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A Contextos da Alimentação, Publicação Científica do Centro Universitário Senac, que publica trabalhos originais que envolvam estudos sobre contextos da alimentação: histórico, geográfico, nutricional, sociológico, antropológico, literário, culinário e artístico. ISSN 2238-4200 Confira na seção entrevistas vídeos gravados durante o evento Mesa Tendências. Acesse a edição na íntegra! www3.sp.senac.br/hotsites/blogs/revistacontextos/index.php/edicao-atual/
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Editorial, Vol. 2 Nº 2, Ano 2013
Editorial
Neste número da Revista Contextos da Alimentação ampliou-se ainda mais os diferentes
olhares sobre o ato de se alimentar e as relações que se estabelecem com e pelo alimento.
Em um dos artigos os autores trazem um olhar sobre o macarrão instantâneo e as
relações de convivência e sociabilidade que se estabelecem no momento das refeições.
Atribuir a culpa das mudanças sociais a determinados alimentos é uma via fácil e comumente
encontrada para justificar as diversas mudanças na alimentação verificadas nos últimos anos
em especial nas ultimas 2 décadas. Como se toda a obesidade e o aumento de doenças
relacionadas a alimentação fossem decorrentes do consumo de Macarrão instantâneo ou
lanches em redes de fast-foods.
Estes alimentos, nada mais são, do que uma resposta da indústria a anseios de uma
vida cada vez mais cheia de compromissos inadiáveis, entretanto, adiando momentos de
prazer e convívio que uma refeição pode proporcionar.
Não que este convívio seja impossível comendo um macarrão instantâneo ou um lanche
rápido, afinal, o centro da questão não está somente em o que se come, mas como, quando,
onde, com quem e principalmente para que? Para matar a fome ou para criar um vínculo? Para
abastecer o organismo de nutrientes (mesmo que de baixa qualidade) ou para alimentar o
espírito? Estas são diferenças importantes ao se tratar de alimentação e é o que o artigo
Macarrão Instantâneo: Refeição de Conveniência traz a discussão.
Ainda tratando de convivência outro artigo: Café no Brasil: Gastronomia e Sociedade
discute o café, um elemento importante em diversas culturas como objeto de fortalecimento de
vínculos e convivência, antagonicamente oposto ao Macarrão Instantâneo, que em muitos
casos remete a lembrança de uma refeição solitária, rápida de alto valor calórico e baixo valor
nutritivo.
Assim com artigos como estes é possível ampliar a discussão sobre o real impacto da
produção cafeeira no Brasil, inserindo a variável capital social como um dos beneficiados por
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Editorial, Vol. 2 Nº 2, Ano 2013
este produto que transcende suas características organolépticas, econômicas ou agrícolas para
inserir a importante relação humana como consequência de seu ciclo produtivo.
Outro assunto relevante ao discutir a gastronomia são os impactos causados com as
interações com outras culturas, seus impactos positivos, negativos, apropriação, degradação,
entre tantas formas de avaliar estes impactos. O fato é que ao interagir com outra cultura, sob
muitas perspectivas, é estabelecida uma via de mão dupla, onde ganhar ou perder é muito
relativo, o fato é existe aprendizagem, existe crescimento ao conhecer e explorar novos
ingredientes, novas técnicas e novos hábitos, fazendo com que a máxima: ao dividir soma, seja
verdadeira.
Em dois artigos este raciocínio pode ser encontrado: “Gastronomia e turismo local:
reflexões sobre a cultura no processo do desenvolvimento local” e “A alimentação nas relações
entre ocidente e oriente: Identidade e reflexos da relação entre Portugal e China em Macau”.
Além destes artigos nesta edição foram acrescentados dois vídeos com pesquisadores
em que trazem suas experiências e experiências sobre a gastronomia, são eles João Maximo e
Tanea Romão.
Estes vídeos demonstram seus olhares sobre a gastronomia e de que forma as relações
de identidade, comida local, raízes e principalmente em como transformar em ações estas
reflexões.
Assim, com mais esta edição da Revista Contextos da Alimentação o SENAC-SP tem a
certeza de trazer mais uma contribuição para o aprofundamento das discussões sobre a
alimentação e a gastronomia.
Boa leitura.
Marcelo Traldi Fonseca
Editor
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Artigo, Vol. 2, Nº 2, Ano 2013
Macarrão Instantâneo: Refeição de Conveniência
Instant Noodles: Convenience Meal
Neide Kazue Sakugawa Shinohara1
Masayoshi Matsumoto2
Maria do Rosário de Fátima Padilha3
Karlla Karinne Gomes de Oliveira4
Selma Travassos Cirino Medeiros5
Resumo
O hábito alimentar do homem sofreu profundas mudanças no decorrer de sua evolução.
Hoje é comum que as pessoas trabalhem distante de seus lares, o que os obriga a preparar ou
consumir as refeições de forma simples, rápida e de custo baixo. Em decorrência desse estilo
de vida moderno, as refeições de conveniência surgiram como uma opção para contornar
essas dificuldades e nesse contexto, em 1958, o Sr. Momofuku Ando, criou o macarrão
instantâneo; uma preparação bastante consumida pela praticidade, grande aceitação sensorial
e custo acessível. Esse trabalho teve como objetivo conhecer o consumo mensal familiar e
preferência de sabor do macarrão instantâneo em diferentes cidades do nordeste brasileiro. Foi
utilizado um caminho metodológico que constou de uma pesquisa descritiva e exploratória. Do
total de sujeitos entrevistados (n=200), de idade entre 25 a 62 anos, responderam que não
sabiam que o macarrão instantâneo é um resultado tecnológico da culinária japonesa. Quanto
ao consumo, os sabores em pacote mais consumidos são: frango caipira (47%), frango (38%),
1Doutora em Ciências Biológicas, Docente do Curso de Gastronomia da UFRPE. E-mail: shinoharanks@yahoo.com.br
2Discente do Curso de Especialização em Práticas Gastronômicas, UNINASSAU. E-mail: m.masayoshi@yahoo.com.br
3Doutora em Nutrição, Docente do Curso de Gastronomia da UFRPE. E-mail: fatpadilha@ig.com.br
4Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia de Alimentos da UFRPE. E-mail: karinnegoliveira@gmail.com
5Discente do Curso de Especialização em Práticas Gastronômicas, UNINASSAU E-mail: selma.tv@hotmail.com
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Artigo, Vol. 2, Nº 2, Ano 2013
seguido de carne (8%) e nosso sabor (6%). Quanto ao macarrão instantâneo em pote o sabor
mais consumido é o de frango caipira (73%) seguido de carne (27%). Apesar das vantagens
econômicas e de praticidade, devemos avaliar com preocupação a forma muitas vezes
exagerada quanto à aquisição desse produto, uma vez que o consumo frequente pode levar ao
surgimento de doenças não transmissíveis de origem alimentar.
Palavras-chave: macarrão, refeição rápida, hábito de consumo, culinária asiática.
Abstract
Man’s food habits suffered profound changes in the course of its evolution. Today it is
common for people to work away from their homes, forcing them to prepare or consume meals
in a simple, fast and low cost way. Due to this modern lifestyle, convenience meals have
emerged as an option to overcome these difficulties and, in this context, in 1958, Mr. Momofuku
Ando created instant noodles, a preparation quite consumed for its practicality, great sensory
acceptability and affordability. This study aimed to meet the monthly household consumption
and preferably taste of instant noodles in different cities in Brazilian Northeast. All respondents
(n=200) responded that they were unaware that the noodles is the result of technological
Japanese cuisine. As for the taste, the most consumed, in package, are: jerk chicken (47%),
chicken (38%), followed by meat (8%) and our taste (6%). As for the noodles in pot, the most
consumed flavor is jerk chicken (73%), followed by meat (27%). Despite the economic
advantages and practicality, we evaluate with concern how often exaggerated is the purchase
of this product, since regular consumption can lead to the emergence of non-communicable
diseases foodborne.
Keywords: noodles,quick meal, consumption habit, Asian cuisine.
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Artigo, Vol. 2, Nº 2, Ano 2013
Introdução
O ritmo de vida e a alimentação mudaram nas grandes metrópoles. Tanto nos
restaurantes como nas residências, este fato levou à população a necessidade de refeições
mais simples e rápidas. O estilo de vida americano passou a dominar o mundo, popularizando-
se o jargão time is money. Isto porque as pessoas, trabalhando longe de casa, tinham maior
dificuldade de voltarem para casa para almoçar, e, paralelamente, no mercado de trabalho
tinham que mostrar rendimento. Outro aspecto desse novo padrão da sociedade está
relacionado com a estrutura familiar. A gradativa ascensão da mulher ao mercado de trabalho
também foi um elemento que favoreceu mudanças nos hábitos alimentares. As pessoas não
almoçavam mais em casa, o que fez crescer o número de pequenos restaurantes populares e
lanchonetes com refeições rápidas e baratas (FREIXA & CHAVES, 2009).
Dentre as comidas elaboradas com praticidade destaca-se o macarrão. Seu significado
vem do grego "Makària", que data há cerca de 25 séculos e significa caldo de carne
enriquecido por pelotinhas de farinha de trigo e por outros cereais. Sabe-se que o macarrão
começou a ser preparado logo que o homem descobriu que podia moer alguns cereais,
misturar com água e obter uma pasta cozida ou assada. É difícil dizer onde e quando isso
aconteceu. Existem inúmeras maneiras de consumi-lo, uma delas é o macarrão instantâneo ou
lamen (ABIA, 2013).
Derivado das palavras chinesas Hao Ra (obrigado pela espera), Ra Men (esticado à
mão) e La-mien (macarrão estendido); o lamen japonês, como é mundialmente conhecido, tem
textura bem diferente do seu similar chinês. Ao ser cozido, torna-se ligeiramente amarelado e a
constituição apresenta maior crocância que o macarrão com ovos chinês. No Japão, a
popularidade do lamen já ultrapassou os tradicionais udon e soba, e vem se tornando cada vez
mais popular no Ocidente. Pode ser encontrado fresco, desidratado ou congelado em lojas de
produtos orientais e em grandes redes de supermercados. O lamen instantâneo, muito popular
como refeição rápida é uma sopa com o macarrão, acompanhado por um caldo de carne em pó
em pacote pronto para usar (KASUKO, 2010; SUGINO & OHISA, 2009).
No processo de industrialização, a massa do lamen, é ejetada por uma série de bicos
para formar uma fita de longos fios sinuosos, lado a lado. A fita é então cortada em pedaços e
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dobrada sobre si mesma, depois é posta num molde e a seguir os pedaços são cozidos no
vapor, sendo posteriormente fritos por imersão à 140ºC. Esse procedimento seca o macarrão
de modo que o bloco mantenha seu formato quadrado. A última etapa é a secagem que ocorre
por jatos de ar a 80ºC. Embora possa haver uma pequena quantidade de óleo em algumas
misturas do tempero, praticamente toda gordura estará presente no macarrão (McGEE, 2011;
WOLKE, 2003).
O Sr Momofuku Ando teve a idéia de criar o macarrão instantâneo após a 2ª Guerra
Mundial ao perceber que as pessoas passavam muitas horas na fila para comprar alimentos no
mercado negro devido ao racionamento. Ando nasceu em Taiwan em 1910, quando o país
vivia sob ocupação japonesa, depois se mudou para o Japão e dirigiu várias empresas antes
de se tornar o inventor de uma das mais populares comidas do mundo. Ele fundou uma
empresa de macarrão instantâneo e criou o chicken ramen em 1958, um macarrão instantâneo
que se tornou bastante popular no Japão. Ando também inventou em 1971 o cup noodle, outro
tipo de macarrão instantâneo em que a água quente é despejada dentro do copo de plástico da
embalagem e amolece antes de ser consumido. Devido ao preço baixo e ao fácil preparo, o cup
noodle fez tanto sucesso que passou a ser vendido em vários países (Folha de São Paulo,
2007).
A Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) Nº 93/2000 da Anvisa (BRASIL, 2000), que
dispõe sobre o Regulamento Técnico para Fixação de Identidade e Qualidade de Massa
Alimentícia, define que a massa alimentícia instantânea, é o produto não fermentado,
apresentado sob várias formas, recheado ou não, obtido pelo empasto, amassamento
mecânico, cozimento ou não, desidratação ou não da mistura de farinha de trigo comum e ou
sêmola/semolina de trigo e/ou farinha de trigo integral e/ou farinha de trigo durum e/ou
sêmola/semolina de trigo durum e/ou farinha integral de trigo durum e/ou derivados de cereais,
leguminosas, raízes ou tubérculos, adicionado ou não de outros ingredientes, e acompanhado
ou não de temperos e ou complementos, isoladamente ou adicionados diretamente à massa.
Para o preparo, o produto é hidratado a frio ou a quente e o tempo de cozimento é reduzido ou
desnecessário.
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Empresa japonesa e grande fabricante do macarrão instantâneo inaugurou no dia 12 de
novembro de 2012, sua primeira planta industrial do Nordeste, no distrito Industrial do
município de Glória do Goitá, na Zona da Mata Norte, Pernambuco. Essa empresa é formada
por duas empresas japonesas de macarrão instantâneo, que investiram R$ 46 milhões na
unidade pernambucana. Atualmente o Brasil ocupa a 10ª posição no ranking de consumo de
macarrão instantâneo, com aproximadamente 2 bilhões de porções por ano, segundo estudos
desenvolvidos pela empresa. O Nordeste tem potencial para ser um dos maiores mercados
para o segmento. A fábrica pernambucana produzirá um lamen desenvolvido especialmente
para o mercado regional nordestino, “Nosso Sabor” (DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 2012; WINA,
2011).
Diante do exposto e das potencialidades do produto no mercado nacional e
internacional, o objetivo dessa pesquisa foi o de observar o consumo mensal familiar de
macarrão instantâneo dos consumidores do nordeste brasileiro, uma vez que o empresariado
sinaliza que estes se mostram um potencial mercado consumidor. Desta forma, parece-nos
surgir uma grande mudança nos hábitos alimentares em substituição às tradições culinárias
nordestinas.
Metodologia
A pesquisa de campo empregada nesse trabalho foi do tipo descritivo e exploratório com
entrevistas, usando um questionário de freqüência de consumo alimentar, baseado em
metodologia de Carnevalli e Miguel (2001). Pretendeu-se levantar questões de conhecimento
dos consumidores frente ao macarrão instantâneo: se tinham a informação que este produto é
resultado da tecnologia industrial japonesa; qual o consumo mensal familiar; preferência de
sabor e justificativa de compra mensal em pacote e na versão de copo individual. Os
entrevistados (n= 200), maiores de idade, de ambos os sexos, foram escolhidos ao acaso em
supermercados, restaurantes, padarias, lanchonetes e rodoviárias.
Os sujeitos da pesquisa que foram convidados a participar do estudo tinham de 25 a 62
anos e estes deveriam fazer uma leitura prévia do questionário, para checar se seriam capazes
de responder principalmente as questões de consumo e preferência familiar de sabor. As
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entrevistas foram realizadas em 20 (vinte) cidades que apresentavam IDH médio e que fazem
parte dos estados de Pernambuco, Paraíba, Bahia e Ceará, ou seja, foram escolhidos 5 (cinco)
cidades de cada estado e em cada cidade, 10 (dez) pessoas responderam o questionário. Para
obtenção dos resultados, as entrevistas se deram em cidades das regiões que correspondem
às zonas do litoral, mata, agreste e sertão nordestino.
As alternativas de sabor envolveram as versões pacote de 74 e 85 gramas, nos sabores
galinha, galinha caipira, carne e nosso sabor (costela na brasa, galinha ensopada e carne de
sol). Os copos de macarrão instantâneo apresentavam gramatura de 64 gramas nos sabores
galinha caipira e carne. As alternativas dos sabores que constaram no questionário se
basearam em pesquisa das diferentes opções de sabores encontrados nos supermercados das
cidades pesquisadas.
Resultados e Discussão
Depois de séculos de má nutrição decorrente da falta de alimentos no mundo, hoje, nas
sociedades industrializadas dos comensais contemporâneos, a preocupação dominante é
saber o que comer e em que proporções. Tradicionalmente, até a década 1960, para as
classes trabalhadoras, uma boa alimentação era, acima de tudo, uma alimentação “nutritiva”,
isto é, “sã”, porém principalmente abundante e saciável. Hoje, ao contrário, a maior parte da
população pensa que “comemos exageradamente”. O “temor de que a comida não seja
suficiente” retrocedeu. Na atualidade, a preocupação dominante é cada vez mais de caráter
qualitativo. Desde os anos 1980, o termo mais utilizado tanto pelas mães de família como pelos
dietistas para caracterizar uma boa alimentação é o de equilíbrio (CONTRERAS, 2011).
De acordo com as informações obtidas no questionário, nenhum dos entrevistados tinha
conhecimento que o macarrão instantâneo era resultado do hibridismo da culinária chinesa e
japonesa. Estes relataram que sabiam que não se tratava de uma criação brasileira,
principalmente pela nomenclatura, lamen, terminologia muito diferente do usual português.
Observamos um sentimento de surpresa por parte dos entrevistados ao descobrirem que um
alimento tão aceito nos lares brasileiros era fruto da tecnologia do outro lado do planeta.
A sopa lamen japonesa popularizou-se no mundo todo, seguindo a trilha de sucesso dos
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sushis e, assim como eles, pode ser servida com diferentes carnes ou hortaliças. O lamen
agrada a todos e serve para qualquer ocasião, embora seja mais consumido no almoço ou
como lanche nutritivo. No Japão, o consumo de um tchawan de lamen já apresenta as
necessidades nutricionais de uma refeição e é ideal para ser degustado no inverno para
aquecer o corpo e a alma (KAZUKO, 2010).
Segundo Horiuchi (1975), o caldo do verdadeiro lamen japonês é de fonte suína,
podendo ser acrescido de caldo de frango e também de caldo dashi, para assim ser adicionado
o sabor umami (porção mais gostosa), sabor esse, que caracteriza a base da culinária
japonesa. Podemos observar na Figura 1, que além do caldo base do lamen, há adição de
carne de porco, macarrão de lamen, hortaliças e alga marinha, podendo levar ainda outros
temperos como o shoyu e o missô. Essa refeição se popularizou nas diversas províncias e
regiões do Japão e atualmente adotou outros ingredientes que mudam de acordo com a
sazonalidade.
Os resultados do questionário reforçaram a informação que os estados analisados
representam grande mercado consumidor, pois 74% dos entrevistados, ou seja, 148 pessoas,
responderam que colocam o macarrão instantâneo em pacote ou pote em sua lista de compra
mensal. Esse contingente de consumidores justificou que há um apelo de compra por parte dos
filhos no momento de elaboração da lista de compras. Outra explicação é o relato de
estudantes em cidades em que há instituições de ensino superior, onde o grande consumo de
Fonte: Chef Yoshi Matsumoto, 2013.
Figura 01 - Lamen japonês.
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produtos de conveniência é devido à falta de tempo na preparação de alimentos e que estes se
mostram uma alternativa saborosa, de baixo custo e de fácil preparação.
A grande maioria, ou seja, 148 pessoas que adquiriram mensalmente esse tipo de
alimento preferiram a versão pacote ao invés do copo, porque enquanto o pacote custa na
faixa de R$ 0,60 a R$ 1,00, o custo do pote custa um pouco mais que o dobro desse valor. O
pote é muito consumido em lanchonetes e bares próximos aos terminais de ônibus, onde um
pote já adicionado de água quente e acompanhado de um talher descartável custa em média
R$ 3,00. Para os estudantes, este alimento também é uma opção atraente de consumo em
substituição das principais refeições, mesmo quando realizado nas dependências da instituição
de ensino.
Segundo ABIMA (2011), é difícil fazer o brasileiro comprar mais macarrão, pois esse é
um produto presente em 100% dos lares. Já as massas instantâneas estão presentes em 90%
das residências, o que significa que ainda há espaço para crescer. Nos últimos cinco anos, a
venda de massas instantâneas aumentou 31% em volume de venda. O apelo do produto é a
praticidade, a rapidez no preparo e o preço: menos de R$ 2,00 por porção e às vezes, menos
de R$ 1.00 dependendo da região de comercialização. Os custos acima apresentados pela
ABIMA foram semelhantes aos achados nas cidades pesquisadas.
Em alguns estabelecimentos comerciais quando havia a possibilidade de encontrar o
proprietário ou gerente, estes relataram que iniciaram a comercialização devido à grande
procura desses produtos, por parte da população local e de viajantes, uma vez que em
algumas regiões da pesquisa eram pontos turísticos e passagem de um contingente diferente
de clientes e, portanto consumidores de hábitos alimentares diversos.
Ainda de acordo com as informações dos responsáveis pelos estabelecimentos
pesquisados, as áreas de comercialização desses produtos estão exigindo aumento do
espaço, porque novas marcas e consumidores estão surgindo no mercado. A média de
consumo familiar é de 15 a 30 pacotes/mês de macarrão instantâneo. Algumas famílias
chegam a comprar uma “embalagem fechada” com 48 ou 50 unidades, provavelmente devido a
quantidade dos membros familiares que fazem uso desse tipo de refeição. Esses resultados
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corroboram com os achados de Contreras (2011), que o consumo de alimentos processados
vem aumentado consideravelmente nos últimos trinta anos e continua, apesar dos seus
detratores morais, gastronômicos, econômicos e dietéticos, tanto nos países mais
industrializados como nos de Terceiro Mundo. Há aumento de consumo desses produtos em
quantidade de unidades, em diversidade de produtos e em porcentagem do orçamento familiar.
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é um indicador elaborado pela Organização
das Nações Unidas e usado para medir a qualidade de vida das pessoas em várias regiões do
mundo. Leva em conta o PIB per capita – em dólares ajustados ao poder de compra no país, a
saúde e a educação, todos com o mesmo peso, de 1/3. A saúde é medida pela esperança de
vida ao nascer. Na educação, se mede a taxa de matrícula combinada (peso de 1/3) com a
taxa de alfabetização de pessoas com mais de 15 anos (peso de 2/3). O resultado é ordenado
segundo valores obtidos no cálculo, assumindo valores relativos que vão de 0 - pior situação
de desenvolvimento humano - até 1. Segundo os padrões da Organização Nações Unidas, a
região ou país é de alto desenvolvimento quando o IDH é maior ou igual a 0,8; médio, de 0,79
a 0,5, e baixo, de 0,49 ou menos (SILVA, PANHOCA, 2007).
Conforme levantamento promovido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE, 2010), o IDH dos municípios nordestino pesquisados variou de 0,581 a 0,748, que
segundo Silva e Panhoca (2007); essas cidades apresentam situação mediana quanto ao IDH.
Esses achados informam que apesar dos avanços sociais no Brasil, nos locais estudados,
estes ainda não estão em ótima condição de desenvolvimento humano, o que pode levar essas
populações a consumir com freqüência alimentos industrializados que muitas das vezes
apresentam baixo preço e facilidade de preparação.
De acordo com os resultados encontrados, os sabores mais consumidos na versão
pacote são o de frango caipira (47%), frango (38%), seguido de carne (8%) e nosso sabor
(6%). Quanto ao macarrão instantâneo em pote também continua sendo o sabor mais
consumido o frango caipira (73%) seguido de carne (27%). Segundo estudos de Bruxel (2011)
e Revista Pense (2012), a novidade chegou ao Brasil em 1965, época que foram lançados
macarrão instantâneo nos sabores galinha e carne, sabores mais populares em outros países e
também os mais consumidos no Brasil. Desde então, muitas pessoas matam a fome com um
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pacotinho de macarrão, cozido em poucos minutos.
Atualmente, a nova versão se mostra mais prática, podendo ser consumida em qualquer
lugar e assim virou sucesso no mundo inteiro. Aliás, praticidade passou a ser essencial em
nosso dia a dia: as refeições deixaram de ter horários rigorosos, o modo de preparação dos
pratos mudou sensivelmente, e este produto já vem quase pronto para servir. E para
acompanhar estas mudanças, a tecnologia de alimentos investe constantemente em inovações
que inovam e facilitam a vida das pessoas com produtos práticos e saborosos. O macarrão
instantâneo já faz parte da rotina dos brasileiros (PRONEWS, 2012) e comemora em 2013 55
anos de idade – sendo, pois, considerado um jovem que, de tempos em tempos, continua
inovando e surpreendendo a todos com suas novidades e sabores.
Nessa pesquisa observamos que o consumo do macarrão instantâneo em pote é devido
à variedade na composição de ingredientes em relação ao pacote, o que aumenta a aceitação
sensorial – fator decisivo na escolha do produto, quando o orçamento familiar permite a
aquisição. De acordo com o rótulo do pote no sabor de galinha caipira, temos adição de
tomate, milho, pimentão vermelho e cebolinha verde em flocos; condimentos à base de alho,
cebola, coentro, cúrcuma e pimenta branca em pó e realçadores de sabor em sua composição.
Ainda leva frango em flocos, condimentos à base de galinha, ovos, soja, leite e aipo; podendo,
ainda, conter traços de crustáceos, pescados, mostarda e gergelim. Na versão carne, a base é
muito semelhante ao de frango caipira, variando na substituição de flocos de frango por carne
bovina desidratada e adicionado de sabor tipo costela ao invés de sabor de galinha.
Segundo Yamada (2007) no Japão e nos Estados Unidos, além da composição de
ingredientes e sabores dos copos de macarrão instantâneo já comercializado no Brasil, nesses
países os ingredientes liofilizados em sua formulação já levam camarão, carne de porco, ovos
e diferentes legumes. O tradicional lamen nasceu no Japão e invadiu rapidamente a vida dos
americanos nos ultimos 10 anos. O copo de macarrão instantâneo tornou-se tão popular que
ganhou uma quota de cerca de 50% de produtos de massas alimentícias no mercado
americano, tornando-se um produto de conveniência de grande expressão econômica – e há
indícios de que este cenário poderá se repetir em outros mercados consumidores como o
Canadá, México e América Latina.
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Esse consumo crescente precisa ser visto com um olhar mais crítico, porque segundo
Damásio e colaboradores (2010), determinando a composição lipídica de 03 diferentes marcas
de macarrão instantâneo, encontraram conteúdo lipídico que variava de 8,74% a 11,36% a
cada 10 gramas de amostras de macarrão. A utilização de gorduras alternativas, inclusive nos
macarrões instantâneos, para minimizar os níveis de ácidos graxos trans nos processos
tecnológicos, deve ser, portanto, avaliada com cuidado, uma vez que tais mudanças podem
gerar produtos alimentícios com altos teores de ácidos graxos saturados e baixos de ácidos
graxos essenciais, os quais também poderiam implicar em efeitos adversos à saúde do
consumidor (TARRAGO-TRANI et al., 2006; RIBEIRO et al., 2007).
Os hábitos ou estilos de vida saudáveis contribuem decisivamente para a manutenção
da saúde, tanto de adultos como de crianças e adolescentes. Muitas vezes, o controle de
fatores de risco relacionados ao estilo de vida, para determinadas doenças, faz parte de
tratamentos propostos, ou ajudam a retardar o aparecimento de enfermidades. Entre as
alterações de saúde causadas pela junção de diversos fatores está a hipertensão arterial. Uma
pesquisa feita com 284 crianças e jovens da Casa do Adolescente de Pinheiros, unidade ligada
à Secretaria de Estado da Saúde, apontou que 25% deles apresentavam quadro de
hipertensão arterial combinada com alto consumo de sódio na dieta, apesar da pouca idade
(SÃO PAULO, 2012). Inúmeros estudos justificam a presença de alterações da pressão arterial
como, por exemplo: obesidade, hereditariedade, tabagismo, etilismo, ingestão elevada de sal e
sedentarismo (CHAVES et al., 2009). Segundo a CDC (2013), a maior parte do sal consumido
pelos indivíduos vem da ingestão de alimentos processados (75%), o consumo diário de sódio
recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) é de 2000 mg, o que equivale a 5 g
de sal por dia (1 colher de chá). O grande consumo de sal é um importante determinante de
hipertensão e risco cardiovascular (WHO, 2010). Dados representativos para adultos do
conjunto das capitais brasileiras obtidos no Vigitel em 2010 estimam que 25,5% das mulheres e
20,7% dos homens com idade ≥18 anos e cerca de metade dos homens e mais da metade das
mulheres com idade ≥55 anos relataram diagnóstico prévio de hipertensão (BRASIL, 2011).
Analisando os dados acima, verifica-se na Tabela de Composição de Alimentos (TACO, 2006),
que o macarrão instantâneo contém em sua composição 1,516 mg de sódio por unidade, o que
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corresponde a 75,8% das necessidades diárias de sódio, sendo assim, este alimento deve ser
consumido com moderação.
Segundo Goldenberg (2011), as pessoas hoje estão muito mais preocupadas com o que
podem ou não comer, sem ter uma direção clara para seguir. Na atualidade, os comensais
precisariam ter um conhecimento muito grande para comer, precisam se preocupar em adquirir
esta competência para se manterem informados quanto às consequências do consumo
excessivo dos alimentos. Os comedores contemporâneos são indivíduos autônomos em uma
economia de mercado, na qual eles são chamados de “consumidores”. Então, eles têm de
exercer sua liberdade de escolha com responsabilidade e sabedoria, ou seja, eles têm de fazer
uma escolha correta, racional e competente. Portanto, a comida não é considerada diferente de
outros bens de consumo que nós temos que escolher racionalmente.
Conclusão
A alimentação de conveniência se mostra cada vez mais presente no cardápio do
consumidor nordestino. Esse cenário é em decorrência do apelo mercadológico de um produto
de baixo custo, praticidade em sua preparação e facilidade de acesso, por ser facilmente
encontrado em diferentes segmentos de comercialização de alimentos.
Observamos que a compra mensal familiar de alimentos de conveniência tem crescido
em diferentes regiões brasileiras, e o consumo de macarrão instantâneo se tornou uma
alternativa sedutora e preocupante, visto que este alimento muitas vezes é oferecido até
mesmo a crianças menores de 1 (um) ano, período em que os hábitos alimentares estão se
formando e uma alimentação inadequada pode também representar um dos principais fatores
do surgimento de algumas doenças crônicas degenerativas na fase adulta.
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Referências
ABIA. Associação Brasileira das Indústrias de Alimentação. O mercado de food service no
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Recebido em 19/03/2013
Aceito em 24/06/2013
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Artigo, Vol. 2, Nº 2, Ano 2013
Café no Brasil: Gastronomia e Sociedade
Coffee in Brazil: Gastronomy and Society
Patrícia de Oliveira Leite Farias 1
Neide Kazue Sakugawa Shinohara 2
Karlla Karinne Gomes de Oliveira 3
Maria do Rosário de Fátima Padilha 4
Resumo
O café faz parte da história do Brasil. Produto agrícola que interferiu no cenário político,
econômico, cultural e influenciou a entrada de diferentes fluxos migratórios de estrangeiros
para o trabalho na agricultura, representou um passo importante para a industrialização no
país. Diante deste fato, este trabalho teve como objetivo examinar a presença do café na
formação da gastronomia brasileira, fazendo referências de sua ingestão com benefícios à
saúde, mencionando sua importância política, econômica e social desde o momento de sua
chegada ao país. No século XIX deram-se início as famosas cafeterias na Europa, que se
tornaram ponto de encontro de artistas, políticos e a elite. No Brasil, devido à forte influência
européia, também houve a abertura de famosos cafés no Rio de Janeiro e em São Paulo, que
atendiam principalmente a burguesia cafeeira, poetas e políticos. O café foi um coadjuvante da
Proclamação da República, pelo apoio e militância dos cafeicultores. Quanto ao consumo, no
Brasil em 2012, mostrou-se como um dos mais altos do mundo, perdendo somente para os
1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia de Alimentos/UFRPE. E-mail:
farias.patricia91@gmail.com
2 Docente do curso de Bacharelado em Gastronomia/ UFRPE.
3 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia de Alimentos/UFRPE.
4 Docente do curso de Bacharelado em Gastronomia/ UFRPE.
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Artigo, Vol. 2, Nº 2, Ano 2013
habitantes dos países nórdicos. O café está tão inserido no cotidiano dos brasileiros que
surgiram os momentos de interação com os colegas de trabalho, a conhecida hora do
cafezinho, o que aproxima chefes e colaboradores. Esse estudo permitiu valorar o café desde
sua a introdução no Brasil, há 286 anos, tornando-se uma bebida matinal obrigatória e nomeou
a “hora do cafezinho”, como o melhor horário do dia para aliviar o stress.
Palavras-chave: Café, República, economia cafeeira, consumo, benefícios.
Abstract
Coffee is part of the history of Brazil. Agricultural product that interfered in the political,
economic, cultural and influenced the entry of different migration of foreigners to work in
agriculture, an important step for industrialization in the country. Considering this fact, this study
aimed to examine the presence of coffee in the formation of Brazilian cuisine, referring to their
intake with health benefits, citing its political, economic and social development since the time of
their arrival in the country. In the nineteenth century gave up early the famous coffee houses in
Europe, which became a meeting point for artists, politicians and the elite. In Brazil, due to the
strong European influence, there was also the opening of famous coffees in Rio de Janeiro and
São Paulo, which catered mainly coffee bourgeoisie, poets and politicians. The coffee was an
adjunct of the Proclamation of the Republic, the support and advocacy of farmers. As for
consumption in Brazil in 2012, proved to be one of the highest in the world, second only to the
in habitants of the Nordic countries. The coffee is so inserted into the daily life of Brazilians who
emerged moments of interaction with co-workers, the well-known around the water cooler,
which approximates bosses and employees. This study allowed value the coffee since its
introduction in Brazil for 286 years, making it a required morning drink and named the "over
coffee" as the best time of day to relieve stress.
Keywords: Coffee, Republic, coffee economy, consumer, benefits.
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Artigo, Vol. 2, Nº 2, Ano 2013
Introdução
O café, originário da Etiópia, teve sua difusão no mundo maometano favorecida pela
proibição religiosa de se tomar vinho. Chegou a ser conhecido como o vinho do Islã e a vida
social do Oriente Médio girava em torno dele. Era apreciado particularmente pelos sufis – grupo
religioso de corrente mística e contemplativa - porque os mantinha despertos durante as
orações noturnas (FRANCO, 2006). Estimulante e não alcoólico, sua difusão adequou-se aos
ambientes que exigiam sobriedade, primeiro nos encontros espirituais islâmicos, seu primeiro
mercado, posteriormente transforma-se em ritual de sociabilidade e a seguir, a bebida passou a
intermediar negócios, motivar no trabalho e participar do desenvolvimento do capitalismo
(MARTINS, 2009).
Segundo Martins (2009), foi produto básico de uma imensa cadeia de produção, em seu
roteiro afrontou religiões, rompeu monopólios sólidos, escreveu páginas literárias. Nos países
em que se difundiu, traçou destinos coletivos definidos pela divisão internacional do trabalho,
que acomodou sociedades contraditoriamente agrárias e modernizadas, marcadas por diversos
paradoxos:
“há latifúndio, monocultura e escravidão, como há metrópoles,
cidades mortas, fronteiras; há caboclos, barões, burgueses e
imigrantes, como amores, preconceitos, maldades, negócios” (p.10).
Desde a chegada ao país, a cafeicultura desempenhou um papel importante na
formação do Brasil. Principalmente a partir do século XIX, o plantio e a comercialização do café
relacionaram-se diretamente com os rumos da economia e da política nacional. O café no
Brasil criou e povoou cidades, moldou costumes e hábitos, formou classes sociais, constituindo
uma “cultura do café” que se faz presente em várias instâncias da sociedade e economia
(SANDALJ, 2003).
Bastante inserido aos nossos hábitos do cotidiano do Brasil, o “cafezinho” é um dos
melhores símbolos do bem receber, pois servir esta bebida, partilhar uma conversa no balcão
do botequim, da padaria, em casa, no restaurante ou no bar, é viver o momento do encontro.
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Artigo, Vol. 2, Nº 2, Ano 2013
Café com leite, café carioca, com um pouco de água, café pingado, café puro; café na xícara
ou no copo, na xícara de porcelana, é sempre um prazer, uma emoção; pois ele estimula, faz a
gente estar pronto para o dia, arremata as refeições, complementa sabores de doces, logo
após a sobremesa (LODY, 2008).
Além de ser um alimento amplamente consumido possui importância significativa em
termos políticos, econômicos e comerciais para diversos países do mundo. O Brasil se destaca,
pois é o país que apresenta a maior parcela da produção mundial do café. Em relação ao
consumo, o país se encontra em segundo lugar no ranking dos países que mais consomem a
bebida (FLORES et al., 2000). De acordo com a ABIC (Associação Brasileira da Indústria do
Café), o consumo per capita foi de 6,18 kg de café em grão cru ou 4,94 kg de café torrado em
2012, o que corresponde a quase 83 litros para cada brasileiro por ano, registrando uma
evolução de 1,23% em relação ao ano anterior. Os brasileiros estão consumindo mais xícaras
de café por dia e diversificando as formas da bebida, adicionando ao café filtrado consumido
nos lares, também os cafés expressos, cappuccinos e outras combinações. O consumo per
capita brasileiro continua sendo um dos mais elevados, mesmo quando comparado com o de
países europeus. Os campeões de consumo, entretanto, ainda são os países nórdicos –
Finlândia, Noruega, Dinamarca – com um volume próximo dos 13 kg/por habitante/ano.
Diante do exposto, este trabalho teve o objetivo de examinar a presença do café na
gastronomia brasileira, fazendo referências a sua importância política, econômica e social
desde sua chegada ao país.
Metodologia
Foram realizadas pesquisas bibliográficas em livros de gastronomia, sociologia, história e
economia brasileira; e sítios virtuais, com periódicos buscando informações sobre o café, como
consumo, economia, baseados na cafeicultura, influências políticas, entre outros; pesquisas
realizadas para estudo do hábito do café, sua demanda no mercado e a evolução de seu
consumo em relação ao público brasileiro; informações atuais sobre exportações do café
brasileiro no site oficial do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento.
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Artigo, Vol. 2, Nº 2, Ano 2013
Resultados e Discussão
Origem
Arbusto encontrado nas montanhas etíopes, o cafeeiro (Coffea arabica), foi levado para
o Iêmen entre os séculos V e XIV. Consumido na Etiópia com manteiga sob a forma de pasta, o
café tornou-se uma bebida na Arábia do Sul: os grãos contidos no fruto eram torrefeitos,
reduzidos a pó num pilão e lançados na água fervente. No final do século XV, em Meca, já
existiam estabelecimentos os quais o café era servido; além disso, a grande metrópole do
Cairo revelou-se, desde os primeiros anos do século XVI, um importante centro de consumo.
Em seguida, o uso do café ganhou o Oriente Médio, em Constantinopla, quando os primeiros
botequins foram abertos por volta de 1554 (FLANDRIN & MONTANARI, 1998).
De acordo com Werle e Cox (2008), foi um pastor etíope que notou que seus animais
ficavam cheios de energia depois de comer certas bagas. Ele apanhou algumas e fez uma
infusão e ao bebê-la sentiu os mesmos efeitos estimulantes. Nascia assim a primeira xícara de
café. O café vem de três tipos de grãos: o arábica, que é o de melhor qualidade e tem pouca
cafeína; o robusta, que é forte e tem muita cafeína e o libérica, que é um grão médio. O café
pode ser feito de um único grão ou de uma combinação de grãos. O sabor e o aroma
dependem da origem do grão, da torrefação e da combinação. Um alto ponto de torrefação
proporciona um café forte, amargo e de cor profunda. Um ponto médio dá um café forte e
homogêneo e um baixo ponto de torrefação produz um café de sabor delicado.
A decocção do café cru produz uma bebida insignificante, mas a carbonização desperta
um aroma e forma um óleo que caracterizam o café tal como o bebemos e que ficariam
desconhecidos sem a intervenção do calor. Os turcos, que são mestres no assunto, não
empregam o moinho para triturar o café, esmagam-no em almofarizes com pilões de madeira, e
quando esses instrumentos são empregados por muito tempo com essa finalidade, tornam-se
valiosos e são vendidos a um preço elevado (SAVARIAN, 1995).
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Artigo, Vol. 2, Nº 2, Ano 2013
“Cafés” e Hábito de “tomar café”
Foi em Meca que surgiram as primeiras cafeterias, conhecidas como Kaveh Kanes.
Cidades como Meca, eram centros religiosos para reza e meditação e a religião muçulmana
proibia o consumo de qualquer tipo de bebida alcoólica. Desta forma, os Kaveh Kanes se
transformaram em casas onde era possível se passar a tarde conversando, ouvindo música e
bebendo café. A bebida conquistou Constantinopla, Síria e demais regiões próximas. As
cafeterias tornaram-se famosas no Oriente pelo seu luxo e suntuosidade e pelos encontros
entre comerciantes, para a discussão de negócios ou reuniões de lazer (TAUNAY, 1939).
Na Turquia, o “hábito do café” se popularizou e transformou-se em ritual de
sociabilidade. A população expressiva que abrigava palácios e mesquitas requintadas em
Constantinopla viu o surgimento do “Café”, estabelecimento aberto ao público. Data de 1475 a
abertura daquele que é considerado o primeiro Café do mundo - o Kiva Han - marco do
consumo generalizado da bebida (MARTINS, 2009).
O hábito de tomar café parece ter-se popularizado no Iêmen em meados do século XVII.
Por volta de 1510, já havia chegado à Meca e ao Cairo. O café livrou-se de suas associações
religiosas originais e transformou-se numa bebida social, vendida em xícaras nas ruas, na
praça do mercado e depois em cafés públicos devotados à bebida. Os cafés públicos, ao
contrário das tabernas ilícitas comercializadoras de álcool, eram locais onde as pessoas
respeitáveis podiam se permitir serem vistas (STANDAGE, 2005).
Antes das cafeterias se tornarem moda na Europa, elas já eram comuns na Turquia. A
primeira que se tem notícia chamava-se Kiva Kan e surgiu em 1457, em Istambul. Foi também
os turcos que inventaram a primeira cafeteira, um recipiente de cobre batizado de ibrik. Na
Turquia e nos países árabes, o hábito do café turco permanece até hoje e o utensílio na
preparação ainda é o mesmo (FREIXA & CHAVES, 2012).
O café turco entrou no ocidente graças às transações dos portos mediterrâneos com o
oriente. Os venezianos conheceram essa bebida oriental desde 1570, mas o consumo nas
cidades italianas só se desenvolveu no início do século XVII. Como detestavam a borra do café
turco, os italianos tentaram eliminá-la, adotando uma preparação que consistia em lançar água
fervente em cima do pó de café colocado num filtro. Os estabelecimentos italianos que vendiam
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Artigo, Vol. 2, Nº 2, Ano 2013
café se tornaram espaço de reunião e convivialidade; em geral, tinham uma decoração
sofisticada e seu número foi aumentando no decorrer do século XVIII (FLANDRIN;
MONTANARI, 1998).
As cafeterias desenvolveram-se na Europa durante o século XVII, quando florescia o
Iluminismo e se planejava a Revolução Francesa. Na cidade de Veneza foi aberto em 1683 o
Café Florian, a primeira cafeteria conhecida da Itália. Segundo historiadores, Francisco
Procópio de Colteli, um siciliano, abriu em 1686, a primeira cafeteria francesa, com o nome de
Lê Procope, em Paris. Tratava-se de um café-litteráire, pois também se afixavam notícias
diárias, fazendo do estabelecimento um centro de informações e discussões políticas e
literárias. Em Londres, durante 1687, foi aberta a Lloyd’s Coffee House. Sabe-se, porém, que
antes disso, em 1650, já haviam casas de café em Oxford. Em 1698, os holandeses levaram o
café para o Ceilão e em 1699, para a ilha de Java (VENTURI, 2010).
O hábito de tomar café também pode se tornar um costume exótico, como por exemplo,
o café Kopi Luwak, produzido na ilha de Sumatra, que é adocicado e tem um leve gostinho de
caramelo e chocolate. Seus grãos são digeridos por um animal chamado luwak, pequeno
mamífero asiático que vive nas árvores da região cafeeira, depois os grãos de café são
colhidos diretamente de suas fezes pelos camponeses indonésios. Os grãos intactos são então
tratados, higienizados, torrados e vendidos por cerca US$ 1 mil o quilo. Seu alto custo decorre
da raridade, produção de 230 kg por ano. Nosso similar tupiniquim é o Jacu Bird Coffee,
produzido na região serrana do Espírito Santo por um pássaro vegetariano chamado jacu. A
pequena produção é exportada para os Estados Unidos, Japão e Inglaterra (SALDANHA,
2011).
Dentre as bebidas mais consumidas pelos brasileiros, como água, leite, suco natural e
refrigerante, o café se destaca. As motivações para o consumo de café estão relacionadas aos
hábitos de consumo, ao prazer e ao sabor. Muitos consumidores associam a bebida à
descontinuidade de rotina, tanto em casa como no trabalho, com o potencial de reanimar ou
relaxar, seja no trabalho ou em situações sociais com amigos. O consumo de café reúne uma
série de fatores sociais e comportamentais que varia de acordo com o tipo de consumidor. Em
geral, o café é consumido sob forte impacto social, pois guarda um simbolismo social e ao
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Artigo, Vol. 2, Nº 2, Ano 2013
mesmo tempo cultural e místico (ARRUDA et al., 2007).
Cultura cafeeira: Importância Social, Econômica e Política no Brasil
O café chegou ao Brasil em 1727, por meio do sargento-mor Francisco de Mello Palheta,
oficial português. Ele recebeu as mudas do grão pelas mãos da esposa do governador da
Guiana Francesa. Plantado a princípio no Pará, o café seguiu para o Rio de Janeiro por volta
de 1776. A cultura desta bebida rapidamente se expandiu pelo país, sobretudo por ter
empregado mão de obra mais barata que a cultura do açúcar, deixando para trás outros
produtos comerciáveis. Os padres capuchinhos do Rio de Janeiro, a quem o governador
Gomes Freire de Andrade, Conde de Bobadela, confiara algumas plantas por volta de 1760,
possibilitaram a expansão e a cultura desse produto, que constituiu na época, o mais
importante objeto de comércio do Brasil (FREIXA & CHAVES, 2012; LIMA, 1999).
O latifúndio do café seguia de perto o esquema do engenho de açúcar nordestino
segundo a sua tendência de autossuficiência, com a produção de bens de consumo local, a
chamada agricultura de subsistência. Possuía a sua “casa-grande”, a senzala dos escravos ou
a colônia dos trabalhadores pagos, suas oficinas de pequenos serviços, suas criações, etc.
Com o desenvolvimento das ferrovias, em 1850, esse isolamento foi reduzido e o café paulista
recebeu impulso maior, chegando mais rapidamente ao consumidor (FERNANDES, 2012).
A produção cafeeira em larga escala coincidiu com implantação da monarquia no Brasil.
A corte que acompanhou a família real criou raízes no território brasileiro e formou um
poderoso grupo contrário ao retorno de D. João VI (PRIORI & VENANCIO, 2004). O roteiro do
café foi econômico, político e social. Todo um sistema político se erigiu sobre a economia
cafeeira, a única que, efetivamente, sustentava São Paulo e o Brasil, representando a quase
totalidade de nosso comércio exterior. Foi graças à economia cafeeira que se formou em São
Paulo uma categoria de empresários, a cuja decisão o Brasil deve a sua industrialização, a
mudança socioeconômica e consequentemente sua mudança política (SCANTIMBURGO,
1980).
Entrou em São Paulo no final do século XVIII, e aos poucos se firmou como o maior
produto brasileiro de exportação, deslocando o eixo da economia do Nordeste açucareiro para
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Artigo, Vol. 2, Nº 2, Ano 2013
a região Centro-Sul do país. Em 1859, o Rio de Janeiro respondia por 78,4% da produção
nacional, enquanto São Paulo contribuía com 12,1%. Nas últimas décadas do século XIX, com
o esgotamento das terras fluminenses o café alcança o planalto paulista, iniciando então a sua
marcha para o Oeste (FERNANDES, 2006).
As exportações de café foram o instrumento de crescimento durante quase todo o século
XIX. Além disso, na última parte desse século, a economia cafeeira transferiu-se para São
Paulo, de modo que o centro econômico mudou gradualmente para essa região, onde
permanece até os dias de hoje. Efeitos secundários da economia cafeeira paulista – emprego
de mão de obra imigrante livre, investimento estrangeiro na infraestrutura, acúmulo de capital
de produtores de café e o desenvolvimento da indústria - aprofundaram o dualismo regional
entre o Centro-Sul e o restante do Brasil, principalmente o Nordeste (BAER, 2007).
Tratando-se de uma economia agro-exportadora dependente do mercado internacional,
a economia cafeeira, dentre a qual se inseria o processo de ocupação territorial de São Paulo,
teve o seu ritmo de desenvolvimento alterado em sintonia com as oscilações de seu produto no
mercado mundial. Encontra-se bem estabelecida, na bibliografia especializada, a ocorrência de
duas grandes ondas de disseminação da cultura do café, entre 1888 e 1930, que
transformaram política e socialmente o interior paulista no período em questão (SILVA &
SZMRECSÁNYI, 2002).
O aumento excessivo da capacidade produtiva do café nos anos de 1920 culminou com
duas super safras seguidas, em 1927 e 1929, que levaram à derrocada do esquema de
retenção de estoques do produto. O colapso do café arrastou consigo o próprio regime político,
derrubado pela Revolução de 1930. A crise do café, seguida da Grande Depressão, abriu
espaço para uma nova era na história econômica do Brasil (FERREIRA et al., 2013). Para
apoiar o setor, o governo brasileiro fundou o Conselho Nacional do Café em 1931 e comprou
todo o café, queimando os excedentes que não podiam ser vendidos ou comercializados, e
incluiu medidas para ajudar aos produtores rurais endividados (BAER, 2007). A
descentralização da cultura cafeeira no Brasil provocou diversas mudanças, e entre elas, a
inserção de duas classes: a burguesia industrial e o proletariado urbano, que marcaram
decisivamente a sociedade nacional (PEREIRA, 2003).
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Artigo, Vol. 2, Nº 2, Ano 2013
Entre 1945 e 1954, o preço do café foi elevado, com base no preço-teto estabelecido
pelos Estados Unidos durante a guerra, tendo então um forte estímulo à expansão de seu
cultivo no Brasil e em outros locais como Colômbia e África. Outro período de superprodução
estava por vir entre 1950 a 1960, as compras dos excedentes de café por parte do governo
exerceram forte pressão sobre os gastos do Tesouro. Apesar das mudanças ocorridas, o café
permanece sendo uma cultura importante em diversas regiões do Brasil, porém, nada
comparado o seu papel histórico no centro da economia e sociedade brasileiras (GIAMBIAGI et
al., 2005).
A grande lavoura do café possuiu significação ímpar tanto para lançar luz sobre a
interpretação sociológica do passado remoto, quanto para ajudar a compreender
sociologicamente o passado recente da sociedade brasileira. A emancipação política, o
impacto econômico resultante da internacionalização do capitalismo comercial e a dinamização
da grande lavoura como polo vital da economia interna criaram condições que explicam como e
porque o ciclo do café assumiu uma feição própria (FERNANDES, 2006).
Consumo
O chá e o café são as bebidas mais consumidas no mundo e sua popularidade tem a
mesma raiz que a das ervas e especiarias. Os materiais vegetais que são feitos incorporaram
defesas químicas que nós, seres humanos, aprendemos a diluir, modificar e apreciar. Os grãos
de café têm a cafeína, um alcalóide amargo e compostos fenólicos. A semente do café contém
proteínas, carboidratos e óleos, a qual é transformada pelo calor intenso, resultando em um
robusto resumo de todos os sabores e alimentos tostados. O Brasil, o Vietnã e a Colômbia são
os maiores exportadores de café, já os países africanos, berço do café, respondem por cerca
de um quinto da produção mundial (McGEE, 2011).
A infusão do café é, de longe, o produto final mais importante obtido através das
sementes de café torrado e moído. Possui efeitos benéficos que são atribuídos exclusivamente
ao seu composto mais investigado: a cafeína. Porém, outros compostos também são
encontrados, tanto nos grãos verdes quanto no processo de torrefação, onde são
desenvolvidos também compostos aromáticos e de sabor. Como exemplo, podem ser citadas a
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Artigo, Vol. 2, Nº 2, Ano 2013
melanoidina, que possui atividade antioxidante e a serotonina, que atua como
neurotransmissor do sistema nervoso central, assim como seus precursores L-triptofano e 5-
hidroxitriptofano (ESQUIVÉL & JIMÉNEZ, 2011).
O processamento básico do café (Figura 01) consiste na colheita dos grãos verdes, que
são levados para o procedimento de secagem. Durante esta etapa os grãos são separados
pelo grau de umidade e pode ser de dois tipos: terreiro (exposição dos grãos ao sol em
terreiros) ou através de secadores mecânicos (câmaras de aquecimento, as quais se gastam
menos tempo), com o propósito de atingir 11% de umidade. Posteriormente, tem-se o processo
de torrefação, no qual os grãos são aquecidos ao ponto de torra, sendo responsável pela
caracterização do sabor e aroma do café, bem como suas mudanças físicas e químicas. Após
este processo, tem-se a moagem, que tem o objetivo de aumentar a superfície dos grãos,
facilitando sua dissolução na água, também influenciando no aroma e no sabor.
Posteriormente, tem-se o envase, evitando-se contato com oxigênio e gás carbônico para
finalmente, ser armazenado em embalagens com controle eficiente de umidade (ABICc, 2013).
Figura 01 - Fluxograma do
Processamento básico do café.
Fonte: Autoria própria, baseado
em ABIC, 2013.
29
Artigo, Vol. 2, Nº 2, Ano 2013
O café é um dos poucos produtos agrícolas que passa por secagem, fermentação,
caramelização e Reação de Maillard, resultando em um sabor complexo. Por trás deste sabor
existe um equilíbrio de acidez, amargor e adstringência. Até um terço do amargor é devido à
cafeína, de extração rápida; o restante vem de substâncias de extração mais lenta: compostos
fenólicos e pigmentos resultantes das reações de escurecimento. Mais de oitocentos
compostos aromáticos foram identificados no café. Estes fornecem notas descritas como
acastanhadas, terra, florais, frutadas, manteiga, chocolate, canela, chá, mel, caramelo, pão,
carne assada, especiarias, etc (McGEE, 2011).
O café torrado é composto por uma série de substâncias como carboidratos (38-42%),
lípidios (11-17%), proteínas (10%), minerais (4,5 -4,7%), cafeína (1,3-2,4%), entre outros.
Também já foram encontrados 850 compostos voláteis, sendo 40 responsáveis pelos aromas
característicos do café (BELITZ et al., 2009). Em relação às suas propriedades funcionais,
estudos recentes mostram que o café pode ser considerado um alimento funcional, uma vez
que há presença de grandes quantidades de polifenóis antioxidantes chamados ácidos
clorogênicos que, durante a torra dos grãos, formam quinídeos, compostos bioativos com efeito
citoprotetor e que exercem papel positivo no controle da depressão (ALVES et al., 2009). Além
da cafeína, o café apresenta lactona, cuja atuação beneficia a atividade cerebral. O consumo
diário de café faz com que o cérebro esteja mais atento e capaz para as atividades intelectuais,
além de estimular a memória, atenção e concentração, diminuindo ainda a ocorrência de apatia
e depressão (GELEIJNSE, 2008).
Outro motivo para o aumento do consumo do café é a percepção de seus benefícios à
saúde, que estão relacionados com sua composição nutricional. De acordo com alguns
estudos, atuam na prevenção de alguns tipos de doenças como diabetes tipo II, a qual os
ácidos clorogênicos e produtos de sua degradação que durante a torra diminuem os níveis de
glicose; asma, sendo a cafeína responsável pelas propriedades bronquiodilatadoras e redução
da fadiga muscular respiratória; cirrose alcoólica (cafeína, o cafestol, kahweo e polifenóis);
determinados tipos de cancro; doença de Parkinson e Alzheimer (ALVES et al., 2009;
MARQUINA et al., 2013).
De acordo com pesquisas realizadas pela ABIC em 2012, o consumo do café aumentou
30
Artigo, Vol. 2, Nº 2, Ano 2013
no Brasil, permanecendo o doméstico em nível alto, com cerca de 95%, enquanto outras
categorias de produtos tiveram aumento, como sucos prontos e bebidas à base de soja. Isso foi
o estímulo para a indústria de café inovar na produção de produtos diferenciados, como cafés
gourmets e de melhor qualidade (ABICa, 2013).
Após o boom do consumo do café, surgiu uma nova profissão, a de barista. A profissão
surgiu por volta dos anos 1950, quando aparecerem às máquinas de café na Itália. Conhecido
como o “sommelier” do café, trata-se do profissional responsável por tirar o café expresso da
máquina e preparar drinks combinando-os com frutas, bebidas alcoólicas, leites vaporizados,
chantilly, entre outros ingredientes. Este deve conhecer bem a matéria-prima, diferenciar grãos,
pontos de torra, saber operar a máquina e geralmente é o responsável pela produção do
cardápio de cafés em restaurantes e lugares especializados (BRASIL, 2010). Além do mais,
existem os profissionais com qualificação mais elevada, ou seja os profissionais que trabalham
com degustação, produção ou até compra e venda de grãos, isto é, o “Q-Grader” que pode ser
traduzido como “Avaliador Q” (Q de “Qualidade) e se refere a uma certificação mundial dada a
profissionais de classificação e degustação de cafés. Ela pertence ao “Q Grader System”, uma
série de exames práticos desenvolvidos pelo Instituto de Qualidade do Café (CQI), órgão que
trabalha para uma maior qualidade cafeeira. Vinte e duas provas são aplicadas no profissional
que busca esta certificação,realizadas em 5 dias e são baseadas nos métodos da SCAA
(Associação de Cafés Especiais da América), associação internacional que foca cafés
especiais e de qualidade (TAVARES, 2007).
O café é uma bebida universal e está presente em todos os lugares. Por sua
versatilidade, compõe receitas culinárias que vão do aperitivo à sobremesa e até em muitos
pratos salgados. Algumas das receitas famosas são: capuccino, café brasileiro, café vienense,
irish coffee, bolo moka, suspiros e balas de café. O capuccino normalmente é preparado com
leite e chocolate, mas também existem outras receitas; o brasileiro com leite condensado e
cachaça; vienense com chocolate, creme de leite, raspas de laranja e canela; irish com whisky
irlandês e creme de leite. Produtos como bolos, mousses, cremes, sorvetes, tortas e carnes
podem ser preparados com o café, conferindo sabor diferenciado e acentuado às preparações
(TÁVORA, 2005).
31
Artigo, Vol. 2, Nº 2, Ano 2013
O crescimento da produção de café tem sido impulsionado por vários fatores, entre os
quais se destacam: aumento dos preços, decorrente principalmente de problemas climáticos,
políticas agrícolas das nações produtoras e países desenvolvidos visando o combate à
pobreza, inovação tecnológica, como por exemplo, técnicas de fertiirrigação que melhoraram a
produtividade e a desvalorização cambial em países produtores (SAES, 2009). Novos manejos,
instalações de beneficiamento otimizadas, marketing qualificado, embalagens criativas,
máquinas sofisticadas, espaços de consumos charmosos, culinária ampliada e a divulgação
crescente de seus valores medicinais fazem do café, em tempos de globalização, grão de
consumo garantido nos mercados do mundo. Além disso, o aumento da concorrência em
relação a outros países produtores, como o Vietnã, fez com que a produtividade ficasse cada
vez mais competitiva em países como Brasil e Colômbia (MARTINS, 2009; NISHIJIMIA et al.,
2012).
A importância da melhoria da qualidade pode ser vista no lançamento do Programa do
Selo Pureza que a ABIC promoveu em 1989, que anunciou a pretensão de reverter a queda no
consumo de café que havia à época, por meio da oferta de melhor qualidade ao consumidor.
Este foi o primeiro programa setorial de certificação de qualidade em alimentos no Brasil.
Atualmente, certifica 1.082 marcas de café e já realizou mais de 53.000 análises laboratoriais
nesses 23 anos de existência e desde seu lançamento o consumo vem crescendo. Em 2004,
foi criado o Programa de Qualidade do Café – PQC, que hoje é o maior e mais abrangente
programa de qualidade e certificação para café torrado e moído, em todo o mundo. O PQC
certifica e monitora 496 marcas de café, com 105 cafés da categoria Gourmet, de alta
qualidade (ABICb, 2013).
Nas principais cidades inglesas, as cafeterias tornaram-se centros da vida política e
cultural. Em Londres temos como exemplos o Café Royal freqüentado por artistas e escritores
como Oscar Wilde; no Hogarth’s davam-se aulas de latim todas as tardes para os que
desejassem aprimorar o nível de instrução, e assim conquistar uma melhor colocação
profissional. Em 1660 durante o reinado de Carlos II, a corte inglesa passou a adotar o
consumo de chá, introduzida por sua mulher, a portuguesa Catarina de Bragança, levando ao
declínio dos cafés na Inglaterra; decisão esta do governo para promover o consumo de chá
32
Artigo, Vol. 2, Nº 2, Ano 2013
para intensificar o intercâmbio entre com a Índia e a China (FRANCO, 2006; FREIXA &
CHAVES, 2012).
Sennett (1994) relata que o espaço do restaurante contribuiu bastante para o aumento
da presença social do indivíduo, e que foi responsável pela criação de certos tipos de decoro e
regras de sociabilidade. O autor dá o exemplo das casas de café como espaço de convivência
de homens de diferentes classes sociais, motivados pelo interesse do que se acontecia no
setor público e no mundo dos negócios. Assim, via-se esta convivência como um benefício,
pois vencia as barreiras de classes sociais, pois era considerado um local novo, onde
estranhos relacionavam-se, onde pelo preço de uma bebida, qualquer indivíduo poderia estar
fisicamente próximo a outros e poder iniciar uma conversa com quem se desejasse.
É bem verdade que a intensificação do luxo para a gastronomia tenha alavancado seu
status a partir da inclusão de certos produtos, inicialmente na mesa da nobreza e aristocracia,
como o açúcar, o café, o chá e o cacau. Tais alimentos eram símbolos de luxo porque
custavam caro e quem os possuía assegurava uma clara divisão entre nobreza e plebe, ricos e
pobres, senhores e escravos. Fato que mudou hábitos alimentares e ajudou no crescimento do
capitalismo. Hoje, os cafés são destinados a um público bastante eclético, que aliam charme à
modernidade. As cafeterias ganharam espaços nas ruas e shoppings centers, firmando-se uma
ótima opção para negócio (COSTA, 2012). O interesse pela inserção de cafeterias no Brasil
surgiu por se tratar do comércio de um produto tradicional da agricultura de nosso país, o café,
o servir deste exige um conjunto de fatores relacionados à satisfação subjetiva que vai além do
anseio de mitigar uma necessidade, mas envolve hábito que faz parte do cotidiano dos
brasileiros (SANTOS, 2011). A cafeteria, ou o “Café”, é um dos negócios mais charmosos e
tradicionais do segmento de alimentação. A satisfação pessoal vai além da gastronomia pura.
Tomar café requer um ritual, seja conversando com amigos, lendo a revista preferida, o jornal
do dia, ou até mesmo para tirar um tempo para pensar, para planejar e quem sabe, até mesmo
para não se fazer nada (SEBRAE, 2013).
O crescimento desse mercado no Brasil deve-se ao constante aperfeiçoamento do setor.
Aumento dos pontos de venda, diversificação e comercialização de novos tipos de café e
33
Artigo, Vol. 2, Nº 2, Ano 2013
principalmente, a ampliação do padrão de qualidade em todas as etapas de produção, do
cultivo à torrefação, resultando numa degustação prazerosa e de renome. Também não se
deve esquecer que muito se deve ao hábito de consumo, que já é bastante apreciado no Brasil
(TÁVORA, 2005).
O aumento do consumo do café também é resultado da exigência do consumidor por um
produto de qualidade além da crescente a preocupação da sociedade com saúde e meio
ambiente. Passaram a valorizar métodos de produção agrícola que garantam produtos
seguros, cuja produção seja menos agressiva sob os aspectos socioambientais. Os preços
desses cafés diferenciados no mercado nacional e internacional são mais atraentes para os
produtores, como consequência da qualidade do produto, valorização de produtos sustentáveis
e menor oferta (MOREIRA, 2004; RICCI & NEVES, 2004). Um exemplo dessas técnicas
inovadoras é o cultivo do café sombreado. O cultivo sombreado predomina na maioria dos
países produtores, exceto o Brasil, que possui poucas áreas, prevalecendo assim, o cultivo em
pleno sol. Sistemas sombreados de café aumentam a biodiversidade nas propriedades e
contribuem para a mitigação do aquecimento global, além de apresentarem vantagens como
menor pressão de pragas e doenças, melhoria nas condições hídricas e térmicas, promovendo
maior ciclagem de nutrientes e melhor qualidade nos grãos (MOREIRA, 2009).
Atualmente, o Brasil é considerado o maior produtor e exportador mundial de café, e
segundo maior consumidor. Em 2012, o produto representou 6,7% das exportações brasileiras
do agronegócio. Juntamente com este crescimento, investimentos têm sido feitos com objetivo
de desenvolver tecnologias promotoras de competitividade, sustentabilidade, inovação e novas
tecnologias da cafeicultura brasileira. Além disto, a cadeia produtiva do café gera mais de oito
milhões de empregos no país, proporcionando renda, acesso à saúde e à educação aos
trabalhadores e suas famílias (MAPA, 2013).
Conclusão
É inegável o papel de destaque do café na construção da sociedade, da política e
principalmente da economia brasileira. Isso foi demonstrado em toda a sua evolução, do cultivo
em pequenas regiões do Nordeste às grandes fazendas, principalmente localizadas no
34
Artigo, Vol. 2, Nº 2, Ano 2013
Sudeste do Brasil, onde através dos grandes “barões do café” tornaram-se um dos maiores
exportadores da época, auxiliando a alavancar o processo de industrialização do país, presente
na época da abolição de escravos e da consagração da República do país, além de estimular a
vinda dos imigrantes, principalmente em terras paulistas.
Esse estudo permitiu valorar o café desde sua a introdução no Brasil, há 286 anos. O
brasileiro de diferentes gerações aprendeu a cultivar o café e saborear esta bebida, com
destaque nas últimas décadas ao tornar-se uma bebida matinal obrigatória e nomeou a “hora
do cafezinho”, como o melhor horário do dia para aliviar o stress, constituindo-se em
oportunidade de socializar com familiares, amigos ou colegas de trabalho.
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Recebido em 27/07/2013
Aceito em 14/10/2013
38
Artigo, Vol. 2, Nº 2, Ano 2013
Gastronomia e Turismo Cultural: reflexões sobre a cultura
no processo do desenvolvimento local
Gastronomy and Cultural Tourism: reflections about
culture in the process of local development
Rafael C. Ferro1
Resumo
O turismo e a gastronomia sempre estiveram presentes na vida do ser humano. Da
crescente conscientização da importância que estas atividades causam na essência e
construção do indivíduo e na sociedade na qual ele faz parte é que surge a oportunidade de
utilizar estes conceitos como meios de atividade econômica, o que poderá gerar consequências
diretas e indiretas, negativas ou positivas para o local na qual está inserida. Este artigo cria
reflexões, a partir de pesquisa bibliográfica, sobre as consequências que a gastronomia como
produto da atividade turística – principalmente no turismo cultural – pode trazer e quais
benefícios e/ou malefícios o local possivelmente receberá diante destas várias perspectivas,
sempre com base na óptica sustentável das ações.
Palavras-chave: Cultura, Gastronomia, Turismo, Desenvolvimento Local, Sustentabilidade.
Abstract
Tourism and gastronomy have always been present in human life. The growing
conscientiousness of the importance that such activities cause on the essence and construction
of the individual and the society in which it is part, the opportunity arises to use these concepts
1 Graduando em Gastronomia no Centro Universitário SENAC Campus Campos do Jordão. rafacferro@gmail.com
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Artigo, Vol. 2, Nº 2, Ano 2013
as ways of economic activities, which could generate direct and indirect consequences,
negative or positive the location in which it is inserted. This article creates reflections from
bibliographic research on the consequences that gastronomy as a product of tourism -
especially in cultural tourism - can suffer and what benefits and / or harmful effects the place
possibly receive through multiple perspectives, always based with a view of sustainable actions.
Keywords: Culture, Gastronomy, Tourism, Local Development, Sustainability.
Introdução
As viagens e a gastronomia sempre estiveram presentes na vida do ser humano, seja
por necessidade biológica, como meio de sobrevivência; por pura satisfação dos desejos, para
saciar curiosidades de novas experiências; ou por imposição da sociedade, por meio religioso,
cultural e econômico em que o indivíduo se encontra no determinado momento da história.
Com a crescente conscientização da importância que estas atividades causam na
essência e construção do indivíduo e na sociedade na qual ele faz parte, é que surge a
oportunidade de utilizar estes conceitos como meios de atividade econômica, ou seja, gerar
renda a partir da gastronomia e do turismo, com uma visão estratégica de negócios, com o
intuito de atender as possíveis necessidades supracitadas.
Mas, toda atividade econômica poderá gerar consequências diretas e indiretas,
negativas ou positivas para o local no qual está inserida, pois se aproveita de muitos recursos
para o seu pleno funcionamento, como a mão-de-obra e os clientes (recursos humanos e
sociais), o meio ambiento (recursos naturais), o espaço que ocupa e os fluxos de pessoas que
poderá gerar (recurso espacial), os deveres e direitos locais (recursos políticos) e, no caso do
turismo cultural e gastronomia, os saberes e fazeres da população local (recursos culturais).
Com o conhecimento de que a atividade econômica, com base no turismo e na
gastronomia, pode ser utilizada para o desenvolvimento local, resta ao presente artigo criar
reflexões, a partir de pesquisa bibliográfica, sobre as consequências que a gastronomia como
produto da atividade turística – principalmente no turismo cultural – pode sofrer e quais
benefícios e/ou malefícios o local possivelmente receberá diante várias perspectivas, sempre
com base na óptica sustentável das ações propostas por Sachs (2008), Rodrigues (1999) e
40
Artigo, Vol. 2, Nº 2, Ano 2013
Swarbrooke (2000).
O turismo cultural
Em todos os momentos históricos, as viagens sempre estiveram presentes. É uma ação
voluntária, determinada pela sociedade e que se representa como um componente ativo da
vida econômica, cultural e social dos homens. (LAGE, 2001)
Das primeiras grandes viagens caracterizadas pelos deslocamentos de longa duração e
realizadas, basicamente, por jovens da elite britânica é que se teve consciência da sua
importância e influência na formação do próprio indivíduo e sua personalidade, mesmo que
essa atividade estivesse restrita a poucos.
A formação dos valores a partir das comparações socioculturais entre os diferentes
locais visitados em relação ao local de origem do viajante tornou-se algo imprescindível para
“enriquecer o espírito pelo saber, corrigir o discernimento, suprimir preconceitos da educação,
polir as maneiras, em uma palavra: formar um gentleman completo.” (COSTA, 2009, p.26)
A forma massificada das viagens teve início após a segunda guerra mundial, no período
da revolução industrial, com as novas oportunidades de emprego e tempo livre – férias – dos
trabalhadores, além de outros contextos socio-econômicos da época como é retratado abaixo:
O turismo moderno originou-se dentro de um contexto social
amplo, com mudanças ocorridas nos modos de produção (que
determinariam quem viaja) e o desenvolvimento tecnológico (que
determinaria a forma que se viaja). A passagem do século XVIII para
o XIX é marcada na Europa por grandes transformações econômicas,
sociais e políticas, corporificadas na Revolução Industrial e na
Revolução Francesa, responsáveis por alterações significativas no
panorama geral do continente europeu. (COSTA, 2009 , p. 27).
A presença desse novo cenário gerou grandes fluxos de deslocamentos, ainda pela elite,
que o que estimulou o desenvolvimento da oferta nos serviços de transporte, hospedagem e
41
Artigo, Vol. 2, Nº 2, Ano 2013
alimentação.
Com a demanda em alta, houve uma preocupação maior quanto a melhoria dos serviços
prestado, que cresceu e deixou espaço para a criação do turismo como atividade profissional,
com a organização das primeiras excusões acompanhadas de um guia turístico. Logo em
seguida, os meios de hospedagem começam a se preocupar com a satisfação dos clientes
durante a sua estadia. (LAGE, 2001)
Observando a demonstração de status que este exercício poderia gerar, cidadãos
comuns também expandem suas atividades para este ramo. Com os mesmos moldes das
primeiras excursões, mas não com as mesmas intenções.
A década de 1970 marca o boom do turismo massificado2 [...].
O ato de viajar torna-se um fenômeno extremamente estandardizado
e revela a face mais negativamente impactante do turismo de massa,
a ponto de receber, mais recentemente, a denominação de turismo
“predador”. (COSTA, 2009, p. 30).
Aproveitando-se da participação do turismo no conceito econômico e financeiro,
empreendimentos da época alavancaram ideias de replanejamento estratégico desta atividade,
para atingir um número cada vez maior de pessoas de modo acessível. Este replanejamento
contou com ferramentas de segmentação, a fim de atingir as necessidades ou objetivos do
cliente.
Neste momento, as modalidades de turismo surgiram, dando origem a modalidade em
questão neste artigo, o turismo cultural.
O turismo cultural na visão de Swarbrooke (2000, p.35), é visto “como um turismo
sensível, suave e ‘inteligente’”, que utiliza recursos de setor público, privado ou voluntário.
2 Turismo massificado é constituído por “técnicas de economia de grande escala com grande volume de produção, hospedagem, transporte e técnicas avançadas de marketing”. (COOPER, 2007, p. 241). “A estruturação da experiência do turista de massa é totalmente superficial e ilusória: só consegue enxergar o local visitado protegido por um ‘bolha ambiental’ (materializada pelos hotéis de estilo americano, espalhados em cadeias internacionais, que lhe oferecem segurança do referencial familiar) e o que se vê são somente os ‘pseudoacontecimentos’, frutos da banalização e descontextualização das culturas visitadas, que transmutam de fonte de informação em simples bem de consumo sem autenticidade.” (COSTA, 2009, p. 31)
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Esses recursos envolvem locais, eventos, comida, história, arte e cultura de uma determinada
comunidade.
Como o próprio nome desta modalidade turística refere, a cultura é o fator de decisão
para o deslocamento do turista, ou seja, a escolha do destino da viagem. A maneira de reforçar
o motivo do turismo cultural utilizar tais recursos é conceituar a própria cultura, que segundo
Laraia (1997 apud CARNEIRO; OLIVEIRA; CARVALHO, 2010), “é um conjunto de valores,
crenças, costumes, hábitos e fatores históricos materiais e imateriais que permeiam, de forma
dinâmica, a vida social”.
[...] o interesse pela cultura sempre fez parte de uma
necessidade humana, encontrando nas diversas formas de turismo
um importante instrumento de legitimação. Com o maior
desenvolvimento e integração das sociedades e a ampliação do
conceito de patrimônio, o turismo cultural foi assumindo novos
contornos, com o aumento de reflexões, debates e teorizações acerca
do segmento. (CARNEIRO; OLIVEIRA; CARVALHO, 2010, p. 8).
Neste momento, o patrimônio, então, assume seus valores dentro da atividade turística,
sendo o turismo cultural, a tipologia que dá acesso a este recurso. Afirmando as palavras de
Swarbrooke (2000), Barreto (2000, p.19) complementa melhor todo o conceito: “entende-se por
turismo cultural todo o turismo em que o principal atrativo não seja a natureza, mas algum
aspecto da cultura humana.”
Gastronomia como Patrimônio Cultural
Por fazer parte do processo de culturalização, o hábito “é aprendido, esse aprendizado é
adquirido de modo inconsciente apenas pela imersão em determinado meio social.” (SLOAN,
2005, p. 3). Assim, reforça a identidade do povo e se traduz através de uma contrução social,
que pode, também, envolver religião, história e etnia.
Essa identidade que distingue cada grupo social é a matéria-prima para a criação do
patrimônio cultural, que concentra diversos valores agregados do seu processo de formação
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historico-cultural e ambientação para que confira sentidos de comunidade e seja preservado
com o tempo. (BARROCO, 2008)
O patrimônio cultural3 é a riqueza comum que nós herdamos
como cidadãos, transmitida de geração em geração. Constitui a soma
dos bens culturais de um povo. Ele conserva a memória do que
fomos e somos, revela a nossa identidade. Expressa o resultado do
processo cultural que proporciona ao ser humano o conhecimento e a
consciencia de si mesmo e do ambiente que o cerca. Apresenta, no
seu conjunto, os resultados do processo histórico. Permite conferir a
um povo a sua orientação, pressupostos básicos para que se
reconheça como comunidade, inspirando valores, estimulando o
exercício da cidadania, a partir de um lugar social e da continuidade
do tempo. (TOLEDO, 2003 apud BARROCO, 2008).
Com conceito de patrimônio, o ato de se alimentar deixa o campo de satisfação biológica
para imersão do socio-cultural, como meio de expressão decorrente das necessidades locais,
principalmente geográficas, aliadas aos fatores de construção social – “sobrevivência, saúde,
dieta, religião, longevidade, carência, ciência e cultura” (LIESELOTTE, 1978 apud FEITOSA;
SILVA, 2011, p. 3) - , dando origem à construção do gosto e, consequentemente, à
gastronomia.
Ela surge a partir da evolução do próprio homem, passando de coletor e caçador para
utilizador de técnicas avançadas na manipulação e produção dos alimentos, contribuindo para
o surgimento de muitos produtos típicos em cada grupo de indivíduos, sendo estes, utilizados
com o intuito de perpetuar hábitos e costumes. (CUNHA; OLIVEIRA, 2009)
Mais que só os prazeres da boa mesa, a gastronomia é observada como produto da
expressão cultural de um povo, permeando todas as sociedades. É cercada por simbolismos -
3 “Patrimônio cultural de um povo é formado pelo conjunto dos saberes, fazeres, expressões, práticas e seus produtos, que remetem à história, à memória e à identidade desse povo. A preservação do patrimônio cultural significa, principalmente, cuidar dos bens aos quais esses valores são associados, ou seja, cuidar de bens representativos da história e da cultura de um lugar , da história e da cultura de um grupo social, que pode, (ou, mais raramente não), ocupar um determinado território.” (BRAYNER, 2007, p. 12)
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o que se come, como se come, com quem se come, e quando se come - e gerada por
conceitos socio-antropologicos construídos através do tempo.
Atraves da alimentação, é possível visualizar e sentir tradições
que não são ditas. A alimentação é também memória, opera muito
fortemente no imaginário de cada pessoa, e está associada aos
sentidos: odor, visão, o sabor e até a audição. Destaca as diferenças,
as semelhanças, as crenças e a classe social a que pertence, por
carregar as marcas da cultura. (BARROCO, 2008, p. 4)
Deste modo, observa-se o encaixe da gastronomia e suas extensões como patrimônio
cultural, devido às suas propriedades de conexão com a formação histórica do indivíduo, sua
cultura, socialização e as características do ambiente na qual foi formada.
Turismo e Gastronomia: um novo cenário turístico
O patrimônio cultural e sua significativa importância na formação do ser humano torna-
se, cada vez mais, um atrativo turístico (CUNHA; OLIVEIRA, 2009), ainda mais no turismo
cultural, haja vista seu objetivo de interação e aprendizado com a vivência autêntica das
pessoas locais, seus costumes, história, artesanato, arquitetura, ou seja, toda a sua identidade
cultural agregada a elas. (MENEZES, 2013)
Esta busca de vivência no turismo cultural, não se concentra somente em objetos
tangíveis como restaurantes, museus e prédios históricos, mas, também, na intagibilidade de
sentimentos proporcionados pelos festivais, eventos culturais, tradições e produtos
gastronômicos. (SWARBROOKE, 2001)
Como “uma grande parte da experiência turística é passada ao comer ou a beber, ou
ainda, a decidir o quê e onde comer” (RICHARDS, 1999) no local, observa-se a relação
proposta por Quan e Wang (2004 apud Henriques e Custódio, 2010), entre a experiência
sensorial do consumo da comida, ou, a necessidade do turista se alimentar, já que se encontra
fora de sua residência habitual.
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Analisando somente a primeira relação do turista com a comida, é factível a capacidade
de atração turística que a gastronomia contém, ainda mais se regionalizada, onde concentra
uma maior autenticidade na sua construção social do gosto.
A gastronomia enquanto cultura, desperta curiosidades nas
pessoas e, como o turismo, é mediadora para saciar as inúmeras
curiosidades do turista, também, transmite ideia de status e classe
social não apenas para o turista como para a população. (CUNHA;
OLIVEIRA, 2009, p. 4)
Com a valorização da gastronomia como fator decisório para destinos turísticos e a
personalização dos serviços, surge a oportunidade de um novo cenário a ser abordado, que
segundo Scarpato (2003 apud SAMPAIO, 2009) denomina-se “Turismo Gastronômico”, que
pode ser entendido como uma sub-modalidade do próprio turismo cultural ou uma nova
segmentação do turismo.
Apesar de sua longa existência, ganhou maior espaço por conta da conscientização e
relavância da gastronomia nas viagens, como Schlüter menciona:
A gastronomia, sem dúvida, está ganhando terreno como
atração tanto para residentes como para turistas. Não só nutre o
corpo e o espírito, mas faz parte da cultura dos povos. (2003, p.89)
Turismo Gastronômico
O turismo gastronômico é dedicado ao público com maior grau de formação e em meia
idade que busca novas experiências, independente de valores. São mais flexíveis, pois se
utiliza das gastronomias locais e sua fidelidade com a reprodução de receitas típicas.
(CORDEIRO; MENEGAZZI, 2013)
Aos passos contrários da globalização dos destinos turísticos, o turismo gastronômico
visa o conceito de regionalidade, ou melhor, a valorização da culinária regional, que se difunde
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pelo mundo por uma outra denominação, o terroir4, que demonstra todas as qualidades das
individualidades de produções gastronômicas em uma determinada região.
O fenômeno da globalização, não só econômica como cultural,
tem levado as comunidades à recuperação e valorização do seu
legado cultural, à busca de valores locais e de elementos de
identificação na história e nas tradições, reforçando sua identidade
numa perspectiva global. Neste aspecto, na atividade
turística, as manifestações culturais das grandes cidades ou de
pequenas comunidades representam um potencial de diferencial
turístico. (RISCHBIETER; DREHER, 2007, p.1)
Richards também afirma a regionalização como meio de comunicação e marketing para
o turismo gastronômico:
Se a gastronomia pode ser ligada a um país específico ou
regiões, ela se tornará uma ferramente poderosa de marketing. A
autenticidade sempre foi vista como um importante aspecto do
consumo turístico, e procurando por autenticidade local e regional, a
comida pode se tornar motivo para visitação em um destino em
particular. (1999, p.12)
Hall e Mitchell (2003) conceituam este segmento como sendo o principal motivo do
deslocamento turístico para a visitação de produtores de comida; participação em festivais e
eventos de gastronomia; visitação à restaurantes e à localidades específicas de determinado
alimento e experiências culturais atribuídas especialmente à comida ou sua região produtora.
Com o crescimento do interesse neste setor em específico, o patrimônio cultural torna-se
4 Emprestado da Enologia (Estudo dos vinhos), o Terroir - “Em um sentido restrito, a palavra significa solo. Por extensão, e no uso comum, significa muito mais. Ela abrange o solo em si, o subsolo e as rochas abaixo dele, suas propriedades químicas e como estas interagem com o clima local e com o macroclima da região, para determinar tanto o mesoclima de um vinhedo específico como um microclima de uma determinada vinha.” (JOHNSON; ROBINSON, p. 26, 2008) – de uma localidade são todas as características, produções e produtos únicos de uma determinada região/localidade.
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um nicho de negócios que gera grandes fluxos turísticos e influi diretamente no
desenvolvimento local. (SIMEON; BUONINCONTRI, 2009 apud GIMENES 2012). Resta
observar suas influências, negativas ou positivas, no desenvolvimento sustentável de
localidades.
Turismo e desenvolvimento local sustentável
Ao indagar o sentido de desenvolvimento local sustentável, muitas vezes esbarramos em
um conceito supérfluo sobre o tema, o desenvolvimento econômico. Souza (1999, p.18) reforça
a ideia de que o “desenvolvimento não deve ser entendido, sublinhe-se, como sinônimo de
desenvolvimento econômico”.
Portanto, pode-se definir desenvolvimento como
Um processo intencional e autodirigido de transformação e
gestão de estruturas socioeconômicas, direcionado no sentido de
assegurar a todas as pessoas uma oportunidade de levarem uma
vida plena e gratificante, provendo-as de meios de subsistência
decentes e aprimorando continuamente seu bem estar, seja qual for o
conteúdo concreto atribuído a essas metas por diferentes sociedades
em diferentes momentos históricos. (SACHS, 2007 apud LIMA, 2012,
p. 31)
Este processo desenvolvimentista deverá ocorrer de maneira sustentável, ou seja,
atentando-se à capacidade do ambiente e ecossistemas de se recuperarem ou absorverem as
agressões criadas por ações antrópicas. Mas como o desenvolvimento, os conceitos acerca da
sustentabilidade também são vistos, na maioria das vezes, com apenas uma perspectiva, a
ambiental, não desmerecendo sua importância, é claro.
Sachs (2008) completa o conceito afirmando que um sistema sustentável deveria
contemplar, também, o meio social, econômico, político, espacial e cultural.
Ao trazer estes conceitos para o turismo de massa, o de maior impacto, observa-se que
ele possui ferramentas e índices significativos para o desenvolvimento, de maneira negativa ou
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positivamente, de uma região, como afirma Rodrigues (1999, p.17): esta atividade é
“icontestávelmente, um fenômeno econômico, político, social e cultural dos mais expressivos
das sociedades ditas pós-industriais”.
Em confirmação das palavras de Rodrigues citadas acima, a OMT – Organização
Mundial do Turismo – alega que:
Até o ano de 2020, calcula-se que haja cerca de 1,6 bilhão de
chegadas de turistas internacionais e que a receita turística
internacional atinja 2 trilhões de dólares. O turismo é um dos
principais setores socieconômicos mundiais, sendo um dos
componentes líderes do comércio internacional e representando uma
importante atividade para muitos outros países, chegando a contribuir
com 5% a 25% do PIB – produto interno bruto – de alguns países.
(1993 apud RODRIGUES; LIMA, 2012, p.32)
Desta forma, o potencial econômico do turismo, influencia, segundo Souza (1999), em
todos as perspectivas apontadas por Sachs:
O turismo de massa possui não apenas grande significado
econômico em muitos casos, mas também exerce impactos outros
igualmente relevantes, notadamente sobre a cultura e o espaço
(natural e, ou, social) da área receptora dos turistas. Atividade
complexa, de importância crescente e de significativo potencial de
impacto (positivo ou negativo) sobre as relações sociais e o ambiente.
(2008, p.17)
Mas, com todas essas ações do turismo e sua contribuição para o desenvolvimento
local, ele ainda não recebe sua devida importância, talvez pela diferença que o mesmo
apresenta em relação aos países, regiões e cidades, que pode, até mesmo, ser visto, como
algo intimamente relacionado apenas ao prazer e descanso, não tendo necessidade de ser
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Artigo, Vol. 2, Nº 2, Ano 2013
levado a sério. Rodrigues (1999, p. 25) aponta: “O planejamento do turismo é, em princípio,
complicado porque tem de conciliar os interesses de uma população que busca o prazer num
local onde outras pessoas vivem e trabalham. Satisfazer a ambas não é uma tarefa fácil.”
Portanto, sabe-se que o turismo é uma indústria séria e contribui para o
desenvolvimento, mas para uma análise minusciosa de todas as suas influências, positivas ou
negativas, no desenvolvimento local, utilizaremos de segmentação e partiremos para a
modalidade que cabe ao artigo, o turismo cultural.
O turismo cultural e suas consequências
Como a gastronomia é sinônimo de patrimônio cultural e o turismo cultural se utiliza,
basicamente, dessa ferramenta para seu sucesso, é possível realizar uma análise sobre o que
ela – a gastronomia – sofre quando o patrimônio é comercializado como produto – pelo turismo
– e que reações (positivas e/ou negativas) o desenvolvimento local recebe e quais as
consequências para cultura culinária como objeto de construção e necessidade da própria
essência da humanidade.
A cultura quando comercializada como produto básico de consumo, poderá gerar
sobrecarga de oferta até o ponto de saturação. Até a saturação ocorrer, a superutilização de
sítios culturais acarretaria em danos no patrimônio tangível e intangível, processo ainda mais
observado em caso do turista e a população da área receptora demonstrarem muito constraste,
o processo é explicado por Souza:
[...] assimetria de renda e as diferenças culturais podem ser
negativas e traumáticas; um grupo de pessoas buscando o prazer,
oriundas de uma realidade que consideram “superior” e dotadas de
grande poder de compra pode gerar muitas distorções entre uma
população mais pobre, seja direta [...] ou indiretamente. Além disso, a
cultura da população mais pobre também pode ver-se agredida (e
com isso a própria identidade coletiva). (1999, p.20)
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Artigo, Vol. 2, Nº 2, Ano 2013
Para ser comercializado, como em qualquer negócio, o produto deverá corresponder ao
desejo do consumidor. A maneira mais fácil de ocorrer este processo é com a padronização do
produto. No caso da cultura, a homogeneização advinda da globalização, pressão de grandes
organizações e fracasso do Estado em valorizar e proteger a cultura tradicional.
(SWARBROOKE, 2000)
E mesmo com possíveis políticas públicas de proteção à cultura, o controle local ainda
será o problema. A trivialização ou perda de autenticidade é indiretamente causada pela
própria população nativa, a fim de atender os turistas.
Danças tradicionais podem ser abreviadas para se adequar às programações de grupos
de turistas, e a cozinha tradicional pode ser internacionalizada para se tornar aceitável ao
paladar do turista. Por exemplo, a riqueza regionalmente diversa da cozinha italiana muito
facilmente pode se transformar em massas insipidas, e a ampla variedade dos pratos
espanhóis tradicionais muitas vezes é representada apenas pela paella. (SWARBROOKE,
2000, p. 43-44)
Resgatar e proteger culturas tradicionais de maneira exarcebada também poderá causar
impactos na população, fossilizando-as ou impedindo-as de manter o processo de
desenvolvimento “natural” da própria cultura.
Além da cultura ser afetada, a população e a economia local poderão sofrer
negativamente ao criar laços de necessidades com a atividade turística. Ofertas de empregos
em função de flutuações sazonais, baixa remuneração (observado em todo o mercado da
hospitalidade) e possibilidade de desvio do dinheiro que poderia ser investido no local.
(RODRIGUES, 1999; SWARBROOKE, 2000)
Tais exemplos se contrapõe a proposta do desenvolvimento sustentável, onde prioriza-
se a distribuição de renda de maneira equitativa, dinamização da economia regional e local,
conservação do meio natural e social, em uma visão geral, a melhoria da população.
O desenvolvimento do turismo sustentável vai ao encontro das
necessidades atuais dos turistas e das regiões anfitriãs e, ao mesmo
tempo, garante oportunidades para o futuro. É a gestão de todos os
recursos de tal forma que as necessidades econômicas, sociais e
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Artigo, Vol. 2, Nº 2, Ano 2013
estéticas possam ser satisfeitas mantendo-se, ao mesmo tempo, a
integridade cultural, os processos ecológicos essenciais, a
diversidade biológica e os sistemas de apoio à vida. (OMT apud
COOPER, 2007, p. 271)
A importância da gestão que a Organização Mundial do Turismo defende em relação
ao desenvolvimento do turismo sustentável pode ser encontrada em diversas referências, como
a de Carneiro, Oliveira e Carvalho:
Nesses casos, a adoção de um novo modelo de planejamento
e gestão no turismo emerge como alternativa para amainar os
impactos negativos decorrentes do processo de massificação dessa
atividade no meio ambiente natural e urbano, além de considerar as
interferências na dinâmica sócio-cultural das comunidades
receptoras. (2010, p. 15)
A OMT – Organização mundial do turismo (1998 apud MARIANI; DIAS; SILVA, 2008, p.
3) também não deixa de ressaltar a importância do planejamento turístico:
Assim, o turismo deve ser planejado, tendo como meta
principal a criação de benefícios sócio-econômicos para a sociedade,
mas ao mesmo tempo, manter a sustentabilidade deste setor, por
meio da conservação do meio ambiente e da cultura local.
A maneira mais fácil da prática do planejamento surtir efeito é integrar a comunidade ao
processo, com objetivo de trazer para o plano local um maior controle da economia, da
utilização dos recursos naturais, da valorização da mão-de-obra, respeito à cultura local, dentre
muitos outros fatores citados nesse artigo, que acabam por perder valor quando o objetivo
turístico é distorcido pela massificação e sobrecarga do local.
Vale ressaltar as palavras de Rodrigues (1999): “há que valorizar-se o lugar”.
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Artigo, Vol. 2, Nº 2, Ano 2013
A gastronomia como fator de desenvolvimento local
Ao recordar o conceito do turismo gastronômico e da gastronomia, observa-se o encaixe
desta atividades nas palavras propostas por Rodrigues (1999). E é neste momento em que a
gastronomia e o turismo gastronômico podem ajudar como um meio alternativo ao processo
massificado da atividade turística e contribuir para o desenvolvimento local de maneira
sustentável.
Swarbrooke (2000) propõe uma aproximação maior entre o turista e os produtores
regionais de alimentos, por meio de eventos, rotas de vinhos (enoturismo), fábricas e
produtores rurais de alimentos típicos.
“Quanto mais globalizadas as pessoas ficam, mais regionais
elas se tornam, por isso, pode-se dizer que o consumo do alimento
tradicional passa por uma afirmação da identidade do indivíduo”.
(ZUIN; ZUIN, 2008, p. 6).
Com a utilização dos produtos gerados ou confeccionados na região para o
fornecimento/abastecimento dos meios de alimentação local haverá uma contribuição para a
dinamização entre a economia rural/agrícola e a urbana. Com esta ação, o mecanismo de
valorização de produtos regionais terá finalidade de resgatar a história e a cultura da
gastronomia local. (ZUIN; ZUIN, 2008)
Por fim, Cordeiro e Menegazzi (2013) apontam em seu estudo que a gastronomia,
quando representa a tipicidade da cultura local, é base para impulsionamento do
desenvolvimento local, sendo gerador de riquezas em uma região, a partir do turismo. Mas
ressaltam o problema da falta de recursos humanos capacitados para o ramo da hospitalidade,
o que pode ser causa para a redefinição da cultura culinária para adequação do desejo do
consumidor.
Considerações Finais
A reflexão sobre a utilização do turismo para desenvolvimento sustentável toma grande
complexidade nas discussões acadêmicas e empíricas da sua atividade contemporânea. Sua
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relativa importância para tal objetivo, ganha, cada vez mais, a atenção merecida em algumas
localidades do mundo, visto que suas consequências como meio de atividade econômica
podem trazer benefícios ou malefícios no sentido social, cultural, tecnológico, espacial, político
e ambiental para uma determinada região.
O turismo cultural, atualmente, se destaca entre as modalidades do ramo turístico pela
sua contribuição no desenvolvimento de uma região, pois visa envolver visitantes com história,
cultura e memória social e é a partir dessa relação que se surgem algumas controvérsias com
extrema necessidade de reflexão.
A gastronomia tem papel fundamental no turismo, sendo um elemento principal ou
secundário, mas sempre presente no contexto turístico. Tem essa capacidade de inserção por
se tratar de patrimônio cultural, que em princípio valoriza a identidade do destino escolhido e a
experiência turística, principalmente no turismo cultural.
Mas, a essência da gastronomia pode estar em grande risco quando submetida à
atividade turística. A identidade, autenticidade e simbolização da cultura culinária poderá ser
comprometida pelo processo de mercantilização/turistificação da cultura, que surge junto com a
globalização.
Aliado a valorização do lugar, o planejamento do turismo cultural e sua preocupação com
a gastronomia, quando proposto com perspectivas sustentáveis e leva em consideração a
participação ativa da comunidade local, atende a demanda de satisfazer ambos os envolvidos,
ou seja, é possível criar um sistema de respeito e o interesse mútuo entre a população e os
turistas.
Para que tal sustentabilidade ocorra, órgãos responsáveis em níveis municipais,
estaduais e federais terão que desenvolver políticas públicas para integração e equitatividade
da gastronomia com a população local, com objetivo de reconhecimento, proteção e
valorização da a culinária típica de determinada localidade, com objetivo de conscientização
dos turistas, comunidade e comércios de alimentação.
Com a valorização da gastronomia local e do patrimônio cultural, o desenvolvimento
poderá ocorrer de maneira sustentável, pois oportunizaria, mesmo em baixa estação turística, a
promoção de eventos, festivais e rotas gastronômicas (turismo gastronômico), geraria
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Artigo, Vol. 2, Nº 2, Ano 2013
oportunidades de empregos e capacitação para suprir a necessidade de recursos humanos
capaz de atender com excelência no ramo da hospitalidade e a produção de produtos agrícolas
regionais seria aquecido para suprir o ramo alimentício local.
Portanto, a gastronomia necessita de mais atenção nas questões relativas ao
desenvolvimento local sustentável a partir do turismo, pois possui grande potencial de
dinamização econômica, mas quando aliada a um planejamento inconsciente da atividade
turística, poderá sofrer consequências em sua essência e afetar direta ou indiretamente os
indivíduos dos locais receptores e seu patrimônio cultural.
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Recebido em 02/08/2013
Aceito em 18/12/2013
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Artigo, Vol. 2, Nº 2, Ano 2013
A alimentação nas relações entre ocidente e oriente:
Identidade e reflexos da relação entre Portugal e china em
Macau
Feeding in relations between east and west: identity and
reflections of the relationship between Portugal and china in
Macau
Paula Su1
RESUMO
Durante o período das navegações portuguesas, foram observadas trocas e
transformações durante as relações entre Ocidente e Oriente. Porém, no encontro com novos
povos, as novas identidade étnicas formadas tiveram uma característica bastante diferente no
Oriente se a comparação for feita com o Ocidente. Na criação dessas identidades, novas
culturas surgiram e refletiram parte dessas identidades na alimentação.
O objetivo deste artigo é entender como a culinária de um local se transforma
gradualmente com a ação da sociedade que a habita, e como a identidade e cultura estão em
constante processo de mudança, uma vez que, com a globalização, seja ela marcada pelas
navegações ou pela internet, cada vez mais diferentes culturas são apresentadas.
PALAVRAS-CHAVE: Alimentação, Mestiçagem, Macau, China, Portugal
1 Aluna do curso de Pós – graduação Gastronomia, História e Cultura do Centro Universitário Senac. paula.su@yahoo.com.br
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ABSTRACT
During the period of the Portuguese discoveries, exchanges and transformations were
observed during the relations between East and West. However, when those new folks met,
new ethnic identities were formed and they had different characteristics in West if compared to
what happened in the East. In the creation of these identities, new cultures emerged and part of
this identities are reflected in feeding.
The purpose of this article is to understand how the local cuisine transforms itself
gradually with the society that inhabit and how identity and culture are in the constant process of
change, with the globalization, either made by ships or by internet, more new cultures are
emerging.
KEYWORDS: Feeding, Miscigenation, Macao, China, Portugal
ENCONTRO PORTUGAL E CHINA
O auge da aproximação entre Europa e Ásia se deu no primeiro quarto do século XIV,
segundo Sabban (2009). Segundo Silva (1997), no século XVI, Portugal e Espanha cruzaram
os mares com objetivos como conquistar, cristianizar, colonizar e criar comércio com as novas
terras. Antes mesmo dos colonizadores portugueses viajarem em direção aos mares chineses,
emissários do papa ou de soberanos, além de mercadores das cidades italianas visitavam o
então império mongol (1279-1368).
Inicialmente, os portugueses encontraram os chineses pela primeira vez em Malaca, de
acordo com Rangel (2010). Conhecidos como “chins”, viajavam para Malaca a fim de trocar
suas mercadorias:
As mercadorias que os Chineses traziam a Malaca eram
principalmente almíscar, sedas, cânfora, ruibarbo, que trocavam por
pimenta e cravo. Os comerciantes chineses costumavam ir a Malaca
com a monção, entre Março e Abril, e voltavam à China entre Maio e
Julho. Os Portugueses tentaram recolher o maior número de
informações dos Chineses sobre o Império do Meio, com a intenção
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de penetrarem na rede comercial entre a China e o Sudeste Asiático
(JIN e WU apud RANGEL, 2010, p.43).
Em 1513, o português Jorge Álvares decide partir de Malaca chegando à China, e
conforme coloca Rangel (2010), dando início a presença portuguesa na China e chegando
mais tarde ao Japão. Estas viagens permitiram estabelecer relações comerciais entre os dois
mundos, porém este era o período da dinastia Ming, que exigia o pagamento de “tributos” dos
estados vassalos da China. Se a condição do país ou povo não se encontrava dentro da
vassalagem prestada à China, relações comerciais ou diplomáticas não eram permitidas, caso
de Portugal. A China considerava os estrangeiros como “bárbaros do Ocidente”, dificultando o
estabelecimento de comércio com o povo lusitano. Silva destaca que os documentos chineses
consideravam o estrangeiro como:
[...] uma figura que trazia maus agouros, maus costumes e
instaurava a desordem devemos sempre considerar que qualquer
abalo num gigante como este pode desencadear consequências
desastrosas para milhões de pessoas.” (SILVA, 1997, p.146).
Como resultado, naus portuguesas foram atacadas, portugueses foram feitos prisioneiros
e a ideia de construir uma fortaleza portuguesa dentro da China foi descartada, uma vez que
para os portugueses a “[…] manutenção do seu extenso império colonial que os levam a
constituir um modelo cuja força concentrava-se na capacidade de deslocamento marítimo, ou
seja, em dominar rotas comerciais e na boa negociação com as populações locais.” (SILVA,
1997, p.120)
A autora levanta que, após o afastamento do pirata Lam Chin do litoral que os chineses
concederam aos portugueses o território de Macau, com a condição do pagamento de 500
taéis anuais, impostos chamados de foro ou tributo aos vice reis do Cantão. Segundo Pires
(apud RANGEL, 2010), para a mentalidade europeia, os títulos cobrados eram considerados
um suborno ou um presente para ter domínio útil do território, afinal, o local era
estrategicamente ideal:
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Situava-se na margem ocidental do rio das Pérolas e estava
ligado por um istmo estreito ao distrito de Hsiang-shan, na província
de Kuang-tung. A sua acessibilidade, a navegabilidade dos mares
vizinhos, a proximidade de Cantão e a excelente posição estratégico
defensiva contra possíveis ataques provenientes do mar fizeram de
Macau um lugar mais propício à prática de actividades mercantis.
(FOK apud RANGEL, 2010, p. 50)
Santos (2006) relata que os primeiro moradores de Macau no século XVI eram chineses
de Fukien: pescadores que moravam nos tamancares, embarcação que simboliza a cidade. Os
habitantes de Macau dependiam do comércio com a China para, por exemplo, comprar seda
chinesa e vender aos japoneses. Para os chineses, o comércio com os japoneses era proibido,
tornando a situação ainda mais atraente para os portugueses, que não tinham esse
impedimento, recebendo o pagamento em barras de ouro e prata. De acordo com Lopes
(2007), desta forma, os portugueses iniciaram sua fixação em 1552 e 1557.
PORTUGUESES EM MACAU
A postura adotada pelos portugueses, segundo Silva (1997), foi o de “aclimatação”, ou
seja, assimilaram novos conhecimentos e deixaram parte de seus hábitos ancestrais.
”Integraram narrativas mais preocupadas em encontrar semelhanças do que catalogar
diferenças” (SILVA, 1997, p.118). A atitude de mesclar-se foi frequentemente adotada no
ultramar. A aproximação das culturas, no entanto, foi bastante diferente a comparação entre
Brasil, Angola, Moçambique, Goa, Macau, etc. Silva levanta que no caso da América, a cultura
indígena sofre a cristianização e colonização caracterizando um lado colonizador “vencedor” e
o colonizado “vencido”. Macau, contudo, não fundiu sua cultura com Portugal. Afonso de
Alburqueque percebeu que a colonização das novas terras pelo povoamento com portugueses
seria uma boa estratégia. Por este motivo, incentivou os casamentos dos portugueses com
locais a fim de criar novas gerações de portugueses com vínculo às novas terras, ou seja, um
povo que possa defendê-las como suas (RANGEL, 2010). Apesar da estratégia, os chineses
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não permitiam que os portugueses se envolvessem com as chinesas. Porém, de acordo com a
autora, isso não impediu que as relações se estabelecessem já que muitas mulheres eram
vendidas por suas famílias miseráveis ou acompanhavam os piratas chineses, com quem os
portugueses se encontravam. Entretanto, de acordo com Silva (1997), os chineses não
expulsaram os portugueses e os portugueses não afastaram os chineses. Era mais
interessante estruturar uma vida coexistindo no mesmo território, mas, apesar de séculos de
convívio, portugueses e chineses não formaram um cultura de síntese.
NASCIMENTO DOS MACAENSES
É fruto desta aproximação entre duas culturas em um mesmo território que nascem os
macaenses, também chamados pelos chineses de “filhos da terra”, ou seja, como Santos se
refere a Pina Cabral: “categoria que se tornou corrente no território e ‘etnicamente restritiva’ por
excluir chineses” (2006, p.36). A comunidade macaense é o sonho concretizado de Afonso de
Alburqueque: quase após três gerações de gestações, ou, 65 anos após o estabelecimento dos
portugueses em Macau, surge uma comunidade que intermediou essa relação entre Ocidente e
Oriente. A miscigenação, no entanto, não era exclusivamente de chineses e portugueses.
Santos (2006) afirma que alguns autores consideram macaenses também indivíduos frutos da
relação entre o homem português e a mulher goesa, siamesa, indo-chinesa, malaia ou
japonesa. Levando-se em conta que os portugueses traziam de suas viagens marítimas a
experiência de encontros com os povos citados acima, veremos ainda sua influência na cultura
macaense.
Estar entre duas culturas, no entanto, era difícil. Silva (1997) demonstra que os
macaenses que possuíam relações familiares próximas da cultura chinesa agradavam os
mandarins chineses de Cantão. E ao abordar os chineses, de acordo com a autora, trata-se de
uma cultura que se isola, ao contrário dos americanos, por exemplo. “[…] o americano agrega
porque é assim que ele concebe o mundo na sua linguagem. O chinês isola porque é assim
que ele concebe o seu mundo na sua língua. […] A ruptura do seu universo cultural na dúvida
levaria ao caos” (SILVA, 1997, p.132). O mesmo aconteceria com Macau, o país se isolaria
criando uma comunidade virada para si.
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Os macaenses, ao longo da história, encontravam-se no conflito de buscar segurança
por parte de um dos dois mundos: Portugal ou China. Porém, como demonstra Santos (2006),
as relações políticas ou sociais entre ambos encontravam-se tumultuadas: se houvessem
problemas, as autoridades chinesas ordenavam encerramento das portas do cerco, deixando
os portugueses sem água ou alimento. Ao mesmo tempo, os macaenses eram considerados
estrangeiros aos olhos dos chineses já que muitos macaenses adotaram a religião cristã por
influência ocidental. Desta forma, a comunidade macaense tinha acesso a dois códigos
distintos, português e chinês assim como a suas culturas, sistemas de valores e éticas. Silva
(1997) destaca que isso dá a estes indivíduos a habilidade se serem tradutores da cultura
ocidental para o Oriente. A identificação de um macaense, de acordo com a referência de Pina
Cabral, utilizado por Santos é “a língua portuguesa, a religião católica (identificação individual
ou familiar como catolicismo) e a miscigenação entre europeus e malaios, indianos, japoneses,
chineses…” (2006, p.42)
CULTURA MACAENSE: A CULINÁRIA E A LÍNGUA
“[b]y using food as a barometer of culture, it is therefore po ssible to show how a
community asserts its identity […]”2 (LOUIS apud LEVI, 2009, p.4). Ou seja, ao utilizar a
alimentação como referência é possível explicar algumas características da sua cultura e
identidade. De acordo com Levi (2009), a comida é um indicador social e étnico onde a comida
considerada macaense, isto é, de característica popular ou relacionada a classes mais baixas
da sociedade era considerada oriental e não sofisticada se comparada aos padrões ocidentais
como franceses ou mesmo portugueses. De qualquer forma, a busca da origem da comida
macaense resulta, segundo Lopes (2007), na busca de um referencial estruturante e definidor
da sua identidade cultural.
A comida macaense, para o autor, é resultado de uma diversidade de influências: a
cozinha portuguesa vinda com as navegações e comerciantes e já influenciada pelas relações
e encontros com outros países; a cozinha chinesa, particularmente de Cantão, de acordo com
2 Louis Augustin-Jean. “Food Consumption, Food Perception and the Search for a Macanese Identity”, in The Globalization of Chinese Food . Eds. David Y. H. Wu e Sidney C. H. Cheung. Honolulu: U of Hawaii P, 2002. 113-127. 124.
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Artigo, Vol. 2, Nº 2, Ano 2013
Levi (2009), além de influências do subcontinente indiano, Japão e Sudeste Asiático, em
especial, Malaca. Hamilton (2005) ainda dá uma hierarquia às influências, sendo a primeira
portuguesa, seguida pela chinesa, goesa, japonesa, inglesa, africana e sul-americana.
Lopes (2007) relata que na tentativa de recriar as comidas de origem da sua terra, o
português comerciante e marinheiro utiliza ingredientes e especiarias da nova terra. Com a
presença da mulher de origem chinesa como cozinheira e, mais tarde, esposa, a cozinha
macaense terá início através da elaboração de pratos portugueses, desconhecidos das
chinesas, mas com incremento de técnicas, utensílios e ingredientes diferentes. O autor ainda
destaca que também as criadas, a quem a tarefa de cozinhar era destinada, eram chinesas.
Quanto a esse assunto, a influência chinesa é observada na seleção dos ingredientes, o corte
dos alimentos, o uso de condimentos e temperos em diversas fases, o preciosismo dos
métodos, tempo e temperatura. Além disso, a inserção de produtos trazidos pelos europeus
como, por exemplo, o milho, tomate, amendoim, batata doce, agrião, etc , seriam agregados na
formação da cultura alimentícia macaense, sendo eles, muitas vezes, indispensáveis. Outro
exemplo de produtos cujo consumo era inexistente até a chegada lusitana eram os derivados
lácteos como manteiga, tornando a criação de animais que produziam leite presentes na
comunidade macaense.
Amaro (apud RANGEL, 2010) coloca que as receitas dos macaenses variam de acordo
com cada família, passadas por gerações, ganhando a carga de segredos de família. Dos
pratos conhecidos como típicos macaenses, o acompanhamento principal é sempre o arroz.
Rangel (2010) levanta como outro prato típico o tacho, conhecido também por chau-chau pele:
parecido com um cozido português que leva presunto chinês e chouriço no lugar dos enchidos
portugueses. Chau-chau na realidade, segundo Hamilton (2005), é um prato que possui muitas
variações, já que se refere a pratos com um molho salteado, com mistura de carnes e verduras.
No início do século XX, a influência dos ingleses aparece como hábitos de Hong Kong e da
comunidade macaense radicada em Xangai, segundo Rangel (2010). Existe o cheese toast
(torradas de queijo e leite condensado), cake (inspirado no Christmas Cake inglês) e, um prato
característico da cultura macaense, o minchi, apreciado tanto por locais quanto estrangeiros.
No livro de Hamilton (2005), que contém receitas dos países cuja estadia portuguesa
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influenciou a cultura alimentar, o minchi com arroz “é para os macaenses o que o peixe salgado
com arroz é para os povos de outras regiões da China e o que o feijão com arroz é para os
brasileiros” (2005, p.230). Do minchi pode-se fazer diversos pratos, caracterizando sua
versatilidade, assim como é o chau-chau. Para demonstrar a sua variedade, a autora destaca
que o prato pode ser servido na mesa do pobre ou do rico, simples ou enfeitado, como
acompanhamento ou como prato principal, com pão ou arroz branco. No quesito doces, as
origens diversas são observadas no muchi (bolinhos de massa de arroz glutinoso e feijão
branco torrado, de influência japonesa) e a bebinca de leite de inspiração na Malásia (pudim de
coco, leite evaporado e fécula de milho). Ressaltando a miscigenação de culturas refletida na
alimentação:
[...] o bacalhau não é feito nem à moda portuguesa e nem à
chinesa; é um meio termo. É muito difícil explicar como é feito o
bacalhau em Macau. O modo de preparo é o do chinês, os wok e
tudo, que não tem forno, nunca teve forno em Macau, em Portugal se
usava forno... então é diferente. Você tem que adaptar. [...] Isso é
comida de Macau. Se você faz bacalhau ao forno, não é comida de
Macau, é comida portuguesa. (DORÉ apud SANTOS, 2006, p.86)
Não só ingredientes, técnicas e receitas eram bastante distintas, mas a forma de comer
também era: come-se com a colher em Macau (SANTOS, 2006). Um hábito marcante de
influência chinesa, de acordo com Dória (2009), é a forma coletiva de comer e a presença de
vários pratos simultâneos na hora da refeição. Jorge (apud LOPES, 2007) reforça o conceito
com a hospitalidade oferecida pelo macaense na mesa “variada, farta, informal e convivial”
(p.65)
Além da alimentação, Rangel cita a definição da UNESCO mostrando que os macaenses
possuem também como “veículos de expressões culturais e de patrimônio cultural intangível,
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essenciais à identidade de indivíduos e de grupos”3 (UNESCO apud Rangel, 2010, p.67), a
língua. uma língua característica que os difere dos portugueses e chineses: o patuá. A autora
define o patuá como um crioulo de base portuguesa, mas com pronúncia, ortografia, gramática
e significados diferentes do português. O contexto multilíngue, no entanto, trouxe influências
como o malaio, o cantonês, inglês, javanês, entre outros. De acordo com Santos (2006), o
patuá teve impacto durante os séculos XVI e XIX, mas ao final do século, os portugueses
exigiram a correção do português do patuá e a introdução do inglês foi iniciada por proximidade
a Hong Kong, colônia inglesa, tomando o posto de segunda língua em Macau.
O patuá, assim como a culinária demonstra reflexos da centrifugação de culturas. Do
chinês, existem grande parte dos elementos lexicais em nomes de refeições, gêneros de
alimentação, embarcações, jogos e utensílios.
As nomenclaturas das comidas são, para o ouvido macaense,
divertidas, sonoras e sinestésicas, pois estabelecem percepções que
pertencem ao domínio dos sentidos: um cheiro que evoca uma cor,
um som que evoca um perfume. (SANTOS, 2006, p. 85)
De fato, no patuá, as palavras relacionadas a alimentação remetem dois mundos.
Tomando como exemplo do já mencionado chau-chau, o termo é de origem chinesa e significa
“mistura de ingredientes” (HAMILTON, 2005, p.223). Similar é o caso do minchi, também já
citado, que de acordo com Rangel (2010), deriva da palavra inglesa minced meat, ou seja, da
carne picada.
CONCLUSÃO
Assim como desenvolveu Levi (2009), a cozinha macaense é independente tanto da
culinária chinesa quanto da portuguesa. Isso reflete também a cultura da comunidade
macaense: “encontro de culturas e é reflexo da história de Macau” (MELO, 2007, p.26). A
autora ainda cita Hugo Bandeira, que comenta que um consenso sobre o que é a comida
3 Texto original em inglês: “Languages are humankind’s principle tools for interacting and for expressing ideas, emotions, knowledge, memories and values. Languages are also primary vehicles of cultural expressions and intagible cultural heritage, essential to the identity of individuals and groups” (UNESCO apud RANGEL, 2010, p.67)
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macaense “é um conceito complicado que, com o passar do tempo, diluiu-se cada vez mais”
(apud MELO, 2007, p.89). Afinal, se a língua, ou seja, o patuá é falado apenas por mulheres
acima de 80 anos em Macau e Hong Kong, significa que a cultura modificou-se conforme o
passar do tempo. A própria culinária chamada tradicional, de acordo com Lopes (2007), é do
final do século XIX para a primeira metade do século XX, registrada e documentada por quem
as tem na memória, de formas diferentes e com versões inúmeras da mesma receita, pautada
pela passagem de geração a geração dentro das diferentes famílias macaenses.
[...] a comida macaense vive na sua memória, como vivem
afinal a religião, para além da prática, ou a língua para além do uso.
[...] É que comida, como o uso da língua, só sobrevivem quando
usadas, por possíveis ou necessárias, caso contrário, passam a viver,
apenas, nas memórias. (LOPES, 2007, p. 34)
Ainda que muito da cultura macaense esteja tornando-se apenas um documento na
história, como a substituição do patuá pela língua portuguesa e inglesa, é importante buscar as
origens históricas da construção de uma identidade mestiça que misturou diversas etnias,
sendo os portugueses e chineses de grande influência, para entender como os macaenses
criaram uma identidade única e diferenciada, ainda que transitando duas culturas como
Ocidente e Oriente. A alimentação macaense, como parte da cultura de uma comunidade é
reflexo disso e que continua recebendo influências, agora com a entrega de Macau para a
China em 1999, fortíssimas do continente chinês.
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RANGEL, A.S.d.S.F.H. Filhos da terra: A comunidade macaense, ontem e hoje. (2010)
Dissertação (Mestrado em Ciências da Cultura – Especialização em Comunicação e Cultura) –
Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa, 2010
SANTOS, M.S.C.d. Macaenses em trânsito: o Império em fragmentos (São Paulo, Rio de
Janeiro, Lisboa, Macau). 2006. Dissertação (Mestrado em Antropologia) – do Instituto e
Filosofia e Ciências Humanas , Universidade Estadual de Campinas. 2006.
Recebido em 31/10/2013
Aceito em 18/12/2013
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