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Reboco caído nº34 vs pdf

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Pag 1 REBOCO CAÍDO- 34

EditorialCom o zine praticamente pronto, eis que acontece uma daquelas coisas da vida e

o computador, que já não anda muito bem das pernas faz tempo, dá pau e perco tudo.Consequência: Em primeiro lugar, como tava nunca mais vai ser. Pensei até em forçar abarra e tentar reconstituir pedaço por pedaço, mas não tava ficando a mesma coisa. Resolvicomeçar outra situação, de outra maneira. Tinha feito um editorial de uma página, tendocomo princípio um pequeno texto que escrevi sobre a morte da menina Ohana por umabala perdida. Mais uma vítima da violência na periferia. Lamentável. Provavelmente aqueleeditorial seria o mais bonito que esse zine teve até hoje, cheio de emoção... O textinhoque tinha escrito no ato, foi trabalhado, ampliado, acrescentado... Enfim... Não conseguirefazer. Não estava ficando da mesma maneira. Mas já ofereço logo de saída umahomenagem a essa guria. Salve, salve.

Outra consequência desse imprevisto com o computador, foi que a situação mepegou em um momento bem fragilizado em vários sentidos e por vários motivos. Daílembrei dos meus antigos cadernos de desenhos e poesias. Sempre que estava muitoassim, destruía tudo. Rasgava, botava fogo... Mas hoje em dia a maioria dos meus arquivossão virtuais. Essa sempre foi uma forma de me violentar, de me flagelar, mutilar... Penseiem excluir todos os meus trabalhos, blogs, rasgar o que tem no meu arquivo de impresso,desistir de tudo.... Resumo: Excluí minha conta no Tumblr e pronto. Foi o suficiente.Não temos mais essa ferramenta. Talvez algum dia reconstrua a mesma.

Alguns dias depois comecei a refazer este número do Reboco. A capa é de AnaClara, a mesma que produziu a famosa capa dos três macaquinhos (Reboco Caído – nº16). Desta vez ela abordou o tema da piXação (com x mesmo) e do grafite, tão em voga napauta da repressão. Além de escritos meus e dos amigos RoJefferson Moraes e BarataKnup, temos quadrinhos de Solano Gualda e entrevistas com a banda surf punk Paquetá,com o artísta plástico, músico e tatuador (entre outras coisas) Roger e com o CiberpagéEdgar Franco.

Contatos R.C.

[email protected]/RebocoCaido

www.rebococaidozine.blogspot.com.brwww.twitter.com/RebocoCaido

Caixa postal: 21819 Porto Alegre, RScep.: 90050-970

Por Fabio da Silva Barbosa

mais um inocente vai para o chãobala perdida matando o irmãoo sangue tingindo a periferia emdesesperona gaveta escura entra o caixão

mais uma vida destruídao choro acompanha a vida perdidaa tristeza de ver essa partidamorte rondando a rotina maldita

mais um jovem assassinadoum destino precocemente sepultadocom flores, dores e lágrimas caindo

Mais dor - Mais horror a oração soluçante continua fluindo

mais um pobre morto é normalnão tinha envolvimento ou ficha criminalnem deu tempo de terminar o segundograuesse menino virou estatística em jornal

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Por Rojefferson Moraes

O ano era 2004. Eu chegava em Manauscom uma mochila nas costas, uma carteirade cigarro Derby prata no bolso de umabermuda velha, e um certificado de conclu-são do ensino médio numa pasta amarrota-da pelo tempo. Eu não sabia exatamente oque fazer. Desci do barco e tentei encon-trar um trocado no bolso para arriscar umalmoço na feira Manaus Moderna. Nada.Retirei da bolsa alguns poemas rabisca-dos e li para um casal que dividia um belopedaço de carne assada. Eles se olharam eriram. Ninguém liga pra esse negócio depoesia aqui não, moleque. Caminhei poralguns metros. Arrisquei ler os poemaspara um grupo de cachaceiros que esta-vam sentados ao lado do Mercado Munici-pal. Me ofereceram pinga e peixe frito. Aspessoas iam e vinham. As águas do RioNegro lambavam o paredão de concretoda Escadaria dos Remédios. Menininhospassavam e perguntavam se não quería-mos fumar uma pedra. Os bebuns, a quemeu já chamava de irmãos, cantarolavam Re-ginaldo Rossi. No horizonte uma linha ver-de dividia os céus e as águas. As únicaspessoas realmente dispostas a lhe dar aten-ção quando você está na merda, são aque-las que sabem o que significa perder tudona vida. Batedores de carteira, noiados,putas, travestis, carregadores passavamcom suas caras de muitos inimigos e vári-as passagens na delegacia, mas eu me sen-tia seguro ali. Tava em paz.----------------------xx---------------------

Levou um tempo para que a máscara caísse.O Amazonas sempre teve seu Oriente Mé-dio escondido em suas entranhas. Guerrascanibais. A corrida pelo ouro, pelo petróleo,pelo gás, pela água... O santo verde românti-co foi enforcado na entrada da maloca, e ocortejo fúnebre seguiu ao som de atabaquesaté à encruzilhada mais próxima. As cabeçasrolam nos pavilhões feito a cabeça de bone-ca que fora usada por meninos que não ti-nham bola pra jogar a costumeira pelada nofinal da tarde. As meninas sempre abortarambonecas não planejadas. Crianças queima-das durante a procissão. As mulheres conti-nuam sendo apredejadas e queimadas vivasdiante dos olhos alegres dos soldados. Apopulação se delicia com a justiça feita comas próprias mãos, contra criminosos sem foroprivilegiado, que não tem tempo de fingir umaneurisma cerebral, pois suas cabeças sãoabandonadas em sacos plásticos sem as ore-lhas, e com os olhos perfurados. Amanhãteremos peixe no jantar.-----------------------xx----------------------Fontes não oficiais dão conta de que BrayanBremer foi recapturado. Mas levou tanta por-rada que resolveram não apresentar ele paraa imprensa. Fora isso tem o número erradode fugitivos, e os mortos por policiais den-tro das matas. Além, é claro, das tantas men-tiras que governo, juízes, advogados e secre-tários corruptos estão repassando para nosfazer acreditar que a presença da força naci-onal vai de fato mudar alguma coisa por aqui.----------------------xx-----------------------

SurfPunkPsicodélicoPor Fabio da Silva Barbosa

Desde minha chegada a Porto Alegre, tenho tido o prazer de encontrar uma galera queproduz e faz a cena resistir. Entre os nomes que sempre cito e já tive o prazer de entrevis-tar está Wender Zanon. O sujeito já passou por várias bandas, como a inesquecível VidaTorta. Agora ele se juntou com outros caras da pesada e montou a Paquetá. Já tive aoportunidade de assistir umas apresentações da banda e posso dizer que a energia é hi-pnótica. Parada lisérgica mesmo. Então vamos lá. É nós nessa porra! Paquetá!

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Pag 3 REBOCO CAÍDO- 34Paquetá é uma banda que produz som surfde primeira. Os integrantes vieram de ou-tras bandas e estilos musicais. Como foi aresolução de engrenar neste tipo de som?Natural. O rock´n roll, de forma geral, temuma escola bem surf. A banda surgiu duranteuma festa. Vimos uma banda de surf tocando,ficamos empolgados e marcamos ensaio nasemana seguinte. Nossas influências passei-am por essas semelhanças: Dead Kennedys,Ramones, Man or astroman?, essas coisas...

Como anda o cenário da surf music hoje?Falar de cenário é sempre complicado. Acredito que o “cenário” da surf music é maisreduzido (não sei se é o termo correto para usar...), mas isso se for comparar comhardcore/punk/metal, sei lá, mas parece que por ser algo “menor”, a comunicação pareceque flui melhor. Tem uma galera que organiza o “cenário” do surf no Brasil e dialogabastante com o “cenário” lá de fora. Por exemplo, rola um festival bem conhecido naItália em que o pessoal do Brasil sempre vai pra lá com algumas bandas. Ano passadoaté rolou uma palestra com o Leopoldo, da Reverb Brasil, falando de como anda este“cenário” aqui. Enfim, acho que não é uma comparação e nem algo de “competição”.Independente do cenário ser grande, pequeno, maior, menor, melhor ou sei lá o que, é o“nicho” que você está inserido. Então, de qualquer forma, a coisa precisa fluir da melhormaneira. Aqui no Rio Grande do Sul, por exemplo, temos a Mary O and The PinkFlamingos, Trabajo Cubano, Reverba Trio, Surfabats, As Aventuras e tem mais algumasoutras bandas, essas são as que me lembro de cabeça no momento.

Por quantas andam os shows?Fechamos 50 shows em praticamente um ano e meio de atividade. Isso devido a nossaansiedade em tocar e mostrar o trabalho, mas também é um lance que a gente tá curtindomuito. Curtimos muito tocar, dar esse rolê de banda e estar juntos. Então é algo quetem fluido muito naturalmente. Temos rodado o interior e aqui na região metropolitanada grande Canoas. Inicio deste ano fomos pra SC, ficamos quinze dias convivendo 24horas e no final do rolê ninguém tinha brigado ainda, rsrs.

Os integrantes estão com outros projetos ou a dedicação é integral?Sempre tem outros projetos, mas o que não tira o foco do nosso projeto como Paquetá.O lance é ter vários focos, né! Temos nossos trabalhos e atividades paralelas. No campoda música, o Dagger e o Fogaça tocam na Estado Flow (www.facebook.com/estadoflow).O Dagger também produz música eletrônica (www.soundcloud.com/daggerattack).

O que está por vir?Estamos preparando mais um trabalho para esse ano ainda e queremos tocar por aí.Conhecer novos lugares, pessoas e cidades.

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Pag 4REBOCO CAÍDO- 34Poesia sonâmbula

Por Barata Knup

Um cárcere invisívelGrades psicológicasPensamentos destrutivosQuarto escuroCalor de verãoSolidão noturnaPreso na própria libertação

Uma mente biodegradávelCiclo inquebrávelCigarro baratoDevaneios repetidosVontades simplesComplexidade humana

Olhando a luz da cozinha por baixo daporta do quarto, aguardado ela apagar.

Poesia do fracassoPor Barata Knup

Angustia de existirMedo de sorrirU não querer usar máscarasTentar ser linha curva verdadeiraCaminhando de forma diferente

A maioria fracassadana sua própria casca.

Sentir todos os diasA decepção de estar vivo.

Frustração continuaSi mesmo folha em brancoNuvem cinzaCéu nubladoFolha seca

Vazio negroBuraco negroNebulosa

Erro biológicoPoeira cósmicaFalha evolutivaPredador egocêntricoHipócrita por acaso

um gole no copo do desgostoPor Fabio da Silva Barbosa

quando a depressão bate fundoa angustia tempera a tormentae a droga acabousó nos resta estes cortes profundosfazendo o sangue vazar dos pulsosacompanhando as lágrimasque escorrem dos olhosos punhos esfoladosum rosto que já não é rostoninguém ao seu ladoa corda apertando o pescoçomorrer não seria esforçoum corpo denegrido pela vidavendendo sua misériapor trocados furadosum litro de álcooljá é pouco para fazer o sono chegarferidas e hematomaspor toda a parteperfurando cada parte de seu corpocicatrizes e marcasdeformações constantesse arrastando por toda a vidainfecção se alastrandoa dor do aborto vivoo inferno eternoderretendo como colostro bestialcomo seres mundanosbesuntados de febree delírios fúnebres

Um brindePor Fabio da Silva Barbosa

concreto

borrachaplásticopoluição

devastaçãoassassinatoextinçãoalienação

flagelo totalsituação críticacaos atmosféricodestruição

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Roger Kichalowsky e a caminhada pela arte

Roger é o tipo de cara que tem uma história pela estrada da arte. Atualmente é tatuadore proprietário do Artéria Tattoo Studio. Tive oportunidade de conhecer o espaço quandofiz minha última tauagem com o amigo Nelson Machado. Lembro que, sempre muitoreceptivo, Roger arrumou logo um cantinho para eu deixar uns zines na sala de espera.

Como foi a caminhada?A caminhada é longa. Desde jovem as coisas pareciam me levar pro campo da arte, sem-pre inquieto e “inventando” alguma coisa, riscava paredes de casa, enfim, era arteiro kkkAntes de chegar na tattoo fiz muita coisa. Trabalhei com teatro durante seis anos, tiveuma experiência forte com a Bienal do Mercosul, desde a 2ª edição até a 10ª, trabalheicinco anos no Santander Cultural. A música também fez parte da minha vida desde o iní-cio. Aos doze anos tinha uma guitarra de mentira que meu pai recortou em madeira e co-locamos umas cordas de nylon kkkkk Me formei duas vezes na UFRGS, fiz bachareladoem escultura e licenciatura em artes, dei aula de artes durante seis anos no município deEsteio, fui funcionário público nesse período, mas resolvi chutar tudo pro ar em funçãoda grana... Faz cinco anos que tatuo. Nesse tempo trabalhei em três espaços diferentesaté chegar no endereço novo, no Menino Deus. Nossa equipe agora tem seis pessoas.

Como o profissional pode se manter atualizado nessa evolução constante?A atualização deve ser constante. Cheguei na tattoo por curiosidade, artista pesquisador...e isso deve continuar, participar dos eventos, convenções, works, formação etc...

Quais as principais dificuldades encontradas pelo tatuador hoje?Sobre as dificuldades, acho que um pouco é informar e educar teu cliente pra que eleentenda que não é só um serviço, mas também um trabalho de arte.

Existe um perfil frequente de clientes?Perfil de cliente varia muito.

Que tipo de desenho você mais gosta de trabalhar?Curto fazer meus desenhos no preto e cinza.

E o que você menos gosta?Não curto tribais e oriental

Existe algum tipo de tatuagem que você não faria de jeito nenhum?Não faria desenhos “feios” mesmo o cliente querendo pagar mais kkkk

Um toque fundamental para os principiantes:Estudar, paciência, disciplina, calma, pesquisar etc...

Como é o lado musical? É o que mais gosto, embora não esteja produzindo muito. Agora que a arte/tattoo mepossibilita estabilidade, quero investir nos trabalhos engavetados.

Por Fabio da Silva barbosa

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Algumas perguntas enviadas para EdgarFranco, o Ciberpajé.

Ciberpajé: A ira genuína é um domraro na contemporaneidade!

Por Fabio da Silva Barbosa.

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Quadrinhos e poesia:Minha história pessoal como artista é umahistória de convergência entre meios, porisso sou um artista transmídia com criaçõesem múltiplas mídias e suportes conectadaspelo meu universo ficcional da Aurora Pós-humana. No entanto, tudo começou quandoiniciei a criação de minhas HQs parafanzines, com 12 anos eu era admirador depoesia simbolista e do chamado “mal do sé-culo” e um fã do horror em todas as suasfacetas, eassim comecei a desenhar e a es-crever minhas próprias poesias simultanea-mente, então foi natural desde o princípiode minhas narrativas quadrinhizadas fundirtexto poético aos meus quadrinhos. Isso é

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perceptível desde minha primeira HQ e foise aprimorando gradativamente. Devido aessa opção experimental minhas narrativassempre incomodaram os puristas das HQsque as acusam de serem “poesias ilustradas”,dizem que não são quadrinhos, é impres-sionante como já ouvi isso milhares de vezese algumas vezes dito com raiva, a autoexpres-são original provoca e irrita os travados eenquadrados no sistema. Nunca me incomo-dei com isso, o que faço são quadrinhos, quena perspectiva narrativa das artes sequencias,se fizermos um paralelo com a literatura, es-tão mais para a poesia do que para a prosa.Mas eventualmente também crio narrativasmais tradicionais, como no caso do álbum“BioCyberDrama Saga”, longa HQ de 280páginas feita em parceria com Mozart Coutoe que teve sua segunda edição em capa duralançada recentemente pela Editora UFG. Nãotenho amarras para as minhas criações qua-drinhísticas ou em qualquer outra mídia. Souinclusive o criador do neologismo “quadri-nhos poético-filosóficos”, que criei para no-mear o gênero de quadrinhos que crio e fuium dos pioneiros. Esse termo foi adotadopelo saudoso amigo e pesquisador Dr. Ely-dio dos Santos Neto em seu doutorado emartes na UNESP que estudou os Quadrinhospoético-filosóficos e os situou como um gê-nero genuinamente brasileiro. A produção epesquisa sobre esses quadrinhos rendeu in-clusive uma coleção de livros teóricos quejá inclui 6 livros, a coleção “Quadrinhos Po-ético-filosóficos” da editora Marca de Fan-tasia, 3 desses volumes são sobre minha obra

(“Os Quadrinhos Poético-filosóficos deEdgar Franco”, escrito pelo Dr. Elydiodos Santos Neto; “Edgar Franco e suasCriaturas no Banquete de Platão, escritopela Dra. Nadja Carvalho; e “ProcessosCriativos de Quadrinhos Poético-filosó-ficos: A revista Artlectos e Pós-huma-nos”, escrito por mim em parceria coma doutoranda da Fiocruz-RJ e pesquisa-dora da minha obra IV SacerdotisaDanielle Barros).

Edgar Franco e o Pajé Cibernético:Os dois se amalgamaram e o Ciberpajé éa minha persona viva e ativa hoje! Trata-se do nome de ser renascido que adotei,um título que eu mesmo outorguei-me!Desde os meus 40 anos adotei-o em mi-nha vida cotidiana como uma forma deconectar diretamente vida e arte. Na tra-dição de correntes ocultistas e esotéricasencontramos o ato simbólico de renasci-mento que é acompanhado por novo ba-tismo. Então, em meu aniversário de 40anos, em 2011, alguns meses depois deter vivido uma experiência transcendentepoderosa e transformadora após o uso deum enteógeno, estava passando interna-

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Pag 8REBOCO CAÍDO- 34mente por uma profunda crise de valorese decidi reavaliar minha vida. Através deum sistema ritualístico desenvolvido pormim com base em meu universo ficcionale mágico da “Aurora Pós-humana”, emcontagem regressiva que durou 10 dias, atéa data de meu aniversário -20 de setembro-realizei um processo de transmutação sele-cionando 10 valores que acredito seremessenciais em minha existência. Descobrique sou um criador de mundos ficcionais

e que esses mundos ser-vem como caminhos paratransformar minha reali-dade ordinária, então soucomo um pajé, crio cone-xões entre as cosmogo-nias fantásticas que inven-to e a realidade para trans-mutá-la. O prefixo ciberestá diretamente ligado àideia de cibernética da di-fusão de minha arte e atra-vés das conexões digitais.É importante dizer que oCiberpajé não é guru deninguém, uso a arte como uma forma deautocura rumo à minha integralidade deser. Atualmente me apresento como Ciber-pajé em todos os contextos sociais, desdeminha família, passando pelos espaços a-cadêmicos e chegando às performances deminha banda Posthuman Tantra.

E a parceria com Alan Flexa?O musicista Alan Flexa, do Amapá, lançourecentemente comigo o novo EP do meuprojeto musical Ciberpajé, intitulado “En-tranhas do Sol”. O projeto musical Ciber-pajé nasceu no mês de setembro de 2014.Fiquei conhecido na cena musicalunderground com o Posthuman Tantra, mi-nha banda que já lançou CDs na Suíça, Fran-ça, Inglaterra, Japão e Brasil, e já realizousuas performances multimídia em 4 regi-

ões do país. Em 2014 recebi um conviteinusitado do músico Genilson Alves, men-tor da banda Each Second (SP) e da grava-dora Lunare Music, ele sugeriu a criaçãode um projeto musical que musicasse osmeus aforismos iconoclastas - escritosquase diariamente e publicados em páginano Facebook com cerca de 3 mil seguido-res - também propôs que o nome do proje-to fosse simplesmente “Ciberpajé”. Aopensar no projeto, Genilson lembrou-se do

escritor de ficção cien-tífica cyberpunk japo-nês Kenji Siratori - queparticipou do primeirodisco do PosthumanTantra. Siratori gravarecitações de seus tex-tos viscerais e intrigan-tes e envia para bandasde industrial e darkwavemusicarem, tendo parti-cipado de inúmeros ál-buns pelo mundo afora.A ideia foi fazer algoparecido, mas dessa fei-

ta com os aforismos criados e recitadospor mim. Assim passei a gravar os aforis-mos com a minha voz dando as impos-tações e emoções que sentia ao escrevê-los e as bandas e musicistas convidadoscriariam uma atmosfera musical para o a-forismo. A partir dessa concepção inicialfoi gravado e lançado o primeiro EP do pro-jeto Ciberpajé, “A Invocação da Serpente”,com vozes e aforismos meus e música cri-ada por Genilson Alves com seu projetoEach Second, importante representante dacena dark ambiente nacional. Eu tambémfiquei a cargo da arte do EP, criando umpadrão para o projeto com desenhos sim-ples e simbólicos desenhados em brancosobre fundo negro. O EP foi lançado peloselo brasileiro Lunare Music, dedicado àmúsica darkwave e experimental, e a Lu-

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Pag 9 REBOCO CAÍDO- 34nare desde então tornou-se a casa doprojeto Ciberpajé, todos os EPs são dis-ponibilizados para streaming e downloadgratuito. Já foram lançados 7 EPs do pro-jeto Ciberpajé e um CD reunindo 21 ban-das de 5 países, uma performance-vídeoe 2 videoclipes. O EP “Entranhas do Sol”surgiu da parceria com o notório musi-cista da região norte do país, Alan Flexa,e teve toda sua parte instrumental analó-gica criada por Flexa, com forte influên-cia das culturas ancestrais amazônicas.O Ciberpajé Edgar Franco selecionou 3aforismos com forte conexão com a na-tureza e o Cosmos para a concretizaçãodo EP e gravou as vozes. Alan Flexaoptou por um set de instrumentos acús-ticos para gerar as atmosferas imagina-das para as faixas. As vozes foram grava-das pelo Ciberpajé no estúdio Oca, emGoiânia; e as músicas foram gravadas,mixadas e masterizadas no Estúdio Zaro-lho Records, de Macapá, contando como esmero e cuidado dos produtores Alane João Flexa. O EP também teve um vi-deoclipe produzido para a faixa AforismoII, com direção e edição do Ciberpajé.Link para ouvir e baixar o EP: https://lunarelabel.bandcamp.com/album/entranhas-do-sol

O passado, o presente e o futuro:Respondo essa com um de meus aforis-mos: “A verdadeira existência aconteceno agora, o momento eterno e singular.O ontem é uma licença poética doexistir, o amanhã uma ficção desenhadapelo desejo. O agora é a maior de todasas celebrações: vida!”

Para a galera que está produzindo hoje:Faça com os meios dos quais dispõe,crie sem amarras, não se submeta a ne-nhum editor ou grupo ideológico, pes-quise e se aprofunde nos temas que trataem suas obras assim como nas técnicas

de desenho, mas, na hora de criar, deixe suaintuição gerir o processo. Só ouça os conse-lhos das pessoas que têm real afeto por você.99% das críticas ao seu trabalho serão idioti-ces ditas por não criadores tentando minarsua verve criativa, ignore-as. Arte é um pro-cesso de autocura, autodescoberta e autoex-pressão, se quer ganhar dinheiro faça outracoisa. Com arte genuína não se ganha di-nheiro e não existem exceções a essa regra,portanto crie alternativas financeiras paramanter suas criações imaculadas. Termoscomo “economia criativa” são formas pom-posas que idiotas mercantilistas encontrarampara convencê-lo a mudar seu trabalho visan-do o mercado, não caia nessa armadilha. Ecrie, crie muito, transforme o processo cri-ativo em algo diário para você, e procure ex-perimentar também com outras mídias e for-mas expressivas. Eu, por exemplo, no mo-mento tenho muitas obras simultaneamenteem processo. Estou trabalhando no novo CDdo Posthuman Tantra que será lançado pelaLegatus Records da Suíça, tenho um álbumde HQforismos no prelo, 2 livros sendo orga-nizados, 3 álbuns de quadrinhos em parceriaem processo, novo EP do Projeto Ciberpajésendo gravado, estou desenvolvendo novoselementos para minhas performances epreparando obras para uma exposição.

O caos, a destruição e a construção:Respondo com 3 dos meus aforismos:“Com entusiasmo e respeito profundo aperteia mão do demônio, pois ele é o incentivadorincrível do caos e da escuridão que precisamexistir para que a luz seja sublime.““Não sou um arauto da reconstrução, sou ummensageiro da destruição. O humano comoassim está faliu, é preciso que um apocalipsetotal consuma tudo que se tornou valorosoaos olhos da civilização, a implosão das insti-tuições, de seus dogmas enraizados e do do-mínio onipresente da objetificação do mun-do. No estado em que isso se encontra, sem

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REBOCO CAÍDO- 34 Pag 10uma devastação total, qualquer reconstru-ção é impossível. Antes de reconstruir-mos é preciso destruirmos, minha espadaé a arte, com ela faço estragos na basedessa superestrutura, dando minha pe-quena contribuição para que ela desmo-rone.”“O que você chama de realidade é só umaconstrução cultural, tão frágil quanto umfino cristal, mas que por ser extremamen-te opaco impede-o de vislumbrar o tecidoeterno e mutante do universo. Se você re-conecta-se à natureza cósmica, mesmoas leis da física tornam-se realidadesmutáveis e transitórias.”

Resistência e comodismo:Tentaram dogmatizar-me com cristianis-mo, mas com 11 anos de idade eu já tinhaclareza de como era feio e discriminató-rio o tal dogma. Tentaram dogmatizar-mecom futebol, e logo vi o jogo sórdido portrás desse e de todos os tais esportes pro-fissionais. Tentaram dogmatizar-me comcapitalismo, ensinaram-me a importânciade lucrar, de competir, ganhar, mas logovi o aspecto doentio disso. Tentaram do-gmatizar-me com marxismo, e assustei-me com as incoerências de igualdadesforjadas. Tentaram dogmatizar-me comciência e seu inefável “método cientí-fico”, e rapidamente percebi as fragili-dades desse dogma imberbe e inconsis-tente em sua tentativa falha de explicarforçadamente inúmeros fenômenos quefogem de seu escopo.Tentaram dogmati-zar-me com semiótica, pós-estrutura-

lismo, fenomenologia, cultura visual e empoucos segundos vi as limitações eincoerências desses micro túneis de reali-dade acadêmicos. Tentaram dogmatizar-mecom veganismo, e apesar de não me alimen-tar ou comprar nada de origem animal, nãoaceito o tal rótulo que torna a maior partede seus “seguidores” seres que se con-sideram os eleitos e salvadores do mundo.Seguem tentando dogmatizar-me com seusismos, ideologias, receituários teóricos,mas minha vida é uma história deresistência. Assim é, assim foi, assim será!

Um momento de amor:O silêncio mágico de se estar na presençade quem amamos sob vontade, sem anecessidade de nada mais, apenas fluindo oagora!

Um momento de ira:A ira genuína é um dom raro na con-temporaneidade, só quem consegue explodirem ira absoluta, conseguirá atingir o grausublime do amor cósmico integral! A culturaalienante doutrina-nos a reprimirmos a ira,e o resultado é doença e pestilência. Minhaira é totalmente regurgitada e exposta nasperformances de minha banda PosthumanTantra, quem já as assistiu sabe do que falo.

Agradeço o espaço da entrevista no lendárioReboco Caído e convido os interessados asaberem mais sobre minhas obras visitandoo meu blog que é atualizado semanalmente:Blog A Arte do Ciberpajé Edgar Franco -www.ciberpaje.blogspot.com.br

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