. (Francisco Cerignoni)
Além desta atuação da Fraternidade, na esfera social, em que Francisco tem
participado ativamente, também participou do Relatório Alternativo da Sociedade
236
Civil com relação a prestação de contas que o Brasil faz do Cumprimento da
Convenção da ONU, da qual é signatário.
Nas Assembleias e encontros que aconteceram este ano, nota-se uma forte
inquietação dos fraternistas com relação ao risco da perda de direitos, com medidas
que o Governo Temer tem tomado. A Reforma Trabalhista e a Reforma da
Previdência tem sido pauta de estudo e discussão. A Assembleia de São discutiu o
assunto e redigiu uma carta à população que foi divulgada em meios de
comunicação. Na Assembleia do Rio Grande do Sul, também a temática fez parte
da pauta das discussões. O Encontro de Formação da Área Sudeste/Centro Oeste
também tratou em um Seminário sobre o tema, onde os participantes manifestaram
suas preocupações e levantaram uma série de sugestões para atuação.
4 3 - A Fraternidade Cristã de Pessoas com Deficiência nos dias atuais
As pessoas entrevistadas de forma mais sistematizada ou não, manifestam em
seus depoimentos como veem a FCD atualmente e quais são as perspectivas em
relação a ela.
Francisco fala manifesta sua visão na perspectiva da FCD como movimento social.
A partir de 90 começou a arrefecer, não só a Fraternidade, mas os movimentos populares todos. Exatamente não sei, foi na década de 90, mas não sei se foi 91,92, ... 95, mas eu sei que começou a arrefecer o movimento popular e a Fraternidade sentiu muito isso. Esse terceiro momento que nós estamos a gente não milita mais em protesto e tal, mas a militância da Fraternidade é mais. Alcançamos uma série de mudanças legislativas significativas, a Fraternidade participou e agora ela participa diluída no meio de centenas de movimentos que tem e que antigamente eram muito poucos, e a Fraternidade era um dos mais fortes e ainda é. Agora tem muito mais movimentos e tem muito mais possibilidade através da internet, na nossa época era cartinha ...né, era revistinha, era boletinzinho ... agora se a gente chega em qualquer lugar do mundo aí com uma facilidade enorme por causa desta questão da internet.
Nós perdemos algumas disputas que nós vínhamos ganhando, a gente tinha acento na ... no CONADE, no Conselho Nacional, a FCD tinha acento perdeu o acento. A ONEDEF assumiu, porque a Fraternidade não conseguiu mostrar que ela trabalha com vários tipos de deficiência. Foi designado pelo CONADE, que a vaga seria destina para ser ocupada pela pessoa com deficiência física. Aí são três organizações a FCD, o CVI e a ONEDEF (Organização Nacional dos Deficientes Físicos) e CVI (Centro de Valorização da Vida Independente – Centro de Vida Independente) . Estes três, vamos dizer trabalham com a
237
deficiência física, então havia sempre um ... Antes da ONEDEF se reestruturar, tinha a FCD e o CVI. Na verdade, foi feito um acordo de cavalheiros, uma vez cada um, um mandato cada um. Então, um mandato era do CVI, o outro mandato era da FCD. Agora a ONEDEF entrou e falou: não, agora eu só. Eu que represento todos, eu que sou da organização nacional. Então, é uma disputa que não... tem nem força hoje, nós não tivemos nem força hoje. A CVI abriu mão porque se desinteressou, porque toda vez que o CVI assume ou que a FCD assume, não pode receber recurso:, se o CVI assume recurso não pode vir para o CVI. Se é a FCD que assume, também não pode vir para a FCD. Se é a ONEDEF que assume, então ... também perde o interesse de participar do Conselho. Por que se participa do Conselho, e você tem algum projeto pra desenvolver a nível de recurso do poder público federal fica inviabilizado.
Eu acho que nós temos que achar um ponto de equilíbrio entre uma rede e atuar nestes espaços que são possíveis, que são os Conselhos ... Nós minimamente participamos da elaboração do Relatório Alternativo da Sociedade Civil com relação à prestação de contas que o Brasil faz do cumprimento da Convenção (Francisco Cerignoni).
Frei Nelson e Ir. Ângela tem uma visão mais voltada a FCD nas suas características
mais fundantes. A visão de quem está no dia a dia do movimento, na visita no
encontro, na busca das pessoas. Ir. Ângela sempre esteve envolvida com a
formação dentro do Movimento.
Vamos considerar também, nos últimos anos, digamos, quinze, vinte anos aí,
o que politicagem começou a... meter... digamos... a pedra no caminho para
que essa... essa autonomia possa continuar (...) impressionante.
Eu sempre acreditei e continuo acreditando se as pessoas com deficiência
assumem a sua realidade e passam a viver com alegria dentro dessa
sociedade de consumo, elas vão se tornar evangelho vivo, elas são presença
viva disso que vai além do material e das aparências. Agora, pra conseguir que
uma pessoa com deficiência consiga se libertar de toda a carga da sociedade,
é complicado... é muito difícil. São poucas as pessoas que realmente fizeram a
caminhada no sentido de que se tornaram militantes e que... por problemas e
coisa, não tenham desistido no caminho. São... são poucas que
compreenderam e assumiram isso como algo... além de ser convicção humana,
também uma convicção de fé, de dizer: “Olha, eu... se eu me amo tenho que
mostrar isso com gestos para as pessoas.”
A pergunta é: Por que tantos fizeram o curso se tão poucos ficaram? Digamos,
na luta? Eu pessoalmente tenho a minha leitura, depois dessas caminhadas,
assim, em diferentes níveis. Para mim é uma convicção já de muito tempo a
constatação de que mundialmente existe uma mentalidade de dependência.
Poucas pessoas são protagonistas. No sentido de dizer que tem uma opinião
crítica, que são capazes de se manter, um pouco independente da influência
do meio, né? Digamos, essa mentalidade de dependência, para mim, muito é
gerada pelas igrejas e pelas religiões. Inclusive eu notei que na Europa, por
exemplo, nos Estados Unidos, países de primeiro mundo, a gente não sente
238
tanto essa mentalidade de dependência. Porque ali o social, político, já existe
uma cobertura, uma infraestrutura que dá cobertura básica. Mas no religioso,
tanto na Europa como nos Estados Unidos e aqui, nós que sentimos. Essa
mentalidade de dependência está presente em toda a parte, e nem sei se é
possível dizer quais as raízes. Falando com um companheiro da Alemanha,
né¿ é... ã... a gente... e olhando um pouco que falava Yung, né¿ dos medos e
da... e da esta insegurança interior, é... Ao me ser perguntado, como se podia
superar? Para mim os únicos dois caminhos que deveriam ser trabalhados
seriam: a espiritualidade e a sexualidade; porque, a... a... ao não falar do corpo,
ao não conhecer o corpo, ele... as energias que nós temos, este
desconhecimento é a primeira fonte de medo. A pessoa se sente insegura, não
sabe nem de si mesmo, então não sabe dos outros... e eu creio que a
fraternidade trabalhou, em alguma época, um pouco mais isso. Me lembro no
nosso tempo nós fazíamos até encontros sobre sexualidade, de uma forma
muito aberta, se tentou com psicólogo, mas com psicólogo não deu certo. Dava
certo, quando se reunia um grupo pessoas, casadas e não casadas, e se
começa a falar da... das sensações que se tinham. Foram momentos de
terapias, conjunto, muito interessantes, e que ajudaram pessoas a de fato
ficarem mais tranquilas, sabe. Saírem um pouco dessa mentalidade moralista
e que tudo é pecado. Eu fico impressionado como hoje em dia ainda se fala
tanto em pecado quando na verdade já fomos liberto de tudo isso. Cristo já ...
(Frei Nelson)
Isso que é o difícil hoje em dia. As pessoas não se visitam, sabe. Não criam um processo de encontro para se tornarem amigas e como pessoas amigas (...) juntas fazer alguma coisa. Isso antigamente funcionava.
Porque o. conjunto exigia isso, ...era natural as pessoas como estavam muito isolados ir e querer se encontrar. Hoje em dia com essas... com esses aparelhos, todo mundo se sente...
Isolado...
...conhecedor do mundo e... e não precisa... que não precisa mais nada, né¿ Então na hora da solidão, aí que... aí começa a apertar o calo, né. Porque aí não adianta isso aqui... (mostra o celular)
Esses meios de comunicação, diria eu, eletrônicos tem prejudicado muito a comunicação dentro da família e o relacionamento dentro da família. Diria até entre os próprios casais, aonde individualismo e isolamento, aí realmente esses meios...
O meio é bom. Seria bem usados, como tudo, excelente. Só que, no seu devido espaço, no seu devido momento Quer dizer, isso seria um meio excelentíssimo, eu vejo o que me serve o celular, meu Deus! Mas usado nas devidas proporções pelo qual ele foi criado e não para isolar a pessoa. Quer dizer, hoje me parece que estes meios já estão vindo para fazer com que a nossa turma retome o isolamento. Tô vendo isso. Se não é bem orientado eles vão se isolar de novo. (Ir. Ângela)
Padre Geraldo aponta a importância da FCD, no buscar a pessoa, no contato, na
valorização da vida.
239
Eu acho que, a fraternidade, diferentemente dos outros movimentos, ela vai atrás. Geralmente, não sempre, mas geralmente, os movimentos todos de pessoas com deficiência, são de anunciar e alguém que venha a nós. Então nós estamos abertos, ele entra ali e olha, para.
- “como é que é isso aqui?
Ou então pela internet, hoje em dia né:
- “O que que houve aí? Como é que isso?
A fraternidade geralmente vai atrás das pessoas. Então fica sabendo...
- “Ah! tem uma pessoa lá que fica trancada.”
- “Ah! então vamos lá visitar um dia.” – Marca com o colaborador, vai né.
Então, é esse ir atrás que eu acho que é um aspecto da fraternidade, importante. É... Eu acho que a presença. Então ainda hoje nós estamos ainda muito... Tirando gente do baú, né. O que que seria isso? Quer dizer, ainda tem muita gente que não tem uma instrução, uma cultura, um entendimento, ... São pessoas muito, ainda, abandonada que a gente vê nos encontros. Tem muito isso. É... Mas eu acho que a missão da fraternidade, que é cuidar desse povão todo, resgatar as pessoas por convívio, social. É... E, estar presente. Justamente por isso. Para mostrar que vida não é só poder andar, poder enxergar, poder escutar, poder ... Se movimentar. Mas mesmo com todas as dificuldades, a vida é maior do que qualquer tipo de deficiência que possa ter. Não só deficiência física, mas deficiência espiritual, deficiência moral, deficiência qualquer uma, qualquer outra. A fraternidade eu creio que tenha uma grande missão, no mundo. Grande. Porque a medida que ela conseguir, superando as barreiras, estar presente e mostrar que:
- “Olha, isso é possível.” –
Vale mais a vida que a gente tem, ainda que limitada sobre esse ou aquele outro aspecto, do que o limite. Não temos que valorizar o limite... Temos que valorizar a vida, que restou. E essa também é uma das diferenças com respeito a um outro movimento que tem mais no Chile, né¿ A Veronica fazia parte ou faz parte ainda da... desse movimento “Esperança Cristã”.
Que é outro movimento. com a pessoa. Que valoriza muito, ainda, a deficiência e não a pessoa. A fraternidade veio com essa tonalidade diferente sobre isso. Valorizar a pessoa! O importante no ser não é que você não tem, é o que você tem. A Esperança Cristã trabalha muito com o que não tem. Com o sofrimento, com a dificuldade, então vamos rezar pelo... salvação do mundo, vamos oferecer lá o sacrifício, estamos salvando junto com Jesus. Junto com a Paixão de Cristo, nossa paixão também e tal... A Fraternidade, justamente... A Lurdes começou a participar da esperança Cristã aqui em são Paulo, né¿ Porque veio, era um padre jesuíta também, Aldo Jacque, esse... esse... Duato era jesuíta também. Aldo Giacchi, que... né... Começou a tal da Esperança Cristã, e foi no Chile também. E ela começou lá e depois viu que não era bem aquilo e... (Pe Geraldo)
Visitar esta caminha da Fraternidade Cristã de Pessoas com Deficiência, além de ter
sido um passeio prazeroso, fraterno, foi um descobrir que a FCD faz sentido. Faz
sentido porque caminha junto com as pessoas, devolve a vida para quem não acha
240
sentido nela. Chama, convida e vai junto lutando, celebrando, partilhando o gosto
da vitória.
O “Levanta-te ... e anda!” acrescido de “Entra na roda com a gente também. Você é
muito importante. Vem ....”66 têm sentido nesta jornada.
66 Coro de um cântico muito cantado nos encontros da FCD.
241
CONSIDERAÇÕES
Ao iniciar este trabalho, procura-se deixar claro o envolvimento da pesquisadora
com as pessoas com deficiência, e que desde muito cedo, esta tem um olhar
inquieto sobre as situações que as envolvem. O encontro com a FCD, em 1992,
possibilitou a percepção de que este movimento tem uma atuação diferenciada no
convívio com elas e com as dificuldades enfrentadas em consequência de suas
deficiências. A medida em que foi se aproximando e se envolvendo com o
Movimento, foi crescendo o sentimento de admiração e respeito por ele e pelas
pessoas envolvidas. Neste caminhar muitas amizades foram construídas. O
percurso da pesquisa foi muito agradável. Possibilitou o reencontro com pessoas
amigas e a construção de novas amizades, permitindo que o trabalho de
garimpagem se tornasse agradável, cercado por laços de amizade e cooperação.
Por outro lado, o esforço para manter o olhar pesquisador e exploratório,
exercitando o necessário distanciamento, foi intenso.
A proximidade com o “objeto” exige um esforço maior para o distanciamento e a
objetividade, no entanto, foi enriquecedora, na medida que possibilitou conhecer
detalhes antes não conhecidos, recordar e refletir sobre outros trilhados juntos e
ainda a possibilidade da discussão de igual para igual de questões que foram sendo
postas ao longo da caminhada.
A proposta da pesquisa foi muito bem acolhida pela FCD, as pessoas se mostraram
abertas para o diálogo, colocaram os materiais e a documentação à inteira
disposição, desde as esferas: estaduais, nacional, continental e até internacional.
Para alguns até com um certo orgulho, porque pelas informações que possuem é
“a primeira tese de doutoramento sobre a FCD no mundo” (palavra do Pe. Geraldo
Nascimento, na Assembleia Estadual de São Paulo, em março de 2017). Esta
disposição e acolhida disponibilizou muito material para ser examinado, o que
necessitou delimitar a abrangência da pesquisa. Devido a extensa atuação da FCD,
em todos os continentes, no primeiro momento foi pensado focar a pesquisa no
Continente Latino Americano. Com o passar do tempo, foi sentida a necessidade
de concentrar no Brasil, tendo em vista que demandaria muito tempo e recursos
financeiros para viagens e o prazo para finalização da pesquisa estava se
esgotando.
242
A garimpagem foi feita ouvindo pessoas que tiveram ou têm ainda uma participação
efetiva na FCD, no Brasil. Alguns até com atuação no âmbito Continental ou
Intercontinental como é o caso da Salete Milan, atual Coordenadora Continental;
Frei Nelson Jungues, Conselheiro Continental, que já foi Conselheiro
Intercontinental; Francisco Cerignoni que foi Coordenador Intercontinental. Dados,
também foram colhidos na participação em reuniões e encontros do Movimento,
tendo uma observação participativa. Algumas pessoas deram depoimentos que
foram gravados e depois transcritos. Ficaram de fora pessoas importantes na
história da FCD, no país. Uma delas, é Vicente Masip, quem trouxe a FCD para o
Brasil, que mora em Recife. Foram feitas duas tentativas de contato, mas não houve
resposta. A Coordenadora Continental, Salete Milan, enviou por escrito, um resumo
de sua atuação na Frater. Embora mantendo contato e tendo estado junto, pelo
menos por duas vezes durante o processo da pesquisa, não foi possível fazer uma
entrevista gravada com ela. Outras pessoas contribuíram informando sobre os
encontros que aconteceriam, colocando-os a disposição para participação e
observação, ou ainda, respondendo a algumas questões via facebook, como é o
caso de Amélia Galan, Coordenadora Adjunta Área Sudeste/Centro-Oeste.
Juntamente com os depoimentos e observações foi necessário a pesquisa
bibliográfica para fundamentação histórica e teórica da deficiência, bem como, das
questões metodológicas. Este percurso da pesquisa expandiu o olhar sobre a
complexidade da deficiência e sua presença na história, bem como a forma de tratar
as questões que envolvem as pessoas atingidas por ela, ao longo da história da
humanidade. Levou à percepção de que houve um árduo e doloroso processo de
construção e desconstrução de conceitos e atitudes relativas às pessoas com
deficiência, que deixaram marcas e que interferem na forma como essas pessoas
são tratadas na sociedade, ainda hoje. Bem como, a luta pelo seu reconhecimento
como pessoas, de sua eficiência e de suas potencialidades.
A história aponta a trajetória do extermínio, da exclusão, da invisibilidade, até à
atitude de reconhecimento do pertencimento das pessoas com deficiência ao
mundo social, como ser humano, sujeito de direitos e deveres. De que estas
pessoas são maiores do que as suas limitações pessoais, causadas pela sua
deficiência. Incluindo, ainda, o reconhecimento de que o comportamento da
sociedade em relação estas pessoas é que é deficiente, produzindo mais barreiras
243
que limitam sua participação plena. Até chegar ao que hoje entendemos por
Inclusão.
Notadamente, percebe-se que as diferentes ideias que povoaram o imaginário da
humanidade sobre as deficiências ainda estão presentes hoje e são responsáveis
pela imensa discriminação de que essas pessoas são vítimas ainda hoje. A cada
momento novo da história da humanidade, a cada mudança na forma de ver o
mundo e de se organizar dentro deste mundo mudam também os conceitos e a
forma de tratar as pessoas com deficiência. Isto vem com uma carga forte dos
entendimentos religiosos, mas também com as diferentes formas de organização
da sociedade, com o modo de produção que se estabelece no grupo social. Ou
seja, mudam as conceituações sobre a deficiência conforme os interesses
presentes na sociedade. Nas sociedades primitivas em que se vive dependente da
coleta e do nomadismo as pessoas com deferências se tornam um peso. Nas
sociedades agrarias elas podem coexistir com a família, mas são confinadas. Nas
sociedades industriais a situação é diferente porque esse próprio tipo de sociedade
produz deficiência ao mesmo tempo, em que necessita dessas pessoas como mão
de obra. Aí surge a necessidade da reabilitação. Estamos hoje em uma nova
realidade devido a ‘revolução’ informática e da robótica. Estas questões
mereceriam uma pesquisa mais específica e aprofundada, sob dois aspectos: a
relação entre a conceituação de deficiência e de pessoa com deficiência e os
modos de produção e as consequências dos avanços científicos e tecnológicos
atuais para o futuro dessas questões. Há indícios de que em sociedades
‘envelhecidas’, como a Europa, em que, em outra época houve a necessidade da
presença mais efetiva das pessoas com deficiência como mão de obra, hoje essas
pessoas, apesar de terem reconhecimento e condições melhores de vida, voltam
ao estágio de marginalização, “devem permanecer no seu canto”. Este aspecto
mereceria uma pesquisa de maior folego.
Fica evidente o papel das guerras não só na produção de deficiências, como
também na busca por minimizar seus afeitos na sociedade e na vida das pessoas
que sofrem com as sequelas, no que diz respeito às descobertas e avanços
tecnológicos que vêm ajudar na reabilitação. Isto como sentimento humanitário de
solidariedade, mas também, e até principalmente, pela necessidade de
244
recuperação de mão de obra, para o mercado de trabalho, dizimada pela própria
guerra.
O nascedouro da Fraternidade, com o Pe François, na França, quando o mundo
está destroçado pelas duas Grandes Guerras, em especial o mundo europeu, a
França e, mais especialmente ainda, Verdun, tem um viés diferente. Neste
ambiente de morte e destruição alguém se levanta do leito de sua enfermidade e
sai estendendo a mão a outros que estão nas mesmas condições ou em condições
piores. Que perderam seus pedaços em meio à guerra, que assistiram a morte de
milhares de companheiros, dos dois lados das tropas, que até participaram da
destruição de povoados, que atingiram muitos civis. Certamente, pessoas que
estavam convivendo com a sua dor e mutilação presentes, mas também com as
memórias dos tempos de horror. Ele vem ter contato com a pessoa, na sua casa,
nos hospitais, no isolamento. Simplesmente porque é pessoa e está sofrendo.
Talvez seja a única pessoa que ouve, que trata como pessoa, que toca sem ser
para dar um cuidado médico, impessoal, como ele mesmo narra. Esta visita sinaliza
que o mundo não é só aquele horror vivido. As pessoas percebem que vivem, que
este vivido pode ter outra possibilidade. Em determinado momento, François
percebe que suas mãos não são mais suficientes e ele desafia outros e outras nas
mesmas condições para também estenderem a mão e o Levanta-te e anda! passa
a ecoar com mais força.
Estas pessoas levantando-se, levantam o olhar e seu ângulo de visão se expande
e outros são encontrados, olhares se encontram, percebem que a experiências de
vida tem semelhanças, percebem que são pessoas e têm direito à vida e à
felicidade. Com isso, sua visão de mundo se amplia, podem ler o mundo através
de sua experiência dolorosa, mas essa visão extrapola limitações, desperta a
necessidade de se construir ou se reconstruir, como pessoa. Constrói a sua
subjetividade na relação com outros e outras que enfrentam dificuldades
semelhantes e constroem juntos um caminho para uma vida digna. Este despertar
de si, este tomar as rédeas da sua própria vida não fica só na individualidade, mas
traz a compreensão de que esta experiência pessoal precisa ser entrelaçada com
a vida social.
Neste passeio sobre a história da FCD, pode-se perceber que a Frater tem um
papel importante na história de vida das pessoas que se aproximam dela, como
245
das que são buscadas pelos fraternistas. Os depoimentos confirmam a maneira
discriminatória como são tratadas as pessoas com deficiência. A invisibilidade e o
coitadismo são atitudes que contribuem para dificultar uma participação mais
efetiva na vida por parte dessas pessoas. Reforçando a ideia de “ditadura do olhar”,
conforme foi mencionado anteriormente. A forma como as pessoas são vistas e
tratadas determina a forma como se colocam no mundo.
A Fraternidade para muitos tem sido um misto de diversidade, humanidade,
autonomia e empoderamento. É muito forte o sentimento de que a Fraternidade é
espaço de resgate de vida. O depoimento da Salete Inês Milan, Coordenadora
Continental do Continente Latino–Americano, sobre sua trajetória na FCD, reflete a
síntese do que significa a Fraternidade para a vida de milhares de pessoas
espalhadas pelo mundo e que de alguma forma se envolvem no Movimento. “A
FCD me fez descobrir que podia ser protagonista da minha própria história, que
tinha capacidades de decidir, opinar, estudar, trabalhar e amar.” Tudo isto fazendo
com que se quebre as amarras desta “ditadura do Olhar”.
Tomando o pensamento de Touraine, de que o movimento social é sempre um
movimento moral, que os sujeitos se revelam pela apresentação de valores morais
que são opostos à ordem social, a FCD tem essa identidade por excelência. Sua
proposta tanto como movimento religioso, quanto como movimento social, está
gravida de valores, como a valorização da vida, a valorização do ser humano, a
valorização do diferente. Vê a pessoa com deficiência na sua totalidade como ser
humano, com virtudes e defeitos, com eficiência e ineficiência. Como pessoa
amada por Deus. Esses são valores que estão deixados de lado na sociedade em
geral. No caso da pessoa com deficiência a exclusão e o preconceito ainda é
bastante acentuado.
O papel fundamental da FCD, na vida das pessoas com deficiência e dos que estão
ao seu redor, diferentemente de outros movimentos que engajam as pessoas que
já estão em processo de reabilitação ou já tem uma certa participação na
sociedade, é ir ao encontro das pessoas lá no seu isolamento, na sua solidão.
Visita, estimula, acha formas de fazê-las participar dos encontros dos grupos.
Coloca-as no convívio com outras em condições similares. Pode-se notar nos
relatos e depoimentos, o quanto proporciona o resgate da autoestima, o
protagonismo de suas vidas e o resgate da dignidade humana. A medida que estão
246
se envolvendo no Movimento, são propiciados momentos de formação e
capacitação, preparando-as para um maior envolvimento. O despertar destes
seres humanos contagia as outras pessoas à sua volta, em primeiro momento a
família, depois cuidadores e até pessoas mais distantes que começam a perceber
as transformações. Despertando de sua letargia, os fraternistas tornam-se sujeitos
de sua história e da história da sociedade.
A atuação social passa pelo indivíduo, que despertado sente a necessidade e vai
em busca de participação, mas também se dá como coletivo. Neste contexto os
fraternistas não só se tornam sujeitos de sua própria vida, como também
apresentam valores que vão na contramão do que se encontra no meio social. Além
deste movimento de subjetivação vai passo a passo envolvendo-se em questões
de luta pelos direitos das pessoas com deficiência, especialmente naquelas lutas
que procuram proporcionar a plenitude de vida para estas pessoas. No mundo todo,
a FCD tem dado sinais de envolvimento, de uma forma ou de outra, nas demandas
por direitos. A FCD, como entidade civil, participa dos movimentos sociais.
A Fraternidade, quando chega na América Latina, e particularmente no Brasil,
encontra um solo fértil para sua participação como Movimento Social e, poderia se
dizer, como Movimento Social Religioso. Pipocavam na América Latina os
movimentos sociais por democratização, de lutas dos povos nativos, de lutas por
direito dos trabalhadores.... Isto, em grande medida, respaldado pelas
Comunidades Eclesiais de Base e embasado na Teologia da Libertação. No Brasil,
não foi diferente. Em 1972, quando acontece a primeira reunião da FCD, este
processo dos movimentos, tanto sociais, como de CEBs, estava em pleno
desenvolvimento.
A Igreja por influência do Concílio Vaticano II, das Conferencias Episcopais da
América Latina começa a ter outro olhar para as pessoas em situação de
marginalização e exclusão. Em especial, por meio das Conferencias de Medellín e
de Puebla. A primeira expondo as mazelas do mundo, situação de marginalização
e miséria da maioria do povo latino-americano. E a segunda, buscando o resgate
da dignidade humana. Os estudos e a reflexões sobre os documentos de Puebla
dão subsídio para o engajamento nas lutas sociais. Este olhar e sensibilização
ajudou os movimentos de luta por melhores condições de vida e lutas identitárias.
Identificando-se aí com o que Sader identifica como novos sujeitos, ou novos
247
agentes sociais (SADER, 2001). Não são mais grupos de classe na perspectiva das
relações de trabalho, mas são novos agentes que tem uma especificidade e que
são marginalizados por isto. Envolvem-se, então, na construção de uma melhor
qualidade de vida.
Juntando-se a isto, a declaração do ano de 1981, como Ano Internacional da
Pessoa Deficiente propiciou que a FCD saísse com mais intensidade, se
envolvesse em lutas por melhores condições de vida para as pessoas com
deficiência e até se envolvesse nas lutas de outros segmentos da população
A FCD deixa de ser um movimento intimista, preocupado com o sofrimento das
pessoas com deficiência, para incluir-se nas discussões pertinentes ao mundo da
deficiência e das pessoas atingidas por ela e também preocupar-se e ocupar-se
dos problemas do Brasil e do mundo. Este caminhar em direção aos direitos e aos
problemas do mundo que se dá de forma mais intensa a partir da preparação do
Ano Internacional da Pessoa Deficiente e das comemorações no ano de 1981,
continuou, em decorrência das discussões e da visibilidade que estas
comemorações propiciaram. A partir daí a FCD tem efetiva participação nas lutas
sociais em geral e particularmente nas questões relacionadas à direitos que
também incluem as pessoas com deficiência como: direito a educação, direito de ir
e vir, e outros. Na luta pela educação, houve a preocupação, como disse Francisco
Cerignoni, com a garantia do direito à educação e pouca discussão com relação a
Inclusão Escolar. O Movimento Social Religioso torna-se também em um
movimento político, à medida que se envolve na luta por direitos e participa de atos
de denúncia e anúncio de situações que contribuem para a construção de
melhores condições de vida e de uma sociedade mais justa e solidária.
Olhando para o percurso da FCD com um olhar de mais distanciamento é possível
perceber diferentes formas de atuação. Assim como os demais Movimentos
Sociais, a FCD/BR passa pelas fases apresentadas por Maria da Glória Gohn. No
início, 1972 até 1979, foi a fase da implantação e expansão com um caráter mais
intimista. A partir do AIPD até o início década de 1990, é o tempo da descoberta do
mundo que envolve as pessoas com deficiência e que, por condicionamentos
sociais e culturais, as coloca na marginalidade. Nessa fase, que corresponde mais
248
ou menos a década de 80, foi o momento das mobilizações, grandes encontros,
processo construção de uma nova Constituição. A Fraternidade envolve-se nos
movimentos sociais e mais especificamente em movimentos sociais que tratam das
questões pertinentes às pessoas com deficiência. Tem participação ativa nas
atividades do Ano Internacional das Pessoas Deficientes, que depois se tornou a
Década da Pessoas Deficientes e contribui significativa no processo Constituinte.
A década de 90 foi o tempo de garantir que os princípios apontados na Constituição
fizessem parte do arcabouço jurídico e da implantação dos Conselhos de Direitos.
Nesse período o governo neoliberal de Fernando Henrique estabeleceu um modo
de relação com as ONGs criando um sistema de parceria, que de certa forma
terceiriza alguns serviços e obrigações do Estado, dando condições de que
iniciativas mais ligadas a sociedade civil sejam subsidiadas pelo governo. Cria, para
isso, a necessidade de institucionalização dos Movimentos. A FCD, depois de muita
discussão, tornou-se pessoa jurídica, com o nome de “Federação Nacional de
Fraternidades Cristãs de Pessoas com Deficiência do Brasil”. No final dos anos 90
inicio de 2000 começa um período de menos visibilidade pública, acompanhando a
caminhada dos movimentos sociais que também tem um certo arrefecimento em
sua mobilização e lutas. No entanto, a FCD a despeito de menor envolvimento
social, não deixou de ter a mobilização interna e junto com a participação nas lutas
por direitos de cidadania, fez um interno movimento de consolidação de sua
identidade na implantação do Documento Base, fruto de muita reflexão na década
de 80.
Já no início do ano 2000, com a identidade jurídica firmada tem processo de
parcerias com Órgãos Governamentais, sobretudo na vigência da anterior Equipe
de Coordenação. No entanto, ainda tem dificuldade de conciliar as questões
institucionais com o ‘ser movimento’, no espirito da fraternidade. Este é um tema a
ser seriamente pensado, para os tempos atuais.
Por ser um movimento religioso, passa também pelos efeitos da conjuntura
religiosa. A Modernidade e as questões conjunturais da sociedade globalizada hoje,
têm trazido novas configurações nos espaços religiosos, e no ser religioso. O
249
sentimento de não pertencimento e de não lugar apontados por HERVIEU-LÉGER
e AUGÉ apresentados no segundo capítulo, mereceriam ser analisados para um
melhor entendimento da conjuntura da FCD, atualmente.
Neste ano completaram-se 45 anos de atuação no Brasil, passara-se quatro
décadas, a conjuntura social, política, religiosa sofreu várias transformações, que
vem afetando a identidade dos movimentos e também da FCD. Isto se reflete no
engajamento e no entusiasmo. Por isto, se faz necessária uma séria reflexão que
incluam uma consciente leitura de mundo e um resgate dos valores fundamentais
da Fraternidade. Como vivenciá-los nos tempos de hoje, tendo em vista a
atualidade e como “voltar ao primeiro amor”? Isso se faz necessário, levando-se
em conta que pessoas com deficiência continuam existindo e a sociedade da
máquina e da tecnologia tem cada vez mais causado deficiências por acidentes, a
violência urbana é outra causa, bem como, continuam nascendo pessoas com
problemas congênitos. Até mesmo causados pelo próprio processo civilizatório,
com a utilização indiscriminada de produtos químicos.
Assim como os demais movimentos sociais e movimentos de Igreja em geral, a
FCD passa por um momento de mais recolhimento e internalização, sofrem os
reflexos da modernidade e do mundo capitalista e globalizado. Ou seja, como já foi
mencionado, a FCD também passou e passa pelas fases que atingem os outros
movimentos sociais. Pensando em desafios e potencialidade há alguns aspectos a
serem considerados, especialmente, internamente na FCD.
Nos depoimentos fica claro o entendimento que Fraternidade Cristã de Pessoa com
Deficiência possui um diferencial em relação a outros organismos e movimentos
que congregam pessoas com deficiência, que é a busca, a visita, o contato pessoal.
Ela vai lá no espaço do isolamento da pessoa, no espaço da desesperança e ajuda
na recuperação da autoestima, propicia o despertar da vontade de ser protagonista
da sua própria vida e de atuar na vida social. Isto é um valor que é ressaltado por
todos, mesmo pelos outros movimentos parceiros. É um atributo que precisa ser
preservado.
Em uma das reuniões da Equipe de Coordenação Continental duas frases que
ficaram martelando na memória. Parecem pertinentes e que merecem uma
reflexão: “O mercado adapta as condições para o deficiente, para que tenha
250
autonomia, mas desde que lá no seu canto. A América Latina nos faz reconhecer
que necessitamos uns dos outros”. (Miguel Angel, Conselheiro Intercontinental,
referindo-se a situação das pessoas com deficiência em nível mundial); “A Frater é
uma escola para aprender a ser humano”. (Orlando, Coordenador da Área II). Estas
frases devem fazer parte da reflexão que se impõe. A pergunta posta é: como
manter o elã do encontro, do contato pessoal, em uma sociedade midiática? Como
aproveitar a tecnologia sem perder a humanidade? É possível fazer uso o
instrumental das mídias para manter o contato pessoal? Isto consegue substituir a
importância da visita? Senão, quais a consequências disto, no mundo moderno.
Dentro da questão das tecnologias, parece interessante, colocar como perspectiva
o retorno da circulação de CARTAS ABERTAS, pelo menos por meio eletrônico,
tendo em vista que em diferentes encontros, durante a pesquisa, houve
manifestações sobre a importância do periódico e a necessidade do resgate deste
meio de comunicação entre os grupos.
Observando os diferentes grupos reunidos, pode-se perceber que são constituídos
basicamente de pessoas com deficiências físicas e visual. Há muito tempo atrás
perguntei a um fraternistas, o porquê e respondeu o seguinte: “O movimento de
pessoas cegas, tem uma especificidade, eles formam quase que uma sociedade a
parte. Fica difícil trabalhar com eles. E, quanto aos com deficiência mental, a FCD
não sabe como trabalhar, aí tem outras demandas. ” Este é um aspecto que não foi
dada atenção, nesta pesquisa. Só foi observada a constituição do grupo, mas não
foi aprofundada a questão.
Quanto a questão da educação, como já foi mencionado, o Movimento preocupou-
se com a luta pela garantia de direitos e entre eles estava o direito à educação. Em
que pese, a não discussão de como seria esta educação, analisando o Movimento,
ele pode ainda contribuir nesta discussão. Tendo em vista que a Inclusão Escolar
está em andamento, envolta em muitas dúvidas e até equívocos, é importante que
as pessoas que já passaram por um processo educacional, e trouxeram sua
deficiência para o espaço escolar, ou até aquelas a quem não foi dado o acesso,
possam ter a palavra e dizer o que é necessário fazer para que a Inclusão seja
realmente efetiva. No que diz respeito a forma de atuação da FCD, pode-se dizer
que é um agente educativo, desde o jeito de envolver as pessoas em seu meio já
é pedagógico. Mas não fica aí, existe internamente toda uma preocupação com a
251
formação e é proporcionado aos fraternistas sistematicamente espaços de
formação. E ainda, é incentivada a participação em outros espaços formativos.
Temos visto a cada dia aparecer em toda parte sinais de intolerância contra
diferentes setores da sociedade, tanto no Brasil, como no mundo. Intolerância esta
que manifesta, especialmente, contra grupos marginalizados, discriminados na
sociedade. Muitos deles que até já haviam tido um ganho no que diz respeito a
poder participar mais dignamente na sociedade. Diariamente, ouve-se notícias
sobre violências cometidas que denotam intolerância: racial, religiosa, de gênero,
xenofobia, homofobia, política ideológica e outras. Na questão religiosa brasileira
há, de tempos em tempos, manifestações de intolerância entre católicos e
evangélicos, cristãos e as religiões de matriz africana. Atualmente, isto tem
acontecido, com uma certa intensidade. A FCD, embora tenha nascido no seio da
Igreja Católica Romana e com o nome de Fraternidade Católica, hoje se reconhece
como ecumênica, e pensa como deveria se chamar tendo em vista que inclui na
sua caminhada pessoas dos mais diferentes credos cristãos ou não.
O ecumenismo da FCD de forma geral, na América Latina e no Brasil, se dá no
pertencimento e participação de pessoas de diferentes matizes religiosas como
fraternistas. Em termos oficiais, das estruturas denominacionais não há
participação. No Brasil, há alguns religiosos de denominações protestantes e
evangélicos que acompanham o movimento, mais por iniciativa própria destes, sem
uma relação institucional denominacional. Na América Latina esta participação já é
mais rara. No entanto, há um espirito ecumênico dentro da Fraternidade, que se
expressa na acolhida e respeito a todos os credos, mesmo porque a deficiência é
ecumênica, atinge a todos indistintamente. Neste sentido, a FCD é uma luz a
sinalizar possibilidades de convivência contrária à intolerância, não só religiosa,
mas de qualquer tipo.
Como mencionado, anteriormente, a FCD está situada como Movimento de cunho
religioso e sente os efeitos da conjuntura dos movimentos religiosos da
modernidade. O Catolicismo, assim como, outras denominações vivem hoje um
tempo diferente dos anos 70 e 80, da efervescência das CEBs, da preocupação
com os marginalizados e com a integralidade do ser humano. A tendência hoje é
de uma maior espiritualização, uma volta para a instituição religiosa, para a
devoção. Dentro deste quadro, o Pontificado do Papa Francisco é um sinal de
252
esperança. Sua trajetória de vida e seus posicionamentos como Papa, tem animado
a caminhada dos que guardam ainda os princípios da Teologia da Libertação, a
animação das CEBs e a preocupação com os marginalizados.
É importante, ainda, informar que tramita, em Roma, na Congregação para a Causa
dos Santos, um processo para canonização de Maria de Lourdes Guarda. Em 2003,
foi formada uma comissão para encaminhar a proposta. Em dezembro de 2008,
Dom Gil Antônio Moreira, Bispo de Jundiaí/SP, promulgou o decreto de nomeação
do Tribunal Diocesano para a causa da canonização. Em 2010, foi encaminhado à
Roma. O processo foi aprovado, e em 2011 foi declarada Serva de Deus. Seus
restos mortais foram transladados para os baixos altares da Sagrada Família na
Igreja Matriz N. Sra. de Monte Serrat, Salto/SP. Agora aguarda o prosseguimento
do processo. Este fato tem animado, por um grupo, que vê nisto a possibilidade de
engajamento, de despertar o Movimento. Outro grupo entende que a canonização
não é uma necessidade, e até que pode trazer algum impedimento para a
caminhada ecumênica.
A Maria de Lourdes Guarda, sua história, sua garra e comprometimento com a vida,
com a vida do outro, seu engajamento social são fundamentais para a identidade
da FCD/BR nas décadas de 1980/1990. Tuca Munhoz ressalta ainda presença de
Dom Paulo Arns, como Arcebispo da Arquidiocese de São Paulo. Maria de Lourdes
foi Coordenadora Nacional, por algum tempo, mas permaneceu atuante na cidade
e estado de São Paulo. Há muitos fatos, muitas pessoas e documentos a serem
analisados, ouvidas ainda. Acompanhar a trajetória da FCD possibilitou perceber
que este Movimento é um rico campo de pesquisa, muitos aspectos mereceriam,
ainda, de estudo mais aprofundado. Certamente uma pesquisa focada na FCD/SP
traria elementos importantes para a própria FCD, como para os movimentos de
pessoas com deficiência.
Ao longo da pesquisa alguns questionamentos foram aparecendo: Qual o
diferencial da FCD em cada continente? Como são tratados os princípios fundantes
no diferentes mundos e culturas? Como tem sido a aproximação nos países de
população notadamente não cristãs, como Ásia e África? Notadamente a Teologia
da Libertação e as CEBs tiveram papel importante na dinâmica da FCD, este fato
poderia ser explorado e evidenciado, que aspectos desta contribuição poderiam
ainda hoje servir como impulsos na caminhada?
253
Ao finalizar este trabalho, pode-se afirmar a significativa importância da
Fraternidade Cristã de Pessoas com Deficiência. Em sua trajetória, além dos
benefícios pessoais às pessoas com deficiência, conforme o apresentado no
decorrer do trabalho: autonomia, empoderamento, resgate da dignidade humana,
o lema da Fraternidade “Levanta-te e Anda!” tronou-se realidade. As pessoas
levantaram-se de seu “leito” e saíram a andar. Saíram de seu quarto, saíram de
sua casa e começaram a percorrer a vida. Começaram a ser encontradas no portão,
na praça, no mercado, no metrô, no ônibus, nas manifestações ... nas igrejas para
rezar, casar, batizar... A sociedade começa a perceber que tem mais um agente
participando no seu meio. É um pouco estranho, diferente, mas aos poucos vai
percebendo que também é gente e está reivindicando seus direitos.
Estes seres, que só viam pela janela e eram vistos só através da vidraça, fazem
com que a sociedade se conscientize que eles existem. São pessoas. Esta é uma
importante contribuição da FCD, tirar as pessoas com deficiência da invisibilidade.
Isto contribui para o processo de inclusão social e escolar, mesmo que não tenha
participado conscientemente da discussão sobre a escolarização inclusiva. Elas
estão aí! Fazem parte do grupo social e vão participar!
Aquele que ousa, mistura-se com todos, dialoga com todos para chegar a fraternizar-se com todos. É a árvore exposta ao vento, mas solidamente enraizada. O vento, a neve e a chuva não impedem sua frondosidade magnífica, sua abundancia de flores e frutos. É ela.
Então, vocês, doentes e deficientes, que passam por pessoas que são menos, mesmo que não sejam, apareçam, claramente, como aqueles que são porque ousaram Ser, e que levam ao mundo, a vida.
Henri François
Pascoa de 1961
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269
APENDICE A
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Eu ______________________________________________________________ _
RG nº.______________-- e CPF____________________ , consinto em participar da
pesquisa: Um olhar sobre a FCD: seu caminhar em direção à Inclusão Escolar. Este
trabalho propõe uma pesquisa a partir metodologia de História de Vida, e depoimentos de
pessoas que tem ou tiveram algum envolvimento com a FCD (Fraternidade Cristã de
Pessoas com Deficiência). A intenção é responder a pergunta: A FCD contribuiu, como um
movimento social, na caminhada em direção à Inclusão Escolar e em que medida?
Fui informada/a sobre a metodologia, que constará da observação participante, relato das
histórias de vida e depoimentos, havendo garantias de que receberei os esclarecimentos
necessários antes e durante a pesquisa. Os relatos e depoimentos serão gravados e
posteriormente transcritos. Estes serão utilizados no transcorrer da redação do trabalho à
medida que se fizerem necessários.
Fui informada que este estudo, de caráter acadêmico, será conduzido pela aluna Vera
Luci Machado Prates da Silva do Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Metodista de São Paulo, para obtenção do grau de Doutora, sob a orientação
do Profª. Drª. Zeila de Brito Fabri Demartini. Ainda, que esta pesquisa não implica em
risco para a saúde dos entrevistados, mas poderá ocorrer desconforto emocional em
relembrar fatos relativos à sua história. Neste caso a entrevistadora procurará expressar
apoio e solidariedade, sem comprometer o resultado da pesquisa.
Declaro ainda, ter compreendido que não sofrerei nenhum prejuízo de ordem psicológica
ou física e que será preservada minha privacidade.
Concordo que os dados, mantido o sigilo sobre a minha participação, sejam publicados
com fins acadêmicos ou científicos.
Estou ciente que poderei, a qualquer momento, comunicar a minha desistência em
participar do presente estudo, sem qualquer penalização.
_________________________________ , __ e ________________ de 20___
__________________________
Assinatura
270
APENDICE B
Depoimento de Carmencita
Quero que você me diga seu nome e qual a sua deficiência. Sua participação
na FCD, pode contar um pouco da sua história, como é que você começou. O
significado da FCD pra você.
Soy Caramencita Mazariegos, de Guatemala, a los 23 años sufri un acidente
porque el senhor que condizia no viu una curva, nos fuimos a un barranco y ai me
lesione la coluna y la delante já no le movi a las piernas. Y em 79 conoci la
Fraternidad, la Fraternidad y Yo pensaba que sólo yo era así de silla de ruedas y
una .... me envito a un encoentro en una casa de Cristiandad. Y quando llegue
habia unas personas sanas, ahora entiendo que son los colaboradores qui mi
recibieran como qui me conocieran de toda la vida. Mi ayudaran y cuando entré
habia mucha gente em silla de ruedas, muletas, bastones bailando y el padre
cantando una cancion para las freiras ... Ah! Cuando vi todo isto Ai aqui me quero
quedar.
Aprendi em la Fraternidad que no tengo que quejarse, puedo aprovechar al máximo
lo que me tengo, puedo hablar, Puedo utilizar mis brazos y lo que es mas importante
es que todo esto se puede poner al servicio de los demas. La visita, Y el encuentro
con el otro que tiene descapacidad mas profundas y Y así como me sentí más
contenta cuando me encontre. Esto fue así para mí como uno: el despertar.
Carmencita me conta um pouco da Frater da Equipe Intercontinental: como
está o trabalho de vocês, como está ...
Si, tuvemos el Comitê el año 2015 en Eslovênia Y allí aí se quedaran algunos
acuerdos que tendremos que trabajar durante estes 4 años en El equipo que
acabamos de elegir; reforma de estatutos Estamos pidiendo información a todos
los países sobre la vida de Fraternidad a cada país. Porque queremos este material
para enviar un documento al Papa Para acelerar la visión de la discapacidad desde
la Fraternidad: no como dolorista y sí como La visión diferente de la Fraternidad
que es resurrección, que es vida
Entonces todos los países están haciendo, trabajando Su historia para poder juntar
este material
Y también estamos trabajando la reforma de los estatutos Y para ello se integró una comisión Y para esta comisión esta maria dolores que es asesora en Nicaragua, Marissol
que es la coordinadora europea Y Juan de Dios Mopembe y Juan de Dios Admama
que son de África, Frei Nelson, Chico de Brasil. Es que están trabajando
Ha avanzado muchísimo porque lo que hemos visto em Comitê anterior Que había
muchas lagunas en los estatutos Y que debido a esto había muchas personas que
habían ... muchos países que habían perdido Que habían perdido el espíritu del
movimiento y por ello sería importante renovar Los estatutos para seguir la línea
que nos enseñó nuestro fundador. Como quería el padre François, la Fraternidad
271
como un movimiento de evangelización. Entonces este trabajo se está haciendo
ahora Y la celebración de los 70 años de la Fraternidad Que muchos países tuvimos
buenas respuestas. Guatemala, por ejemplo, realizamos una caminata corta a
causa de las personas con muletas, con bastones, con silla de ruedas pueden ir
más rápido, pero como otras personas que se movilizan pueden ir más rápido. Fue
un corto recorrido. Una colaboradora que tiene un colegio, nos prestó la banda.
Entonces con la banda, hicimos carteles con mensajes de padre François y vamos
cantando ... y también la Fraternidad logró que construyeran una rampa en la
Catedral. Entonces eso fue bonísimo y entramos para la eucaristía celebró nuestro
obispo. Y estaba muy bonito. Participó bastante gente, son cosas muy pequeñas
que hay que hacer para concientizar a las personas, a la sociedad y las Iglesias.
¿No es verdad? Porque es importante que perciban nuestra presencia ¿No es
verdad? Tratamos de hacer cosas pequeñas porque no tenemos muchos recursos,
y ahí vamos. Pero siento que con mucha alegría con muy goso fraterno en los
barrios más pobres del país, pero siento que la vida se lleve.
Você tem idéia de em quantos países existe a Fraternidade?
Aproximadamente en 45 países, sólo en Asia son contactos con Tayoan y la India.
Ahí están empezando, pero no hay nada formal, son puros contactos. Ellos
estuvieron como invitados en el Comité en Eslovenia. Y me llamó mucho la atención
porque Frai ..Ilich.. el día de la fiesta cultural por la noche se paró a bailar y dijo:
¡esto es pentecostés! Algunos bailaban otros cantaban y Frai Guilich era su primera
participación. Él asesora en la India. Es jesuita, entonces él dijo: esto es un gran
pentecostés. Entonces se puso a bailar, ¿no es verdad?
Carmencita, como que é no seu país a questão da inclusão das pessoas com deficiência na rede escolar? Na educação, como é que se dá isso? Qual a participação da Frater nisto?
En mi país hay mucha discriminación, no hay espacio para la educación. No hay
escuela adaptada para nosotros y por eso hay muchos problemas porque los
padres no se ocupan de ponhar a estudar desde pequeños sus hijos
Hasta que crezcan y con la necesidad y algún trabajo consigan pagar
Las escuelas especiales no hay, no hay. Y lo que son pocas. ¿no es verdad? Y no
atienden todo lo que necesitamos, por eso la lucha de golpear las puertas, la
necesidad de darnos a conocer para que la gente entiende que tenemos necesidad
de estudiar
Por ejemplo para trabajar: hay una ley que el 1% de la empresa tiene que ser de personas con discapacidad Y aún no se cumple. El más duro para mí es que no tenemos ningún apoyo a nivel hitacional, de vivienda no tenemos ningún apio. Y sí, necesitamos
Necesitamos mucho, estamos trallando pero como toda lucha es dura, cuesta pero
estamos luchando.
As escolas ... há escolas especiais ou aqueles com deficiência, que tem
deficiência vão pra escola regular, escola “normal” ou são escolas especiais?
272
Algunas personas se incluyen en las escuelas formales y hay escuelas especiales
pero pocas, para personas con daños cerebrales. Si éstas son las especiales. Así
que hay. Para nosotros así Con discapacidad, especial, especial
no hay. Nos incluimos dentro de la escuela formal …
Há acessibilidade para cadeirante … se tem cuidade ou não
Muy poca, insistimos con el Ministerio de Educación, con la Ministra de Educación,
pero ... se ha avanzado pero poquito.
Então a FCD tem se envolvido nas lutas para garantir os direitos ..,Sim...
La Fraternidad somos ... CONADE es el Consejo de todas las organizaciones de
discapacitados de toda la guatemala. La Fraternidad somos los únicos reconocidos
como movimiento de Iglesia trabajamos fuerte y apoyamos Junto a los grupos más
fuertes. Me alegro mucho y casi siempre cuando hablan del mundo de la
discapacidad la fuente es la Fraternidad.
Que bom! Obrigada Carmencita
No hay, que muchas gracias alegro em volverte a encontrar, alegro em podermos
praticar.
Alegria é minha. Fico muito feliz.
273
APENDICE C
Tradução do depoimento do Orlando
Para mim, conhecer a Fraternidade Cristã de Pessoas com Deficiência foi uma
Graça de Deus não ponho em dúvida. Andava um pouco desorientado, tinha 26
anos, trabalhava em um colégio, porém não estava satisfeito com minha vida, com
a trajetória que havia tido. E pedia muito a Deus que me dessa luz que me
assistisse. Era docente de inglês e de religião e um dos meninos que estava com
uns treze anos, vinha todos as dias dizer-me: Profe, em minha casa temos um
grupo de oração e nos tem contato o que vocês nos ensina aqui e eles querem
conhece-lo . Eu havia arrecem chegado a Manisalles e quis ir a casa de jovenzinho,
aluno de dia porque a noite, sentia que não ia encontrar o endereço. Então uma
tarde, buscando o endereço deste jovem, me encontrei com 2 pessoas em cadeira
de rodas e uma religiosa esperando para ver quem as ajudava a subir em um
veículo que estava estacionado. Me pediram o favor e eu gostosamente lhes ajudei
a subir no veículo. Ficaram sentados em duas tabuletas porque não tinha cadeira
de rodas. Logo disseram: Bom! Quem vai nos ajudar a descer lá onde vamos? E
me ofereci, mudei de planos e já não fui procurar a casa de meu aluno. Senti que
aquilo me parecia bom, ajudar a estas duas pessoas. Regressei com eles até o
centro da cidade a uma universidade, onde iam se reunir com outras pessoas e
estive toda tarde com eles. Regressei com eles de onde havíamos partido
inicialmente, Os ajudei a instalar em sua casa, logo a religiosa me convidou a sua
casa da comunidade, tomamos algum refrigério , finalmente a comida. Falamos por
longo tempo, até as nove da noite e assim me encantei.
Este foi o começo conhecendo umas pessoas com deficiência e logo abrindo-me a
grupos e a atividades mais amplas. Por isso eu digo que foi uma graça de Deus.
Minha vida adquiriu novo sentido, me senti mais contente, já não era somente um
professor, um docente em um colégio senão que tinha uma projeção no campo
pastoral, no serviço aos demais. E, me encontrei com algo muito grande, já vai
completar 40 anos de estar com a fraternidade, com a FCD e digo muito contente
muito cheio todos os dias tem tido sentido minha vida
Você já tinha deficiência quando começou?
Não! Eu era completamente são e minha deficiência adquiri quando tinha 51 anos.
Já tinha casado, tinha meus 3 filhos e talvez por excesso de trabalho, de
preocupações, etc. Me deu uma trombose cerebral, não foi um derrame sanguíneo
no cérebro, foi um coagulo que interrompeu uma veinha no cérebro e por falta de
oxigenação me provocou uma hemiplegia no lado esquerdo. Tive reabilitação, hoje
sou independente. Levo uma vida normal, as vezes me esqueço que tive essa
dificuldade em minha vida.
Você é professor ou foi professor, fui professor... como é que você vê no seu
país a questão inclusão da PcD no meio escolar, no meio educacional? Há
274
um processo? Há ... a FCD se envolveu ..., não se envolveu? Como é que é
isto?
Em Colômbia há leis que reconhecem os plenos direitos das PcD, porem uma coisa
é ter as leis e outra coisa é se por em pratica que essas leis a serviços das PcD.
Há progressos, há avanços, eu não estou contente com o que temos conseguido
até o momento. É um caminho longo, porque há romper paradigmas, há que
romper estruturas, as vezes excludentes, e estruturas também conformistas das
pessoas com deficiência: não pois assim ... assim estamos bem ... Temos
alcançados algumas coisinhas, mas ... dizem as pessoas com deficiência: estamos
bem ... o que temos conseguido até agora nos basta ... Isto é a origem também do
conformismo. Creio eu.
A Frater tem se envolvido ... ou incentivando as pessoas a participarem deste
processo de Educação?
Sim, a Frater faz parte de um coletivo de PcD, há pessoas que se interessam mais
por esporte outras por aprender meios para trabalhar e ser produtivos
economicamente. A Frater acompanha, faz parte deste coletivo e busca lembrar
sempre que somos pessoal integral, que devemos deixar o lugar espiritual nosso e
que devemos trabalhar por projetos que sejam integrais.
Obrigada Orlando, pelo depoimento que Deus abençoe o teu trabalho, tua
missão como coordenador de Area.
275
APENDICE D
Depoimento da Ir Conceição
Bom... Irmã Conceição, é um prazer, ã... conhecê-la e... especialmente por ser
irmã da... da Maria de Lurdes, que eu não tive a oportunidade de conhecer
pessoalmente, mas que... a... admiro muito, pelo... pela história de vida dela,
pelo testemunho cristão e pelo envolvimento com a fraternidade. Eu gostaria
que a senhora começasse se apresentando um pouco e... falando, dando seu
“depoimento” sobre a Maria de Lurdes e sobre a fra... sobre a FCD. Eu estou
fazendo um trabalho de doutoramento sobre a FCD, trabalhando
especialmente a questão da... da visibilidade que a... a FCD propiciou,
propícia e propiciou, às pessoas com... com deficiência e... a sua... a... o
trabalho com... elevação da autoestima, da autonomia das pessoas, e que
isso contribuiu, também, por todo esse processo de inclusão da pessoa com
deficiência que está... nesta... que a gente hoje tá... festejando e tal, mas, e
não tem visto esse trabalho da FCD que eu acho que é importante.
Isso não conseguiu vê tudo aquilo que ela projetou, que ela projetava! que ela
queria. Hoje, né¿ é diferente
Mas então a senhora pode ficar à vontade.
Eu sou... Bom, eu sou a irmã, né¿ da Maria de Lurdes, e... estou numa, ã... nessa
instituto, né¿ Das filhas de São José, já há 77 anos, né¿ [risos] Tanto é, que quando
eu saí de casa, ã... eu... é... eu tinha 16 anos, né¿ e... ela estudava, interna, né¿
no colégio Patrocinito e... por isso nós só convivemos assim, mas depois assim na
mocidade dela, assim, eu não tive essa... esse contat... ã... sabe¿ esse contato
com ela [inaudível], víamos, assim, de vez em quando, né¿ e... depois, ela queria
também entrar na vida religiosa, como eu, mas foi aí que ela... foi fazer os exames,
né¿ passa pelos exames médicos e o médico disse:
“Olha, é melhor você primeiro fazer uma... um tratamento, né¿ médico.” – Tudo pra
não ter... problema depois. Tanto é, que ela foi pa... fez o tratamento, mas... foi
necessário um cirurgia, né¿ e ali, antes disso, ela já s... trabalhava lá no colég...
nos colégio, dava aula porque ela já tava formada, né¿ e... e aí, indo pra... pro...
fez a cirurgia, foi em São Paulo, e acontece que, nessa primeira cirurgia, ela andou,
voltou, foi me ver, tudo, né¿ mas foi necessário mais outra cirurgia e, nessa
segunda cirurgia, ela já não andou mais, né¿ Foi um problema aí, e foi isso aí que
começou toda essa... coisa dela, né¿ essa doença aí. Aí... faz outra cirurgia
[inaudível] fez, parece, que umas seis cirurgias, ela fez, mas nada adiantava. Tanto
é, que todo mundo dizia: “Mas como pode uma moça assim ficar, né¿ desse jeito,
tudo.” – Mas não houve meios né¿ Fizemos tudo, de tudo. Então, ela ficou nesse...
sempre assim. Foi duro para ela, muito duro. Ela sofreu bastante com isso, porque
ela era uma criatura muito assim, né¿ viva, coisa assim gostava de... de ter
trabalho, né¿ de ir [inaudível] na igreja, escola, tudo. Mas, depois nesse ... Mas,
houve um... depois de muitos anos, né¿ Eu não sei se você conhece, mais ou
276
menos, né¿ que ela começou a trabalhar, mas isso foi bem depois que ela começou
a trabalhar na... é... no movimento, né¿ que ela conta que [inaudível] é... primeiro
ela... ã... foi ver num outro movimento, mas ela não... não se... né¿ não gos...
praticamente, ela disse: “Não era aquilo.” – Porque eles não... valorizavam a... a
própria pessoa pra poder fazer. Então, aí, depois que ela ficou conhecendo este
movimento da fraternidade. Aí ela começou com o trabalho dela e tudo isso, né¿
Mas isso foi bem já depois de muitos anos, né¿ Mas... então, ã... a FCD, pra ela,
foi a vida dela, né¿ porque, você deve saber que quando ela foi ela não via
obstáculo, não via coisa nenhuma. Ela viajava, ela ia pra lá né, mesmo daquele
jeito na ... era avião, era ônibus, era coisa e tal não tinha problema nenhum. Então,
ela trabalhava muito nisso. A FCD foi a vida dela, mesmo, né¿ Mas, depois,
aconteceu que, todo aquele problema, né¿ no... no... da... do... onde ela... ficava,
né¿ no hospital, que fechou, né¿ Aquilo foi, pra ela, foi... né¿ mas ela não saiu de
lá , né¿ ficou junto dos funcionários, mas pra... aquilo lá, pra ela, foi... praticamente,
a morte [inaudível].
Tanto é, que ela... quando, é... em... 96¿ é, que ela faleceu, e... e depois os
funcionários, eles faziam muitas reuniões com ela lá na... no hospital, onde tava
fechado, porque eles não tinham recebido todas as sua indenizaçães, tudo. E...
conta-se que depois na... aconteceu, que, naquele ano que ela morreu, 96, em
novembro, no dia do aniversário dela, diz que receberam tudo, todo aquilo que
deviam, né¿ Então, diz que foi uma... eles diziam: “A, é milagre da Lurdes.” –
Porque, né¿ Não conseguiam fazer nada disso, né¿ então... Agora, sobre a FCD,
eu não sei lhe dizer tanta coisa querida. Porque eu não tinha, assim, aquela coisa
com a FCD. Eu... eu admirava o trabalho dela, sabia onde ela ia, né¿ no trabalho,
tudo isso, o grande amor que ela tinha e tudo aquilo que ela fez, porque ela dizia
que tinha que... os... os próprios paraplégicos diziam: “Nós não podemos ser coi...
coitadinhos. Nós não somos coitadinho. Nós somos gente que [inaudível]. Nós
temos vida.” - Né¿ Então, aí que... ela... ensinava, a... trabalhar, o que podia fazer,
aquele que podia, aquele que não podia... Por isso que eu falo que a agora, se ela
estivesse aqui, seria a alegria dela de ver todos, né¿ estão em... ã... trabalhando,
não é verdade¿ Quantos desses estão... é... em... em escolas, em... enquanto ...
né¿ Porque nós temos também a nossa escola, diversas, né¿ Muitas.
Que... a gente... há a necessidade e [inaudível]. Bom, é obrigado, né¿ agora.
Então... ela... optou muito, [inaudível] a coisa pra le... eles viverem mesmo do
trabalho, aquilo que podiam fazer e aconteceu tudo isso depois da morte dela, né¿
Então... é isso. Agora você... não sei se tem mais alguma coisa. Porque eu, sobre
a FCD mesmo, não sei... As vezes eu tenho ... eles conversam comigo muitas
vezes, o padre Geraldo tá sempre aqui e conta, me descreve e tudo, né¿ Então eu
sei, assim, de... dos paraplégicos que trabalham, que vão a reunião, que isso aqui
que é uma coisa, né¿ Isso eu sei que eles fazem.
Aham.
É, mas não... não estou dentro do movimento.
Do movimento, né¿
277
Né¿ isso...
Mas... Já é importante esse seu... seu depoimento, né¿ e... de... trazer essa...
esse entusiasmo, assim...
A sim, é.
Da... da... da Maria de Lurdes, assim, de mais de perto, alguém da família que...
Fami... Sim, tanto é que...
Que vivenciou essa...
É. Você, acho que não... não soube daquele... é... porque eu tenho um primo, é da
família, ele trabalha... ele é jornalista na... Século XXI, TV Século XXI.
Aham.
Né¿ e... Acho que [inaudível], há dois anos atrás ele veio aqui, ele fez um... veio
me entrevistar, ficou aqui a tarde toda comigo e veio entrevistar, tudo... [inaudível],
perguntando coisas assim, e depois, ele disse que foi, ã... foi ao ar isso aí. Mas, ã...
foi entrevista comigo, depois ele quis muita coisa que mosreasse e... aí ele chamou
também o padre Geraldo e um outro padre... que era vigário lá em Salto aonde n...
onde nós morávamos.
A sim.
É. E aí, ã... teve [inaudível] entrevista deles e... e foi uma... sabe¿ e então foi... a,
isso aí, quer dizer... esse... foi... duas vezes acho que ele passou isso. Não sei,
acho que você não... não viu, né¿ Não, não vi.
É, uma pena que... que eu não... aliás, não gravei, né¿ mas meu primo me falou
aquilo que podia fazer e o... então eu tentei gravar tudo aquilo, mas... infelizmente,
né¿ porque o padre Geraldo e o outro padre foram lá na... na... na TV. Ã.
Mas eu não, eu f... né¿ eles fizeram assim mesmo só no... eu falando, uma coisa
ou outra, mas... foi muito boa aquela... [inaudível] que fala do movimento, que fala...
Que fala de tudo, né¿
Fala tudo sobre isso, né¿
Eu vou ver se o padre Geraldo tem alguma...
Eu que...
Alguma coisa... gravada.
Eu acho que ele tem, viu¿ Padre Geraldo. Então... Porque o padre Geraldo
conviveu muito com ela, né¿ Eles viajavam muito e tudo isso, né¿ Então quero
dizer que eles tem, ele tem bem com... nossa... tudo... aquilo mais pra falar, pra
dizer, pra contar, né¿
É porque o padre Geraldo foi conselheiro...
Foi.
278
...enquanto ela era coordenadora...
Isso.
...nacional, né¿
Viajavam juntos, né¿ Também a... a deputada lá, Célia. Você conhece Célia Leal.
Célia Leal. Eu conheço só da TV que eu... que eu a vi na TV.
A, da TV. É.
A, tá. E...
É.
Mas não...
É, porque ela também, viajou muito com a Lurdes, né¿ tudo, né¿ Então... Faz tempo
que eu não converso com ela...
Eu até não tenho visto. Ela continua deputada ou... Porque eu não tenho...
Acho que sim.
Eu não tenho visto...
Eu acho que sim.
Mais falar nela.
Eu acho que há vários anos atrás, ela... queria tá... veio de Roma uma doutora,
Eunice, trabalhou muito com a Lurdes, e... e ela então queria vê-la, queria...
[inaudível] foi marcado lá na... na... em São Paulo, e... e nós fomos lá, sabe¿ Até
tinha uma reunião dos grandes lá, mas ela marcou para que nós fossemos lá e nós
fomos. Ela conversou muito com essa... doutora, essa... mas ainda ela era, isso foi
há 2 anos, não sei agora como é que é. Mas faz tempo que eu não... converso com
ela, né¿ Então... não sei o que mais Não, acho que já...
Ólha, eu tenho essas... é um te... as testemunhas do reino, que foi um... um
professor, até ele é um professor da nossa, da nossa lá ... em São Paulo, ele sabia
muito dela e ... ele pedia a mim para falar com os alunos, apresentar, né¿ e ele
escreveu, numa revista, sobre ela...
AH, que maravilha.
Então isso aqui posso... você pode...
A, que bom.
Ó, aqui também tem, é... tem uma sobre a fraternidade, né¿ tem, é... esse... essa
entrevista que houve, dela, lá no... no... no hospital Humberto Primo em 1989, sobre
a fraternidade, olha. Foi. Ela foi entrevistada sobre a fraternidade.
Ah, que bom.
Você já viu isso ou não¿
279
Não, esse material eu não tinha...
Esse aqui em 70 e .2.. É... é... isso é de um jornal lá da minha terra, Salto, sabe¿ é
tudo sobre ela. Em 1972, ela fez 25 anos de hospital. Então, foi feita uma grande
festa e o bolo dizia: Bodas de prata do hospital. [inaudível]
72¿ Foi justamente o ano que... inicia a fraternidade no Brasil.
Então, isso [inaudível] 25 anos. Aqui é um encontro nos... no colégio São Luís, lá
da fraternidade também.
Esses encontros no colégio São Luís eram...
É... hein¿
Já são tradicionais, né¿
É. Ó, esse aqui também saiu em revista. [tosse] tem uma fala sobre ela. A, esse
aqui também foi em 72 [inaudível].
Isso foi na...
[inaudível] que escreveu também. Isso aqui é uma... reunião da FC... [inaudível]
FCD. Uma reunião.
A...
[inaudível] não sei... [inaudível] Essa aqui é mais...
Junho, só que eu não tenho a data...
Essa aqui é mais recente.
Esse é mais recente né¿
É, porque tá [inaudível] Padre Geraldo.
Padre Geraldo e a pastora Helena.
A é¿
Que é... ela foi pastora em Itaquera. Trabalhou bastante com...
A, em Itaquera é¿
É, ela trabalhou bastante com a FCD lá em Itaquera.
A, sei.
E ela sempre participa dos... dos eventos...
A é¿ Então, e aqui acho que é o mesmo, porque aqui tem o padre Geraldo, é.
Então... é, é... o mesmo, né¿
É... não sei se é o mesmo...
Mesmo... [Inaudível]
280
Se é o mesmo evento.
[Inaudível] mas só tenho isso aí, só. Hoje, tirando... Só essas... Só, é... a foto.
Assim, não tem outra coisa, né¿
A, mas já é o... o... procuro com o padre Geraldo pra saber quem...
É, precisaria ver com ele, né¿ Porque...
Eu estive também agora há poucos dias... Ã.
Na assembleia estadual aqui de São Paulo...
A, [inaudível] esteve lá¿
Que foi lá em... na... na Anhanguera, lá na...
Na Anhanguera¿
É.
A, sim. Lá nos...
Nos...
Sei.
Jesuítas, eu acho.
A, Jesuítas¿ É. É¿
É.
A, esteve lá¿
Estive lá. Não fiquei todo o tempo, só assisti a... a palestra do Marco Arryo e
depois... aí voltei. Agora, no final de... final de abril... Ã.
...vai haver o outro encontro... interestadual...
A, sim.
Lá também.
A, lá¿
É, e eu tô pretendendo... ir também e dar uma passada por lá. Eu fiquei de
encontrar o frei Nelson...
A, frei Nelson.
Porque o frei Nelson é...
Ela falava muito do frei Nelson. Sabia se é [inaudível], só que nunca mais eu
consegui... não consegui ver ele...
Não conseguiu ver¿
Não. [inaudível]
281
O padr... O frei Nelson está sempre correndo. Ele agora foi eleito conselheiro
continental e...
A, sim.
...ele era conselheiro adjunto...
Sei.
...e agora foi eleito conselheiro continental, e...
Então, e ela... ela foi, não sei o que ela... ela foi também... em Costa Rica, né¿ Não
sei se você viu, isso sobre a Lurdes. Que ela foi em Costa Rica.
Ela foi em Costa Rica, é¿
Ficou um mês lá também, né¿ Foi, ela... Bom, ela viajou muito, muito, muito...
É, acho que ela... Ela esteve com François também¿ Teve sim.
Lá em... lá na... na França¿
É. [Inaudível]. É, mas ant... no começo, assim, que ela ficou assim tão... mal, né¿
e não tinha como... a... andar, como sentar, não... não... [inaudível], aí tinha mesmo
minha mãe. Papai, não. Papai faleceu bem novo, né¿ Com 67 anos, parece. Tanto
é, que o papai viu muito pouco a Lurdes assim e a... mas a mamãe ela ia todo do...
todo domingo a mamãe ia no hospital, quando ela estava [inaudível] , todo domingo.
Ela ia com uma pessoa, ia pro hospital de ônibus e voltava. Foi um sofrimento muito
forte.
A, imagino, né¿
Minha mãe foi mesmo, né¿ e... tanto é, que... ã... depois ela ficou doente, e... e aí
a Lourdes sempre recomendava: Olha, presta a atenção na tua mãe, por favor.” –
Tanto é, que mamãe ficou três anos comigo, morando comigo, lá em... na cidade
de Porto Feliz, que nós temos o colégio lá...
Aham.
...e... e... então... e é perto lá de Salto e ela ficou morando três anos comigo. Ela
quase cega, né¿ Então, a madre falou: “Não, deixa a sua mãe que fique com você.
Lá em Porto tem lugar, tudo. Você cuida dela.” – Tanto é, que ela ficou comigo três
anos. Nuca me deu trabalho, por assim dizer, de eu deixar o meu trabalho, porque
eu dava aula aquele tempo, nunca, nunca, nunca. Aí a tarde tinha uma cozinheira,
uma... ela era muito boazinha, ela... era jovem e ela cuidava da minha mãe, né¿
Então, chegava a hora do almoço e eu dava comida e tudo isso, e a tarde, quando
eu voltava da... da escola, então, eu dava banho, fazia tudo que precisava e ela
dormia comigo. Então, ficou três anos assim. Depois... é... quando ela ficava mal,
eu levava no hospital e tudo isso. Cuidei muito dela, né¿ e... e ela, coitada,
[inaudível] nem mais podia ver minha irmã, porque ela era difícil sair. Mas minha
irmã, muitas vezes, vinha pra vê-la, né¿ e... Então, quando ela faleceu, depois....
faleceu até comigo mesmo, faleceu em Salto, ela veio, né¿ Padre Geraldo, tudo
isso. Mas, foi um sofrimento muito grande pra minha mãe, né¿ Essa doença dela,
282
né¿ e... isso que vou ela, assim, acha que... né¿ ficou... mal, assim... não conseguia
... teve pressão alta, problema cardíaco, tudo isso. Mas ela faleceu ainda já com 85
anos, né¿ quer dizer que...
A, 85 anos¿
É. ...e a Lurdes tava viva ainda, né¿ Depois meu irmão, que é o caçula, de 50 e
poucos anos, também faleceu, né¿ E aquilo foi sofrimento grande, né¿ pra... pra
minha mãe, pra Lurdes tudo. Mas, a vida sempre continuou e ela sempre
trabalhando, viajando, [inaudível], então, foi assim, né¿ A... nossa vida, né¿ Tanto
é que, quando ela morreu eu estava em... em São Paulo, ela morreu comigo, né¿
e até ela não queria me dar trabalho, não... sabe¿ escondia uma coisa ou outra.
Mas, uma enfermeira me chamou aquele dia e falou como estava e daí... e também
a... a... ã... foi o hospital mesmo que agravou bem a... né¿ que ela sentiu muito
desse hospital ter...
Ter fechado.
Muito, muito. Mas, nem morreu lá. Foi no... hospital Santa Catarina.
Hum... É ali no... no Paraíso.
É, isso. É. [inaudível]. Bom... Mais nova que eu, né¿ Três anos mais nova que eu,
porque... eu... eu... desde que eu estou aqui, desde 2001 [inaudível] ainda dá pra
fazer alguma coisa, né¿ só a perna que não dá. Mas faço ... Mas agora... então...
o seu... o seu... trabalho que você vai fazer é¿ é da¿ É sobre a fraternidade.
Fraternidade. É.
283
APENDICE E
Depoimento de Tuca Munhoz
Agora... Boa tarde Tuca e... obrigada pela aceitação do convite de... podermos
conversar, e eu gostaria você... começasse falando um pouco de você, sua
história e... e também... como que... a sua relação com a FCD e como você vê
a FCD dentro dos... dos movimentos populares de pessoas com deficiência.
Bom, falando de mim, eu... Sou, pra minha alegria, um misto de pedra e de vidraça.
Ora sou gestor público, ora sou movimento popular. Isso é muito rico, tem sido
muito rico pra mim, pra conhecer, bem, vamos chamar assim, os dois lados da
moeda e... e saber, de uma maneira mais aprimorada, como se desenvolvem e
como se aplicam políticas públicas de fortalecimento da cidadania das pessoas com
deficiência. É... Agora eu não tô muito próximo, mas eu já estive bastante próximo...
da FCD, sobretudo quando eu estava na... coordenação da pastoral da pessoa com
deficiência. E... é uma... organização que eu admiro muito... mas, eu acho que a
FCD perdeu muito, em termos quantitativos e qualitativos de uns anos à esta faixa
Quantitativos no sentido que ela tinha muito mais núcleos, espalhados pelo Brasil
e mesmo pela... pelo estado e pela cidade de São Paulo, do que tem agora. E
qualitativo, porque, me parece também, que ela perdeu, muito, o viés... militante, e
político, que ela já teve, e me parece que hoje, é um grupo mais de... mais de
encontro, de pessoas com deficiência, do que um grupo... de ativismo, um grupo
militante. No entanto, eu espero que isso seja uma fase do... da... da entidade, dado
que ela tem um histórico muito rico e tem uma estrutura que é incomparável, em
termos de movimento... de pessoas com deficiência no Brasil. Ainda que ele tenha
perdido núcleos e tal, ela ainda hoje é a, sem dúvida, a, entidade de pessoas com
deficiência mais, é... com maior presença no Brasil, hum¿ E... Me parece que,
algumas lideranças, que a FCD já teve, no notadamente Maria de Lurdes Guarda
e Sergio Lisboa, ao... ao desaparecerem, né¿ Não... não conseguiram deixar
herdeiros em termos de liderança e a entidade acho que se perdeu um pouco e...
enfim, não tem conseguido, é... recuperar esse caráter militante que já teve. (Quer
passar pra outra¿ Ou quer que eu fale mais¿) Pode falar mais. O que que você...
Ou se você quiser perguntar, é... que eu complemente alguma coisa, né¿
É, voltando um pouquinho então na sua... Qual é a sua... Qual é a sua
deficiência¿ Sua... Pra gente poder situar na...
Olha, ultimamente, pra... pra você ver como as coisas mudam, eu tô achando que
não tenho deficiência.
Não tem deficiênc...
(risos)
Na verdade nós estamos, é... é... talvez progredindo pra um... pra novas...
conceituações, né¿ Como já existiram, é... outras conceituações, é... de pessoas
284
com deficiência, ou da própria deficiência, eu tenho feito alguns vídeos que eu...
tenho colocado na... na internet, eu fiz dois e eu... eu uso um termo, bastante
conhecido, que digo: “As palavras tem poder”, né¿ Aham.
Então quando nós...
Eu vi ontem (risos)
Então quando nós somos chamados de deficientes, o que isso pode significar, né¿
O que significa isso no contexto semântico social¿ Na Europa, é... Em alguns
países da Europa mais, outros menos, mas na Espanha e em Portugal, tem sido
muito forte a discussão, é... já superando esse... essa terminologia de deficiência,
usando o termo: diversidade funcional; né¿
Que as pessoas não t... não são deficientes, elas tem diversidade funcional. Então
isso é interessante, porque a deficiência, quer queira ou quer não, ela está no corpo
da pessoa, né¿ Muito mais do que no meio, no ambiente. Talvez seja interessante,
eu não sei até que ponto eu concordo com essa definição, mas eu acho que a, a
problemim... a pro-ble-ma-ti-za-ção que ela traz, é muito interessante. Mas, pra ser
mais objetivo, pra matar a curiosidade dos nossos ouvintes, eu vou declarar que eu
tive, aos onze meses de idade, poliomielite. Uma d... Uma... Um vírus, erradicado
no Brasil e em quase todos os países do mundo. Infelizmente em três países do
mundo, ainda está ativo o... o vírus da pólio. Mas, há uma perspectiva de
erradicação, completa desse vírus, em poucos anos. É... O único vírus, até hoje
erradicado, no mundo, é... vírus de doenças, é o da... o do TIFo. TIFo, né¿ Esse
vírus foi erradicado, e agora (...) estamos em perspec... na perspectiva de
erradicação do vírus da pólio também em... em alguns anos. Infelizmente a situação
de guerras, no mundo, desestabiliza o sistema de saúde, o... o... o... as estratégias
de vacinação, como tem acontecido agora na Síria, né¿ A síria teve agora
recentemente dois casos de poliomielite, sendo que foi um dos primeiros países do
mundo a erradicar a pólio. Então, eu sou um cara que tem sequela de pólio B91.
Deixa eu dar uma olhada. Ver como é que...
Então, é... A minha maior... proximidade com a FCD, justamente se deu, é...
quando... nós criamos a pastoral da pessoa com deficiência aqui em São Paulo.
Mas infelizmente, não foi das aproximações mais... amigáveis. Porque justamente,
é... não todos, mas algumas lideranças da FCD, ficaram um pouco enciumadas,
porque, é... elas achavam que seriam, e de certa forma são, os legítimos
representantes das pessoas com deficiência junto a igreja católica, ainda que seja
uma entidade ecumênica. Mas, é... é... houve uma certa... um certo ruído, né¿ entre
nós, entre algumas lideranças e a pastoral, nesse sentido. Porque... ã... é... elas
consideraram que a pastoral estaria ocupando um espaço que era da FCD. O que
foi uma leitura equivocada, sem dúvida. Porque a pastoral tem um papel, enquanto
uma pastoral da igreja católica, e uma ação da igreja, enquanto que a FCD tem
outro papel e... enquanto movimento social e tal. São... Aliás, são absolutamente
complementares, ou poderiam ser, absolutamente complementares. Mas
infelizmente houve um... um ruído. Mas, independentemente disso, várias das
285
lideranças, que se aproximaram, e mesmo chegaram a fazer parte da... da pastoral
da pessoa com deficiência, foram lideranças da FCD. Então isso foi muito rico
também, é... tanto pra mim pessoalmente, pra eu aprender e... é... mais, sobre o
movimento de pessoas com deficiência e sobre a FCD, e sobre a igreja também,
é... como também foi muito rico, é... em termos de crescimento, eu acho, da própria
FCD, né¿ Da própria FCD houve um crescimento. Enquanto pastoral eu participei
de vários encontros, da... é... da FCD, inclusive fui convidado para participar um
agora que vai ter brevemente, né¿ aqui em São Paulo, no centro pastoral, Santa
Fé se eu não me engano, e... Enfim, é... aprendi muito com a FCD. No caso da
Maria de Lurdes Guarda, é... eu acho que a Maria de Lurdes, além de ser uma
liderança, assim, de pri... de alto gabarito, uma pessoa... muito politizada, com forte
poder de mobilização, ela teve a sorte e o privilégio de militar em uma época, junto
a igreja, em que nós tivemos talvez o maior, é... e o mais destacado... cardeal da...
da arquidiocese de São Paulo, que era o Dom Paulo Evaristo Arnes. Então, quero
crer... essa... sobre esse aspecto, ac... acho que FCD nunca foi , é... salve o
engano, analisada, mas ela, é... é... o desabrochar, digamos assim da FCD, é... foi
em um terreno, em um ambiente muito... propício, muito fértil, em função,
justamente do papel que Dom Paulo Evaristo Ares de... é... é... desenvolvia aqui
na arquidiocese e, em sintonia, com a Maria de Lurdes Guarda que era também
uma... uma liderança... de... enorme expressão. Então foi um momento privilegiado
pra FCD e um momento também em que ela foi pioneira e foi, é... e teve a dianteira
do... movimento social de pessoas com deficiência, aqui em São Paulo, na luta, por
exemplo, por acessibilidade nos transportes. Eu lembro que, por exemplo na luta,
é... pela acessibilidade no metrô, logo que o metrô foi inaugurado, aqui em São
Paulo, mesmo antes de ele ser inaugurado mas quando tava em planejamento, a
FCD teve um papel bastante destacado e hoje nós... o que nós temos de
acessibilidade nos transportes aqui da cidade de São Paulo, deve-se muito ao
papel que a FCD desempenhou na época. A, fora isso, um outro papel bastante
importante que a FCD, é... foi pioneira, foi justamente de dar visibilidade às pessoas
com deficiência junto ao movimento social de modo geral. Ao movimento social que
lutava por habitação, que lutava pelos direitos humanos... Eu lembro que, é... na
época, havia o movimento contra a carestia, e... e a FCD tinha presença nisso.
Antes disso, o... as pessoas com deficiência, é... eram apenas vistas como... ã...
sujeitos de caridade, e foi com o papel da FCD, naquele, nos primórdios aí de 30,
40 anos atrás, que essa realidade, é... começou a mudar e as pessoas com
deficiência passaram a ser vistas, não mais como sujeitos de caridade, mas como
sujeitos de direito. Essa realidade ainda não mudou completamente. É... Ao
contrário. Ainda é forte essa visão e esse conceito caritativo e assistencialista e
paternalista em relação as pessoas com deficiência. Mas aqui no Brasil,
marcadamente aqui em São Paulo, a FCD foi a pioneira na mudança nos primeiros
passos que levaram a... que estão levando ainda, essa mudança, essa
transformação do papel social das pessoas com deficiência. Agora você pai.
Agora você (risos)
(risos)
286
Obrigada Tuca. (risos) Eu acho que... Importante essa... esse seu depoimento.
Eu não sei se você tem mais alguma coisa a... acrescentar... E como é que
você vê o movimento, hoje, das pessoas com deficiência, ã... em geral... não
só a FCD, mas outros movimentos¿ Como é que...¿
Olha... Luci, o... o... o movimento social no brasil, movimento popular, tá bastante
enfraquecido, né¿ Tirando um ou outro, é... movimento, como o movimento de
habitação e tal, o movimento social tá bastante enfraquecido. Vide, por exemp...
o... o... a situação que nós estamos vivendo, onde direitos sociais do povo brasileiro
estão sendo... é... usurpados e a resistência em relação a isso é muito pequena.
Muito pequena. Oxalá ela venha crescer e tal, mas é muito pequena. A gente tem
visto aí que, ã... a cad... a cada dia, os direitos são diminuídos, são achatados, e
temos tido pouca resistência em relação a isso. No caso de movimento de pessoas
com deficiência, também. É... Vide aí, as questões relativas a... a previdência
social, aos direitos das pessoas com deficiência, o beneficio de prestação
continuada... A gente vê aqui e ali algum foco muito... muito frágil de resistência,
né¿ Mas, é... nós precisamos tra... atuar no sentido desse fortalecimento. Eu
considero que houve uma... uma situação que, inclusive a... aconteceu comigo
mesmo, é... de que muitas lideranças do movimento de pessoas com deficiência, e
isso aconteceu no movimento social de modo geral, isso des... é... inclusive existem
documentários e estudos desde a época da... de quando a Erundina ganhou a
prefeitura aqui em São Paulo, de pessoas do movimento social, não de,
necessariamente, de pessoas com deficiência, que foram chamadas à fazer parte
da administração. E isso, é... grandes lideranças, é... foram chamadas pra fazer
parte da... da administração, (...) como gestores públicos, e o movimento social
acabou perdendo lideranças nesse caso. E isso, também, muito marcadamente no
movimento de pessoas com deficiência, que foram convidadas pra trabalhar na
gestão pública e deixaram o movimento social. Isso acabou cirando um vácuo que
ainda não foi preenchido. Muitas pessoas com deficiência foram pro poder público,
eu sou uma das pessoas, é... um exemplo disso, é.. várias outras pessoas do
movimento, é... o... por exemplo, o ex-secretário nacional dos direitos da pessoa
com deficiência, Antônio José, é... aqui em São Paulo, Marco Antônio Pelegrini, é...
Lia Crespo... Várias lideranças foram... passaram do movimento social pro... pra
gestão pública, e... eram lideranças importantes do movimento social que acabou
ficando, é... digamos assim, sem essas lideranças e não conseguiu repor numa...
nu... com a... a... agilidade necessária essas lideranças. Então nós estamos muito
carentes de lideranças, é... no movimento social de pessoas com deficiência. E
também, é... porque, de modo geral, os governos, é... tem muita dificuldade em
implementar políticas públicas, e acabam repetindo mais do mesmo, né¿ repetindo
políticas assistencialistas, políticas paternalistas, vide, por exemplo, e eu até, é...
é... a convidaria a fazer uma análise rápida, né¿ que não é o seu... o seu tema, mas
vide aqui em São Paulo, é... o caso do conselho municipal das pessoas com
deficiência que já foi um dos conselhos mais fortes do Brasil, em termos de pessoa
com deficiência, e hoje é um conselho completamente à reboque, é... é... da
prefeitura de São Paulo, completamente à reboque do governo de plantão. É uma...
é uma grande pena. A, a mesma coisa se dá em termos do conselho estadual da
pessoa com deficiência e do conselho nacional das pessoas com deficiência, que
287
não tem autonomia e não tem força pra pautar a política pública e fica à reboque
do governo de plantão.
288
APENDICE F
Depoimento de Olivia
Hoje é 15 de março, na Casa da Fraternidade, estou conversando com Olívia.
Meu nome é Olivia Machado, Ah! Nós somos parentes! É.... Eu também sou
Machado. Sou Olivia Machado estou na Fraternidade há 14 anos, eu conheci a
Fraternidade através da Salete, que hoje é a coordenadora da Latino -Americana
e... e a importância da FCD pra minha vida é que eu era uma pessoa muito, muito
tímida, extremamente (interrompido - ruído)
Então a importância da Fcd na minha vida foi isto: eu era uma pessoa
extremamente tímida, tinha dificuldade de interagir com as pessoas. Apesar de ter
ainda hoje ...... Estou na casa da FCD há 13 anos, coordeno a casa, recebo o
pessoal que vem de fora e ...... como este encontro. Sou responsável e na equipe
estadual eu sou ........... posso dizer que a Fraternidade pra mim que ela me libertou,
eu era ... ficava sempre dentro de casa e agora se quiser me encontrar tem de ligar
e agendar pra me acha, né. Então a FCD pra mim foi., foi uma liberdade, foi também
onde aprendi a me amar como sou. Era extremamente revoltada com minha
deficiência, né.
Qual é tua deficiência? A minha é poliomielite, tive com 2 aninhos. A poliomielite
me atingiu e ... a poliomielite atinge o lado direito ou o lado esquerdo, a minha foi
o lado esquerdo, braço e perna. Só que com 6 anos eu fui operada e os médicos
em vez de operarem a que eu tinha pólio operaram a que não tinha nada e aí
cortaram os meus nervos .... .... na perna direita era pra eu não ter nada. È isso
Vera, tu tens alguma outra
...
Tu estudaste, teve alguma ...? Eu estudei só até a oitava série....... onde os meus
pais têm a casa era muito difícil pra eu ter acesso ao colégio e os meus irmãos
todos trabalhavam e não tinha como eles me acompanharem, pra ir junto comigo
né. Então eu só estudei até a 8ª série. Como é que foi o teu tempo de escola, a
relação com a escola, com a acessibilidade? Com a inclusão como é que ...
Foi bem difícil, porque não tinha acessibilidade e daí toda vez que eu precisava ir
... tinha que vir dois, três, quatro colegas pra me ajudar a subir a cadeira, era
superdifícil e aí eu fui perdendo a vontade de estudar. Chegava a um ponto que eu
não queria mais ir. Um pouco era por medo, né, que os ... vá que deixam cair lá
de cima, me deixam rolar, né, a escada... ficava pensando nisso todo dia e chegava
e não queria ir na escola. Hoje vejo, to acompanhando e vejo que tem mais
acessibilidade do que tinha no meu tempo, né. Hoje eu estou com 52 anos e então
quando eu estudava, né. A acessibilidade podia se dizer que tava zero quase, né.
Então.
Qual é cidade que tu és? Alvorada! Alvorada... unrrrrum.
289
Tá bom Olivia muito obrigada pelo teu depoimento e tudo de bom pra ti.
Eu que agradeço Vera.
OBS. Olivia é cadeirante, mora só na Casa da Frater em Porto Alegre, coordena a
casa e recebe os encontros da Frater que acontecem lá.
290
APENDICE G
Depoimento de Levino Guilherme Schneider
Você me diz o seu nome de onde você veio ... começa a contar a sua história
Meu nome é Levino Guilherme Schneider, de origem alemã. Eu sou filho de um
colono lá do interior, gente simples e vim a Porto Alegre pra completar meus
estudos. Nos estudos eu fui só até o 4° ano de direito, por causa de doença então
eu suspendi os estudos. E quando entrei na Fraternidade foi através do Luiz Itamar
Jaines, que era o coordenador latino-americano da Fraternidade ele era ... em que
ano foi isto? Em 1980. O Luiz Itamar, ele era deficiente, ele era PC, PC como dizer
problema cerebral. Então ele tinha problema de locomoção e era amiotrófica lateral,
esclerose amiotrófica lateral e ele tentou curas, mas não conseguiu. Os médicos
deram 3 anos de vida pra ele, no entanto, ele viveu 15 anos. E ele me disse o
seguinte: eu estou vivendo por que eu não estou ruminando a minha doença, estou
me preocupando com os outros, por isso que em vez de três anos eu ainda to vivo.
Isto ele me falou quando já tinha 10 anos mais ou menos. Então quando eu entrei
na Fraternidade não existia livro em português, nenhum livro em português. No ano
seguinte em 1981, houve um encontro continental na Vila Manresa, aí eu perguntei
pro conselheiro continental que era o Juan ....... se não tinha nada por escrito em
... porque na Fraternidade só fazia palavra, verbalmente. Então ele me deu um livro
em Francês, este livro Lve-toi ... et Marche (mostrou o livro). Esta é uma relíquia eu
até agora não descobri nenhum brasileiro que tenha este livro, escrito pelo próprio
Henri François. Foi o único livro que ele escreveu, os outros foi tudo circulares
avulsas, de mensagens avulsas. Eu vou-lhe, inclusive, dar uma cópia desta relíquia.
AH! Eu agradeço muito! Eu vou fazer uma dedicatória pra você e o Luiz, né.
Ahhham. Muito obrigada! Vou fazer uma dedicatória porque isto é uma relíquia,
uma raridade, poucos tem esta cópia aí. E quando eu cheguei a ser conselheiro
estadual, eu fui ... antes eu fiquei muitos anos com o Luiz Itamar. Quando ele deixou
de ser ... aí eu continuei na Fraternidade porque eu achei ... num momento muito
interessante eu entrei no núcleo aí da Medianeira e de lá eu fui pra ... naquela época
era uma equipe, não se chamavaaa subestadual que nem agora era, tinha uma
terminologia católica, então ... Fui conselheiro e depois conselheiro regional,
diversas vezes. Quando conselheiro a preocupação era livros em português então
eu em nome da equipe estadual eu me encarreguei, fiz a tradução deste Leve-toi
........ logo depois foi editado o livro Pequena biografia de François e logo em
seguida Mensagens ....... depois da morte de François. Então em 1980 saiu mais
uma ... este livro aqui. Em 1981 saiu o livro Breve Biografia, em 1982 então
Mensagens Fraternas.
Mensagens Fraternas, então, foi uma edição pós morte, mas foram escritas
por ele? Isto. Foram escritas por ele, quem ... dois países que começaram a
291
arrebanhar todas as mensagens que ele fez, uma foi lá na França e outra na
Espanha, e o mais interessante que tem algumas mensagens de François que só
tão na edição espanhola e não na edição francesa. Então eu tenho estes dois livros
e o original, eu tenho todas as ... Depois da morte de dele a equipe nacional lá da
França, ela arrebanhou todas as mensagens dele, mensagens .... comitês das
assembleias, circulares, tudo e publicou um livro e este livro nós também
publicamos aqui e isso foi tudo na época em que eu fui conselheiro aqui. Então, a
minha grande preocupação é ter em português, para o pessoal ...
E você foi Conselheiro Nacional também? Fui candidato, depois de uma
assembléia muito tensa, porque eu propunha uma mudança do documento base e
fazer um ... na época que foi resolvido fazer um estatuto nacional, então a minha
idéia era a primeira era adaptar o documento base às origens, ao fundador, que foi
alterado. Em quase todas as assembleias o Documento Base já foi alterado, então
minha proposta era atualizar o Documento Base a suas origens do fundador e
baseado nele fazer o estatuto. O Estatuto Nacional e depois fazer um estatuto de
... estadual e municipal porque também tinha sido autorizado que somente as três
esferas: a nacional, a estadual e municipal podia fazer CGCs, mas desde que
vivenciassem o Movimento e não o documento estatutário, porque o Estatuto era
somente para servir de apoio para a Fraternidade. Então o ... atualmente tem esse
grande risco, o pessoal em vez de vivenciar o documento O MOVIMENTO, muitos
se atem mais ao Estatuto legal. Quer dizer isto já é contrario às intensões do
Fundador, porque o Fundador diz que a Fraternidade é um Movimento que não
......... ela tem o espírito completamente diferente.
O Estatuto é o que rege a Federação? Isto! É! .... o político da ... Seria apenas
para conseguir alguma verba governamental. Como Movimento oficialmente não
se existe, né. Então a gente oficializou através de um estatuto, para servir apenas
de apoio para o movimento. Então em alguns estados também já tem, por exemplo,
o Rio Grande do Sul nós já temos estatutos também. Temos estatuto, mas a
vivencia é ser sempre dentro do Movimento. ..............................
Levino eu te conheci quando eu trabalhava no CECA, quando vocês foram
buscar ajuda do CECA na questão da formação. Podia me falar um pouquinho
assim: o que estava no bojo ... que idéia vocês tinham de formação... porque
vocês acharam necessário este processo de formação?
A idéia era que, como a Fraternidade é ecumênica, e sabíamos que o CECA tinha
um espirito ecumênico, então nós pensamos vamos complementar o nosso
ecumenismo tirando cursos ali no CECA. Então foi neste sentido, no sentido de
ampliar o sentido de ecumenismo e também se integrar com outros movimentos
ecumênicos. Porque a Fraternidade tinha o objetivo de se integrar com todos os
movimentos sociais e ......... dentro do espirito da Fraternidade. Então ...........
achamos muito interessante que ....., alias, foi muito interessante que a linha
ecumênica que .....que o ecumenismo é a recomendação do fundador. Ele em
primeiro lugar ... eu pra mim .... a pessoa com deficiência era discriminada e
abandonada isso que dizer o que? Que um mandamento novo .... porque se a gente
292
discrimina a pessoa com deficiência ....então ... equivocada achando que quem tem
a deficiência é castigada por Deus ou coisa assim. Então, retomou o amai- vos uns
aos outros e quando ele retomou ele descobriu a força do amor. Ele quando foi
visitar pessoas com deficiência, ele notou que antes de ..., primeira visita o
deficiente queria é morrer, não queria mais viver, triste, abandonado e depois de
criar laços de amizade ele descobriu que o deficiente ficava alegre e queria
continuar vivendo e assumia a sua vida apesar da deficiência. Esta foi uma grande
descoberta de François. E como ele dizia que o verdadeiro amor fraterno só
acontece através de contatos pessoais, então a pessoa tem que ir, ver a pessoa e
isso ...... o verdadeiro amor e coisas que dentro da estrutura que François dizia não
existia. E como aaa deficiência também pode-se dizer que é ecumênica também,
quer dizer, que qualquer pessoa pode virar deficiente, então disse que essa
orientação, este amor pode ser dado a todas as pessoas, não importa a crença
religiosa, não importa a classe, não importa a idade, nada. Tem que se ir a todas
as pessoas sem discriminação. Então ele acha ........................
Não é somente os fiéis da igreja. Outra coisa que ele descobriu que ... a fraternidade
da Fraternidade tem que ser através de uma equipe e dizia que o mínimo de equipe
é três pessoas, que precisariam duas pessoas com deficiência, que são os agentes
e o conselheiro é um incentivador desta equipe de deficientes. Então, novamente
o François, segue as orientações da Bíblia porque Jesus quando mandou os
apóstolos para fazer a evangelização diz: vocês vão de dois em dois, dois a dois.
Ele não indicou vai Pedro e João. Eles que escolhiam qual dois que iam. Então
François se baseava nisso aí, quer dizer em contrário com a comunidade que ele
vivia, porque a comunidade era comanda por uma única pessoa que era o vigário,
era o padre. Então todas as ... em movimento, ele diz que a Fraternidade é um
movimento porque o movimento não tá regido em leis. Então quem ama de verdade
não tá sujeito a leis é espontâneo e gratuito e vai como movimento. Então
novamente ele foi contrário a estrutura .... que ele pertencia .... é movimento porque
ele se baseou novamente no evangelho porque nos primeiros 300 anos, nos
primórdios do cristianismo a Igreja. Não tinha Igreja institucional ... As Igrejas
institucionais foram criadas na época do Imperador Constantino, quando esteve em
Constantinopla, porque até então o Cristianismo vivia como movimento. Então, eu
digo os livros todos que foram adotados, que foram escritos o nosso fundador se
baseou nesse .... nessa era de movimento. >>>>>>>>>>>>>> A igreja em Roma,
a Igreja em Jerusalém, a Igreja em Corinto então era as pessoas, as comunidades
reunidas que chamava da Igreja. Então, o que aconteceu ... eeee François se
baseou nesse evangelho aí para criar a Fraternidade como movimento. Pra
entendermos melhor o que é movimento nós temos que ir ... que as Igrejas
institucionais, teve uma pesquisa aí que eu li que diz que em 1962, se não me
engano, que foi feito um senso que existia perto de 900 Igrejas Cristãs.
Institucionais! Quer dizer, Jesus fundou uma Igreja só, a Igreja de Jesus Cristo,
porque tentas assim? Porque no tempo de Constantino, ele decretou, que como ele
estava em Constantinopla e havia uma igreja movimento em Constantinopla, ele
fez um decreto dizendo que a igreja de
Constantinopla seria a sede do cristianismo, e foi ... qual é o resultado disto? A
Igreja em Roma ela dizia: Ela não pode ser sede, porque inclusive a igreja de Jesus
Cristo é universal. Então ela, o que que ela, ela se autodenominou, o que que é ser
293
universal? O evangelho de Jesus é universal, então eles apelaram para uma
palavra grega “católica”, católica quer dizer universal. Então eles se
autodenominaram católica de Roma. Quer dizer deixou de ser movimento, antes
era Igreja em Roma agora é Igreja Católica de Roma. E qual é o risco que ocorreu
aí? Como o decreto dizia que ele eram a sede, Constantinopla, a Igreja Católica de
Roma se achou que ..... eles também eram ... a .. e se denominaram Santa Sede,
como lá era a sede então a Igreja de Roma era a Santa Sede rsrsrs e com os anos
ficou Santa Sé, senão ... Este nome até hoje existe. Quer dizer .... o que a Igreja
de Constantinopla fez, eles achavam, não nós temos a doutrina certa, então o que
eles disseram, eles escolheram um termo também grego que quer dizer doutrina
certa. Doutrina certa quer dizer “Ortodoxa” . Ortodoxa quer dizer doutrina certa.
Então, eles criaram Igreja Ortodoxa de Constantinopla, quer dizer a 2ª igreja
institucional que se formou, antes não existia. Então já existia a 1ª a Igreja Católica
de Roma e a agora a Igreja Ortodoxa de Constantinopla. Eles inclusive no inicio se
davam bem, inclusive os evangelhos todos que foram escritos durante o tempo de
movimento, eles eram todos ................ escritos em ... ou em aramaico ou em grego
e Santo Agostinho, Santoooo ... quem traduziu os, os evangelhos na época do
grego pro latim ele era da Igreja Católica de Roma, então, a Igreja Ortodoxa de
Constantinopla aceitou também este, essas traduções em latim ... mas isto
aconteceu .........que ocasionou isso aí tudo. E daí em diante igreja era
denominação da instituição e não mais das pessoas reunidas, então, o nome
passou para a instituição .......e outra coisa até o prédio começou a chamarem de
igreja. Isto foi até o ano mil e pouco. Separaram aí porquê... o que é uma igreja
institucional? Igreja Institucional é inicialmente é uma maneira própria de viver o
evangelho, então, cria uma igreja institucional, mas com o tempo é o grande risco
que acontece, elas começam a introduzir doutrinas, mais doutrinas, mais doutrinas
e o que que ocasiona essas doutrinas? Muitas vezes cria inimizade com as outras
igrejas. Quer dizer: não é mais uma maneira própria de ver é uma maneira
imprópria.
Mas voltando mais um pouquinho pra questão da formação, eu lembro que
vocês tiveram a participação em encontros, cursos do CECA: Pastoral
Popularrr, Formação de trabalhadores e também havia uma discussão entre
as pessoas que estavam participando da Frater e que criavam, ganhavam um
certo nível de consciência e começavam a se envolver em outros
movimentos, até em movimentos políticos ... Como é que vocês viam isto n
aquela época?
Bom vivendo o espírito da Fraternidade, e a Fraternidade diz que ela tem que ser
divulgada, então pra ser divulgada tem haver integração, a gente tem que se
integrar com outros grupos. Então era dentro deste espírito que a Fraternidade ...
se integrar com outros movimentos que tem o espírito idêntico, se integrar para que
a Fraternidade fosse.. Então era considerado que alguns achavam que não podia,
então, a solução final era se integrar nestes grupos, nestes movimentos e inclusive
nas .........e fazer .........e inclusive influir para que estas entidades estes
movimentos também vivenciassem o espirito da Fraternidade. Incluíssem as
pessoas com deficiência nestes movimentos? Isto!! .....
294
Nos anos 80 em diante cresceu muito o movimento de ... para inclusão de
pessoa com deficiência no processo escolar. A Frater teve alguma influencia
nisto, participou de alguma discussão ... ? Eu sei que a Frater no geral
congrega mais adultos. Sim!! Não trabalha tanto com criança, mas mesmo
estes adultos que já passaram por um processo de escolarização ou não se
envolveram na discussão da inclusão escolar ou não?
.......o fundador orienta que a Fraternidade é um movimento, mas veja que
recomenda que todos fraternistas escolhessem uma associação, uma entidade
para complementar a ação, então, nesse sentido, ele até dizia que além de
participar de uma associação tinha que continuar o espirito do movimento. Podia
fazer parte de uma associação também, de uma entidade outra, de uma
organização social. Então, nesse sentido ...., foi permitido, mas ultimamente se tem
notado que ....... a pessoa em vez de vivenciar mais o espirito da Fraternidade eles
se atém mais as da associação, as leis da entidade o que François não queria,
então, esse é o grande risco e esse risco tá acontecendo na realidade hoje. A
pessoa abandona o espirito de movimento, a pessoa vivencia mais a lei e o
fundador ........ diz que a lei não vivencia, quem vivencia é o espirito...
Uma outra coisa, é que eu olhando a ... lendo a biografia do François, deu
perceber que ele viveu entre as duas guerras e neste período da guerra foi
um período da ..., foi um crescimento grande da pessoa com deficiência , isto
foi.... as sequelas da guerra tu conheces algum material que tenha um pouco
dessa ... alguns dados dessa, aumento das sequelas ou não...
.......eu nesse sentido, me refiro a estrutura que ele pertencia por a orientação que
ele dava eram, normalmente eram contraria à estrutura que ele pertencia, mas em
compensação ele tinha um bispo, Bispo Pierre broion ele dava todo apoio, então,
nisso o movimento do François era um movimento visto com certa desconfiança
por muitasss, muitos clérigos da Igreja Católica, mas ele tinha todo apoio do bispo.
Eu considero inclusive que, como agora eles dizem que os cofundadores são as
três ........ que iniciaram o movimento, eu digo que o cofundador foi também o
Bispo Pierre Boillon. Porque se não fosse esse bispo que ... a Fraternidade não
teria vencido. Então, uma das questões era questionar a Igreja Católica a que ele
pertencia porque um clérigo não podia ser deficiente e ele fez toda luta por isso
....... que os deficientes podiam entrar no, no ... clerical. Ele inclusive, ele inclusive
ele conseguiu, porque ele próprio foi discriminado.
Sim! porque ele tinha uma doença crônica, né! Então ele lutou pra altera isso aí.
Ele lutou, conseguiu! Agora, oficialmente, até hoje depende muito do bispo, então,
tem setores dentro da Igreja Católica, do Concílio Vaticano II que permitem já
pessoas com deficiência possam entrar no clero. ....... isso com François, mas isto
é muito pequeno ainda. ...... mas houve luta do François neste sentido. Inclusive,
numa dasss dois anos antes de morrer, ele fez uma circular, uma mensagem a um
Encontro Internacional que tava acontecendo em Costa Rica, ele dizendo que a
responsabilidade do ........ do, do da pessoa com deficiência inclusive, ele chamava
que o deficiente .....de uma equipe, de um grupo, ele chamava de responsável e
que este responsável tinha que ter força do Espirito Santo pra poder agir dentro
295
desta missão. E como o leigo não tem o Espirito Santo, o leigo não é sacerdote,
quer dizer o sacerdote é que tem o
Espirito Santo, então ele fez uma ...... que é revolucionária ....... ele diz que a
Fraternidade não é leiga, e eu descobri esta .............só foi publicada depois da
morte dele. Nesse sentido, eu vejo que ele além de Santo, evangélico, de bom
senso que ele tinha, ele era estratégico, porque pra mim .................porque era mais
uma instrução contraria a estrutura a que ele pertencia. Ele diz que a fraternidade
não é leiga é cristã, porque se .......... o Bispo dele já não é , não era mais o Boyon,
pra mim ele não é, é uma estratégia que ele usou ......................
A outra gran de lição que ele deu, apesar que a orientação que ele dava era
contraria a estrutura que ele pertencia, ele não fundou nova igreja. Ele permaneceu
na estrutura que ele tava vivenciando um novo espirito. Então, essa é uma grande
lição que ele nos deixou. A pessoa quando está numa estrutura, numa igreja
institucional, está dentro da estrutura não precisa sair dela. Ela vivencia o novo
espirito da Fraternidade, e continua nessa estrutura e aproveita a estrutura. Então,
essa é a grande lição que François deu, apesar de ele..., as instruções eram,
praticamente, todas elas são fundamentadas no Evangelho e muitas delas
contrarias à estrutura que elas representam. .... mas através do Bispo Boyon ele
conseguiu apoio, na época, apoio da Igreja, muitos outros Cardiais e Bispos, ele
conseguiu apoio. Hoje depende muito, a Igreja Católica, oficialmente, em muitos
lugares, .................. Então na minha prática, tenho notado que ... as Igrejas Cristãs,
porque ela se integra com todas Igrejas Cristãs, principalmente três Igrejas Cristãs
que estão dando muito apoio à Fraternidade. Que é a Igreja Católica, a Igreja
Institucional Católica, a Igreja Metodista e a Igreja Episcopal, porque entendo que
estas três, que mais se evidenciam na Europa, no apoio na Fraternidade,
atualmente.
A Igreja Luterana, não sei como é que... não sei se tu conheces isto: a Igreja
Luterana tem uma pastoral própria deee É eu não sei se ela tem alguma
relação com a Frater, ou alguma coisa...
É uma outra Igreja, a Igreja Evangélica Luterana ela também dá muito apoio. Quer
dizer que são quatro Igrejas que dão apoio. Então, ... a Igreja Luterana inclusive
nós tivemos até conselheiros já da Igreja Luterana. ......... inclusive na hora da ... ali
do ... da da ... uma conselheira, havia outras pessoas da Luterana que
participavam. Atualmente eu não vejo mais este ......... talvez esse seja uma das
causas de atrito na Fraternidade, que o espirito da Fraternidade não está sendo
mais cumprido a rigor .
Falando em Igreja, a gente percebe assim ... a aa Fraternidade mudou de nome
ao longo ...SIM. Iniciou com Fraternidade Católica de doentes, depois de
doentes e deficientes ... Depois de Católica passou para Cristã e hoje por
exemplo, especialmente, no Brasil nós temos um leque de religiosidade que
extrapola a ao meio cristão e, certamente, a deficiência também vai por todos
296
os os arraiais que não são cristãos. Como é que se dá essa relação da Frater
com os grupos não cristãos? Tu tens alguma informação?
Vou começar por outros países, no Brasil ainda é Fraternidade Cristã, mas já
existem países, por exemplo, Peru e um país lá da América Central, eles
abandonaram o termo Cristão. E, falando com a coordenadora internacional, ela
disse que a maioria das Fraternidades na África e na Ásia, também não usam mais
a palavra Cristã. Então pelo nome, porque há um setor que entende já, que é meio,
que é uma interpretação fundamentalista que pra ser cristã tem que pertencer a
uma Igreja Institucional Cristã e o espirito da Fraternidade não é este.
A Fraternidade ........ cristão ....... então, existe um movimento aqui no Brasil, de
abandonar também cristã. Eu sou a favor, que abandone cristã, porque o espirito
não muda, porque os princípios são os mesmos, a orientação do fundador é a
mesma e Fraternidade é um movimento de evangelização ...... o Evangelho fica
intacto só muda o nome. Não é pelo nome que não vamos vivenciar o cristianismo.
Então existe um movimento dentro do Brasil, que se abandone a palavra cristã, que
tem muitos Ortodoxos, tem budistas, muçulmanos, .... com a palavra cristã ele tem
uma certa rejeição. Não querem saber deste movimento, no entanto eles tem o
amor cristão também ( e a deficiência?) A maioria das religiões, filosofias, igrejas
que existem por aí, elas defendem o amor e dizem claramente que não fazem com
os outros aquilo que não querem que façam pra si. Então, a palavra cristã não influi
em nada, porque o espirito da Fraternidade continua o mesmo. Porque se a
mudança de interpretação é a mudança de sentido, por exemplo se Igreja Católica
tivesse os espirito inicial, isto é, universal não precisaria ..... mas como na época
católico não só, não era universal e somente fiéis ao, a igreja universal, igreja
católica Católica Romana? Institucional! Agora tem gente que acha que ...........
tem que ser uma igreja institucional. A Fraternidade não é uma igreja institucional,
a Fraternidade é ... Jesusss... o fundador .... como movimento e como movimento
somos cristãos e como tal: nós somos movimento de evangelização e como tal nós
sendo movimento de evangelização somos movimento de igreja também. Então,
eu, particularmente, me realizo como Igreja dentro da Fraternidade, não preciso
pertencer a uma igreja institucional. Eu não saí da igreja institucional, que é a
Católica, continuo ..... eu respeito a doutrina, lá eu me porto como leigo, mas dentro
da Fraternidade ............ da bíblia porque “amai-vos uns aos outros” porque se
vocês se amarem uns aos outros serão meus discípulos e depois disso quem ama,
quem cumpre os seus mandamentos, Jesus diz. Quer dizer: amai-vos, meu pai o
amará eu e meu pai iremos a ele faremos a nossa morada, quer dizer, que ele se
torna templo do Espirito Santo. Então, eu nas celebrações ecumênicas, e eu sou o
coordenador geral, eu não ..... eu falo todo mundo sacerdote, porque se todo, se a
pessoa ama o próximo, que nem Jesus amou ele se torna templo vivo do Espirito
Santo e ele tem poder para celebrar. O que a linha, a linha que diz que a
Fraternidade é um apostolado leigo já não permite isto, não permite celebrações
ecumênicas na Fraternidade. Inclusive, lideranças nossas atuais, estão nesta linha,
contraria ao ecumenismo da Fraternidade. Querem fazer o contrário do que o
François fez. O François deu uma orientação nova e ficou por dentro da doutrina,
dentro da estrutura que ele pertencia, hoje em dia eles fazem o contrário, os que
estão lá dentro querem que seja de acordo com a doutrina da Igreja. Por isto dizem
297
que é um movimento de apostolada leigo, quer dizer, tá atrelado à doutrina da Igreja
Católica. Laicato não existe no evangelho, ........... não existe! Isto é uma doutrina
criada pela igreja institucional católica apostólica de Roma que foi fundada no
tempo de Constantino. Então nós temos que, todo fraternistas tem que, tem que
entender muito bem existe Igreja de Jesus Cristo e igrejas institucionais que são
dezenas, de acordo com cálculos feitos, existem mais de mil igrejas institucionais
... quer dizer que não são Igreja de Jesus, são igrejas institucionais. Então muita
gente dentro das Igreja institucional não tão a rigor da doutrina que eles pertencem
mas seguem a doutrina do Evangelho, quer dizer, se torna Igreja de Jesus Cristo.
Apesar de estarem numa igreja institucional, as vezes contraria ao espirito do
Evangelho.
Bom Levino, eu acho que ao longo do dia se a gente lembrar de alguma coisa
a gente grava de novo. Por enquanto eu acho que a gente tem um bom
material aqui e ...
298
ANEXO A
Carta do Pe François a Luiz Itamar
A foto da carta original enviada ao Coordenador Latino-Americano, Luiz Itamar.
Tirada, com celular, pela pesquisadora, no acervo da documentação da FCD que
se encontra na Casa da Fraternidade, em Porto Alegre/RS.
299
ANEXO B
CARTAS ABERTAS – Nº 57, comemorativa aos 15 anos da FCD no Brasil
(SÃO PAULO (Estado) -30 anos do AIPD: 219)67
67 Imagem. Capa da Revista Cartas Abertas, de 1987
Cabeçalho: Cartas Abertas – Fraternidade Cristã de Doentes e Deficientes – Ano XIV – nº 57 – Junho de 1987. Três fotos em branco e preto: 1 - Maria de Lourdes Guarda na maca e milhares de pessoas na rua; 2 – Maria de Lourdes na maca, rodeada de crianças, no fundo vê-se freiras; 3 – Maria de Lourdes e um grupo de pessoas, com e sem deficiência, posam para foto num pátio, em frente a uma construção. Rodapé: FCD – 15 Anos de Fraternidade no Brasil. Referência bibliográfica: CARTAS ABERTAS. FCD: 15 ANOS DE FRATERNIDADE NO BRASIL. São Paulo: Escolas Profissionais Salesianas, jun 1987 Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Cedipod.
300
ANEXO C
Celebração de Corpus Christi – Praça da Sé/ SP
Fonte: OLIVA;ROCHA, (2016: 42)
301
ANEXO D
Mensagens do Pe. François
1.NOËL. 1947
VIVRE DANS LE RA VISSEMENT
«Vous trouverez, dans une étable, un enfant enveloppé de pauvres langes».
C'est peu, comme renseignement, mais c'est suffisant: les Bergers ont trouvé.
Et depuis cette prerniêre visite à Jésus, bien d'autres sont venus adorer leu r
Sauveur avec Marie et Joseph.
Chers malades, je vous invite à m'accompagner prês de Jésus- Enfant.
Faisons notre visite à Ia creche.
Quittez lits et fauteuils, descendez des hauteurs de vos sanas et pré- vents,
sortez de cet hôpital trop froid au coeur, à force d'être net; évadez-vous de votre
chambre sombre et humide, il y a place pour tous, donc il y a place pour vous.
«Qu'allons-nous emporter?» me demandez-vous. «Quels présents Lui
faire?». «Il y a quelques sous dans ma bourse plate». «Il y a cette tasse de lait,
ces morceaux de sucre, suppléments octroyés chichement par le ravitaillernent».
«Une chanson? Une priére que je composerai?».
Laissez tout cela, chers amis, venez avec moi sans vous charger.
Nous entrons. Il y a du monde, car les malades ne sont pas les seuls invités.Il
faut se frayer une place, se tassef dans un coin Dieu! que de belles choses on
offre à l'Enfant divin!
«Petit Jésus, je vous dorme mon agneau préféré, donnez-moi un bon mari
bientôt. Voici des légumes, que mon jardin ne gele pas au printemps. Voici de
l'argent, que mes titres ne baissent plus en bourse. Voici un chant, que je n'aie
jamais mal à Ia gorge. Voici ... voici!», et les
offrandes et les demandes se multiplient etJésus sourit à tous, se réser- vant de
les exaucer selon son bon plaisir, donc les exaucer souvent à sa maniére et pas
toujours à Ia leur.
Et vous vous tournez vers moi, amis malades, avec un air de repro- che.
«Vous n'avez pas voulu que nous apportions quelque chose, com- ment Jésus
va-t-il nous recevoir?». Eh bien, vous allez, dans cette as- semblée, tenir Ia place
du «Ravi». Dans les creches provençales, on
met une foule de petits personnages qu'on appelle «Santons». Chacun porte un
objet ou joue d'un instrumento Mais il y a un Santon qui n'a rien dans les mains,
il regarde Jésus d'une bonne figure épanouie. C'est <de Ravi». Il est pris,
beaucoup plus pris que les autres. 11 ne dit
pas «Voici ce que je vous offre», il ne dit rien. 11 est.là, planté sur ses jambes,
les bras ballants ou les mains jointes. Il mange le Sauveur des yeux, va à Marie,
à Joseph, revient encore à Jésus et s'y fixe. La scéne lui plait, Il est ravi. Il se
302
livre, sans rien demander en retour. Il oublie de
le remarquer. 11 est dans le ravissement.
Et c'est lui qui donne le plua..parce qu'il donne tout en croyant qu'il ne donne
rien. Jésus lui sourit plus aimablement qu'aux autres, un contact plus intime
s'établit entre eux deux.
Ne trouvez-vous pas qu'il est souverainement désirable que nous agissions
ainsi? 11 ne faut pas, pour réussir, beaucoup de capacités in- tellectuelles, ni
puissance de raisonnement, ni éclat d'imagination, ni ténacité de mémoire. Il y
faut seulement du coeur et surtout il ne faut pas prendre une glace pour se
regarder donnant son coeur.
Si vous voulez me suivre jusqu'au bout, vous ne limiterez pas à Noêl votre rôle
de «Ravi»,je vous propose de vivre constamment dans le ravissement.
Donnez votre coeur au Sauveur, à vos frêres, oubliez-vous cornplêtement,
Je voudrais parler à chacun de vous, lui montrer comment pratiquer ce
Ravissement de toute Ia vie.
Quelques cas-types, au hasard:
Ou bien vous êtes parmi les moins à plaindre des malades, votre famille et
vos amis vous entourent, sont aux petits soins pour vous. Faites Ia vie douce
à tous ceux qui vous approchent. Cessez vos exigences, perdez l'habitude de
vous plaindre. Montrez-vous reconnaissant desmoindres attentions qu'on a
pour vous. Pensez au bien de ceux qui vous rendent visite, intéressez-vous à
eux et oubliez de les intéresser à vous. Ce sera une vie de «Ravi»,
Ou bien, à votre maladie, vous joignez cette autre débilité d'être
«économiquement faible», Vous devez être à Ia fois infirme et travail- leur,
donc peiner beaucoup plus que les bien portants. Travaillez avec Jésus,
souffrez avec Jésus, et donnez aux autres l'exemple d'une vie
courageuse et dilatée. En cela, vous aussi serez un «Ravi»,
'" Ou bien vous avez de grands moments de solitude. Vous vivez avec le Christ.
Vous offrez tout pour vos Irêres, votre âme est rayonnante de lumiére, vous
êtes «Ravi».
Ou bien, vous êtes dans ces grands rassemblements de malades que
sont les hôpitaux et les sanas; cent fois par jour vous avez l'occasion
de souffrir du contact de vos fréres et de vos soeurs en maladie; cette
fois Ia solitude vous manque, mais quelle belle occasion d'être aux
autres en vous quittant vous-même. Quel ravissement pour au
réoler votre vie!
Si le mot «ravi» indique une sortie de soi-rnême, il signifie aussi Ia joie. Un
triste «ravi» n'a jamais existé.
Cette vie donnée fera fuir loin de vous Ia tristes se. Vous n' aurez
pascherché Ia joie pour elle-
rnême et vous l'aurez trouvée.
303
Vous serez Ia joie de votre Sauveur.
Vous serez Ia joie des autres.
Et vous vous trouverez invinciblement porté à dire au Christ votre
reconnaissance joyeuse de Ia vie féconde qu'il vous fait mener. Henri François
(BOILLON, 1989: 89,90)
*********
2. PÂSQUES, 1961
CELUI QUIOSE C'EST L' ARBRE DE PLEIN VENT
SOLIDEMENT ENRACINE OSER ... POUR ÊTRE
«Ceux qui n'osent pas sortir de peur de se casser les jambes, comme ils ne
sortent pas, c'est comme s'ils s'étaient cassé les jambes» (Turgot).
D'abord, j'en ai connu qui se cassaient la jambe en sortant du lit.
Et puis, s'ils sortent, ils ne sont pas sürs de tomber.
S'ils tombent, ils ne sont pas súrs de se casser Ia jambe.
S'ils se cassent une jarnbe, il n'est pas sür qu'elle sera mal recollée.
Et si elle est mal recollée, ils ne sont pas perdus pour cela.
Illeur restera ceei, qu'ils auront vu du pays, qu'ils auront compris que le monde
ne tourne pas sans eux, qu'ils sont dans le monde.
Vous saisissez déjà, chers amis, que cette phrase a un sens symbolique et
qu'il nous faut maintenant le développer.
Ne pas vouloir sortir, c'est ne pas vouloir sortir de soi, ne pas oser aller aux
autres, ne pas oser dialoguer avec les autres, bref, ne pas oser fraterniser avec
les autres.
Et le motif est três bien indiqué: on a peur que cela nuise à soimême.
Je ne pense pas qu'il y en ait beaucoup de cette espêce parmi les malades et
infirrnes, mais enfin, pour les vacciner tous contre ce microbe, et pour réjouir
ceux qui ne sont pas atteints par lu i, suivez-rnoi bien:
Refuser de dialogue r avec les autres, ce n'est pas seulement refu-
ser d'agir, c'est refuser d'être.
Être, c'est atteindre son âge adulte, avoir toute sa personnalité. Celui qui n'ose
pas est forcément incomplet. Il y a en lui des possibilités qui s'atrophient,
Regardez celui qui n'exerce jamais un membre, en quel état est ce membre!
Celui qui a fait des années de lit, quand il se
304
releve, ne peut plus faire même quelques pas tout seul, ses muscles sont lâches.
.
Accepter de dialoguer, soit! mais seulement avec certains, en les triant sur le
volet, les choisir; là encore, ce n'est pas être pleinement. Ces gens me font
penser à des plantes de serre, qui ont belle apparence, mais illeur manque un je
ne sais quoi de vigoureux, un air de solide santé, on n'oserait pas les exposer
aux intempéries.
Celui qui ose, qui se mêle à tous, dialoguant avec tous, pour arriver à
fraterniser avec tous, c'est l'arbre de plein vent, solidement enraciné. Le vent, la
neige et la pluie n'ernpêchent pas les frondaisons magnifiques, l'abondance de
fleurs et de fruits. Il est.
Nous sommes en plein dans l'esprit de l'Evangile. Le Pêre Chevrier, qui a
fondé le Prado, à Lyon, il y a cent ans, écrit ces lignes: «C'est le raisonnement
qui tue l'Evangile et qui ôte à l'âme l'élan qui nous porterait à suivre Jésus-Christ
et à l'imiter dans sa beauté évangélique».
Les Apôtres, aprés Pâques, nous ont donné l'exemple d'un tel élan irrésistible.
Le Seigneur ressuscité, sans tant d'explications, leur a dit: «Allez partout porter
mon message: Dieu est votre Pêre, Soyez frêres les uns des autres».
Ils ont osé, mais en se tenant bien unis, car même répandus surtoute Ia terre,
ils gardaient une unité profonde.
Ils ont osé, mais en s'appuyant sur le Christ.
Et ils sont devenus ces hommes admirables, colonnes de l'Église.
Voilà un beau modele que je vous propose: les Apôtres. Vous êtes nombreux
maintenant qui voulez cet idéal de fraternité. Vous êtes nombreux, mais il faut le
vívre ensemble. Ne soyez pas des isolés. Cherchez tout de suite avec qui vous
allez vous unir pour porter Ia Fraternité à vos frêres et soeurs malades. Si
vraiment vous êtes tout seul, alors pensez à tous ceux qui, de loin, pensent
comme vous, travaillent avec vous. Ainsi, tous ne font qu'un.
Et puis, le Christ est avec vous, puisque vous voulez augmenter dans le
monde sa fraternité.
Alors, vous, malades et infirmes, qui passez pour des gens qui êtes moins, ou
même qui n'êtes pas, vous apparaitrez clairement comme ceux qui sont parce
qu'ils ont osé être, et qui apportent au monde Ia vie. (BOILLON, 1989: 197,198)
305
ANEXO E
Documento informando sobre o Dia Nacional de Concentração
Documento informando sobre o Dia Nacional de Concentração – decidido na IV Assembleia Nacional de FCD. Com o carimbo do Departamento da Ordem Política e
Social
Fonte: (SÃO PAULO (Estado) - 30 Anos do AIPD, 2011: 82)
306
ANEXO F
FOTOS DE EVENTOS
1. Foto da IV Assembleia Nacional – 1981
Eleição do 1º mandato de M.L.Guarda
Fonte: JAINES; SCHUCK, (1982: 136)
2. Fotos da Comemoração dos 20 anos da FCD no BrasilSão Leopoldo
- 1992
Momento de descontração após o almoço.
Foto: Luiz Eduardo P. da Silva
307
Apresentação artística musical Foto: Luiz Eduardo P. da Silva
Início da concentração em frente ao Ginásio Municipal. Foto: Luiz Eduardo P. da Silva
308
Caminhada pelas ruas de São Leopoldo/RS Foto: Luiz Eduardo P. da Silva
Preparação para o Parabéns e a partilha do bolo de aniversário comemorativo aos 20 anos da FCD no Brasil.
Foto: Luiz Eduardo P. da Silva
309
3. Fotos de momentos da XI Assembéia, Fortaleza/CE - 2000
XI Assembleia, Fortaleza/CE fraternistas reunindo-se para início de trabalho em grupo. As pessoas com deficiência são: Sidnei Fagundes (Sid) - Coodenador do Núcleo em
Pelotas/RS e Raimundo Monteiro (Dedinho) – Coordenador Estadual da FCD no Ceará. Foto: Luiz Eduardo P. da Silva
Assessores da XI Assembleia em Fortaleza , com Sérgio C. Lisboa (o Serginho) e Messias Barbosa, lideranças na FCD/SP
Foto: Luiz Eduardo P. da Silva
310
4. Fotos da Assembleia Estadual/RS – abril 2017
Participantes da Assembleia Estadual – Rio Grande do Sul Foto: Luiz Eduardo P. da Silva
Coordenador Nacional - Giovani Silveira Rodrigues e Coordenadora adjunta Area Sul – Carmen Sibila Fittareli representantes da Equipe Nacional falando sobre a FCD/Brasil
Foto: Luiz Eduardo P. da Silva
311
4. Foto da XVII Assembleia Estadual da FCD/SP – março 2017
XVII Assembleia Estadual da FCD/SP- Pe Geraldo, Conselheiro Nacional e Amélia Galan Coordenadora de área Sudeste/Centro Oeste, representando a Equipe de Coordenação
Nacional. Foto: Luiz Eduardo P. da Silva
312
ANEXO G
Materiais utilizados para formação pela FCD/Brasil
Os cadernos do Plano de Formação na América Latina (traduzidos para o Português)
Material sobre a Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência
Documento Base
Fonte: Foto Nossa
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