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ISSN 1809-2616
ANAISVI FÓRUM DE PESQUISA CIENTÍFICA EM ARTEEscola de Música e Belas Artes do Paraná. Curitiba, 2008-2009__________________________________________________________________
SETE ESTUDOS, DE JOÃO JOSÉ DE FÉLIX PEREIRA
Salete Chiamulera∗
Resumo: Este artigo aborda a obra Sete Estudos para piano, de João José de Félix Pereira, dedicadas ao público infanto-juvenil, com a finalidade de introduzi-lo à linguagem musical contemporânea. Além de uma visão panorâmica da composição, este texto trata de cada estudo a partir de aspectos analíticos composicionais, sonoridade instrumental e performance, sugerindo, ainda, algumas formas de estudo. Num ambiente dodecafônico não-ortodoxo, o seu autor explora de um lado a linguagem atonal e, de outro, o humor. Palavras-chave: Ensino e estudo do piano; Dodecafonismo livre; Análise musical.
João José de Félix Pereira (Curitiba, 1957), professor de composição e
semiologia da Escola de Música e Belas Artes do Paraná (EMBAP), é um
compositor bastante profícuo. Procura uma “síntese entre a música erudita, étnica e
concreta (sons da natureza)”, busca “uma nova relação com o fenômeno sonoro na
sua simplicidade, no âmago de sua origem”. Sua formação musical básica deu-se na
EMBAP. Continuou seus estudos em São Paulo, onde se graduou em piano e
concluiu o Curso de Mestrado em Semiótica na USP. Estudou com Henrique de
Curitiba, Penalva e Koellreutter. “Sua primeira fase foi fortemente marcada pelas
idéias deste último”1. A partir de princípios da década de 1980, afastou-se do
pensamento da vanguarda, aproximando-se de culturas alternativas, especialmente
de certas tribos indígenas brasileiras. Desenvolveu intensas pesquisas, entre elas
sobre os índios ñandeva, que vivem em aldeia próxima à cidade de São Paulo. Assumindo a cultura indígena e inserido em um universo místico, busca hoje uma integração entre os elementos da música étnica indígena e de outras culturas e a música ocidental contemporânea, em um novo
Salete Chiamulera. Mestre em Piano e Performance pela Universidade de Kent, Ohio, USA; Professora de Análise Musical na Escola de Música e Belas Artes do Paraná.1 PROSSER, Elisabeth Seraphim. Tendências da composição em Curitiba na segunda metade do século XX. In: SOUZA NETO, Manoel J. de. A [des]construção da música na cultura paranaense. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 2004, p. 345.
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relacionamento com o fenômeno sonoro mais simples, primitivo, original e íntimo, bem como com a natureza2
Na produção pianística encontra-se o ciclo Sete Estudos, composto em 1988.
Conforme apresentação do próprio compositor no facsimile da obra: “Estes estudos
têm a finalidade de iniciar os estudantes de piano na linguagem musical
contemporânea”3. Ainda que dedicados ao público infantil iniciante ao piano, as
peças são de real interesse para o pianista que deseja trabalhar diferentes maneiras
de toque e de possibilidades sonoras.
O presente trabalho visa focar estas miniaturas pianísticas a partir de
diferentes perspectivas, priorizando três aspectos: a construção formal de cada um,
a técnica (habilidade motora) a ser trabalhada e a sonoridade a ser alcançada. Cada
estudo propõe elementos claros do mecanismo, focados dentro de um contexto
musical contemporâneo, extrapolando a ordem tonal. Como a série é dedicada ao
público infantil, alguns estudos possuem títulos extramusicais, sugerindo
sonoridades e indicando o contexto de cada peça. Apesar de escritos com unicidade
específica, os sete estudos formam um ciclo, com elementos musicais que são
transmutados de um estudo a outro.
O Quadro 1 identifica e sintetiza elementos básicos de cada estudo.
2 PROSSER, 2004, p. 345.3 PEREIRA, João José de Félix. Sete Estudos. Curitiba: 1988. (fac-símile inédito). p. 1.
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Estudo nº 1 – Dança da aranha (controle sonoro no legato, sons que “saem uns dos
outros”)
O estudo possui 8 compassos (os quais resultam em treze compassos, devido
à repetição do desenvolvimento, que deve ser executada, principalmente por tratar-
se de um estudo), organizados segundo o esquema:
1 ||: 5 :|| 2
O primeiro compasso constitui a introdução ou idéia inicial/célula básica, que
apresenta um pentacorde modificado. O pentacorde ascendente de Dó M, na mão
direita, sofreu alteração do IV para o V grau: ao invés de uma II M ascendente, foi
realizado um intervalo de II M descendente. No pentacorde descendente dó3-fá2
(mão esquerda) houve a interpolação de sol# e lá# antes de alcançar o V grau, fá,
aqui também alterado por um sustenido. Pode-se afirmar que esta construção
polifônica simples a duas vozes é um dodecafonismo (com 5 +7 notas) transmutado,
com pivô em torno de dó3 (a nota dó é parte tanto das 5 notas superiores, quanto
das 7 do baixo; nesta fusão/pivô, ocorre a elisão do dó#, que seria a 12ª nota da
série).
A peça constrói o dinamismo musical, que é o jogo entre tensão e repouso,
entre três notas/pilares: o dó3 constitui o repouso – o toque dos polegares – a
estrutura essencial da engrenagem mecânica; o fá3 é o clímax da tensão, nota
suspensa, que, normalmente é alcançado com um elemento de impulso, uma
espécie de anacruse, formada por três graus conjuntos; e o sol2 é o contraponto do
clímax, base do impulso.
Este estudo trabalha a posição básica das mãos do pianista, o toque com os
cinco dedos em movimento contrário a partir dos dois polegares posicionados no dó
central. Este movimento das mãos em sentido contrário é bastante utilizado em
outros métodos de iniciação pianística. A inovação neste estudo são os acidentes
colocados já no primeiro compasso (mib, sol#, lá#, fá#) que se transformam em um
desafio para o intérprete, ao mesmo tempo que o auxiliam no trabalho de “repousar
as mãos” ao teclado de uma forma mais natural. O trabalho de movimentos
divergentes, mas congruentes e harmoniosos, que se equilibram entre si, formam
uma teia sonora, possibilitando o trabalho do ultra legato.
Os dedos criam uma “teia sonora” que não pode ser interrompida, buscam um
legato perfeito, um som/dedo vai ao encontro de outro, “alcança outro dedo”
transformando as mãos em “pequenas perninhas de uma aranha que dança sobre o
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teclado”. O desafio é um “som delgado/flexível ultra legato”. Os movimentos
contrários se organizam, com notas longas, descansos intermediários que
proporcionam uma nova perspectiva neste trabalho polifônico embrionário. A
“completa congruência acontece três vezes durante a obra: no dó inicial, no dó que
inicia a coda e na nota final – o último dó, tocado pelos dois polegares.
A seguir, apresenta-se o facsímile do manuscrito deste primeiro estudo (Quadro 2).
Quadro 2 - Fac-símile da primeira página dos Sete Estudos
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Este manuscrito traz no canto superior direito uma dedicatória a Cloris. Trata-
se da pianista e professora da EMBAP, Cloris Röhrig, grande entusiasta da música
contemporânea paranaense e amiga pessoal do compositor. Como pianista, estreou
diversas obras de compositores deste estado, como as de José Penalva, Henrique
de Curitiba e o próprio João José. No período em que esta série de estudos foi
elaborada, um dos filhos de João de Félix (como ele também assina), estudava com
Cloris. Foi certamente por sugestão e pedido da pianista que este ciclo foi escrito,
como material de trabalho para as aulas do menino.
Estudo nº 2 – Obstinado (controle sonoro em notas repetidas)
A base deste estudo é a nota sol3 repetida, que percorre toda a peça, cuja
estrutura é
A ||: A1 :|| Ponte ||: A :|| Coda.
Na seção A, a mão esquerda realiza o ostinato enquanto a mão direita
(primeira voz) apresenta a melodia – um tema com sete compassos em 3/4. Este
tema, a partir da perspectiva construtiva, é apresenta três notas essenciais: dó4, ré#4
e fá4. Novamente pode-se dizer que é um dodecafonismo (5 notas + 7 notas [6 + 1])
transmutado, conforme o Quadros 3, 4 e 5.
Quadro 3 - Estudo nº 2: cinco notas da série (mínimas pontuadas)
Quadro 4 - Estudo nº 2: seis notas da série (semínimas)
Quadro 5 - Estudo nº 2: a série completa (a 12ª é o sol em ostinato)
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FONTE: Manuscritos do compositor
A melodia tema está construída sobre mínimas pontuadas (do dó ao fá), o
ponto de chegada da linha melódica. Estas notas longas importantes – o ré# e o fá
bequadro – são alcançadas com impulsos (pseudo-anacruse) em semínimas,
construídos com as outras notas da série.
O Quadro 5 mostra a seção A completa, isto é, a apresentação da série deste
dodecafonismo “transmutado”. O sol, ostinato, percorre toda a obra e pode ser
considerado ou a primeira ou a última nota da série de 12 sons.
Na seção seguinte, acontece um contraponto invertido (vozes trocadas), com
o ostinato de sol4. A ponte é o tema em retrógrado (da última nota para a primeira,
omitindo-se o fá natural na reapresentação da seção A que leva para o acorde final
(Coda), construído com quinta aumentada no baixo e quinta diminuta no soprano.
Neste estudo, o mecanismo exigido é a repetição de notas – o ostinato tocado
sempre com o mesmo dedo. Este tipo de trabalho permite desenvolver o controle de
ataque em um único dedo, tomando consciência de suas possibilidades sonoras.
Como perspectiva interpretativa, pode-se intercalar diferentes produções
sonoras em cada seção, gerando texturas de diferentes sonoridades. Na primeira
seção – A (apresentação do tema) –, pode-se explorar uma textura homofônica. A
melodia é acompanhada pelo baixo, com uma nota que se repete. O tema deve ser
bem ressaltado (forte) e o ostinato em sonoridade de acompanhamento (piano). Este
tipo de trabalho é bem interessante e revela um desafio de controle de ataque de
uma nota só – o sol – que sempre está presente, mas, como um pano de fundo. Na
seção A1, com o contraponto invertido, como o ostinato vai para uma região aguda,
pode-se produzir uma textura polifônica, um diálogo entre as duas vozes. Esta
“polifonia branda” se reveste de um exercício da arte de dialogar entre os dedos,
quando nas notas de apoio – as notas longas do tema (Quadro 3) – o sol ostinato se
contrapõe ao tema em semínimas. Esta liberdade de performance na criação de
texturas sonoras diferentes é um exercício importante dentro da peça e permite
optar por um determinado tipo de sonoridade.
Estudo nº 3 – Valsa (a construção do grande fraseado)
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A estrutura geral da obra é ternária: A ||: B :|| A’.
A série dodecafônica é apresentada nos dois primeiros compassos (Quadro 6).
Quadro 6 - Estudo nº 3: a série dodecafônica (3 notas no baixo e 9 na melodia)
A apresentação da série aparece já com dois tipos de acompanhamento: no
compasso 1, tempo normal de valsa, com apoio no primeiro tempo, seguido de dois
pulsos iguais; e, no segundo compasso, tempo deslocado, com apenas dois acordes
(ao invés de três), anunciando o ritmo do baião, que será usado no estudo seguinte.
Na melodia, o tema aparece nos primeiros dois compassos. O terceiro é a
repetição do primeiro, e no compasso 4, aparece o retrógrado do primeiro,
começando a partir do inciso do segundo, a nota si.
Toda a peça é construída com este tema, uma melodia descendente que faz
uma elisão com a nota fá# e a melodia ascendente, o tema em retrógrado. A
questão de interesse maior nesta peça é o desenvolvimento da independência de
mãos na construção desta homofonia em tempo de valsa, com tempo normal e
tempo deslocado alternados, assim como o tema, que percorre as duas mãos. O
desenvolvimento do fraseado, da articulação da frase, dando destaque ao tema,
bem como o acompanhamento leve, transforma este estudo em uma peça relevante
para o mecanismo, a sonoridade e o trabalho de expressividade musical, uma
iniciação ao estilo/técnica de uma valsa. A nota de junção é um elemento básico na
construção e memorização desta peça.
Estudo nº4 – Baião (solidez em acordes)
A estrutura deste estudo segue o seguinte esquema:
Introdução ||: AB :|| Ponte ||: Coda :|| Acorde final
O tema do baião é apresentado nos quatro primeiros compassos na mão
direita, também em uma escrita dodecafônica branda (Quadro 7).
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Quadro 7 - Tema do Baião
O baixo constrói o ritmo do baião, em torno de dois intervalos de quintas
diminutas: dó#2 e sol2; dó2 e solb2. Toda a obra é construída com este tema que,
depois da apresentação, é apresentado com reforço de outras notas, em acordes de
diferentes espécies. A partir do compasso 9, o tema é apresentado na mão direita
em retrógrado. A seção B é a inversão das mãos – tema na mão esquerda na
versão original e, depois, de trás para frente. A ponte é construída com uma escala
descendente em terças para a apresentação final do tema como uma grande coda.
A partir desta ponte, o acompanhamento é sempre com quintas justas, em registros
intercalados de oitavas, resultando em um novo brilho sonoro e uma nova densidade
da sonoridade.
Este estudo constitui um exercício de acordes em diferentes posições e nas
duas mãos. Como o trabalho musical da peça é o mesmo em ambas as mãos, só
que em momentos diferentes, recomenda-se o trabalho técnico de toque simultâneo
do material musical em uníssono nas duas mãos, em uma primeira etapa, para
consolidar o aprendizado. Depois que o estudante sentir-se bem confiante, em uma
segunda etapa, pode-se realizar o trabalho real de cada mão/voz: mão direita, tema;
e mão esquerda, acompanhamento; e depois vive-versa. A sonoridade esperada é
de força e de certa rudeza, em contraste com a sonoridade delgada e refinada da
valsa do estudo anterior.
Estudo nº 5 – Dança do elefante (o grande braço – “dedo longo” – sonoridades
“amplas”)
Este estudo possui a seguinte estrutura seccional: A ||: A1 :|| Coda.
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Quadro 8 - Fac-símile da Dança do elefante
A peça é construída com tema apresentado nos dois primeiros compassos
(Quadro 9).
Quadro 9 - Tema da Dança do elefante
O tema é apresentado nos dois compassos iniciais. O tema e o seu
retrógrado, compasso a compasso, constituem o material musical da peça. Nos
compassos 3 e 4, há a repetição deste tema em piano. O quinto compasso é o
retrógrado do primeiro e o compasso seis, o retrógrado do segundo.
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Os dois desafios de sonoridade e mecanismo nesta peça são a busca pelo
grande som e a conscientização do “grande braço” (um trabalho de peso de braço e
de non legato). Este tipo de articulação constitui a técnica de Heitor Alimonda,
sistematizada na sua obra O Estudo do Piano4, que, na época do lançamento dos
Sete Estudos de João de Félix (1988) estava sendo divulgado e trabalhado nas
escolas de música e entre os professores do instrumento.
O aprendizado do piano no método do Alimonda inicia-se com a produção isolada de sons pela atividade total do braço. A expressão “longo dedo”, muitas vezes ouvida nas aulas, refere-se às idéias de que o dedo não existe, o braço é que se movimenta para ferir a tecla, do alto para baixo, durante a execução. [...] Sabe-se que um gesto amplo é mais compreensível e realizável do que um gesto pequeno. Principalmente para uma criança: um gesto amplo do braço é mais fácil e acessível do que um gesto exclusivo de cada dedo. Assim a utilização do braço todo, é mais natural e, podemos dizer, mais saudável para o principiante5.
Esta idéia de grande som (longo dedo), base da técnica de Alimonda, é o
trabalho de mecanismo desejado neste estudo. O título – Dança do elefante –
sugere movimentos/ gestos grandes e sonoridade que reporta aos movimentos
deste animal. Associada à idéia de sonoridade ampla, acontece na última seção da
peça, a pedido do compositor, uma interpretação “cômica”. Isto se transforma em um
desafio de interpretação, um estudo de caráter das diferentes maneiras de abordar o
instrumento. Além disso, para “brincar” com o instrumento, realizar sons “cômicos” é
necessário intimidade e conhecimento do métier.
Estudo nº 6 – Czernyana (construindo a agilidade digital)
O esquema da obra é:
A A1 A2 A
X X1 X2 X3 ||: X1 X2 X3 X2 :||: X3 X2 X3 X :||: X X1 X2 X3 :||: acorde final
O Quadro 10 apresenta o inciso da peça nas diferentes maneiras
apresentadas pelo compositor dentro do Estudo.
Quadro 10 - Incisos melódicos da Czernyana
4 ALIMONDA, Heitor, O estudo do piano: Elementos fundamentais da música e da técnica do piano em dez cadernos. São Paulo: Ricordi Brasileira, 1967.5 CHIAMULERA, Valentina. Pedagogia da sonoridade: o método de Heitor Alimonda para o ensino de piano. Dissertação (Mestrado em Educação) Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 1992. p. 35-36.
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X X1 X2 X3
Este
estudo, como o próprio título sugere, é uma peça no estilo de Czerny6. Um trabalho
de agilidade e desenvoltura dos cinco dedos principalmente em “situações tonais”
mais comuns – tríades, acordes e arpejos. Nesta peça, o acompanhamento na mão
esquerda é um basso d’Alberti. A mão direita apresenta o inciso inicial ascendente e
descendente com um mordente separando as duas apresentações do inciso.
Considera-se X o inciso original, X1 o inciso original invertido, X2 o inciso transposto
para uma segunda menor abaixo e X3 o inciso transposto invertido.
A seção A é apresentação dos elementos. A1 e A2 constituem o
desenvolvimento destes elementos, com a posterior repetição da seção A inicial e o
acorde final. Como é indicado no manuscrito da peça, o compositor pede que nas
repetições das seções seja realizado um trabalho de dinâmica, tocando forte,
repetindo em piano, ou como o intérprete desejar.
Este estudo é uma peça curta que pode fazer parte do aquecimento diário do
jovem músico contemporâneo. A repetição do exercício, de inúmeras formas, é uma
característica própria da técnica pianística da época de Czerny. Neste período,
estudar piano e fazer exercícios se tornam sinônimos, no intuito de adquirir flexibilidade, igualdade dos dedos e um bom desempenho no teclado. A pedagogia desse período conhecida como “escola de dedos”, estava empiricamente baseada na experiência pessoal do professor, o qual possuía autoridade absoluta; o ensino se realizava na imitação. Os representantes desse período, Czerny (1791-1857), Hummel (1778-1837), Cramer (1771-1858) e Kalkbrenner (1755-1806), sistematizam o trabalho dos dedos em milhares de exercícios e estudos com notas presas, trinados, arpejos, terças, sextas, acordes7.
Uma boa técnica de trabalho do acompanhamento, base da agilidade e
velocidade nesta peça é o trabalho conforme o Quadro 11. Também nesta forma de
estudar e repetir fica clara a utilização do inciso da peça no acompanhamento,
iniciando em dó com a terça maior e depois em lá (uma terça menor abaixo) com a
segunda nota deste inciso alterada (no inciso original uma segunda maior, aqui uma
segunda menor).
6 Carl Czerny (1791-1857) compôs mais de mil peças, especialmente estudos para desenvolvimento da técnica pianística. 7 CHIAMULERA, 1992, p. 13.
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Quadro 11 - Sugestão para o estudo do baixo
Este padrão de exercício fortalece os quarto e quinto dedos da mão esquerda,
chamados fracos, dando a este movimento velocidade e maior independência digital.
Estudo nº 7 – Dança da anta (recapitulação de elementos dos estudos anteriores)
Este estudo é construído como uma recapitulação de todos os elementos
musicais e técnicos anteriormente apresentados e possui a seguinte estrutura:
Introdução ||: A :|| Ponte ||: B :|| Coda
A idéia musical inicial é o retrógrado do início do primeiro estudo, omitindo-se
a nota de ataque presente no Estudo nº 1 – os polegares.
Quadro 12 - Início do Estudo 7 e do Estudo 1
Em seguida, a peça reapresenta o tema da Dança do Elefante (dois
compassos) em pulsação diferente: originalmente, a pulsação é de cinco semínimas;
aqui, é em compasso mais convencional quatro por quatro. A peça continua com o
último compasso da Dança do Elefante, aqui com a função de uma pequena
transição para o tema em retrógrado da mesma dança, parte a parte. Em outras
palavras, ao invés de fazer o retrógrado do segundo compasso e depois do primeiro
(o que seria um retrógrado real do tema), o compositor faz o retrógrado de um
compasso e depois do outro.
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Quadro 13 - Trecho da Dança da Anta, com o tema da Dança do Elefante, em 4 por 4
Como uma ponte para a segunda parte deste estudo, aparece o tema inicial
na mão esquerda (Quadro 14) em valores rítmicos modificados.
Quadro 14 - Ideia inicial da mão esquerda
A partir daí, o compositor cria um pequeno fugato. Trata esta ideia como um
antecedente (tema, sujeito), apresentando a resposta (o consequente), com o tema
inicial, agora na mão direita, também modificado (Quadro 15). Este fugato é a idéia
central desta seção.
Quadro 15 - Compassos 1 e 11 (tema inicial e tema modificado)
Como coda do estudo e coda final do ciclo, é reapresentada a ideia inicial da
peça seguida do dó central tocado com as duas mãos.
O desafio deste estudo é manter a unidade em meio à diversidade, oferecida
pelos diferentes materiais musicais. A sonoridade deste estudo é a resultante de um
exercício de articulações e dinâmicas distintas, trabalhados no decorrer da peça.
Para concluir, este ciclo se apresenta como uma rica possibilidade de
desenvolvimento da arte do piano, ao mesmo tempo que inicia o intérprete na
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música contemporânea. Como uma coletânea de estudos, cumpre seu papel de
trabalhar diferentes dificuldades técnicas e musicais.
De modo geral, pode-se afirmar que este ciclo apresenta uma diversidade de
estruturas, sonoridades e mecanismos inseridos num ambiente dodecafônico não
ortodoxo. Este tipo de linguagem em obras dedicadas ao ensino e ao
desenvolvimento no instrumento, por inserir humor e fantasia, além de preencher
uma lacuna na literatura infantil para piano, diverte, atrai e conquista crianças e jovens.
Quadro 16 – Fac-símile do Estudo nº 7
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REFERÊNCIAS
ALIMONDA, Heitor, O estudo do piano: Elementos fundamentais da música e da técnica do piano em dez cadernos. São Paulo: Ricordi Brasileira, 1967.
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CHIAMULERA, Valentina. Pedagogia da sonoridade: o método de Heitor Alimonda para o ensino de piano. Dissertação (Mestrado em Educação) Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 1992.
PEREIRA, João José de Félix. Sete Estudos. Curitiba: 1988. (facsímile inédito)
PROSSER, Elisabeth Seraphim. Tendências da composição em Curitiba na segunda metade do século XX. In: SOUZA NETO, Manoel J. de. A [des]construção da música na cultura paranaense. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 2004, p. 340-350.
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