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Reboco caído nº32 vs digital

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Pag 1 REBOCO CAÍDO- 32

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EditorialComo sempre, o Reboco não é para serapenas lido. É para ser lido, questionado,pensado, refletido, rejeitado, execrado... equem sabe mais... Ler e apenas aceitar estaslinhas por vir como a verdade, seria abrirmão do direito de levantar novas hipóteses,formas de pensar, agir, perspectivas. Masse quiser apenas aceitar, tudo bem. Cadaum com seu cada um. As vezes também medeparo com escritos que passam aimpressão de é isso. Mas daí o pensamentonão para e a ideia inicial se transforma emoutra. O pensamento tá cada vez maisacelerado. A mente não para. Passa pormomentos de conflitos internos e externos.A capa, de Tiago Morés, já mostra bem doque estou falando. Começo expondo osescritos de Monotelha e Rojefferson. Sigoentão com minhas explosões mentais. Semsaber se é benção ou maldição, chego aosjardins secos e meto uma do Jonatan Ortiz.Danço com a morte, sem a preocupação dohomem que acumula e que não sabe sobre aexistência das forças da natureza que estãoalém de seus domínios (figura muito bemretratada pelo mestre Hélio). E depois demais uma derrota humana, chego aconclusão que estamos em algum tipo dehospício modelo, onde documentosregistram nossa triste figura decadente.Não temos mais tempo para abstrações,mesmo que sejam em nanosegundos, pois a

guerra já começou e está tudo bem assim(ou assado... vai saber... tudo é questão decomo se vê... ou não?... mesmo não tendomais tempo, eis uma abstração. Azar!).Virando a página, encontramos comJesuana Prado, um trecho de uma entrevistaque respondi pro mano Diego e, na páginaseguinte, ilustração do mesmo mano quefez a capa. Esqueci de encaixar o memóriasde um preso no meio da viagem, mas vaiser encontrado no folhear deste zine. Ovocê é perfeita também ficou de fora – eisso só para mostrar que nada é perfeito.Se ficou mais alguma coisa de fora, seráencontrada durante a leitura. Importanteressaltar que está tudo em desacordo comas regras ortográficas, assim como todasas outras. Sobre Dilma e Temer, nada voudizer. Esse governo tá uma merda, mas oanterior não era dos melhores. Nuncaconheci um governo que pudesse dizer:Esse sim. Cada um, ao seu modo, trata denão causar mudanças realmentesignificativas. O que gera o problemasempre fica intocável. Através da repressão,da alienação ou das migalhas que caem desuas mesas, eles mantém o povo sempreordeiro e obediente. Continuam a servir aosfinanciadores de campanha, grandesempresário, latifundiários, banqueiros...Servem a quem tem grana. Mudam apenasa metodologia, a camuflagem...

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REBOCO CAÍDO- 32 Pag 2

Por Rojefferson Moraes

Aperta a fomeO sapato apertaO cinto estala

Aperta a fomeMeninos aindaVão à escolaCom buchoVazio de tudo

ApertoVida é quase cemitérioEstudar é torturaAprender é piadaRaiva é mistério

Poderia esperarO mundo apressaA perna correOlhos fundosNo fundo do copoCom suco sem açucarNa hora do recreio

SocorroPor MonoTelha

Madrugada em trapo pesadeloa fria favela das nossas vidashá desespero e tiroteio de angústiauma febre para esquentar o coraçãoestou ficando louco de cidade tumefactanadando no lodo horrorosotortura na vala de lágrimaum beco sem saída para o futurocorrendo no fogo cruzadopedaços de coração e churrascome internem em baixo da terrahospício da mamãe natureza mortaa camisa de força unissex vestidaroupa para que o chão engula

A dor como calor desumanomeus becos do sentir e gemido frioesse barraco corpo pouco e desabandocansado de esperar para que apanheresiste doente em precipício sociala dor girando louca pela comunidadeinocência caçada como culpa pútridavomita bílis e vida horrível triste

A solidão uiva uma avenida brasilcarros passando em cadáverescarne dada aos vermes

Vila Depressão de OlariaMau estar da PenhaSubúrbios da zona mortebaixada fluminense em quedaestamos em um inferno febrila dor e o sofrimento se beijamesquina do esquecimento número zerobairro da desatenção macabraalucinações da realidade em vomitouma repressão chamada cidade

Deito no canto do gemidoa solidão sendo cobertor comunitáriodomo os nossos infernos gastos

pesadelos acordados ninamé uma triste resistência popularonírica realidade da desgraçadorme profundo subúrbio dos diascarnes periféricas do açougue mentalapodrece na sequência do sonhodesperta daqui a pouco para o horrívelacorda a comunidade em extinçãobalas da munição monetáriasomos os corpos hospitalarescarcaças na escola esmolapedaços do resto de esperançainocentes tratados como lixobanquete para o luxo e luto

Socorro para esse mundo loucohorror tristequase prefiro estar morto

O menino diz: NãoCREIO!A menina: RECEIO!Pauso as palavrasE me parto ao meio.

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Pag 3 REBOCO CAÍDO- 32Benção ou maldição?

Por Fabio da Silva Barbosa

aí está o homem depressãoziguezagueando mesmo paradoarrastando sua cruzchamada corpo e mente

um peso enormeque carrega por escolhapor não querer se acomodarpor não querer ser feliz

não quer se iludirnão quer as mentiras vendidas nos merca-dosnão quer desistiro único caminho concebível é continuar

a infelicidade é a felicidadea derrota é o prêmioa queda é o motivo para levantaros obstáculos motivos para superar

não vê graça em programas humorísticosnão acredita na tal geração zueiranão sente que deve se enquadrarcaminha pelo deserto da solidão

cansado de discursos vazios e inconsis-tentesde hipócritas e medíocresde teorias e retóricasde tudo que só serve para criar novas eli-tes demagogas

mas para onde ele vainão sabenão existe zona de conforto para o loucoandarilhosem paz e sem descanso

é assim que acreditanão tem certezas ou convicçõestudo pode mudar

a qualquer momento

sem parardorme acordadomora andandoama odiando

sua calmaria é tempestadesua luz é escuridãojá nasceu crucificadopela maldição ou pela benção (?)

Jardins secosPor Fabio da Silva Barbosa

o dia nascea noite nascetudo nasce e morre

as pedras resistemmas aísão outras coisas

drogas e mortesvalendo maisque a vida apresentada

a fumaça sobea poeira sobeos corpos caem

estamos perdidosem nossos quintaisem nossos corpos e mentes

não quero sermais um bom exemplode toda essa derrota compulsiva

Por Jonatan Ortiz Borges

Experimenta carregarNo peitoUm eterno espinho…Só depois vem falar

Do jeitoQue beboE da quantidadeDo meu vinho.

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Pag 4REBOCO CAÍDO- 32Mestre

Hélio André Vidal de Souza

O homem queria comprar o ventoO homem queria comprar a terraO homem queria comprar o marO homem cercou os riosInundou tudo e falou ser dele

Veio a morte levou o homemSem nada por ele pagarSua casca levado ao fogoVirou cinza lançado ao marParte dela o vento levouQue de adubo serviu a terraVeio a chuva e lama virouEscorreu pro rioQue ele comprou

O canoeiro lançou a flechaNo caminho feito no RioE no reflexo do espelho d'águaViu a face de um triste homemQue a natureza absorveuJogando na canoaO peixe que Tupã lhe deuO canoeiro partiuDa mesma forma que o viu

O homem queria comprar o ventoO homem queria comprar a terraO homem queria comprar o marO homem queria comprar os rios

Veio a morte levou o homemSem nada por ele pagar.

Por Murilo Pereira Dias

Viva a derrota humana para sua criaçãotecnológica!!! A desconexão humana comseus semelhantes!!!! A distância ao estar aolado!!!! A saudade sem largar sua mão!!! Umaroma perdido!!! Apenas imagens!!!! Nósnos tornamos imagens para ganharmos

quantas curtidas por dia??? Sem intrigas,sem intenções, seremos sinceros nova-mente??? Fotos antigas não valem mais!!!A fome do inútil aumenta, não valemosmais que imagens curtidas!!!!! Se na ruaviram a cara, fingindo não reconhecer,quanta falácia tudo isso!!!!

Hospício ModeloPor Fabio da Silva Barbosa

doença socialhipocrisia moraldoença socialtudo tão banal

medosneurosespsicopatiasdepressão

doença socialtodos tão iguaisdoença socialcompetições canibais

alterações de humoroligofreniaalienaçãocrise existencial

doença socialretardo totaldoença socialhipnose geral

subalternidadedecadênciailusãoagressão

doenças sociaismundos irreaisdoenças sociaistudo e nada mais

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Pag 5 REBOCO CAÍDO- 32explosões de raiva te descontrolam re-petidas vezeso futuro, o passado e o presente são omesmo infernonão há nada para crermoscas e urubus são os únicos a se apro-ximar

doença socialdoenças sociaisdoença socialapatia, egoísmo, limitação e muito mais

DocumentosPor Fabio da Silva Barbosa

Juca nasceu, foi registrado, catalogado,numerado… Já era considerado alguémperante…Perante a quem?Juca cresceu, continuou acumulando nú-meros, papéis, registros e protocolosGanhou até cracháUm dia Juca morreuContinuaram na busca por certificados,números, registros e oficializaçõesTudo para Juca ser alguém mesmo de-pois de mortoNunca poderia deixar de ser alguémIndigente nuncaFez tudo como dizia o manualO mais triste é que Juca se foi sem aomenos saber quem era———————–XX———————Pegou fila no posto de saúde, conseguiunúmero e pegou a fila para marcar a con-sulta. Chegou de madrugada e já era quasede tarde.- Identidade.Deu o documento na mão do rapaz dobalcão.- Comprovante de residência.- Como assim?- Alguma conta em seu nome. Luz, tele-fone, água…

- Não tenho.- Como não? Todo mundo recebe pelo me-nos conta de luz ou água.- Moro em um terreno com várias casinhase pago essas contas junto com o aluguel.- Mas deve ter uma conta. Ou vocês não têmluz e água lá?- Vem pro dono das casas. Posso pedir paraver se ele me empresta, mas não sei se vaiquerer. Ele é muito grosseiro.- Tem de ser em seu nome.- Isso vai ser difícil. Com certeza tá com onome dele.- Ele pode fazer uma declaração em cartó-rio dizendo que você mora lá no terreno deonde vem a conta.- Não sei se ele vai querer. É complicado. Eisso de cartório é pago?- Telefone não tem?- Não senhor.- Conta em banco. Documento bancário ser-ve.- Não tenho.- E como recebe salário?- Trabalho fazendo uma coisinha aqui e ou-tra ali. O dinheiro pinga na mão.- Sem comprovante de residência não dá.- Mas tô precisando ir ao médico.- Vai no pronto socorro então.- Já fui. Disseram que meu caso não eraemergência e que tinha de procurar o posto.- Infelizmente não posso ajudar. Dá licençaque a fila tá grande atrás do senhor.- Mas…- Próximo.———————–XX————————- Pra parede. Parado.- Calma aí… Que isso?…- Tá limpo. Vira. O que tem nesse saco?- Latinha que tô catando para… Pera aí… Tájogando tudo no chão…- Documento.- Não tenho.- Como não?- Fui roubado outro dia enquanto dormia na

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Pag 6REBOCO CAÍDO-32rua. Levaram minhas coisas.- Quem rouba mendigo?- Não vi quem foi. Quando acordei, sumiu tudo. Não tinha nada lá.- Tá me fazendo de idiota, vagabundo?- Ai… Que isso… Para de me bater…Do outro lado da rua uma senhora passava com uma menina pela mão.- Coitado do moço, vovó. Porque a polícia tá batendo nele?- Esses vagabundos são assim, minha filha. Se não fizer desse jeito, eles não respeitam.Alguma coisa ele deve ter feito. Não deve ser a toa.

DecadentePor Fabio da Silva Barbosa

estrelas cadentes despencamalvejadas pela metralhadora sistemáticaque não poupa outras formas de ver e agircavalos correm em chamascarregando o mundo nas costassangue e suor salgando o tempero apimen-tado da lutanada vezes nada matando o paladaraprimorando o dissaborvida e mortemorte em vidavida mortacompactando a mortadela humanacomida feita de restosalimentos que não alimentama poeira espacial entupindo narizes que jánão sentem o aromafedor cadavérico na areia limpaouvidos virgens ensurdecendovidas oferecidas ao apito da fábricapagas com a miséria e o terrortarados pregando a moral no meio da surubavidas contaminadas pela mentira, pelo ódioe pelo medovidas trocadas pela rotina, pela mesmice epelo comodismouniforme, lei, repressãofalsidade ideológicaenganaçãoagrotóxicosextinçãoradiação

Abstrações em nanossegundosSamuel da Costa

Não há tempo para abstraçõesSucumbir à quimérica companhiaDe imortais deusas e deuses***Não há tempo para arrefecerNa mística bruma encantadaMuito menos embrenhar-seNo mítico vergelEmbair-se pelo abissal cantoDa sacrossanta Kianda***Não há mais tempoPara deleitar-se complacentementeSobre a sombra de uma árvoreTendo a hialina companhiaDa divinal musa encantadaSe perder entre sussurrosOu prantos poéticosSe se perderPara além do infinitudeDo ser absoluto da negra ValquíriaPois o mundo real ardeEm chamas em nanossegundos

Bem assimPor Fabio da Silva Barbosa

Existem vezes que descrevo fatos reais evezes que solto a viagem. Hora sou bio-gráfico e hora retrato o que ouvi falar. Temo momento de misturar tudo. Misturo oque vi, ouvi, inventei… Cada experiência

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sua fúriasua ira

a respiração com aquele barulhinho as-máticocomo um leve ronronaros pés estranhoscabelos sempre despenteados

a vida não é fácilvamos cortando as ruas escurascomo se tivéssemos asassem nos importar com mais nada

sei que banho não é seu forteainda mais nesses dias de invernonão tem o menor problemaisso cai bem em nosso inferno

marcas no corpo e na almasofrimentos tatuadosnão esperamos estar certosnão precisamos estar errados

seu tique ressaltando ainda maisessa beleza tão excêntricacomo é difícil querer seu bemmais que você mesmo quer para você

o perigo não assustaviemos de uma vida destruídafilme de terror realsofrimentos banalizados

queria estar sempre junto a tifazer muito mais que o pouco que possosempre amigo e companheiropor esse mundo horrível que nos cerca

abominável mundo insanoracistas e homofóbicos a procriarsua doutrina lixoapodrecendo os corações

mas estaremos sempre imunes a isso

Pag 7 REBOCO CAÍDO- 32é uma experiência. Essa é a beleza de serescritor. Posso ser menino, menina, velho eaté morto. Posso dizer que fiz o que não fizou me ver como observador de mim. As pos-sibilidades são infinitas. Posso dizer umacoisa querendo dizer outra ou dizer exata-mente o que estou querendo dizer e pronto.Esta história que segue é verídica, não temnada oculto ou figurado. Foi exatamente as-sim:Estava andando pela estrada, pedindo caro-na, quando avistei uma árvore bem convida-tiva. Sentei tirando a mochila e encostei emseu tronco. Algum tempo se passou enquan-to aquela brisa gostosa me aliviava do calor.Foi exatamente nesse momento que ele pu-lou da grama para minha barriga. Pensei quefosse um grilo, mas era um ser do povotresderi. Ele se apresentou e me falou so-bre seu povo. Nunca tinha ouvido falar. Per-guntei se eram como duendes, mas ele riudizendo que duendes não existiam. Disse quegostou de mim e que apresentaria seu ani-mal de estimação. Eis que surge um grandedragão alado. Fiquei de pé em um salto. Otresderi caiu no chão. O dragão ficou nervo-so. Me apavorei e corri mato a dentro. Meperdi e não consegui encontrar o caminhode volta. A estrada sumiu. Agora estava emum deserto. Caminhei por alguns anos semcomer ou beber água. Não aguentando mais,desabei. Nesse momento fui abduzido porum disco voador. Depois disso nunca maisme vi.

Você é perfeitaPor Fabio da Silva Barbosa

gosto de estar ao seu ladomesmo não nos entendendomesmo sendo tão diferentesnada se compara ao seu abraço

seus frágeis braçossuas costelas aparecendo

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Pag 8REBOCO CAÍDO- 32nossa vivência e nossa condiçãonos vacina contra a imbecilidade alheiaa dor nos fortalece para a peleja

seu sorriso insanoé muito mais que tudosua inteligência e perspicácia sem igualser iluminado clareando meu rumo

seus piolhos a caminharpela cabeça sujasão apenas mais algumas lembrançasque encherão meu coração de ternura

Memórias de um presoPor Fabio da Silva Barbosa

Estávamos no fundo do pavilhão dividindoo último cigarro que eu tinha ganhado nojogo de cartas. Linguiça era parceria. Sem-pre dividia os cigarros dele comigo tam-bém. Dividia com os outros quando nãotinha jeito, mas nosso lance era outro. Coi-sa de irmão.Quando ele chegou ao presídio passou portodas as dificuldades que um preso novopassa. Sorte que a acusação dele ajudava aganhar o respeito dos outros. Foi conde-nado por matar um policial. Ele dizia queera inocente, mas isso todo mundo dizia(ou pelo menos a maioria).- Foi uma briga de bar. O cara me desaca-tou e disse que era policial. Na hora daraiva falei que ia matar ele. No dia seguin-te apareceu morto e vieram logo em cimade mim.Linguiça desenhava bem e começou a ta-tuar a galera. No início tatuava a própriaperna para treinar. O pessoal foi gostandoe pedia para ele rabiscar geral.Teve uma época em que a tuberculose to-mou conta do pavilhão. Fiquei estragado.Um dia nem conseguia levantar. A rapazia-da começou a gritar que tinha preso doen-te. O carcereiro olhou e voltou com ou-

tros. Cada um com um pedaço de pau. Nes-se dia perdi todos os dentes. Só pararamde me bater quando respondi que não ti-nha ninguém doente ali. Linguiça me deua maior moral até eu conseguir ficar recu-perado. Quer dizer, bem até hoje não tô,mas…O fato é que essa foi a última vez que vi ocara. Nossa última lembrança foi aquelecigarro dividido no fundo do pavilhão. Vi-eram buscá-lo no meio da noite e eu nun-ca mais vi. Alguns diziam que foi transfe-rido, outros que foi acerto de contas. Ofato é que aqui a vida é assim. As coisasacontecem e ás vezes não se tem certezade nada.Dois anos depois:Não sei o porquê de terem ido buscá-lono meio da noite, mas com o tempo des-cobri que foi transferido e que já estavaem liberdade. Acabei de poder sair tam-bém. Ontem fiz uma despedida com o pes-soal do pavilhão. Tinha escondido umaponta num pequeno buraco da parede epeguei um pouco antes de anoitecer. Foidifícil tirar da parede, mas quando conse-gui parecia que o Brasil tinha feto gol nacopa do mundo. Foi uma gritaria danada.O carcereiro veio logo ver o que tavaacontecendo.- Nada não. O pessoal tava contando piada.Ele saiu meio desconfiado. Dividimosaquela perna de grilo entre os mais chega-dos. A coisa dava só para dar um gosto naboca, mas já valeu.Ganhei o mundo, andei algumas quadras econfirmei o que já tinha pensado. Comonão tinha onde ir, iria procurar minha anti-ga parceria de prisão. Passei pela área delee ninguém sabia me dizer para onde tinhaido. Rodei por botecos e locais citados emalgumas das histórias que tinha me conta-to nos papos de cadeia. Eram papos que sóse compartilhavam com os firmezas.Linguiça sumiu na poeira. Teria de me ar-

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Pag 9 REBOCO CAÍDO- 32rumar sozinho mesmo.Três anos depois:De volta na tranca, soube por um amigoque conheceu Linguiça: “Mataram elepor causa de umas paradas pouco legaisem que andou se metendo. Parece tersido chinelagem braba, passou a pernaem quem não devia”. Isso, pelo menos,foi o que o cara me falou. Se era verda-de ou mentira, nunca tive como saber. Aúltima lembrança do mano Linguiça con-tinuou sendo aquele dia no fundo do pa-vilhão. O cigarro, a fumaça.O motivo que me fez parar de novo atrásdas grades? A vida não é fácil e é maiscomplicada do que se pensa. Mas tá. Issojá é outra treta. Qualquer dia eu conto.

MulherPor Jesuana Prado

Sou filha de um ventre gentilde uma pátria que não é.Sou filha da lutaque não pode se calar,que grita, labutanas ruas, guetos, favelas.

sou filha da revoltapor não me submeter,rebeldia purapor não obedecera um macho, opressor,

que quer bater, amedrontar, ameaçarmeu ser mulher.

Não sou nem nunca serei inferiorsou filha, sou mulher,não sou, Não somos obrigadas a nada! Nada!Esta é a única ordem.

Ninguém nos obrigaráa ter os filhos que não queremos ter,a casar, ser normal.Somos anormais, únicas, diferentes.Permanecemos em lutacontra o machismo e o patriarcado.Podem nos chamar de feministas,é uma honra que acalentamos em nossas al-masQue pulsa em nossos sanguesque escorrem em fluxos menstruaisque também é fluxo quandonão vencemos a luta contra o feminicídioque assola, abateem um solo nada gentil.

Não me venha com flores mortascheirando a segregação.Me venha com punho cerradopara marcharmos em lutaaté que nenhuma mulher tenhaseu sangue jorrado.

Dia da mulher é dia de luta,todo dia é.

“Não adianta encher a estante de livros inscritos no manual de quem gosta de coisas

diferentes e nunca ter lido Diego El Khouri, Mazinho Souza, Carlos Bruno, Jesuana

Prado... entre outros. Poderia fazer uma lista enorme, mas acho que já deu para enten-

der. Se não deu, ilustro de outra forma. De que adianta ter lido todos os livros da gera-

ção beat, se não leu Ivan Silva? Não adianta nada. As ideias não continuam seus cami-

nhos. Estaciona no que foi assimilado e não assimila o que está acontecendo. O cara se

acha moderno, mas está sempre um passo atrás do hoje. E há também o que só caminhe

de ré. O próprio conceito de moderno já é algo passado. Aí vem a cegueira dizendo que

hoje não acontece nada, que antigamente que era bom. Tem coisa acontecendo a todo

momento e em toda parte, só que as pessoas não se interessam em conhecer. Ficam

esperando as novidades virem pela tv , pelas fms ou o lançamento da LPM.”

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direto com oautor pelo e-mailfsb1975@yahoo.

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Salada Cascuda (Resenha de David Beat)Fabio da Silva Barbosa, um dos expoentesmais atuantes da cena zineira, lançou maisum dos seus muitos projetos (que não fi-cam engavetados por muito tempo devidoà verve constante do autor). “SaladaCascuda” não é apenas uma reunião de con-tos e poemas. O processo todo artesanalque foi empregado na confecção do livro

inclui capa de papelão levando recorte ecolagens, produzidos um a um, tornandocada exemplar único; no lugar dos famo-sos grampos, um barbante de crochê paraprender o miolo. Como se não bastasse ocunho estético, temos todo o conteúdoacidulante dos escritos que te leva para re-flexões existencialistas e te convida aopensar.

Palavras-MarginaisPorto de Lenha-EditoraFormato:14x21cm; Formato Impresso; c/ orelhasA capa - A parte de cima mostra o clima deterror e opressão imposto. Algo de cimapara baixo. Na parte de baixo vemos, mes-mo cercada pela opressão, a resistência.A mudança que vem de baixo. Uma mu-lher negra com o megafone bradando suaspalavras marginais. Palavras de quem so-fre e é perseguida. Pode ser também umafigura trans. Atrás a bandeira brasileira ras-gada e pintada de preto, cor da bandeiraanarquista, firmando o caráter libertáriodas lutas populares e o internacionalismo(ideias que destroem a noção limitadorade pátria). Quando pedi para Diego ElKhouri fazer a capa, sabia que incorpora-ria a ideia dessas palavras marginais.

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