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Revista da ABPN v. 5, n. 10 mar.jun. 2013 p. 79-107
JOO DE NAO REBOLO, LUIZA DE NAO BENGUELA
E O BATIZADO DO PEQUENO PEDRO: VNCULOS
PARENTAIS DE AFRICANOS EM DESTERRO, ILHA DE
SANTA CATARINA (1788/1850)1
Claudia Mortari Malavota2
Resumo
Este artigo tem como objetivo evidenciar e analisar os vnculos parentais estabelecidos por
homens e mulheres de procedncia africana, sujeitos de diferentes categorias sociais e origens
tnicas, no contexto de uma pequena vila porturia ao Sul do Brasil: Nossa Senhora do
Desterro, localizada na Ilha de Santa Catarina, no contexto da primeira metade do sculo XIX.
Partimos do princpio de que os estabelecimentos de vnculos parentais constituem, num
contexto escravista, uma maneira de criar esperanas e de possibilitar a sobrevivncia. Os
africanos ao criarem seus vnculos familiares, conferiram sentido s suas vidas e marcaram de
forma significativa o espao social em que viviam. Portanto, analisar e discutir a
multiplicidade de experincias dos africanos possibilita compreender especificidades
histricas de Santa Catarina e, ao mesmo tempo, abranger a complexidade dos arranjos de
convivncia, das relaes entre cor, condio social, regio de procedncia e lugar na
sociedade do perodo.
Palavras-Chave: Populaes de Origem Africana, Vnculos Familiares, Dispora.
1 Este artigo apresenta questes que foram desenvolvidas na minha pesquisa de doutorado, defendido em 2007
na Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul, sob a orientao da Prof. Dr. Margaret Marchiori
Bakos, que contou com o financiamento do CNPq. A temtica abordada continua sendo foco de pesquisa, agora
relacionada a segunda metade do sculo XIX e conta com a participao de bolsistas de Iniciao Cientfica,
Vinicius Pinto Gomes, Bruno Carrari Costa e Mariah Amanda da Silva. 2 Doutora em Histria pela Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul. Professora Adjunta de
Histria da frica do Departamento de Histria da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC).
Desenvolve projetos de pesquisa e de extenso junto ao Ncleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB/UDESC).
Entre os projetos de pesquisa, coordena o trabalho intitulado Homens e Mulheres de Cor e de Qualidade: um estudo acerca das identidades/identificaes das populaes de origem africana em Desterro/Florianpolis,
1870/1910 e integra a equipe da pesquisa O Ensino de Histria de fricas em Santa Catarina: questes e perspectivas. Na extenso coordena um projeto de curso de formao continuada de professores(as) da rede pblica de ensino intitulado Introduo aos Estudos Africanos e da Dispora. Tem experincia na rea de histria, atuando principalmente nos seguintes temas: Histria, Histria da frica, Dispora Africana,
Escravido, Irmandades Negras.
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Revista da ABPN v. 5, n. 10 mar.jun. 2013 p. 79-107
JOHN OF REBOLO NATION, LUIZA OF BENGUELA NATION AND BAPTISM OF
LITTLE PEDRO: PARENTAL BONDS OF AFRICANS IN DESTERRO, ISLAND OF
SANTA CATARINA (1788/1850)
Abstract
This article aims to highlight and analyze parental bonds established by men and women of
African origin, individuals from different social classes and ethnic origins, in the context of a
small port town in southern Brazil: Nossa Senhora do Desterro, located on the island of Santa
Catarina. We assume that establishment parental bonds constitute, in the context of slavery, a
way to create hope and enable survival. Africans, when created their family ties, gave
meaning to their lives and marked a significant social space in which they lived. Therefore, to
analyze and discuss the multiplicity of experiences of Africans, enables to understand
historical specificities of Santa Catarina, and at the same time, to address the complexity of
the arrangements of coexistence, relations between color, social status, region of origin and
place in society of the period.
Keywords: Populations of African Origin, Family Bounds, Diaspora.
JOO DE NATION REBOLO, LUIZA DE NATION BENGUELA ET LE BAPTME
DU PETITE PEDRO: LIENS PARENTEAUX DES AFRICAINS EN DESTERRO, LE
DE SANTA CATARINA (1788/1850)
Rsum
Cet article vise mettre en vidence et d'analyser les liens parentaux tablie par les hommes
et les femmes d'origine africaine, des personnes de diffrentes classes sociales et l'identit
ethnique dans le contexte d'une petite ville portuaire dans le sud du Brsil: Nossa Senhora do
Desterro, situ dans l'le de Santa Catarina. Nous supposons que les tablissements liens
parentaux sont, dans le contexte de l'esclavage, une manire de crer de l'espoir et de
permettre la survie. Les africains au crent leurs liens familiaux, donnait un sens leurs vies
et ont marqu un espace social important dans lequel ils vivaient. Donc, analyser et discuter
de la multiplicit des expriences des Africains permet la comprhension des spcificits
historiques de Santa Catarina et, en mme temps, couvre la complexit des arrangements de
coexistence, de les relations entre la couleur, le statut social, la rgion d'origine et place dans
la socit de l'poque.
Mots-cls: les populations d'origine africaine, liens familiaux, la diaspora.
JOO DE NACIN REBOLO, LUIZA DE NACIN BENGUELA Y LO BATIZADO
DEL PEQUEO PEDRO: VNCULOS PARENTALES DE AFRICANOS EN
DESTERRO, ISLA DE SANTA CATARINA (1788/1850)
Resumen
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Revista da ABPN v. 5, n. 10 mar.jun. 2013 p. 79-107
Este artculo tiene como objetivo evidenciar y analizar los vnculos parentales establecidos
por hombres y mujeres de procedencia africana, sujetos de diferentes categoras sociales y
orgenes tnicas, en el contexto de una pequea Villa portuaria al sur de Brasil: Nossa
Senhora do Desterro, ubicada en la isla de Santa Catarina. Se parte del principio que los
establecimientos de vnculos parentales constituyen, en un contexto esclavista, una manera de
crear esperanzas y de posibilitar la supervivencia. Los africanos al crear sus vnculos
familiares han conferido sentido a sus vidas y caracterizaron de manera significativa el
espacio social que vivan. Por lo tanto, analizar y discutir la multiplicidad de experiencias de
los africanos posibilita comprender puntos especficos histricos de Santa Catarina y al
mismo tiempo, abarca la complejidad de los contextos de convivencia, de las relaciones de
color, condicin social, regin de procedencia y rincn en la sociedad del perodo.
Palabras-clave: Poblaciones de origen Africana, Vnculos Familiares, Dispora.
INTRODUO
No dia quinze de agosto de 1788, Luiza, de Nao Benguela, e Joo, de Nao Rebolo,
ambos cativos de Bartolomeu Furtado e Anna Maria, moradores da Vila de Nossa Senhora do
Desterro, realizaram o batismo, na Igreja Matriz, do seu filho legtimo, Pedro. No registro,
consta que os padrinhos escolhidos foram outros dois cativos, Domingos e sua mulher Maria.
Em outra ocasio, em dezoito de outubro de 1789, os cativos Rosa Crioula e Joo, Nao
Benguela, tambm moradores da Vila, batizaram sua filha legtima Genoveva, neta, por parte
de me, de Florinda, uma cativa de Nao Camund. Foram padrinhos Miguel e Maria, ambos
cativos, mas de senhores diferentes. J em dezesseis de janeiro de 1790, a cativa Tereza,
Nao Guin, batizou sua filha Maria, para a qual escolheu como padrinhos o casal Joaquim,
cativo de Manoel Rodrigues, e a sua mulher Maria Joaquina, uma preta forra.3 Em outra
3 ACMF. Livro Catedral, Batismo de Escravos, Desterro, 1771-1789. Ao longo do texto so utilizadas
expresses como crioulo, nao, preto, pardo, que so especficas do perodo histrico estudado e esto
presentes nas fontes consultadas. Essas expresses eram categorias utilizadas para categorizar e classificar os
africanos e seus descendentes. Assim, crioulo referia-se ao descendente de africano j nascido no Brasil e nao
aos africanos de diversas regies de procedncia da frica. Os termos preto e pardo, alm de referirem-se a cor,
remetiam a condio social dos sujeitos: cativos ou libertos (ex-cativos). Para compreender como os africanos e
seus descendentes vo criar novos vnculos familiares no contexto preciso entender como eram vistos, se viam
e se reconheciam no perodo e por isso, ao invs de utilizar categorias prvias negro ou afrodescendente de anlise utilizo aquelas prprias do perodo histrico estudado. As referncias s instituies de pesquisa nas
quais localizamos as fontes sero referenciadas ao longo do texto somente com a sigla. Nas referncias
bibliogrficas ao final elas se encontram devidamente apontadas.
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ocasio, quando do falecimento do africano forro Francisco de Quadros, em 1853, vivo
que no deixou herdeiros, quem realizou seu enterro foi o africano preto liberto Feliciano
dos Passos. Por sua vez, no ano de 1844, Antnio Jos Gomes e Maria Thomazia, ambos
africanos forros, apadrinharam dois afilhados, filhos das africanas cativas, Joaquina e Maria
Cabinda. Por sua vez, Francisca Maria do Rosrio, crioula forra, e Joaquim, preto da costa,
este cativo de Joaquim Luis do Livramento, batizaram a sua filha Maria, e escolheram para
padrinhos Marinho Jos Monteiro, preto liberto e Thereza, de nao, cativa de Manoel
Francisco Pereira Neto.4 Quatorze anos depois, em 1858, Catharina, filha da africana Rita,
ambas escravas de Catharina Rodrigues da Silva, foi batizada e teve como padrinhos Joo
Pequeno Lobo e Maria. Em 1859, foi a vez de Simo, filho de outra africana, Fillipa, escrava
do Tenente Coronel Jos Maria do Valle, cujos padrinhos foram Francisco Cunha e Nossa
Senhora das Dores.5
Os fragmentos dessas histrias possibilitam indicar algumas questes acerca dos
sujeitos que buscamos visibilizar:6 a procedncia, as diferentes categorias jurdicas e, tambm,
os vnculos parentais7 estabelecidos pelas populaes de origem africana no contexto da
dispora. Evidenciar e analisar esses vnculos o objetivo deste artigo.
Parto do princpio de que os estabelecimentos de vnculos parentais constituem, num
contexto escravista, uma maneira de criar esperanas, de possibilitar a sobrevivncia e de
conferir sentido vida. Ao mesmo tempo a anlise da configurao dos vnculos parentais
4 ACMF. Livro Catedral, Batismo de Escravos, Desterro, 1843-1848. 5 ACMF. Livro Catedral, Batismo de Escravos, Desterro, 1857-1861. 6 Durante muito tempo, a historiografia catarinense invisibilizou a presena das populaes de origem africana
no Estado a partir do discurso da insignificncia numrica (escravido) devido s especificidades da colonizao
no Sul do Brasil. Segundo Leite, o negro invisibilizado, seja porque no intencionam revelar a efetiva contribuio destes, seja porque os textos vo se deter na sua ausncia, na reafirmao de uma suposta
inexpressividade. (...) Ou seja, no que o negro no seja visto, mas sim que ele visto como no existente (Leite,1996, p. 38). Essa perspectiva vem sendo desconstruda por inmeros trabalhos historiogrficos a partir de
novas abordagens tericas e metodolgicas, bem como pelo uso de diversas fontes de pesquisa, no recorte
temporal do sculo XIX e XX. O que tem sido evidenciado so as inmeras experincias e vivncias das
populaes africanas. 7 O conceito de famlia que trabalhamos mais amplo, sendo pensada em termos de convvio familiar: as
relaes entre mes e pais, mas, tambm, as de mes e de pais solteiros convivendo com seus filhos; as de vivos
com seus filhos; as de avs com seus netos; as relaes consensuais, o compadrio e outras formas de arranjo.
Essa perspectiva supera a ideia de famlia apenas como aquela legitimamente constituda, ou seja, sancionada
pela Igreja (Florentino e Ges, 1997; Mattos, 1998; Slenes, 1999). No entanto, para o escopo deste artigo a
anlise recair nas famlias nucleares (compostas por pai, me e filhos), no por consider-las mais legtimas,
mas por um posicionamento historiogrfico e poltico que busca romper com uma viso preconceituosa de uma
dada historiografia que, por muito tempo, disseminou o discurso da existncia de relaes promscuas entre as
populaes de origem africana, especialmente as cativas.
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pode indicar a reinveno das identidades na medida em que esta implica na redefinio
cultural e histrica de pertencimento e, portanto, na criao de novos laos a partir da escolha
de parentes. Inicialmente considero que a existncia de famlias ora apresentadas conferiram
s populaes africanas, a despeito das limitaes e do controle impostos por uma sociedade
escravista, sentido s suas vidas.
A ideia de reinveno das identidades est relacionada perspectiva dos estudos
acerca do mundo atlntico, da dispora, dos processos inter e transculturais de construo das
identidades que apontam que o processo global de formao de sociedades multiculturais,
constitudas por diferentes grupos tnicos e culturais, iniciou-se com a expanso e conquistas
europeias.
Para Gilroy (2001) as culturas e as identidades formadas no Novo Mundo so
indissociveis da experincia da escravido, dos fluxos e das trocas culturais atravs do
Atlntico. As experincias do desenraizamento, do deslocamento e da insero dos africanos
num novo contexto resultaram num processo de reinveno das identidades e das culturas.
Nesta perspectiva, o prprio conceito de dispora no possui a ideia de disperso que carrega
consigo a promessa de retorno redentor. Ela representa um processo de redefinio cultural e
histrica do pertencimento, implica, para alm do deslocamento, mudana, transformao. As
identidades, no contexto da dispora, tornam-se mltiplas, de forma que, junto ao elo que liga
o sujeito a sua terra de origem, outras identificaes so criadas; portanto no so fixas e
resultam da formao de histrias especficas podendo se constituir como um posicionamento
em relao a um dado contexto, ao que Hall denomina de conjunto de posies de identidade:
dependem da pessoa, do momento e do contexto. Nesta perspectiva as escolhas identitrias
so mais polticas que antropolgicas, mais associativas, menos designadas. uma situao
ambgua e uma questo histrica; de forma que [...] cada uma dessas histrias de identidade
est inscrita nas posies que assumimos e com as quais nos identificamos (Hall, 2003, p. 34
e 433). Portanto, as identidades criadas ou reinventadas na dispora no podem ser tomadas
como resultado de uma assimilao completa, pois representam novas configuraes
marcadas pelo processo de transculturao, que, por sua vez, no ocorre de mo nica: a
construo ou reinveno de identidades ou das diferenas dialgica e no binria, embora,
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muitas vezes, o equilbrio seja desigual, pois so inscritas nas relaes de poder, dependncia
e subordinao, caractersticas do colonialismo (Hall, 2003, p. 67).
Nesse sentido, preciso pensar na produo e na circulao transnacional de ideias,
mas tambm na dinmica da leitura e da traduo por meio das quais essas so incorporadas e
ressignificadas a partir das especificidades histricas e culturais de cada sociedade (Hannerz,
1997, p. 121-122). Tal abordagem extremamente importante porque considera a mtua,
embora desigual, influncia das diferentes culturas, sem, contudo, reduzir a histria das
populaes de origem africana apenas sua vitimizao.
a partir dos pressupostos colocados anteriormente que deve ser considerado o
processo de escravizao dos africanos e de reinveno das suas identidades. Descobrir,
analisar e discutir a multiplicidade de experincias dos africanos escravos e libertos possibilita
compreender as caractersticas histricas de Santa Catarina. Permite tambm abranger a
complexidade dos arranjos de convivncia, das relaes entre cor, condio social, regio de
procedncia e lugar na sociedade do perodo.
A anlise das experincias compartilhadas por pessoas de diferentes procedncias e
categorias sociais permitem compreender como se criaram relaes afetivas, vnculos
familiares que possibilitaram conferir sentidos s suas vidas.
Evidentemente, vrias so as lacunas em relao s vidas dos africanos e seus
descendentes. importante lembrar que as fontes de pesquisa se constituem de produtos
daqueles que detinham o poder evidenciando, sobretudo a forma como as elites brancas
dirigentes pensavam no perodo8. Mas na perspectiva que estou trabalhando penso que um
olhar sobre os indcios permitem evidenciar no somente como a sociedade se estruturava ou
as representaes existentes sobre as populaes africanas, mas principalmente como estes se
identificavam e os laos de solidariedade que estabeleciam bem como as relaes de conflitos
que ocorriam. Portanto, os sentidos atribudos por eles mesmos s dimenses de suas vidas a
partir da construo de partculas de suas prticas cotidianas e das relaes sociais
(Malavota, 2007, p. 34). possvel, a partir de alguns indcios e de dados expressos em
variadas fontes, construir uma imagem possvel do seu passado e das suas relaes sociais
(Lvi, 2000; Ginzburg, 1991, p. 113).
8 Com exceo feita aos processos judiciais dos quais se podem apreender, mesmo que indiretamente, os
depoimentos de africanos e seus descendentes (Wissenbach, 1998).
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Atravs do rastreamento dos nomes destes e de seus donos, no caso de qualidade de
cativos9, nas documentaes, tem-se o guia para a prtica do mapeamento de relaes que
estes homens e mulheres de origem africana teciam entre si deixadas nos documentos,
construindo suas trajetrias histricas enquanto sujeitos ambientados no contexto da dispora.
A VILA E SEUS MORADORES: OS PRETOS DE NAO
Provavelmente o ano de 1830 foi marcante na vida de Catharina, de Nao Benguela
cativa e de Francisco de Siqueira, homem preto forro, pois neste ano ele conseguiu dar-lhe a
alforria, prometida h mais de oito anos, mas que somente naquele momento estava
podendo cumprir10. Ambos eram moradores da vila de Nossa Senhora do Desterro, espao
marcado pelas atividades do porto, local de chegada de pessoas e de produtos. possvel
imaginar o balanar das bandeirolas das canoas que vinham de outros portos da Ilha de Santa
Catarina como o do Contrato do Ribeiro, do Rio Tavares, da Lagoa, de Santo Antnio e
dos barcos e navios que chegavam ao porto, vindos do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul,
Pernambuco, Montevidu e Buenos Aires. Ou visualizado e ouvido o burburinho das pessoas
que comercializavam peixes nas canoas ao longo da praia central, o alarido de vozes de
vendedores africanos e crioulos, escravos e libertos, nas barraquinhas que ficavam na praa,
tambm, prximo praia (Malavota, 2011, p. 43-46; Cardoso, 2008, p. 44).
Por sua vez, provvel que a Francisca Maria do Rosrio e seu esposo Joaquim preto da
costa, citados no incio deste artigo que se dirigiam Igreja Matriz para batizar a sua filha,
tenham passado em frente a alguma das tabernas existentes na cidade. Nestas se vendiam uma
variedade de gneros alimentcios, secos e molhados, como por exemplo, aguardente, acar,
algodo, imb, carne seca, cebolas, caf, erva-mate, farinha de mandioca, feijo, fumo, figos
passados, manteiga, paios, peixe-seco, queijos do Rio Grande e de Minas, sal, toucinho,
9 Ao longo do texto optei por utilizar o termo cativo ou escravizado. Isto se deve ao fato de considerar que o
termo escravo, que do ponto de vista jurdico expressa a ideia de propriedade, logo alienvel a seu proprietrio,
sendo despersonalizado, limitadora e simplificadora das experincias empreendidas pelas populaes de
origem africana no Brasil no contexto escravista. Como bem observa Meillassoux (1995) como um ser humano
pode ser comparado a um objeto ou um animal? no mnimo contraditria essa comparao, pois em todas as
suas atividades h o apelo a sua razo e a inteligncia, para que o servio seja produtivo. O que nos interessa
nessa perspectiva assinalar que, muito embora haja uma definio jurdica para o ser escravo, ela no anula a
condio de humanidade deste. 10 CK. 1 Ofcio de Notas de Florianpolis. Livro 4 do 2 Ofcio do Desterro. 01/1829 a 05/1833.
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vinho, vinagre e ch. Ou tivessem encontrado aqui e acol algum conhecido que exercesse um
ofcio como o de sapateiro, alfaiate, barbeiro, ferreiro, marceneiro, serralheiro, tanoeiro,
funileiro, entalhador e pintor. Ou poderiam ter cruzado com Joaquina, cativa crioula,
vendendo produtos em seu tabuleiro pelas ruas da cidade juntamente com tantos outros
homens e mulheres, africanos, crioulos e pardos, cativos, libertos ou livres, bem como
brancos pobres.
Alis, na cidade do Desterro, as ruas, o porto e os espaos privados das casas eram os
seus locais de trabalho e de sobrevivncia. Era comum, por exemplo, ver africanas e crioulas,
circulando pelas ruas vendendo quitutes em tabuleiros ou em quitandas, outras tantas lavando
roupas nos inmeros crregos e fontes de gua ou cozinhando e cuidando das suas crianas e
das de seus donos. Homens africanos e crioulos carregavam mercadoria ou as vendiam pelas
ruas da cidade e cais do porto, trabalhando ao ganho11 ou de aluguel. Eram eles que
embarcavam e desembarcavam os produtos dos navios e dos barcos, que garantiam a venda de
artigos para o abastecimento da cidade destinada ao consumo da populao. Alguns ainda
viviam envolvidos nas atividades martimas como armadores e mestres de embarcaes
(Malavota, 2011, p. 55-61). Algumas africanas e crioulas, cativas e libertas, alugavam
barraquinhas na praa da cidade para vender seus produtos com a devida licena da Cmara e
do dinheiro delas dependia a subsistncia de vrias famlias (Pedro, 1994, p. 126-127).
Havia ainda no espao da cidade as Igrejas catlicas: a Matriz; a Capela do Menino
Deus, anexa ao Hospital de Caridade; a de So Francisco e a de Nossa Senhora do Rosrio.
Alm de se constiturem enquanto espaos de devoo possibilitavam, sobretudo, o
estabelecimento de laos de amizade e de solidariedade entre os confrades atravs das
chamadas Irmandades Religiosas. No caso dos africanos, pardos e crioulos, esse espao era o
da Irmandade de Nossa Senhora do Rosrio sediada na igreja de mesmo nome. Mais tarde, na
segunda metade do XIX, outras duas igrejas foram construdas: a de Nossa Senhora das Dores
e a de Nossa Senhora da Conceio, de irmos crioulos e pardos, respectivamente (Malavota,
11 O trabalhador escravo nas reas urbanas poderia exercer as suas atividades junto ao seu senhor ou era alugado
ou trabalhava por conta prpria. Neste ltimo caso, levava posteriormente uma parte da quantia que ganhava ao
seu senhor. Era o sistema de trabalho chamado de ganho. A existncia dos escravos de ganho um dos exemplos que evidencia a variedade de atividades desenvolvidas pelos escravos e em contrapartida a
complexidade das relaes escravistas no contexto. Essa prtica de trabalho permitia, em alguns casos, que o
escravo ficasse como pagamento o valor que ultrapassava o jornal estipulado pelo seu senhor possibilitando a acumulao de um peclio para a compra da sua alforria (Soares, 1988).
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2011, p. 80). Alis, neste perodo a cidade estava em amplo processo de crescimento com a
edificao de novos prdios e reformas urbanas empreendidas por inmeros trabalhadores de
origem africana como, por exemplo, Jeremias Lobo, filho do escravo Matheos12.
neste cenrio urbano que homens e mulheres de origem africana ao realizarem os seus
trabalhos e circularem por todos os lugares acabavam forjando inmeras possibilidades de
sobrevivncia e, ao mesmo tempo, estabelecendo seus vnculos parentais, de solidariedades e,
tambm, de conflitos. Importante pontuar que a Vila do Desterro estava intrinsecamente
vinculada ao mundo atlntico no somente por ter se constitudo a partir da atividade
comercial ligada ao porto, incluindo o trfico de africanos escravizados, mas por possuir
andando pelas ruas e morando nas casas pessoas portadoras de referenciais culturais e de
origens diversas. Enquanto um espao multicultural era na cidade que pessoas se encontraram
e se reinventaram. E, entre elas, as personagens dessa nossa histria: os pretos de nao. Mas
afinal, quem so eles?
importante compreender que, no sculo XIX, a noo de cor no designava um grupo
racial ou nveis de mestiagem, mas delimitava os lugares sociais. Dito de outra forma, etnia e
condio jurdica eram indissociveis. Nesta perspectiva, o termo pardo era atribudo aos
libertos ou livres, nascidos no Brasil. Preto designava cativo e forro, de origem africana; e
crioulos e mulatos eram termos atribudos a cativos e forros, nascidos no Brasil. Esses
referenciais nos permitem perceber o sentido atribudo cor: guardava relao com a
condio social do indivduo (Malavota, 2007).
Todos esses termos remetem marca africana e, especificamente no que nos interessa,
o termo preto refere-se, na maioria das vezes, aqueles homens e mulheres trazidos do
continente africano atravs do trfico atlntico que, na documentao da poca, vem
acompanhada da denominao de nao.
As denominaes das naes no possuam correlao com as formas por meio das
quais os africanos costumavam identificar-se em frica. Geralmente, nao referia-se ou a
portos de embarque, a regio de onde eram provenientes, ou a uma identificao dada pelos
prprios traficantes em razo de algumas semelhanas atribudas aos africanos escravizados,
de forma que somente possvel apontar regies de procedncia destes e no exatamente aos
12 APESC. Livro de Ofcios do Chefe de Polcia ao Presidente da Provncia, set. 1865.
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grupos tnicos que pertenciam. Alm disso, o prprio territrio africano marcado por
conflitos, por deslocamentos populacionais em funo de migraes internas, por
aprisionamento de cativos antes e durante o trfico atlntico, por deslocamento de cativos do
interior para o litoral a fim de serem embarcados para a Amrica (Meillassoux, 1995; Silva,
2002; Lovejoy, 2002). Alguns exemplos evidenciam essa complexidade.
O termo negro da Guin ou gentio da Guin foram as primeiras designaes
utilizadas para marcar a origem dos africanos que chegaram Bahia atravs do trfico ainda
no sculo XVI e representavam mais do que um registro de procedncia, pois se referiam
condio de cativo na linguagem da poca, evidncia de que a diversidade cultural da frica
passou a ser ignorada devido ao carter de mercadoria atribudo aos traficados. Ao longo do
desenvolvimento do trfico, o termo guin passou a se referir aos africanos escravizados
provenientes de vrias regies. No incio a Guin, restringia-se ao litoral da costa ocidental
africana, que tinha como centro comercial a feitoria de Cachu, sobretudo as Ilhas de Cabo
Verde. Com a expanso do comrcio portugus pela costa africana ao sul, o termo passou a
ser utilizado, tambm, para se referir a partes do litoral conhecidas como Costa da Pimenta,
Costa do Marfim, Costa do Ouro e Costa dos Escravos. Ou seja, toda a frica Ocidental ao
norte do Equador, do Rio Senegal ao Gabo, era conhecida, ento, como Costa da Guin.
Posteriormente, o termo passou tambm, a ser aplicado s regies subequatorianas, tanto que,
na metade do sculo XVIII a expresso era ainda utilizada para se referir regio do Congo e
de Angola na frica Central Atlntica. Portanto, sob a denominao de gentio da guin e
negro da guin, foram inseridos no Brasil atravs do trfico, africanos cativos procedentes
de toda a Costa Ocidental africana, do Gmbia ao Congo. Nessa perspectiva, esses termos
possuam significado mais geogrfico do que indicativo de etnias especficas (Oliveira, 1997 e
Soares, 2000).
Por sua vez, denominaes de naes como cabinda, luanda13, benguela, designavam
portos de embarque de africanos de forma que, sob estas denominaes misturavam-se vrios
povos, inclusive de reinos do interior. Tal fato fundamenta a hiptese de que boa parte dos
escravos classificados como sendo de origem congo ou angola no pertenciam sequer a
povos que viviam sob a influncia destes reinos, mas sim de outros reinos e grupos do interior
13 Luanda foi o maior porto de exportao de africanos ao sul do Equador, sendo exportados 204 mil cativos
entre 1723 e 1771, metade dos quais para o Rio de Janeiro (Klein, 1978, p. 32 e 253).
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da frica subequatorial. Tal hiptese permite inferir que muitos comportamentos, atribudos a
indivduos dessas denominaes, podiam fazer parte de outras matrizes culturais africanas.
Assim como o termo Mina, que no sculo XIX correspondia a duas realidades distintas na
frica: em primeiro lugar, ao Reino Achanti, da Costa do Ouro, onde ficava situado o castelo
da Mina e em segundo lugar, o nome dado populao de Ancho (pequeno Lobo), formada
em parte pelos ghen e pelos fantis-ane, populaes que migraram da Costa do Ouro entre o
final do sculo XVII e o sculo XVIII e que eram, desde ento, conhecidas como minas. O
termo era igualmente utilizado para denominar a lngua veicular, falada em Ancho e
utilizada pela rede do trfico na regio do Golfo do Benin (Oliveira, 1997, p. 60; Soares,
2000, p. 95-127).
Portanto, lcito considerar a extrema dificuldade em at mesmo de se aventar uma
hiptese acerca do grupo tnico a que o africano pertencia na frica. A frica, o africano, as
naes so construes modernas que se referem a uma multiplicidade de povos, com lnguas
e culturas diversas, cujo ponto de origem comum est no trfico de cativos e na escravido
como condio jurdica. Nessa perspectiva somente possvel apontar as regies de
procedncia ou de origem dos africanos e no os grupos tnicos a que pertenciam.
Portanto, tentar compreender o estabelecimento de vnculos parentais ou os
comportamentos dos africanos a partir de uma busca a uma cultura original africana pode
resultar em generalizaes. No se trata aqui de desconsiderar as referncias culturais de
origem desses indivduos. Todos possuem histrias de famlia, recordaes das comunidades
ou reinos em que viviam, bem como das guerras travadas, dos rituais, das relaes de
parentesco. Mas considerar que a vinda para o novo mundo significou apenas a passagem,
transposio de uma mesma cultura para outro lugar, parece um paradoxo.
Por outro lado, pensar a cultura em termos de processo, ou seja, que est sempre em
transformao torna possvel encontrar nas experincias dos africanos no novo mundo e,
especificamente em Desterro, evidncias de uma gama de vivncias complexas nas quais
esto expressas valores culturais ressignificados e reinventados. Por essa razo, o termo
grupos de procedncia, parece mais apropriado para a referncia aos africanos, mesmo porque
no pressupe uma busca a uma cultura de origem, mas como essas culturas se reorganizaram
na dispora. Por isso, mais que etnias (no sentido de grupos originais) trata-se aqui de
90
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configuraes tnicas em permanente processo de redefinio (Soares, 2000, p. 117). Nessa
perspectiva, pertinente pensar que os africanos se apropriaram das identificaes que lhes
eram impostas e as utilizaram no processo de reinveno de suas identidades e criao de
vnculos afetivos e familiares.
Um exemplo parece bastante pertinente neste sentido. Segundo Oliveira, Nag foi o
nome escolhido no circuito do trfico que se organizou em direo a Bahia para denominar os
povos de lngua ioruba, mas na frica esses grupos tinham um modo prprio de adscrio,
referindo-se aos nomes de suas cidades de origem. No contexto da dispora, ao mesmo tempo
em que aceitavam a pretensa unidade expressa pelo nome nag, em suas relaes particulares,
que a autora chama de uso domstico, mantinham os nomes que consideravam como sua
marca de origem. Tal fato aponta indcios para a existncia de uma conscincia da diferena
presente entre os diversos grupos diante da aceitao do nome imposto. Dito de outra forma,
os nomes de nao atribudos aos africanos acabaram sendo assumidos por esses como
verdadeiros etnnimos no processo de organizao de suas comunidades (Oliveira, 1997, p.
63 e 66).
Nessa perspectiva, para poder evidenciar como os africanos vo criar seus vnculos
familiares e reinventar as suas identidades, preciso compreender quais eram as procedncias
desses africanos14.
Em pesquisa realizada, para o perodo entre 1788 a 1850, nos livros de batismo da
Freguesia de Nossa Senhora do Desterro, foram identificados e sistematizados 5.245 registros
de batismos de escravos.15 Destes, 1.138 (22%) eram de adultos africanos e apresentavam
como referncia a procedncia africana16, sendo as mais significativas: congo (267), cabinda
14 Uma das fontes mais significativas para essa anlise o assento de batismo, pois, para alm do seu aspecto
religioso, o assento significava um registro civil, na medida em que identificava a populao registrando para
vrios fins, o nome do batizado, o nome dos pais e, no caso dos cativos, o nome do proprietrio. Se o africano
recm-chegado no havia sido batizado (alguns africanos poderiam ser batizados nos prprios portos de
embarque na frica ou nos de chegada ao Brasil), o assento informava a nao a qual pertencia e, no caso dos
nascidos na vila, traz a informao da procedncia da me e pai, caso houvesse. O africano no momento do seu
batismo tinha registrado a marca da sua procedncia. 15 Na pesquisa por ora em andamento, tem-se realizado a sistematizao dos registros de batismo de cativos,
libertos e livres para a segunda metade do sculo XIX. 16 Foi no contexto da primeira dcada do sculo XIX que ocorreu um maior nmero de batismos de africanos
adultos e, portanto, uma intensificao do trfico na cidade. Dos 1.138 africanos batizados, 626 tinham entre 15
e 49 anos, 211 entre 4 e 14 anos e apenas 3 deles tinham a idade de 50 anos. Em 296 registros no foi referida a
idade do batizando e em 6 o registro encontrava-se ilegvel. Desses dados observa-se que havia um predomnio
de africanos adultos (Malavota, 2007, p. 90-92).
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(259), moambique (197), costa (171), monjolo (59) e mina (55). Ou seja, havia a
predominncia de indivduos, principalmente da regio da frica Central Atlntica, seguido
pela frica Oriental e em menor presena da frica Ocidental. Por sua vez, a procedncia dos
pais e mes africanos (famlias nucleares) nos registros tambm acompanhou a tendncia para
os recm-chegados: em maior nmero est congo, angola, benguela, rebolo, monjolo,
destacando-se a procedncia guin (18 vezes). Especificamente este termo era utilizado na
metade do sculo XVIII para se referir regio do Congo e de Angola na frica Central
Atlntica e cai em desuso ao longo deste mesmo sculo sendo possvel supor que, uma me
de procedncia da guin j estava inserida no contexto da vila na segunda metade do sculo
XVIII. Em relao as denominaes das procedncias ou naes das mes africanas (famlias
matrifocais) foi possvel identificar as seguintes regies de procedncia: 37 da frica Oriental
(Moambique); 83 da frica Ocidental (guin, calabar, mina, nag); 759 da frica Central
Atlntica. Mas o maior conjunto destas, 800 ao total, formado por aquelas com
denominaes de procedncia gerais (costa, nao, nao africana, africana de nao, frica,
costa da frica) que podem ser referentes a toda a costa da frica Ocidental e Central
(Malavota, 2007, p. 89-90; 111-12; 124-127).
Como foi apontado no incio deste artigo, preciso ter presente que os sujeitos
analisados no contexto de Desterro, especificamente os africanos, so frutos da dispora, que
implica em um descolamento fsico, mas, sobretudo de construo de novas configuraes de
identidades, de ressignificao cultural de pertencimento. Portanto, considero pertinente partir
do pressuposto de que as identidades no contexto da dispora so transformadas e
ressignificadas, sendo que os nomes de nao, embora atribudos aos africanos, podem ter
sido assumidos por eles prprios no processo de reorientao dos critrios de identidades.
Neste sentido, ao invs de discutir as procedncias das populaes africanas do ponto de vista
de buscar uma reconstituio de uma cultura original, importante identificar os grupos de
procedncia organizados na sociedade escravista (Oliveira: 95/96; Soares: 1997 e 2000;
Souza: 2002; Gomes: 2005). Neste sentido, as procedncias genricas ou as naes podem ter
servido como um guarda-chuva tnico que acabou por possibilitar as reconstrues
identitrias e culturais que marcaram as estratgias escravas frente ao poder senhorial. [...]
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Diferenas no seriam necessariamente apagadas, mas semelhanas podiam estar sendo
construdas e redefinidas (Gomes, 2005, p. 51-56).
A vila de Nossa Senhora do Desterro, no perodo correspondente ao final do sculo
XVIII e primeira metade do XIX, foi se configurando como uma vila porturia, marcada pela
atividade comercial. Lugar multicultural. Seu porto e suas ruas eram espao de trabalho e de
vivncias de mltiplos e diferentes sujeitos, escravos, forros, homens brancos pobres. Dentro
destas categorias de trabalhadores, os africanos. Homens e mulheres procedentes de vrias
regies da frica marcados por suas histrias e por suas diferenas, inseridos num novo
contexto atravs do trfico atlntico. Atravs das atividades dirias essas pessoas iam
construindo o espao da vila e criando sentidos as suas vidas. Pelo mar eles chegaram e perto
do mar viveram e reinventaram suas identidades, estabeleceram vnculos afetivos, criaram
suas famlias e seus laos de parentesco. Como fizeram isso?
VNCULOS PARENTAIS: AS FAMLIAS NUCLEARES
Os registros de batismo do final do sculo XVIII e primeira metade do XIX fornecem
dados de que homens e mulheres africanos de diferentes procedncias cativos e libertos
estabeleceram seus vnculos parentais e, portanto, conferiram sentidos as suas vidas. Entre
esses vnculos, os de consanguinidade, resultaram na formao de famlias nucleares,
compostas por pai e me17. Como foram organizadas? Africanos de um mesmo grupo de
procedncia casavam mais entre si? Africanos forros tendiam a casar com africanas ou
crioulas? Os casamentos entre os africanos tendiam para a endogamia? A que grupos de
17 No contexto estudado, o nmero de famlias matrifocais muito maior do que as nucleares. No entanto, esta
anlise no deve ser feita apenas do ponto de vista da quantidade ou de uma perspectiva senhorial, pois pode
resultar num reducionismo da histria desses sujeitos. Penso que a prpria existncia das famlias nucleares, por
si s, j significativa no sentido de criao de possibilidades e de esperanas, no dizer de Slenes. Importante
considerar que nos registros de batismo, as crianas nascidas entre casais unidos sob os preceitos catlicos do
matrimnio (casamento) eram consideradas legtimas, as nascidas de unies consensuais, isto , do casal unido,
mas sem a beno da Igreja, eram naturais e, finalmente, as crianas nascidas de mes solteiras eram tidas como
ilegtimas. Constituies Primeiras do Arcebispado da Bahia, Coimbra, 1720, Livro I, Ttulo XI Em que tempo, porque pessoas e em que lugar se deve administrar o sacramento do batismo, 40 (Venncio, 1999). Em vrios momentos deste texto estas expresses iro aparecer na perspectiva da legislao do perodo.
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procedncia pertenciam s mes e os pais? Essas so algumas das questes que se pretende
responder objetivando compreender a criao dos vnculos familiares dos africanos18.
No dia dez de agosto de mil setecentos e noventa e quatro, Domingos e Engrcia,
africanos de nao, cativos de Rita Maria da Conceio, em cerimnia realizada na Igreja
Matriz do Desterro, batizaram a sua filha Maria, que na ocasio estava com dois meses de
idade e que teve como padrinhos Manoel e Antnia, ambos cativos19. No inverno de 1816
nasceu e foi batizado, aos oito dias de vida, Venncio, filho de Joana e Joaquim Venncio
pretos da costa de condio forra20. O batismo da pequena Maria e do inocente Venncio so
apenas dois dos muitos que ocorreram na Matriz do Desterro entre os anos de 1788 a 1850 e
ambos tm em comum o fato dos pais serem de procedncia africana, mas se diferenciam no
que diz respeito a condio jurdica dos envolvidos: enquanto Maria e seus pais Domingos e
Engrcia so cativos; Venncio e seus pais, Joana e Joaquim, so de condio forra.
Em relao a vila porturia de Nossa Senhora do Desterro, a partir dos registros de
batismo de crianas cativas foram encontrados, entre os anos de 1788 a 1850, 196 famlias
nucleares. Destas, 68 (34,69%) eram formadas somente por crioulos e 128 (65,31%) possuam
em sua composio africanos21. A maioria dos casamentos ocorreu entre aqueles que tinham
em comum a procedncia africana (79,69%). No caso dos estabelecidos entre africanos e
crioulos, os dados evidenciam que os homens de procedncia africana tenderam mais a
contrair matrimnio com parceiras crioulas (12,5%), ao contrrio das mulheres africanas
(5,47%). Tal tendncia ao casamento entre africanos tambm foi apontada por Faria para
Campo do Goitacazes e Recncavo da Guanabara. Para a autora, os cativos africanos casavam
mais entre si devido ao fato de serem mais numerosos que os crioulos. Por outro lado, a
legalizao dos matrimnios seria uma estratgia utilizada pelos africanos para que seus
senhores respeitassem seus grupos familiares: os africanos, habilmente, utilizaram o cdigo
18 Para a localizao dessas famlias, tanto de forros quanto de cativos, em primeiro lugar selecionaram-se 454
registros de crianas que traziam o nome da me e do pai. No caso especfico dos cativos a partir da identificao
da legitimidade da criana buscou-se agrupar os registros pelo nome do senhor, o nome da me e o do pai e as
respectivas procedncias. Em registros que no traziam a procedncia da me ou o pai para saber se eram da
mesma famlia procurou-se observar a diferena de tempo entre o batismo das crianas, sendo que, se este fosse
acima de um ano considerou-se sendo a mesma me e pai. 19 ACMF. Livro Catedral, Batismo de Escravos, Desterro, 1771-1798. 20 ACMF. Livro Catedral, Batismo de Livres, 1802-1820. 21 ACMF. Livros Catedral, Batismo de Escravos, 1788 a 1850.
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social e ritual do homem branco para ter condies de estabilizar sua organizao familiar
(1998, p. 335-336).
No que se refere ao contexto da Vila do Desterro, a forma como essas relaes esto
compostas pode ser resultado da escolha dos proprietrios, das disponibilidades de parceiros
de um mesmo senhor, bem como da escolha dos prprios africanos no sentido de construrem
novos laos a partir de suas referncias culturais no contexto da dispora. Embora considere a
probabilidade de alguns casamentos realizados serem resultado de determinaes e
imposies dos senhores, preciso ter presente que muitas das relaes estabelecidas entre
estes e seus cativos foram marcadas por negociaes, concesses, sendo possvel que, dentro
dos limites impostos, tenham ocorrido possibilidades de escolhas e de aceite dos parceiros a
partir de suas preferncias, desejos, vontades. Alm disso, apesar das sociedades africanas
serem marcadas por diferenas, no que diz respeito s relaes de parentesco, se apresentarem
tanto em formato matrilinear quanto patrilinear e ainda um sem nmero de variantes no
interior de uma mesma regio, em todos os casos era dada fundamental importncia
formao da famlia e ao parentesco, este baseado tanto em afinidade quanto
consanguinidade22.
Um exemplo desta perspectiva pode ser evidenciado a partir da configurao da
propriedade de Manoel Silveira de Sousa que possua 9 cativos: 3 africanas e 1 crioula e 5
homens africanos. Uma de suas cativas, Rita, de nao conga, foi batizada juntamente com
mais trs africanos, Joanna e Mathias, ambos tambm de nao congo, e o Miguel, de nao
moambique, em 1815. Dois anos depois de sua insero na vila, em 1817, Rita batiza sua
primeira filha, a pequena Joaquina e, em 1819, o Mathias, ambos seus filhos legtimos.
Entretanto, o pai das crianas e, portanto, companheiro de Rita, no foi nenhum dos que
chegaram com ela em 1815, mas sim outro africano: Manoel, um preto da costa que j havia
sido traficado e batizado um ano antes da sua chegada, em 1814. Junto com Manoel, que no
registro do batismo aparece como sendo de nao cabinda, foram registrados Joo, de nao
congo e Luis de nao cabinda. O que a histria da trajetria desses africanos, particularmente
de Rita e Manoel, que acabaram unindo suas vidas na dispora indica que diante do contexto
22 Evidentemente, preciso ter cuidado para no se buscar sobrevivncias africanas no Brasil colonial haja vista que a frica um continente marcado por diferenas. Por isso, necessrio observar as especificidades do
prprio continente e de suas populaes para no se incorrer em equvocos e generalizaes (Russel-Wood,
2001, p. 11-50).
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no qual foram inseridos houve a possibilidade de uma escolha. Rita poderia ter preferido por
companheiro um dos que chegaram com ela ou outro que j se encontrava na vila, como por
exemplo, Joo que era da mesma nao. Por sua vez, tambm o Manoel poderia ter
escolhido por companheira Joanna ou Theresa outra preta cabinda que j fazia vivia na
propriedade23. Pode ser que um dos critrios da escolha de Rita tenha sido o fato de Manoel,
por j estar inserido no contexto da vila h um ano, possuir alguns conhecimentos ou relaes
com outros africanos ladinos ou, talvez quem sabe, por exercer uma funo diferente de seus
outros companheiros, trabalhando ao ganho, por exemplo. Evidente que esses critrios so
hipteses. O fato indiscutvel que eles, embora de procedncias diferentes, se uniram e
criaram uma famlia no contexto da vila.
Um dos maiores proprietrios de cativos do perodo localizado a partir de 37 registros
de batismo foi Manoel Antnio de Sousa Medeiros, um militar, que somente nas trs
primeiras dcadas do sculo XIX batizou 19 africanos adultos escravizados. Alm desses,
outros 18 adultos homens e mulheres, em sua maioria tambm africanos, aparecem nos
registros batizando seus filhos. Ao total so 37 cativos: 13 mulheres africanas e 3 crioulas, 16
africanos e 2 crioulos. Neste montante haviam 5 famlias legtimas constitudas: Francisca e
Vicente, pretos da costa; Andreza, preta de nao rebolo e Antnio, crioulo; Catharina e
Antnio, pretos da costa; Luiza e Antnio, pretos da costa; e Igncia Joaquina e Jos Antnio,
que no trazem a referncia procedncia, mas que se supe serem crioulos e que, inclusive,
possuem um status diferenciado do restante dos cativos por possurem sobrenome, fato
geralmente no comum entre estes24. Das mulheres e dos homens, apenas Antnio, casado
com Andreza, Felicidade e Maria so referidos como crioulos. Portanto, quase todos os
cativos so africanos.
Dessa configurao e da anlise de como estes africanos so referidos nos registros se
evidenciam duas questes pertinentes. A primeira , novamente, o indcio da existncia da
possibilidade de escolha do parceiro a partir do que se encontra disponvel e de um critrio
particular: Andreza a nica africana que constri vnculo de casamento com um crioulo
apesar de existir um nmero muito maior de africanos na propriedade. A segunda a de que
23 ACMF. Livro Catedral, Batismo de Escravos, Desterro, 1798-17818, 1818-1840 e 1840-1850. 24 ACMF. Livros Catedral, Batismo de Escravos, Desterro, 1798-1818, 1818-1840.
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diferentemente dos africanos adultos que so batizados e que trazem a referncia a regio de
procedncia nao cabinda, nao monjolo, nao congo, nao Moambique, etc. os pais
e as mes de procedncia africana, a exceo de Andreza que referida como de nao
rebolo, recebem a denominao genrica de pretos da costa25. Tal dado indica ideia da
reinveno das identidades dos africanos, expressa na hora do registro, com o estabelecimento
de uma categoria genrica que associa procedncia e cor e, portanto, na perspectiva que
estamos trabalhando este termo indica os grupos de procedncia que sero construdos na
dispora. Dito de outra forma, temos vrios africanos de diferentes regies de procedncia,
em frica, que no contexto da vila vo acabar por assumir uma identificao genrica, como
pretos da costa, que pode se referir a indivduos provenientes de diferentes regies de toda a
costa atlntica africana.
Embora exista uma predominncia endogamia na constituio das famlias legtimas
dos africanos escravos no Desterro, foi possvel evidenciar na documentao a existncia de 5
famlias cujos pais pertenciam a diferentes senhores. Thereza era uma africana de nao
rebolo, cativa de Andr Gonalves Machado, que em 1788 batizou um filho, Joo. Cinco anos
mais tarde ela aparece novamente nos registros batizando uma menina, Joaquina, sua filha
com Caetano, um africano cativo de Maria Theresa26. Caracterstica semelhante a esta em
termos de construo familiar pode ser percebida na relao estabelecida entre os africanos
Joanna e Manoel, ambos de nao congo, ela cativa de Antnio Martins de Mello; ele, de
Anna de vila Bitencur. Joanna j possua um filho, Thomaz, nascido no inverno de 1790.
Trs anos depois aparecem os registros de seus filhos, fruto de sua relao com Manoel: a
pequena Maria, nascida num inverno de 1793, Antnio, em 1795 e, finalmente, cinco anos
depois, em 1800, outra menina, Joaquina27. Outros dois africanos em 1790, Josefa e Antnio,
ambos de nao guin, batizaram sua filha Luiza, mas eram tambm, cativos de diferentes
senhores: ele, de Elena Rosa de Jesus; ela, de Jos Fernando de Sousa, sendo este o nico
registro referente tanto aos senhores quanto aos seus cativos durante todos os anos de 1788 a
185028. Em outro exemplo, a crioula Maria era casada com Manoel de nao congo que
tiveram uma filha, a pequena Anna, nascida em 1793. Por sua vez, Agostinho de nao
25 ACMF. Livros Catedral, Batismo de Escravos, Desterro, 1798-1818, 1818-1840. 26 ACMF. Livros Catedral, Batismo de Escravos, Desterro, 1771-1798. 27 ACMF. Livros Catedral, Batismo de Escravos, Desterro, 1771-1798 e 1798-1818. 28 ACMF. Livros Catedral, Batismo de Escravos, Desterro, 1771-1798.
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camund constituiu sua famlia com Isabel, crioula de cujo relacionamento nasceram trs
crianas: Anna, em 1797, Adam, em 1799 e Siriaca, em 180029.
Essas histrias de formao de famlias compostas por africanos pertencentes a
diferentes senhores indicam e reafirmam a existncia da possibilidade de escolha dos
indivduos em relao a quem queriam por companheiro, sendo provvel que essa seja
resultado de inmeras negociaes e trocas. Alm disso, possvel que esses cativos fossem
trabalhadores de ganho que moravam fora da casa de seus senhores. Neste sentido preciso
considerar, tambm, o contexto no qual essas famlias esto inseridas: a vila do Desterro que,
como visto, enquanto espao comercial caracterizado pela existncia de seu porto possua
muitos trabalhadores envolvidos em diferentes atividades relacionadas s funes urbanas que
circulavam por todos os lugares: eram vendedores, quitandeiras, carregadores, jornaleiros. Por
outro lado, mesmo os trabalhadores cativos domsticos precisavam se deslocar pela vila para
a realizao de algum servio: lavar roupa, fazer compras no mercado, pegar gua nas fontes.
Dessa forma, em determinado momento de suas vidas esses indivduos se cruzaram e mesmo
pertencendo a senhores diferentes, acabaram conquistando ou ganhando a permisso para
criarem as suas famlias.
Essas histrias mostram a capacidade de criao e apontam para a tese que vem sendo
construda pela historiografia ao longo das duas ltimas dcadas: a escravido e o parentesco
no so coisas excludentes. O fato de serem aviltados com a condio jurdica da
modernidade europeia no exclua, obviamente, os africanos, da condio, das necessidades e
dos desejos humanos. plausvel considerar que a escravido limitou, mas no impediu a
constituio da famlia, mesmo se um dos companheiros no pertencesse ao mesmo senhor ou
fosse de condio forra, a exemplo de Joo Dantas, africano forro, de nao angola, que criou
sua famlia com Maria, tambm de nao angola, com a qual teve dois filhos. Maria era cativa
do Tenente Coronel Jos da Gama Lobo Coelho30. Cativo tambm era Joaquim, um preto da
costa, que pertencia a Joaquim Luis do Livramento. Mas sua condio no evitou que ele
pudesse criar sua famlia com Francisca Maria do Rosrio, uma crioula forra31. O mesmo
ocorreu em relao africana forra Thereza, de nao benguela, casada com Joo, um crioulo
29 ACMF. Livros Catedral, Batismo de Escravos, Desterro, 1771-1798 e 1798-1818. 30 ACMF. Livro Catedral, Batismo de Escravos, Desterro, 1771-1798. 31 ACMF. Livro Catedral, Batismo de Livres, Desterro, 1843-1848.
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do Desterro, cativo de Paulo Lopes Falco32, cirurgio de Fragata que exercia seu ofcio na
vila (Cabral, 1979, p. 226).
possvel considerar, portanto, a partir das evidncias que a criao das famlias
compostas por africanos cativos decorre, sem desconsiderar a influncia do proprietrio, da
disponibilidade encontrada no meio em que vivem e da possibilidade de escolha em relao a
quem querem por companheiro. Neste sentido, vrios podem ser os critrios para estas
escolhas, mas um dado apontado pela anlise da composio destas famlias significativo: a
presena de um maior nmero destas 102 (79,69%) compostas apenas por pais africanos. Essa
evidncia permite supor duas possibilidades acerca da existncia das famlias formadas
apenas por africanos cativos.
A primeira a de que o estabelecimento de vnculos familiares para esta populao
poderia representar um meio para a construo de uma nova vida na dispora e os caminhos
para a estabilidade, algo mais importante para estes africanos do que para os crioulos, j
socializados e inseridos em redes familiares e de amizade. A segunda refere-se ideia de que
a procedncia africana pode ter sido um dos critrios utilizados para as escolhas dos
companheiros de matrimnio. Isso pode ser possvel de evidenciar a partir da anlise dos
grupos de procedncia dos pais e das mes, bem como da recorrncia a escolha de parceiros
por outros de uma mesma procedncia.
Atravs da anlise dos registros de batismo possvel reconhecer alguns grupos de
procedncia j referidos anteriormente: em maior nmero est congo, angola, benguela,
rebolo, monjolo, africano de nao e, principalmente, costa. Moambique aparece pouco, se
comparado aos africanos adultos, apenas 4 vezes; destaca-se a referncia a procedncia guin:
18 vezes. Nesta configurao aparecem dois dados importantes em relao s famlias
nucleares africanas: a pouca presena de pais de procedncia moambique e, em contrapartida
um nmero significativo daqueles pertencentes a guin. Analisando-se esses dados a partir da
questo do trfico atlntico percebe-se que Moambique aparece pouco, porque vai ser
incorporada ao trfico, principalmente a partir de 1811 (Florentino, 1997, p. 80), e a
procedncia guin, utilizada na metade do sculo XVIII para se referir regio do Congo e de
32 ACMF. Livro Catedral, Batismo de Livres, Desterro, 1792-1797.
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Angola na frica Central Atlntica, cai em desuso ao longo deste mesmo sculo (Soares,
2000, p. 60).
Essas evidncias permitem considerar que j havia um nmero significativo de
famlias nucleares de cativos africanos formadas antes do incremento do trfico atlntico em
Desterro a partir de 1812 (Malavota, 2007). Outro dado vem a corroborar isto: das 261
crianas filhas de famlias nucleares de africanos, 181 (69,35%) delas foram batizadas entre
os anos de 1788 a 1812 e 80 (30,65%) aps esse perodo, at o ano de 1841, quando foi
encontrado o ltimo registro. Portanto, mesmo com a intensificao do trfico no houve uma
ampliao do nmero de famlias africanas33.
Em relao escolha dos parceiros percebe-se que 73 casais (71,57%) formaram suas
famlias com do mesmo grupo de procedncia e 29 (28,43%) destes com de procedncias
diferentes. Portanto, pode-se considerar primeiro a existncia de uma certa regularidade nestas
escolhas e segundo que estas podem ter ocorrido a partir do critrio da procedncia34.
Para alm de apontar indcios acerca da constituio das famlias africanas a partir do
critrio da procedncia possvel pensar numa outra questo: a reinveno das identidades.
Os registros de batismo trazem, quase sempre, a referncia procedncia do pai e da me,
mas o que se observou acerca desta questo que essa procedncia variava no caso dos pais
que batizaram mais de um filho. Tal fato explica o porqu de se encontrarem diferentes
referncias procedncia de uma mesma me e pai. Este o caso de Joaquina e Antnio,
cativos de Manoel Fernandes Lea. Quando Benedita, a primeira filha do casal, foi batizada
em 1794 esses foram referidos como da guin; em 1797 na ocasio do batismo de outra filha,
Genoveva, eles aparecem como sendo africanos de nao; quando nasceu Maria, em 1799, a
33 Em relao a essa questo, segundo Faria, no sculo XIX, em todas as regies brasileiras, incluindo quelas
que possuam alta legitimidade, as taxas passaram a ser decrescentes. Esse fato resulta das transformaes
ocorridas na sociedade brasileira ao longo do sculo a vinda da Corte portuguesa para o Brasil, os tratados com a Inglaterra, a abolio do trfico negreiro que acabaram por reduzir a oferta de escravos no Brasil. Consequentemente, os proprietrios passaram a interferir mais na questo da constituio do matrimnio dos
seus escravos, haja vista que, assim procedendo, poderiam dispor mais facilmente da sua propriedade. Por sua
vez, devido ao aumento considervel de africanos nas escravarias devido ao trfico, possvel ter ocorrido um
aumento da influncia de prticas africanas no cotidiano dos escravos, de forma que, o sentido atribudo ao
matrimnio pelos escravos africanos pode ter mudado (1998, p. 339-340). 34 A escolha entre parceiros de um mesmo grupo de procedncia tambm foi encontrada por Soares (2000) para
o Rio de Janeiro e Schwartz (1998).
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procedncia volta a ser a mesma de quando batizaram a primeira filha: guin; e, finalmente,
quando batizaram Francisco, em 1803, eles so referidos como pretos da costa35.
O mesmo ocorreu a outro casal: Joaquina e Antnio, cativos de Dona Anna Mauricia
Rosa de So Felix. Eles foram referidos como sem procedncia no batismo da primeira filha
Joanna, em 1829; em 1823 e 1824, respectivamente, no registro de Damianna e Agostinho
eles aparecem como sendo de procedncia congo; e em 1825, no batismo de Delfino, quanto
procedncia so referidos como pretos da costa36. Ocorrncias semelhantes encontram-se
tambm, nos registros de filhos de mes cativas e forras, de filhos de casais africanos forros,
nas referncias aos padrinhos e madrinhas cativos africanos e forros.
sabido que quem realizava o registro do batismo era o coadjutor ou o vigrio da
Igreja (Soares, 2000) e que, portanto, a referncia procedncia de forma diferenciada pode
ter sido resultado da viso desses em relao aos africanos de diferentes procedncias e
categorias jurdicas. Por outro lado, no caso dos cativos, essa referncia pode ter sido dada
pelo senhor. Mas possvel tambm, que os prprios africanos, inclusive os cativos, possam
ter se autoidentificado de diferentes formas nos vrios momentos.
Em qualquer um dos casos, a evidncia sugere que as formaes identitrias poderiam
estar sendo avaliadas e ressignificadas tanto por parte dos coadjutores e senhores, quanto pelo
conjunto da populao africana, escravos e forros. Evidentemente as referncias das
procedncias foram construdas dentro de uma lgica do trfico no contexto escravista, mas
africanos se conheciam e se identificavam para alm dos significados atribudos pelas
autoridades e senhores. Talvez muito mais que isso: africanos reinventavam as suas
identidades visto que no contexto da dispora essas nunca seriam fixas ou definitivas (Hall,
2003).
Se africanos cativos estabeleciam, em sua maioria, vnculos matrimoniais com
africanas, em relao aos forros encontrados nos registros dos Livros de Batismo dos Livres,
esses vnculos vo se constituir de forma diferenciada. Das 58 famlias forras dos registros de
batismo, 11 so compostas somente por crioulos, 19 no aparece a referncia a procedncia
35 ACMF. Livro Catedral, Batismo de Escravos, Desterro, 1771-1798 e 1798-1818. 36 ACMF. Livro Catedral, Batismo de Escravos, Desterro, 1818-1840.
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dos pais e 25 famlias nucleares so constitudas por africanos37. Os dados, provenientes dos
registros de batismo de crianas forras, indicam que houve uma tendncia de os africanos
forros contrarem matrimnio com crioulos 18 em relao aos 6 ocorridos entre parceiros de
procedncia africana. Esse dado indicativo que, para alm da procedncia, outros critrios,
possivelmente, foram estabelecidos pelos africanos forros para a construo de seus vnculos
familiares. Alusiva a esta questo tambm a existncia nos registros de trs casais em que
um dos cnjuges era cativo: uma me e um pai de procedncia africana e um pai crioulo. No
caso desta me, mesmo sendo cativa, seu filho foi registrado como forro38.
No possvel inferir quais os motivos que levavam homens forros a se unirem a
mulheres cativas, visto que estas comprometiam os seus descendentes escravido. Por outro
lado, para estas mulheres, a escolha de um companheiro poderia significar a possibilidade de
criao de vnculos pessoais para alm da sua condio jurdica, bem como a compra da sua
alforria. No entanto, pelo menos oficialmente, essas relaes no eram as predominantes
nos registros de batismo. Segundo Wagner, entre 1800 a 1819 na Igreja Matriz do Desterro,
das unies realizadas em 24 destas pelo menos um dos cnjuges era de condio forra, mas a
escolha dos parceiros ocorria preferencialmente entre aqueles que possuam o mesmo estatuto
jurdico, visto que em 79% dos casamentos os cnjuges eram libertos (Wagner, 2003, p. 1-
17).
Observando especificamente as procedncias dos africanos forros que casaram entre si
possvel apontar para a possibilidade de ter havido por parte destes um critrio de escolha
baseado no pertencimento a um mesmo grupo de procedncia.
A tendncia dos africanos forros endogamia tambm foi percebida por Wagner em
pesquisa realizada em Livros de Casamentos da Igreja Matriz, entre 1800 a 1819. Segundo a
autora, dos 8 noivos africanos, 7 deles se casaram com uma parceira africana, a exemplo de
Antnio Jos e Maria Francisca, ambos forros de procedncia benguela, que se casaram em
1805 e de Manoel e Luiza, ambos forros da guin, que contraram matrimnio em 1807
(Wagner, 2003).
37 ACMF. Livro Catedral, Batismo de Livres, Desterro, 1778 a 1850. Estes dados foram obtidos atravs da
leitura e transcrio de 8 livros, referente ao perodo da pesquisa. 38 ACMF. Livro Catedral, Batismo de Livres, Desterro, 1802-1820 e 1820-1829.
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A predominncia de casamentos entre africanos e crioulos forros, a evidncia da
existncia de casamentos entre forros e cativos, bem como a escolha de alguns africanos em
terem parceiros do mesmo grupo de procedncia, evidenciam a forma como criaram seus
vnculos familiares e indicam o processo de reinveno das identidades.
Em relao aos africanos e crioulos forros que constam nos registros de batismo,
alguns so procedentes de outras localidades e que acabam criando seus vnculos afetivos e
familiares no Desterro, a exemplo do casal Joaquim Gonalves e Anna Joaquina, ambos
forros, ela de So Jos (Freguesia do Continente) e ele de So Francisco39, e de Joaquim
Ribeiro da Silva, um pardo forro natural da Ilha Grande que acabou se casando com Anna
Maria, africana da costa, cativa de Manoel Pereira de vila, em 1804 no Desterro (Wagner,
2003, p. 4).
Uma hiptese plausvel para essa mobilidade de forros para outras localidades pode
estar ligada a questo apontada por Faria, segundo a qual, homens pobres permanecem pouco
tempo num mesmo lugar. Sua caracterstica marcante a extrema mobilidade. Mover-se em
busca de melhores condies de sobrevivncia, tornava-se uma atitude previsvel e esperada;
identificava-se para os forros e seus descendentes, como o exerccio da liberdade (Faria,
1998, p.102).
Esse deslocamento no ocorria de maneira aleatria. Poderia ser resultado de escolhas
individuais em contextos especficos, como por exemplo, a busca por reas urbanas nas quais
os libertos e seus descendentes pudessem arrumar trabalho. Em contrapartida, o deslocamento
pode, tambm ter significado uma tentativa por parte do liberto de libertar-se da antiga
condio cativa e viver sobre si (Faria, 1998, p. 111; Mattos, 1998, p. 45). De uma ou outra
perspectiva significava, fundamentalmente, a liberdade de escolha estendida a todas as
questes da vida.
CONSIDERAES FINAIS
As trajetrias aqui apresentadas so indicativas de um contexto complexo,
transcultural, no qual as identidades so reinventadas e as relaes criadas atravs de vnculos
39 ACMF. Livro Catedral, Batismo de Livres, Desterro, 1802-1820 e 1820-1829.
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afetivos e de compadrio. Essas histrias mostram a capacidade de criao e apontam para a
tese que vem sendo construda pela historiografia ao longo das duas ltimas dcadas: a
escravido e o parentesco no so coisas excludentes. O fato de serem aviltados com a
condio jurdica da modernidade europeia no exclua, obviamente, os africanos, da
condio, das necessidades e dos desejos humanos.
As trajetrias evidenciam a multiplicidade de escolhas, de vivncias, de arranjos,
caractersticos aos africanos na dispora. Apontam para a forma como esses criaram seus
vnculos familiares e indicam como reinventaram suas identidades num contexto de uma
cidade porturia, multicultural. Fizeram escolhas e lidaram com as incertezas de sua
existncia de uma forma que pode parecer ambgua para ns, homens e mulheres do sculo
XXI, mas intrnsecas em suas vivncias, dentro de um contexto e de um tempo.
Todas essas prticas e os vnculos sinalizam para a ideia de que o passado no um
agregado de histrias separadas, mas uma rede de relaes e aes que se influenciam e so
interdependentes. Nesta perspectiva, a vida, o cotidiano, a histria sempre modificada pelo
sujeito a partir do momento em que esse toma uma deciso ou faz uma escolha ou estabelece
um vnculo de compadrio ou de pertencimento.
Nessa perspectiva, Russel-Wood aponta algumas questes em relao as sociedades
africanas que possibilitam compreender a fora desses homens e mulheres em criarem
possibilidades de sobrevivncia e vnculos familiares no contexto da dispora. Segundo o
autor, os africanos de diferentes sociedades eram marcados pela diversidade; inventividade;
criatividade; disponibilidade para inovao; adaptabilidade e habilidade de lidar com a
mudana; bem como, pela estabilidade e continuidade perceptvel atravs do
compartilhamento de culturas e valores comuns (2001, p.21-23).
Em outras palavras, o trfico atlntico, o desenraizamento e a escravido dos africanos
destruiu os vnculos que estes possuam na frica, mas no a conscincia que permitiu a
reinveno das identidades e o estabelecimento de novos vnculos familiares no contexto da
dispora. Alguns desses vnculos foram relativamente longos.
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