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MARCO ALEXANDRE SAIAS COMPENSAÇÃO POR CÓPIA PRIVADA: NOTAS LISBOA | 2011

Compensação por Cópia Privada: Notas

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MARCO ALEXANDRE SAIAS

COMPENSAÇÃO POR CÓPIA PRIVADA: NOTAS

LISBOA | 2011

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INTRODUÇÃO

Estas notas têm como ponto de partida as discussões decorrentes do projecto-lei de alteração à lei da cópia privada.

Porém, não reflectem sobre conteúdos desse mesmo projecto, nem é essa a sua intenção.

O que se pretende é abordar os fundamentos por trás da necessidade dessa compensação, mas igualmente a sua análise,

através da sua integração e impacto do ponto de vista económico mais global.

Por uma questão de tempo, e por não pretender ser documento aprofundado, abordam-se apenas as questões mais

relevantes, procurando contribuir para o debate.

DIREITOS DE AUTOR

Os Direitos de autor caracterizam-se por serem um conjunto de direitos que incidem sobre as criações intelectuais a favor

dos seus titulares.

Trata-se, tal como os demais direitos de propriedade intelectual, de uma capacidade monopolista que é entregue ao seu

titular, e que lhe permite excluir terceiros do gozo sobre esses direitos.

Identificamos assim duas características essenciais:

1. Direito monopolista;

2. Exclusão de terceiros.

FIXAÇÃO

A existência de direitos de autor implica que a obra seja fixada num suporte que permita a sua comunicação e reprodução.

Sem esta fixação não há lugar a direitos de autor.

OBRA E SUPORTE

Deve-se distinguir assim entre a Obra, objecto de tutela pelos Direitos de Autor, do suporte, objecto de tutela por outras

disciplinas do Direito (salvo algumas excepções, p.e., obra única, obra rara).

A titularidade de direitos de autor sobre a obra não implica a titularidade sobre o suporte.

Assim, ser proprietário de um livro não significa a titularidade da obra fixada no livro.

É a existência desta fixação num suporte que permite a exploração económica da obra e a distinção entre os vários direitos

emanados.

DOIS BLOCOS

A divisão interna do conjunto dos direitos de autor corresponde a dois blocos muito específicos:

Direitos patrimoniais (ou económicos) e,

Direitos morais.

A vertente patrimonial corresponde ao conjunto de direitos que vai possibilitar a exploração económica das obras.

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A vertente moral tem como por base os direitos que visam manter e preservar o respeito pela integridade da obra e do

autor.

DIREITOS PATRIMONIAIS

Podemos identificar e resumir como direitos patrimoniais os seguintes:

A. Reprodução: é a fixação, directa ou indirecta, permanente ou temporária, por qualquer meio ou forma, de toda a

obra ou apenas parte dela, em suporte tangível ou intangível, que permita a sua comunicação ou obtenção de

cópias.

B. Distribuição: é a colocação à disposição do público do original ou cópias da obra, em suporte tangível, através da

sua venda, aluguer, empréstimo, ou outra forma.

C. Comunicação pública: acto que permita a uma pluralidade de sujeitos aceder à obra sem prévia distribuição de

exemplares a cada um.

D. Transformação: compreende a sua tradução, adaptação e qualquer outra adaptação da qual derive uma obra

diferente.

LIMITES/EXCEPÇÕES

Os direitos patrimoniais do autor, estão submetidos a um conjunto de limites ou excepções, do mesmo modo que

acontece com qualquer género de propriedade.

Na base destes limites existe o entendimento de que a protecção da obra ou não tem alcance ou força. São circunstâncias

externas e especificas que justificam a excepção ou limitação.

Como tal, são limites ou excepções singulares, exigidas pela tutela de outros direitos fundamentais (direito à informação

ou a liberdade de expressão), resultantes da vida e interesses da sociedade, ou ainda derivadas de circunstâncias práticas,

económicas ou das características do mercado em si.

Conseguimos assim elencar como justificação destes limites ou excepções vários princípios:

a) Princípio da função social;

b) Princípio do equilíbrio;

c) Princípio do prejuízo.

Este conjunto de limites apenas se aplica ao conjunto patrimonial dos direitos de autor. Excluem-se assim os direitos

morais que devem ser respeitados, e que, pela sua natureza correspondem a um conjunto de direitos:

1. Inalienáveis,

2. Irrenunciáveis e,

3. Perpétuos.

LIMITES/EXCEPÇÕES E NÃO DIREITOS

Assim, ao serem definidos um conjunto de limites aos direitos de autor, não se criam direitos a favor de terceiros. Articula-

se apenas um direito com, eventualmente, outro direito, ou uma necessidade prática.

Como tal, a dinâmica como essa articulação entre direitos e necessidades é realizada deve tomar em consideração quais as

razões para a limitação e de que forma não são os titulares prejudicados nos seus direitos.

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REGRA DOS 3 PASSOS

A "Regra dos 3 Passos" tem origem na Convenção de Berna e está incluída em vários tratados internacionais de Direitos de

Autor, limitando os Estados Parte no que respeita aos limites e excepções aos direitos de autor.

Assim, a "Regra dos 3 Passos" vem não apenas limitar e adequar a interpretação das excepções, mas igualmente ser

elemento regulador da integração de novos limites e excepções e da adaptação dos limites.

É constituída pelos seguintes requisitos:

1º. Deve existir um caso especial (para um objectivo bem definido e circunstancias externas e especificas

excepcionais);

2º. Não pode ocorrer prejuízo à exploração normal da obra (entendendo-se como "exploração normal" os modos pelos

quais é razoável esperar a obra será explorada)

3º. Inexistência de um prejuízo injustificado aos legítimos interesses (vantagens ou desvantagens quer reais, quer

potenciais) do titular dos direitos.

CÓPIA PRIVADA

A cópia privada é considerada a excepção mais significativa aos direitos de autor. É sem dúvida aquela que mais

frequentemente acontece e maior relevância do ponto de vista económico tem.

A cópia privada é possível em determinadas circunstâncias:

A. Implica que a reprodução ocorra sobre uma obra já divulgada,

B. Seja realizada por pessoas singulares e não colectivas,

C. Tenha como fim o seu uso privado - i.e., da pessoa. Um uso público obriga a uma licença -,

D. E não comercial - ou seja, sem ânimo de lucro -, e,

E. O acesso à obra tenha sido legítimo.

Podemos ainda considerar também que o número de cópias efectuadas pode ser relevante, devendo ser adequado e

justificado pelo fim em vista, o uso privado.

É este limite ou excepção que possibilita gravar programas de televisão, a música de um CD ou um DVD que nos foi

emprestado, fotocopiar o que necessitamos de um livro, etc.

FUNÇÃO ECONÓMICA PRIMÁRIA DOS DIREITOS DE AUTOR

Devemos ter presente que aquela que é a primeira função económica dos Direitos de Autor é a protecção contra a idêntica

reprodução de uma obra por um terceiro.

Enquanto antes da reprodução digital conseguíamos chegar a um ponto onde já não é rentável realizar quaisquer outras

cópias, pois sendo a qualidade da cópia inferior à do original, o valor das cópias diminui a cada cópia, até que ela se torne

inferior ao custo unitário de produção, actualmente a reprodução digital da informação veio tornar as cópias idênticas

possíveis.

Estamos perante uma situação de Reprodução Vertical Ilimitada.

Porém, a situação dos limites e excepções, em concreto da cópia privada adequa-se a uma situação de Reprodução

Horizontal, que acontece quando a informação também pode ser reproduzida, i.e., copiada, apenas a partir do original.

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É o que acontece tipicamente quando numa biblioteca, cada usuário faz a sua própria fotocópia de um artigo de uma

revista.

APROPRIABILIDADE INDIRECTA

Ao invés de apenas só impedir ou prevenir, o que nem sempre por razões de ordem prática, social ou legal é possível, o

Direito de Autor também pode ser usado para controlar a produção de cópias por terceiros.

Isto aplica-se em particular se o produtor do original pode apropriar-se do valor criado pelas cópias.

Este seria o caso, por exemplo, se uma biblioteca pagasse a uma revista para poder fazer as fotocópias para os seus

usuários.

É a este processo que se chama de “Apropriabilidade Indirecta”: mesmo tratando-se de cópias, esses exemplares

acabaram por gerar algumas receitas os criadores/autores/titulares, havendo incentivo para criar e investir, reconciliando

deste modo o equilíbrio entre incentivo e acesso.

COMPENSAÇÃO

A compensação tem como origem o generalizar dos vários equipamentos que vieram permitir e facilitar a reprodução das

obras.

Actualmente, quando copiar obras é mais fácil do que alguma vez foi, especialmente a nível daquilo que é a Reprodução

Vertical Ilimitada, tendo em consideração que os titulares de direitos têm um direito exclusivo sobre as suas obras, se é

colocado um limite que vai ao exercício dos seus direitos exclusivos, considera-se necessário que haja um sistema

compensatório que venha reduzir o impacto eventualmente negativo dessas cópias não autorizadas, mas permitidas.

Para mais, uma proibição contra a cópia privada não é exequível em termos práticos, e é essa constatação que origina o

princípio, “proteger onde se pode proteger, remunerar onde não se pode proteger”.

Esta consideração está vertida nos Considerandos 35º e 38º e no art. 5º, nº 2, al. b) da Directiva 2001/29/EC 1 ao referir que:

"Os Estados-Membros podem prever excepções ou limitações ao direito de reprodução (...) em qualquer meio

efectuadas por uma pessoa singular para uso privado e sem fins comerciais directos ou indirectos, desde que os

titulares dos direitos obtenham uma compensação equitativa", sendo que "o principal critério será o possível

prejuízo resultante do acto em questão para os titulares de direitos".

Encontramos idênticas previsões da necessidade de compensação no caso de excepção também no TRIPS2 art. 13º e na

Convenção de Berna, art. 13º, nº 1.

1 Directiva 2001/29/EC do Parlamento Europeu e do Conselho de 22 de Maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspectos do

direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação. 2 Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights.

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Assim, a compensação é vista como uma forma indirecta de remuneração para os titulares de direitos tendo por base a

premissa de que em regra, por questões de exequibilidade prática, os actos de cópia privada não podem ser licenciados

pelos titulares de direitos.

Se existisse essa possibilidade, então não haveria razão para a existência da excepção de cópia privada nem da taxa para

compensação equitativa, pelo que, onde existam os meios técnicos para limitar ou impedir a cópia privada não há

justificação para a existência de compensação equitativa.

A compensação deverá permitir a existência de um equilíbrio entre acesso e exclusividade, que por razões práticas para

além de justo é igualmente necessário, e que está fundamentado numa ideia de apropriabilidade Indirecta, que aqui é

presumida e tem em conta a mera possibilidade.

EQUILÍBRIO

Esta compensação, que parte da ideia de que todos os titulares de direitos querem explorar economicamente os seus

direitos, deve ser feita tendo por base critérios que não podem ser nem arbitrários, nem meramente contabilísticos, e

tomando em consideração quer a já mencionada “Regra dos 3 Passos”, mas igualmente a idoneidade dos bens e os

critérios que definem a excepção em causa.

Porém, importa também referir que a compra de equipamentos que permitem a reprodução de obras não implica

forçosamente, a utilização de obras protegidas, ou seja, a aquisição desses bens não pressupõe nem cria uma relação de

facto entre titular de direitos e consumidor da obra.

Torna-se assim relevante a questão do equilíbrio.

Por outro lado, na sequência da Directiva 2001/29/EC, a compensação deve tomar em consideração a aplicação ou não de

medidas tecnológicas e de que modo elas transformam o consumidor em licenciatário e não em beneficiário da exclusão.

A necessidade de equilíbrio foi já objecto de análise por parte do TJCE no Acórdão Padawan3 ao referir que:

“A aplicação, sem distinção, da taxa por cópia privada no que respeita a todos os tipos de equipamentos, aparelhos

e suportes de reprodução digital, incluindo na hipótese (…), em que estes últimos são adquiridos por pessoas não

singulares, para fins manifestamente estranhos ao da cópia privada, não é conforme com o artigo 5°, n° 2, da

Directiva 2001/29/EC”

ECOSSISTEMA

Do mesmo modo, da mesma maneira que os Direitos de Autor não vivem alienados da realidade, a sua interpretação e

regulamentação deve ser analisada do ponto de vista do seu impacto económico.

A título de exemplo o Relatório Hargreaves4:

“The UK has a thriving market for personal media devices which rely on private copying. We see no economic

argument for adding an extra charge to these devices in order to authorise reasonable private acts which are part

3 Padawan SL v Sociedad General de Autores y Editores de España (SGAE), Case C 467/08.

4 Digital Opportunity - A Review of Intellectual Property and Growth.

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of the normal use of devices (...) We are not aware of strong evidence of harm to rights holders done by this kind

of private copying in the normal course of using digital equipment to play works”

Se os actuais parâmetros das leis de direitos de autor ignorarem a necessidade de uma abordagem que tenha em

consideração a "eficiência económica" (ou seja, se a lei subprotege ou superprotege), os custos de transacção continuam a

ser um problema pois continua-se a minimizar os custos de transacção para um resultado sub-óptimo.

EQUILIBRIO ECONÓMICO E DESEMPENHO

Tomando em consideração a necessidade de efectuar esta compensação através de um equilíbrio entre critérios que não

sejam nem contabilísticos nem arbitrários, e tendo em perspectiva a sua inclusão no ecossistema, deve existir uma

modulação entre efeitos e necessidade.

Nesse sentido existem estudos que indicam que a nível de análise de desempenho são apresentadas perdas económicas e

redução do investimento como eventuais consequências da aplicação de sistemas de compensação como os conhecidos,

especialmente no que respeita à economia digital5 6 7.

Existem dúvidas da aplicabilidade do sistema de taxa por compensação por cópia privada, no que respeita à sua

perspectiva económica e adequabilidade a uma economia digital, considerando-se que se criam distorções e ineficiências

que afectam os consumidores, fabricantes de equipamentos e mesmo os titulares de direitos.

As distorções e ineficiências geradas podem impedir a inovação, o investimento e do desenvolvimento do mercado digital.

Os titulares de direitos podem obter ganhos significativos com a eliminação destas taxas de compensação que taxas vão

limitar e atrasar o desenvolvimento de novos serviços digitais, e assim, limitar o crescimento das vendas de música digital

e de uma compensação efectiva para os titulares de direitos, sendo que os Países com taxas mais elevadas demonstram ter

piores indústrias musicais e menor produção interna.

O Relatório Oxera calcula que com a remoção das taxas de compensação por cópia privada, a remuneração dos titulares de

direitos pode aumentar até €626M ao ano, dentro da UE, para além do retorno económico de riqueza gerada para a

economia da UE em cerca de €1.88MM ao ano.

Em termos amplos, as taxas de compensação por cópia privada reduzem o consume de equipamentos para a aquisição

legal de música e também a oferta (e o seu desenvolvimento) de serviços associados à comercialização de conteúdos,

reduzindo potenciais receitas do consumo de conteúdos e limitando oportunidades.

De igual modo, ainda que o argumento não seja o de combate à perda de receitas derivadas da pirataria, é sabido que a

aplicação desta compensação pretende igualmente ir buscar essas receitas presumivelmente perdidas, mas porém, um

aumento nos serviços digitais oferecidos contribuiria para a redução da pirataria.

5 Relatório Oxera "Is there a case for Copyright levies? An economic impact analysis"

6 Patrik Legros and Victor Ginsburgh, "The Economics of Copyright Levies on Hardware"

7 José Luis Ferreira, "Compensation for private copying: an economic analysis of alternative models"

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Uma estimativa conservadora dos custos associados ao sistema de taxas de compensação aponta para um desperdício

economia de €0,512 cêntimos por cada Euro colectado.

TEORIA DA PRIMEIRA VENDA ESGOTAMENTO DO DIREITO

Se de facto a intenção é promover uma compensação equitativa pela excepção aos direitos de autor que permitem a cópia

privada, teremos de colocar a seguinte questão.

É reconhecido que a remuneração se esgota com a primeira venda. Ou seja, a remuneração feita aos titulares de direitos

acontece apenas com a primeira venda e, havendo segunda venda, seja ela comercial ou não, não existe direito a qualquer

pagamento de direitos.

Para se admitir a excepção de cópia privada, deve ser admitida que esta só existe quando realizada de modo a que se

cumpra com os requisitos já acima referidos, entre eles, o acesso legitimo à obra objecto de direitos.

A ideia de compensação pela cópia privada baseada numa taxa a aplicar a produtos idóneos à reprodução implica uma

violação da doutrina da primeira venda, uma vez que o consumidor pagará direitos por duas, ou mais, vezes, pela mesma

obra.

IDONEIDADE, PRESUNÇÃO E POSSIBILIDADE

A compensação assenta igualmente em dois princípios:

1. O da presunção do beneficio, e,

2. O da Idoneidade do equipamento.

Assim, na ideia de compensação presume-se legitimamente que essas pessoas singulares, as únicas a quem a excepção é

aplicável, beneficiam totalmente da disponibilização dos equipamentos, ou seja, espera-se delas que explorem a plenitude

das funções associadas aos equipamentos, incluindo a de reprodução.

Consequentemente, a mera idoneidade dos equipamentos para realizar cópias basta para justificar a aplicação da taxa por

cópia privada, na condição de os referidos equipamentos ou aparelhos serem disponibilizados a pessoas singulares

enquanto utilizadores privados.

Assim, considera-se que apenas há que ter em conta a mera possibilidade para o utilizador final.

IMPOSTO OU TAXA?

A compensação em causa tem a sua origem numa imposição coactiva do estado, e não num exercício pelos particulares no

âmbito da sua autonomia privada.

Ao se prever legalmente a participação de quer entidades administrativas, quer policiais na cobrança e na fiscalização das

regras sobre a compensação, mas também quando se prevê obrigações de comunicação a entidades administrativas.

Na generalidade dos casos, as receitas derivadas desta compensação, também se encontram afectas a finalidades que vão

além de uma verdadeira remuneração dos titulares de direitos em causa. Assim, encontramos aqui funções de carácter

social e cultural e educativo, que são finalidades da comunidade, em que Estado e público estão igualmente interessados

pelo que se trata-se, pois, pelo menos numa parte que não é insignificante, de montantes afectos também a finalidades

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públicas, que transcendem o universo dos titulares dos direitos de autor, indo para além de uma eventual compensação a

estes.

Assim, haverá sempre uma consignação legal das receitas a favor de uma entidade diversa do Estado ou de uma pessoa

colectiva de direito público para a prossecução de finalidades públicas, pelo que se poderá tratar de um tributo, como

receita coactiva “parafiscal”.

COMPENSAÇÃO PELO PREJUÍZO

Como referido, a compensação equitativa tem por objecto indemnizar os autores, «de modo adequado», pela utilização

das suas obras protegidas feita sem a sua autorização.

E, segundo o TJCE, na sequência do Acórdão Padawan,

"o conceito de «compensação equitativa», na acepção do artigo 5°, n° 2, alínea b), da Directiva 2001/29, é um

conceito autónomo de direito da União, que deve ser interpretado de maneira uniforme em todos os

Estados‑Membros que tenham introduzido uma excepção de cópia privada".

Deverá igualmente ter como principal critério "o possível prejuízo" resultante do acto em questão para os titulares de

direitos, pois, na sequência do mesmo acórdão, "a realização de uma cópia por uma pessoa singular agindo a título privado

deve ser considerada um acto de natureza a provocar um prejuízo para o autor da obra em causa", sendo que, "daqui

decorre que a pessoa que causou o prejuízo ao titular exclusivo do direito de reprodução é a que realiza, para seu uso

privado, essa reprodução de uma obra protegida sem solicitar a autorização prévia do referido titular".

Prejuízo em direito é interpretado como uma oportunidade de licenciamento perdida, ou seja, um royalty que poderia ter

sido cobrado.

Porém, existe aqui uma redundância, senão vejamos: se existe uma excepção aos direitos de autor, não existe infracção,

pelo que não haveria lugar à emissão de qualquer licença. Assim, se a actividade é permitida, por lógica não pode existir

prejuízo originado da mesma.

Em termos económicos, prejuízo é identificado como uma venda perdida, ou seja, se a cópia substitui uma compra que de

outro modo teria sido realizada, porém, normalmente, a perda de vendas não é algo a ser compensado.

Por outro lado, na sequência da doutrina da primeira venda e esgotamento do direito, a questão que se coloca é: sendo a

taxa uma compensação pelo possível prejuízo provocado pela cópia privada, para a cópia ser privada há que ter acesso

legítimo à obra, como já referimos.

Assim, onde fica o prejuízo?

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CONCLUSÕES

1. A compensação derivada da limitação dos direitos exclusivos pertencentes aos seus titulares é algo de elementar

justiça.

2. Se o legislador considera que deve permitir essas excepções, então ao interferir na esfera da propriedade privada,

deve prevenir mecanismos de compensação.

3. Fica a dúvida se a imposição de uma taxa sobre equipamentos idóneos é a melhor solução possível, ou um mal menor.

4. Aceitando que de momento será uma solução, a mesma deve obedecer a critérios bastante exigentes quanto à sua

concretização.

5. Não deve porém ser esquecido que os direitos de autor fazem parte de um sistema económico mais complexo e

dinâmico e como tal, haverá outros interesses a deverem ser considerados.

6. A última questão, que parece nunca ser referida, prende-se com a articulação entre estas taxas compensatórias e a

doutrina do esgotamento da primeira venda.

MARCO ALEXANDRE SAIAS

Advogado e consultor de propriedade intelectual, tem prestado apoio e gerido projectos para clientes (entre eles BOSCH, ESA,

JumpCut, JWT, PLY, Fundação EDP, UPIN, Agência Inova, ETIC, Norma Jean, BBDO, APAP) nas áreas dos direitos de autor, marcas,

patentes, combate à contrafacção/pirataria, segredos comerciais/industriais, concorrência desleal, violação de propriedade

intelectual, enforcement de propriedade intelectual, enforcement aduaneiro, protecção de dados, privacidade, publicidade,

licenciamento e gestão de propriedade intelectual.

[email protected] | @marcosaias